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Projétil 83

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Edição nº 83, de novembro/dezembro de 2014, do Jornal Laboratório PROJÉTIL, feito por alunos das disciplinas de Edição I, Redação IV e Planejamento Gráfico II do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2

As matérias veiculadas nãorepresentam necessariamente aopinião da UFMS ou de seus dirigentes,nem da totalidade da turma.

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –Produzido pelos acadêmicos e acadêmicas do 4º semestre de Jornalismo, sob orientação dos professores Edson Silva (EdiçãoII e Redação Jornalística IV), José Márcio Licerre (Planejamento Gráfico III) e Katarini Miguel (Legislação e Ética em Jornalismo).

Editora-chefe: Bruna Fioroni. Editores de Diagramação: Bruna Fioroni, Fernanda Nogueira, Iago Porfírio e Lauro Burke.Capa e foto de capa: Fernanda Nogueira.

Produção: Alexandre Kenji, Andressa Oliveira, Bárbara Cavalcanti, Bruna Fioroni, Caroline Carvalho, Erika Rodrigues,Estevan Oelke, Fernanda Nogueira, Gabriela Galvão, Gabriella Fernandes, Géshica Rodrigues, Gilberto Britez, Gisllane Leite,Hélio Lima, Helton Oliveira, Iago Porfírio, Iasmim Amiden, Isabela Domingues, Isabela Hisatomi, Ítalo Nemer, JacquelineGonçalo, Júlia Beatriz de Freitas, Júlia Paz, Laura Fagundes, Lauro Burke, Layane Karrú, Letícia Ávila, Luana Moura, Neize Borges,Nicolle Ignacio, Pedro Baasch, Renan Zacarias, Stefanny Veiga, Vitor Ilis e Vivian Campos.

Correspondência: Jornal Projétil – Curso de Jornalismo – Centro de Ciências Humanas e Sociais – CidadeUniversitária s/n – CEP 79070-900 – Campo Grande, MS. Fone (67) 3345-7607 – E-mail: [email protected]. Edson Silva (Professorde Edição II e Redação Jornalística IV) – Fone: (67) 9217-8018 – E-mail: [email protected]. Bruna Fioroni (Editora-chefe) –Fone: (67) 9605-1018 – E-mail: [email protected]. Tiragem: 5000 exemplares.

As matérias veiculadas nãorepresentam necessariamente a opiniãoda UFMS ou de seus dirigentes, nem datotalidade da turma.

www.ufms.br/jornalismo

EditorialEditorialEditorialEditorialEditorial

Na época, para um estudante comoeu, mal iniciado nos mistérios da profis-são, que também não sabia nada vezesnada a respeito das coisas da vida, fazerum jornal-laboratório parecia algo tãoextraordinário quanto separar o átomo.Eu tinha acabado de entrar em uma re-dação, como repórter do extinto “Diá-rio da Serra”. Até então eu havia sidoentregador de jornal, lavador de auto-peças, montador de móveis e auxiliar deescritório, isto é, nada parecido comqualquer coisa ligada ao jornalismo. As-sim, a profissão parecia extremamentedifícil e o futuro muito nebuloso. O prin-cipal e imenso obstáculo saltou-me aosolhos desde o começo: a censura im-pressionante, abrangente e asfixiante emque sobrevivia a imprensa de Mato Gros-so do Sul. Cheguei a ter três matériascensuradas em um único dia, uma atrásda outra. Os jornais viviam quase exclu-sivamente de anunciantes privados po-derosos e repasses do poder público.Portanto tudo o que fosse contrário aesses dois pilares – em especial assuntosdesabonadores para o governo do Es-tado e a prefeitura – era imediatamentecolocado na geladeira, revirado, contes-tado e, se possível, abandonado. Às ve-zes se podia escapar a esse sistema decontrole, muitas vezes, não. A frustra-ção era uma constante. Nesse cenário, ojornal-laboratório do nosso curso sur-giu como uma válvula de escape paraos assuntos que foram expulsos da im-

principal critério para definirmos as pautas dessa edição do Projétil foi oestabelecimento da cidade como eixo central das matérias. Tal concepção já vinha sendodesenvolvida pela turma desde o semestre anterior, quando diferentes espaços de Cam-po Grande foram objetos de uma pesquisa jornalística. Agora, com o conhecimentoacumulado e em busca de um diferencial, pudemos abrir o leque de opções e explorarnovas ideias, mas ainda mantendo o mesmo contexto.

O processo de produção – pauta, apuração, redação e edição – foi inteiramenteorientado pelos princípios éticos e técnicos jornalísticos, com matérias construídas à luzdas balizas dos direitos humanos fundamentais. É nosso dever ressaltar a importância docompromisso ético essencial do jornalismo desde o seu mais simples formato, fazendoparte não somente do processo integral da equipe, mas também da consciênciade cadaestudante e futuro profissional.

Apesar das chamadas “pautas frias”, a equipe tentou colocar os temas das matériasda maneira mais pertinente possível à noção de atualidade. Entre pautas que caíram emudanças de abordagem dos assuntos, o processo de apuração e contato com fontespessoais e documentais não foi de todo simples. Temas como a literatura em CampoGrande e animais silvestres no meio urbano sofreram com a dificuldade de acesso àsfontes e as equipes responsáveis pela Rodoviária Antiga e pela Feira Central precisaram demuita dedicação para o estabelecimento da confiança repórter-fonte.

Os temas abordados no jornal estão propriamente ligados à ação do poder público,da sociedade e do cidadão. Ocupando as páginas iniciais, a rodoviária antiga é apresentadaem uma grande reportagem que procura resgatar suas peculiaridades e reafirmar seulugar como ícone da história da cidade. Um caderno fotográfico sobre as condiçõesatuais da antiga ferrovia e uma entrevista de perfil com seu mais antigo funcionário apo-sentado também compõem essa necessidade de preservação das memórias da capital.Na esfera cultural, há matérias sobre artes plásticas, teatro e literatura campo-grandenses. Areportagem sobre o projeto “Movimente-se” também traz destaque à área de saúde ecomportamento, e evidencia a carência de divulgação e de investimento em mais ativida-des como esse projeto. Outros temas, como o leitor poderá apreciar, convergem para oeixo central cidade-cidadania. São temas que exigem a atuação dos três entes constitucio-nais – o Estado, a sociedade e o cidadão. Ao evidenciá-los, queremos justamente chamara atenção para essa responsabilidade.

Ainda em tempo, com 14 anos de história, o jornal laboratório Projétil passou a seruma exigência das diretrizes curriculares. Usualmente com 24 páginas, o primeiro impres-so produzido pela turma foi rodado com um aumento de páginas, totalizando 32.Fechamos a edição no mês comemorativo de 25 anos do curso de Jornalismo e espera-mos que consiga cumprir com seu objetivo e expectativas. Desejamos a você, leitor, queessa experiência possa ser tão enriquecedora quanto foi para a equipefazer parte da pro-dução e memória desse jornal.

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Boa leitura!

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Nota da editora: O jornalista Rubens Valente integrou a primeira turma do cursode Jornalismo da UFMS. A equipe do Projétil edição 83 agradece suas contribuiçõese reflexões sobre a importância do jornalismo.

prensa tanto pela censura quanto pelaauto-censura. Assim fizemos, com to-dos os acertos e todos os erros ineren-tes ao ofício. Olhando em retrospecto,porém, creio que fizemos menos do queseria possível. Não fomos suficientemen-te corajosos e arrojados para a possibili-dade que se abriu. Deveríamos ter esti-cado mais a corda; apontado mais odedo para os poderosos; ter sido me-nos precavidos; mais autênticos nas nos-sas convicções, ainda que não tivéssemosplena certeza a respeito delas; menos re-féns de técnicas jornalísticas que nos da-vam um chão seguro porém ilusório;mais atrevidos na escrita; menos teme-rosos de que o céu caísse na nossa cabe-ça; mais abertos à experimentação. Eprincipalmente mais radicais na investi-gação jornalística. Sei que, contra tudoisso, enfrentávamos enormes dificulda-des, principalmente a falta de tempo,pois todos trabalhavam durante o dia eestudavam à noite. Mas isso não pode-ria ter sido a desculpa que acabou sen-do. Claro que não me envergonho e creioque nenhum de nós se envergonha doresultado final, mas quando se chega a25 anos de vida está na hora de um ba-lanço honesto que aponte para o futuro,procurando fugir dos erros do passado.

Rubens ValenteRepórter – Folha de São PauloSucursal de Brasília

Carta do leitorCarta do leitorCarta do leitorCarta do leitorCarta do leitor

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O prédio da Rodoviária Antiga assistiu de perto o desenvolvimento da capital sul mato-grossense. Dospersonagens que passaram ali, muitos tiveram sua importância para a história do lugar, mas poucos

foram os que ficaram. Sobre os resistentes recaem os olhares preconceituosos da sociedade. Assim, oque fora um grande centro comercial está reduzido a um boteco aqui, uma loja lá e muitas portas fe-

chadas... Já a rodoviária em si, tornou-se o passageiro perdido, que não sabe pra onde ir.

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Fernanda NogueiraJacqueline GonçaloNicolle Ignacio

“Bem vindo a Campo Grande”“Welcome to Campo Grande”

Com uma placa bilíngue de agência deturismo, o Terminal Rodoviário HeitorEduardo Laburu parece esperar por passa-geiros, que não vão mais chegar. Desativadono dia 31 de Janeiro de 2010, o prédio quefora até então ponto de encontros, chega-

das e partidas continua apenas como centrocomercial. Com o tempo e o descaso dosórgãos públicos, oespaço que outrorarepresentara a pri-meira parada demuitos que chega-vam a CampoGrande se tornouum legado esqueci-do e estigmatizadopela população ingrata.

Localizado na área central da capital,

cercado pelas Ruas Dom Aquino, JoaquimNabuco, Barão do Rio Branco e Vasconce-

los Fernandes, o pré-dio é o centro de umavizinhança que aindavive a espera de turis-tas, rodeado por ho-téis, brechós, lancho-netes e o prédio dosCorreios. No terminaljá pulsou o coração

da cidade.Hoje, com muitas promessas e pou-

cos destinos, a Rodoviária Antiga ou sim-plesmente Rodô, como é conhecida, car-rega a fama de ponto de tráfico de dro-gas e prostituição. Lugar mal falado. Oque muitos esquecem é que comerciantescontinuam convivendo com os proble-mas que ali existem e, por teimosia ouapego, ainda fazem do terminal sua prin-cipal fonte de renda.

Convidamos o leitor a fazer uma via-gem por parte da história da cidade de Cam-po Grande. O bilhete é a percepção, escolhaa sua poltrona.

Comerciantescontinuam convivendocom os problemas que

ali existem

Rodô ResisteRodô Resiste

Perseverança

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Primeira Parada – 06h45

Enquanto a cidade começa a acor-dar, às sete da manhã, a Rodoviária dor-me. Os corredores vazios contrastamcom o início de movimento lá fora. Ostrabalhadores que frequentam o entor-no já começaram sua rotina, alguns atécirculam pelo edifício e passam pelaspoucas lanchonetes do prédio que dãopara as movimentadas Ruas Barão doRio Branco e Dom Aquino. No espaço,nenhum comércio está aberto além dapadaria que tem a porta entreaberta, poronde escapa um delicioso cheiro de pãosaindo do forno.

Colocar os pés neste lugar é entrarem um baú de histórias. Por onde se ca-minha e olha, há lembranças de umaépoca distante. Os letreiros, os lumino-sos, as fachadas preservam os anos 70 e80, com cores fortes e letras grandes.

De repente o ruído de portas demetal sendo abertas interrompe estaviagem de sentidos, a loja localizadapela placa que diz “Rua – II, Quadra– F, Bloco – C” acaba de acordar. Umsenhor usando calça jeans e camisapólo, equilibra seus óculos no nariz en-quanto pendura as mochilas na partede cima e dos lados das portas.Mamede Fernandes Amorim, 62 anos,é um comerciante de estatura media-na, calvo, com tatuagem de escorpiãomeio apagada no antebraço direito. Há

25 anos está na rodoviária. – Eu comecei trabalhando de em-

pregado, isso aqui foi um começo. Tra-balhando e fazendo economia, aí, gra-ças a Deus, eu consegui comprar a loja.

Com olhar desconfiado, Mamedefala como quem quer se livrar logo daconversa. Se parar pra reparar, dentroda loja tem um quartinho que, apesardele não mencionar, sugere que ali nãoestá só o seu sustento,mas o seu lar.

– Eu não pagoaluguel, isso aqui é meu.E o que a gente quer éque aqui venha a me-lhorar, eu tenho fé quevai melhorar. E eu tôaqui, não vou sair.

Passando o olharpelos produtos dentroda loja Magno Presen-tes – esse é o nomeexposto no banner des-botado pelo tempo –os antigos CD’s do Roberto Carlos semisturam aos óculos de sol espelhados.Tudo está muito bem organizado e pre-servado. Os óculos são modelos anti-gos que, há anos, eram as últimas ten-dências da estação. O espaço é conside-ravelmente grande, mas a quantidade deprodutos colocados à venda faz dele umtanto apertado, embora não seja nadaque impeça o cliente de caminhar en-

quanto observa item por item.Mamede então assume seu lugar ao

lado do aparelho de som antigo, dá oplay na rancheira e pega o jornal do diapara ler.

Rapidamente o som ecoa por todocorredor. A relojoaria Oriente, oposta àloja de Mamede também já subiu as por-tas, mas o senhor alto de cabelos bran-cos, responsável pelo lugar está sentado

no canteiro de flores ar-tificiais no meio do cor-redor. Um pouco maisà direita, a lanchoneteKituttis – de onde ema-na um suave aroma delavanda do produto delimpeza – está quase apleno funcionamento, ascadeiras e mesas plásticasde cor laranja com toa-lha xadrez contrastamcom o lugar acinzentado.Andréia, a funcionária doestabelecimento, reserva

seu lugar em uma mesa e sintoniza a rá-dio em uma estação que toca sertanejouniversitário. Ela acende seu cigarro e es-pera por clientes. Conferindo o relógio,já passa das 9h30 da manhã. O sol arde láfora, mas a sensação é que não mudouem nada a temperatura ali. O vento cortaos corredores sem dó e faz as pessoascruzarem os braços pra tentar se aquecer.Alguns rostos diferentes começam a sur-

gir, mas eles não têm a rodoviária comodestino, e sim o outro lado da rua. Seusolhares não vagam pelo lugar, nem olhampara os lados, o que veem é apenas ocaminho à sua frente, provavelmente acabeça pensando nos mil afazeres do dia.Todos parecem não se importar com avelha Rodô, exceto quem ainda trabalhae depende dela.

Segunda parada – 14h20

Depois do meio-dia a única coisaque muda é a hora. Algumas poucas lo-jas se juntam àquelas que abriam logocedo.

Mototaxistas estão sentados emfrente à Kituttis fazendo uma pausa notrabalho. Alguns senhores jogam cartasnas calçadas, outros jogam bilhar nosbares e mulheres sentam à beira do bal-cão com garrafas de cerveja.

Parte dos estabelecimentos aindavendem artigos muito procurados paraviagens de longa e curta duração. Anún-cios oferecem uma quantidade conside-rável de produtos como mochilas, ca-misetas, fones de ouvido, fotografia 3x4,rádios de pilha, malas, óculos, roupas debanho nos modelos conhecidos como“vintage”, que parecem estar no esto-que desde 1998 e até mesmo giletes ebrinquedos.

