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1 Projeto BRA/04/029 Segurança Cidadã Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD e Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça SENASP Pensando a Segurança Pública 3ª Edição (Convocação 001/2014) CARTA ACORDO Nº 29790 Relatório Final de Pesquisa: Área Temática C.2 Medidas protetivas às mulheres em situação de violência A aplicação de medidas protetivas para mulheres em situação de violência nas cidades de Porto Alegre-RS, Belo Horizonte-MG e Recife-PE Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e Administração da Justiça Penal GPESC PUCRS Coordenador(a) da pesquisa: Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo Equipe da pesquisa: Porto Alegre: Coordenação: Fernanda Bestetti de Vasconcellos Assistentes de Pesquisa: Camila da Costa Silva Tamires Garcia Belo Horizonte: Coordenação: Ludmila Mendonça Ribeiro Assistente de Pesquisa: Vinícius Assis Couto Recife: Coordenação: José Luiz Ratton Assistente de Pesquisa: Clarissa Galvão Cavalcanti Borba Revisão: Fernanda Bestetti de Vasconcellos Degravações: Tamires Garcia Porto Alegre - RS Dezembro de 2014

Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã · 2.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal 14 2.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento

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Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e Secretaria

Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – SENASP

Pensando a Segurança Pública 3ª Edição (Convocação 001/2014)

CARTA ACORDO Nº 29790

Relatório Final de Pesquisa:

Área Temática

C.2 – Medidas protetivas às mulheres em situação de violência

A aplicação de medidas protetivas para mulheres em

situação de violência nas cidades de Porto Alegre-RS, Belo Horizonte-MG

e Recife-PE

Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e

Administração da Justiça Penal – GPESC PUCRS

Coordenador(a) da pesquisa: Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo

Equipe da pesquisa:

Porto Alegre:

Coordenação: Fernanda Bestetti de Vasconcellos

Assistentes de Pesquisa: Camila da Costa Silva

Tamires Garcia

Belo Horizonte:

Coordenação: Ludmila Mendonça Ribeiro

Assistente de Pesquisa: Vinícius Assis Couto

Recife:

Coordenação: José Luiz Ratton

Assistente de Pesquisa: Clarissa Galvão Cavalcanti Borba

Revisão: Fernanda Bestetti de Vasconcellos

Degravações: Tamires Garcia

Porto Alegre - RS

Dezembro de 2014

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Resumo: O presente relatório de pesquisa apresenta os resultados do trabalho

desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e

Administração da Justiça Penal – GPESC, da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUCRS), em parceria com pesquisadores da UFPE e da UFMG. A

pesquisa teve por objetivo aprofundar o conhecimento a respeito das diferentes etapas

de concessão e implementação das medidas protetivas de urgência, previstas pela Lei

11.340/2006, para mulheres vítimas de violência. Pretendeu-se verificar como vêm

sendo aplicadas, quais as dificuldades e boas práticas desenvolvidas em três capitais que

são nacionalmente reconhecidas pela implementação de mecanismos inovadores para o

deferimento e o controle da aplicação das medidas: Porto Alegre, Belo Horizonte e

Recife. Buscou-se, por meio de entrevistas com os responsáveis por todos os órgãos

envolvidos com o atendimento, encaminhamento, deferimento e acompanhamento das

medidas protetivas de urgência nas três capitais, bem como com mulheres que tenham

tido ou não o pedido de medida deferido, responder às seguintes questões norteadoras:

qual é o processo envolvendo a solicitação e o atendimento a medidas protetivas; quais

são as medidas mais solicitadas, e quais são mais concedidas; como as mulheres em

situação de violência e os profissionais envolvidos no pedido de concessão das medidas

protetivas as avaliam; qual é a percepção sobre a efetividade das medidas protetivas na

perspectiva das mulheres em situação de violência e dos profissionais envolvidos; se o

retorno acerca das medidas protetivas ocorre em tempo hábil. O trabalho foi

desenvolvido no período de abril a outubro de 2014, e o presente relatório apresenta os

resultados mais relevantes encontrados, buscando contribuir para a avaliação das

políticas implementadas e o seu aperfeiçoamento.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha; violência contra a mulher; medidas protetivas de

urgência.

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Abstract: This research report presents the results of work undertaken by the Group for

Research in Public Policy for Security and Criminal Justice Administration - GPESC, of

the Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul (PUCRS), in partnership with

researchers and UFPE UFMG. The research aims to deepen the knowledge about the

different steps for granting and implementation of urgent protective measures as

provided by Law 11.340 / 2006, for women victims of violence. Intended to be verified

as it is being applied, what difficulties and good practices developed in three capital

cities which has been called the attention nationally by implementing innovative

mechanisms for the approval and control of the implementation of the measures: Porto

Alegre, Belo Horizonte and Recife. We tried to by means of interviews with those

responsible for all agencies involved with the service, referral, approval and monitoring

of urgent protective measures in the three capitals, as well as women who have had or

not the application as deferred answer the following guiding questions: what is the

process involving the solicitation and the care of protective measures; which measures

are the most requested, and which are most given; how women in situations of violence

and professionals involved in the request for granting protective measures to evaluate;

what is the perception on the effectiveness of protective measures from the perspective

of women in situations of violence and professionals involved; if the return on the

protective measures occurs in a timely manner. The study was conducted in the period

April to October 2014, and this report presents the most relevant results, seeking to

contribute to the assessment of policies implemented and their improvement.

Keywords: Maria da Penha Law; violence against women; urgent protective measures.

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Lista de Tabelas

Tabela 1 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento à

mulher vítima de violência em Belo Horizonte......................................................... p. 14

Tabela 2 – Dados descritivos acerca do tempo entre a medida protetiva e a análise do

judiciário............................................................................................................... p. 20

Tabela 3 – Dados descritivos acerca do tempo entre a análise do judiciário e a

comunicação a vítima............................................................................................. p. 21

Tabela 4 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres vítimas de violência doméstica

que solicitaram a concessão de medida protetiva ao Judiciário................................. p. 23

Tabela 5 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento à

mulher vítima de violência em Recife........................................................................ p. 54

Tabela 6 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres que solicitaram a concessão de

medida protetiva ao Judiciário em Recife-PE............................................................ p. 56

Tabela 7. Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal entrevistados

em Porto Alegre – RS........................................................................................... p. 82

Tabela 8 – Entrevistas realizadas com mulheres que solicitaram medida protetiva de

urgência na cidade de Porto Alegre – RS.............................................................. p. 83

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Lista de Abreviaturas

AIJ – Audiência de Instrução e Julgamento

BM – Brigada Militar

CEMER – Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducação

DEAM – Delegacia de Atencimento à Mulher

DEPEDIM – Defensoria Pública Especializada na Defesa da Mulher em Situação de

Violência

DPMUL – Departamento de Polícia da Mulher

EAMP – Expediente Apartado de Medida Protetiva

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FOPEVID – Fórum Pernambucano de Violência Doméstica

IML – Instituto Médico Legal

JVDFCM – Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

LMP – Lei Maria da Penha

MP – Ministério Público

MPMG – Ministério Público de Minas Gerais

MPPE – Ministério Público de Pernambuco

MPRS – Ministério Público do Rio Grande do Sul

PMMG – Polícia Militar de Minas Gerais

PMP – Patrulha Maria da Penha

PMPE – Polícia Militar de Pernambuco

PPV – Pacto Pela Vida

PVD – Serviço de Prevenção à Violência Doméstica

REDS – Registro de Eventos da Defesa Social

RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte

SERES – Secretaria Executiva de Ressocialização

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Sumário

1. INTRODUÇÃO 7

2. BELO HORIZONTE 13

2.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal 14

2.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006 21

2.3 Considerações sobre o caso de Belo Horizonte 42

3. RECIFE 54

3.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal 60

3.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006 76

3.3 Considerações sobre o caso de Recife 81

4. PORTO ALEGRE 83

4.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal 89

4.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006 112

5. Considerações Finais 120

6. Recomendações 123

Referências Bibliográficas 125

ANEXOS 127

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1. Introdução

A aprovação da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha,

representa um marco no extenso processo histórico de reconhecimento da violência

doméstica contra as mulheres como um problema social no Brasil, e traz em seu texto

muitas marcas dos embates políticos travados pelos movimentos feministas e de

mulheres na luta pela conquista da cidadania para as mulheres (Pasinato, 2008). A nova

legislação introduz mudanças substantivas no cenário jurídico brasileiro. Entre essas

mudanças, são de interesse particular nesta pesquisa aquelas que se referem à concessão

e aplicação das chamadas medidas protetivas de urgência.

A elaboração da Lei 11.340/06 partiu, em grande medida, de uma

perspectiva crítica aos resultados obtidos pela criação dos Juizados Especiais Criminais

para o equacionamento da violência de gênero. Os problemas normativos e as

dificuldades de implantação de um novo modelo para lidar com conflitos de gênero,

orientado pela simplicidade e economia processuais, mas incapaz de garantir a

participação efetiva da vítima na dinâmica de solução do conflito, levaram diversos

setores do campo jurídico e do movimento feminista a adotar um discurso de

confrontação e crítica aos Juizados, especialmente direcionado contra a chamada

banalização da violência que por via deles estaria ocorrendo, explicitada na prática

corriqueira da aplicação de uma medida alternativa correspondente ao pagamento de

cestas básicas pelo acusado, ao invés de investir na mediação e na aplicação de medida

mais adequada para a administração do conflito.

É o que se verifica, por exemplo, na manifestação de Maria Berenice Dias:

A ênfase em afastar a incidência da Lei dos Juizados Especiais nada mais

significa do que reação à maneira absolutamente inadequada com que a

Justiça cuidava da violência doméstica. A partir do momento em que a lesão

corporal leve foi considerada de pequeno potencial ofensivo, surgindo a possibilidade de os conflitos serem solucionados de forma consensual,

praticamente deixou de ser punida a violência intrafamiliar. O excesso de

serviço levava o juiz a forçar desistências impondo acordos. O seu interesse,

como forma de reduzir o volume de demandas, era não deixar que o

processo se instalasse. A título de pena restritiva de direito popularizou-se

de tal modo a imposição de pagamento de cestas básicas, que o seu efeito

punitivo foi inócuo. A vítima sentiu-se ultrajada por sua integridade física

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ter tão pouca valia, enquanto o agressor adquiriu a consciência de que era

“barato” bater na mulher. (DIAS, 2007, p. 8)

Incluindo a prisão preventiva como medida protetiva de urgência cabível em

determinadas circunstâncias, a nova lei concedeu ainda ampla discricionariedade ao juiz

para decidir sobre a necessidade da segregação cautelar do indivíduo acusado da prática

de violência contra a mulher, valendo-se de relações domésticas e familiares, tanto por

meio do encarceramento preventivo quanto das demais medidas protetivas de urgência1.

O atendimento pela autoridade policial está regulamentado no Capítulo III

da Lei 11.340/2006, artigos 10, 11 e 12. Além das atividades de polícia judiciária, como

o registro de ocorrência policial e a retomada dos inquéritos policiais como instrumento

de apuração das responsabilidades nos ilícitos penais que se enquadram na lei, a

autoridade policial também deve atuar para que sejam aplicadas as medidas protetivas

de urgência, sempre que a mulher solicitar. Estas medidas são, em sua maior parte, de

natureza cível, tais como os pedidos de afastamento do agressor, pedidos de guarda de

filhos e ações de alimentos. Cabe também à autoridade policial providenciar para que

esta mulher receba socorro médico e tenha preservada sua segurança, transferindo-a

para local seguro e adequado.

Com esta alteração, a polícia passa a atuar de imediato em duas frentes de

intervenção. Os pedidos de medidas protetivas possuem trâmite rápido, e uma vez que

sua solicitação tenha sido registrada, seu envio deverá ser imediato para o juízo

competente para o seu deferimento. Paralelamente, deverá a mesma autoridade policial

1 A possibilidade de prisão preventiva do agressor está prevista no art. 20 da Lei:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do

agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação

da autoridade policial.

As medidas protetivas de urgência estão previstas no art. 12 da Lei 11.340/2006:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o

juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos

da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância

entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento

multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

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providenciar a instauração do inquérito policial, realizando todos os trâmites da

investigação criminal.

Outra mudança introduzida pela Lei 11.340/2006 refere-se à possibilidade

de realização da prisão em flagrante delito2 em casos de violência doméstica e familiar

contra a mulher, procedimento até então pouco utilizado nas Delegacias de Defesa da

Mulher.

Na prática as novas atribuições provocaram o aumento do volume de

trabalho para as polícias, em especial para as DEAMS. Contudo, pouco se sabe como

estas Delegacias têm administrado suas novas atribuições. Fato é que pouco se conhece

sobre a atuação policial na aplicação da Lei Maria da Penha, tanto no que se refere aos

obstáculos que estão sendo encontrados para o cumprimento das novas atribuições,

quanto no que se refere às soluções exitosas, que certamente existem.

De outro lado, a concessão da medida protetiva de urgência, solicitada pela

mulher na DEAM, é encaminhada ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra

a Mulher, e somente poderá ser deferida pela autoridade judicial, que se valerá para a

tomada de decisão das informações fornecidas pela Polícia Civil. Uma vez concedida a

medida, a questão que se coloca é a sua eficácia. Muitas vezes a medida é deferida e a

mulher não toma conhecimento do deferimento, pois para tanto precisa comparecer

novamente ao Juizado. Caso tome conhecimento, não há mecanismos ágeis e eficazes

para dar efetividade às mesmas, e tem se repetido os casos em que mulheres que

receberam a medida protetiva acabaram novamente agredidas ou até mortas pelos

agressores.

Ao mesmo tempo, surgem em vários lugares iniciativas importantes para

garantir a eficácia preventiva destas medidas, como grupos especializados das Polícias

Militares voltados para o seu acompanhamento, ou a utilização de monitoramento

eletrônico de homens agressores para que cumpram a medida determinada judicialmente

de afastamento da vítima.

Diante da importância do tema e da necessidade de um conhecimento mais

aprofundado a respeito das diferentes etapas de concessão e implementação da medida

2 Entre 1995 e 2006 a maior parte dos casos registrados nas delegacias de defesa da mulher era de competência da Lei 9099/95. Embora o volume de registros fosse elevado, a quantidade de trabalho aplicada pelos policiais na confecção dos Termos Circunstanciados foi bastante reduzida. As prisões e os inquéritos policiais, por sua vez, eram exceção e aplicavam-se, sobretudo, aos crimes sexuais.

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protetiva de urgência para mulheres vítimas de violência, pretendeu-se, com a presente

pesquisa, verificar estas questões em três capitais que tem chamado a atenção

nacionalmente pela implementação de mecanismos inovadores para o deferimento e o

controle da aplicação das medidas: Porto Alegre – RS, Belo Horizonte – MG e Recife –

PE.

A necessidade de aprofundar o conhecimento a respeito das boas práticas

existentes, assim como das dificuldades persistentes para a efetivação dos mecanismos

de prevenção estabelecidos em lei para a proteção da mulher vítima de violência,

justificam a realização da presente pesquisa, que partiu das seguintes questões

norteadoras:

• Qual é o processo envolvendo a solicitação e o atendimento a medidas

protetivas, nas cidades de Porto Alegre – RS, Belo Horizonte – MG e Recife

– PE ?

• Quais são as medidas mais solicitadas? Quais são mais concedidas?

• Como as mulheres em situação de violência e os profissionais envolvidos

no pedido de concessão das medidas protetivas as avaliam?

• Qual é a percepção sobre a efetividade das medidas protetivas na

perspectiva das mulheres em situação de violência e dos profissionais

envolvidos?

• O retorno acerca das medidas protetivas ocorre em tempo hábil?

Para dar conta deste conjunto de questões, o relatório a seguir apresentado

está dividido em três capítulos, um para cada uma das capitais pesquisadas. Cada

capítulo apresenta uma visão geral a respeito da aplicação das medidas protetivas de

urgência em cada uma das etapas do fluxo do sistema de segurança pública e justiça

criminal, a percepção dos operadores entrevistados sobre a atuação dos diferentes

órgãos, desde o registro policial até o acompanhamento da medida, e a percepção das

mulheres vítimas de violência sobre a eficácia das medidas de urgência. Por fim são

apresentadas nas considerações finais da pesquisa, algumas conclusões e

recomendações para o aperfeiçoamento das políticas de prevenção à violência

doméstica e familiar contra a mulher, em especial das medidas protetivas de urgência,

com base nos resultados obtidos nas três cidades investigadas.

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Para sua realização, o enfoque metodológico adotado foi qualitativo,

valendo-se prioritariamente da realização de entrevistas semiestruturadas a respeito de

cada uma das etapas de aplicação e acompanhamento das medidas protetivas de

urgência previstas pela Lei Maria da Penha. Foram realizadas entrevistas nas três

capitais pesquisadas, mediante roteiros semiestruturados de questões, que

posteriormente foram processadas e analisadas segundo as questões norteadoras da

presente pesquisa.

As entrevistas foram realizadas, em cada uma das capitais pesquisadas, com

as Delegadas atuantes na Delegacia da Mulher, com a(s) Juíza(s) ou o(s) Juiz(es)

responsável(eis) pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, pelos

integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública atuantes no Juizado, pelos

Comandantes de equipes especializadas das Polícias Militares responsáveis pelo

acompanhamento das medidas protetivas e pelos responsáveis pelos programas de

monitoramento eletrônico utilizados para a efetivação de medidas protetivas de

urgência.

Para aferir a percepção das mulheres que recorreram ao sistema de

segurança pública em cada uma das capitais pesquisadas, buscando a proteção contra a

violência, foram entrevistadas mulheres que tiveram medidas deferidas ou indeferidas

pelo Poder Judiciário, para avaliar a percepção das mesmas a respeito da concessão ou

não da medida e as possíveis consequências ocorridas no período imediatamente

posterior à decisão judicial. As entrevistas não tiveram a preocupação com a

representatividade estatística, mas sim em dar conta da experiência vivenciada no

contato com o sistema, na dimensão específica das questões norteadoras da presente

pesquisa.

Para a realização das entrevistas, os aspectos éticos foram preservados,

garantindo-se a todas as entrevistadas a possibilidade de concederem ou não seu

consentimento livre e esclarecido para a participação na pesquisa, sendo preservado o

anonimato e a privacidade de todas as entrevistadas. Da mesma forma, procurou-se

garantir o livre consentimento dos demais participantes da pesquisa, servidores públicos

que manifestaram seu interesse em conceder as entrevistas solicitadas. Não foi

solicitado, da parte dos mesmos, o anonimato, mas optou-se, no presente relatório, por

não referir os nomes dos entrevistados, sendo referidos nos trechos de entrevistas

reproduzidos apenas a vinculação aos cargos ou postos exercidos pelos entrevistados.

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O número de entrevistas realizadas, as formas encontradas para estabelecer

contatos com os operadores do sistema e com as mulheres vítimas, e as dificuldades

encontradas ao longo da pesquisa de campo, são apresentados de forma detalhada em

cada um dos capítulos a seguir.

O enfoque utilizado para a análise de todo o material coletado nas

entrevistas foi voltado para a identificação do histórico, limites e possibilidades de

aperfeiçoamento dos mecanismos policiais e judiciais de garantia dos direitos da mulher

contra a violência, assim como para a avaliação, a partir da percepção dos entrevistados,

sobre os resultados até aqui alcançados pelas políticas implementadas. Levando em

conta as características específicas das instituições pesquisadas em cada uma das

cidades, bem como os estágios diferenciados de implementação dos diferentes

mecanismos de atendimento à mulher vítima de violência, optou-se por não realizar

uma comparação ponto a ponto entre as cidades. Procurou-se, nos capítulos que tratam

de cada uma das experiências pesquisadas, identificar os pontos fortes e as limitações

dos programas implementados, e ao final, nas considerações finais, integrar os

resultados específicos em uma análise mais abrangente sobre os resultados alcançados.

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2. Belo Horizonte

Na cidade de Belo Horizonte, diversas são as “portas de entrada” da vítima

dentro do sistema, posto que muitas das instituições afirmam fazer esse primeiro

trabalho de atendimento. O processo mais comum é através do encaminhamento da

Polícia Militar para a delegacia de Polícia Civil. Quase tão comum quanto esse processo

é a demanda espontânea das vítimas em irem à delegacia diretamente.

O Serviço de Prevenção à Violência Doméstica (PVD) da Polícia Militar de

Minas Gerais, foi criado em 2010. Trata-se de uma iniciativa pioneira da Polícia Militar,

de criar um grupo especializado para dar atendimento para casos de violência doméstica

e familiar. Crimes que correspondem a cerca de 60% das ocorrências de crimes contra a

vida nas quais os policiais militares são chamados a intervir através de chamados à

central 190 (Azevedo et al., 2013).

A metodologia do serviço consiste numa abordagem denominada Primeira e

Segunda Resposta, que correspondem, respectivamente, ao atendimento imediato no

momento da ocorrência e acionamento da Central 190 e o acompanhamento da

ocorrência nas semanas seguintes a esse atendimento. Para cada uma dessas

intervenções foi desenvolvido um protocolo de atendimento e encaminhamentos.

Enquanto a Primeira Resposta é realizada por qualquer policial que trabalha no

policiamento ostensivo, a Segunda Resposta é atividade desempenhada por equipes

menores, especializadas, e que realizam o acompanhamento dos casos e seus

encaminhamentos. Em todos os casos, os policiais recebem treinamentos sobre

violência doméstica e familiar e atuam de acordo com um protocolo que orienta quanto

ao atendimento e registro da ocorrência que deve privilegiar a observação do contexto e

o registro de informações que permitam à Polícia Civil dar continuidade ao inquérito

policial.

Após o atendimento realizado pela equipe de patrulhamento ostensivo, as

ocorrências são registradas no sistema de Registro de Eventos da Defesa Social – o

REDS, o mesmo que é alimentado pela Polícia Civil. A sequência desse atendimento

passa a ser realizada pela equipe de Segunda Resposta.

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Diariamente a equipe acessa o sistema de dados para analisar as ocorrências que

foram registradas desde o encerramento de seu último turno de trabalho. A primeira

atividade da equipe é analisar caso a caso e selecionar aqueles que são considerados

mais graves e urgentes para o acompanhamento. Entre os critérios para essa seleção

estão a gravidade da violência praticada, ou a recorrência do comportamento violento,

que pode ser verificada pela quantidade de registros policiais anteriormente realizados

pela vítima, ou a existência de medidas protetivas de urgência (Azevedo et al., 2013).

