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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas – IAG/USP Rafael J. R. Batista 1 , Fábio L. T. Gonçalves 2 [1] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, Brasil, [email protected] [2] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, Brasil, [email protected] Projeções do índice de conforto térmico Temperatura Aparente para a RMSP através do modelo RegCM3 Introdução A Temperatura Aparente (AT) (Steadman, 1994) é um dos índices mais conhecidos no mundo e segue o princípio de uma temperatura equivalente i.e. a temperatura em um determinado nível de umidade, que produz a mesma quantidade de desconforto experimentada nas condições atuais de temperatura e umidade do ambiente. No Brasil Campos et al. (2010) e Nóbrega e Lemos (2011) usaram AT para estimar respectivamente o desconforto nas cidades de Maceió (Estado do Alagoas) e Recife (Estado de Pernambuco). AT também é usada na agricultura, como em Medeiros et al. (2005) que analisou AT para desenvolver um índice térmico para produtividade de frangos de corte. Apesar de este tipo de índice apresentar limitações (Jones, 2002), sua praticidade possibilita aplicação em modelos numéricos, de tal forma que os resultados possam ser usados para estudos preditivos em diversas áreas da sociedade, como saúde pública (da Silva e Ribeiro, 2006), arquitetura (Nikolopoulou e Steemers, 2003), medicina (Fanger, 1973), agricultura (da Rocha et al., 2008) e também para futuros planejamentos ligados à mitigação dos impactos das mudanças climáticas na MRSP. O uso de modelos climáticos regionais (MCR) integra parte dos esforços para prever o comportamento local do clima e estimar seus impactos na sociedade diante das fortes evidências de aquecimento do sistema climático (IPCC, 2007). Este trabalho faz uma comparação entre as variáveis chave observadas e simuladas* utilizadas no cálculo de AT e apresenta as projeções climáticas desse índice para a RMSP, obtidas a partir do modelo climático regional (MCR) RegCM3. São apresentados os períodos de 1960-1990 (passado), 2010-2040 (presente-futuro próximo) e 2070-2100 (futuro distante), considerando o cenário de emissões A1B do IPCC. Os resultados apresentados mostram uma tendência de aumento da temperatura que reflete no aumento de AT, fazendo com que o inverno seja praticamente descaracterizado na RMSP. O aumento nos valores climáticos de AT deve ser considerado no planejamento de ações futuras considerando ainda outros aspectos como o gradual aumento populacional. O Passado recente [1960-1990] A Figura 1 ilustra a variação de AT de 1960 a 1990 e caracteriza o clima passado recente da RMSP. É possível observar os extremos de temperatura anteriormente citados i.e. AT elevado durante o verão e baixo durante o inverno. Neste caso o IQ é preenchido pelas ocorrências de AT inferiores a 10.6°C. Nota-se que as ocorrências de AT no IQ iniciam em Maio (9.8%), aumentam em Junho (21.5%) e atingem o pico em Julho (36.4%). Nesta época do ano o frio pode ser realmente intenso para brasileiros, tanto que em algumas situações, órgãos públicos da região realizam atividades como doação de roupas e cobertores para os pobres e o recolhimento de pessoas que moram nas ruas. Nos meses seguintes AT volta a se elevar e as ocorrências em IQ diminuem. De acordo com as simulações do MCR Agosto apresenta 24.7%, Setembro 17.3% e Outubro 6.9%. Essa redução da porcentagem de IQ se explica pelo fato da Primavera ser uma estação de transição no qual são observadas temperaturas levemente mais elevadas em relação aos meses de inverno. Do ponto de vista meteorológico diminui a frequência da chegada de massas de ar provenientes de latitudes mais altas na RMSP, consequentemente diminuindo também a advecção negativa de temperatura. O aumento da temperatura média provoca o aumento de AT e consequentemente sua redução no IQ. Por outro lado, aumentam as ocorrências de AT no SQ i.e. os casos em que o valor de AT é igual ou superior a 22.6°C. A porcentagem de AT no SQ começa a subir a partir de Setembro (3.5%) e de forma mais significativa em Outubro (11.2%) e Novembro (17.4%). O verão é composto pelos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro e é caracterizado como a estação chuvosa na RMSP. Ele também é conhecido como o período mais quente do ano e isso reflete as ocorrências de AT no SQ. A maioria dos valores médios de AT deste período pertencem ao SQ i.e. foram iguais ou superiores a 22.6°C. Especificamente Dezembro apresenta 24.3%, Janeiro 27.5% e Fevereiro 21.7%. Em termos gerais a Figura 