Também se pode encontrar uma va-riedade de CD’s. Se você busca algum

Na Rodô desde1989, Mamede

passou defuncionário a

proprietário daloja

A rodoviária saiu do prédio, mas ainda há lojas expondo produtos que tornam as viagens mais confortáveis

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artista que não está mais no auge da car-reira, a Rodoviária Antiga, certamente,é o lugar para encontrar raridades. Seprocura algum clássico do sertanejo raizou do flashback vá até a Magno Pre-sentes; se está atrás de vinis, clássicos dorock e preciosidades da música nacio-nal a Subcultura Records é o lugar maisadequado, nada de “iPod” ou “mp3” esim o bom e velho tocador de CD’s, anão ser que queira comprar um“pendrive” gravado, item que tambémé oferecido por ambas as lojas.

A SubculturaRecords é um doscomércios abertos nacalçada que dá paraa Rua Dom Aquino.Nas prateleiras estãoCD’s, DVD’s, livros,quadrinhos e jogosque já pertenceram aoutras pessoas. Umsebo. O casal PietroLuigi e Yasmin Santiago, que são os do-nos, recebem calorosamente aqueles queentram na loja.

Os discos de vinil que não funcio-nam mais participam da decoração, asparedes são ilustradas com quadros di-vertidos e as estantes estão abarrotadascom verdadeiras relíquias, como umBanco Imobiliário dos anos 80 e qua-drinhos que não são mais produzidos– sendo, assim, uma ótima pedida paraaqueles que querem completar suas co-leções. Os preços também chamam aatenção, totalmente acessíveis.

Yasmin tira alguns vinis das caixas

e coloca um deles para tocar. Limpan-do os discos de decoração e colocan-do alguns CD’s e livros no lugar, Pietrofala da rodoviária.

– Há muitos anos que eu vinhapensando assim: “pô, aquele prédio po-deria virar uma espécie de galeria, umacoisa legal assim.”

Pietro faz parte dos novos comer-ciantes da Rodô, aqueles que acreditamno potencial cultural do prédio.

– Antes de ser a rodoviária, já eraum prédio histórico. Era um prédio que

já existia há muitomais tempo, isso eunão sabia. Me con-taram.

O tipo de esta-belecimento maisfrequentado na ro-doviária são os ba-res. A sensação aopassar pela frentedesses espaços é a de

voltar alguns anos no tempo, graças àdecoração que, ao que tudo indica, nun-ca foi modificada. Os bancos redon-dos próximos às bancadas, o fliperama,as paredes azulejadas, o cheiro de café,cachaça e pão na chapa. Digno de umcenário de novela de época. A únicacoisa que o difere da ficção, é que algu-mas pessoas não consomem e apenasconversam. À tarde, o movimento nosbares no interior do prédio é ainda maisescasso. Porém, o mesmo não pode serdito daqueles que ficam na beira dascalçadas. Ali existem as rodas de homensconversando, bebendo e rindo.

Na linha do tempoTudo começou no dia 7 de janeiro de 1973, quando a edição de nº 6102 do

jornal Correio do Estado foi divulgada. Enquanto liam notícias do dia, os leito-res ficaram sabendo que em uma semana, em 14 de janeiro de 1973, a “EstaçãoRodoviária de Campo Grande” iniciaria suas atividades em sua instalação pró-pria, na rua Joaquim Nabuco. A informação estava contida no Decreto número3.682, estabelecido por Antônio Mendes Canale, prefeito da cidade na época.

Dito e feito. A rodoviária, que recebeu o nome de “Terminal RodoviárioHeitor Eduardo Laburu” – em homenagem ao empresário da família Laburuque idealizou a construção do imóvel – começou a funcionar na data marcada.Durante 37 anos os ônibus com destino a cidades de Mato Grosso do Sul e deoutros estados brasileiros fizeram do local um palco onde incontáveis históriasse desenrolaram. O terminal rodoviário foi, por quase quatro décadas, ponto deencontros e despedidas, além de um dos espaços mais movimentados de Cam-po Grande por se tratar, também, de um centro comercial. Mas as coisas muda-ram.

Em 31 de janeiro de 2010 o prédio localizado no quadrilátero formadopelas ruas Joaquim Nabuco, Barão do Rio Branco, Dom Aquino e VasconcelosFernandes deixou de desempenhar a função de rodoviária. Sem o fluxo de

viajantes, a queda no movimento acarretou no fechamento de lojas e restau-rantes. O que antes era um dos pontos mais frequentados, tornou-se umespaço de pouca concentração de pessoas. No entanto, isso não significa quea Rodoviária Antiga passou a ser um lugar completamente vazio.

Há insistentes. Lanchonete Kituttis, bar do Gerson, salão de belezaSigma, relojoaria Oriente e loja Magno Presentes, bem como outros estabele-cimentos, estão lá para provar isso. Mas os comerciantes não são os únicosque trazem visibilidade ao local. Com o objetivo de resgatar o que o prédiorepresentou no passado, foi organizado o evento conhecido como “Luz naRodô”, nos dias 19 e 20 de julho de 2013. Foram expostos nos amploscorredores trabalhos feitos por artistas do Estado e, além disso, a realizaçãode um desfile de moda. Devido à repercussão, o “Luz na Rodô” ganhou suasegunda edição em 25 e 26 de julho de 2014. Outros eventos também sãorealizados pela administração, por comerciantes e pelo coletivo “T’amo narodoviária”.

Apesar das comemorações, o destino do prédio ainda é incerto. Pro-messas de que haverá reformas são divulgadas, isso, no entanto, não abala asesperanças daqueles que ainda batem ponto todos os dias na Rodô.

Dono daSubcultura

Records, uma lojade CD’s e vinis,

Pietro viu na Rodôum espaço para

desenvolver acultura na cidade

Pietro faz parte dosnovos comerciantes da

Rodô, aqueles queacreditam no potencial

cultural do prédio

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A cara da rodô

No corredor de frente à antiga para-da de ônibus a luz do sol quase é suficien-te para torná-lo iluminado, ainda assimlâmpadas estão acesas.Muitas lojas estão fe-chadas e com aspectode empoeiradas, aoolhá-las sente-se a ne-cessidade de dar umamão de tinta, tal qualuma maquiagem. Osalão de beleza Sigmaresiste ao tempo, o le-treiro apagado e o pisoquadriculado demonstram o que pareceser um dos lugares mais antigos dali.

Sentadas em antigas cadeiras de ca-beleireiros, três mulheres assistem a umaTV de tubo sintonizada no SBT. Estápassando alguma novela mexicana du-blada. Na cadeira em frente a um dosespelhos está uma mulher de longos ca-belos encaracolados e presos em umpenteado despretensioso. Preta, comogosta de ser chamada, usa batom ver-melho e uma blusa pink.

Desembarcou ali em 1978, vindade São Paulo. Campo Grande era paraser apenas um lugar que viera conhecer,mas acabou se tornando seu lar.

– A senhora trabalha aqui desde ocomeço de tudo?

– Vim pra passear, gostei daqui eestou até hoje. Não saí daqui nem vousair. Só estou esperando que melhore,que voltem as coisas boas pra cá por-que a gente merece.

– O movimento na rodoviárianão é mais o mesmo, né? Por que osalão insiste em ficar aqui?

– Porque eu tenho minha clientela,não é aquela que tinha antes. O movi-mento diminuiu sim, dos passageiros que

‘cê diz, né?’. Naépoca que tinha oônibus aí era tudode bom, eu não ti-nha tempo nem praalmoçar de tantoque eu trabalhava,era uma loucura.

– O que a se-nhora acha que deve-

ria ser feito aqui?– Ah, eu acho que tinha que abrir todas

essas portas aí porque precisa. Trazer o po-vão pra cá pra trabalhar, tem tanto espaçobom aí, um prédio bom pra reabrir. Estilo ocamelô, aqui merecia ser igual, tem espaço,por que não?

Aos poucos ela se solta, o clima sau-dosista toma conta do pequeno espaçoao relembrar o passado. Ela conta queem tempos de glória da rodoviária, osalão ficava com as suas dez cadeiras ocu-padas, não é difícil de imaginar quandose nota seus olhos brilhando a cada pala-vra, foi construído um amor mais forteaté do que o próprio prédio.

– Aqui são todos amigos?– Aqui é família, minha família. Não

falei pra você que eu vim de São Paulopra conhecer e fiquei?! Aqui é o primeirolugar que eu trabalhei e eu vou ficar. Sou ahistória desse lugar. Cheguei aqui em 78,faz a conta pra você ver.

“Aqui é família,minha família”

Preta

Preta, que se diz “a história do lugar”, representa tambémseu presente: alegre e esperançoso

Fim da sessãoInaugurado em 1977, o Cine Center

foi um dos pontos mais frequentadospor famílias e grupos de amigos na ci-dade. Com o passar dos anos, o focodo cinema mudou. As telas que um diatransmitiram filmes como "Os Trapa-lhões no Planeta dos Macacos" se vol-taram para as produções eróticas, em1992. No entanto, a queda no movimen-to gerou dívidas e, como não conseguia

mais se manter, o encerramento de suasatividades foi inevitável. No dia 14 demarço de 2013, aqueles que costuma-vam assistir aos filmes encontraram nolocal faixas interditando a entrada. Maisde um ano se passou, mas quem visita osegundo piso da Rodoviária Antiga ain-da verá o letreiro onde está exposto onome que um dia aquele lugar possuiue, se subir as escadas, encontrará as por-tas de vidro trancadas.

O baixo movimento permite que Andreia, funcionária dalanchonete, realize as atividade do dia-a-dia, como assistirtelevisão

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Arquitetura original de 1973 e grafite andam juntos, divididos entre o passado e o presente, nosegundo piso do prédio

Hambúrguer na chapa e batata frita alimentam a noite na Rodô,graças aos carrinhos de lanche que ali foram instalados

Próxima parada: segundo piso

Se na década de 70 o segundo andar doprédio abrigava dois dos principais cinemas dacidade – o Cine Center e o Cine Plaza – hojehospeda muitos ninhos de pombos e algunsestabelecimentos que passam a maior parte dotempo fechados.

A rampa de acesso ao piso superior ébastante íngreme. As ilustrações dispostas nasparedes dão a impressão a quem sobe de estarfazendo uma verdadeira viagem no tempo. Ocaminho dá para uma bifurcação, à direita oacesso para um corredor claro onde se podeavistar um escritório de contabilidade; à es-querda um corredor escuro no qual se vê aplaca do antigo Cine Center.

A iluminação é precária e, se no tér-reo há uma disputa de rádios, o silênciodo segundo piso praticamente grita queaquele está abandonado. Os corredoresmais escuros estão forrados por penasde pombos. Ao respirar fundo, se per-cebe que não é somente a sujeira dospássaros que cobre o piso e, devido àintensidade daquele odor, provavelmentenão foram apenas as aves que fizeramdaquele chão o seu banheiro.

O silêncio pesado, o cheiro desa-gradável e a impressão de abandono nãosão os únicos detalhes que diferenciamo térreo do segundo piso, a quantidadede portas abertas é um deles. Pela ma-nhã há um escritório de contabilidadefuncionando e a tarde abre um escritó-rio de design para fazer companhia.

Todos os outros portões continu-am fechados. Alguns preservam as pin-turas clássicas, outros, indicando o iní-cio de uma nova era, expõem desenhos

Fora da rota

São seis da tarde. A Rodô vai fechan-do suas portas e voltando à inércia. Umalvoroço do lado de fora na Rua Joa-quim Nabuco é sinal de que ainda temmuita gente acordada. Cadeiras de plásti-co vão surgindo espalha-das pela antiga platafor-ma do terminal urbano,onde um dia passageirosesperavam pelos ônibus.

Ali estão os “do-gueiros”, carrinhos de lan-che onde é possível degus-tar cachorro-quente, sandu-íches, porções e o “bifão”,prato que vem acompa-nhado por arroz, mandioca e salada. Umcompleto prato feito.

Nos trailers os funcionários se prepa-ram para a noite, enquanto os atendentespassam pano nas mesas na espera de fregue-ses. Nas cozinhas apertadas os cozinheiroslimpam as alfaces e esquentam as chapas.

O trailer do Baiano é o primeiro aabrir. Um carro para na calçada e o donoda lanchonete tira do bagageiro alguns

centos de pão para cachorro-quente,o que faz parecer que o movimentono local é agitado. Para quem costu-mava passar na Av. Afonso Pena antesda reforma, a imagem dos trailers nãoé estranha. Os pequenos comércios quese encontram ali são os mesmos que

um dia ocuparam vári-os pontos da avenida.

A rodoviária é anova rota para aquelesque comiam o x-tudono Carlinhos ou noCome-Come lanches.Diferente do cenárioarborizado da Avenidatão movimentada, o cli-ma no Terminal é aba-

fado e a fumaça que sai das chapas es-palha o calor e o cheiro do hambúr-guer pelo ambiente.

E assim o dia acaba na rodoviária,com um copo de suco ou cerveja e umaporção de batata frita, enquanto outrospersonagens se preparam para fazer atrama do lugar durante a madrugada,mas essa é outra história.

e mensagens diversas, revelando o quãoautêntica e bela a arte do grafite conse-gue ser. Parte da arquitetura original dolocal ficou representada nas fachadasdos cinemas e na parede azulejada quecobre, com um padrão em verde e la-ranja, toda a extensão do Bloco B.

A rodoviária é a novalocalização das

lanchonetes que ficavamno canteiro central da

Av. Afonso Pena

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O PontoO corredor onde estão localizadas a lancho-

nete Kituttis, o salão Sigma e a loja Magno Presen-tes fica para trás. O cheiro de pão emanado pelapadaria e a rampa de acesso ao segundo piso tam-bém se perdem na caminhada e, seguindo umpouco mais à frente, alcança-se a região onde es-tão situados os bares que ainda residem no prédio.

Vira-se à direita, em direção a um dos portõesde acesso à Rua Joaquim Nabuco. Lojas fechadascercam o trajeto até a calçada, mas a saída da Rodônão é o destino procurado. À esquerda, o que osolhos encontram é um dos poucos estabelecimen-tos com portas abertas naquela área do interior doprédio, um bar.

Ao entrar, os cartazes com propagandas decerveja pregados nas paredes chamam a atenção,há mesas de plástico amarelas dispostas pelo cor-redor apertado e bancos elevados em torno dobalcão, este ocupa a maior parte do espaço. Dooutro lado está Gerson, dono do negócio. Os fiosde cabelo esbranquiçados ressaltam entre os de-mais e rugas em seu rosto assumem a forma deum arco quando ele abre um sorriso a quem estáchegando. Sua simpatia torna o ambiente recepti-vo e ele serve cachaça àqueles que já se encontramno local. Mas não são todos que estão bebendo.

Sentada em um dos bancos, ela olha para oslados em busca de clientes. À sua frente, no balcão,apenas uma garrafa de Coca-Cola com água gela-

cada. Foi então que mudou seu ponto para a Rodôe trocou o turno, a partir daquele momento só tra-balharia de dia.

– Antes era bom né, agora... Deus me livre.Tá difícil pra ganhar dinheiro aqui, o movimentoanda muito parado, não fizeram nada pra revitalizare voltar o pessoal pra cá né.

– Porque a senhora ainda continua nessa vida?– Ah... Eu acostumei batalhar por mim mes-

ma. Não consigo viver às custas de ninguém, sabe?Nossa, como me incomoda. Eu pago meu INSS,pago meu benefício e logo vou me aposentar. Horaque me aposentar eu paro.

Faltam três longos anos para que Rosa, enfim,possa se dedicar exclusivamente à família. O des-canso será a benção que sempre pediu, poder olharpara si mesma e se cuidar.

– O trabalho te trouxe algum problema desaúde?

– Trouxe depressão. Tomo remédio contro-lado, tomo remédio pra dormir e desse jeito euvou levando.

Com as pernas balançando freneticamente,devido a falta dos remédios, ela toma o último golede sua água.