2.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal

Foram realizadas em Belo Horizonte treze entrevistas com representantes de

seis instituições:

Tabela 1 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento

à mulher vítima de violência em Belo Horizonte

Instituição Serviço especializado na área de violência

doméstica

Data da entrevista

Polícia Militar Serviço de Prevenção à Violência Doméstica

(PVD)

16/05/2014

Polícia Civil Central de flagrantes (CEFLAN) 26/05/2014

Delegacia Especializada no Atendimento à

Mulher (DEAM)

13/05/2014

Defensoria

Pública

Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher em

Situação de Violência (NUDEM)

20/05/2014

20/05/2014

20/05/2014

Ministério

Público

Promotoria Especializada no Combate à

Violência Doméstica e Familiar Contra à Mulher

29/05/2014

29/05/2014

04/06/2014

Judiciário 13a vara criminal 30/05/2014

14a vara criminal 30/05/2014

15a vara criminal 09/06/2014

Programa de

Monitoramento

Eletrônico

Unidade Gestora de Monitoramento Eletrônico

da Subsecretaria de Estado de Administração

Prisional

26/05/2014

Nos dois casos, geralmente, o plantão da DEAM (que é localizada em um prédio

na área central da cidade, e onde estão localizados também outros órgãos de defesa aos

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direitos, e é conhecido como Casa da Cidadania) é a seção, dentro da Polícia Civil,

procurada para esse primeiro atendimento. Embora a delegacia seja a forma usual de

entrada, outras instituições atuam neste sentido, por exemplo, a Defensoria Pública.

Nós também fazemos o requerimento diretamente aqui, então, muitas vezes,

a mulher não faz o requerimento na Delegacia, apenas em alguns casos, uma

parcela desses casos, que é um percentual minoritário, pois a maioria faz pela

Delegacia. Então alguns processos de medidas protetivas, algumas ações de

medidas protetivas, são feitas diretamente pela Defensoria Pública,

independentemente do expediente policial. (Defensor Público)

O discurso de que a delegacia é a principal “porta de entrada” é comum a todos

os atores pesquisados. “Raros são os casos, um ou dois, que vem do Ministério Público,

raríssimas exceções, eu não me lembro de nenhuma, que tenha vindo da Defensoria”,

afirmou um dos juízes pesquisados.

Uma vez solicitada medida na delegacia de polícia, ela deve ser encaminhada ao

juiz em até 48 horas. Isto é, para além do fluxo normal do sistema, onde a Polícia

Militar encaminha a vítima para a delegacia, essa por sua vez, envia a solicitação da

Medida Protetiva para a vara. O juiz examina o procedimento e decide o que fazer: se

concede a medida diretamente, se solicita alguma prova adicional a ser produzida e

apresentada pela vítima na audiência de justificação, se encaminha a mulher para o setor

técnico ou, até mesmo, se ouve a Defensoria e o Ministério Público. Qualquer dessas

decisões deve ser tomada em até 48 horas, conforme disposto em lei. Em que pese o

respeito a esse prazo, em regra, é importante destacar a inexistência de um trabalho ou

ações que interligam as instituições - sendo impossível, assim, falar da existência de

uma rede de proteção.3

Uma vez concedida a medida, dois são os problemas a serem enfrentados.

Primeiro, a ciência da vítima, que pode ocorrer vários dias ou até meses após a decisão

judicial, impactando diretamente a possibilidade de proteção à vítima. Segundo, o

acompanhamento do cumprimento da medida. Nesse quesito, todos os entrevistados, em

maior ou menor medida, alegam existir algum procedimento destinado a constatar a

violação das determinações judiciais. Entretanto, é necessário qualificar esse

acompanhamento, pois a maioria dos atores entrevistados entende que a

3 Embora ocorram reuniões com o intuito de fixar essa rede (uma dessa presenciada pelos pesquisadores)

com a participação de atores de diversos órgãos, entre eles, as instituições supracitadas, prefeitura, ONG e

outras, através das entrevistas não identifica-se uma agenda de ações que abarcasse tal finalidade.

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responsabilidade de relatar o descumprimento da medida é da vítima. Neste sentido, o

acompanhamento feito é uma espécie de “acompanhamento passivo”, no qual os casos

são monitorados apenas quando as instituições são informadas pela própria vítima do

descumprimento.

Duas são as exceções à situação supracitada. A primeira é o trabalho

denominado PVD (Serviço de Prevenção à Violência Doméstica), desempenhado pela

Polícia Militar, no qual há acompanhamento ativo e preventivo tanto de algumas

medidas protetivas, como de ocorrências policiais advindas de violências domésticas

onde não há a decretação de medida protetiva. A segunda exceção são os casos em que

a medida protetiva determina o uso de uma tornozeleira eletrônica pelo acusado, que

tem em sua própria dinâmica o trabalho de acompanhamento constante.

De maneira geral, o fluxograma descrito nos parágrafos anteriores pode ser

vislumbrado na Figura 01, que procura apresentar os caminhos percorridos pela mulher,

desde o registro da violência sofrida em âmbito doméstico, passando pelo próprio

Expediente Apartado de Medida Protetiva (EAMP), que deve sair da DEAM, passar

pelo judiciário e retornar à mulher no formato de uma decisão judicial, que concede os

pedidos feitos na delegacia ou os nega.

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Fluxograma das instituições em BH

Vítima

Outras Delegacias

DEAM

PM – Forma Geral

Ministério Público

Vara

Defensoria

PVD -PM

Bem Vinda

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Como se pode verificar na Figura 1, há duas instituições que se encontram ao

final do fluxo de encaminhamento, as quais são acionadas em casos considerados mais

graves ou de maior vulnerabilidade. A primeira é a Casa Abrigo Bem Vinda, uma

instituição do próprio estado, destinada a receber mulheres vítimas de violência que não

possuem um lugar seguro para ficar. A segunda exceção é o PDV, que foi citado pelos

juízes e defensores como um recurso a mais, e de cunho interinstitucional, de garantia

das medidas. No fluxograma apresentado, a espessura das setas informa o maior ou

menor fluxo, a cor azul informa o fluxo normal e, por sua vez, a cor vermelha informa

procedimentos adotados no sentido de obter um melhor desempenho no que tange a

segurança da vítima.

Entendido o fluxo, a questão importante a ser investigada dizia respeito à

eficácia das medidas. O que se percebe na fala dos operadores são perspectivas

diferentes sobre o sentido e a eficácia das medidas protetivas, tratadas aqui como

“tendências”. A primeira tendência vai no sentido de que o puro e simples cumprimento

da lei teria condições de garantir a efetividade das decisões.

A Lei dá esse instrumento. O Judiciário não pode inventar situações, a gente procura aplicar a Lei e a Lei, por si só, basta. (Juiz I)

Neste sentido, a medida é eficaz pelo simples motivo de ser uma medida jurídica

adequada. Assim, outros aspectos, externos ao campo jurídico, não são considerados, e

por isso, nada há a ser feito para além da concessão da medida.

Uma segunda tendência de reposta é a relativização da eficácia das medidas

aplicadas. Neste sentido, destacam-se as opiniões de que a medida mais eficaz é aquela

onde há um controle efetivo do comportamento do acusado, sendo esta a de

monitoramento eletrônico. Abaixo algumas citações que comprovam essa tendência:

(...) usar uma tornozeleira, tudo isso tem um caráter protetivo na medida em

que inibe e coíbe a ação do agressor. (Defensor Público)

Sim. Reincidência quase zero com a tornozeleira. (Juiz I)

O descumprimento da tornozeleira é menos de 10%. Não tenho dados

estatísticos, é pela minha experiência. (Juiz II)

(...) quando se fala em tornozeleira, de um arranjo que garante, pelo menos

em tese, a efetividade daquilo que foi previsto. (Policial militar)

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19

Uma terceira tendência de resposta entende que a lei e as medidas são eficazes,

mas o grande problema é o agressor, que dificulta o funcionamento do sistema, que não

tem condições de atuar preventivamente:

A medida é eficaz, a lei é eficaz, quem não é eficaz é o homem, quem erra é o

homem. Não adianta a gente proibir o sujeito de não descumprir a medida

protetiva e ele descumprir. A lei é boa, falha é o homem. Se o homem quiser,

isso em qualquer área e qualquer crime, se o sujeito quiser cometer um

homicídio, ele pode cometer. (Policial Civil)

Por fim, a última tendência de resposta é a percepção de que o sistema de justiça

carece de um mecanismo que garanta a eficácia das medidas deferidas. Essa vertente

pode ainda se dividir em duas categorias. A primeira é a percepção da ausência da

estrutura do sistema de justiça em fazer valer o cumprimento das medidas. A segunda

categoria atribui a ausência de estrutura não apenas ao sistema de justiça, mas ao país

como um todo. Neste sentido, se o país não funciona, as medidas também não.

Eu acho muito precário todo o sistema. O sistema de justiça no Brasil é muito

precário em todas as áreas. Ele tem um mau funcionamento, porque o Estado

brasileiro funciona mal, então a justiça também funciona mal. (Defensor Público)

Para além das percepções dos operadores, em Belo Horizonte foram coletadas

informações processuais nas varas destinadas a tratar dos casos enquadrados na Lei

Maria da Penha. Ao todo foi possível analisar 20 processos referentes a parte das 27

mulheres posteriormente entrevistadas. Embora não existam informações para todas as

variáveis mensuradas, já que em alguns casos não há a certidão do oficial de justiça

comunicando a ciência das mulheres da concessão / negativa das medidas protetivas e o

número de casos pesquisados seja extremamente pequeno para qualquer inferência

acerca do universo de processos existentes nas varas, abaixo se encontram elencados

alguns resultados a título de ilustração.

A primeira informação relevante é que em 11 casos houve descumprimento da

medida, seja pela vítima (em menor número de casos), seja pelo autor. Ou seja, em mais

da metade dos casos houve descumprimento da medida protetiva.

Mensurou-se também o espaço temporal entre as datas mais importantes do

fluxo, entre o fato criminal e o recebimento de medida. Neste quesito, observa-se que

praticamente não há diferença entre a data do fato e o pedido de medida protetiva, isto é,

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o pedido é emitido juntamente com o primeiro atendimento feito, que geralmente ocorre

no mesmo dia do fato criminal.

Quando o espaço temporal mensurado é entre a data do pedido da medida

protetiva e a data da decisão judicial, observa-se que, por vezes, o prazo legal de até 48

horas não está sendo cumprido (Quadro 1).

Tabela 2 – Dados descritivos acerca do tempo entre a medida protetiva

e a análise do judiciário Prazo (em

dias)

Média 20,4

Mediana 4

Moda 2

Mínimo 1

Máximo 180

Percentual 25 2

50 4

75 11,5

FONTE: Elaboração própria a partir dos dados do Tribunal de Justiça – 2014

Como se pode perceber, apenas 25% dos casos pesquisados obedeceu o prazo

máximo de 48h para o deferimento ou não da medida, determinado por lei. A média de

tempo gasto entre o pedido e a análise é de 20 dias. Entretanto, essa média está sofrendo

forte influência do valor máximo (180 dias) que é claramente um outlier.

Por fim, outra informação mensurada foi o tempo entre a decisão e a ciência da

vítima acerca do pronunciamento judicial que, de acordo com a lei, deveria ser de 48

horas. Observa-se que a média de dias é um pouco maior que 12 dias, tendo como

intervalo de tempo mais comum 8 dias. Observa-se também que três quartos das

medidas protetivas estudadas não levaram mais que 18 dias para serem comunicadas,

como demonstra o quadro abaixo.

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21

Tabela 3 – Dados descritivos acerca do tempo entre a análise do judiciário

e a comunicação a vítima Tempo

(em dias)

Média 12,1

Mediana 8,5

Moda 8

Mínimo 0

Máximo 32

Percentual 25 5,3

50 8,5

75 17,3

FONTE: Elaboração própria a partir dos dados do Tribunal de Justiça – 2014

Portanto, em que pese as mulheres solicitarem as medidas protetivas na data da

agressão, o tempo decorrido para o julgamento do cabimento da medida e a sua

comunicação à vítima acaba sendo bem maiores, em média, do que a previsão legal

voltada para a celeridade da concessão da medida. Primeiro, por tardar

consideravelmente em apresentar uma decisão, em parte em razão de encaminhamentos

outros – para a audiência de justificação, para o setor técnico ou para o pronunciamento

do Ministério Público e da Defensoria Pública – em detrimento da concessão ou

negativa do pedido. Segundo, o Judiciário também parece falhar na comunicação da

decisão às mulheres vítimas, as quais terminam tomando ciência do pronunciamento do

juiz em suas constantes idas às varas judiciais em busca da proteção prometida pela lei.

2.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei

11.340/2006

Nesta etapa da pesquisa, realizou-se uma série de entrevistas semiestruturadas

com mulheres que solicitaram medidas protetivas nas Delegacias Especializadas no

Atendimento à Mulher (DEAM) e que foram concedidas ou negadas pelo Poder

Judiciário. A opção por ouvir as mulheres decorre da necessidade de reconstruir a

realidade a partir de suas próprias protagonistas. Essa dimensão se torna especialmente

importante quando o ponto em observação é a prestação jurisdicional, que é

“tradicionalmente concebida como uma virtude ou norma, através da qual todos

recebem (ou deveriam receber) aquilo que merecem” (Matos, 2013, p. 145).

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Pretendeu-se verificar como as mulheres percebem a concessão ou negativa da

medida protetiva do ponto vista de sua eficácia. A estratégia adotada consistiu na

abordagem desse público nas salas de espera das Varas Maria da Penha, que são as 13ª,

14ª e 15ª Varas Criminais da Cidade de Belo Horizonte.

As mulheres selecionadas para entrevista foram as que esperavam atendimento

pelo setor técnico ou as que saíam dessa atividade, em detrimento daquelas que

participavam de Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ). A predileção por aquele

público deveu-se ao fato de as mulheres não estarem abaladas com a presença do

suposto agressor (que não é chamado para as reuniões do setor técnico) ou com o

significado de uma audiência criminal, tal como constatado na primeira fase do trabalho

de campo. Além disso, como o processo de medida protetiva não é apensado ao

processo criminal, apenas no setor técnico existiria a possibilidade de acesso aos autos,

o que permite a reconstrução do fluxo de processamento, a melhor compreensão do caso

que suscitou o pedido de proteção e, ainda, a identificação de alguns equívocos das

entrevistadas quanto à data de concessão da medida e, até mesmo, quanto à sua

existência.

Em situações excepcionais, as vítimas de violência doméstica aguardando pela

AIJ foram entrevistadas, ou porque elas pediram para serem ouvidas ou porque, em

razão de suas medidas protetivas excepcionais (como prisão e abrigamento), seria

importante para a pesquisa ouvi-las, de forma a contar com uma variabilidade maior de

casos. No entanto, como os seus processos de medida protetiva não estavam em análise

pelos juízes, não foi possível consultá-los e, dessa forma, checar a veracidade da

informação prestada.

Uma informação que merece destaque é a situação em que a mulher afirma

possuir medida protetiva, mas, quando se consulta o seu processo, percebe-se que esse

dado não corresponde à realidade dos fatos. Como se verá na transcrição dos

depoimentos, isso ocorre porque a cópia do Expediente Apartamento de Medidas

Protetivas (EAMP), preenchido na DEAM quando do registro da violência doméstica,

enumera as medidas solicitadas pela mulher. Para várias das entrevistadas, esse

documento é suficiente para que elas sejam incluídas na proteção prevista em Lei, não

sendo necessário o exame de tal pedido pelo Poder Judiciário. Nesses casos, elas

afirmam contar com a medida e, inclusive, acionam os demais serviços policiais

fazendo referência à vigência desse instituto quando, do ponto de vista formal, ele não

existe. Essa dificuldade de compreensão do fluxo de processamento das medidas parece

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indicar que, em algumas situações, a linguagem e as conexões das organizações que

compõem o sistema de justiça criminal são de difícil compreensão por parte de suas

usuárias.

A equipe entrevistou 27 mulheres, sendo que 22 autorizaram a gravação do

depoimento (Quadro 4).

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Tabela 4 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres vítimas de violência doméstica que solicitaram a concessão de medida protetiva

ao Judiciário

Data da

Entrevista Natureza do caso Data de concessão da medida Natureza da medida

Entrevista

gravada Número do processo

12/08/2014

Lesão corporal e

agressão Maio de 2014 Prisão Sim Não houve acesso ao processo

12/08/2014 Ameaça Junho de 2013 Proibição de aproximação e contato Sim Não houve acesso ao processo

12/08/2014 Agressão e Ameaça Agosto de 2012

Afastamento do lar, proibição de

aproximação e contato Sim Não houve acesso ao processo

12/08/2014 Ameaça Sem medida Não Não houve acesso ao processo

14/08/2014 Agressão 26/10/2012 Proibição de aproximação e contato Sim 110722-96.2012.8.13.0024

14/08/2014 Agressão 12/05/2014 Proibição de aproximação e contato Sim 1234229-85.2014.8.13.0024

14/08/2014 Agressão Julho de 2012 Não Não houve acesso ao processo

19/08/2014 Lesão corporal 10/10/2013 Proibição de aproximação e contato Sim 2922600-90.2013.8.13.0024

19/08/2014 Agressão e Ameaça Sem informação Proibição de aproximação e contato Sim Não houve acesso ao processo

19/08/2014 Lesão corporal 26/02/2014 Proibição de aproximação e contato Sim 0985904-63.2014.8.13.0024

19/08/2014

Agressão e lesão

corporal recíproca 25/03/2014

Afastamento do lar, proibição de

aproximação e contato Não 0895079-73.2014.8.13.0024

20/08/2014 Agressão e Ameaça

Sem pedido de medida

protetiva Sim 1263269-15.2014.8.13.0024

20/08/2014 Ameaça 20/02/2014 Proibição de aproximação e contato Sim 0984949-32.2014.8.13.0024

21/08/2014 Agressão e Ameaça Sem informação

Abrigamento, proibição de

aproximação e contato Sim Não houve acesso ao processo

21/08/2014 Agressão Sem medida, mas a entrevistada afirma que recebeu Não 1276485-42.2014.8.13.0024

21/08/2014 Agressão e Ameaça

Sem medida, mas a entrevistada

afirma que recebeu Sim 2377874-59.2011.8.13.0024

22/08/2014 Ameaça 19/03/2014

Frequência ao Dialogar, proibição de

aproximação e contato Sim 0891391-06.2014.8.13.0024

26/08/2014 Ameaça 02/04/2014

Afastamento do lar, proibição de

aproximação e contato Sim 0899915-89.2014.08.13.0024

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25

Data da

Entrevista Natureza do caso Data de concessão da medida Natureza da medida

Entrevista

gravada Número do processo

26/08/2014 Ameaça Sem medida Não 1274597-39.2014.8.13.0024

27/08/2014 Lesão corporal 16/09/2009 Proibição de aproximação e contato Sim 0024.09.6.36354-4

27/08/2014 Ameaça 03/02/2014

Frequência ao Dialogar, proibição de

aproximação e contato Sim 0454687-59.2014.8.13.0024

27/08/2014 Agressão Fevereiro de 2014 Proibição de aproximação e contato Não 0447855-10.2014.8.13.0024

27/08/2014 Estupro 05/02/2014

Afastamento do lar, proibição de

aproximação e contato Sim 0459363-50.2014.8.13.0024

28/08/2014 Lesão Corporal

Sem pedido de medida

protetiva Sim 1265975-68.2014.8.13.0024

28/08/2014 Ameaça Sem medida, pois a entrevistada desistiu do procedimento Sim 1257295-94.2014.8.13.0024

02/09/2014 Ameaça Sem medida Sim 1262998-06.2014.8.13.0024

03/09/2014 Agressão

Sem medida, pois a entrevistada

desistiu do procedimento Sim 1278721-65.2014.8.13.0024

Fonte: Dados da pesquisa

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A seguir estão destacadas as especificidades de cada uma das entrevistas, com a

descrição das situações que levaram as mulheres à solicitação da medida protetiva, o

entendimento do juiz sobre o caso e, ainda, como as vítimas de violência doméstica

percebem a eficácia da proteção prevista na Lei Maria da Penha.

Caso I - Medida protetiva de prisão (gravado)

A mulher protegida em razão das lesões corporais do marido, com o qual tinha um

filho, decidiu pedir as medidas protetivas, por estar "cansada das agressões constantes",

especialmente, depois de uma “surra”. Foi nesse momento que ela resolveu chamar a Polícia

Militar que, ao chegar à residência da vítima, a informou sobre o que poderia ser feito

(inclusive da possibilidade de encaminhamento para a Casa Abrigo).

A entrevistada disse que ficou surpresa com o desenrolar de seu caso, pois achava

que chamaria a polícia, faria o REDS e iria para casa com o agressor. No entanto, ele foi

preso imediatamente (em flagrante) e assim permanece. Em sua opinião, o desenvolvimento

do caso fez com que ela se sentisse segura, pois houve efetivo cumprimento das medidas

protetivas. A vítima afirmou que uma forma de se evitar situações de violência como a que

ela sofria é fazer com que as mulheres chamem a polícia e denunciem.

Caso II - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

A mulher agredida por sua nora, em razão de ambas residirem no mesmo lote, foi

informada sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha ao seu caso na delegacia do idoso,

para onde foi encaminhada pela Polícia Militar após a agressão. Segundo ela, a Medida

Protetiva funcionou muito bem por um tempo. Contudo, recentemente, os filhos de sua ex-

nora começaram a lhe agredir verbalmente, contribuindo para que ela se sinta novamente

desprotegida.

De acordo com ela, a medida protetiva contribui para o empoderamento das mulheres

vítimas de violência e, por isso, ela não teve qualquer sugestão para aprimoramento do

instituto.

Caso III - Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de aproximação

e contato (gravado)

A mulher que registrou ocorrência contra o marido após uma série de episódios de

violência psicológica descreveu como a vitimização que começou em casa se perpetuou ao

longo de todo o fluxo de encaminhamento. Na DEAM, no momento de fazer a queixa contra

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o marido, segundo ela foi muito mal atendida: “só tinha homens para nos atender” e “o

delegado não queria que eu prestasse queixa”. A mulher não desistiu por temer pela vida dos

filhos e, além do registro criminal, solicitou a concessão das medidas.

A vítima relata que as medidas de afastamento e de não aproximação não foram

cumpridas pelo marido e que, mesmo chamando a polícia, não adiantou, porque o homem só

pode ser preso em flagrante, o que nunca ocorreu. A entrevistada considera que as medidas

não são efetivas, pois não há fiscalização do seu cumprimento. Para ela é isso que falta para

que casos de violência doméstica contra a mulher não mais ocorram.

Caso IV – Sem pedido de medida protetiva (não gravado)

Por solicitação da própria entrevistada, esta conversa não pôde ser gravada. Ela

contou que o motivo de sua presença na Vara Maria da Penha era a violência verbal sofrida

em 2013, quando seu filho a ameaçou de morte. Nessa ocasião, a Polícia Militar foi

chamada, mas os policiais não informaram muito bem o que poderia ser feito; disseram que a

vítima podia pedir para o agressor ser preso, o que ela não queria.

O seu maior desejo é internar o filho, que por ser usuário de drogas, frequentemente

lhe agride, ameaçando-a de morte. A principal queixa dessa mulher é a demora na análise

dos documentos que vêm da polícia, pelo juiz, para a concessão da medida. A vítima foi

chamada para esclarecer sobre a necessidade das medidas depois de um bom tempo do

ocorrido e, se não tivesse tomado alguma providência por si mesma, já estaria morta, posto a

sua coabitação com o agressor.

Caso V - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

A mulher entrevistada era casada há 10 anos com o agressor, que a agredia

fisicamente há algum tempo, principalmente por não aceitar que ela trabalhasse e, depois,

por não se conformar com o pedido de divórcio. A entrevistada relatou que a denúncia do

ex-marido à polícia não foi fácil, pois nem os seus familiares acreditavam nos relatos de

violência. O registro aconteceu por que o pai da vítima presenciou uma agressão em que o

marido quase a matou.