1 ilustra o clima passado da RMSP, com estações bem definidas e tanto meses frios - no qual um número significativo de dias apresenta valores médios diários de AT abaixo de 10.6°C (Junho, Julho, Agosto e Setembro) - quanto meses quentes - com grande parte dos dias apresentando AT maior ou igual a 22.6°C (Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro). Figura 1 – Distribuição quantílica mensal de AT para 1960-1990. Metodologia Inicialmente foram obtidos dados da estação meteorológica do Instituto de Astronomia Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) para o mesmo período das simulações do RCM i.e. de 01 de janeiro de 1959 a 31 de dezembro de 1990. A estação meteorológica do IAG está localizada em 23,6512°S e 46,6224°W. Dados de 1959 foram descartados para que as duas séries de tempo (da estação e do modelo) ficassem iguais, já que o primeiro ano da série simulada pelo MCR foi considerada como de ajuste do mesmo e excluído das análises. Os dados da estação foram utilizados para validação do MCR, i.e. comparados através dos índices estatísticos root mean squared error (RMSE) e bias para verificar se as simulações representavam de maneira satisfatória o clima da região de interesse. AT média diária foi então calculada para 1960-1990, 2010-2040 e 2070-2100 e separada por meses, para então serem feitas análises através dos quantis. A análise das projeções de AT são feitas através dos quantis (Wilks, 1995) no qual as séries de tempo são separadas em 10 grupos para tornar possível a análise dos valores extremos. Assim, os grupos foram denominados IQ (quantil inferior), Q10-Q20, Q20-Q30, Q30-Q40, Q40-Q50, Q50-Q60, Q60-Q70, Q70-Q80, Q80-Q90 e SQ (quantil superior). Os valores que separam esses grupos (limiares) foram extraídos considerando 1960-1990 e então aplicados a cada mês individualmente. Desta maneira também é possível obter informações de um único mês ou estação, além de todo o período simulado. Por fim, foi definida uma escala de cores para melhor identificação dos quantis. Os extremos inferiores de AT (frio) possuem uma cor azulada, enquanto que os extremos superiores (calor) possuem uma cor avermelhada. Para comparação das mudanças climáticas de AT simuladas a cada estação do ano é proposto o Seasonal trend index (STI). Para isso é considerado que 100% é a porcentagem máxima de AT em um determinado quantil por mês. Como as estações do ano apresentam 3 meses é atingido o valor de 300% como porcentagem máxima de AT para cada estação. Assim, para verificar quantitativamente a mudança de AT por estação é estabelecido que STI seja dado pela diferença entre determinado quantil (SQ ou IQ) do período mais distante simulado com o período passado, divido por 300 e em seguida multiplicado por 100. Matematicamente tem-se onde STI representa o Seasonal trend index e Q diff a diferença entre os quantis. Como aqui o foco são os extremos da série temporal, apenas IQ e SQ serão considerados para o cálculo do STI. Futuro próximo [2010-2040] Conforme olhamos para o clima do futuro próximo vemos uma tendência para que os valores de AT se desloquem para quantis mais altos, i.e. que na Figura 2 AT esteja deslocado para a direita. Este é o padrão observado em todos os meses com exceção de Junho, onde a ocorrência de AT no IQ aumenta em aproximadamente 5%, indo de 21.5% (1960-1990) para 26.7% (2010-2040). Isto demonstra que nesta época o inverno tende a atingir seu pico de frio mais intenso em Junho, i.e. mais cedo do que nos anos anteriores. Ainda é possível observar que em Julho o número de dias frios diminui em relação ao clima passado, com ocorrência de AT no IQ aproximada de 24.5%. A diferença mais notável entre a Figura 1 e 2 é relacionada ao SQ. O aumento dos valores de AT que provocam o seu deslocamento para os quantis superiores são mais evidentes nas épocas mais quentes do ano. Assim, observa-se que a maior parte dos dias de Outubro até Março apresentam AT médio diário iguais ou superiores a 22.6°C. Em alguns casos, como em Fevereiro e Dezembro, a diferença entre o total de valores de AT classificados como SQ de 2010-2040 em relação a 1960-1990 chega a quase 20%. É possível inferir que os maiores valores de AT estão ligados ao aumento da temperatura do ar prevista pelo modelo. Futuro distante [2070-2100] A previsão climática para os valores de AT no período de 2070-2100 ilustrada na Figura 3 segue mostrando o deslocamento de AT médio diário para quantis superiores. Nesta época o inverno na MRSP é totalmente descaracterizado em relação a 1960-1990, de forma que são observados poucos dias no qual