Rosa trabalha naRodoviária Antigahá 25 anos e sópensa em pararquando seaposentar

da. É só o que se permite beber durante o expediente.Rosângela dos Santos Gonçalves, ou simplesmenteRosa, passa todas as manhãs ali. A Rodoviária Antiga éde onde tira seu sustento há mais de 25 anos, permi-tindo que criasse os quatro filhos.

– Eu posso ser prostituta, mas eu sou gente, souum ser humano, sou mãe. Formei e criei minha famíliasozinha, foi muito difícil, mas eu venci.

Mas sua história vai além da batalha como pro-fissional do sexo. Sem titubear, Rosa começa a contarsobre os caminhos que a levaram até a Rodô.

Mineira, deixou Guaxupé ainda pequena com afamília. Campo Grande lhes parecia um bom lugarpara tentar uma vida melhor.

– Mas como a senhora começou a trabalhar as-sim?

– Eu fui estuprada né. Meu estupro gerou umfilho... e aí minha mãe me tocou pra fora. Ela falou:“Ou você faz o aborto ou sai , eu não quero uma filhaputa dentro de casa”.

As palavras apenas saem como num texto ensai-ado, mas no fundo dos seus olhos se percebe a dorque dizê-las lhe causa.

– Depois eu encontrei um dentista que me aju-dou e... Na verdade, foi ele quem me levou pra pros-tituição. E aí eu comecei a trabalhar com isso e crieimeu filho, tive mais três filhos.

Antes de chegar à Rodoviária, Rosa trabalhava naAvenida Costa e Silva a noite. Mas a violência come-çou a tornar a batalha, como ela se refere, muito arris-

[email protected]@gmail.com

[email protected]

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9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Labor com SaborGisllane LeiteLayane KarrúLetícia Ávila

A Feira Central de Campo Grandesurgiu com a associação dos imigrantesjaponeses, em 1925. Desde a sua funda-ção, já passou por vários endereços, comoa Avenida Afonso Pena, as ruas Calógeras,Antônio Maria Coelho, Padre João Crippae Abrão Júlio Rahe e, por fim, foitransferida, em 2004, para a EsplanadaFerroviária, onde hoje é conhecida comoFeirona. Muitos feirantes acompanharamessa mudança. Seus filhos e netos fizeramparte seguindo essa tradição.

Para quem chega à feira pela rua 14de Julho, de cara, vê o monumento gi-gante de um chawan (tigela de sobá), com4,5 metros de altura. Os hashis de madeiralevantam o macarrão japonês como se al-guém os segurasse. Os fios amarelos caemsuavemente dentro da enorme tigela bran-ca, com adornos e pinturas orientais. Oprincipal prato da Feira Central virou umaescultura em homenagem à cultura e a imi-gração japonesa, feita em 2009 pelo artistaplástico Cleir.

O telhado se-gue o estilo oriental,colorido em amare-lo com laterais ver-melhas e outras co-berturas em azul. Aestrutura de cores vi-brantes conta aindacom um Torii verme-lho, portão tradicio-nal japonês, uma dasmuitas referências aopaís nipônico dentro da Feira Central.

As variedades da FeiraA Feira Central tem 28 restaurantes,

120 bancas e 199 lojas. Cerca de 10 milpessoas passam por ela diariamente, se-gundo a presidente da Afecetur, AlviraAppel. É dividida em duas partes, sendo aárea da alimentação, com sobarias, paste-larias, dentre outros, e a área dos importa-dos, com armarinhos, artesanato, lojas de

ferramentas, dentreoutros.

Separadas doambiente culinário, aslojas de roupas, escul-turas e outros produ-tos ficam em peque-nos blocos, divididosem quatro seções.Uma loja do lado daoutra: mochilas ebolsas de mão, cami-setas, vestidos, calças,meias-calças, modaíntima, livros religio-sos e best sellers,capinhas pra celulares,artigos de decora-ção, brinquedos -para meninos, meni-nas, onças, jacarés eoutros elementos danatureza entalhadosna madeira ou mo-delados em argila,panos de prato e tantas coisas mais.

Em uma dessas lojas, o feiranteLucas Barbosa, 17 anos, trabalha ven-

dendo artigos paraeletrônicos, comocapinhas de celulare outros adereços.Iniciou suas ativi-dades na Feira deRua com 13 anos,junto com a famí-lia. Acompanhou atransição da Feirapara a EsplanadaFerroviária e gosta

do novo lugar, mas diz que poderiamelhorar. “Investisse e colocasse, porexemplo, um ar condicionado”. Pensa-tivo, Lucas diz que o número de turis-tas estrangeiros na Feira é cada vez mai-or. “Tenho cliente de Miami. Já vi rus-so aqui, um monte de gente, tudo quan-to é tipo que você possa pensar”, con-ta o feirante.

A rua principal é dividida por um can-teiro com grama e plantas de jardim, com

os dois lados de restaurantes e barraquinhas.Caminhando pela Feira, dá pra sentir os maisdiversos aromas de todas as opções culi-nárias. Bancas com bolos enfeitados, co-loridos e cobertos de chantilly. Frutas e ver-duras sobre uma mesa retangular, traçan-do um degradê de cores. Sucos naturais

Há 89 anos, a Feira Central de Campo Grande reúne culinária, trabalho, cultura e família

“A feira é onosso

ganha-pão”

Patrícia Yoza

Acima: Escultura de sobá naFeira Central em homena-gem à imigração japonesaAbaixo: Barraca daAparecida está na terceirageração de feirantes

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10

rais, “refresquinhos”, doces de todos osgostos e formas, até iguarias japonesas.

Dono de uma banca de doces, Fran-cisco Pleutim, 35 anos, trabalha na Feirahá 17 anos. Em sua banca, é possível en-contrar espetinhos de morango – cober-tos por chocolate – e de marshmallows, ta-ças com creme de chocolate e tambémdocinhos e frutas exóticas, como damas-cos no açúcar.

Todas essas opções ficam na frentedos restaurantes; sobarias, tapiocarias, pas-telarias, comida árabe. Sobá, yakisoba,yakimeshi, tempurá, espetinho, peixe, pastel,tapioca, shawarma, acarajé. Com uma de-coração oriental, os globos de luz colori-

dos em suas várias estampas e cores enfei-tam e iluminam o ambiente. Um poucoaglomerado e apertado.s, os ambientesse confundem.

Dedicação, trabalho e rendaEntre os restaurantes, se encontra a

Barraca da Aparecida. No cardápio, temsobá, espetinho, pastel, picanha na chapa,peixe, entre outros pratos. A Barraca estána terceira geração de feirantes. PatríciaCris Ireijo Yoza, 37 anos, trabalha na Fei-ra desde os 9 anos junto com sua família.Seus avós vieram da Ilha de Okinawa, noJapão, durante a Primeira Guerra Mun-dial. “Muitos imigrantes vieram para tra-

balhar na ferrovia. Depoismigraram para a agricul-tura”, explica.

Quando os avós dePatrícia fundaram a Bar-raca da Aparecida na Fei-ra de Rua, a situação eramuito diferente, conta afeirante. “Na época dosmeus avós não tinha tor-neira; a água que era usa-da pra cozinhar era leva-da em barril. As comidaseram armazenadas emisopores; hoje em dia, étudo em freezer, câmarafria. A gente tem máqui-na de lavar louça pra sairtudo esterilizado, tem es-goto. Teve uma épocaque nem tinha esgoto nocomeço. A diferença évisível. A gente tem quefazer curso de manipula-ção [de alimentos] dedois em dois anos. É umrestaurante”.

Com a mudança da feira para aEsplanada Ferroviária, os feirantes ti-veram que se adaptar às leis trabalhis-tas. “Na época em que era na rua, tudoera diferente. Você pegava gente paratrabalhar 24 horas; não tinha proble-ma, não tinha esse negócio de lei traba-lhista, não tinha que registrar... Eram sóduas vezes por semana. Era tudo dife-rente. Com o passar dos anos, as coi-sas foram mudando”, disse Patrícia.

Trabalhar na Feira envolve dedica-ção e abnegação por parte dos envol-vidos. Por ter começado ainda criança,Patrícia fala que algumas fases de suajuventude não foram vividas. “Eu nãosei o que é farrear, não sei o que é irpara ‘disco’. A minha vida sempre foiem função disso aqui”, desabafa. Aosfinais de semana, enquanto para a mai-oria da população a feira é uma opçãode diversão, para os feirantes o traba-lho é redobrado e o lazer fica em se-gundo plano. “Você tem que abrir mãoda vida social, aniversários, festas e ca-samentos aos finais de semana. Os diasde folgas nossos são os dias que as pes-soas estão trabalhando, que são segun-da e terça-feira”, conta ela.

Atualmente, além dos funcionárioscontratados, cinco pessoas da família tra-balham na Barraca da Aparecida, dandocontinuidade à tradição das gerações pas-sadas. Porém, tudo indica que esse qua-

dro vai mudar. Patrícia não acredita queseus filhos pretendem dar sequência aorestaurante. “Daqui para frente, a tendên-cia é mudar. Meus filhos, por exemplo,dificilmente vão tocar a feira. Eles estãose formando, na nossa época a gente nãotinha esse privilégio, tinha que ajudar ospais senão a gente passava fome. Hojeem dia nossos filhos não trabalham; vemajudar de vez em quando, mas não é aque-la coisa obrigatória”.

A Feira Central é uma fonte de ins-piração e renda para a família, é o lugaronde eles passam a maior parte do tem-po, cresceram e estabeleceram relações detrabalho, amizade e respeito. “A feira é onosso ganha-pão. Se eu não tiver a feira,eu não pago a escola deles, eu não pagoas contas, e aí, desestrutura tudo. Se a gentedeixar a feira cair, desestrutura a famíliainteira”, ressalta Patrícia.

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Patrícia Yoza, 37 anos, trabalha na Feira desde os 9 anos: “Aminha vida sempre foi em função disso aqui”

Diariamente, em média, 10 mil pessoas passam pela FeiraCentral, segundo a presidente da Afecetur, Alvira Appel

Acima: Patrícia (no centro) esua mãe (com a neta no colo)na antiga Feira de Rua nadécada de 90Abaixo: Patrícia e sua mãe naFeira Central

[email protected]@hotmail.com

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11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

José Thomaz reproduz o pensamento do pai sobre o Brasil. Nascido no Líbano, veio para Campo Grande com 9 anos de idadee hoje, com quase 90, e com um belo sorriso no rosto, se sente satisfeito por estar aqui. O comerciante conta que antes de abrir

a lanchonete Thomaz Lanches, em 1978, localizada na rua 7 de Setembro, já foi dono de bar e até de sapataria. Enquanto oambiente é coberto pelo aroma das tradicionais esfihas servidas no local, o libanês compartilha a sua trajetória, desde sua che-

gada, seu trabalho como comerciante, sua lanchonete e vida na capital do Mato Grosso do Sul.

Projétil: Sabemos que o senhorchegou ao Brasil com apenas 9 anos.Que recordações tem daquele tempo?

José Thomaz: Ah, recordação

minha é muito rara. A casa que nósmoramos serve de base porque eu vejoa fotografia da casa. Ah, pobrezinha!Nós éramos muito pobres, mas eu nãotenho lembrança de querer voltar paralá. Aqui não tinha nada, era uma casa alie outra aqui. Então, papai falava: ‘Issoaqui é o paraíso’. E, de fato é. O paísmelhor do mundo é esse, é o Brasil.

Projétil: O senhor tem uma irmãque vive no Rio de Janeiro, onde já moroupor seis anos. Por que escolheu-viver emCampo Grande, podendo morar emuma das maiores cidades do Brasil?

José Thomaz: Prefiro aqui. Aqui éoutro povo. Lá no Rio tem muitomalandro. Você é dono de si, você temque mandar em você. Você tem que

Andressa OliveiraIsabela HisatomiVitor Ilis

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“Isso aqui é o paraíso”“Isso aqui é o paraíso”

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saber o que faz.Projétil: Por isso o senhor prefere

Campo Grande?José Thomaz: Me satisfaz ficar aqui.

Eu revejo meus amigos, conversar,relembrar de algumas coisas, é muitobacana.

Projétil: Durante uma entrevistaconcedida para acadêmicas de

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12

“Freguês quer serbem atendido.

Atende bem quevocê cativa.Ele volta,

ele recomenda,indica.”

[email protected]@yahoo.com

[email protected]

ImigraçãoImigraçãoImigraçãoImigraçãoImigração

Jornalismo da UFMS (UniversidadeFederal de Mato Grosso do Sul) nosemestre passado, o senhor disse quenunca voltou para o Líbano. Nunca tevevontade de voltar ao seu país de origem?

José Thomaz: Eu não tinhavontade porque eu não conhecia, nuncaconheci. Eu vim de lá com nove anos.Lembrei algumacoisa, mas lembrar oque? Não tem nada!Alegria? Aniver-sário? Não fazíamosnada, não tínhamosdinheiro para nada.Passei a conhecer avizinhança aqui e fui,graças a Deus,fazendo amizade ecrescendo.

Projétil: Qualera o sustento dosseus pais quando chegaram aqui? Vocêspassaram por dificuldade financeira?

José Thomaz: Não. Mas tambémnão tínhamos dinheiro para nada. Sequisesse comprar um sapato era ‘esperaum pouco, espera um pouco’. Porquenós viemos e eram cinco filhos mais aminha mãe para viver dependendo.Então a gente comia pelo menos arroze feijão.

Projétil: Enquanto o senhor cresciahouve algum tipo de preconceito porcausa de sua nacionalidade?

José Thomaz: Não, só alegria! Eusou um cara muito alegre, era mais alegreainda. Hoje a idade me tomou um poucodisso aí. Mas eu convivi com os amigos,quando criança, com todo o respeito.Todos me respeitavam na época decriança e até hoje.

Projétil: O senhor vai completar 90anos, não é? Ao todo serão 81 anos aquino Brasil. O que o senhor acha de todasas mudanças que aconteceram nessesanos?

José Thomaz: Meu pai falava e eufalo, porque eu ouvia falar. Porque eu seique igual ao Brasil não existe. Agora sónota uma coisa, uma diferença: precisater uma lei mais severa para essesbandidos, para os ladrões e essas coisas.Tem que ter uma lei mais severa. Se nóscopiamos muita coisa dos EstadosUnidos, porque que não copia essa lei?Tudo que a gente faz aqui é cópia dosEstados Unidos. Aí ia melhorar umpouquinho.

Projétil: O senhor tem seis 6 filhos.Como é a sua relação com eles?

José Thomaz: Ah, é tão bom queeu vou te falar uma coisa. Ali no VillasBoas, um queria comprar um terreno efazer uma casa, porque eu moro lá faztempo. Aí foram comprando,comprando. Nós todos, eu e minhamulher, e os filhos. Todos no Villas Boas.Você quer visitar um filho seu, um neto,

você não atravessa aZahran. Eu falei‘poxa vida, queprazer a gente temné, de viver umavida assim’.

Projétil: Osenhor já teve umasapataria e um bar.De onde surgiu aideia de ter umasapataria?

José Tho-maz: Eu não tinha

di-nheiro. Eu tinha um amigo que elefazia conserto, era empregado de umasapataria. Eu falei para ele assim:‘vamos montar uma sapataria desócio’. Aí ele falou: ‘ah Zé, eu nãotenho dinheiro’. Eu falei: ‘eu sei quevocê não tem, eu também não tenho.E o negócio foi crescendo, e vinha um:‘você precisa de sapateiro?’, ‘preciso’,‘pode colocar ali’. Cresceu tanto aquiloali, tinha 20 e poucos funcionários. Aífoi me estressando que chegou a pontode não poder entrar. Mas olha, eu nãoaguentei mais entrar nasapataria, eu me sentia mal.