O caso ocorreu em 29 de abril de 2012. O juiz da 14ª Vara indeferiu a concessão da

medida e encaminhou o processo para a análise do setor técnico. Em 26 de outubro de 2012

(seis meses depois do fato) deferiu a proibição de aproximação e contato. O Ministério

Público, em 18 de fevereiro de 2014, pediu o agravamento das medidas, dado que o agressor

voltou a agredir a vítima, pois não aceitava que ela estivesse se relacionando com outra

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pessoa. A promotora solicitou o uso de tornozeleira eletrônica, que o juiz não concedeu em 2

de abril de 2014, mas determinou que o acusado frequentasse o grupo de apoio a homens

agressores por quatro meses, uma vez por semana (processo 110722-96.2012.8.13.0024).

Caso VI - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

A vítima da agressão ocorrida em 8 de maio de 2014 teve a medida concedida em 12

de maio de 2014, ou seja, quatro dias depois do fato. Segundo a mulher, a culpa não foi do

agressor e sim do filho do casal, "que é muito problemático". Ela afirma que o marido é bom

e as medidas protetivas não foram cumpridas porque ela tenta entrar em contato com ele.

A mulher enfrenta sofrimento psíquico e, além de tomar remédio controlado,

frequenta um hospital psiquiátrico. Durante a entrevista, ela afirmou que as medidas são

eficazes, que recebeu informações da delegada sobre como poderia agir e que a PM a visitou

para verificar se as medidas eram efetivamente cumpridas. Ao analisar o processo, foi

detectado que, em 2 de julho deste ano, o juiz pediu que a PVD da PM visitasse a vítima

para averiguar se a mulher tinha problemas mentais ou não, o que foi confirmado por eles.

Um mês depois, a mulher pediu a revogação das medidas.

De toda forma, ela avaliou a proteção oferecida pela Lei Maria da Penha como muito

boa e diz solicitar a revogação de suas medidas apenas porque o marido é uma pessoa

excelente, não merecendo o que ela fez com ele (processo 1234229-85.2014.8.13.0024).

Caso VII - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (não gravado)

Neste caso, a mulher não queria que sua entrevista fosse gravada e não foi possível o

acesso ao processo. O fato que a levou a solicitar a proteção foi a agressão física e verbal por

parte do marido ocorrida em julho de 2010. Desde então, ela possui as seguintes medidas:

proibição de aproximação (300 m) e proibição de contato, dela e dos familiares.

Entretanto, a vítima afirmou que o agressor não cumpre as medidas, dado que eles se

encontram em situação de coabitação; e não soube responder como ficou sabendo que a

medida protetiva fora concedida: “acho que foi aqui no Judiciário mesmo”. O serviço de

prevenção à violência doméstica (PVD) da Polícia Militar a visitou por algum tempo e,

durante esses encontros, a entrevistada foi informada sobre a existência de núcleos de apoio

às mulheres, mas não se lembrava muito bem dos serviços que eles oferecem.

Como o agressor continuou morando com a vítima, a relação com os filhos não foi

alterada devido às medidas. Segundo ela, as medidas são eficazes: “as medidas funcionam,

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só não funcionou no meu caso”. Mesmo com o descumprimento por parte do agressor, ela se

sentiu protegida com a sua concessão, pois, todas as vezes que ameaça chamar a polícia, o

agressor se acalma. Perguntada sobre o que deve ser feito para que situações como a dela

não ocorram com outras mulheres, afirmou que "a única medida é rezar. O culpado é o diabo

por meio do álcool e das drogas".

Caso VIII – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

As agressões verbais e físicas que suscitaram o pedido de proteção ocorreram em

06/10/2013, quando o delito foi comunicado à DEAM. A mulher realizou exame de corpo de

delito dois dias após o registro (08/10) e o pedido de medida protetiva foi concedido pelo

juiz em 10/10/2013. Entretanto, devido à mudança de endereço, o oficial de justiça teve

dificuldades de encontrá-la e, com isso, ela foi cientificada da medida em 18/10/2013. O

agressor, por sua vez, ficou sabendo da concessão das medidas em 26/03/2014 (pela

dificuldade de se encontrar o endereço fornecido).

A entrevistada tomou conhecimento da Lei Maria da Penha através de programas de

televisão. Segundo ela, no meio da discussão em que foi lesada, sua vontade era matar o

agressor. Porém, como não conseguiria, resolveu chamar a polícia que, em razão da

indisponibilidade de viaturas e da própria dificuldade da vítima em precisar a sua

localização, não compareceu. Então, a mulher se dirigiu no dia seguinte à DEAM, quando

fez o registro. Ela afirma que ficou sabendo da concessão da medida através do oficial de

justiça.

Para a entrevistada, a medida é eficaz em parte, “pois funcionou por um tempo”.

Segundo ela, o descumprimento foi ocasionado em razão do seu desejo em ver o filho, cuja

guarda pertence ao pai. Exatamente por isso, entende que a culpa da violência, na maioria

das vezes, é das próprias mulheres, que descumprem as determinações legais: “homem não

descumpre porque tem medo”.

Em 25/06/2014 o agressor pediu a revogação da medida protetiva, alegando que não

havia agredido a mulher. Ela, por sua vez, endossou o pedido do marido em 19/08/2014,

afirmando que a medida era desnecessária, dado o seu desejo em voltar a viver com agressor,

para ficar próxima do filho. Quando indagada sobre o que poderia ser feito para que casos

como o dela não ocorressem, respondeu que, primeiro, “as mulheres deveriam procurar a

polícia”, pois “as mulheres não podem enfrentar, pois são mais fracas que os homens”.

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Afirma que “as mulheres não merecem se rebaixar, devem largar seus companheiros”

(processo 2922600-90.2013.8.13.0024).

Caso IX – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

A vítima relata que sofreu ameaça pelo companheiro e que, com medo, resolveu

procurar a delegacia. Primeiro, ela e o companheiro foram a uma delegacia e, depois, ela foi

conduzida a uma delegacia da mulher, quando ficou sabendo das medidas e da própria lei.

Então, ela resolveu pedir a proteção, mas ficou confusa quando perguntada sobre de que

maneira tomou ciência da concessão da medida. Nesse momento, afirmou que foi na

delegacia, quando foi prestar nova queixa contra o acusado, em outra briga que tiveram.

Segundo a vítima, depois da concessão das medidas, a situação ficou bem melhor,

pois o agressor ficou com medo, em que pese ter descumprido a proibição de aproximação e

contato. Ela avalia positivamente as medidas e, mesmo com o descumprimento por parte do

agressor, se sentiu protegida, pois “tem meios para recorrer”.

A relação do filho com o agressor não foi alterada, pois ela não deixou que isso

ocorresse. A vítima não soube responder o que deveria ser feito para que casos como o dela

não acontecessem, mas acha que deveria ter um centro de apoio para os agressores, uma

espécie de orientação para eles sobre os direitos da mulher.

O processo referente a este caso não pôde ser examinado pelas entrevistadoras.

Caso X – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

Nesta entrevista, o caso que suscitou a medida protetiva foi a agressão física a duas

crianças menores de seis anos que eram representadas pela mãe, cuja narrativa afirma que,

apesar de as medidas serem em desfavor do ex-marido (pai das crianças), o problema é com

a madrasta das meninas, que as teria agredido.

O registro de ocorrência coloca apenas uma das filhas como vítima (18/02/2014),

sendo que a decisão do juiz (26/02/2014), inicialmente, implica apenas essa na medida. A

mãe foi cientificada da concessão das medidas em 07/03/2014, por ter comparecido à 15ª

Vara para pedir a inclusão da outra filha na medida (o juiz concedeu em 14/03 e a mãe das

vítimas foi notificada da decisão em 19/03).

O agressor foi comunicado das medidas em 24/03/2014 e decidiu contestá-las,

alegando não existirem provas da agressão em 07/04/2014. Um mês após o pedido do pai, a

representante das vítimas solicitou a inclusão da madrasta das filhas nas medidas protetivas.

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O pai reiterou o pedido anterior em 16/06, quando o juiz determinou o atendimento da mãe

das vítimas pelo setor técnico, para avaliação da possibilidade de revogação da medida.

Segundo a entrevistada, em decorrência das medidas, o pai foi completamente

afastado das vítimas, deixando-as bastante tristes, já que ambas gostam muito dele. Mas, em

sua visão, “era necessário”. Acredita que as medidas são bem eficazes, pois as suas filhas

estão resguardadas e seguras, não correndo mais risco. Para ela, a prevenção e a orientação

são os mecanismos disponíveis para que se possa evitar que casos como os das filhas

ocorram (Processo 0985904-63.2014.8.13.0024).

Caso XI – Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de aproximação

e contato (não gravado)

A última entrevistada foi vítima de agressão e lesão corporal recíproca, ocorrida entre

a entrevistada e seu filho em 21/03/2014. As medidas protetivas foram concedidas pelo juiz

em 25/03/2014. O agressor foi notificado da decisão em 03/04, enquanto a ciência da vítima

ocorreu em 07/04. Em 14/04, o agressor pediu revogação das medidas protetivas, alegando

que a agressão era, na verdade, legítima defesa. Em 21/05/2014, o advogado da vítima

solicitou a manutenção das medidas, em que pese o seu descumprimento no início de abril

pela própria, de acordo com o Registro de Ocorrência apresentado pelo agressor em sua

defesa. O Ministério Público, por sua vez, referendou a necessidade da medida em 11/06, a

partir de avaliação feita com a mulher por seu setor técnico. Vale ressaltar que o agressor

participa do DIALOGAR desde 27/03.

Na entrevista, a vítima relatou que seu filho a agrediu verbalmente. Ela resolveu ir à

polícia para denunciá-lo, quando tomou conhecimento da Lei Maria da Penha e das medidas

protetivas. A delegada sugeriu que ela solicitasse o afastamento do lar, que ela aceitou

prontamente, mas, posteriormente, mudou de ideia.

Segundo a vítima, o agressor não chegou a cumprir as medidas protetivas porque

sofrera um acidente de moto, sendo ela a responsável por seu cuidado. Por isso, ela agora

deseja a revogação das medidas,4 que ela considera muito eficazes. “A Maria da Penha é boa

demais, o meu filho tá manso, igual carneirinho, parece que estudou em colégio de freira”.

A vítima conhece outra mulher que também sofreu violência doméstica. Trata-se de

uma amiga que “sabe mais” e, por isso, procura ajudá-la, informando-a sobre as medidas e a

própria lei. Quando perguntada sobre o que poderia ser feito para que casos como o dela não

4 Ao contrário do que encontra-se descrito no processo, já que seu advogado solicita a manutenção das

medidas.

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ocorressem, foi bastante pessimista. Disse que não tem como evitar porque “é muito homem

covarde que bate em mulher”; “não tem como mudar, é muito homem que gosta de limpar a

mão no rosto da mulher” (processo 0895079-73.2014.8.13.0024).

Caso XII – Sem medida Protetiva (gravado)

A vítima apresentou certa resistência à entrevista e, por isso, o seu depoimento foi

mais rápido do que o costume. De acordo com o seu relato, a filha, juntamente com o

marido, a ameaça e a agride psicologicamente. Apesar de a entrevistada já ter registrado a

sua vitimização em diversos locais (inclusive na polícia), ela ainda não obteve êxito.

De acordo com a mulher, na delegacia do idoso, ela foi informada sobre a

possibilidade de proteção no âmbito da Lei Maria da Penha, a qual não funciona, já que

"ninguém faz nada". Quando perguntada sobre as medidas protetivas solicitadas, a vítima

não soube precisar sobre o que foi solicitado, apenas afirmando que “ninguém olha por

mim”. E chegou a afirmar que sua avaliação da eficácia das medidas era a pior possível.

Contudo, a análise do processo indica que a entrevistada não chegou a solicitar as

medidas na delegacia. A saída encontrada pelo juiz foi o encaminhamento do caso ao setor

técnico para entender porque, apesar da situação de violência reiterada em diversos Registros

de Ocorrência, a mulher nunca solicitou a concessão da proteção da Lei Maria da Penha

(processo 1263269-15.2014.8.13.0024).

Caso XIII – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

Neste caso, a entrevistada relata que procurou a polícia em 18/02/2014,5 como

decorrência da ameaça feita pelo companheiro. Para ela, seria impossível resolver o

problema “pela força do braço”. As medidas de proibição de aproximação e contato, bem

como a frequência ao programa DIALOGAR, foram concedidas pelo juiz em 20/02/2014. A

vítima foi informada da decisão em 24/03/2014, quando compareceu à Vara para saber como

andava o processo.

Segundo ela, houve descumprimento das medidas, pois o agressor mora próximo ao

seu local de trabalho, o que gera certo transtorno. Ela assegura que, com as medidas, se

sentiu acolhida, já que não teria forças para brigar com agressor; e se sentiu segura por saber

que está fazendo a sua parte e tem alguém cuidando dela. Por fim, disse que o programa

5 Na entrevista a vítima afirma que a solicitação das medidas protetivas ocorreu em dezembro de 2013, o que

não confere com os dados processuais. Os envolvidos não possuem quaisquer outros registros na Vara Maria da

Penha e, por isso, a incongruência de datas parece ser uma confusão da própria entrevistada.

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DIALOGAR, que o agressor está frequentando, traz para ele um sentimento de punição, que

não deveria ocorrer, já que tal determinação não é uma pena.

Quando perguntada sobre o conhecimento da REDE, ficou surpresa de que não exista

informação sobre essa e acha que deveria ser instituído um grupo de apoio às mulheres,

mecanismo esse imprescindível para que casos como o dela não ocorram. Sugeriu, assim,

que um grupo como o DIALOGAR possa ser disponibilizado às vítimas, para que elas

possam ser ouvidas. Por fim, reforçou a necessidade de uma fiscalização maior, de forma a

garantir o cumprimento mais efetivo das medidas (processo 0984949-32.2014.8.13.0024).

Caso XIV – Medida protetiva de abrigamento combinada com proibição de aproximação e

contato (gravado)6

A entrevistada esperava pela Audiência de Instrução e Julgamento na 14ª Vara e foi

abordada por estar abrigada, situação ainda não analisada. A vítima denunciou o marido por

agressão e ameaça de morte. Depois do registro na DEAM, foi encaminhada ao CRAS e, em

seguida, à casa abrigo Bem Vinda, onde recebeu todas as informações referentes ao

significado da medida protetiva de abrigamento. Como o marido não saiu de casa, ela

resolveu ir para a Casa Abrigo levando a filha.

Depois da concessão da medida, o agressor tentou encontrá-la e, sem êxito, passou a

ameaçar a sua família, o que levou à solicitação de inclusão de seus familiares na medida.

Por outro lado, o abrigamento significou o fim da relação parental, já que o agressor não

pode ter conhecimento do paradeiro de sua ex-consorte e de sua filha. Apesar de abrigada, a

vítima não possuía qualquer conhecimento sobre a Rede.

Em sua visão, as mulheres devem denunciar, sair de casa e pedir ajuda para que casos

como o dela não ocorram novamente. No entanto, ela própria afirma se sentir um pouco

insegura. Apesar de resguardados os seus direitos, em função do abrigamento, ela tem medo

das atitudes do agressor, que pode não cumprir as medidas.

Caso XV – Sem medida protetiva (Gravado)

A vítima ficou um pouco receosa de participar, e, por isso, apresentou respostas

rápidas e curtas, dificultando um pouco o entendimento do delito e do processamento da

medida protetiva.

6 Na gravação há uma pequena interrupção, pois a advogada da vítima pediu que a entrevista fosse longe do

advogado do agressor.

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O caso ocorreu em 02/05/2014, quando a mulher procurou a delegacia para prestar

queixa contra o marido por atrito verbal. Segundo ela, a sua decisão em denunciá-lo decorria

do conhecimento da lei Maria da Penha, em razão de seu trabalho na área da saúde e,

também, dos programas que assiste na televisão.

Em 24/07/2014, o juiz indeferiu o pedido e solicitou que a vítima fosse entrevistada

pelo setor técnico em 21/08/2014. Interessante notar que, apesar de o juiz indeferir o pedido

de medida, a mulher afirma que houve a concessão da medida e que ficou sabendo, pois

foram levar na sua casa a intimação para comparecimento à Vara Maria da Penha.

Segundo ela, o agressor não descumpriu as medidas. Afirmou ainda que uma

conscientização maior dos homens sobre o significado dos relacionamentos amorosos, aliada

a uma educação nas escolas sobre os direitos das mulheres, ajudaria para que casos como o

dela não ocorressem (processo 1276485-42.2014.8.13.0024).

Caso XVI – Sem medida protetiva (Gravado)

A entrevistada foi vítima de uma agressão física registrada em 27/11/2011, quando a

mulher não solicitou a concessão de medidas protetivas. Contudo, de acordo com a

entrevistada, ela pediu o afastamento do lar na delegacia da mulher, para a qual foi

conduzida depois de recorrer a uma delegacia comum e após ser informada da existência da

Lei Maria da Penha.

Em 28/12/2011, o juiz solicitou uma entrevista da mulher com o setor técnico para

avaliar a necessidade da medida, em razão da violência sofrida e da ausência de qualquer

pedido de proteção. Porém, como o endereço por ela apresentado não estava correto, ela não

pôde ser encontrada, não comparecendo à reunião.

Segundo o juiz, como a vítima não procurou saber como estava o processo, era sinal

de que ela não necessitava das medidas. O Ministério Público não concorda com a

interpretação de descaso da vítima, dizendo se tratar de desconhecimento sobre os

procedimentos jurídicos, solicitando, em 18/06/2012, uma nova intimação para a vítima, que

não surtiu efeito. O juiz tenta trazê-la à Vara Maria da Penha por três outras vezes, quando

ela finalmente comparece para exame pelo setor técnico (21/08/2014) e afirma que não

necessita das medidas, uma vez que voltou a morar com o agressor (processo 2377874-

59.2011.8.13.0024).

Caso XVII – Medida protetiva de frequência ao Dialogar combinada com proibição de

aproximação e contato (gravado)

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A mulher entrevistada procurou a polícia em 17/03/ 2014 pedindo providências

contra seu marido por ameaça e injúria. Ela ficou sabendo da existência das medidas

protetivas através do programa do Fantástico, quando foi exibido o caso da morte de uma

cabeleireira que tinha medidas protetivas, mas o agressor mesmo assim descumpriu e matou

a mulher, o que deixou a entrevistada com medo.

As medidas protetivas foram concedidas em 19/03/2014, ficando a vítima ciente de

tal fato em 31/03. O agressor apresentou defesa prévia em 17/06, quando juntou ao processo

os REDS7 de 19/03/2014, em que relatava ter sido vítima de lesão corporal por parte de sua

ex-mulher; e de 17/10/2013, em que ambos relatam agressões recíprocas. Há ainda outro

REDS, de 07/04/2014, feito pelo agressor e sua filha menor, em que relatam maus tratos da

vítima em relação a eles.

A vítima apresentou impugnação à defesa em 07/07/2014, quando juntou ao processo

fotos com pichações de seu muro com os dizeres “piranha, chifruda”. O Ministério Público

se manifestou no dia 14/07 favorável à manutenção das medidas, sendo a vítima ouvida pelo

setor técnico no dia 22/08.

A entrevistada afirma que necessita da manutenção das medidas, por ter medo do

agressor “fazer alguma maldade”. Em sua opinião, as medidas protetivas são um excelente

benefício para as mulheres, ao permitir que elas saiam de situação de violência e possam ter

uma vida digna (processo 0891391-06.2014.8.13.0024).

Caso XVIII – Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de

aproximação e contato (Gravado)

A vítima reportou ameaça do filho em 30/03/2014 na DEAM. As medidas foram

concedidas pelo juiz em 02/04/2014, sendo que tanto ela quanto agressor tiveram ciência da

concessão em 08/04/2014.

Um mês depois, outro processo envolvendo essas mesmas pessoas foi instaurado

(1238923-97.2014.8.13.0024), já que, em 14/05/2014, a vítima procurara a delegacia

alegando que possuía medidas protetivas em desfavor do filho e que ele não as cumpria,

razão pela qual foi registrado outro REDS por agressão. Quando da análise desse segundo

caso, em 22/05/2014, o juiz alegou que não concederia novas medidas, posto a existência das

7 Registro de Evento de Defesa Social (REDS), que é o nome dado ao Registro de Ocorrências feito pela

Polícia Militar no estado de Minas Gerais.

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anteriores ainda válidas. O magistrado determina, portanto, que um oficial de justiça

promova o efetivo afastamento do agressor do lar.

Em 07/06/2014, quando o oficial de justiça foi viabilizar o afastamento do lar, a

vítima não permitiu que o agressor (filho) saísse, o que configurou descumprimento da

medida. Em 16/06/2014, o juiz solicita a avaliação do caso pelo setor técnico, de forma a

verificar a real necessidade da proteção prevista na Lei 11.340.

Segundo a vítima, o filho afirma que não sairá da residência porque não tem para

onde ir e porque não existe qualquer sistema de fiscalização do afastamento do lar. Assim, a

entrevistada ameaça o agressor, de tempos em tempos, com a chamada da polícia para

"assustá-lo". Em sua visão, o maior problema da medida protetiva é a ausência de um

acompanhamento policial mais efetivo, para dar uma segurança à mulher e garantir o seu

cumprimento. Sendo assim a medida funciona, mas não da maneira que deveria. Em sua

opinião, a vantagem é que a polícia não demora em chegar quando acionada. Porém, isso não

significou maior sentimento de proteção, "pois quem protege mesmo é Deus" (Processo

0899915-89.2014.08.13.0024).

Caso XIX – Sem medidas protetivas (não gravado)

A segunda mulher entrevistada fez o REDS em 12/07/2014, contra o marido,

alegando que sofria ameaças. O juiz indeferiu as medidas em 17/07/2014, solicitando um

agendamento com o setor técnico para que fosse avaliada a necessidade dessas.

A vítima não tinha ciência de que as medidas tinham sido indeferidas e só ficou

sabendo após a conversa com o setor técnico em 26/08/2014. A vítima afirmou que foi

informada sobre a necessidade de recorrer a uma advogada ou a Defensoria Pública para

convencer o juiz de que precisava das medidas protetivas.

Em sua opinião, o serviço da delegacia é bastante falho por não informar às mulheres

sobre os seus direitos e, ainda, dar-lhes um papel dizendo quais foram as medidas

solicitadas, o que faz com que algumas incorram em erro, por acreditarem que se trata das

medidas concedidas (processo 1274597-39.2014.8.13.0024).

Caso XX – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)

A vítima registrou a lesão corporal praticada por seu marido em 23/08/2009. O juiz

concedeu a medida de proibição de aproximação e contato em 16/09/2009, sendo que ela

tomou ciência da concessão, por telefone, em 16/10/2009. O agressor não foi encontrado

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para ser notificado. Em 03/07/2014, o juiz solicita uma reunião da vítima com o setor técnico

para avaliar a necessidade de manutenção das medidas, as quais foram revogadas dado que

os envolvidos voltaram à coabitação.