AT é inferior a 10.6°C. Fazendo a diferença entre a porcentagem do IQ de Julho de 2070-2100 e 1960-1990 obtém-se -29.3%, i.e. uma redução de quase 30% nos dias mais frios da região. Isso indica que no futuro problemas causados por baixas temperaturas tendem a diminuir na RMSP. O SQ da Figura 3 mostra uma grande mudança em relação às figuras anteriores, observando-se um aumento ainda mais significativo nas porcentagens de SQ. Em outras palavras, o reflexo do aumento da temperatura média diária no futuro faz com que a grande maioria dos dias na RMSP tenham AT classificados no SQ. É possível também observar que Dezembro, Janeiro e Fevereiro apresentam SQ acima de 60%. Isto significa que apesar de ocorrerem menos problemas por frio, a parte da população mais vulnerável (como pessoas idosas, moradores de rua e crianças recém nascidas) estará sujeita aos problemas ocasionados pelo calor excessivo. Seasonal trend index Como parte da caracterização das mudanças climáticas esperadas para as estações na RMSP observa-se na Figura 4 a mesma tendência de aquecimento abordada nas tópicos anteriores. A figura mostra que na primavera o dias quentes tendem a aumentar quase 40% e os frios diminuir aproximadamente 8%. A magnitude do aumento de SQ na primavera em relação à magnitude da redução do IQ é explicada pela quantidade de dias quentes e frios registrados nesta estação. No verão essa diferença entre as magnitudes também é observada tendo em vista que muitos poucos dias possuem AT no IQ. Assim a grande mudança ocorre no SQ onde se nota um aumento de quase 50%, i.e. os verões de 2070-2100 tendem a ter aproximadamente 50% mais dias com AT no SQ do que os verões de 1960-1990. O outono é caracterizado como uma estação de transição e assim o seu STI assume um formato semelhante à primavera. Já no inverno, a mudança é mais significativa no IQ pois o número de dias frios com AT pertencentes a este quantil extremo é maior do que no SQ. Assim observa-se uma diminuição de aproximadamente 20% na quantidade de dias com AT no IQ, i.e. no conjunto total dos dias mais frios do inverno. É possível notar também um pequeno aumento no número de dias no qual AT é classificado como SQ, explicado pela redistribuição gradual de AT para os outros quantis ocasionada pela tendência no aumento de temperatura. Figura 2 – Distribuição quantílica mensal de AT para 2010-2040. Figura 3 – Distribuição quantílica mensal de AT para 2070-2100. Figura 4 – STI para estações do ano. Referências Steadman, R.G., 1994. Norms of apparent temperature in Australia. Australian Meteorological Magazine, 43: 1-16. Wilks, D.S., 1995. Statistical Methods in the Atmospheric Sciences: An Introduction. International Geophysics Series, 59, Academic Press, 464 pp. Nikolopoulou, M., Steemers, K., 2003. Thermal Comfort and Psychological Adaptation as a Guide for Designing Urban Spaces. Energy and Buildings, 35 (1): 95-101. IPCC, 2007. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 996 pp. Campos, N.T., Neto, H.M.B., Filho, M.R.T., 2010. Avaliação do conforto térmico para Maceió - AL. XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia. Sociedade Brasileira de Meteorologia, Belém, Pará, Brazil. Nóbrega, R.S., Lemos, T.V.S., 2011. O microclima e o (des)conforto térmico em ambientes abertos na cidade de Recife. Revista de Geografia (UFPE). 28 (1): 93-109. Medeiros, C.M., Baêta, F.C., de Oliveira, R.F.M., Tinôco, I.F.F., Albino, L.F.T., Cecon, P.R., 2005. Índice térmico ambiental para frangos de corte. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. 9 (4): 660-665. Jones, B.W., 2002. Capabilities and limitations of thermal models for use in thermal comfort standards. Energy and Buildings, 34 (6): 653–659. da Silva, E.N., Ribeiro, H., 2006. Alterações da temperatura em ambientes externos de favela e desconforto térmico. Revista Saúde Pública, 40 (4):663-70. Fanger, P. O., 1973. Assessment of man's thermal comfort in practice. British Journal of Industrial Medicine, 30: 313-324. da Rocha, D.R., Araújo, A.A., Moura, A.A.A.N., Sales, M.G.F., 2008. Avaliação de estresse térmico em vacas leiteiras mestiças (Bos taurus x Bos indicus) durante os períodos chuvoso e seco no Estado do Ceará. 45ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Sociedade Brasileira de Zootecnia, Lavras, Minas Gerais, Brazil. * Por limitações de espaço do painel esses resultados não são apresentados. Agradecimentos O autor gostaria de agradecer aos colegas do IAG-USP, ao GrEC, ao CORDEX e ao CLARIS-LPB; bem como à FAPESP e ao CNPq pelo apoio financeiro que tornaram a pesquisa possível.