Projétil: Para quemvendeu sapatos e bebidasalcoólicas, como foi oprocesso de mudança de áreade trabalho? Por que o senhorresolveu ter uma lanchonete decomida árabe?

José Thomaz: Mas peraaí! Deixa eu te falar que issotudo aqui era nosso, do meupai. Eu abri, eu tive muitoscomércios. Esses dias eucomecei a enumerar o tanto deatividades que eu tive, 16 tiposde comércio. Então euinventava. Até despachante,tudo. Então, eu que inventavaserviço para mim. E quandotava dando prejuízo, e nãodava sustento, eu mudava deramo.

Projétil: Como é suarelação com os funcionários?

José Thomaz: Ah, é a

melhor que tem. Eles são como se fossea minha família. Esses funcionários, eclientes nosso, dá até gosto de estar todahora aqui.

Projétil: E quando o senhor estáaqui, tem sempre esse movimento bomque a gente pode ver hoje?

José Thomaz: Você quer vermovimento bom mesmo é amanhã[sábado]. A tarde fica lotado aqui. Égostoso. Mas é o que a gente semprefala: o atendimento. Freguês quer serbem atendido. Atende bem que vocêcativa. Ele volta, ele recomenda, indica.

Projétil: O seu estabelecimento éconhecido como local de confiança aocliente, já que não há comandas. Osenhor se recorda de algum caso em quealgum cliente saiu sem pagar, ou mentiuna hora de acertar a conta?

José Thomaz: Ninguém nuncaroubou aqui. Chega freguês, ele pega umpratinho e serve, vai lá no caixa e fala:‘Oh, três salgados e um refrigerante’.Ninguém confere e é uma plenaconfiança que nós depositamos nosclientes, o cara se sente bem. Já aconteceuisso. Mas o cara que faz uma vez eu achoque ele fica pensando: ‘Ah, ele nãomerece’, aí não faz mais.

Projétil: Visto que a sua lanchonetecresceu tanto, porque o senhor optoupor não se criar uma franquia?

José Thomaz: Nós estamos acaminho disso, mas tem que ser o

comércio seu, não tem que ser alugado.Fazer na Av. Bom Pastor, ali no VillasBoas.

Projétil: Durante todos esses anoscom a lanchonete, existe alguma experi-ência como comerciante que marcou osenhor? Algum comportamento, atitu-de, ou alguma situação em que o senhorse lembre bem?

José Thomaz: O que eu tenhofalado de uma lembrança que eutenho quando comecei. Eu não seifazer salgado, até hoje não sei. E aMarina, minha companheira, minhamulher, mãe dos meus filhos... Falei:Bem, você me ajuda a fazer salgado?Ela aprendeu a fazer esfiha. Falei:Então nós vamos mudar o sistema.Aí tirei o que era bebida de álcool daprateleira e passamos fazer pastel,esfiha, com ela fazendo. Aí o caravinha: ‘Me dá uma cerveja’. ‘Nãotrabalhamos com cerveja’. Aí um caraum dia ficou bravo comigo: ‘Comoum comércio desse não trabalha comcerveja?’. ‘Nós somos crentes’. ‘Ah, tá’.O cara mudou de cor , fa lava:‘Desculpa, desculpa’.

Da esquerda para a direita José Thomaz Filho, o neto HenriqueThomaz, a filha Cristina Thomaz e José Thomaz

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13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

O baú do ElizeuA Estrada de Ferro Noroeste do Brasil completou 100 anos da sua chegada a Campo Grande.Um dos ferroviários aposentados mais antigos conta sua trajetória e abre o baú de suas recordaçõespara viajar no tempo e mostrar sua identidade.

A entrevista é feita na sala de estarda casa de Elizeu. Ele me recebe, abo-toando a camisa. Pede para aguardá-lo no corredor que dá acesso à casa,perto da sala onde aconteceu a con-versa, enquanto vai buscar a chave daporta. Ao entrar, Rosa Maria Ribeiroda Silva, sua mulher, comenta que elenão está bem da memória, “anda es-quecido”.

No entanto, bastou a primeira per-gunta para que Elizeu embarcasse nacomitiva da memória e viajasse no tem-po de sua infância.

– Nasci em Piraputanga (MS).Depois, meu pai veio embora pra

Campo Grande. Aí acabei de me criaraqui, com três pra quatro anos.

Engravatado, com camisa brancae calça jeans, era assim que Elizeu iaao colégio. Na adolescência, gostavade brincar com os colegas, mas tam-bém aprendeu a trabalhar desde cedo.

Era o ano de 1945, a SegundaGuerra Mundial havia chegado ao fim.Elizeu estava com 16 anos quandoacompanhou de perto a chegada dosmilitares da Força Expedicionária Bra-sileira. Nessa época, trabalhava comocarregador de mala dos passageiros. Suaexpressão muda ao lembrar o que via:

– Quando chegava o trem de pas-

Iago Porfírio

O passado conserva-se com amemória, sobrevive com a lembrançae prepara o futuro para as novas gera-ções, e isto só é possível graças aosvelhos. É o que se observa no livroMemória e Sociedade: Lembranças de velhos,de Ecléa Bosi. Bosi faz um estudo doprocesso de envelhecimento e da con-dição social da velhice, tendo esta umafunção social: quando o homem vivi-do já não tem uma participação ativana sociedade, resta-lhe a função delembrar.

A estrada de ferro Noroeste do

Brasil (NOB) chega a Campo Gran-de em 14 de outubro de 1914. ANOB tinha como missão ligar o en-tão estado de Mato Grosso ao sudestedo país e também com as zonas defronteira. Contar sua história e o de-senvolvimento histórico-cultural, eco-nômico e social com profundidade sóé possível para quem viveu de pertoum período importante para MatoGrosso do Sul.

Elizeu Pereira da Silva, 83 anos,é ferroviário aposentado, um dosmais antigos dentre os que aindaguardam a memória da estrada deferro no Estado.

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14MemóriaMemóriaMemóriaMemóriaMemória

sageiro, chegava muita gente aleijada,sem perna, sem braço.

A primeira estaçãoElizeu segue nos trilhos da sua me-

mória e conta do dia em que o pai lhefez um convite para trabalhar na ferro-via. “Eu me virava quando erarapazinho. Trabalhei em bar, restauran-te antes de pegar no pesado”.

Põe a mão na cabeça, como quemfaz um esforço para lembrar, até quediz:

– Aí meu pai falou: ô, você vai tra-balhar num serviço pesado. Falei: tábem, não tem problema, eu trabalhono serviço pesado.

Elizeu começou a trabalhar naferrovia em 1953, aos 22 anos. Ten-do que interromper seus estudos emSidrolândia, ele pega o bilhete quedá passagem para um novo cami-nho: o caminho dos trilhos, e seguepara Campo Grande. Começa no“serviço pesado”, como seu pai ha-via dito.

– Não era brinquedo. Naquela épo-ca, pegava dormento, era pesado e tinhaque aguentar.

Levantar dormentes era serviçopara mais de uma pessoa. Pesandoem torno de 75 quilos, atravessavama via ferra para fixaros tr i lhos. Elizeuaceitou com satisfa-ção. E conta, comsorriso no rosto, aconversa que tevecom o pai:

– Meu pai per-guntou se eu queriatrabalhar na ferrovia,depois passaria proserviço leve. Antesdisso, eu tinha umpouco de estudo.

Debruçado com parte do corposobre o sofá, à vontade, ele se levanta ecoloca as duas mãos sobre o ombroem sinal de simulação para me mostrarcomo carregava dormentes.

Assim Elizeu foi trilhando o ca-minho de sua vida. Foi transferidopara a construção da estação de Pon-ta Porã, que ligava Campo Grande aoParaguai. O Ramal de Ponta Porã ser-viria como uma ferrovia entre doismundos para Elizeu. É nessa época,em 1954, que ele se casa com RosaMaria Ribeiro da Silva, com quemvive até hoje.

O trem da vida não freou paraElizeu, ou muito menos fez curvas:

– Ai, vim embora. Um engenhei-ro falou: você é um rapaz muito esfor-çado, você vai voltar pro seu serviçopesado de novo.

Dos trilhos para a plataformaTrabalhou por mais quatro anos

“no serviço pesado”. Sempre com gen-tileza, reservava cabine para passagei-ros. Em especial para uma moça quefazia questão de fazer essa reserva comele.

– Foi ela quem avisou lá o diretorda estação de Bauru. Falou que tinhaum rapaz muito esforçado, muito aten-cioso, que atendia direito as pessoas.

Elizeu para por uns segundos:– Não tô mais alembrado.Entre um vagão e outro da lem-

brança, lhe desperta um silêncio. Nãobasta muito tempo para soar o apitoda recordação.

– Quando eu trabalhava na ferro-via, levantava três da manhã e ia fazerronda, andava 20 quilômetros. Depoisvoltava e ainda levava boias pros fer-roviários.

Com o seu bom atendimento e oelogio que recebera em Bauru (SP), éconvidado a exercer o cargo de bilhe-

teiro na estaçãode CampoGrande, umapróxima estaçãoque marcaria suapassagem pelaferrovia. Essa foia função queexerceu commais satisfação:

– Ah, pe-guei muito co-nhecimento de

várias pessoas, vixe, Maria!Uma dessas pessoas foi o ex-sena-

dor Ramez Tebet.– Vendia muita passagem pra ele.– Daí prá cá foi indo, muitos co-

nhecidos, pessoas que já se foram.Elizeu conta com orgulho e olhar

centrado da confiança que tinham nele.Recebia dinheiro dos trens que vinhamde Bauru, Corumbá e Ponta Porã:

– Juntava todo dinheiro e entrega-va pro tesoureiro, que era quem toma-va conta. Conferia tudim e somava. Ochefe tinha muita confiança em mim.

Numa conversa descontraída nasala de estar de sua casa, Elizeu me

mostra um calendário personalizadocom fotos das estações ferroviárias deMato Grosso do Sul. Ganhou de lem-brança de um ex-ferroviário. Aponta,com o dedo, a foto da estação de Cam-po Grande e da Maria Fumaça.

– Trabalhei muitos anos no tempoda Maria Fumaça.

– No tempo quando eu era guriainda era a Maria Fumaça, depois veioo óleo diesel.

Nas vias da lembrança– O senhor guarda algum objeto

de quando trabalhava na ferrovia?– Não.– Nem um bilhete? Um quepe?– Não, não guardei.– E a carteira de ferroviário?– Ah, essa eu guardei – vai até o

quarto e volta trazendo a carteira. O do-cumento de identidade de ferroviárioque Elizeu guarda até hoje é de 1967.

– Por que ainda guarda essacarteirinha?

– Guardo como lembrança – res-ponde, mirando com orgulho o docu-mento.

Lembrança de velho: “Os objetosafloram saudade, envelhecem conoscoe nos dão a pacífica impressão de con-tinuidade”, como destaca Bosi no seu

“Quando chegava otrem de passageiro,chegava muita gentealeijada, sem perna,

sem braço”

Elizeu diz ter ficado abalado com a desativação do trem depassageiro em 1996

[email protected]

estudo sobre a velhice.Muito sensível, me mostra cada de-

talhe da casa, que foi construída em1939: o forro, que continua o mesmo;o piso, que foi trocado uma só vez. Meconta onde funcionava cada cômododa residência, parte da sala era a cozi-nha. Na parede, duas fotografias de suafilha mais nova.

– Ganhei essa casa da ferrovia. Oferroviário mais antigo que trabalhavatinha direito a uma casa. Então eu pe-guei essa casa aqui da Noroeste.

Viajando pelos trilhos, Elizeu em-barcava no trem com a família:

– Pegava as crianças, guardava acabine e viajava pra Bauru.

Hoje, Elizeu percorre outros cami-nhos, não mais dos trilhos. Cuidadosocom a saúde, faz caminhada sempre quepode. Tem saudades da Ferrovia e daMaria Fumaça. Guarda nos vagões dalembrança tudo o que viveu quando eraferroviário. Aposentado? Que nada!Agora ele ocupa outra função: lembrare contar o que viveu, o que permite aoleitor viajar no tempo.

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CidadeCidadeCidadeCidadeCidade

O Festival Nacionalde Teatro trouxe a

Campo Grandediferentes linguagens,

vindas de diversoscantos do país.

Texto e edição: Bruna Fioroni, Lauro Burke e Luana MouraFotos: Bruna Fioroni

O outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhos

Encarte Especial da Edição nº 83 - Ano 21 - Nov-Dez / 2014

Os trens que chegavam a Campo Grande pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil trouxeram nacarga a prosperidade para um povo que, hoje, precisa de incentivo para continuar a reconhecer aimportância histórico-cultural de tal patrimônio.

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16

chegada da Estrada de Fer-ro Noroeste do Brasil foi decisiva na his-tória de Campo Grande e na sua con-solidação como capital de um, até en-tão, futuro Mato Grosso do Sul. O trem,que saía de Bauru com destino aCorumbá e ligava o Brasil aos países vi-zinhos Paraguai e Bolívia, trouxe o de-senvolvimento e colocou a cidade na rotado crescimento. Em comemoração aos100 anos da inauguração da NOB (No-roeste do Brasil), o Projétil fez um per-curso pelo Complexo Ferroviário,acompanhado por João Henrique dosSantos, chefe da Divisão Técnica doIPHAN (Instituto do Patrimônio His-

tórico e Artístico Nacio-nal), com o objetivo dedestacar a importância depreservar a memória daferrovia no Estado.

Inaugurada em 14 deoutubro de 1914, a NOBtransformou a vida doscampo-grandenses. Apósa retirada dos trilhos, re-sultado da privatização nadécada de 90, a ferroviacomo transporte de pas-sageiros foi extinta com-pletamente em 2004 etombada pelo IPHAN em 2009.

O Complexo Ferroviário abrange a Estação Ferroviária, o Armazém Cgalpões, oficinas, trilhos, a Casa da Rotunda e a Vila dos Ferroviário

Na restauração, é fundamental deixar claro a parte original e asubstituída, como por exemplo a escada francesa da Estação

Rua possfeitu

A

O outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhos

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17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

m Cultural,rios

a principal da Vila dos Ferroviários,ssui diretriz própria no plano da Pre-

itura de revitalização do centroA caixa d’água da antiga NOBainda permanece em meio àscasas da rua 14 de Julho

A ferrovia foi tombada em nívelnacional devido a sua significativa parti-cipação na integração nacional e na deli-mitação das fronteiras. O objetivo de umtombamento é preservar os patrimôni-os, sejam eles em qualquer esfera, paraque assim haja maior fiscalização em re-lação à depredação e descaracterizaçãode tais bens.

O IPHAN trabalha diariamentecom a mobilização da população. JoãoHenrique acredita que o campo-grandense não tem ligação com seuspatrimônios, “não sabe sua identidade”.Muitos, ainda, não sabem onde fica oComplexo Ferroviário. Ele diz ainda quehá bastante resistência dos moradores àsintervenções de tombamento e que aspichações na parte externa dos prédiossão frequentes. “É de responsabilidadede todos, inclusive dos cidadãos, de cui-dar e preservar os patrimônios”, escla-rece.

A Estação e o Armazém Culturalforam restaurados no final de 2011, alémda construção de um novo anfiteatro, atu-almente destinado à realização de eventos.Ainda está prevista a implantação de umCentro de Documentação e Referência daantiga Noroeste do Brasil e a criação doParque da Esplanada, para integrar a OrlaMorena com a Orla Ferroviária. De acor-do com João Henrique, o projeto desen-volvido pela Prefeitura Municipal já estáem processo de captação de recursos.“Estamos lutando para que o recurso saiaou então uma parceria público-privada.Vários entes privados poderiam investirnesse local e gerar turismo”, explica. A pre-ocupação maior dentro desse projeto derevitalização é a Casa da Rotunda.