Segundo a entrevistada, após a concessão do afastamento do lar e da proibição de

aproximação e contato, ela se sentiu mais protegida. Até mesmo porque, em sua visão, o

agressor nunca descumpriu as determinações judiciais. Ela nunca foi visitada pelo programa

de Prevenção à Violência Doméstica da Polícia Militar e também afirma que a medida não

alterou a relação do agressor com os cinco filhos do casal.

Em sua opinião, as medidas protetivas nem sempre funcionam, já que muitas vezes

mulheres são mortas e/ou agredidas mesmo com a proteção da Lei 11.340. Assim, quando

indagada sobre o que poderia ser feito para evitar que casos de violência doméstica contra a

mulher ocorram, a entrevista se limita a dizer "é muito difícil hoje, a não ser que as mulheres

fiquem sem homem, para dizer a verdade, é isso" (processo 0024.09.6.36354-4).

Caso XXI – Medida protetiva de frequência ao Dialogar combinada com proibição de

aproximação e contato (gravado)

A entrevistada solicitou a medida protetiva em decorrência da ameaça praticada por

seu ex-namorado em 29/01/2014. Em 03/02/2014, o juiz concede o pedido e em 11/02 a

vítima é cientificada de tal fato. O agressor soube somente de uma das medidas (projeto

dialogar) nessa data e, em 14/02, é informado das demais. Em 25/02, ele solicita a revogação

das medidas protetivas, fato esse rechaçado pelo Ministério Público em 17/06. Diante dessa

situação, o juiz determina uma entrevista da vítima com o setor técnico em 22/07, para

entender a dinâmica do caso e, também, a real necessidade das medidas.

Segundo a entrevistada, ela sentiu bastante medo ao longo de todo o procedimento,

mesmo sendo progressivamente informada dos benefícios da proteção e sendo visitada

constantemente pelo PDV da Polícia Militar. As medidas protetivas foram descumpridas

pelo agressor, o que levou a vítima a andar constantemente protegida por outra pessoa. No

entanto, afirma se sentir segura com as medidas e as avalia como eficazes. Ela ainda teme

que, se tirarem as medidas protetivas, ela venha a ser agredida novamente e, por isso, sugere

que essas nunca sejam retiradas das mulheres "como estão querendo retirar as minhas"

(processo 0454687-59.2014.8.13.0024).

Caso XXII – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (não gravado)

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A vítima aceitou participar da pesquisa, desde que sua entrevista não fosse gravada.

Ela relatou que seu ex-marido a agrediu em janeiro e, por isso, resolveu procurar a delegacia

da mulher; quando ficou sabendo como funcionavam as medidas protetivas e a lei Maria da

Penha, porque “já tinha ouvido falar, mas não sabia dos procedimentos”.

Segundo a vítima, ela possui as medidas de proibição de aproximação e contato

desde fevereiro e tomou conhecimento da concessão quando procurou a vara para se

informar. Ela nunca recebeu visita da Polícia Militar e afirma que o ex-marido descumpriu a

medida, o que a fez ir à delegacia novamente para registrar novo REDS. Quando perguntada

sobre a REDE, afirma conhecer, mas que não sabe falar nada a respeito, pois não frequenta.

Também afirma não conhecer outra mulher que tenha sofrido violência doméstica.

Ao ser perguntada sobre a eficácia das medidas, respondeu que funcionam bem, que

se sentiu protegida e que “a justiça foi feita”. No item o que poderia ser feito para evitar

situações de violência doméstica contra mulher, ela pensou um pouco e respondeu que

depende das mulheres, pois são elas que devem falar das agressões. Muitas têm medo, falta

de coragem e, outras, que até pedem, mas acabam tirando as medidas, porque voltam com

seus companheiros.

Segundo o inquérito, as vias de fato/agressão ocorreram em 05/02/2014. O juiz

concedeu as medidas em 10/02, vítima foi informada da decisão em 13/02 e o agressor, até o

dia 11/07/2014, não sabia desta decisão. Em 11/02, vítima realizou novo REDS de

descumprimento da medida pedindo a prisão do agressor, já no dia 07/08 a vítima pede que a

medida seja o uso da tornozeleira eletrônica, concedida pelo juiz imediatamente. Entretanto,

em 18/08/2014 a vítima requereu a revogação da monitoração eletrônica e a manutenção das

demais medidas sem qualquer justificativa adicional. Como ela não mencionou tal fato em

sua entrevista, é difícil entender as razões para tanto (processo 0447855-10.2014.8.13.0024).

Caso XXIII – Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de

aproximação e contato (gravado)

A entrevistada foi vítima de estupro por seu marido em dia 21/01/2014. No entanto, o

juiz não concedeu de imediato a medida, por entender que o caso não contava com provas

suficientes para a restrição dos direitos do homem (só o relato da vítima). Em 28/01, o juiz

designa a audiência de justificação para o dia 05/02, quando finalmente concede o

afastamento do lar e a proibição de contato. A vítima ficou sabendo da decisão logo após a

audiência e o agressor foi cientificado no dia seguinte (em 06/02).

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Em 17/02/2014, o agressor solicita a revogação da medida protetiva, alegando que

são falsos os fatos narrados pela vítima. Contudo, em 18/03, a vítima retorna novamente à

polícia para registro de outro REDS contra o marido, por ele ter danificado a porta de sua

casa, descumprindo a medida. Assim, em 07/04/2014, o juiz solicita uma entrevista com o

setor técnico para avaliar a necessidade de manutenção da medida.

Na entrevista, a vítima relata que prestou queixa contra o marido mais pelo filho do

que por ela mesma, pois ele batia no filho, que estava ficando com ódio do pai por isso, e

pelas propostas obscenas que ele fazia. Segundo a entrevistada, depois da concessão das

medidas o agressor mudou o seu comportamento, o que indica que essas são eficazes em seu

propósito (processo 0459363-50.2014.8.13.0024).

Caso XXIV – Sem medida protetiva (gravado)

A mulher entrevistada apresentou queixa de estupro contra o marido, entretanto, no

REDS está como lesão corporal. O setor técnico, por sua vez, informou que é bem comum

essa diferença, pois muitos policiais não acreditam que dentro do casamento possa acontecer

estupro e, assim, registram o fato da maneira como interpretam.

A vítima afirma ter ido ao hospital, à delegacia de mulheres e, depois, ao IML para

guardar as provas do fato ocorrido em 30/06/2014. Entretanto, no processo, não existe

nenhum laudo do IML. Assim, o juiz negou a concessão das medidas e encaminhou a mulher

ao setor técnico, para que esse verificasse a real necessidade da proteção prevista na Lei

11.340.

Em 28/08/2014, quando a mulher foi atendida pelo setor técnico, a pesquisadora pôde

observar certo descaso desse em avaliar a real situação da mulher, pois, ao escutar a

conversa das duas assistentes sociais sobre esse caso, uma dizia a outra que a história estava

um pouco confusa, que a mulher deve ter algum problema mental e, por isso, o caso não é

trabalho dela. Afirmou ainda que “se a mulher quer a medida, a gente dá a medida (...). Não

sou eu que vou avaliar ela não”.

Do ponto de vista da entrevista realizada pela pesquisadora com a mulher, ela

informou que há dez anos é agredida verbalmente pelo marido, que sabe da existência da Lei

Maria da Penha e, por isso, não lança mão de violência física. No entanto, ela foi à delegacia

solicitando as medidas protetivas por desejar a sua liberdade de volta. Segundo seu

depoimento, o juiz não concedeu a proteção prevista na Lei 11.340 por não ter certeza de que

os envolvidos desejavam, de fato, estar separados por esse instituto. Assim, a mulher afirma

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que "ainda não se sentiu protegida" e acredita que "ainda falta informação" para que as

vítimas de violência domésticas possam ser protegidas de seus agressores (processo

1265975-68.2014.8.13.0024).

Caso XXV – Sem pedido de medida protetiva (gravado)

A entrevistada foi vítima de uma agressão, praticada pelo marido, em 11/04/2014. No

momento do Registro de Ocorrência, ela queria apenas "dar um susto no marido" e, por isso,

solicitou as medidas. Porém, a Defensoria Pública reiterou a demanda da vítima, alegando

que a vítima era portadora de sofrimento mental e, por isso, incapaz de compreender

algumas condutas do cônjuge como ilícitas. Mas, por algum motivo extemporâneo, o caso

não tinha sido apreciado meses após o fato e, em 12/06/2014, a vítima assinou um termo de

desinteresse em continuar com o processo.

Em 16/06/2014, o juiz julgou improcedente o pedido e, em 17/07/2014, o Ministério

Público requereu ajuda do setor psicossocial para entrevista com a vítima e seu curador, uma

vez que ela apresenta problemas mentais e necessita de um acompanhante. A análise do setor

técnico foi marcada para o dia 29/07 e, por não comparecimento da vítima, remarcada para o

dia 28/08.

A vítima foi acompanhada pelo marido (agressor) para a entrevista com o técnico, e

segundo as psicólogas, ele não saia de perto dela. A vítima afirmava que não queria as

medidas, mas o setor técnico avaliou que era necessário conversar com seus pais para avaliar

melhor o problema.

A entrevista realizada com a vítima para esta pesquisa ocorreu sem a presença do

marido e, nesse momento, ela afirmou que não deseja viver longe do agressor. Ela avalia que

as medidas são eficazes, mesmo não as tendo recebido. Acredita que a Lei deveria ser mais

rígida, pois ela apenas protege a mulher após a agressão e, em algumas situações, mesmo

após o pedido, os juízes não concedem a proteção, o que deveria ser revisto (processo

1257295-94.2014.8.13.0024).

Caso XXVI – Sem medida protetiva (gravado)

A entrevistada relatou que estava cansada das agressões físicas que sofria do marido

e querendo se separar. No entanto, foi à delegacia por insistência do próprio agressor, que

desejava o registro do fato como forma de garantir a guarda dos filhos. Ao chegar à DEAM,

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a mulher foi informada da existência das medidas protetivas e da possibilidade de sua

solicitação.

O caso ocorreu em 24/06/2014, sendo que a natureza do fato apresentado no REDS é

ameaça. O Expediente Apartado de Medidas Protetivas (EAMP) foi registrado um dia

depois, em 25/06/2014. O juiz, por falta de outras provas que não ser o testemunho da

vítima, indeferiu as medidas no dia 26/06/2014 e marcou uma audiência de justificação para

o dia 16/07/2014; que não foi realizada dada a mudança de endereço da vítima. Em

24/07/2014, o Ministério Público solicitou que o agressor fosse encaminhado ao programa

Albano, uma vez que a vítima entrou em contato com o setor técnico dizendo que tem medo

dele.

Em sua entrevista, a mulher relata que o juiz não concedeu as medidas protetivas e,

diante das diversas dificuldades em administrar a sua vida com os filhos menores, ela

terminou voltando para o lar. Segundo ela, a forma como seu caso foi conduzido fez com

que ela não se sentisse protegida em qualquer momento e, "se fosse para ter morrido, já

teria", dada a inoperância do sistema em analisar o seu caso e protegê-la. Em sua opinião, se

a medida fosse concedida mais rapidamente, ela seria mais eficaz em evitar a vitimização

continuada das mulheres (processo 1262998-06.2014.8.13.0024).

Caso XXVII – Sem medida (gravado)

A entrevistada relatou que foi agredida por seu companheiro, com quem tem uma

filha de 08 meses, e acionou a Polícia Militar para solicitar apoio ao seu caso. Nesse

momento, ela foi orientada a ir à DEAM, quando foi informada sobre a existência das

medidas protetivas, pois antes apenas tinha ouvido falar e visto na televisão.

O caso ocorreu em 27/07/2014 e a natureza do fato apresentado no REDS é vias de

fato/agressão. A data da EAMP é 27/07/2014 e o juiz, por falta de outras provas a não ser o

testemunho da vítima, indeferiu as medidas em 29/07/2014, solicitando uma entrevista com

o setor técnico, agendada para o dia 03/09/2014. Nesse dia, a vítima relatou para o setor

técnico que não queria mais as medidas protetivas, pois estava separada do agressor e, com

ele, não tinha mais contato.

Segundo a entrevistada, ela não se sentiu protegida, pois, em razão da demora do juiz

em analisar o seu caso e conceder-lhe a proteção prevista no âmbito da Lei 11.340, "se ele

tivesse que fazer alguma coisa, já teria feito". Em sua opinião, as medidas não são eficazes e

não são capazes de conter as sucessivas agressões praticadas contra as mulheres por seus

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parceiros. Assim, ela sugere que os dispositivos da Lei Maria da Penha sejam mais rígidos,

mais rigorosos com os agressores, para que eles tenham mais medo de violentar as suas

parceiras (processo 1278721-65.2014.8.13.0024).

2.3 Considerações sobre o caso de Belo Horizonte

As informações coletadas nesta fase da pesquisa indicam que o primeiro obstáculo a

ser superado pelas mulheres é fazer com que os juízes analisem os pedidos de medida

protetiva em até 48 horas após a lavratura do Expediente Apartado de Medidas Protetivas na

Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher. Nos casos em que as informações

processuais puderam ser coletadas, o tempo estabelecido pela lei 11.340 foi respeitado em

apenas seis casos. Inclusive, diversas foram as mulheres que identificaram como ponto que

compromete a eficácia da medida a lentidão em sua concessão. A maioria repetia o bordão

"se ele tivesse que fazer alguma coisa comigo, já teria feito", como forma de expressar o seu

descontentamento com a demora na prestação de um serviço que é um direito da mulher.

A dificuldade em compreender que a medida protetiva é um direito da mulher pôde

ser constatada nas situações em que o juiz nega a sua concessão, justificando que o caso

carece de provas mais detalhadas. Ora, a lei Maria da Penha foi pensada justamente para se

garantir que a vítima de uma violência essencialmente privada (posto que restrita ao lar dos

envolvidos) pudesse ser adequadamente administrada pelos Tribunais, o que não vem

ocorrendo em algumas situações na cidade de Belo Horizonte. Nesses casos, as entrevistadas

se mostraram insatisfeitas com o serviço, sugerindo algum tipo de concessão imediata da

proteção e, posteriormente, análise dos casos para a sua continuidade/descontinuidade. Nesse

ponto, a 13 a. Vara Criminal parece possuir posição de vanguarda, por solicitar que o setor

técnico convoque a vítima para se manifestar acerca da continuidade da medida um ano após

a sua concessão, o que permite também a revisão de casos em que as proibições não foram

suficientes para cessar o ciclo de violência. Infelizmente, as demais Varas Maria da Penha

não adotam procedimento semelhante, atuando somente no momento do pedido da mulher,

sem qualquer preocupação com os desdobramentos da situação.

A trajetória de vitimização continuada da mulher foi outro ponto de crítica por parte

das entrevistadas. A inexistência de um serviço de monitoramento e/ou fiscalização do

cumprimento da medida faz com que, em diversas situações, os agressores se sintam

empoderados, já que o registro de ocorrência não resultou em qualquer tipo de prejuízo em

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suas vidas. Para as mulheres, a grande vantagem da proteção é a possibilidade de

acionamento mais rápido da Polícia Militar e, ainda, a visita constante da Patrulha de

Prevenção à Violência Doméstica (PVD) da instituição. Essa parece, de fato, alertar os

agressores para as consequências da medida protetiva, especialmente, em razão da

possibilidade de sua detenção em caso de flagrante descumprimento das determinações

judiciais.

Outro ponto que merece destaque é a dificuldade das mulheres entrevistadas em

compreender o fluxo de processamento das medidas protetivas. Algumas vítimas

acreditavam que o simples Registro de Evento de Defesa Social (REDS), feito pela Polícia

Militar, seria suficiente para promover o afastamento do agressor. Para outras, o documento

entregue pela delegada, que lista as medidas protetivas solicitadas, é uma prova de que elas

já estão incluídas na proteção prevista pela Lei Maria da Penha. Assim, quando informadas

pelos órgãos judiciais que o benefício solicitado não foi alcançado, elas não conseguem

entender o porquê e, ainda, qual seria o papel do juiz nessa relação. Alguns depoimentos

reforçam a visão de um Judiciário bastante distante das demandas feministas, incapaz de

entender as reais necessidades dessas mulheres que, em algumas situações, sequer se

percebem como vítimas reais da violência a que são cotidianamente submetidas.

Por fim, "a promessa de um mundo novo", quando do registro da ocorrência nas

DEAMs, não se conforma em realidade para uma boa parcela das mulheres que, diante das

dificuldades materiais que o afastamento impõe, decidem retornar a coabitação com seus

agressores. Nesses casos, os institutos da lei Maria da Penha possuem efetividade, posto que

alcançam o propósito de conscientização das mulheres sobre os seus direitos, mas carecem

de eficácia, dada a não transformação de sua realidade imediata. Em situações como essa,

uma atuação mais incisiva da Rede, desconhecida pela maioria das entrevistadas, poderia

auxiliar as vítimas, abrigando-as por um tempo determinado ou encaminhando-as para

serviços médicos, psicológicos e de assistência social que resulte em maior conscientização

de seu protagonismo na interrupção do ciclo de violência.

A primeira preocupação desta pesquisa foi entender quais eram as violências sofridas

pelas mulheres para que as mesmas procurassem o sistema de justiça, na tentativa de

encontrarem uma proteção. Os crimes elencados pelas vítimas possuem uma gama

extremamente diversificada, sendo relatado desde tortura psicológica à ameaça de morte, de

agressão verbal à tentativa de homicídio. O grande problema, para algumas entrevistadas,

foi a dificuldade em perceber que a conduta do marido era um delito e não algo que

compunha a vida cotidiana de um casal.

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Neste leque variado de crimes sofridos, também encontra-se uma variabilidade

considerável nos autores dos desvios. Desta forma, embora uma parte expressiva de autores

criminais seja composta por cônjuges/namorados, a pesquisa encontrou outros formatos na

relação vítima e agressor. Neste sentido, pelejas entre sogras e noras, agressões advindas de

filhos ou de outros parentes próximos foram relatados nas entrevistas.

O fator interessante encontrado em algumas entrevistas é que a violência exercida

atinge outras pessoas do ciclo familiar, por exemplo, quando o marido que agredia a mulher,

algumas vezes agredia também os filhos; ou filho que agredia a mãe, ao mesmo tempo

exercia violência contra os irmãos. Nestes contextos, a solicitação da medida protetiva e, por

vezes, a sua concessão, servem como um instrumento protetivo não apenas da mulher

solicitante, mas também de outras pessoas do ciclo familiar que eram vitimadas.

A forma como as vítimas ficam sabendo da possibilidade de se ter uma medida

protetiva, também varia de casos para casos. O mais comum nos relatos é que essa

informação surge no contato feito com policiais militares, responsáveis pelo primeiro

atendimento, ainda no ato do registro da ocorrência.

Entretanto, algumas entrevistadas afirmam que foram alertadas para a possibilidade

por parentes ou amigos, por programa de TV, ou mesmo já sabiam da existência da lei, antes

da violência sofrida. Chamou a atenção, contudo, a quantidade de referências ao crime da

cabeleireira, ocorrido na cidade de Belo Horizonte no ano de 2009, quando uma mulher foi

morta em seu local de trabalho por seu marido, após oito Boletins de Ocorrência (BO) e

diversos pedidos de medida protetiva.8

Diante dessa grande variabilidade (seja no tipo de agressão, agressor, vítima, ou no

modo que a vítima descobre seu direito), uma constante foi encontrada, a saber, o

entendimento de que a solicitação da medida protetiva pode ser uma saída digna para o fim

do ciclo de violência. Neste sentido, a medida protetiva quase vista como último refúgio por

algumas vítimas, por vezes fica aquém do esperado.

Porém, a primeira decepção já ocorre na principal porta de entrada do sistema de

proteção, a saber, as delegacias de Polícia Civil.

Na cidade de Belo Horizonte existe uma Delegacia Especializada no Atendimento à

Mulher – DEAM. Composta apenas por mulheres nos cargos de chefia, a delegacia fica em

uma central da capital mineira. Além da sede, a DEAM conta com uma instalação no

8 Para entender como o caso foi noticiado pela imprensa da época, ver:

http://oglobo.globo.com/brasil/cabeleireira-morta-pelo-ex-marido-com-sete-tiros-dentro-de-salao-de-beleza-

em-minas-gerais-3065361, acesso em 24 de outubro de 2014.

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hipercentro de Belo Horizonte onde é lotado o seu plantão policial, que funciona 24 horas

por dia, todos os dias da semana.

O prédio que aloja as instalações da DEAM, denominado Casa da Cidadania, é um

local que possui diversos órgãos de defesa dos Direitos Humanos, como, por exemplo, a

defensoria pública. Entretanto, como apontado pelo relatório anterior, embora exista a

proximidade física entre essas instituições, na prática o mesmo não ocorre.

Um outro dado mensurado no relatório anterior e confirmado pelas entrevistas, agora

analisadas, é que a DEAM é a principal “porta de entrada” para as mulheres vítimas de

violência solicitarem as medidas protetivas. Duas são as formas nas quais as mulheres

procuram a delegacia. A primeira se dá por proatividade, isto é, a vítima por capacidade

própria busca o auxílio da DEAM. A segunda forma, a mais comum delas, as vítimas são

levadas pela Polícia Militar.

Um primeiro problema encontrado pelas mulheres já no início do fluxo é a ausência

de conectividade entre os serviços da Polícia Civil. Segundo os acordos feitos pelos

delegados da RMBH, apenas são encaminhados ao Judiciário os casos registrados na DEAM

e, assim, quando a mulher é vítima de violência doméstica e comunica tal fato a uma unidade

distrital, esse registro não tem desdobramentos judiciais, impedindo que ela alcance a

proteção a que faz jus.

Eu tinha feito outro boletim de ocorrência, mas na delegacia normal de bairro. Eles

falaram que eu tinha que procurar a delegacia da mulher. Até então, eles falaram

que ia descer para a Delegacia da Mulher, como ele falou isso eu pensei que eu não

precisava ir pessoalmente e falar, mas quando eu fui à delegacia eu fiquei sabendo

que eu deveria ter ido até a Delegacia da Mulher e não na Polícia. Aí eu fui

entender porque não tinha acontecido antes, era para ter acontecido bem antes [a concessão da medida]. (Entrevistada I)

Discrepantes são as experiências vividas pelas vítimas quando se encontram dentro

da DEAM. Algumas entrevistadas afirmam que a delegacia auxiliou no entendimento da lei

e da medida:

... a Delegada me explicou como funcionava, como acontecia, o que podia e o que

não podia, que ele não pode chegar perto de mim, da minha família, do meu filho.

Eu fiquei sabendo da tornozeleira. (Entrevistada Caso II)

Em outras situações as vítimas reclamam da falta de melhores esclarecimentos acerca

das formas de medidas existentes e os meios necessários para consegui-las. O que pode ser

verificado na fala da entrevistada.

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Ela não explicou muito bem, até porque o atendimento foi muito rápido, mas pelos

documentos que eu recebo é uma medida protetiva, mas eu ainda tenho uma dúvida da medida protetiva, porque fala em noturno e final de semana - é isso aí que eu

não consigo entender, por que como que vai ser uma medida protetiva se o Oficial

de Justiça vai lá só de vez em quando ver? É isso que eu não entendo, eu nunca vi

um policial lá perto de casa. (Entrevistada III).