Projeções do índice de conforto térmico Temperatura

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas – IAG/USP

Rafael J. R. Batista1, Fábio L. T. Gonçalves2

[1] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, Brasil, [email protected]

[2] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, Brasil, [email protected]

Projeções do índice de conforto térmico Temperatura Aparente para a RMSP através do modelo RegCM3

Introdução

A Temperatura Aparente (AT) (Steadman, 1994) é um dos índices mais conhecidos no mundo e segue o princípio de uma temperatura equivalente i.e. a temperatura em um determinado nível de umidade, que produz a mesma quantidade de desconforto experimentada nas condições atuais de temperatura e umidade do ambiente. No Brasil Campos et al. (2010) e Nóbrega e Lemos (2011) usaram AT para estimar respectivamente o desconforto nas cidades de Maceió (Estado do Alagoas) e Recife (Estado de Pernambuco). AT também é usada na agricultura, como em Medeiros et al. (2005) que analisou AT para desenvolver um índice térmico para produtividade de frangos de corte.

Apesar de este tipo de índice apresentar limitações (Jones, 2002), sua praticidade possibilita aplicação em modelos numéricos, de tal forma que os resultados possam ser usados para estudos preditivos em diversas áreas da sociedade, como saúde pública (da Silva e Ribeiro, 2006), arquitetura (Nikolopoulou e Steemers, 2003), medicina (Fanger, 1973), agricultura (da Rocha et al., 2008) e também para futuros planejamentos ligados à mitigação dos impactos das mudanças climáticas na MRSP. O uso de modelos climáticos regionais (MCR) integra parte dos esforços para prever o comportamento local do clima e estimar seus impactos na sociedade diante das fortes evidências de aquecimento do sistema climático (IPCC, 2007).