Casa da Rotunda: onde a locomotiva gira em torno de seu eixopara a realização da manutenção. O local nunca passou por ne-nhuma obra e está em péssimas condições atualmente. Com oprojeto do Parque da Esplanada, poderia tornar-se um espaçopara teatro ou até mesmo cinema.

Trem da NOBem exposição

O outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhos

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O Complexo Ferroviário, atual-mente, é um ambiente muitocontrastante. A parte mais expostaaos olhos do público, devido a sualocalização próxima à Feira Central,foi restaurada há poucos anos, pos-sui segurança 24 horas nas partes in-ternas e é utilizada para a realizaçãode eventos. A rua Dr. Ferreira tam-bém passou por um procedimento derevitalização recentemente, porém,já apresenta algumas marcas do des-

“O campo-grandense não tem essa ligação com seuspatrimônios, não sabe sua identidade”

João Henrique dos Santos

caso, principalmente pichações.A Casa da Rotunda, apesar dos

projetos que estão em desenvolvi-mento, está em estado precário, en-contrando-se em completo abando-no. Alguns imóveis que fazem partedo patrimônio federal fugiram docontrole da concessionária que ad-ministra os trilhos atualmente. A von-tade de preservar existe, no entan-to, a conservação de toda a estrutu-ra ainda é falha.

O outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhosO outro lado dos trilhos

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19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

A lenda do trem fantasmaA lenda do trem fantasmaAos 70 anos, aposentado dirige curta-metragem que conta a história de lenda esquecida

por 37 anos cuja oportunidade foi oferecida pelo projeto “Revelando Brasis”

“Ele tinha umaaparência de um trem

mesmo, muitoparecido, o reflexo e

luz bemforte, era igual a um

trem, só que nãotinha o barulho e nãotinha o trem mesmo,

só aquela luz”

Géshica RodriguesStefanny VeigaVivian Campos

Em 1943, Sebastião de SouzaBrandão, Tião Cururueiro, nasceu nabeira do Rio Paraguai, próximo aLadário-MS. Vindo de uma família sim-ples e ribeirinha aprendeu os costumesculturais pantaneiros desde cedo, taiscomo a fabricação de violas de cochoe as danças e músicas no ritmo de Siririe Cururu , tradições que mantém atéhoje.

Tião trabalhou em diversas ativi-dades: bilheteirode circo, caminho-neiro, peão deboiadeiro, maqui-nista de barco e fer-roviário. Foram 19anos dedicados àessa última profis-são que gerougrandes momentose histórias. Umadelas rendeu umainesperada aventu-ra para o aposen-tado que aos 70anos, teve a opor-tunidade de dirigir,produzir e atuarem um curta-metragem que serálançado em novembro desse ano.

A iniciativa se deu por meio doprojeto “Revelando Brasis”, organiza-da pelo Instituto Marlin Azul. – criadahá 13 anos, em Vitória-ES, é uma or-ganização responsável por promoverprojetos de formação, produção e di-fusão do áudiovisual em parceria comorganizações públicas, privadas e insti-tuições sociais – e patrocinada pelaPetrobrás. Através desse incentivo, Tiãoteve a chance de contar a lenda do“Trem Fantasma”, que amedrontoumuitos moradores da região e ferrovi-ários da época. “Ele tinha uma aparên-cia de um trem mesmo, muito pareci-

do, o reflexo e luz bem forte, era iguala um trem só que não tinha o barulho enão tinha o trem mesmo, só aquela luz”,relembra o ex-ferroviário.

Sonho se torna realidadeTudo começou com uma entrevis-

ta feita por uma funcionária da Funda-ção de Cultura de Ladário. Interessadanas suas histórias propôs que ele parti-cipasse do processo seletivo “Revelan-do Brasis”. Houve diversos inscritos,mas do Centro-Oeste somente Tião foiselecionado.

A convite dos organizadores, Se-bastião foi encami-nhado para fazeraulas de áudio-vi-sual, com duraçãode 20 dias na UERJ(Universidade Es-tadual do Rio deJaneiro). O cursofoi intensivo e en-volveu temas deáudio, fotografia,manuseio decâmeras e produ-ções de roteiros.“O curso que elesdão te deixa pron-to pra dirigir qual-quer curta, longaou meia-metra-gem.Você pode

depois, se quiser, fazer até um longa-metragem. Lá eles ensinaram todas asáreas, são 35 professores todos cineas-tas”, afirma.

Início e andamento do filmeO curta tem duração de 15 minu-

tos e foi produzido com auxílio da ci-neasta Beatriz Lindenberg. De início, ofilme tinha 12 roteiros que foram re-duzidos devido a algumas circunstân-cias, outra modificação foi no local degravação. Tião havia pensado na pró-pria estação ferroviária onde o “TremFantasma” aparecia, que era entre a Es-tação Agente Inocêncio até o Posto 50,

na região de Porto Esperança, distritode Corumbá-MS. Mas hoje o local per-tence à América Latina Logística (ALL),que não demonstrou interesse em ce-der o espaço para as gravações.

Tião conta que precisou procuraroutro local semelhante para ser o cená-rio e a melhor opção que encontrou foina Bolívia. “Procurei a ferrovia de lá,que tinha um ponto que desse para imi-tar uma aparência com o lugar da épo-ca. Se eu fosse fazer o filme no lugarde origem, seria uma invasão, então eunão quis ter problema com ninguém,essa foi minha decisão”, esclarece.

No filme os personagens são to-dos atores voluntários. “Tudo conheci-do nosso, companheiros, filhos de co-legas que trabalharam lá na ferrovia”,diz o aposentado. Os principais prota-gonistas são: o Sebastião e sua esposaTerezinha, que mostra o local ondemoravam, na beira da estrada. O João

Tião Cururueiro, na gravação do curta e, ao fundo, suasviolas de cocho

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e o Geraldo, companheiros de serviçoda época. “Tem outros figurantes queaparecem. Na parte cultural, tem maisde 20, por que o filme é baseado nahistória da ferrovia e na cultura do pan-tanal, que é o Siriri e o Cururu”, co-menta.

Depois de editado e pronto, a di-vulgação inicial do filme será na praçapública de Ladário-MS. A prefeitura domunicípio distribuirá cópias em DVDpara órgãos culturais do Estado e daregião do Centro-Oeste. E também es-tará disponível no site: www.revelandoosbrasis.com.br.A intenção é que seja exibido em redenacional, no Canal Futura.

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20

Conhecida por seu ateliê e intervenções artísticas em Campo Grande, Ana Ruas encontrou no universoda arte a possibilidade de tratar de diferentes assuntos e de transformar o olhar rotineiro das pessoas

Iasmim AmidenIsabela DominguesJúlia Paz

Casada com Alexandre, mãe deHelena e Gabriel, a carismática e entu-siasmada Ana Ruas se emociona ao fa-lar sobre sua obra de vida. Gaúcha, nas-cida em Machadinho e criada em SãoJoão da Urtiga, conheceu tinta aos oitoanos. Relata o papel de sua mãe comofator determinante de incentivo a suaatual carreira. Teresinha de Lourdes,professora alfabetizadora, soube con-duzir o gosto da pequena Ana pela arte,esticava grandes pedaços de algodãona mesa e emprestava seus cadernospara ela pintar. Aos 15 anos fez aulas

de pintura com uma freira, aos 17 en-trou na faculdade de Artes Visuais emPasso Fundo e formou-se em bacha-relado e licenciatura.

Em 1996, veio visitar uma amigae acabou se envolven-do com a capital sul-mato-grossense em ofi-cinas e exposições.Conta que este foi umdos motivos que a le-varam trazer seu “pro-jeto de vida” à cidade.Decidiu ficar ao perceber que aqui eraum lugar de oportunidades e que po-deria fazer a diferença com seu traba-lho, valorizando e estimulando a pro-dução regional. Ana mira o horizonte

e sorri, demonstrando imensa grati-dão à cidade que lhe abriu as portas.

A cidadeHá 15 anos se deparava com cons-

truções tipicamente ho-rizontais que lhe fasci-navam pelo fato de po-der observar uma linhado horizonte que divi-dia as construções e océu. Faz uma leitura dacapital que se modifica

com o tempo. Hoje se vê inserida emuma cidade que passa por processode verticalização. Encanta-se agoracom o céu recortado por linhas verti-cais que transformam também seu

processo de criação.Muito “espaçosa” e apaixonada por

paredes, Ana Ruas reflete a partir de suaarte sobre diversos pontos da cidade –viadutos, edifícios, muros de escolas eresidenciais – a paixão pela pintura poé-tica em locais atípicos e que, algumas ve-zes, se direciona para a intervenção ur-bana na Cidade Morena. Provoca no-vas leituras do cotidiano, por parte dostranseuntes, modifica a relação destescom os espaços, renova as característi-cas da capital. Sua pintura nos viadutostrouxe um olhar mais apurado para abeleza campo-grandense e formou umelo entre o nome de Ana e a cidade.

Entre 2002 e 2003 decidiu levar aarte para os bairros e assim criou um de

“Eu acredito quea arte não fala dearte, a arte trata

de assuntos”

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Ana alémdas ruas

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21 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

seus projetos, Cor das Ruas, que ofere-ceu 53 oficinas em 53 bairros e envol-veu 720 adolescentes. “Meu objetivo éatravés de pequenas atividades, de pe-quenos momentos, que eles consigamenxergar poesia, que no dia-a-dia exis-tem certas singularidades que é o que dásentido à vida”, declara a artista.

O que a instiga a tocar projetoscomo esse é o poder transformador daarte. Seus olhos se enchem de lágrimasao contar que sua maior recompensa époder mexer de forma positiva na vidadas pessoas que participam e que isso amotiva a continuar.

O trabalhoComo arte educadora, vê em seus

projetos a importância de educar o olhar,principalmente das crianças, que serão “oscontadores da história desse trabalho nofuturo”. Tem como propósito acabar comos estereótipos, “as casinhas e arvore-zinhas”, o “carimbo mental” provocadopela era visual tecnológica. Acredita nodesenho como revelação da visão do am-biente exposto e no exercício do olharpoético sobre o mundo que bombardeiaa sociedade de imagens como uma for-ma de mostrar a essas pessoas, nas entreli-nhas de suas produções, o que as tornamdiferente uma das outras.

O brilho no olhar da artista encantaquando fala sobre seu trabalho. “Euacredito que a arte não fala de arte, aarte trata de assuntos”, declara que comouma poesia, trabalha com metáforas, suadesenvoltura em obras e projetos cultu-

rais e sociais deixa clara a influência dire-ta de Ana na cidade. Dialogando fre-quentemente com a arquitetura, utilizan-do pintura como linguagem e a alvena-ria como suporte.

Aprimora seu trabalho artístico nabusca de espaço para seu olhar inusita-do, na percepção das sutilezas do coti-diano. Faz referência a Chico Anysioquando se lembra de sua observaçãodireta e constante aos elementos da ci-dade, “O Chico Anysio era pergunta-do como ele criava os personagens, eele falava: ‘Se eu fosse dentista, presta-ria atenção nas dentaduras. Se eu fosseum pedreiro, estaria observando asparedes. Se eu sou comediante tenhoque prestar atenção nos trejeitos’.” Riao dizer que decora os lugares e sabequais as árvores que estão floridasporque a cidade é sua principal fontee o espaço é seu principal assunto.

Ao discorrer sobre inspirações ar-tísticas, põe as mãos sobre a cabeça,olha para as árvores através da janelae brinca: “Eu não sou uma artista zen”.Considera seu trabalho fruto de muitapesquisa e discernimento sobre o quefaz.

– Você certamente não é uma ar-tista acomodada...

Ana exalta e responde:– Não existe espaço para o artista

acomodado, que não se informa e nãoescreve a respeito de sua obra. Tem queescrever a respeito. No momento que vocêverbaliza, que você escreve, passa a conhe-cer mais seu trabalho.

O ateliêNo desejo de construir um es-

paço que suprisse sua vontade deoferecer projetos educativos e ex-por seu trabalho, surgiu a ideia doateliê. Durante um ano e quatromeses, o ambiente foi ganhandoforma, atualmente a artista se orgu-lha da dimensão que isto se resul-tou. Os olhos reluzentes traduzemo amor pelo local que desperta oolhar atento do outro, que comple-ta suas obras. Apresenta-o comosua segunda casa e faz uma caloro-sa recepção aos visitantes, que em-barcam num passeio ricamente cul-tural entre quatro paredes.

– Porque construiu o ateliê emCampo Grande?

– Por que em São Paulo? Seriasó mais um lugar. As pessoas estãopercebendo que não é só no Rio eem São Paulo que as coisas aconte-cem, existem seres pensantes em qual-quer lugar do mundo. Então a gentetem que fazer a diferença.

Aberto para o público, o ateliêdisponibiliza lugar para oficinas, ocafé filosófico e as palestras de di-versas vertentes. Recebe desde adona de casa até o empresário. Tempor objetivo social suprir a carên-cia de formação, de cultura, apro-x imando as pessoas e desmis -tificando os artistas, tirando-os deum pedestal. Acredita na diferençaque a inserção de tal espaço na ca-pital produz para a valorização daprática artística no Estado e em seureconhecimento em outros lugares

Ana e Rubén Darío discutem técnicas artísticas durante oficina

Ateliê Ana Ruas oferece oficina para artistas do interior do Estado

do país.Ao narrar da história de seu

ateliê, escorrem lágrimas de orgu-lho sobre casos de reconhecimen-to de seu trabalho como funçãosocial e poder transformador navida das pessoas. Olha para cima eagradece pela saúde que lhe põe depé todos os dias, retira da zona deconforto e lhe provoca anseios porfazer de um sonho próprio o in-centivo de sonhos alheios.

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 22

A lírica de Campo GrandeSandra Andrade e Marina Callejas procuram maneiras inovadoras de contar a história da Capital

“[o livros didático] éuma coisa chata de ler,aquele livro grosso, elesse atém muito nas datase não conseguem, porexemplo, despertar ointeresse da criança”

Alexandre KenjiCaroline CarvalhoEstevan OelkeRenan Zacarias

Campo Grande, aos olhos das es-critoras Sandra Andrade e MarinaCallejas, é uma grande fonte de inspira-ção. Autoras dos livros Campo Gran-de, Cidade Morena e Álbum Comemo-rativo de Aniversário da 14 de Julho, res-pectivamente, elas se ocupam em con-tar a história da capital de maneira nãoconvencional. Duranteo bate-papo,ocorrido em uma cafeteria, elas contamquais foram suas pretensões artísticas eas dificuldades, diante do cenário literá-rio de Campo Grande.

Sandra Andrade é a primeira a che-gar no local marcado, não demorandoa dizer que Manoel de Barros é uma dassuas maiores inspirações literárias, porcompartilhar com ele o mesmo amorpela natureza. Seu livro, uma adaptaçãoda história campo-grandense para o pú-blico infantil, já foi adotado por escolasdo Brasil todo, justamente por fugir domodelo didático comum que, segundoela, é inapropriado para crianças. “É umacoisa chata de ler, aquele livro grosso,eles se atém muito nas datas e não con-seguem, por exemplo, despertar o inte-resse da criança”.

“O que mais valeupra mim nesse traba-

lho foi por que nin-guém estava falando.

Se eu não tivessefeito, não haveria

comemoração.”

Como opinaria Marina instantesdepois, já se juntando ao papo, as cri-anças realmente necessitam de um ma-terial diferenciado para estimular a cu-riosidade, dizendo que sentiu muita fal-ta desse tipo de incentivo na educaçãode seus filhos. “No final das contasquem acabava improvisando eram osprofessores”. Como escritora, ela tam-bém não mediu esforços para narrarartisticamente a história da cidade, des-sa vez partindo para o lado da foto-grafia

Sendo assim, optou por montar umálbum fotográfico sobre a Rua 14 deJulho. Mesmo sem experiência literária:era seu primeiro livro, nascido de umtrabalho acadêmico, e com número li-mitado de exemplares, ele recebeu gran-de repercussão e foi o principal respon-sável pela comemoração do centenárioda importante rua. “O que mais valeupra mim nesse trabalho foi porque nin-guém estava falando (sobre o centená-rio). Se eu não tivesse feito, não haveriacomemoração”.