Em uma terceira situação, as entrevistadas alegam a falta de preparo por parte dos

policiais civis em lidar com a questão da violência contra mulher. Neste contexto, a

delegacia ao invés de funcionar com um local inicial para que os direitos da vítima sejam

preservados, por vezes, funciona com uma porta de saída de um processo que ainda nem

entrou no sistema de justiça, ao desestimular que as vítimas façam a solicitação das medidas

protetivas.

Não tinham mulheres, eram homens e eram bem grosseiros, o que me atendeu

parecia um bicheiro de tão chulo, ele ficou falando para mim: “Se o seu marido

quiser pegar sua filha de sete anos e sumir com ela, ele pode”. Eu olhei bem para

ele e falei: “Mas e os meus direitos?”. Quando ele viu que eu estava ficando brava com aquela situação ele parou de tentar me convencer a não fazer a denúncia e ir

embora para casa. (Entrevistada Caso IV).

Considerando as informações extraídas das entrevistas, é possível afirmar que a porta

de entrada do fluxo de encaminhamento da medida protetiva está longe de ser um espaço de

acolhida da mulher vítima de violência, se consolidando muitas vezes, em uma forma de

expulsão da mulher do sistema de justiça, seja pela ausência de conectividade entre os

serviços, seja pela insensibilidade no entendimento de que ela necessita de um acolhimento e

não de uma nova vitimização.

De acordo com a lei 11.340/06, após o registro da agressão na delegacia, tal

expediente deveria ser encaminhado ao Judiciário em até 48 horas, para que o juiz, também

em 48 horas, opinasse pela concessão (ou não) da medida protetiva.9 Essa disposição legal

não é cumprida em Belo Horizonte. Em quase todos os casos constata-se que a apreciação da

medida não ocorre necessariamente em 48 horas, se estendendo por vários dias e, em

algumas situações, semanas, conforme demonstrado no Relatório anterior.

9Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito)

horas: I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar

o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao

Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

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Outro fator que compromete a concessão imediata da medida é a contaminação do

processamento da medida protetiva pela lógica do processo penal e, assim, apenas faz jus aos

benefícios previstos em lei quem consegue provar a real necessidade da medida. Diversos

são os casos em que o juiz, inclusive, solicita que a mulher venha ao Judiciário justificar o

porquê do pedido de proteção feito na delegacia, já que o expediente da DEAM não possui

"provas" suficientes.

Eu pedi para entrar com a ação de medidas protetivas, agora que vai começar o

procedimento. Foi a primeira vez que eu pedi. O juiz não concedeu e pediu pra eu

vir aqui.

Entrevistadora: Você sabe explicar por que o juiz não concedeu?

Porque ele tem que ter certeza de como está o andamento da situação, pois pode ter

havido uma conciliação, um apaziguamento entre ambos, por isso ele procura ter

uma confirmação acerca da informação para ver se pode persistir no assunto em questão. (Entrevistada V).

Superados os entraves iniciais para a concessão da medida, o segundo gargalo do

fluxo de processamento é a comunicação da mulher da decisão judicial, o que deveria

acontecer em 48 horas. Segundo as entrevistadas, essa determinação legal quase nunca é

cumprida, sendo raras as situações em que os oficiais de justiça vão às residências das

vítimas comunicá-las do desfecho do pedido. O mais comum é que as mulheres tomem

ciência da decisão judicial a partir de suas visitas constantes às Varas Maria da Penha.

Eu vim aqui na secretaria para procurar saber como estava o processo, orientada

pelo pessoal da delegacia; e me falaram que o juiz tinha concedido essas medidas

protetivas. (Entrevistada VI).

Logo, as entrevistas indicam que, em algumas situações, o Judiciário está longe de se

consubstanciar em órgão de efetiva proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e

intrafamiliar, dada a sua lógica de operação contaminada pelos dispositivos do processo

penal e, ainda, a ausência de mecanismos para a efetiva comunicação da mulher da

concessão ou negativa de seus pedidos.

Uma informação que merece destaque é a situação em que a mulher afirma possuir

medida protetiva, mas, quando se consulta o seu processo, percebe-se que esse dado não

corresponde à realidade dos fatos. Isso ocorre porque a cópia do Expediente Apartamento de

Medidas Protetivas (EAMP), preenchido na DEAM quando do registro da violência

doméstica, enumera as medidas solicitadas pela mulher. Para várias, esse documento é

suficiente para que elas sejam incluídas na proteção prevista em Lei, não sendo necessário o

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exame de tal pedido pelo Poder Judiciário. Nesses casos, elas afirmam contar com a medida

e, inclusive, acionam os demais serviços policiais fazendo referência à vigência desse

instituto quando, do ponto de vista formal, ele não existe.

Eu já sabia que depois que ia na Delegacia de Mulheres e pedia a medida, eu li

naquele papel que ela me deu das medidas protetivas, que eu tinha que manter

distância dele e ele tinha que manter distância de mim, do que eu li naquele papel

eu vi que já estava com as medidas. Através do papel que a delegada me deu que

eu fui lendo e vi que tinha as medidas.

Entrevistadora: Mas você nunca recebeu ninguém do Judiciário para te informar

[da concessão das medidas]?

Não. (Entrevistada VII).

Essa dificuldade de compreensão do fluxo de processamento das medidas parece

indicar que, em algumas situações, a linguagem e as conexões das organizações que

compõem o sistema de justiça criminal são de difícil apreensão por parte de suas usuárias;

fazendo com que a linguagem jurídica se consubstancie em uma forma de desentendimento,

em detrimento de efetivo acesso à justiça.

Entende-se que a questão da eficácia e sensação de segurança estão diretamente

atrelada à capacidade de transformação das disposições legais - em regra de proibição de

aproximação e contato - em algo substantivo. Em outros termos, quanto maiores forem os

mecanismos que garantam o cumprimento das medidas, mais eficazes essas serão.

Embora se observem relatos de cumprimento das medidas, dois aspectos principais

fazem com que o índice de descumprimento seja relativamente alto: a ausência de

mecanismos que garantam a efetivação das medidas e a complexidade das interações sociais

vividas entre agressor e vítima.

Aí eu falei assim com eles: “A Polícia Militar não vai lá para ele ver que se ele faz

alguma coisa no horário noturno e aos finais de semana. O Oficial de Justiça vai. O

Oficial de Justiça sabe que só está indo lá para entregar uma intimação ou para

poder conversar, como eles já foram lá várias vezes, meu filho não tinha medo”.

Ele até chegou a falar assim para mim: “Mãe, como é que eu vou ter medo se não

apareceu aqui um Policial Civil para dizer: ‘A partir de tal hora nós vamos vir aqui

e se a senhora precisar a gente vai te ajudar’”. Ele falou que simplesmente não sairia de casa, porque ele não tinha onde morar e que se ele saísse ia para baixo da

ponte e não ia Polícia nenhuma falar: “Eu estou aqui e eu vou dar proteção para

senhora”. E, realmente, eu nunca vi a Polícia lá vigiando. Eu acho que eles tinham

que estar por ali porque senão não tinha efetividade. (Entrevistada Caso III)

Com a exceção do uso de tornozeleira, uma medida protetiva geralmente usada em

casos mais graves e de alta reincidência, basicamente o único recurso disposto para a

manutenção das medidas protetivas é o trabalho exercido pela Polícia Militar. Por sua vez,

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dado a impossibilidade de uma vigilância constante das vítimas e agressores pelos membros

da instituição, a Polícia Militar na maior parte das vezes trabalha sobre demanda das vítimas,

que solicitam o serviço geralmente por telefone. Em alguns momentos, tal prestação de

serviço é suficiente, não para garantir o cumprimento da medida protetiva, mas para que haja

uma responsabilização do agressor pelo descumprimento. Essa situação é relatada, por

exemplo, por uma mãe vítima de violência pelo filho.

Um dia ele estava muito agressivo, aí eu falei com ele assim: “Você sabe que eu

tenho a medida protetiva e que eu posso chamar a Polícia na hora que eu quiser, e

eles me falaram: ‘se ele estiver falando alto com você, te xingando ou xingando

seus outros filhos, você pode chamar a gente’”. Aí eu chamei a Polícia. Esse dia foi

muito triste, algemaram ele e a gente foi para a Delegacia, ele ficou lá algemado.

(Entrevistada Caso III).

Em outros momentos nem essa responsabilização é realizada, posto que, por vezes, a

Polícia Militar não consegue chegar a tempo de flagrar o agressor na residência da vítima,

descumprindo as medidas. Isto é, quando os policiais chegam o agressor já evadiu do local.

Essa última possibilidade é mais comum que a primeira acima citada, podendo ser

representada pela fala de uma entrevistada:

Descumpriu, eu já tinha dado queixa na Maria da Penha, ele foi lá no dia 07/04, ele chutou meu portão, disse que ia me arrebentar toda. Eu me escondi no banheiro lá

de cima e chamei a polícia, mas quando a polícia chegou ele já tinha ido embora.

Ele foi embora e levou a minha filha. Mas ele agrediu minha outra filha

verbalmente, chamou de puta, vagabunda, de todo os nomes na frente de todo

mundo. (Entrevistada VII).

Se por um lado os mecanismos de coerção, os fatores que imputam a execução

completa da medida protetiva são falhos, por outro, são as características das relações sociais

estabelecidas previamente entre vítima e agressor as dificultadoras da plena execução da

medida. Dois são os óbices mais comuns à eficácia da medida. Primeiro, a dependência

financeira da vítima em relação ao agressor, que garante uma espécie de obrigatoriedade de

contatos entre os atores – o que obviamente gera um descumprimento de medida protetiva,

como se pode observar nos relatos das entrevistas abaixo:

Eu morava na casa da mãe dele, então ele ficou proibido, entre aspas, de ver a mãe,

então ele descumpriu a medida. (Entrevistada VIII).

O segundo óbice à eficácia da medida protetiva é a existência de filhos na relação

entre vítima e agressor. Tal situação, em boa medida, obriga em momentos específicos que a

vítima, em prol do filho, descumpra a medida.

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Eu descumpri porque o meu menino estava com ele, porque o Conselho Tutelar

deu a guarda provisória, aí como eu não tinha ninguém para interceder e porque eu

moro sozinha há sete anos, eu tive que descumprir. (Entrevistada IX).

A eficácia das medidas foi mensurada pelas entrevistadas pelo cumprimento ou

descumprimento das mesmas, mas também por outras categorias. Entre essas se destaca a

celeridade entre a solicitação da medida e a sua implementação.

A medida protetiva em si é boa, o que eu reclamo para vocês é que não tem aquela

coisa de cumprimento imediato, é muito demorado e enquanto leva todo esse

tempo, o agressor pode fazer muita coisa, ele não desiste. (Entrevistada VIII).

Os entraves ao cumprimento das medidas protetivas têm como consequência direta

uma sensação de não funcionamento do sistema de proteção. Neste contexto, foram

observadas mais alegações questionando a eficácia da medida protetiva do que

argumentações positivas acerca dessa eficácia – embora essas existam.

Eu acho que a polícia deveria agir mais, porque não adianta você fazer o boletim

de ocorrência e ficar por isso mesmo. Eu acho que se tem a Lei Maria da Penha

tinha que ser mais rígido [o cumprimento], porque não é rígido. Porque [a medida]

só impõe medo no cara, eles não estão nem aí, continuam fazendo. Acho que a

polícia deveria ser mais rígida, mais rigorosa. (Entrevistada X).

De maneira geral, tendo esses dois condicionantes (celeridade do processo e

cumprimento da medida) em mente, as alegações das entrevistadas que entendem que a

medida é eficaz se traduz na efetividade das medidas protetivas em minorar atos de

violência.

Com certeza, agora minhas filhas estão resguardadas. A gente tem a proteção de

Deus, mas tem que ter a dos homens também. Se não tivesse, as minhas meninas

continuariam indo para a casa do pai delas, era um “xingo”, um beliscão. Foi um

tapa e daqui a pouco elas chegariam mortas. (Entrevistada Caso XI).

É um passo muito grande até para eles ficaram cientes. Se eles quiserem

desobedecer tudo bem, mas eles vão ter as consequências, vão ter que pagar por

isso. Eu avalio como algo muito bom. Mas eles ficam cientes que não podem mais

ficar atrás de você, não podem fazer nada com você, não podem tocar em você. Se

quiser desrespeitar vai preso. (Entrevistada XII).

No outro extremo estão as entrevistadas que acham que a medida não funciona. Os

condicionantes são os mesmos expostos acima, entretanto, a percepção das entrevistadas é

que a medida protetiva para ser funcional deveria ter mecanismos efetivos que garantissem

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sua execução, posto que na forma que se dá atualmente o que garante a eficácia da medida é

a vontade individual do agressor.

Muito ruim. O cumprimento, sabe, porque a lei em si é para resguardar. Mas não

tem quem cumpra, quem resguarde a lei. Eu não entendo de lei, mas eu sei que não

tem quem faça cumprir. (Entrevistada XIII).

Entendendo que as medidas protetivas não possuem formas que garantam a sua

eficácia, dando assim o protagonismo do êxito das mesmas ao agressor, essas medidas

possuem efeitos variados através do tempo. Isto é, observa-se uma espécie de tendência de

diminuição da eficácia com o passar do tempo. Em outras palavras, parece que as medidas

possuem uma maior eficácia no momento em que são concedidas: como o agressor ainda não

entende os funcionamentos e as formas de controle a ele impostas; de maneira geral, ele age

com receio procurando obedecer a ordem judicial lhe dada. Contudo, com o passar do tempo

o agressor começa a entender a lógica da medida e percebe que inexistem mecanismos de

controle, relaxando no cumprimento das determinações judiciais, comprometendo a eficácia

das medidas protetivas. Tal efeito pode ser observado nas alegações das entrevistadas

abaixo:

Me ajudaram muito. Acho que controlou muito. Mas claro, com o passar do tempo

ele desacatou. Ele espera passar um tempo, parecer que não está acontecendo nada

e que está tudo numa boa, daí ele vai lá e apronta. (Entrevistada XIV).

Eu estou me sentido mais protegida, não totalmente, porque a lei é meio vagarosa.

Esses móveis que estão lá ainda não consegui que ela retire. Ainda não consegui dormir, colocar a minha cabeça no travesseiro e dormir, porque eu estou com a

protetiva, ela está respeitando, está. No começo ela respeitou mais (Entrevistada

XIII, grifo nosso).

Interessante notar que, diversas entrevistadas relacionaram a eficácia da medida à

visita do serviço de Prevenção à Violência Doméstica (PVD) da Polícia Militar de Minas

Gerais, que serviria para mostrar ao agressor como o poder público estaria vigiando-o.

Porém, mesmo nesse caso, as entrevistadas observaram que as visitas do serviço ocorrem

logo após a concessão da medida, tendendo a diminuir com o passar do tempo.

Recebi [a visita do PVD da PMMG] no começo, depois não. E também quando eu

liguei eles não foram. Ele estava tentando me agredir, eu estava no banheiro. Isso

depois da medida já, em janeiro. Ele entrou na minha casa com o pretexto de pegar meus filhos e veio para cima de mim, eu só consegui chegar até o banheiro. Eu fiz

queixa na Polícia e não aconteceu nada, liguei no dia e eles não foram. Ele mesmo

ficou lá na porta perguntando onde estava a Polícia. Aí no outro dia eu fui na

Delegacia de Mulheres cedo e resolvi meu problema. (Entrevistada XV).

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Um outro ponto importante de salientar é a distinção a ser feita entre a sensação de

segurança e a eficácia da medida. Essa distinção, em alguns momentos, é realizada pelas

próprias entrevistadas que entendem que a medida protetiva pode ser fecunda e reduzir a

violência, mas não necessariamente diminui o medo e o sentimento de insegurança.

Funciona, mas não do jeito que tinha que funcionar. Funciona porque você chama

a Polícia e na mesma hora eles chegam, eles não demoram. Quando é para chamar

o Oficial de Justiça ele vai com urgência, conversa comigo e com ele, sempre vai

muito rápido, mas no que diz respeito à segurança não achei que funciona, sabe por quê? Eu acho assim: uma pessoa que tem uma medida protetiva, eu acho que tinha

que ter uma medida protetiva, sim, pelo menos à noite, por exemplo, aquelas

Polícias no bairro, eles poderiam ir na casa da pessoa para ver se está tudo bem.

(Entrevistada XII).

Um último ponto a ser destacado, no quesito eficácia da medida, é a percepção de

algumas entrevistadas de que são as mulheres as maiores responsáveis pelo descumprimento

da determinação judicial. Na visão dessas, a efetiva proteção da mulher apenas poderia

ocorrer a partir de uma maior conscientização do significado de seus direitos e,

especialmente, de seus deveres no âmbito da Lei Maria da Penha.

Olha, eu acho que é a cabeça da mulher que tem que melhorar e não a medida,

porque a medida está certa, o povo até fala: “Ah, depois que matou a mulher do

que adianta duzentos metros?”. Mas quando você vai ver é sempre a mulher que

descumpriu alguma coisa, o homem não porque eles têm medo de ser preso. Quer dizer, têm uns psicopatas que descumprem mesmo, mas na maioria das vezes são

as mulheres que descumprem mesmo. Então tem que mudar é a cabeça da mulher.

(Entrevistada VIII).

Então, considerando os depoimentos reproduzidos nesta seção, é possível afirmar que

a ineficácia da medida ocorre, na visão das mulheres, por diversos motivos que vão desde a

ausência de consciência do significado da proteção oferecida pela Lei 11.340/06 até a

dependência financeira dos agressores; o que poderia ser atenuado se a Rede de Proteção à

Violência Doméstica de fato funcionasse na capital. Nesse ponto, importa salientar que

nenhuma das entrevistadas respondeu prontamente a questão sobre avaliação da Rede,

cabendo às entrevistadoras dizer o que isso significava.

As questões aqui elencadas procuram lançar algumas luzes sobre o fluxo percorrido

pelas mulheres vítimas de violência doméstica, destacando os óbices encontrados na busca

por proteção. Neste contexto, os depoimentos apresentados demonstram a necessidade de

repensar a atuação das instituições que se destinam ao tema, de forma a que se construam

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mecanismos mais eficazes, especialmente no que diz respeito à efetiva execução das

medidas protetivas na cidade de Belo Horizonte.

Nesse mesmo sentido, percebe-se que quando o direito previsto em lei é negado, as

mulheres tendem a se resignar; o que, talvez, seja resultado da ausência de consciência de

seus próprios direitos. Essa situação pode ser muito bem traduzida na fala de uma

entrevistada que teve o pedido de medida protetiva indeferido:

Exatamente, você fica naquela insegurança. Até hoje... Eu voltei, a gente não

convive, quando ele chega eu vou para o quarto, quando eu saio eu tranco a porta

do meu quarto porque tenho medo dele chegar e se esconder dentro do quarto para

fazer alguma coisa. Se eu estiver sozinha com ele eu faço de tudo para não ficar

perto dele, se os meninos estão em casa eu não ligo, mas se eu estou sozinha eu

vou para o quarto e fecho a porta do quarto. (Entrevista I).

Em alguns depoimentos, observa-se um entendimento de que a lei e as medidas

advindas dessa são um avanço de um campo historicamente esvaziado de ações com esse

intuito. Para tais mulheres, é inegável o salto qualitativo advindo com a lei Maria da Penha

na interrupção da violência doméstica contra a mulher. Diversas foram as afirmações sobre

os avanços dessa legislação, ainda que os significados atribuídos a tal diploma legal pelas

vítimas sejam, muitas vezes, contraditórios.

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3. Recife

Na primeira fase da pesquisa, concluída no início de julho, a equipe de pesquisadores

do Recife fez o planejamento do campo, selecionando os possíveis informantes e montando

um banco de dados com seus contatos, para em seguida iniciar o processo de agendamento e

realização das entrevistas com os operadores do Sistema de Segurança Pública e de Justiça

Criminal.

O contato foi estabelecido com as Polícias Civil e Militar, o Ministério Público, a

Defensoria Pública e os Poderes Executivo e Judiciário. Nenhuma das instituições

apresentou resistência à colaboração com a pesquisa. Somente na Polícia Militar, foi

necessário cumprir determinado protocolo burocrático para conseguir agendar a entrevista.

Ao todo, foram realizadas nove entrevistas distribuídas da seguinte forma:

Tabela 5 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento à

mulher vítima de violência em Recife

Serviço Informante Data

Polícia Civil Gestora do Departamento de Polícia da Mulher –

DPMUL

18/06/2014

Polícia Civil Delegada Titular da DEAM do Recife 19/06/2014

Polícia Civil Delegada Substituta da DEAM do Recife 19/06/2014

Polícia Militar Coordenador da Patrulha Maria da Penha 02/07/2014

Poder Judiciário Juíza Titular da 2ª Vara de Combate à Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher

01/07/2014

Defensoria Pública Defensora lotada na Defensoria Pública

Especializada na Defesa da Mulher em Situação de

Violência (DEPEDIM) – Recife

01/07/2014

Ministério Público Promotor que atua na 1ª Vara de Combate à

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e

que coordena o Núcleo de Apoio à Mulher –

MPPE

26/06/2014

Poder Executivo Diretora de Enfrentamento à Violência de Gênero 25/06/2014

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da Secretaria Estadual da Mulher

Poder Executivo Gerente do Centro de Monitoramento Eletrônico

de Reeducandos (CEMER)

27/06/2014

De um modo geral, as entrevistas transcorreram bem. Contudo, alguns atores

mostraram-se reticentes, por motivos diversos, com relação aos questionamentos suscitados

pelas entrevistas.

O Major que coordena a Patrulha Maria da Penha não demonstrou compreensão

completa das questões levantadas, provavelmente porque está há pouco tempo ocupando esta

função e porque a estrutura hierárquica da Polícia Militar cria impedimentos para um

posicionamento autônomo dos seus integrantes.

A Defensora Pública manteve uma atitude de desconfiança durante a entrevista,

demonstrando preocupação com relação ao conteúdo de suas respostas e certo receio de estar

rompendo a hierarquia funcional.

Por fim, uma atitude recorrente por parte das delegadas da Polícia Civil de

Pernambuco mostrou-se um dado relevante, uma vez que tanto a Gestora, quanto a Delegada

Titular criaram estratégias para não conceder as entrevistas desacompanhadas. A primeira

convocou uma assessora, em determinado momento da entrevista, e a segunda propôs que a

entrevista fosse realizada na sala de uma colega, a qual foi incitada, pela delegada titular, a

colaborar na resposta aos questionamentos feitos pela pesquisadora.

Concluídas as entrevistas com os atores do Sistema de Justiça Criminal, passamos

para a etapa seguinte: a organização das entrevistas com as mulheres que utilizaram os

serviços da rede de proteção às vítimas de violência doméstica e que tiveram (10) ou não (5)

medidas protetivas deferidas.

Neste momento da pesquisa, o principal desafio foi o recrutamento destas mulheres.

