1
TERÇA-FEIRA | 2 JAN 2018 | 09 Ana Sofia Pinheiro O fogo foi implacável. Ceifou vidas, deixou muitos sem tecto, queimou árvores e tudo o que encontrou pelo caminho. ‘Pin- tou’o horizonte em tons de cin- zento e castanho. Quem cir- cula na Estrada Nacional 236, entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, só vê terra árida e queimada, de um lado e do outro. Desolador. Mais de- solador se torna ao chegar à zona habitacional, onde várias casas foram tomadas pelas chamas e não resistiram, dei- xando sem tecto algumas fa- mílias. É o caso da família Fer- nandes, cuja residência está à face daquela estrada nacional, via rodoviária onde 47 pessoas morreram dentro dos seus car- ros ou perto deles, quando procuravam, em desespero, uma saída segura das chamas. Da família, composta por sete elementos, todos estão bem e não sofreram sequelas do in- cêndio.Acasa foi atingida e me- tade do telhado ruiu, deixando a família numa situação difícil, já que não tem meios de sub- sistência para suportar a des- pesa da reconstrução. É esta a família que o projecto avei- rense ‘Castanheira Renasce’ se propôs ajudar. E agora, qual prenda de Natal, surge a an- siada resposta. O projecto de reconstrução e ampliação da sua casa foi aprovado pelo co- mité de acompanhamento que deu ‘luz verde’ para avançar com as obras, orçadas em mais de 126 mil euros. Reunidos na Câmara Muni- cipal de Castanheira de Pera, sob o olhar atento da presi- dente da autarquia, Alda Car- valho, os promotores do pro- jecto, liderado por Sérgio Chéu (da empresa aveirense Smart Vision) e do qual o Diário de Aveiro (jornal associado do Diário de Leiria) faz parte desde a primeira hora, apresentaram o trabalho até agora realizado no âmbito do projecto. Casa adaptada às reais necessidades da família Mais do que reconstruir a habitação danificada pelo in- cêndio, o líder do projecto, ao conhecer a família, nas sema- nas seguintes à tragédia, per- cebeu que as suas carências eram mais complexas, já que o espaço existente não satisfaz as reais necessidades. Um dos elementos da família, por exemplo, movimenta-se numa cadeira de rodas e a casa não está adaptada às suas necessi- dades. Então, de uma ‘simples’ re- construção, o projecto passa a dirigir atenções para uma am- pliação e iniciou contactos pa - ra que tal desiderato pudesse concretizar-se, nomeadamente a cedência de terrenos contí- guos à casa, para que esta pu- desse ser ampliada. Um pro- cesso jurídico e administrativo que “levou o seu tempo” e os promotores demoraram al- guns meses a ultrapassar todos os obstáculos que foram sur- gindo. E eis, agora, que a boa nova surge: o projecto foi apro- vado. E tal como dizia um dos elementos ligados ao projecto: “Agora é trabalhar”. Ampliação custa mais de 126 mil euros “Acreditamos que podemos fazer algo diferente”, disse Sér- gio Chéu, líder do ‘Castanheira Renasce’, que criou um site (castanheirarenasce.com) para o projecto poder ser acompa- nhado a par e passo, de uma forma “totalmente” transpa- rente. A família que vai receber esta ‘nova’ casa é composta pelos seguintes elementos: Eva Fer- nandes (solteira, operária flo- restal), Gracinda Carvalho (viú- va, pensionista), Nuno Fernan- des (casado, operário florestal), Paula Freitas (casada, desem- pregada), Vânia Fernandes (fi- lha, estudante), Maria Santana (viúva, pensionista) e Rui Car- valho (solteiro, pensionista por invalidez). A casa da família Fernandes vai passar a estar dividida de acordo com os diferentes nú- cleos: de um lado pai, mãe e fi- lha; do outro os restantes membros, sendo que ‘no meio’ da habitação estarão localiza- dos os espaços comuns, como a sala e cozinha. Para além desta divisão equi- librada, as obras vão permitir a ampliação de uma das casas de banho para uso do familiar que tem de usar cadeira de ro- das. Após a construção, faz parte do projecto ajudar na ‘adaptação’ da família ao novo espaço e o acompanhamento necessário para que saibam como cuidar do novo bem. As obras estão