Dificuldades e soluçõesApesar das conquistas, as escritoras

tiveram que ser perseverantes para enfren-tarem os diversos obstáculos. Com maisde 15 livros no currículo, Sandra não temvergonha de admitir que enfrenta contra-tempos até hoje, desde o desinteresse decolegas escritores de prestigiarem seu tra-balho até a dificuldade de encontrar al-gum artista que aceitasse ilustrar seu livro.“Era um não na minha cara. Eu pensavaque o pessoal não tinha noção, pois era ahistória da capital e iria circular por todoBrasil”, comenta.

Enquanto Marina afirma que a di-ficuldade está no meio literário. “As pes-soas que já estão estabelecidas não pos-suem muito interesse em aceitar coisasnovas mesmo. E aí o que vem novo aca-ba ficando marginalizado ou não é mui-to valorizado, e as pessoas têm que irbatalhando pelo espaço”, explica.

A busca por alternativas de financia-mento da publicação é a principal dificul-dade para escritores experientes e nova-tos, de acordo com o que foi apresentadopelas entrevistadas. A saída é procurarapoio de instituições públicas como o FIC(Fundo de Investimentos Culturais) e editaisque patrocinam a produção cultural.

Escritoras falam sobre a importância da Capital nas suas obras

A lírica de Campo Grande

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Sandra Andrade Marina Callejas

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23 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Bárbara Cavalcanti

Em certa ocasião uma frase foi jo-gada numa roda de tereré, que atiçouentre umas sete pessoas uma discussãofervorosa sobre os teatros da capital esuas características.

“O melhor lugar de se apresentar éno Teatro Glauce Rocha”

“O quê?! Você está louco! Omelhor teatro de se apresentar éo Aracy!”

“Me respeita”Um teatro tem uma perso-

nalidade, por mais que o prédiofísico não pense, sinta ou aja, lite-ralmente. Mas suas característicasmarcantes fazem dele um com-panheiro na trajetória teatral doator que sobe em seu palco e doespectador sentado na platéia.

Na capital, existem sete tea-tros, ao todo. Teoricamente, todocidadão de Campo Grande játeve de pisar ao menos uma vezno Teatro Glauce Rocha, por cau-sa de formaturas ou eventos gra-tuitos oferecidos pela UFMS(Universidade Federal de MatoGrosso do Sul), tal como o showda Orquestra de Violões. Subirno palco espaçoso causa um pou-co de vertigem a qualquer artista.Além de peças teatrais, tambémjá recebeu de musicais a showsde rock. É o intelectual entre seuscompanheiros, primeiramentepor causa da idade acompanha-do desse convívio misturadocom gente que não assiste teatro,gente que não é de teatro e genteque sonha em subir naquele palco únicae exclusivamente para atuar.

O Teatro Prosa, localizado no SescHorto é aquele cara de fora. Faz e nãofaz parte da cidade ao mesmo tempo,pois tem iguais espalhados por todo opaís. Mas ganhou o coração de todospor ter apresentações gratuitas. Noentando é um teatro triste, pois se sentesem identidade própria. Todo mundo

que vai assitir uma peça lá diz: “Vou láno SESC”. Então ela vai assistir um es-petáculo no Serviço Social do Comér-cio? Não, é no Teatro Prosa, que fica noSESC Horto. Mas ele sofre calado.

O Teatro Aracy Balabanian, na Rua26 de Agosto, é robusto e charmosocomo a atriz que leva seu nome. Alguns

artistas se referem a ele como aconche-gante, pela proximidade que ele propor-ciona ao ator com o público. Como oGlauce Rocha, é principalmente popu-lar entre os fotógrafos por causa do es-paço entre o palco e as cadeiras. Assim,o durante o espetáculo, sem interrom-per ninguém, o fotógrafo pode encos-tar a barriga no palco e tirar foto da som-bra do olho da atriz, se quiser, sem

zoom.Subindo a rua 26, na esquina com a

Rui Barbosa, está embutido dentro doColégio MACE o Teatro FernandaMontenegro. È quieto, quase impercep-tível e esquecido entre os outros teatrose veste o uniforme do Colégio – o quepode ser basicamente a causa de sua

invisibilidade. O Teatro Dom Bosco éseu companheiro mais íntimo, em ter-mos de popularidade. Além de ser sedede eventos do colégio e da universida-de, são apenas algumas apresentações defora que sobem em seu palco. Quase umburguês.

Mas em termos de negligência, ne-nhum ganha do Teatro do Paço Muni-cipal, ou Teatro José Octavio Guizzo. A

prefeitura o fechou há um bom tempoe até hoje não tem previsão de ser rea-berto. Bem, há muitos “mistérios” ao re-dor desse teatro, mas está escrito na caraque a reabertura dele deve ter sumidoentre as infinitas montanhas da burocra-cia municipal.

O Centro Cultural Rubens Gil deCamilo é o mais ecléticodos sete. Como seu nomemesmo diz, não é apenasum teatro, reside tambémexposições, saraus, entreoutros. Sua morada é noParque dos Poderes erecepciona seu maior pú-blico quando vem algumcomediante de fora.

O bate boca sobreonde seria o melhor lugarde se apresentar, continua-va energeticamente. Naverdade, as experiênciaspessoais era o que forma-va o argumento. Assimcomo amigos tentam de-terminar quem entre elestem o melhor amigo, ou ir-mão mais velho, enquantoo simples fato de seremeleitos os melhores já é odeterminante.

Por fim, alguém naroda levantou e gritou:“Gente, vocês estão esque-cendo da Barão!” Silênciopor alguns segundos, segui-do por leves acenos de ca-beça, indicando uma con-cordância razoável. Os te-atros da capital podem ter

fortes personalidades. Mas ainda existeum grupo marginalizado, que tambémserve de palco teatral. O calçadão da RuaBarão do Rio Branco, a Afonso Pena, aPraça Ary Coelho, as Orlas, o ArmazémCultural e o Camelódromo – estes tam-bém, vez por outra, se transformam empalcos morenos.

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 24

CIDADE MORENA GANHA ESPAÇOCULTURAL EM 2015

O Sesc-MS investiu na aquisição doantigo cine Campo Grande, com a fina-lidade de transformar o local em umCentro Cultural, incluindo espaço parateatro e cinema alternativo. Com o ne-gócio, o Sesc visualiza a oportunidadede criar novos ambientes para o desen-volvimento das atividades culturais naCapital, segundo explicações da direto-ra regional, Regina Ferro.

A atuação do Sesc em CampoGrande tem sido com o intuito de fo-mentar e disseminar a cultura e a recre-ação, o que está em suas diretrizes e emsua missão. Com a aquisição do espaçodeve acontecer uma centralização paraesses espetáculos e as atividades cultu-rais já desenvolvidas, reunindo as progra-mações culturais em um só local. Com

CIDADE MORENA GANHA ESPAÇOCULTURAL EM 2015

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Sesc transforma Cine Campo Grande em centro cultural com teatro e cinema alternativo

Neize Borges

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atividades em andamento para o centroda cidade até final de 2015, o Sesc infor-ma, através da diretoria, que as mesmasterão baixo custo, com ingressos chegan-do a custar no máximo R$20. Já estãosendo oferecidas à população em 2014,programações com entrada franca paraque seja um incentivo a mais para o sul-mato-grossense aderir às atividades decultura e principalmente freqüentar o tea-tro local, não deixando de prestigiar tam-bém a programação dos projetos de cir-cuito nacional como: Palco Giratório, Sono-ra Brasil, Concertos Sesc dentre outros.

AlternativoO cinema alternativo já funciona no

Sesc em São Paulo com boa aceitaçãopelo público e a expectativa é que aqui,seja bem aceito. O futuro Centro Cul-tural na região central da Capital, está

sendo aguardado pelo público jovem,leitores e os amantes do teatro e cine-ma, a cidade cresce rápido e as unida-des existentes já não satisfazem a pro-cura, nem há espaço para as produçõeslocais de teatro que é uma modalida-de que faz falta na Capital, afinal temum enorme público sedento dessasatividades sem muita divulgação paraos espetáculos.

Sesc nos bairrosUm projeto cultural semelhante ao

previsto para 2015 está sendo desenvol-vido no Sesc-Lageado, que oferece vá-rias oficinas e cursos para a populaçãocarente, incluindo cinco grandes bairrosda região, Parque do Lageado, DomAntonio Barbosa, Jardim Colorado, Par-que do Sol, Vespasiano Martins, JoséTeruel Filho, também conhecido como

“Cidade de Deus”. “Com todo o estudo feito so-

bre a região, a partir de 2011 começa-mos a desenvolver a cultura, principal-mente nas três linguagens que tínhamos:dança, música e o teatro. Na dança,balé clássico e baby class, para as cri-anças de 5, 6 e 7 anos; música, cordase sopro, ou seja, violão e flauta e oteatro. Mudamos a vocação da unida-de para que já em 2014 pudéssemosatender esse grupo”. diz o gerente daunidade Sesc-Lageado, Luciano Bar-bosa de Campos. “Em 2014 refor-mamos o espaço e temos o desafiode transformar a unidade Sesc-Lageado em um Centro Cultural deexcelência”, complementa Campos.

O antigo Cine Campo Grande passa por reformas para se adaptar aos padrões do Sesc

CulturaCulturaCulturaCulturaCultura

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25 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Qualidade de vidaQualidade de vidaQualidade de vidaQualidade de vidaQualidade de vida

Corpo emente em

Elizabeth, Edna Borges e dona Edita praticando aula de ginástica

Numa sociedade marcada pela correria, relatos dequem dedica algumas horas de seus dias para aatividade física mostram como a prática garante

qualidade de vida

“O remédiomaior é atividade

física”

Edita de Rezende

Gabriela GalvãoGabriella FernandesPedro Baasch

Edita de Rezende, 78 anos, rostosorridente e postura ereta, chega a darinveja. Intitulada pela professora deeducação física Carolina Salles de “por-ta-voz” do Projeto Movimente-se noBelmar Fidalgo, é um exemplo de quea prática da atividade física não tem ida-de. Ela nem se recorda de quando co-meçou a praticar, lembra apenas que oBelmar era muito diferente do que éagora. Nessa época, ela frequentava láapenas para caminhar, ainda não haviaaulas.

Segundo Edita, um belo dia, umaprofessora a abordou perguntando segostava de ginástica e ela então a aju-dou juntar alguns alunos para a práti-ca. “Apareceu uma professora que cha-ma Clarice e ela me olhou e disse as-sim: você faz ginástica? Eu falei assim:toda vida, desde criança. E ela me pe-diu pra ajudar a catar aluna aqui noBelmar , e comecei a catar aluna, alu-na, aluna”. Confessa que de início fi-cou apreensiva de como seria a aula, jáque como ela chamou as pessoas, se

sentia responsável, mas após o térmi-no ficou aliviada. “Peguei uma profes-sora tão boa, que não me envergo-nhou”, conta ela. Atualmente, Editafrequenta o Belmar Fidalgo, localiza-do na região central de Campo Gran-de, duas vezes ao dia, pela manhã e àtarde, fazendo ora ginástica ora pilates,além de ainda cami-nhar. “Essa aula dámuita saúde, não pre-cisa tá tomando re-médio. O remédiomaior é atividade físi-ca.”, ela afirma sorri-dente.

Acompanhandouma das aulas queacontece no Belmar nas quadras de bas-quete, vê-se adolescentes, jovens, se-nhoras, todos em busca de qualidadede vida. Carolina Salles, afirma que asmudanças que ocorrem ali não são sófísicas, mas também psicológicas.

Mudança de vida

Edna Borges, uma senhora de ida-de, aluna do projeto que intitula-se“uma das mais novas ali presentes”,também relata a mudança ocorrida em

sua vida. Ela começou a prática físicahá quase um ano, estava parada desdea época da universidade.

“Minha última tentativa pra eu verse a minha saúde voltava, sabe? E gra-ças a Deus, além do peso que dimi-nui, e todo o resto é um conjunto decoisas, né? O organismo todo funcio-

na maravilhosamentebem. É só mudar aalimentação e exercí-cio, né? E era o queeu não fazia, agora eucuido de mim, tôbem, tô em paz.”, re-lata Edna entusias-mada. Ela gostou tan-to que trouxe sua

irmã, Elizabeth Correa Borges paratambém se exercitar.

Elizabeth relata que já havia fre-quentado o Belmar, só que o objeti-vo era trazer o neto para brincar, ago-ra a meta é outra. “Eu quero perderpeso, quem não quer, né?”, afirmaela empolgada com seu primeiro dia.

Cidade privilegiadaO Parque dos Poderes, localizado

na Região Norte da cidade também é

um local de prática de atividade física,como ciclismo, caminhada e corrida.Daniel Jansen, 32 anos, personal trainer,pratica triatlo há três anos, e é no Parquedos Poderes que ele inicia mais um deseus treinos.

Ele conta que a prática do triatlotrouxe grandes mudanças em sua vida:“Eu comecei a regrar a alimentação, assaídas, tipo baladas, essas coisas, eucomecei a controlar. Não que eu nãotenha vida social, mas eu controlo jus-tamente pra poder fazer o treino, por-que é bem intenso”, relata Daniel.

Para o personal e praticante dotriatlo, Campo Grande é uma cidadeprivilegiada em locais para a prática deatividade física. Ele cita diversas pra-ças e parques da cidade como áreasadequadas para a prática: Orla More-na, Parque das Nações Indígenas,Belmar Fidalgo e muitos outros.

Já para o seu esporte, o triatlo, con-sidera um pouco mais complicado porconta da parte aquática. “O único pro-blema nosso aqui pro triatlo, é a partede natação, que a gente tem que fazerem piscina, o que dá uma certa desvan-tagem quando a competição é em lito-ral, é em mar, ai nisso a gente acaba per

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 26Qualidade de vida

Dona Edita, uma das frequentadoras assíduas do ProjetoMovimente-se no Belmar Fidalgo

Daniel, triatleta, pratica ciclismo no Parque dos Poderes

Carolina Salles é professora do projeto Movimente-se da Prefeitura Muni-cipal de Campo Grande desde 2006. Atua na Fundação de Esporte e dá aulas deginástica na Praça Belmar Fidalgo na Região Central de Campo Grande e noParque Jacques da Luz, na Região Sul da cidade. Mesmo não sendo uma ativida-de paga, o projeto tem um público fixo, ficha de controle e acompanhamentonutricional.

Projétil – Você trabalha no projeto há quanto tempo?Carolina – Desde 2006.Projétil – E você vê alguma diferença entre trabalhar com esse público

específico?Carolina – Sim, elas são mais calorosas, mais carentes de atividades. Porque

lá [na academia] o cara paga pra fazer, e no máximo é quinze por sala, vinte porsala. Aqui em média é de 60, 50, 80. Aí, em dia de aulões, têm 400 pessoas.

Projétil – O público é fixo?Carolina – É, em cada polo tem um público fixo. A gente até tem turma,

tem Whats [Whatsapp: aplicativo de mensagens] tem tudo.Projétil – Existe controle ou ficha dos alunos?Carolina – Tem uma fichinha delas, com nome, telefone. E tem avaliação

física ali na UCDB [referindo-se ao quiosque dentro do Belmar], que é parceirae tem também a nutrição, só que a nutrição é nossa, da Funesp, só para as pesso-as que fazem ginástica.