Optamos por fazê-lo institucionalmente. Para tanto, entramos em contato com uma gestora

da Secretaria da Mulher Municipal que nos autorizou a realizar a pesquisa através do Centro

de Referência Clarice Lispector e nos colocou em contato tanto com a coordenadora do

Centro, quanto com o seu departamento jurídico.

Todas no Centro foram bastante solícitas e realmente se empenharam em ajudar a

realização da pesquisa. A advogada fez a triagem dos casos e das mulheres que tinham um

perfil compatível com os objetivos da pesquisa. Os agendamentos tinham que ser feitos

através do Centro e por sua recepcionista, que é a pessoa autorizada a entrar em contato com

as usuárias deste serviço. As entrevistas também deveriam ocorrer no Clarice Lispector (uma

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sala foi cedida a nossa equipe), de modo a respeitar a dinâmica da relação da instituição com

as suas usuárias.

Sem o intermédio do Clarice Lispector, o recrutamento teria sido bastante difícil.

Contudo, ao optar por trabalhar com a ajuda de uma instituição como essa nos

comprometemos com o respeito a sua lógica de funcionamento. Sendo assim, precisamos

nos adaptar a rotina cotidiana e ao tempo da instituição.

O primeiro grupo de mulheres recrutadas era composto por dez com medidas

deferidas e somente uma com medida indeferida. Já neste momento, a advogada do Centro

nos relatou a dificuldade de encontrar casos de mulheres com medidas protetivas indeferidas.

A identificação e o acesso às mulheres que tiveram medidas indeferidas foi uma das

principais dificuldades de nossa pesquisa de campo.

A preparação da pesquisa de campo exigiu bastante articulação e tempo da equipe, de

modo que as entrevistas propriamente ditas começaram no dia 15/08 e foram concluídas no

dia 18/09. A pesquisa de campo durou um pouco mais de um mês especialmente em razão

do gargalo relativo ao indeferimento das medidas protetivas, mas também em razão da

observância das dinâmicas do Centro e da necessidade, relativamente recorrente, de

reagendar com as informantes que, por motivos pessoais, não poderiam comparecer ao

compromisso na data marcada anteriormente.

Ao final, ficamos com o seguinte cronograma:

Tabela 6 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres que solicitaram a concessão de

medida protetiva ao Judiciário em Recife-PE

Status da Medida Protetiva

da Informante

Data da

Entrevista

Local da Entrevista

Medida Deferida 1 15/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 2 15/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 3 18/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 4 18/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 5 20/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Indeferida 1 21/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 6 21/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 7 25/08 Centro de Referência Clarice Lispector

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No Centro de Referência Clarice Lispector, realizamos as entrevistas com a maior

parte da das mulheres, incluindo os únicos três casos de medidas indeferidas de que

dispunham. Diante disso, precisamos recorrer às Varas Especializadas de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher de Recife para tentar identificar os outros 2 casos e

realizar as entrevistas.

Não obtivemos autorização da Juíza da 1ª Vara , mais antiga e com maiores

possibilidades de localizarmos casos de medidas indeferidas, para fazer as entrevistas, sob o

argumento do segredo de justiça.

É importante destacar que o recrutamento, a partir da Vara, foi muito mais

complicado do que o realizado no Centro de Referência (foram mais de dez tentativas para

um aceite) porque não havia contato pessoal ou relação de confiança entre o serviço e as

usuárias. A seleção era feita de modo impessoal, a partir da pesquisa em decisões proferidas

anteriormente.

Desse modo, não havia um conhecimento prévio sobre a história de vida da mulher

ou de sua situação atual (muitas mulheres se recusaram a colaborar ou mesmo atender o

telefonema da Vara da Mulher, o que não aconteceu no Centro de Referência).

Em Recife, parecem ser raras decisões que indeferem medidas protetivas de urgência.

Não há sistematização dos dados de modo a quantificar tais casos, mas tal informação foi

constatada a partir das conversas com o Promotor de Justiça, a Juíza da 2ª Vara e sua

assessora, a equipe multidisciplinar da Vara, Psicólogas e Assistentes Sociais, e com a

equipe do Centro de Referência da Mulher - Clarice Lispector.

De acordo com os relatos dos atores acima citados, os casos de indeferimento total

das medidas dizem respeito à não constatação da violência doméstica contra a mulher, como

dissídios entre irmão e irmã ou mãe e filha por questões patrimoniais, por exemplo.

Conseguimos um caso nesse sentido (desavença entre mãe e filha por questão patrimonial).

Medida Deferida 8 28/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 9 29/08 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Deferida 10 16/09 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Indeferida 2 11/09 Vara Especializada de Violência Doméstica

e Familiar contra a Mulher

Medida Indeferida 3 16/09 Centro de Referência Clarice Lispector

Medida Indeferida 4 18/09 Centro de Referência Clarice Lispector

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A falta de controle qualitativo (de conteúdo) das decisões nas Varas dificultou a

localização dos casos. Naqueles localizados a partir das minutas de decisões feitas pela

assessoria da juíza, deparamo-nos com as seguintes situações:

a. “Indeferimento liminar” da medida. São os casos em que a juíza não concede a

medida de pronto, por não verificar o fumus boni iuris (inserir nota explicativa),

o periculum in mora (inserir nota explicativa) e a verossimilhança, então,

geralmente intima o réu para se pronunciar. Não se trata de um indeferimento da

medida de todo, pois esta ainda será apreciada posteriormente, na sentença. Ainda

assim, como não houve concessão imediata, consideramos essa situação como de

indeferimento para efeito da realização das entrevistas;

b. Declinação de competência. Nos casos de medidas protetivas envolvendo idosas

ou crianças, ao invés de indeferir, declina-se da competência, vez que o Estatuto

do Idoso(a) e o ECA também prevêem Medidas Protetivas. Excluímos esse caso

da amostra de nossas entrevistas;

c. Indeferimento parcial das medidas. Ocorre quando a juíza concede apenas

algumas das medidas solicitadas. A maior parte das medidas negadas diz respeito

à solicitação de alimentos provisionais, proibição de estabelecer contratos e

limitação de visitação aos filhos(as). Os dois primeiros casos são geralmente

indeferidos por falta de prova e, o segundo, porque raramente a equipe

psicossocial opina pela limitação da visitação aos filhos, apenas em casos

patentes de risco, conforme informou a própria equipe;

d. Extinção por desistência. Mesmo concedida em caráter liminar, a medida pode

ser extinta (e, novamente, não indeferida) quando a usuária dela desiste.

Além das entrevistas, realizamos também, no mês de julho, observação em uma

reunião da Câmara Técnica para Enfrentamento da Violência de Gênero Contra a Mulher do

Pacto pela Vida (PPV). Esta Câmara faz parte da estrutura institucional de gestão do PPV e

está funcionando, como tal, há seis meses, segundo os nossos informantes relataram.

Portanto, o processo de gestão da violência contra a mulher está no início. Uma das

maiores dificuldades nesse primeiro momento, ao que parece, é o fortalecimento da

articulação entre os órgãos que compõem a rede de proteção à mulher vítima de violência, e

o elo mais fraco parece ser o judiciário.

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Foi acordado entre os participantes fixos da Câmara que nas primeiras quartas-feiras

de cada mês seriam realizadas reuniões com o judiciário. Deveriam comparecer as juízas de

todas as varas da região metropolitana especializadas em casos de violência contra a mulher

(Recife 1ª e 2ª, Cabo, Jaboatão e Olinda). Contudo, apenas a Juíza Titular da 2ª Vara de

Violência Doméstica do Recife, que segundo os presentes sempre vai às reuniões,

compareceu.

Os seguintes atores participaram da reunião: a) 5 membros da Secretaria Estadual da

Mulher (a Secretaria não foi, pois estava de férias); b) 2 membros da Secretaria Municipal da

Mulher; c) 1 representante do Ministério Público – a assessora do promotor que coordena no

Núcleo de Apoio à Mulher do MPPE; d) a advogada do Centro de Referência Clarice

Lispector; e) a Juíza Titular da 2ª Vara; f) 3 representante da SERES (Secretaria Executiva

de Ressocialização) responsáveis pelo monitoramento eletrônico em casos da Lei Maria da

Penha; g) a defensora pública da vítima da 2ª Vara; h) o coordenador da Patrulha Maria da

Penha na Polícia Militar; i) a assistente social da Vara da Mulher de Jaboatão; j) uma

advogada ad hoc parceira da 2ª Vara; l) uma delegada que faz parte da gestão das delegacias

especializadas da mulher. Não havia representante da Saúde, pois a pessoa que ocupava o

cargo foi trocada e por enquanto há um vácuo institucional.

Neste dia, estavam na pauta: a) procedimentos para efetividade do Monitoramento

Eletrônico; b) I Fórum Pernambucano de Violência Doméstica (I FOPEVID); c) Mutirão

Arquivo Zero.

A pauta foi invertida, porque a juíza de Jaboatão deveria comparecer à reunião e o

grupo resolveu esperá-la mais um pouco. Começou-se a discussão pelo Mutirão Arquivo

Zero, que foi uma prestação de contas do judiciário ao grupo. O objetivo desse mutirão é

eliminar um passivo de sentenças e autuações. Durante essa discussão, a juíza explicou como

funcionou o mutirão e as gestoras municipais questionaram-na sobre o número de Medidas

Protetivas deferidas por mês, a juíza afirmou que são aproximadamente 300, mas ficou de

confirmar. Contudo, em sua vara, afirmou existir uma meta mensal por assessora de 50

deferimentos.

Confirmada a ausência da Juíza de Jaboatão (seguida de discussão e queixas sobre a

fraca participação do judiciário na Câmara), passou-se ao debate dos casos de

monitoramento eletrônico em vigor, buscando um ajuste nos procedimentos, visto que a

aplicação do monitoramento eletrônico para casos da Lei Maria da Penha é uma novidade no

Estado.

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Em Pernambuco, a gestão desse processo é feita por meio de uma parceria entre a

Secretaria da Mulher (responsável pela vítima) e a SERES (responsável pelo agressor).

Segundo informação apresentada na reunião, até o dia 2/07/2014, estavam em vigor 17

monitoramentos para casos da Lei Maria da Penha, sendo 41 vítimas contempladas.

O grupo discutiu alguns casos mais complexos, visando ajustar os procedimentos

entre os órgãos envolvidos, principalmente entre as Secretarias de Estado e o Judiciário, que

novamente parecia ser o ponto problemático devido à ausência recorrente da maioria das

juízas desse espaço de discussão. Parte da reunião, inclusive, foi dedicada a pensar uma

estratégia para “garantir” ou induzir institucionalmente a presença das juízas. E o caminho

apresentado foi levar essa questão para dentro das reuniões das Câmaras Técnicas mais

consolidadas do Pacto pela Vida.

Como não havia tempo para discutir o último tópico, que versava sobre a organização

de um evento, esse tema entrou na pauta da reunião da quarta-feira seguinte e a reunião foi

encerrada.

3.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal

Em Pernambuco, existem 10 delegacias especializadas no atendimento à mulher

vítima de violência, com a seguinte distribuição: Recife, Jaboatão, Paulista, Cabo, Goiana,

Caruaru, Surubim, Garanhuns, Petrolina e Vitória de Santo Antão. Portanto, esse é um

serviço mais forte na capital e na região metropolitana (inclusive, pela proximidade com os

outros órgãos que compõe a rede de proteção à mulher), mas que já possui uma capilaridade

no interior do estado.

Na primeira fase da pesquisa, entrevistamos tanto a gestora do Departamento do

Departamento de Polícia da Mulher, quanto as delegadas titular e substituta da DEAM do

Recife.

De acordo com as falas das entrevistadas, pudemos perceber que o procedimento de

solicitação das medidas protetivas não é espontâneo, no seguinte sentido: grande parte das

mulheres não chega à delegacia sabendo de seus direitos.

Após o registro da ocorrência, o policial deve informá-la dos direitos que a Lei Maria

da Penha (LMP) prevê, dentre eles as Medidas Protetivas, e ela, ciente disso, escolhe a

medida mais adequada para a sua situação. Contudo, como parte das mulheres que procuram

a delegacia tem baixa escolaridade e, muitas vezes, estão em situação de vulnerabilidade

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social complexa, cabe questionar em que medida elas conseguem exercer essa escolha com

clareza.

Quando a mulher registra uma ocorrência o policial tem a obrigação de dizer para a mulher os direitos que ela tem, dentre eles a medida protetiva e entre as medidas

protetivas, quais são as que ela pode solicitar. Ela pode solicitar apenas uma, duas,

três. Depois, sendo concedida ou não, ela pode tentar modificar. Entre essas

medidas, as mais solicitadas são o afastamento do lar e a proibição de contato do

agressor com ela, com as testemunhas, pode haver, até mesmo, uma suspensão de

visita. É essa a dinâmica. (Gestora DPMUL)

O pedido de medida protetiva em Pernambuco é realizado através de um protocolo

padrão, existe um formulário a ser preenchido e este deve ser enviado ao Judiciário em até

48h. De acordo com as entrevistadas, o formulário qualifica vítima e agressor e contém uma

descrição sucinta dos fatos. Normalmente, não é possível, pelo tempo, anexar laudos

periciais, mas em caso de agressão procura-se anexar pelo menos alguma foto colorida da

vítima.

A oitiva de testemunhas e do próprio agressor é realizada e anexada ao documento

sempre que possível. Mas, de um modo geral, a palavra da vítima é suficiente para a

solicitação da medida protetiva. Ao que parece, a celeridade exigida pela medida protetiva,

do ponto de vista formal do encaminhamento ao judiciário, tem prioridade em detrimento da

melhor qualificação do crime, nesse momento inicial.

Se for possível, se a mulher já vem acompanhada de uma vizinha, já tem alguém, a

gente tenta instruir com o máximo possível. Às vezes, até dá tempo de tomar o depoimento do agressor. Caso contrário, realmente, o depoimento inicial dela é o

que vai servir de base. Se ela sofreu lesão corporal, mesmo que a perícia não esteja

pronta, a gente junta a guia que encaminhou, ou se consegue uma ficha de

atendimento hospitalar, alguma coisa que dê uma visão ao Juiz. Em algumas

situações de lesão corporal, tentamos juntar uma fotografia colorida dela para

começar a materializar. (Gestora DPMUL)

Os critérios utilizados para o enquadramento do caso na LMP estão baseados,

principalmente, na relação com o agressor e no tipo de violência, e não no tipo penal em si

mesmo. Os casos que não se enquadram, que normalmente são assim classificados pelo tipo

de relação entre vítima e agressor, são encaminhados para uma delegacia distrital.

Segundo as entrevistadas é comum que as mulheres procurem a DEAM com casos

que não se enquadram no universo da LMP, pelo entendimento de que a delegacia presta um

serviço especializado para a mulher, independente do tipo de crime, e pelo desconhecimento

dos detalhes da LMP.

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A Lei Maria da Penha, de certa forma, não estabeleceu o tipo penal, os crimes são

os mesmos, a gente tem ameaça, lesão corporal, dano, injúria, calúnia, os crimes

contra honra. O que vai diferenciar se ela [vítima] vai ser atendida ou não na

Delegacia da Mulher é a relação dela com o agressor ou a situação em que ocorreu

o fato. Se for um caso de lesão, de ameaça, de injúria, praticado por uma pessoa

que não tem um laço familiar, ou não tem uma relação afetiva, não existe um

vínculo com aquela mulher, vai ser remetido para uma Delegacia comum. (Gestora

DPMUL)

É comum porque, muitas vezes, as mulheres não têm conhecimento que a Lei Maria da Penha é só para questão de violência doméstica e familiar contra a

mulher. Elas acham que contra a mulher seria qualquer tipo de violência, não seria

só a familiar e doméstica. (Delegada I)

Encerrada essa etapa, a delegacia segue com os procedimentos do inquérito e, de

acordo com as entrevistas, não acompanha mais a medida protetiva, ou seja, não tem

conhecimento do deferimento ou indeferimento da medida.

Anteriormente, as delegacias possuíam acesso à base de dados do Judiciário e podiam

acessar essa informação. Mas, esse acesso direto foi interrompido, porque o Judiciário

restringiu as informações disponíveis relativas a esse crime, visto que o mesmo corre em

segredo de justiça. Em paralelo a isso, não foi feita uma senha especial que permitisse à

DEAM acompanhar os casos, nem foi pensada outra forma de facilitar o acesso a tal

informação.

Segundo as entrevistadas, especialmente por conta do monitoramento eletrônico para

os casos da LMP, esse assunto veio à tona nas discussões da Câmara Técnica para

Enfrentamento da Violência de Gênero Contra a Mulher do Pacto pela Vida (PPV), mas

ainda não se chegou a uma solução.

Tal fato é um indicador da frouxa articulação entre os órgãos da rede de proteção à

mulher no estado.

Não, a gente não tem esse acompanhamento. Eu acredito que, até 2010, a gente conseguia acompanhar no sistema do Judiciário, na internet, se aquela medida já

tinha sido apreciada, se era deferida. Depois, foi considerado segredo de justiça por

envolver questões familiares. Isso tem sido uma grande dificuldade nossa, porque, muitas vezes, a mulher volta a procurar o serviço da Delegacia dizendo que ele

continua procurando, perseguindo, e a gente não tem o controle de saber se aquela

medida foi concedida, se foi apreciada. É um dado importante, porque caso a

medida não seja cumprida, pode ensejar na prisão do agressor. (Gestora DPMUL)

Não somos comunicadas nem da decretação nem da ciência ao agressor. No site do Tribunal de Justiça, não há disponibilidade dessa informação, porque é segredo de

justiça. A gente tem algum relacionamento com o Judiciário. Durante o expediente

normal a gente tem essa facilidade. (Delegada II)

A integração com a Polícia Militar, para os casos da LMP, evoluiu, mas, pelas falas

das entrevistadas, ainda precisaria de ajustes. O que reforça a percepção que um dos maiores

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desafios para o aumento da eficácia tanto das medidas protetivas, quanto da própria LMP, é

uma maior articulação e integração entre os órgãos que compõem a rede de proteção à

mulher vítima de violência.

Algumas dificuldades a gente tem. Acho que já melhorou um pouco. A princípio, o

policial tem que identificar aquilo como um crime e, como qualquer outro, vai

ensejar uma autuação. Muitas vezes, ele trazia a mulher para a Delegacia e o agressor ficava dormindo, em casa. Mas, hoje, isso já está bem mais sedimentado e

eles têm levado muitos casos de prisão em flagrante para Delegacia. (Gestora

DPMUL).

A avaliação que as entrevistadas fazem das medidas protetivas é bastante positiva,

especialmente por ter um caráter emergencial e dar uma resposta rápida (pelo menos em

teoria) tanto à vítima quanto ao agressor.

Contudo, a despeito desse ganho em termos de instrumento formal, na prática alguns

ajustes são necessários na opinião das delegadas, especialmente no que tange à fiscalização

da medida. O monitoramento eletrônico e a patrulha Maria da Penha são percebidos como

mecanismos que visam melhorar a fiscalização e controle da situação da mulher e do

agressor pós-deferimento da medida.

Eu acredito que seja um dos melhores instrumentos da Lei Maria da Penha. Pela praticidade, pela forma simples. Ela tem dois momentos que eu acho que são

críticos: um é a compreensão da mulher do que é aquela medida. Porque, muitas

vezes, a mulher vem e diz que quer aquela medida, mas não é possível, não é

necessária. Depende do policial, da pessoa que recebe a mulher, explicar. O outro

[momento crítico] seria como fiscalizar. Já tem essa primeira lacuna entre

solicitação e deferimento. Se deferir, quem vai fiscalizar? Até pouco tempo atrás, a própria mulher fiscalizava e voltava à Delegacia para dizer que ele continuava

perturbando, continuava indo na casa. (Gestora DPMUL)

É o remédio que faltava. É suficiente para aquilo. Realmente, freia o cara e nunca

mais ele vai fazer. Nem é um susto, ele “caiu na real” que, realmente, ele está sendo vigiado e se fizer uma coisa maior ele não vai ter só aquilo, vai ter uma

prisão. Porque, muitas vezes, eles desacreditam que existe alguma lei. A

impunidade, às vezes, é tão grande que ele desacredita. Tem crimes tão graves que

não acontece nada, na cabeça dele, imagina chamar a mulher disso ou aquilo.

Quando ele vê que foi afastado de casa, pensa: “minha casa que eu construí com

tudo que eu tinha, então o negócio funciona, mesmo, é melhor eu ficar quietinho”.

Na cabeça dele, ele acha que funciona. (Delegada I)

Quando questionadas sobre os principais mecanismos que poderiam ser acionados

para evitar que a situação de violência contra a mulher se repita com a mesma vítima,

aparecem nas falas das delegadas questões relativas a políticas públicas educacionais de

longo prazo, cujo foco estaria voltado tanto para o empoderamento da mulher, quanto para a

conscientização do homem.

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Contudo, no âmbito da Polícia Civil, não há projetos de longo prazo para trabalhar

com essas questões (foram mencionadas palestras para os próprios policiais e para a

comunidade, mas todas com caráter mais pontual).

E, além disso, é muito nítido o reconhecimento da necessidade de se trabalhar com o

agressor e, ao mesmo tempo, o desconforto em defender essa posição e em realizar projetos

nesse sentido.

Além da questão acima citada, pela primeira vez aparece nas falas das entrevistadas

uma avaliação crítica quanto ao tempo do procedimento de caráter cautelar, o qual exige

uma celeridade que na prática esbarra no funcionamento e no tempo da burocracia de todos

os órgãos envolvidos.

Eu acho que teria que ser uma via de mão dupla. Primeiro, o fortalecimento dessa mulher, tanto em relação ao risco que ela corre, as oportunidades que ela vai ter.

Porque um relacionamento, em algumas situações de violência, envolve filhos,

dependência financeira, dependência emocional, a própria sobrevivência, que a

gente sabe que ninguém vive sem dinheiro. Teria que ver uma política para

fortalecer essa mulher, para ela ser independente e romper o ciclo de violência. E

outra situação seria também chegar junto a esse agressor. Porque durante todo o

tempo, a gente chega para a vítima, a gente empodera a vítima, diz que ela tem direito, que ela deve denunciar, mas aquele agressor continua sem nenhum diálogo.

Então, ele só não volta a agredir a mesma mulher se estiver preso, ou ele vai tentar

voltar a agredir a mesma mulher ou até se relacionar com outra mulher, que a gente

sabe que, às vezes, repete o comportamento. Então, acho que tem que ser uma

política mais ampla de atenção integral à mulher, à família, ao agressor. Porque

não vai poder dissociar. (Gestora DPMUL)

Hoje, eu acho que é uma coisa que tem que se conversar. Não é que a gente vai

gastar tempo e dinheiro com agressor. Existe, na Vara de Execução, um projeto,

mas só para condenados. Nem é um projeto, existe uma ação para o condenado,

mas a gente não acompanha. Na Polícia Civil, a gente tem ações pontuais, se somos convidados para um encontro em tal local, então a gente, de certa forma, vai

com muito gosto. A gente pretendia fazer isso de forma mais rotineira, usar o

espaço do próprio Departamento, para que esse agressor, antes de uma condenação,

ele recebesse um convite ou intimação para vir aqui e juntar um grupo para poder

apresentar a ele a situação. Não seria uma situação psicológica, seria uma questão

da informação, mesmo. (Gestora DPMUL)

Deveria ter mais agilidade em alguma coisa que, quando ela viesse na Delegacia, a

gente já tivesse, quando a gente chamasse o homem já tivesse. Por exemplo, lesão corporal, são quinze dias para a mulher retornar. Então, em mais ou menos um mês

a gente chama o homem. Se em um mês tivesse uma protetiva ele já se assustava.