orçamentadas e custam, segundo o caderno de encargos, mais de 126.500 eu- ros, sendo que o projecto foi realizado pela Cimave, em- presa envolvida no projecto. No final da apresentação, que mereceu a aprovação con- sensual, Aniceto Carmo, da Ci- mave Construções, dizia, em jeito de desafio: “Agora é tra- balhar”. Também Alda Carvalho, pre- sidente da autarquia, sublinhou que o projecto é digno e que é um exemplo de como “uma tragédia poder ser encarada como uma oportunidade”. “Estamos a 200 por cento ao lado do projecto”, afiançou a autarca de Catanheira de Pera, na reunião do comité de acom- panhamento, de que o Diário de Aveiro (DA) faz parte. Nicolas Wallaert, director-ge- ral da Cofidis Portugal, par- ceiro do projecto e membro daquele comité disse que, logo que o incêndio de Junho [de 2017] tomou proporções de tragédia, todos, na empresa, sentiram que “era importante fazer alguma coisa”, mas não queriam “fazer apenas” qual- quer coisa, defendendo reco- nhecer no ‘Castanheira Re- nasce’ uma “dimensão social muito importante” na qual a empresa que lidera se revê e por isso apoia a iniciativa de “corpo inteiro”. Família satisfeita Depois da reunião na sede da autarquia de Castanheira de Pera, o comité de acompanha- mento foi visitar a família Fer- nandes para lhes dar a ‘notícia’. “Já estávamos à espera há muito tempo”, ainda desaba- fou Nuno Fernandes, reconhe- cendo, contudo, que vão rece- ber bem mais do que espera- vam. “Graças a Deus que tudo correu bem”, disse, afirmando- -se satisfeito com o resultado. Voltar a Junho e às memó- rias de um incêndio que nunca mais vão esquecer não foi fácil para Nuno Fernandes. “Foi o pior dia da minha vi- da”, disse ao DA, desabafando que agora o que o assusta são as tempestades. Como a ‘Ana’, no início de Dezembro. “Foi um susto muito grande; pen- sava que a lona [colocada en- tretanto com o apoio de um vizinho amigo para evitar que chovesse dentro de casa] ia voar e chover aqui dentro”, disse. Agora que o projecto foi aprovado e toda a tramitação legal está a ser realizada para que o início das obras se faça o quanto antes, os promotores do projecto solidário ‘Casta- nheira Renasce’ estão a reunir as dádivas prometidas por em- presas e particulares. Entre as empresas que apoi- am esta iniciativa de cariz soli- dário estão algumas ligadas à construção civil, como a Gres Panaria ou a Primagera, que vão apoiar com a doação dos materiais necessários para a construção e reconstrução da casa. Também apoia a OLI, em tudo o que diga respeito a ca- sas-de-banho. São alguns exemplos, mas as entidades que queiram aderir a apoiar esta iniciativa, ainda o podem fazer, porque toda a ajuda é bem-vinda. Seja em bens ou até com mão-de-obra. No escalonamento previsto, a construção deverá avançar em breve, sendo que as em- presas que se associaram à ini- ciativa ainda pretendem envol- ver os seus funcionários para “arregaçarem as mangas” e “meterem a mão na massa”, li- teralmente, ajudando a pintar, colocar tijolos, carregar mobí- lia... “tudo o que for preciso”, dizia no final da reunião um dos promotores. E o DA vai estar presente em todos estes passos, para relatar cada momento até ao final. O mesmo é dizer, até que a famí- lia Fernandes ‘entre’ na nova casa. | FOTOS. DR Casa da família Fernandes atingida pelas chamas de Junho de 2017 Números 126 Mil euros é o valor do projecto de reconstrução e ampliação da casa. 24 Empresas parceiras do projecto solidário “Castanheira renasce”. 35 Mais de 35 particulares envolveram-se no projecto para apoiar família. Incêndios O projecto de reconstrução e ampliação da casa da família Fernandes foi aprovado pelo comité de acompanhamento. Está tudo a postos para avançar com a obra, que vai custar 126 mil euros Projecto solidário dá nova casa a família de Castanheira de Pera Comité de acompanhamento visita casa da Família Fernandes REPORTAGEM Voltar a Junho [de 2017] e às memórias de um incêndio que nunca mais vão esque- cer não foi fácil para Nuno Fernandes