Este trabalho faz uma comparação entre as variáveis chave observadas e simuladas* utilizadas no cálculo de AT e apresenta as projeções climáticas desse índice para a RMSP, obtidas a partir do modelo climático regional (MCR) RegCM3. São apresentados os períodos de 1960-1990 (passado), 2010-2040 (presente-futuro próximo) e 2070-2100 (futuro distante), considerando o cenário de emissões A1B do IPCC. Os resultados apresentados mostram uma tendência de aumento da temperatura que reflete no aumento de AT, fazendo com que o inverno seja praticamente descaracterizado na RMSP. O aumento nos valores climáticos de AT deve ser considerado no planejamento de ações futuras considerando ainda outros aspectos como o gradual aumento populacional.

O Passado recente [1960-1990]

A Figura 1 ilustra a variação de AT de 1960 a 1990 e caracteriza o clima passado recente da RMSP. É possível observar os extremos de temperatura anteriormente citados i.e. AT elevado durante o verão e baixo durante o inverno. Neste caso o IQ é preenchido pelas ocorrências de AT inferiores a 10.6°C. Nota-se que as ocorrências de AT no IQ iniciam em Maio (9.8%), aumentam em Junho (21.5%) e atingem o pico em Julho (36.4%). Nesta época do ano o frio pode ser realmente intenso para brasileiros, tanto que em algumas situações, órgãos públicos da região realizam atividades como doação de roupas e cobertores para os pobres e o recolhimento de pessoas que moram nas ruas. Nos meses seguintes AT volta a se elevar e as ocorrências em IQ diminuem. De acordo com as simulações do MCR Agosto apresenta 24.7%, Setembro 17.3% e Outubro 6.9%. Essa redução da porcentagem de IQ se explica pelo fato da Primavera ser uma estação de transição no qual são observadas temperaturas levemente mais elevadas em relação aos meses de inverno. Do ponto de vista meteorológico diminui a frequência da chegada de massas de ar provenientes de latitudes mais altas na RMSP, consequentemente diminuindo também a advecção negativa de temperatura. O aumento da temperatura média provoca o aumento de AT e consequentemente sua redução no IQ.

Por outro lado, aumentam as ocorrências de AT no SQ i.e. os casos em que o valor de AT é igual ou superior a 22.6°C. A porcentagem de AT no SQ começa a subir a partir de Setembro (3.5%) e de forma mais significativa em Outubro (11.2%) e Novembro (17.4%). O verão é composto pelos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro e é caracterizado como a estação chuvosa na RMSP. Ele também é conhecido como o período mais quente do ano e isso reflete as ocorrências de AT no SQ. A maioria dos valores médios de AT deste período pertencem ao SQ i.e. foram iguais ou superiores a 22.6°C. Especificamente Dezembro apresenta 24.3%, Janeiro 27.5% e Fevereiro 21.7%. Em termos gerais a Figura 1 ilustra o clima passado da RMSP, com estações bem definidas e tanto meses frios - no qual um número significativo de dias apresenta valores médios diários de AT abaixo de 10.6°C (Junho, Julho, Agosto e Setembro) - quanto meses quentes - com grande parte dos dias apresentando AT maior ou igual a 22.6°C (Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro).

Figura 1 – Distribuição quantílica mensal de AT para 1960-1990.

Metodologia

Inicialmente foram obtidos dados da estação meteorológica do Instituto de Astronomia Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) para o mesmo período das simulações do RCM i.e. de 01 de janeiro de 1959 a 31 de dezembro de 1990. A estação meteorológica do IAG está localizada em 23,6512°S e 46,6224°W. Dados de 1959 foram descartados para que as duas séries de tempo (da estação e do modelo) ficassem iguais, já que o primeiro ano da série simulada pelo MCR foi considerada como de ajuste do mesmo e excluído das análises. Os dados da estação foram utilizados para validação do MCR, i.e. comparados através dos índices estatísticos root mean squared error (RMSE) e bias para verificar se as simulações representavam de maneira satisfatória o clima da região de interesse. AT média diária foi então calculada para 1960-1990, 2010-2040 e 2070-2100 e separada por meses, para então serem feitas análises através dos quantis.