Às vezes, ele não tem isso em mãos. Se a gente tivesse ele já repensava para fazer

outra coisa. (Delegada I).

No Recife, existem duas Varas de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher. Conversamos com a juíza titular de uma delas sobre o papel do judiciário no que

tange às medidas protetivas da LMP.

Segundo a entrevistada, a solicitação da medida protetiva ao judiciário pode ter

origens diversas, contudo a imensa maioria da demanda é proveniente das delegacias

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especializadas da mulher. O encaminhamento dado à solicitação da mulher em situação de

violência não vai mudar de acordo com o órgão que remeteu a solicitação, mas sim de

acordo com o tipo de medida solicitada. De acordo com o seu relato, as medidas mais

solicitadas são o afastamento do lar e a proibição de contato entre a vítima, seus familiares

e suas testemunhas e o agressor.

A origem mais comum da solicitação de medidas é das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em situação de violência, porque quando a mulher vai

informar a ocorrência, é lavrado o boletim e a Delegada já pergunta a ela que

medida protetiva ela pretende. Então, dentro daquele elenco que ela tem disponível

ela diz qual ela precisa e vem encaminhada diretamente para nós a solicitação. (Juíza)

Os critérios básicos para a concessão de uma medida protetiva, em sua opinião, são a

avaliação de sua necessidade para o caso específico e de seu caráter de urgência, para

prevenir que um mal maior aconteça à vítima.

Em regra, a palavra da vítima é o bastante para avaliar o requerimento da medida.

Sendo destacado que a vítima tem responsabilidade por suas afirmações, podendo responder

pelo crime de denunciação caluniosa contra o agressor caso esteja mentindo.

O critério adotado é a necessidade do pedido, a urgência do pedido, se há um risco na demora de atender aquele pedido a gente atende para evitar o dano efetivo.

Quando um homem ameaça uma mulher de morte, se a gente imediatamente não

afasta ele de casa e não proíbe ele de se aproximar dela, a gente está pondo ela em

risco, deixando que ele possa concretizar o que ele está anunciando. Para evitar que

aquilo aconteça, como medida preventiva a gente imediatamente concede a medida

protetiva. (Juíza)

É interessante perceber que a juíza demonstrou ter um método de trabalho, no que

tange à concessão de medidas com base somente na palavra da vítima, que obedece a uma

hierarquia valorativa dos danos impostos aos envolvidos.

Eu costumo fazer sempre assim: a vítima pediu, vou me basear só no pedido da vítima, sim, porque a vítima tem uma grande responsabilidade. Ela pode responder

por denunciação caluniosa se ela estiver mentindo, que é um crime grave, então ela

tem a responsabilidade de falar a verdade. Mas mesmo assim, tem medidas

protetivas que não têm caráter irreversível, ela não prejudica de modo a não poder

desmanchar o que fez. Quando eu concedo uma medida que eu posso desmanchar

sem praticar danos maiores, então eu não vejo mal nenhum em conceder. Sempre

quando vem a medida de não aproximação da vítima, eu concedo, porque não vejo

nenhum dano para o direito do suposto agressor que eu proíba ele de se aproximar de uma pessoa que não quer que ele se aproxime dela. (Juíza)

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A decisão sobre o deferimento ou o indeferimento da medida não é feita na

audiência de instrução, mas logo após o recebimento da solicitação. Mas é possível realizar

um procedimento chamado de audiência de justificação, na qual a Juíza chama a vítima para

ter acesso a maiores detalhes do caso.

Imediatamente após. Alguns Juízes, em havendo alguma dúvida no que a gente

chama de periculum in mora e fumus boni iuris, que é fumaça do bom direito, se

seria legítimo ela pedir e o perigo em demorar para atender aquele pedido, então alguns Juízes fazem audiência de justificação para ela justificar melhor por que ela

está pedindo aquilo, se o Juiz entender que não está devidamente esclarecido. Via

de regra, nós atendemos imediatamente o pleito da vítima. Ela se responsabiliza

pelo que ela está dizendo, porque o crime de denunciação caluniosa, muitas vezes,

tem uma pena muito mais grave do que o próprio crime que a mulher está

imputando ao agressor. Então a responsabilidade da vítima é total sobre aquela

conduta, aquela violência que ela está anunciando como sendo do seu

companheiro, seu parente ou a pessoa que está fazendo a agressão. (Juíza)

Tanto a vítima quanto o agressor tomam conhecimento da decisão a respeito

da medida protetiva, por meio da visita de um oficial de justiça, que notifica a vítima e

intima o agressor. Segundo a entrevistada, todas as decisões a respeito de medidas protetivas

são comunicadas às delegacias especializadas que a remeteram (no caso, especificamente a

DEAM de Recife).

Na prática, há um ruído entre os atores entrevistados, pois as delegadas

afirmaram não ter esse retorno e que a busca por um protocolo para o acompanhamento da

medida estaria atualmente em discussão no âmbito da Câmara Técnica do PPV.

Contudo, ficou claro durante a observação realizada na reunião da referida

Câmara Técnica, que a juíza por nós entrevistada é uma espécie de outlier dentro do

judiciário. Diferente dos colegas, ela prioriza as reuniões e os debates entre a rede, que visam

otimizar a atuação de todos os órgãos envolvidos no enfretamento à violência contra a

mulher. Desse modo, é possível que este seja um comportamento adotado somente pela Vara

em que ela é a titular.

Imediatamente, assim que a medida é concedida. As medidas protetivas são concedidas e imediatamente a gente informa à Delegacia da Mulher, porque como

vem de lá o expediente, a gente informa o expediente. Primeiro, a gente informava

através de ofício, depois a gente passou a informar através de e-mail, porque a

Delegacia tem um e-mail funcional e a gente comunica através de email funcional.

(Juíza)

O Judiciário não tem um mecanismo próprio de acompanhamento e fiscalização da

medida protetiva, após o seu deferimento. De acordo com a fala da entrevistada, é possível

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perceber que as informações sobre a medida protetiva são repassadas dentro da Câmara

Técnica para Enfrentamento da Violência de Gênero Contra a Mulher do Pacto pela Vida

(PPV), mas a fiscalização é feita de modo pouco sistemático pela polícia militar, com a

Patrulha Maria da Penha, e de modo mais efetivo, para os casos mais graves, pela Secretaria

da Mulher e pela Secretaria de Ressocialização através do Monitoramento eletrônico.

O judiciário, hoje, faz por via Patrulha Maria da Penha. A Patrulha Maria da

Penha é uma criação da Câmara Técnica para o enfrentamento da violência de

gênero contra a mulher do pacto pela vida. O Governo do Estado criou o pacto pela

vida e dentro do pacto tem as Câmaras Técnicas. Nós temos a de enfrentamento à violência de gênero e, nessa discussão, a Secretaria da Mulher sugeriu e todos

acataram, porque foi uma excelente ideia, a criação da Patrulha Maria da Penha.

São policiais com jaquetas com nome Lei Maria da Penha, viaturas com nome

Maria da Penha e eles fazem visitas periódicas às casas das mulheres que têm

pedido de medida protetiva. Isso é uma forma de monitorar e também a própria

vítima vai nos informar. Caso ele não esteja cumprindo a própria vítima se dirige,

de novo, à Delegacia para comunicar que ele não está cumprindo e a Delegacia

pode representar pela prisão dele. (Juíza)

Para os casos que não estão sendo monitorados, mesmo que exista a visita da

patrulha, a fiscalização do cumprimento da medida é feita, na prática, pela própria vítima

que pode se dirigir aos órgãos que estão mais próximos dela, como a DEAM e a defensoria,

para reportar o descumprimento da medida por parte do agressor e solicitar as providências

cabíveis.

Porque ele pode descumprir praticando outro crime e ela pode se dirigir diretamente à Vara e conversar com a Defensoria Especializada no Atendimento a

Vítima. Se ela for na Delegacia é bom, porque ela vai gerar um outro boletim de

ocorrência, que vai ser um documento que ela vai trazer para dar mais base ao que

ela está afirmando, que é o descumprimento. Como esse descumprimento pode

gerar até uma prisão preventiva é bom que ela venha acompanhada de elementos

probatórios. (Juíza)

A avaliação, assim como a feita pela Polícia Civil, é bastante positiva. Contudo é

ainda mais entusiasmada, porque não houve na fala nenhuma reflexão crítica. É como se a

existência da LMP e simples deferimento de uma medida protetiva fossem, por si só, capazes

de conter a violência de gênero.

Eu avalio de uma força incrível, uma força extraordinária. Eu diria que a Lei Maria

da Penha não poderia ter pensado em nada melhor. Tanto que o Código de

Processo Penal, em 2008, porque a Lei Maria da Penha foi criada em 2006, reproduziu muitas das medidas protetivas para o campo do processo penal e creio

que esse projeto novo que está vindo deve recolher muita coisa da Lei Maria da

Penha. A Lei Maria da Penha tem sido o instrumento que melhor se tem notícia, no

mundo, sobre coibição e repressão à violência doméstica e familiar contra a

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mulher. Então ela é um instrumento de uma inteligência imensa que pensou coisas

maravilhosas e eficientes no tocante a fazer essa repressão à violência contra a

mulher. As medidas protetivas são as estrelas guia, porque são elas que,

efetivamente, vem dar um basta na violência contra a mulher, porque é a primeira

que chega, é a primeira que é despachada, é a determinação maior. (Juíza)

Em sua opinião, para evitar o ciclo de violência contra a mulher é preciso uma

política pública preventiva, que problematize o machismo e os papéis de gênero tanto com as

mulheres, quanto com os homens. E essa não seria uma tarefa a ser encabeçada pelo

judiciário, que está sobrecarregado com o volume de processos que tem para julgar.

Nós procuramos investir mais em julgar, porque o povo está cobrando muito isso.

Cobram isso da gente porque, claro, quem vem ao Judiciário quer uma decisão,

quer um julgamento, quer ver a punição do crime, então é nisso que a gente está

concentrado hoje. Quando a gente conseguir reduzir esse acervo a números razoáveis, que a gente trabalhe com certo conforto, então lógico que a gente vai

também investir em projetos. Sinceramente, eu entendo que isso é um projeto mais

para o Executivo, ao Executivo cabe e eles estão fazendo isso. (Juíza)

O que se pode fazer são os programas de conscientização e reflexão, são justamente eles que vão prevenir a violência. Porque geralmente o programa já

pega a violência depois de concretizada, consumada, mas a gente precisa prevenir.

Esses projetos devem trazer conscientização ao homem de que o machismo não é

bom para ninguém, o companheirismo é a verdadeira forma de convivência, então

o machismo não serve para ninguém, está fora de moda, fora de época, não cabe

mais nesse mundo. Quando ele se conscientizar de que a atitude dele tem que ser

outra, ou seja, tem que ser um parceiro, um companheiro, um partícipe e não

machista, agressor, mandão, um guardião, um cuidador, porque a mulher não é

nenhuma deficiente para precisar de cuidador. Quando ele entender que a mulher é

a grande parceira dele e a mulher entender que não precisa ter essa dependência

emocional do homem, porque isso também foi gerado pelo machismo. (Juíza)

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A partir das entrevistas até este momento concedidas, é possível traçar-se, no que

tange à solicitação, concessão e acompanhamento das medidas protetivas em Recife o

seguinte fluxograma:

Ainda que seja possível a solicitação da Medida Protetiva via Ministério Público ou

Defensoria Pública, a prática, como afirmado pela Juíza, é de a grande maioria dos pedidos

ser proveniente da Delegacia da Mulher. Após ser solicitada a Medida Protetiva na

Delegacia, esta encaminha a solicitação, num prazo de 48h, como afirmado acima e previsto

no Art. 12, III, da LMP, à Vara Especializada, e encaminha também os dados da mulher

solicitante e do Boletim de Ocorrência à Patrulha Maria da Penha e à Secretaria da Mulher

do Governo Estado.

Monitoramento eletrônico

Mulher em situação de Violência Doméstica

Delegacia da Mulher

SOLICITAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA

Secretaria da Mulher do Estado

Vara de Violência Doméstica e Familiar

Medida deferida

Descumprimento de Medida Protetiva

Incidência reiterada na

violência

Alternativa à pena de reclusão

Patrulha Maria da Penha

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No âmbito do Sistema de Justiça, entrevistamos um promotor de justiça integrante do

Ministério Público de Pernambuco, que atua em uma das duas Varas de Combate à

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Recife (são seis em todo o estado), e

que coordena o Núcleo de Apoio à Mulher – MPPE.

Logo no início da entrevista, ele deixou claros os limites da atuação do Ministério

Público estadual (MPPE), no que se refere à solicitação das medidas protetivas. O MPPE não

atua quando da fase inicial de apreciação da medida protetiva devido ao seu caráter cautelar

e liminar.

A ausência do Ministério Público está prevista em lei, porque o nome já diz tudo, é

medida protetiva de urgência, não é razoável que o Ministério Público opine, dê um parecer realizando algum requerimento se a substância da medida protetiva é a

urgência, é a necessidade de acautelar de imediato a vítima de violência doméstica

(Promotor).

Sendo assim, o MPPE vai atuar após a decisão. Quando a solicitação da medida

protetiva é deferida ou indeferida, o ministério público é notificado e a partir de então pode

se manifestar, em caso de discordância, por meio da interposição de recurso. Contudo, os

casos de recurso são raros.

(...) porque na Vara de Violência Doméstica e Familiar “x” os critérios para deferimento dessa medida são critérios de cognição muito sumária. Então posso

dizer a você, sem medo de errar, que mais de 90% (noventa e nove por cento) das

medidas protetivas de urgência solicitadas pelas mulheres vítimas de violência

doméstica, tanto na Delegacia como através de advogados diretamente ao Juiz, são

deferidas. (Promotor)

Existe ainda a possibilidade de o MPPE solicitar medidas protetivas para a mulher

vítima de violência, quando toma ciência do deferimento de outras medidas. Para o

promotor, em regra, as medidas deferidas são afastamento do lar, proibição de contato e

proibição de aproximação. Mas, em casos que eles considerem necessário outra medida,

como suspensão da visitação, eles chamam a vítima para conversar e em caso de

concordância podem fazer de ofício a solicitação da medida ausente do pedido inicial, ou

orientá-la a fazer esse requerimento junto à defensoria.

Ela geralmente entra no sistema de justiça em uma situação de fragilidade e, depois dessa conversa, nós pedimos, de ofício, ou a encaminhamos à Defensoria Pública

Especializada, quando não é um caso urgentíssimo, porque em Recife existe uma

Defensoria Pública Especializada. (Promotor)

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Segundo o entrevistado, em regra existe concordância, na Vara em que trabalha, entre

a avaliação do judiciário e do MPPE no caso de indeferimento das medidas protetivas. Esses

casos são uma minoria e os motivos do indeferimento referem-se ao tipo de violência e de

relação entre vítima e acusado, à existência ou não de uma hipossuficiência da mulher na

relação.

Nós observamos que, em certas situações, aquele tipo de violência não se enquadra em uma situação que a mulher está, naquele momento, em condição de fragilidade,

hipossuficiência, há uma igualdade. Nessas situações, não são deferidas

(Promotor).

Afirma que dos 12 mil processos de sua Vara apenas um resultou em morte e, deixa

claro que erro na avaliação, neste caso, teria sido da polícia civil. Esses números embasam

sua avaliação absolutamente positiva a respeito da eficácia e da importância das medidas

protetivas no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em sua fala, o promotor chama atenção para o fato de que existem 6 Varas de

Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado, mas só um cargo de

promotor criado, que é o dele, o que significa que ele tem dedicação exclusiva e o os outros

acumulam essa função com o trabalho em outras varas. Essa questão também foi

mencionada pela juíza presente na reunião da Câmara Técnica para amenizar as críticas que

estavam sendo feitas as suas colegas.

O entrevistado defende, ainda, que existe certo descaso institucional com a temática,

como se este fosse um problema menos importante do que os outros tantos que o Ministério

Público, de forma geral, tem que lidar.

(...) geralmente, a questão da violência doméstica contra a mulher é vista como algo pequeno, de pouco interesse de juízes, promotores e delegados. Essa é a

verdade, há um desinteresse. Sem medo de errar, há um preconceito em trabalhar

com essa área, em dar a devida importância para uma violência que, para mim, é a

mãe de todas as violências. (Promotor)

Além de ser o promotor titular de uma das 6 Varas de Combate à Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado, o entrevistado também é o coordenador do

Núcleo de Apoio à Mulher em PE. Perguntado sobre os seus projetos, mostrou certo

incômodo com relação à ideia de promover grupos de trabalho voltados à reflexão. Acredita

que o papel do MPPE é o de induzir políticas públicas e explicou em detalhes uma iniciativa

recente do núcleo, a criação de um software para organizar informações relevantes para a

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formulação de políticas públicas mais eficazes no combate à violência doméstica e familiar

contra a mulher.

Para mim, “grupo de reflexão” fica algo pouco eficaz. Eu entendo, em primeiro lugar, que esse não é o papel principal do Ministério Público. Pode e existe em

outros Estados programas que são da iniciativa do Ministério Público, mas eu

entendo o Ministério Público como um indutor de políticas públicas e vou dar um

exemplo do que o Núcleo de Apoio à Mulher faz. (...)O Ministério Público criou, a

custo zero, exceto custo ordinário de pagar técnicos nessa área, que são nossos

servidores, um software, e demos o nome de Ravena. Esse software consegue

colher informações dos processos e de entrevistas com vítima e agressor para que nós possamos saber local, dia da semana, situação financeira de agressor e vítima,

quantidade de filhos, religião, tudo que você imagina sobre o agressor e a agredida

e se o curso do processo está resolvendo esse problema. (Promotor)

De acordo com seu relato, através do software, foi possível identificar o tempo

transcorrido entre o requerimento e o deferimento ou indeferimento da medida protetiva que

atualmente é de 30 dias. Resposta que está bem aquém da necessidade de proteção urgente

da mulher em situação de violência.

Lamentavelmente, quase trinta dias. E eu posso dizer que a juíza “x” já tentou

resolver o grande nó, que é a distribuição. A Delegacia geralmente cumpre o prazo

de horas previsto na Lei, mas esse procedimento tem que ir para a distribuição,

sofrer um processo burocrático para chegar às mãos da Juíza. Como a distribuição sequer é no mesmo prédio, chega atrasadíssimo à Juíza. (Promotor)

O Promotor afirma ainda que, com base em sua experiência, a idéia de agressões

múltiplas ou reiteradas é de alguma forma mitificada. Que são casos que existem, mas não

com tanta freqüência quanto se imagina, ainda mais depois que tais casos chegam ao Sistema

Judiciário.

A defensoria pública especializada na vítima pode atuar solicitando a medida

protetiva, complementando o pedido que vem da DEAM e ainda está presente em todas as

fases do processo. Além disso, a defensora afirma acompanhar o andamento da medida

protetiva depois de seu deferimento, quando provocada pela parte. Ao falar do

acompanhamento da medida teceu muitos elogios a Patrulha Maria da Penha e ao

Monitoramento Eletrônico.

Afirma que seu dever é dar os esclarecimentos necessários às mulheres em situação

de violência e, ao mencionar essa missão, traz a tona o fato de que dificilmente os céleres

prazos estipulados pela LMP são cumpridos na prática.

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A gente está aqui para dar o apoio a essa mulher, os esclarecimentos devidos na área jurídica. Quando há um descumprimento, a gente fica sabendo através dessa

mulher. Então, quando essa mulher vem e provoca a Defensoria afirmando que está

havendo um descumprimento eu peticiono informando ao Poder Judiciário que está

havendo descumprimento e vou pedir que tome a providência devida. As

providências devidas, aqui, no Estado, hoje, estamos com duas coisas maravilhosas

que é a Patrulha Maria da Penha e a tornozeleira eletrônica. (Defensora Pública)

De acordo com seu relato, não é tão comum a defensoria fazer a solicitação da

medida protetiva. Corroborando as falas dos outros atores, a defensora também afirmou que

a principal porta de entrada das medidas protetivas é a delegacia. Contudo, afirmou que em

muitos casos a defensoria atua no sentido de complementar esse requerimento de medidas

protetivas.

Hoje em dia, quantas medidas protetivas, em média, a Defensoria faz? Acho que

uns 50 (cinquenta) ou 60% (sessenta por cento). Mas a gente complementa entre 80

(oitenta) e 90% (noventa por cento) do que vem da Delegacia (...)Na Delegacia, é

solicitada a proibição de contato e de aproximação, mas não se leva em

consideração a questão dos filhos, da restrição e suspensão de visita, a questão do

porte de armas, se ele é policial ou, de alguma forma, tem autorização para

trabalhar com arma. E tem a saída do agressor do lar, porque lá eles não

especificam. (Defensora Pública)

Em sua avaliação da eficácia da medida protetiva, a defensora demonstrou uma fazer

uma reflexão crítica sobre o trabalho da rede de proteção à mulher e as burocracias

institucionais dos órgãos que a compõem. Avalia positivamente, reconhece a importância,

mas destaca que eficácia depende da capacidade de atender em tempo hábil a demanda

solicitada.

A eficácia é como te disse desde o começo, se a medida é dada em tempo, se

consegue chegar em um momento oportuno, ela é eficaz. A eficácia depende,

muitas vezes, se a mulher procura a Defensoria ou procura, de alguma forma,

algum órgão que faça parte da rede e diz o que está acontecendo. A gente pode chegar a tempo para corrigir o problema. Mas se não houver procura ou se o

próprio sistema demorar em dar a medida protetiva, digamos assim, tem esse

percurso da Delegacia para a Justiça, da Justiça para o Oficial de Justiça, vai na

casa da pessoa, então isso tudo é um tempo, poderia ser um processo mais rápido.

Mas, infelizmente, a gente tem essa burocracia. Isso faz com que o agressor saia do

local, se esconda. Ela é eficaz, sem dúvida nenhuma. Acho que a medida protetiva

foi o que veio de melhor, hoje em dia eu aposto muito na medida protetiva.

(Defensora Pública)

Assim como nos outros órgãos, não há na Defensoria Pública projetos voltados aos

agressores, tampouco às vítimas. Existem iniciativas pontuais, de esclarecimento sobre

cidadania em escolas que tocam no tema da violência e da violência de gênero.

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Ao ser questionada sobre o que poderia ser feito para interromper o ciclo de violência

contra a mulher, defendeu também a necessidade de políticas públicas educacionais, que

divulguem a LMP e, de certa forma, empoderem a mulher.