A sociedade contemporânea vem nos últimos anos tentando resgatar a qua-lidade de vida, perdida pela eterna correria com as muitas horas nos empregos,as refeições desreguladas e as poucas horas de sono. Esses fatores acabaram porgerar problemas de saúde na população como obesidade, problemas no cora-ção, de pressão, diabetes, dentre tantas outras doenças.

Essa busca pela qualidade de vida passou a acontecer não somente atravésde iniciativas individuais de um ou outro, como buscar um nutricionista, procu-rar uma academia ou começar a caminhar. Os governantes tiveram que acres-centar dentre as medidas buscando a cidadania, propostas que incentivem oesporte, construindo parques, ciclovias e praças.

De acordo com a Prefeitura Municipal de Campo Grande, a Fundação deEsporte (Funesp) desenvolve alguns projetos de atividades físicas, como o Mo-vimente-se. O objetivo é incentivar a prática em diversas regiões da cidade, con-tando com profissionais de educação física formados, contratados pela prefei-tura.

Ele oferece aulas de ginástica, pilates, yoga, hidroginástica e dança de salãode forma gratuita à população. O Movimente-se não acontece somente naregião central da cidade, está presente em 28 pólos da capital, dentre eles: OrlaMorena, Praça do Papa, Praça Belmar Fidalgo, Parque Ayrton Senna, ParqueJacques da Luz, Parque Tarsila do Amaral, Parque Sóter, Conjunto União-PraçaCentral, Praça Cophafarma, Parque Linear do Cabaça, Paróquia Nossa SenhoraAparecida, Centro Olímpico Vila Nasser e Seinthra.

Para mais informações: www.pmcg.ms.gov.br/funesp (67) 3314-3971

Movimente-se

Gab

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Gal

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Mudanças Físicas ePsicológicas

[email protected]@[email protected]

dendo, mas pra corrida e ciclismo é ex-celente.”

Ele diz que viu crescer ao longodos últimos três anos a prática de exer-cícios. “O movimento desses três anosque tô treinando no Parque dos Poderesaumentou muito”, relata o personal

Daniel, apontando o crescimentovivenciado do ciclismo e a corrida nolocal que treina.

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27 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Hélio LimaHelton Oliveira

Fim de tarde, céu acinzentado. Ofluxo de trânsito na Av. Afonso Penaestava enlouquecedor, caótico. Três anosatrás foi construída na avenida umaciclovia com extensão de 9,83 km. Essaciclovia se estende desde a praçaNewton Cavalcante até o Parque Esta-dual do Prosa. Pessoas vão de lá paracá, com pressa, já que o dia de trabalhono centro da cidade chega ao fim.

No calçadão, próximo à agênciado Banco Bradesco, no cruzamento daAv. Afonso Pena com a Av. Calógeras,algumas pessoas estão sentadas, to-mando garapa, bebida extraída da canade açúcar, serve como hidratante narecuperação muscular, além de forta-lecer o sistema imunológico. Munidosdessa energia, trabalhadores encontramforças para voltarem às suas casas embairros distantes do centro de CampoGrande.

Mesmo com o serviço de trans-porte público, muitas pessoas optampor vir ao centro da cidade em bi-

cicletas. É uma alternativa barata, eque após a construção das ciclovias,se tornou viável à população. Fuiconferir o que se passa no caminhode quem vem ao centro todos osdias. No meu roteiro saí da Mora-da dos Baís, localiza-da na Av. AfonsoPena, até a entrada doBairro das Moreni-nhas , um dos maispopulosos da cidade.Fica claro que a cultu-ra do cic l ismo estácrescendo na cidade,quando me deparocom vários trabalha-dores fazendo o trajeto para suascasas de bicicleta. Segundo o ven-dedor Alexandro da Silva, ciclistahá um ano e oito meses, o númerode pessoas aderindo a essa alterna-tiva de transporte e lazer, vem au-mentando de maneira expressivanos últimos tempos. “Campo Gran-de tem uma boa estrutura, existemalguns problemas, mas já é algoconsiderável”, diz.

Primeiras impressõesPouco após iniciar o trajeto

rumo ao bairro das Moreninhas, medeparo com um ponto negativo queé a falta de sinalização para quemvem do sentido bairro centro, pois

embora estivesseno sentido contrá-rio, presenciei ci-clistas que pareci-am desorientadoscom o des loca -mento do percur-so da ciclovia na-quele trecho.

O asfal to davia se encontra em

bom estado, proporcionando boavelocidade, o que exige atenção dociclista. Ao meu lado, pessoas atodo vapor, indo e vindo. Um de-les é João Barbosa, 56 anos, que tra-balha como segurança em um mer-cado. Quando parado em um sina-leiro, me aproximei e lhe fiz algu-mas perguntas. Simpático, me aten-deu. Segundo ele, a ciclovia facili-tou muito seu o deslocamento , por-

que antes tinha que dividir espaçocom os carros, o que sempre é umperigo.

Atenção constanteSinceramente, não é uma sensa-

ção segura. Carros indo a mais de 60quilômetros por hora ao meu lado.Em alguns sinaleiros, o perigo é per-ceptível, pedalando pela Av. FábioZahran, a ação tem que ser rápidacomo nos cruzamentos com as ruasHenrique Vasquez, e Av. Salgado Fi-lho, que embora bem sinalizadas, me-recem toda atenção. DemilsonBoaventura, praticante do ciclismo hámais de 20 anos, diz que o ciclistadeve fazer de tudo para ser visto, porisso o equipamento de segurança étão necessário. Em Campo Grandedesde 1997, ele considera que o res-peito dos motoristas melhorou, pelofato do aumento do número de ci-clistas, mas por outro lado, o cresci-mento da cidade, trouxe um cenáriocaótico, com o aumento do fluxo deveículos, o que faz com o que o riscoseja constante.

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“O ciclista devefazer de tudo para

ser visto”

Demilson Boaventura

Ciclismo comoopção de

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Ciclismo comoopção de

mobilidade

Comportamento

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 28

“Em questão detempo, dependendo da

distância e dopercurso, a bike pode

levar vantagemprincipalmente sobre

o ônibus”

Jefferson Bononi

Ciclovia da Av. Costa e Silva, em frente à Univesidade Federalde Mato Grosso do Sul

[email protected]@hotmail.com

Durante o percurso, após a alturado Parque de Exposições LaucídioCoelho, notei que o mato tomava con-ta de várias calçadas, e fazia com queos pedestres tivessem que ir para o meioda ciclovia. Fato que traz perigo, tantoao ciclista, quanto ao pedestre.

Em outras ciclovias, como da Av.Duque de Caxias, e principalmente naregião do Parque Ecológico do Sóter,é comum vermos skatistas dividindoespaço com pedestres e ciclistas. Apóso Atacado Assaí, na altura do bairroIpiranga, um pon-to perigoso, poismetade da via esta-va coberta por áreade uma obra re-cente. Pedaços devidro e pedras nomeio da via. Essesdetritos podemcausar furos depneus e até quedas.

Quinze minu-tos de percurso e jáestou no cruzamen-to com a Av.Manoel da CostaLima, local bem sinalizado, sem pro-blemas para atravessar a via. Chegan-do à Av. Costa e Silva, é a hora de ace-lerar as pedaladas. O asfalto tem ótimaaderência, o que faz com a bicicleta pe-gue embalo. O próximo ponto é a ro-tatória da Coca Cola, onde morre a Av.Costa e Silva, e começa a Av. Gury Mar-

ques.O fluxo no local é grande e requer

muita atenção, os motoristas que pudepresenciar respeitavam os ciclistas, em-bora a ação tivesse que ser rápida. Ementrevista recente, o prefeito GilmarOlarte afirmou ao site Capital Newsque será construído um viaduto no lo-cal, o que proporcionaria mais tran-quilidade e segurança, tanto para mo-toristas, ciclistas e pedestres.

Sobe e descePassando à rota-

tória, o lema é subir edescer. Assim comoem toda ciclovia, oasfalto está em boascondições. O percur-so pela Av. Gury Mar-ques é tranquilo, atéapós a rodoviária,onde uma situaçãomerece atenção: aciclovia fica um pou-co afastada da aveni-da e em volta existemmuitas árvores, du-rante a noite, o local émal iluminado e pro-

penso a assaltos. Genesi de Lima, 54anos, moradora do Bairro Moreninhas,e que faz o trajeto diariamente, diz queali é um local complicado. Ela ressaltaque procura andar em grupo, e só atédeterminado horário, por receio do lo-cal. Ela também contou que já viu aci-dentes entre ciclistas e pedestres, ao di-vidirem a ciclovia.

Após meia hora de percurso, ovento começa a ficar mais forte, o céuavermelhado, a chuva estava a caminho.O fluxo de veículos não diminui, aomenos até chegar ao TerminalGuaicurus.

Logo após, vem o cruzamentocom a Av. Guaicurus, avenida que, ali-ás, não tem ciclovia e isso é um dosprincipais pedidos das pessoas quemoram na região e que utilizam a bici-cleta como seu meio de transporte oulazer. A prefeitura promete construiruma ciclovia no local ainda para os pró-ximos meses, conforme foi divulgadono Dia Mundial Sem Carro, celebradoem 22 de setembro.

Continuando o trajeto rumo aoBairro das Moreninhas, não tenho tan-tas pessoas no horizonte. Não que es-teja perigoso, mas os terrenos baldiosao lado me fazem redobrar a atenção.

Em conversas com pedestres e commotoristas durante o percurso, soubeque o fator impeditivo de fazê-los pe-gar a bicicleta e ir à rua, é a segurança,o medo de assaltos. Felizmente a via érápida, e mesmo com a condição ad-versa, algumas pessoas fazem caminha-da. Após uma longa subida, estou nofim da ciclovia.

Atravesso a rua e adentro pordois quarteirões no bairro. Deparo-me com uma imagem totalmenteoposta ao que vivi até o momentodessa experiência, vejo ruasesburacadas e com espaço reduzido,o que se torna perigoso para usuáriosde veículos menores como a bicicleta.

Confiro meu relógio, e me sur-preende o tempo que levei. Apenas45 minutos, em horário de pico dacidade. Quem anda de ônibus levamais tempo, e a inda enfrentasuperlotações nos veículos. De carroou moto o trajeto gira em torno de20 a 25 minutos.

Depois do fim da linha, passei aentender mais sobre a questão da mo-bilidade urbana, e dos ganhos que sepode ter utilizando este meio de lo-comoção.

Alexandre da Silva frisou váriasvezes durante nosso bate-papo que oganho na qualidade de vida é gigan-tesco. Consegui entendê-lo após con-cluir o percurso. A sensação de terme deslocado do centro ao bairroMoreninhas sem passar pelo

estressedo transporte público ou docaos do trânsito da cidade, me traziasensação de leveza e bem-estar para ocorpo e a mente. Antes de encerrar ain-da converso com Jefferson Bononi, 28anos, autônomo, que foi trabalhar debicicleta por praticamente dois anos.“Em questão de tempo, dependendoda distância e do percurso a bike podelevar vantagem principalmente sobre oônibus. No percurso de 10 km em ho-rário de pico, que fazia para ir ao tra-balho, eu economizava 20 minutosusando a bicicleta como meu transpor-te” conta.

A bicicleta tem proporcionadoagilidade e rapidez, graças às ciclo-vias, que hoje já têm uma extensão80 quilômetros em nossa Capital, compromessa da prefeitura para estendera 200 quilômetros em médio prazo.Simples, fácil de usar e com custoatrativo, esse meio tem se tornadotendência, porém, deve-se ter conhe-cimento das leis de trânsito, pois osciclistas estão mais expostos a aciden-tes. Segundo dados divulgados peloDetran no final de setembro, o nú-mero de mortes de ciclistas aumen-tou 62%, se comparado com o anode 2013. Isso mostra que é impor-tante ter consciência do que se faz so-bre duas rodas.

Sustentabilidadadesobre duas rodas

Através da lei n° 5.177, de28 de dezembro de 2012, foiinstituído o Plano deCiclovias no Município deCampo Grande, com o intui-to de estruturar as vias detransporte alternativas, tra-zendo segurança aos usuári-os. A cidade, hoje, conta comaproximadamente 80 km en-tre ciclovias, ciclo-faixas ecalçadas compartilhadas,ocupando o 4º lugar noranking de cidades com viasdestinadas às duas rodas.

ComportamentoComportamentoComportamentoComportamentoComportamento

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29 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

AGRESSIVIDADE NO TRÂNSITO

[email protected]

Com uma das maiores frotas do país, Campo Grande está na mira do road rage

Gilb

erto

Brit

ezGilberto Britez

Road rage é o termo adotado para ofenômeno da violência no trânsito, co-nhecido no ocidente e em parte do ori-ente em decorrência de um comporta-mento agressivo. Este é um tema queexige atenção da população e das auto-ridades, já que reflete diretamente na vidada população, formada por conduto-res, passageiros e pedestres.

Campo Grande conta com umadas maiores frotas de veículos do país.Segundo o DENATRAN (Departa-mento Nacional de Trânsito), a capital éa décima em quantidade de carros, pos-sui 251.840 automóveis (dez/2013) para832.352 habitantes, resultando numamédia de 1 automóvel para 3,31 habi-tantes. À medida em que a frota de veí-culos na capital cresce, aumentam os pro-blemas enfrentados no trânsito.

Estudos apontam que é comum, emalgum momento da vida do condutor,cometer deslizes. Quando se torna fre-qüente, é uma questão de saúde pública epassa a ser tema de diversas publicações,de road rage. Os motoristas agressivos ten-dem a acreditar que sua perícia em condu-ção está num nível superior à dos demaise acreditam não estar contribuindo para ocaos do trânsito. O Dr. Leon James, pro-fessor de psicologia da Universidade doHavaí que se especializou em stress no trân-sito, separa em três níveis este comporta-mento:

Impaciência: não parar diante de pla-cas ou sinais vermelhos, andar com veloci-dade acima do permitido, bloquear cruza-mentos. São comportamentos que geramaversão aos outros condutores, e oferecemos menores riscos entre os três grupos.

Luta de forças: impedir outros con-dutores de realizar conversões e mudançade faixa, bem como sair de outras vias,usar de gestos obscenos ou xingamentospara ameaçar outros condutores, ignorara distância de segurança do condutor àfrente e laterais.

Negligência: duelos, velocidades mui-to altas, fechadas, andar em zigue-zaguesem sinalização, dirigir entorpecido oualcoolizado, bem como os crimes que se

utilizam do trânsito como atropelamen-tos e assaltos. É o último nível deagressividade.

“O trânsito é omaior campo das rela-ções humanas, pois éonde você convivecom diversas pessoas,as quais a maioria vocênão conhece, enfrenta,demonstrando toda asua agressividade”, dizJoão Vítor Guimarães,psicólogo, especialistaem violência no trânsito.

Segundo João Vítor, para mudar essequadro, uma das possibilidades para a di-minuição desta violência é trabalhar a per-sonalidade dos condutores em sua forma-ção. As auto-escolas preparam os futuroscondutores apenas para serem aprovadosnos exames do Detran (Departamento de

Trânsito). A primeira fase para adquirirCNH (Carteira Nacional de Habilitação) éo exame psicotécnico, que avalia a saúde

mental do indiví-duo. Só é reprova-do o sujeito queapresenta algumaanor mal idade.Este comporta-mento agressivonão é constatadono exame, geral-mente ele só apa-rece numa circuns-

tância estressante.Para Guimarães, “a auto-estima

baixa gera violência”. Desenvolver aconfiança do futuro condutor podecontribuir para a formação de suapersonalidade e isto deve ser desen-volvido nas auto escolas e no ensinomédio.