A análise das projeções de AT são feitas através dos quantis (Wilks, 1995) no qual as séries de tempo são separadas em 10 grupos para tornar possível a análise dos valores extremos. Assim, os grupos foram denominados IQ (quantil inferior), Q10-Q20, Q20-Q30, Q30-Q40, Q40-Q50, Q50-Q60, Q60-Q70, Q70-Q80, Q80-Q90 e SQ (quantil superior). Os valores que separam esses grupos (limiares) foram extraídos considerando 1960-1990 e então aplicados a cada mês individualmente. Desta maneira também é possível obter informações de um único mês ou estação, além de todo o período simulado. Por fim, foi definida uma escala de cores para melhor identificação dos quantis. Os extremos inferiores de AT (frio) possuem uma cor azulada, enquanto que os extremos superiores (calor) possuem uma cor avermelhada.

Para comparação das mudanças climáticas de AT simuladas a cada estação do ano é proposto o Seasonal trend index (STI). Para isso é considerado que 100% é a porcentagem máxima de AT em um determinado quantil por mês. Como as estações do ano apresentam 3 meses é atingido o valor de 300% como porcentagem máxima de AT para cada estação. Assim, para verificar quantitativamente a mudança de AT por estação é estabelecido que STI seja dado pela diferença entre determinado quantil (SQ ou IQ) do período mais distante simulado com o período passado, divido por 300 e em seguida multiplicado por 100. Matematicamente tem-se onde STI representa o Seasonal trend index e Qdiff a diferença entre os quantis. Como aqui o foco são os extremos da série temporal, apenas IQ e SQ serão considerados para o cálculo do STI.

Futuro próximo [2010-2040] Conforme olhamos para o clima do futuro próximo vemos uma

tendência para que os valores de AT se desloquem para quantis mais altos, i.e. que na Figura 2 AT esteja deslocado para a direita. Este é o padrão observado em todos os meses com exceção de Junho, onde a ocorrência de AT no IQ aumenta em aproximadamente 5%, indo de 21.5% (1960-1990) para 26.7% (2010-2040). Isto demonstra que nesta época o inverno tende a atingir seu pico de frio mais intenso em Junho, i.e. mais cedo do que nos anos anteriores. Ainda é possível observar que em Julho o número de dias frios diminui em relação ao clima passado, com ocorrência de AT no IQ aproximada de 24.5%.

A diferença mais notável entre a Figura 1 e 2 é relacionada ao SQ. O aumento dos valores de AT que provocam o seu deslocamento para os quantis superiores são mais evidentes nas épocas mais quentes do ano. Assim, observa-se que a maior parte dos dias de Outubro até Março apresentam AT médio diário iguais ou superiores a 22.6°C. Em alguns casos, como em Fevereiro e Dezembro, a diferença entre o total de valores de AT classificados como SQ de 2010-2040 em relação a 1960-1990 chega a quase 20%. É possível inferir que os maiores valores de AT estão ligados ao aumento da temperatura do ar prevista pelo modelo.

Futuro distante [2070-2100]

A previsão climática para os valores de AT no período de 2070-2100 ilustrada na Figura 3 segue mostrando o deslocamento de AT médio diário para quantis superiores. Nesta época o inverno na MRSP é totalmente descaracterizado em relação a 1960-1990, de forma que são observados poucos dias no qual AT é inferior a 10.6°C. Fazendo a diferença entre a porcentagem do IQ de Julho de 2070-2100 e 1960-1990 obtém-se -29.3%, i.e. uma redução de quase 30% nos dias mais frios da região. Isso indica que no futuro problemas causados por baixas temperaturas tendem a diminuir na RMSP.

O SQ da Figura 3 mostra uma grande mudança em relação às figuras anteriores, observando-se um aumento ainda mais significativo nas porcentagens de SQ. Em outras palavras, o reflexo do aumento da temperatura média diária no futuro faz com que a grande maioria dos dias na RMSP tenham AT classificados no SQ. É possível também observar que Dezembro, Janeiro e Fevereiro apresentam SQ acima de 60%. Isto significa que apesar de ocorrerem menos problemas por frio, a parte da população mais vulnerável (como pessoas idosas, moradores de rua e crianças recém nascidas) estará sujeita aos problemas ocasionados pelo calor excessivo.