Projecto solidário dá nova casa a família de …castanheirarenasce.com/cms/wp-content/uploads/2018/01/dl09.pdf · que o projecto é digno e que é um exemplo de como “uma tragédia

  • Upload
    ngotruc

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Projecto solidário dá nova casa a família de …castanheirarenasce.com/cms/wp-content/uploads/2018/01/dl09.pdf · que o projecto é digno e que é um exemplo de como “uma tragédia

TERÇA-FEIRA | 2 JAN 2018 | 09

Ana Sofia Pinheiro

O fogo foi implacável. Ceifouvidas, deixou muitos sem tecto,queimou árvores e tudo o queencontrou pelo caminho. ‘Pin-tou’ o horizonte em tons de cin-zento e castanho. Quem cir-cula na Estrada Nacional 236,entre Figueiró dos Vinhos eCastanheira de Pera, só vê terraárida e queimada, de um ladoe do outro. Desolador. Mais de-solador se torna ao chegar àzona habitacional, onde váriascasas foram tomadas pelaschamas e não resistiram, dei-xando sem tecto algumas fa-mílias. É o caso da família Fer-nandes, cuja residência está àface daquela estrada nacional,via rodoviária onde 47 pessoasmorreram dentro dos seus car-ros ou per to deles, quandoprocuravam, em desespero,uma saída segura das chamas.

Da família, composta por seteelementos, todos estão bem enão sofreram sequelas do in-cêndio. A casa foi atingida e me-tade do telhado ruiu, deixandoa família numa situação difícil,já que não tem meios de sub-sistência para suportar a des-pesa da reconstrução. É esta afamília que o projecto avei-rense ‘Castanheira Renasce’ sepropôs ajudar. E agora, qualprenda de Natal, surge a an-siada resposta. O projecto dereconstrução e ampliação dasua casa foi aprovado pelo co-mité de acompanhamento quedeu ‘luz verde’ para avançarcom as obras, orçadas em maisde 126 mil euros.

Reunidos na Câmara Muni-cipal de Castanheira de Pera,sob o olhar atento da presi-dente da autarquia, Alda Car-valho, os promotores do pro-jecto, liderado por Sérgio Chéu(da empresa aveirense SmartVision) e do qual o Diário deAveiro (jornal associado doDiário de Leiria) faz parte desdea primeira hora, apresentaramo trabalho até agora realizadono âmbito do projecto.

Casa adaptada às reais necessidades da família

Mais do que reconstruir a

habitação danificada pelo in-cêndio, o líder do projecto, aoconhecer a família, nas sema-nas seguintes à tragédia, per-cebeu que as suas carênciaseram mais complexas, já queo espaço existente não satisfazas reais necessidades. Um doselementos da família, porexemplo, movimenta-se numacadeira de rodas e a casa nãoestá adaptada às suas necessi-dades.

Então, de uma ‘simples’ re-construção, o projecto passa adirigir atenções para uma am-pliação e iniciou contactos pa -ra que tal desiderato pudesseconcretizar-se, nomeadamentea cedência de terrenos contí-guos à casa, para que esta pu-desse ser ampliada. Um pro-cesso jurídico e administrativoque “levou o seu tempo” e os

promotores demoraram al-guns meses a ultrapassar todosos obstáculos que foram sur-gindo. E eis, agora, que a boanova surge: o projecto foi apro-vado. E tal como dizia um doselementos ligados ao projecto:“Agora é trabalhar”.

Ampliação custa mais de 126 mil euros

“Acreditamos que podemosfazer algo diferente”, disse Sér-gio Chéu, líder do ‘CastanheiraRenasce’, que criou um site(castanheirarenasce.com) parao projecto poder ser acompa-nhado a par e passo, de umaforma “totalmente” transpa-rente.

A família que vai receber esta‘nova’ casa é composta pelosseguintes elementos: Eva Fer-nandes (solteira, operária flo-

restal), Gracinda Carvalho (viú -va, pensionista), Nuno Fernan-des (casado, operário florestal),Paula Freitas (casada, desem-pregada), Vânia Fernandes (fi-lha, estudante), Maria Santana(viúva, pensionista) e Rui Car-valho (solteiro, pensionista porinvalidez).

A casa da família Fernandesvai passar a estar dividida deacordo com os diferentes nú-cleos: de um lado pai, mãe e fi-lha; do outro os restantesmembros, sendo que ‘no meio’da habitação estarão localiza-dos os espaços comuns, comoa sala e cozinha.

Para além desta divisão equi-librada, as obras vão permitira ampliação de uma das casasde banho para uso do familiarque tem de usar cadeira de ro-das. Após a construção, fazparte do projecto ajudar na‘adaptação’ da família ao novoespaço e o acompanhamentonecessário para que saibamcomo cuidar do novo bem. Asobras estão orçamentadas ecustam, segundo o caderno deencargos, mais de 126.500 eu-ros, sendo que o projecto foirealizado pela Cimave, em-presa envolvida no projecto.