Políticas públicasMato Grosso do Sul é pioneiro na

implantação do projeto “Trânsito naEscola: Formação do Jovem Condu-tor”, em que os alunos do ensino mé-dio, a partir do segundo ano, têm aulasde educação no trânsito até o terceiroano, preparando-os para o exame teó-rico assim que completarem 18 anos.Para Guimarães esta é uma boa iniciati-va que pode reduzir a violência no Trân-sito, ele sugere que além da educação detrãnsito no ensino médio, haja tambémuma política que incentive o condutorpelo seu bom comportamento e não sóo puna por mau comportamento. In-centivos como descontos para aquelesque não foram multados durante o ano,pagarem em dia os tributos como IPVA,licenciamento e seguro.

Impaciência, luta de forças e negligência são comportamentos que caracterizam o Road Rage

Motoristas agressivostendem a acreditarque sua perícia em

condução está num nívelsuperior a dos demais

AGRESSIVIDADE NO TRÂNSITO

TrânsitoTrânsitoTrânsitoTrânsitoTrânsito

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 30

Perpétuo Socorro é líder mundial nacelebração de novenas

Igreja da Capital passa à frente até mesmo do maior Santuário do mundo dedicado à Nossa Senhora, localizado nas Filipinas

Ítalo Nemer

O Santuário Nossa Senhora do Per-pétuo Socorro de Campo Grande, recen-temente, tornou-se o lugar santo que maisrealiza novenas no mundo. Essa conquistaé fruto do crescimento no número de fiéise devotos vindos de todos os lados dacidade que lotam a igreja às quartas-feiras.Com celebrações de hora em hora – das6h às 23h –, ininterruptamente, são realiza-das 18 novenas que reúnem aproximada-mente 25 mil pessoas.

Destaque por ultrapassar o maior emais visitado Santuário do mundo dedi-cado a Nossa Senhora do Perpétuo So-corro, localizado em Manila, capital dasFilipinas, que realiza 14 novenas às quar-tas-feiras para mais de 100 mil pessoas, oSantuário de Campo Grande também estáà frente de outras importantes igrejas doBrasil, como a de Curitiba, com 17 cele-brações; de Goiânia com 16; e de Belémdo Pará com 15.

O reitor do Santuário da capital sul-mato-grossense, DirsonGonçalves, ordenadopadre há 11 anos, sem-pre se manteve ligado aNossa Senhora, e desdeque assumiu o coman-do da Igreja em 2011implantou cinco novoshorários. Ele explica queo aumento na quantida-de de celebrações for-taleceu ainda mais a rezasemanal e diz estar im-pressionado e feliz coma busca cada vez maiordas pessoas pela novena.

“Logo que che-guei percebi a grandebusca das pessoas pela devoção e que al-guns horários ainda estavam vagos, porisso aos poucos fomos aumentando. Al-gumas pessoas tinham medo que dimi-nuísse a quantidade de devotos, mas até

mesmo os novos horários continuam chei-os”, comemora.

Ele revela ser uma tamanha responsa-bilidade assumir o comando de uma Igrejatão importante. “Sermos o Santuário quemais celebra novenas no mundo é uma óti-ma conquista, algo que faz bem aos devo-tos, à cidade e ao Estado. Por isso, é umagrande responsabilidade cuidar de uma Igre-ja com essa dimensão toda.”

Presente aos fiéisAté o mês de agosto eram celebra-

das 17 novenas por quarta-feira, mas emvirtude do aniversário de 73 anos de inau-guração da Igreja e em busca de atenderem grande parte à procura dos estudan-tes, o reitor do Santuário decidiu dispo-nibilizar o horário das 23 horas como umpresente aos fiéis. “Esse horário é voltadoprincipalmente para os que trabalham odia todo e estudam a noite”, reforça.

Em uma das “Cartas de agradecimen-to” que são enviadas por e-mail ou entre-gues na secretaria da Igreja e lidas sempreao fim de cada celebração, um devoto anô-

nimo, de 21 anos, reve-lou ter a vida completa-mente modificada apóspassar a frequentar anovena das 23 horas.

Ele conta que estu-da em uma universida-de próxima ao Santuá-rio e o trânsito causadopela chegada e saída dosfiéis o incomodava, atéque decidiu aceitar oconvite de uma amigae participar pela primei-ra vez. “Vi muitos jo-vens da mesma faculda-de onde estudo. Quan-do começou a novena

todos rezavam com muita fé e senti umaenergia muito forte. Comecei a chorar eminha amiga me levou para bem pertinhodo quadro da Santa e senti uma paz muitogrande, somente olhando nos olhos dela.

Depois daquele dia nunca mais parei de ir àsnovenas”, diz um trecho da carta, que termi-na com os dizeres: “Agora eu também souum devoto eternamente agradecido”.

A novenaConforme explica o padre Dirson

Gonçalves, a novena é uma tradição quevem desde 1927, teve início nos EstadosUnidos e é realizada na quarta-feira, pois ospadres decidiram colocar uma celebraçãono meio da semana, para que além da mis-sa de domingo, as pessoas pudessem terum momento diferente com Nossa Senho-ra. “A missa tem seu formato único nomundo inteiro. Já a novena é algo do povo,onde as pessoas que cantam que rezam eque fazem a novena”, explica o padre.

O fato de ser feita em nove dias ounove quartas-feiras é porque três vezes aSantíssima Trindade (Pai, Filho e EspíritoSanto) é igual a nove. “E são nesses novedias que o devoto faz o propósito de rezarpor alguma graça”, complementa.

O Santuário de Campo GrandeA Igreja da Capital dedicada a Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro foi fundadaem 1938 pelo então Bispo de Corumbá,Dom Vicente Priante, no bairro Amambaí,onde a construção foi feita por engenheirosmilitares e seguia a linha da ferrovia.Construída em terreno cedido pela Prefei-tura Municipal, a inauguração da Igreja acon-teceu no dia 3 de agosto de 1941.

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“Sermos oSantuário que maiscelebra novenas nomundo é uma ótimaconquista, algo que

faz bem aosdevotos, à cidade e

ao Estado”

Dirson Gonçalves

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31 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

[email protected]@hotmail.com

Campo-grandenses dividem espaçourbano com animais silvestres

Capital sul-matogrossense é privilegiada por conviver diariamente com animais da floresta, mas hánecessidade de ações para evitar acidentes e desequilíbrio ambiental

Júlia Beatriz de FreitasLaura Fagundes

Muitos turistas e pessoas que vêmmorar em Campo Grande notam comsurpresa que a cidade é uma capital di-ferenciada no quesito meio ambiente. Di-ferente de grandes metrópoles, a “Ci-dade Morena” conta com uma exube-rante área verde que a caracteriza comoa cidade mais arborizada do país segun-do o Censo de Entorno do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE)de 2012. Além da flora, não se pode dei-xar de perceber a marcante presença deanimais silvestres que vivem no meio ur-bano. Araras, capivaras, tucanos e até ma-cacos já fazem parte do cotidiano dosmoradores da cidade que, em sua mai-oria, se sentem privilegiados pelo conta-to tão próximo com a natureza. Embo-ra a relação entre o ser humano e a faunanativa ser considerada harmoniosa, hácerta frequência em ocorrências de aci-dentes com os animais, apresentando ris-cos ao ecossistema e fazendo surgir anecessidade de ações conscientizadoraspara a população de campo-grandense.

ConsequênciasApós casos cada vez mais frequen-

tes de atropelamentos de capivaras, porexemplo, a solução proposta pelo Ma-jor Edinilson Queiroz, biólogo da PMA(Polícia Militar Ambiental) há 18 anos,é a maior sinalização nas áreas de mo-vimentação animal. Segundo ele, a aber-tura de avenidas em parques lineares emque se deixa uma área larga de vegeta-ção levou à frequência destes acidentesque são perigosos também para as pes-soas. O biólogo ressalta que a cidadenão foi “invadida” pelas capivaras e poroutros animais da região. “Já havia es-ses animais lá. Às vezes eram chácaras,

e quando fazem esse parque linear, en-tão você tem esse risco de atropelamen-to”, esclarece. Aatenção do transe-unte deve ser redo-brada durante o pe-ríodo da noite.

Apesar da oco-rrência de casos deararas que se aciden-tam em contato coma fiação elétrica, asaves silvestres seadaptaram conside-ravelmente bem ao meio urbano. A bi-óloga Maria Silvia Gervásio conta que,com o passar do tempo, as aves perde-ram o receio de se movimentar em gran-des avenidas e lugares urbanizados dacidade. Já no caso dos animais terres-

tres, Silvia endossa o coro do major aodizer que as áreas de maior incidência

de atropelamentosprecisam de sinaliza-ções específicas paraevitar acidentes. “Si-nalização no trânsi-to, nos lugares que agente já conhece,onde essa faunaexiste, principal-mente pelas capi-va-ras. Está tendo mui-ta evasão ali no

Lago do Amor, onde fica um monte degente e na beira do lago não tem nenhu-ma sinalização”, explica.

AlimentaçãoAlgumas espécies são casos de mi-

gração para a cidade, como a AraraCanindé, ave que começou a migrar dosarredores desde o começo do séculoem busca de alimentos e encontrou emCampo Grande espaços com a vegeta-ção adequada. Edinilson explica as prin-cipais causas deste deslocamento. “Temáreas verdes, mesmo de lazer, com a ve-getação atrativa e com alimentos paraesses animais. Então vai escasseandotambém nas áreas vizinhas pelodesmatamento das fazendas, às vezes ile-gais. Então você vai diminuindo esse ali-mento e o animal vai adentrando o pe-rímetro urbano”. O Parque das NaçõesIndígenas e o Parque Estadual do Prosasão exemplos de áreas de lazer da cida-de com grande presença da fauna sil-vestre.

Os dois especialistas também res-saltaram a importância da não interven-ção humana na alimentação destes ani-mais a fim de evitar um desequilíbrioambiental e afetar a cadeia alimentar na-tural das espécies. “Você cria uma rela-ção de dependência e então a fauna sil-vestre acaba ficando uma coisa meiodomesticada. O que não é interessante,não é isso que a gente busca”, diz Silvia.

Os animais feridos recolhidos pelaPMA, uma média de seis por dia, sãoencaminhados para o CRAS (Centro deReabilitação de Animais Silvestres), lo-calizado no Parque Estadual do Prosa,para tratamento e reintrodução aohabitat natural. Um dos casos mais inu-sitados de aparição foi o surgimento deuma onça-parda em um condomínio dacidade no dia 29 de setembro. O ani-mal foi capturado e encaminhado parao CRAS para reabilitação.

Cerca de seis animaispor dia são

encaminhados para oCentro de

Reabilitação

Turistas e moradores têm contato próximo com capivaras noParque das Nações Indígenas

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 32

Erika Rodrigues

Em um rápido passeio pelas ruasdo centro de Campo Grande não édifícil perceber as dificuldades enfren-tadas todos os dias pela população. Acidade favorece a circulação de auto-móveis e motocicletas. No entanto, hápouca segurança para pedestres, quenão contam com passarelas em trechosmovimentados. A única alternativa detransporte público é o ônibus, que écaro e não oferece conforto aos pas-sageiros.

Mas será que a construção de umacidade melhor é função apenas do po-der público? A falta de consciência po-lítica e o descaso com a coisa públicaafetam diretamente a vida de todos.Jogar lixo no chão, não respeitar a fai-xa de pedestres, não ceder o assentopara uma grávida são atitudes que de-monstram o desrespeito ao espaço co-letivo. A cidadania depende doenvolvimento de toda a sociedade,consciente e organizada em busca dobem comum.

A cidade e a cidadaniaOpiniãoOpiniãoOpiniãoOpiniãoOpinião

[email protected]

Mobilidade urbanaEm Campo Grande, não é inco-

mum ver pessoas correndo para atra-vessar a rua, mes-mo na faixa depedestres, pois ossemáforos, ao quetudo indica, sãopensados apenaspara os automó-veis. Para um ido-so ou portador denecessidades espe-ciais o desafio éainda maior. Épossível encontrarcalçadas sem re-baixamento paracadei-rantes e como piso tátil irregu-lar. Apenas algu-mas partes dospasseios se adequaram à Lei Federal10.098, de 19 de dezembro de 2000,que estabelece normas gerais e critériosbásicos para a promoção da acessibili-dade das pessoas portadoras de defici-

ência ou com mobilidade reduzida, me-diante a supressão de barreiras e obstá-culos nas vias e espaços públicos.

Com cerca de 80 km de ciclovias,a cidade não possui bicicletários, obri-gando os ciclistas a amarrarem as bici-cletas nos postes, árvores ou placas.Além disso, nas principais ruas do cen-tro há longos trechos onde o ciclista temque disputar espaço com os carros, umdesafio muito perigoso.

As ciclovias e o transporte públicosão usados, em sua maioria, apenas porpessoas que não possuem alternativa.Segundo informações do Denatran, dejunho de 2014, Campo Grande tinhauma população estimada de 843.120 ha-bitantes e uma frota de 495.173 veícu-los, que está crescendo a cada ano. Issosignifica mais de um veículo para cadaduas pessoas.

Bons exemplos de administraçãodo transporte público não faltam noBrasil e em outras parte do mundo.Curitiba tem obtido melhores resulta-dos contando com uma RIT (Rede In-tegrada de Transportes), com 465 linhasde ônibus urbanas e terminais de trans-bordo/conexão em diversos bairros eem municípios da Região Metropolita-

na, além de canaletasexclusivas para a cir-culação de ônibus.Está em fase de lici-tação a implantaçãode metrô na cidade.

Em Barcelona,Espanha, que possuium milhão e seis-centos mil habitan-tes, há um sistemade transporte públi-co denominadoTransportes Metro-politanos de Barce-lona (TMB), com-posto por metrô,trens suburbanos eregionais, veículosleves sobre trilhos

(bondes elétricos), ônibus urbanos e tu-rísticos, funiculares e táxis.

Em nossa capital, a superlotação, alentidão e o alto valor das passagenstornam o transporte público pouco

atraente. Campo Grande tem a sétimatarifa mais cara do país, apesar de ser a16º capital em população. As faixas ex-clusivas para ônibus e o aumento dafrota nos locais e horários de maior flu-xo, poderiam incentivar a população atrocar o veículo particular pelos meiosde transporte mais limpos.

Cidadania e sociedadeA promoção da cidadania tam-

bém depende da sociedade. As vagasdestinadas a idosos e portadores dedeficiência são frequentemente ocupa-das indevidamente. As desculpas sãovariadas, a exemplo de argumentoscomo: “Eu já volto, são só cinco mi-nutinhos”.

Nem as áreas de lazer públicas sãopoupadas. Nos parques da cidade é co-mum ver a depredação do patrimôniopúblico. Placas, lixeiras, banheirosconstruídos com o dinheiro do contri-buinte são destruídos. Na Orla Morena,inaugurada em 2010, moradores recla-mam da quantidade de sujeira e garrafasquebradas espalhadas pelo trajeto.

Se não depende apenas do poderpúblico, qual seria a solução para tor-narmos a cidade mais agradável? Oexercício da cidadania está relaciona-do à educação recebida no seio da fa-mília, no ambiente escolar, através dosmeios de comunicação e espaços deconvivência social. Nestes espaços,cada cidadão pode se tornar agente nabusca pela garantia dos direitos fun-damentais e sociais.

Esta formação multidisciplinarpara a cidadania deve ser garantidaatravés da universalização do acessoà escola e a garantia de um ensinopúblico gratuito e de qualidade. De-vem ser criados espaços para parti-cipação popular na vida política, coma valorização da diversidade e dacultura. A educação para cidadania éum importante meio de transforma-ção social e formação de uma cultu-ra verdadeiramente pluralista e de-mocrática.

A educação paracidadania é um

importantemeio de

transformaçãosocial e formação

de uma culturaverdadeiramente

pluralista edemocrática

Erika

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