Seasonal trend index

Como parte da caracterização das mudanças climáticas esperadas para as estações na RMSP observa-se na Figura 4 a mesma tendência de aquecimento abordada nas tópicos anteriores. A figura mostra que na primavera o dias quentes tendem a aumentar quase 40% e os frios diminuir aproximadamente 8%. A magnitude do aumento de SQ na primavera em relação à magnitude da redução do IQ é explicada pela quantidade de dias quentes e frios registrados nesta estação. No verão essa diferença entre as magnitudes também é observada tendo em vista que muitos poucos dias possuem AT no IQ. Assim a grande mudança ocorre no SQ onde se nota um aumento de quase 50%, i.e. os verões de 2070-2100 tendem a ter aproximadamente 50% mais dias com AT no SQ do que os verões de 1960-1990. O outono é caracterizado como uma estação de transição e assim o seu STI assume um formato semelhante à primavera. Já no inverno, a mudança é mais significativa no IQ pois o número de dias frios com AT pertencentes a este quantil extremo é maior do que no SQ. Assim observa-se uma diminuição de aproximadamente 20% na quantidade de dias com AT no IQ, i.e. no conjunto total dos dias mais frios do inverno. É possível notar também um pequeno aumento no número de dias no qual AT é classificado como SQ, explicado pela redistribuição gradual de AT para os outros quantis ocasionada pela tendência no aumento de temperatura.

Figura 2 – Distribuição quantílica mensal de AT para 2010-2040.

Figura 3 – Distribuição quantílica mensal de AT para 2070-2100.

Figura 4 – STI para estações do ano.

Referências Steadman, R.G., 1994. Norms of apparent temperature in Australia. Australian Meteorological Magazine, 43: 1-16. Wilks, D.S., 1995. Statistical Methods in the Atmospheric Sciences: An Introduction. International Geophysics Series, 59, Academic Press, 464 pp. Nikolopoulou, M., Steemers, K., 2003. Thermal Comfort and Psychological Adaptation as a Guide for Designing Urban Spaces. Energy and Buildings, 35 (1): 95-101. IPCC, 2007. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 996 pp. Campos, N.T., Neto, H.M.B., Filho, M.R.T., 2010. Avaliação do conforto térmico para Maceió - AL. XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia. Sociedade Brasileira de Meteorologia, Belém, Pará, Brazil. Nóbrega, R.S., Lemos, T.V.S., 2011. O microclima e o (des)conforto térmico em ambientes abertos na cidade de Recife. Revista de Geografia (UFPE). 28 (1): 93-109. Medeiros, C.M., Baêta, F.C., de Oliveira, R.F.M., Tinôco, I.F.F., Albino, L.F.T., Cecon, P.R., 2005. Índice térmico ambiental para frangos de corte. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. 9 (4): 660-665. Jones, B.W., 2002. Capabilities and limitations of thermal models for use in thermal comfort standards. Energy and Buildings, 34 (6): 653–659. da Silva, E.N., Ribeiro, H., 2006. Alterações da temperatura em ambientes externos de favela e desconforto térmico. Revista Saúde Pública, 40 (4):663-70. Fanger, P. O., 1973. Assessment of man's thermal comfort in practice. British Journal of Industrial Medicine, 30: 313-324. da Rocha, D.R., Araújo, A.A., Moura, A.A.A.N., Sales, M.G.F., 2008. Avaliação de estresse térmico em vacas leiteiras mestiças (Bos taurus x Bos indicus) durante os períodos chuvoso e seco no Estado do Ceará. 45ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Sociedade Brasileira de Zootecnia, Lavras, Minas Gerais, Brazil.

* Por limitações de espaço do painel esses resultados não são apresentados.

Agradecimentos

O autor gostaria de agradecer aos colegas do IAG-USP, ao GrEC, ao CORDEX e ao CLARIS-LPB; bem como à FAPESP e ao CNPq pelo apoio financeiro que tornaram a pesquisa possível.