No final da apresentação,que mereceu a aprovação con-sensual, Aniceto Carmo, da Ci-mave Construções, dizia, em

jeito de desafio: “Agora é tra-balhar”.

Também Alda Carvalho, pre-sidente da autarquia, sublinhouque o projecto é digno e que éum exemplo de como “umatragédia poder ser encaradacomo uma oportunidade”.

“Estamos a 200 por cento aolado do projecto”, afiançou aautarca de Catanheira de Pera,na reunião do comité de acom-panhamento, de que o Diáriode Aveiro (DA) faz parte.

Nicolas Wallaert, director-ge-ral da Cofidis Portugal, par-ceiro do projecto e membrodaquele comité disse que, logoque o incêndio de Junho [de2017] tomou proporções detragédia, todos, na empresa,sentiram que “era importantefazer alguma coisa”, mas nãoqueriam “fazer apenas” qual-quer coisa, defenden do reco-nhecer no ‘Castanheira Re-nasce’ uma “dimensão socialmuito importante” na qual aempresa que lidera se revê epor isso apoia a iniciativa de“corpo inteiro”.

Família satisfeitaDepois da reunião na sede

da autarquia de Castanheira dePera, o comité de acompanha-mento foi visitar a família Fer-nandes para lhes dar a ‘notícia’.

“Já estávamos à espera hámuito tempo”, ainda desaba-fou Nuno Fernandes, reconhe-cendo, contudo, que vão rece-ber bem mais do que espera-vam. “Graças a Deus que tudocorreu bem”, disse, afirmando--se satisfeito com o resultado.

Voltar a Junho e às memó-rias de um incêndio que nuncamais vão esquecer não foi fácilpara Nuno Fernandes.

“Foi o pior dia da minha vi -da”, disse ao DA, desabafandoque agora o que o assus ta sãoas tempestades. Como a ‘Ana’,no início de Dezembro. “Foium susto muito grande; pen-sava que a lona [colocada en-tretanto com o apoio de umvizinho amigo para evitar quechovesse dentro de casa] iavoar e chover aqui dentro”,disse.

Agora que o projecto foiaprovado e toda a tramitaçãolegal está a ser realizada paraque o início das obras se façao quanto antes, os promotoresdo projecto solidário ‘Casta-nheira Renasce’ estão a reuniras dádivas prometidas por em-presas e particulares.

Entre as empresas que apoi -am esta iniciativa de cariz soli-dário estão algumas ligadas àconstrução civil, como a GresPanaria ou a Primagera, quevão apoiar com a doação dosmateriais necessários para aconstrução e reconstrução dacasa. Também apoia a OLI, emtudo o que diga respeito a ca-sas-de-banho.

São alguns exemplos, mas asentidades que queiram aderira apoiar esta iniciativa, ainda opodem fazer, porque toda aajuda é bem-vinda. Seja embens ou até com mão-de-obra.

No escalonamento previsto,a construção deverá avançarem breve, sen do que as em-presas que se associaram à ini-ciativa ainda pretendem envol-ver os seus funcionários para“arregaçarem as mangas” e“meterem a mão na massa”, li-teralmente, ajudando a pintar,colocar tijolos, carregar mobí-lia... “tudo o que for preci so”,dizia no final da reunião umdos promotores.

E o DA vai estar presente emtodos estes passos, para relatarcada momento até ao final. Omes mo é dizer, até que a famí-lia Fernandes ‘entre’ na novacasa.|

FOTOS. DR

Casa da família Fernandes atingida pelas chamas de Junho de 2017

Números

126Mil euros é o valordo projecto de reconstruçãoe ampliação da casa.

24Empresas parceirasdo projecto solidário“Castanheira renasce”.

35Mais de 35 particularesenvolveram-se no projectopara apoiar família.

Incêndios O projecto de reconstrução e ampliação da casa da família Fernandes foi aprovado pelocomité de acompanhamento. Está tudo a postos para avançar com a obra, que vai custar 126 mil euros

Projecto solidário dá nova casa a família de Castanheira de Pera

Comité de acompanhamento visita casa da Família Fernandes

REPORTAGEM

Voltar a Junho [de2017] e às memóriasde um incêndio quenunca mais vão esque-cer não foi fácil paraNuno Fernandes