Começa pela educação. Não adianta, muitos casos são repetitivos. É como se ele estivesse espelhando o que ele viu dentro da família. Deveríamos fazer campanhas

divulgando, educando, educativos que divulguem a Lei Maria da Penha e

esclarecendo que haja uma mudança de comportamento. (Defensora Pública)

Entrevistamos o policial militar responsável pela coordenação da Patrulha Maria da

Penha. A Patrulha Maria da Penha é um projeto novo dentro da PM-PE e está em execução

há um ano. Contudo, os operadores que fazem parte da rede de proteção à mulher vítima de

violência, como vimos, depositam bastante esperança nesse projeto para a melhora do

acompanhamento das medidas protetivas.

A patrulha atuaria na fase pós-deferimento da medida, fazendo o acompanhamento e

a fiscalização de seu cumprimento. Para tanto, uma equipe de policiais faria visitas

sistemáticas à vítima e ao acusado durante a vigência da medida.

A Polícia Militar procura monitorar o cumprimento das medidas protetivas estabelecidas pela Lei, que são solicitadas pelas Delegacias Especializadas da

Polícia Civil e pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, procura agir em parceria

complementando a ação das Delegacias Especializadas e visando aumentar a

cultura de punibilidade e sanção aos agressores, para que haja uma maior eficácia

da Lei. (Coordenador da Patrulha Maria da Penha)

O entrevistado faz uma avaliação positiva das medidas protetivas, porque acredita

que a existência de uma punição eficaz é capaz de conter não só um crime específico, mas

também de dissuadir o cometimento de outros.

Certamente. Se não houvesse a sanção seria uma forma de incentivar a continuidade desse processo e ninguém quer que aconteça. Com certeza, com a

punição, com essas medidas, com a publicidade, com o pessoal que está sendo

preso, está sendo tolhida a liberdade, certamente é um fator preponderante para a

diminuição e erradicação desses casos, no futuro. (Coordenador da Patrulha Maria

da Penha)

O entrevistado acredita que a coordenação entre o reforço da rede de proteção à

mulher, melhorando o serviço prestado às vítimas de violência, e as políticas educacionais e

preventivas seria possível impedir que as mulheres entrem num ciclo de violência e sejam

agredidas múltiplas vezes.

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A gente trabalha em parceria com outros órgãos e vemos que está funcionando, está reduzindo. A gente sempre tem intenção e quer fazer melhor, mas a gente

espera que, em longo prazo, isso seja reeducado, para que esse processo no qual

essas minorias estão sendo violentadas seja extinto, é para isso que a gente

trabalha. (Coordenador da Patrulha Maria da Penha)

Durante a pesquisa, conversamos com o Gerente do Centro de Monitoramento

Eletrônico de Reeducandos (CEMER) para ouvir a sua opinião sobre o papel do CEMER

dentro da LMP e o seu impacto específico no âmbito das medidas protetivas.

O monitoramento eletrônico para os casos da Lei Maria da Penha é uma ação recente

do Governo do Estado de Pernambuco, que tem menos de um ano de vigência, e é

coordenada por duas secretarias de estado, a SERES (que cuida do agressor) e a Secretaria

da Mulher (que faz o acompanhamento da vítima). Como no caso da Patrulha Maria da

Penha, o monitoramento eletrônico aparece nas falas dos nossos informantes como um

mecanismo de aperfeiçoamento do controle das medidas protetivas.

Há aproximadamente 06 (seis) meses, nós estamos utilizando a Lei Maria da

Penha. Nos casos de Lei Maria da Penha, inicialmente, nós tivemos algumas

dificuldades em relação à expedição das sentenças. No caso, nas decisões nesse

sentido. A partir disso, em parceria com a Secretaria da Mulher, nós já fizemos

algumas reuniões com as Juízas e estamos tentando, dentro do possível, padronizar

os procedimentos. (Gerente do CEMER)

Para os casos da LMP, o monitoramento funciona da seguinte forma: primeiro, são

criados os limites, as áreas de exclusão para que a vítima esteja realmente protegida. Desse

modo, a equipe precisa ter o acesso aos dados da vítima, estabelecer os critérios, para então

informá-la das regras e treiná-la no uso do equipamento. Só depois do cumprimento dessa

etapa é que se poderia abordar o agressor. Mas na prática nem sempre tem acontecido dessa

forma, especialmente quando o monitoramento é condição para a liberdade de um réu preso,

que já está no final do prazo legal de sua prisão.

Nesse momento inicial, o monitoramento eletrônico só está sendo aplicado aos casos

mais graves com réu preso que está para sair da prisão. Quem decide sobre a necessidade do

monitoramento é o judiciário, mas a polícia também pode solicitar.

É um assunto importante que nós não estamos utilizando o monitoramento em qualquer caso. Estamos tentando priorizar os casos em que o agressor é contumaz,

reincidente, agressivo, aqueles casos em que o monitoramento eletrônico vem,

efetivamente, como uma medida de proteção. (Gerente do CEMER)

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Sendo uma ação bastante complexa, demanda um nível razoável de articulação entre

os órgãos envolvidos para que possa ser executada eficazmente. Atualmente, esse é o seu

maior desafio. O aprimoramento dessa política pública, de alguma forma, pode gerar, como

conseqüência não pretendida, uma maior articulação entre os entes que fazem parte da rede

de proteção à mulher vítima de violência no estado.

Segundo o gerente do CEMER, a principal dificuldade atualmente reside nessa

padronização dos procedimentos entre os órgãos, pois, em sua opinião, para que o

monitoramento funcione é preciso trabalhar com critérios e limites bem definidos. E tais

critérios precisam estar especificados nas decisões que prevêem o monitoramento do

agressor.

Se não colocarmos o monitoramento no preso, se ele não tiver nenhuma restrição ele acaba se envolvendo em novos crimes, ele acaba violando as regras. E esse não

é o nosso objetivo. Então, para a Lei Maria da Penha, nós definimos que ele teria

que ficar afastado das áreas de exclusão onde as mulheres identificarem os seus

locais de permanência. Então, são 2 km (dois quilômetros) de afastamento desses

locais e 500m (quinhentos metros) da vítima quando ela estiver em deslocamento.

Então, em relação à distância, ficou determinado que são 2 km (dois quilômetros)

de distância da casa, do local de trabalho, da escola e 500m (quinhentos metros) quando ela tiver se deslocando. Outra questão que nós estamos avançando é em

relação à resposta imediata. Em alguns Estados, quando o agressor se aproxima da

vítima e é comprovado o dolo, esses casos são informados ao Juiz para que ele

decida se o individuo permanecerá monitorado ou não. Aqui, em Pernambuco, a

gente está “fechando” com o Judiciário e já tem algumas Juízas que entendem

dessa forma: caso o preso viole as regras do monitoramento, que seja

imediatamente recolhido. (Gerente do CEMER)

O monitoramento dos agressores é realizado 24h por dia e por meio de protocolos

estabelecidos, que variam de envio de sinal de alerta até o recolhimento à prisão. Os

plantonistas observam as telas, em caso de descumprimento da medida, reportam ao

CEMER, que toma a decisão sobre qual protocolo executar.

3.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006

Na segunda fase da pesquisa, foram realizadas 14 entrevistas com mulheres vítimas

de violência que solicitaram medidas protetivas. Dessa amostra, 10 tiveram medidas

deferidas e 4 tiveram medidas indeferidas.

A maioria das mulheres tinha pouca escolaridade (algumas demonstraram um pouco

de dificuldade de se expressar, inclusive) e faziam parte do que se convencionou chamar de

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nova classe média. Em termos de faixa etária, a amostra foi bem variada (entrevistamos

mulheres de menos de 30 anos e mulheres com mais de 60 anos).

A maioria das mulheres entrevistadas não sabia da existência das medidas protetivas,

até procurarem a DEAM (principal porta de entrada no Sistema de Justiça Criminal), ou

algum outro órgão da rede de proteção à mulher vítima de violência. O Centro de Referência

Clarice Lispector foi bastante citado, como um lugar de conhecimento das medidas

protetivas e dos direitos, pois fizemos o recrutamento das entrevistas lá, o que não diminui

em nada o valor do trabalho realizado naquele espaço.

Eu tomei conhecimento porque o meu genro me bateu física e moralmente em

2009 e eu abri um processo contra ele. Quando cheguei na delegacia da mulher tem aquele número 180, a gente fica sabendo que a lei Maria da Penha abrange cinco

itens: pressão psicológica, sexo forçado, agressão física, moral e patrimonial. Então

eu abri o processo contra ele e vim para uma vara de violência doméstica, fui

ouvida, eles também foram ouvidos pela assistente social, mas o conflito que existe

entre nós, na verdade, é a casa. (Entrevistada III)

As mulheres tomam a decisão de ir à delegacia por motivos variados, às vezes é a

evolução da violência (quando a uma agressão física); às vezes alguém encoraja (um parente,

uma amiga) e outras vezes alguém encaminha para o Clarice Lispector e depois de serem

atendidas lá, elas decidem procurar a polícia. Não existe um padrão nesse sentido, depende

da trajetória pessoal de cada mulher.

Quando eu sofri a agressão. Era algo que eu já tinha cabeça, caso acontecesse alguma coisa eu não ia ficar calada. Quando aconteceu eu disse ao meu ex-marido

que ia à delegacia prestar queixa. Lá na delegacia me disseram que exista a medida

protetiva que era determinada pela justiça e que tinha um limite de distância que a

pessoa teria que ficar de mim. Perguntaram se eu queria essa medida e, por conta

da situação, eu disse que queria. Eu só achei um pouco demorado. (Entrevistada

VIII)

Na imensa maioria dos casos, é a primeira vez que a medida protetiva, um direito que

não sabiam que tinham, é solicitada.

A notificação da mulher do deferimento ou indeferimento da medida é feita pelo

oficial de justiça, mas nem sempre, especialmente nos casos de indeferimento, elas entendem

o teor das decisões. Quando isso acontece, recorrem à delegacia especializada, à defensoria

ou ao Clarice Lispector – que são os órgãos mais acessíveis por assim dizer - para receber

maiores esclarecimentos.

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Houve o caso de uma entrevistada que teve a medida indeferida, mas durante a

entrevista se comportou como se a decisão não tivesse sido tomada ainda, evidenciando a

sua dificuldade em compreender o procedimento.

O tempo entre o requerimento da medida e a sua apreciação é variável, mas não

acontece em menos de um mês.

Menos de dois meses, porque eu fui ao Juizado e disse: “meu Deus, quanto mais rápido resolver isso, melhor, porque eu não estou suportando mais”. A Dra. de lá

disse: “não se preocupe, do jeito que você está eu vou colocar o seu papel lá em

cima, o seu vai lá para cima”. Em menos de dois meses o colocaram para fora.

(Entrevistada VI)

Acho que um mês e meio atrás eu dei entrada. Que eu recebi faz mais ou menos

um mês. (Entrevistada IX)

A sensação de segurança não está diretamente relacionada à concessão da medida,

mas claro que quando o Sistema de Justiça funciona em tempo razoável, a sensação de

segurança da mulher aumenta. Às vezes, quando a notificação da concessão da medida

chega, a mulher sente-se amparada, mas se o agressor arruma meios para driblar e continuar

ameaçando, sem uma punição rápida, essa sensação de segurança se esvai. Os casos de

descumprimento são bastante comuns.

Afora isso, tem os casos – especialmente os de afastamento do lar – em que o

agressor fica rondando, portanto descumprindo a medida, mas a própria vítima, por conta

dos filhos, não quer denunciar, porque não quer que ele vá preso. Então, acaba optando por

viver com medo.

O que vai determinar a sensação de segurança da mulher, e sua percepção de que a

medida está funcionando, é o acompanhamento e a fiscalização do cumprimento da medida.

Nos casos em que ela tem que fazer essa fiscalização e a resposta demora a ser dada, de fato

a sensação de segurança é reduzida.

A despeito das críticas, nenhuma das mulheres invalida a existência do instrumento.

Acham ótimo que ele exista, só demandam mais eficácia, mais rapidez ou serem

contempladas por ele, quando acham que o seu direito foi negligenciado (nos casos de

indeferimento).

Eu me senti protegida, até porque não foi só um papel que foi entregue e deixaram para lá. A viatura da Lei Maria da Penha já foi na minha casa averiguar se ele

estava perseguindo, se ele estava incomodando. (Entrevistada IX)

Senti melhor do que se não fosse nada. Mandei dar o recado a ele: se ele se

aproximasse de mim ele ia ser preso. Podia ser até um vizinho, era só chamar a

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polícia que ele ia ser preso. Aí ele se afastou mais. Essa semana ele chegou lá no

portão, abriu, olhou não sei o que lá... eu sinto protegida, mas saio preocupada.

Para a academia mesmo eu vou com outra menina. Já teve dia que ele

acompanhou, veio atrás correndo e as meninas pequenininhas avisam: “tia, tia, já

vem ele ali”, com medo que ele pudesse fazer alguma coisa. Ele quer conversar,

mas não tem conversa, não. (Entrevistada VI)

Muito mal. Muito desprotegida, eu tenho muito medo dele” (Entrevistada III)

Com o monitoramento sim. Antes não. (...) Tenho, porque não é só monitoramento.

Quando ele recebeu monitoramento ele foi instruído para aquilo. Quando ele recebeu a medida protetiva ele recebeu um documento pelo oficial de justiça, mas

ninguém instruiu ele, acho que nem o advogado dele. Eu acho que ele deveria ser

chamado da mesma forma como no monitoramento, que chamaram e disseram os

riscos que ele estava correndo. Quando ele recebeu o documento da medida

protetiva eu acho que deveria ter esse cuidado também, dele ser chamado em uma

delegacia ou um local específico para dizer que aquela medida era válida e que se

ele não cumprisse ele seria preso. Eu acho que os homens deveriam ser chamados

na delegacia para eles terem um receio, porque só com um documento eles não têm

receio. (Entrevistada VIII)

A Patrulha Maria da Penha é um programa novo, mas algumas das entrevistadas

receberam a sua visita. De acordo com seus relatos, as visitas não são sistemáticas, mas

pontuais. Foram visitadas uma vez apenas, só no caso de monitoramento eletrônico que

houve mais de uma visita.

Durante a visita, os policiais perguntam às vítimas e aos seus familiares o que está

acontecendo, se o agressor está descumprindo a medida etc. Mas, em vários casos, eles

realizam a patrulha mesmo sem a vítima estar presente no domicílio.

Eu não estava lá, eu estava trabalhando, mas a minha mãe recebeu e eles

perguntaram exatamente isso: como estava o relacionamento, se ainda estava

havendo perseguição ou ligações. Minha mãe falou a verdade, que até agora ele

não tentou nada. (Entrevistada IX)

Recebi na casa da minha irmã. Eu não cheguei a falar, porque eu não estava no local, eu estava trabalhando. Então eu passei um tempo na casa da minha irmã, eles

foram duas vezes. (...) Na primeira não falaram com ela, disseram que queriam

falar comigo, ela disse que eu estava no trabalho e só disseram que era da Maria da

Penha. Na segunda, que eu acho que não foram os mesmos oficiais, disseram que

iam acompanhar, que iam passar todas as semanas, mas também não foram mais.

Eu acho que se eles foram a primeira vez era para ter continuado e se viram que eu

não estava mais lá, solicitar o endereço da minha residência. Eu estava lá por um

período para acalmar ele, para ele não ter acesso ao meu apartamento, essas coisas.

Quando eu conversei foi no Fórum, onde encaminharam para a patrulha, a juíza do

Fórum deu o endereço da minha irmã, porque eu estava lá. (Entrevistada VIII)

Para as mulheres que estão ou estiveram em situação de vulnerabilidade e de

violência as medidas devem ser mais rápidas e mais duras, para que o ciclo de violência seja

interrompido.

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O bom atendimento e a resposta célere ajudam a empoderar essas mulheres e as

encoraja a seguir em frente, a seguir provocando as agências quando for preciso, para

garantir os seus direitos. Nessas falas dificilmente aparece uma resposta preocupada com

políticas preventivas de longo prazo, o que elas demandam é a resolução rápida de seus

problemas.

O desafio para o formulador da política pública é encontrar mecanismos capazes de

reduzir o tempo e a burocracia institucionais, para de alguma forma equilibrar o tempo da

resposta, com o tempo urgente da demanda.

Em geral, eu acho importante a questão de ter corrido atrás de nossos direitos, que é atrás da medida protetiva e, se for preciso, continuar. Continuar dizendo o que

está acontecendo, porque no momento que foi pedida a medida protetiva e eu

aceito que ele me afronte e faça alguma coisa sem que eu comunique, então foi em

vão. Como eu posso evitar ser ameaçada por ele, já ligar, comunicar, assim é que

eu vejo uma forma de prevenir que tudo se repita. Hoje eu tenho a quem recorrer,

antes não. (Entrevistada IX)

Eu acho que aquela tornozeleira, para que ele tenha mais medo e não se aproxime

de mim. Porque ele disse para mim que um advogado disse para ele que isso aqui

era besteira, que isso não resolvia nada. Eu disse para a advogada e ela ficou braba.

Se tivesse esse negócio na perna dele ele teria mais medo e ia ver se resolve ou

não. (Entrevistada VI)

Ele vai retirar o monitoramento agora em setembro. Eu acho que deveria ter

sempre o acompanhamento da polícia em relação a isso, menos por um tempo, até

ver até que ponto ele se acalmou, se ele realmente se acalmou. Porque ele não liga,

porque sabe que aquilo não é algo sério. O que ele não achou serio com relação ao

documento da medida protetiva, ele está achando sério agora, porque ele está

vendo que realmente acontece monitoramento eletrônico, porque eu não sabia que

existia. (Entrevistada VIII)

Em geral, a avaliação que as mulheres fazem da rede é bastante positiva. Mesmo as

que tiveram medidas indeferidas acabam tendo uma boa impressão, por conta da acolhida

que receberam no Centro Clarice Lispector. Contudo, existem queixas especialmente do

atendimento recebido em órgãos não especializados no enfrentamento da violência de

gênero.

Até agora eu recebi resposta imediata até onde eu fui e fui bem recebida. Até agora

não tenho o que reclamar. (Entrevistada IX)

Para falar a verdade, o único lugar onde eu realmente tive assistência humana foi

aqui, no Clarice Lispector, porque ali na vara eu não obtive nenhum resultado, porque a medida foi indeferida. Fui na GPCA para falar sobre a minha neta e a

delegada foi super grosseira comigo. Eu nem sabia que existia essa patrulha Maria

da Penha. (Entrevistada III)

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É um grupo bom. Aqui no Clarice Lispector mesmo é todo mundo muito

preparado. Eu só acho que deveria ser tudo muito mais rápido. (...) Eu estou

protegida agora, mas será que lá na frente ele vai se acalmar ou será que vai irritar

mais ele, por conta de todos os boletins de ocorrência, monitoramento? Então

independente da medida protetiva, depois tem que ter um acompanhamento, pelo

menos por um período, porque ninguém sabe a reação da pessoa. E o

acompanhamento psicológico, que eu comecei hoje. (Entrevistada VIII)

Da rede em si eu não posso dizer porque não consegui chegar até ela. Eu consegui

chegar até o Clarice Lispector, onde tive um bom atendimento, a advogada me

atendeu muito bem, ela informou e deixou muito claro os meus direitos e eu espero poder conhecer todos os meus direitos. (Entrevistada IV).

3.3 Considerações sobre o caso de Recife

Diante de todo o acima exposto, tanto a partir das entrevistas com os operadores

quanto com as mulheres que demandaram o encaminhamento de seu caso pelo sistema de

segurança pública e justiça criminal, parecem ser inegáveis os avanços que a previsão das

medidas protetivas de urgência trouxeram ao enfrentamento da violência doméstica e

familiar contra a mulher. Ao mesmo tempo, fica clara também a necessidade de ajustes,

considerando-se que os maiores gargalos a serem superados são a necessidade de uma

articulação efetiva entre os membros da rede de proteção à mulher e uma maior celeridade

no tempo entre o requerimento da medida protetiva e sua apreciação pelo Poder Judiciário.

Considera-se como um indicador positivo o fato de que, a despeito das críticas, a

maioria das mulheres entrevistadas recomendaria a utilização dos serviços a conhecidas que

estejam passando por um problema semelhante. Nenhuma das mulheres invalida a existência

do instrumento, mas questionam sua eficácia, reclamam maior rapidez, ou se sentem

injustiçadas por não terem tido sua demanda de proteção atendida. Quanto à celeridade,

apesar da previsão legal, na prática esbarra no funcionamento e no tempo da burocracia de

todos os órgãos envolvidos. O tempo entre o requerimento da medida e a sua apreciação é

variável, mas não acontece em menos de um mês.

Uma questão importante para a implementação de mecanismos eficazes para a

proteção das mulheres vítimas de violência, é o reconhecimento de que boa parte das que

procuram o atendimento na delegacia de polícia tem baixa escolaridade, e muitas vezes estão

em situação de vulnerabilidade social de alta complexidade. A maioria delas não tem

informações e conhecimento preciso sobre os mecanismos de proteção e sobre as etapas do

processo, e sem que haja um trabalho de esclarecimento sobre os seus direitos e o

funcionamento dos mecanismos judiciais de proteção, não têm condições de exercer com

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clareza seus direitos de cidadania frente ao sistema de segurança pública e justiça criminal,

passando de um papel ativo a um papel passivo, de tutela de seus direitos pelas autoridades

policiais e judiciais.

Quanto à articulação entre as instituições, boa parte do problema se deve ao fato de

que não há comunicação entre as bases de dados com que trabalham. Anteriormente, as

delegacias possuíam acesso à base de dados do Judiciário e podiam acessar a informação

sobre o deferimento ou não das medidas protetivas. Mas esse acesso direto foi interrompido,

porque o Judiciário restringiu as informações disponíveis relativas a esses processos, já que o

mesmo corre em segredo de justiça. Em paralelo a isso, não foi feita uma senha especial que

permitisse à DEAM acompanhar os casos, nem foi pensada outra forma de facilitar o acesso

a tal informação. Tal fato é um indicador da frouxa articulação entre os órgãos da rede de

proteção à mulher no estado de Pernambuco. Segundo as delegadas entrevistadas, a busca

por um protocolo para o acompanhamento da medida estaria atualmente em discussão no

âmbito da Câmara Técnica do PPV.

O promotor entrevistado chamou a atenção para o fato de que existem seis Varas de

Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado, mas só um cargo de

promotor criado, que é o dele, o que significa que ele tem dedicação exclusiva e o os outros

acumulam essa função com o trabalho em outras varas. Essa questão também foi

mencionada pela juíza presente na reunião da Câmara Técnica para amenizar as críticas que

estavam sendo feitas às suas colegas, reconhecendo que também para elas há um acúmulo de

atribuições em outras varas judiciais. O mesmo ocorre com relação à Defensoria Pública,

fazendo com que uma série de consequências negativas ocorra, como a demora do processo

e das decisões sobre medidas protetivas, a falta de acompanhamento pelo Ministério Público

e o não exercício do direito de defesa, pela ausência da Defensoria.

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4. Porto Alegre

Para a elaboração da presente pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas

com os gestores responsáveis pelas políticas de atendimento às vítimas e enfrentamento à

violência doméstica e familiar contra a mulher praticadas pelos órgãos vinculados à

Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio Grande do Sul e com operadores do

sistema de justiça que atuam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a

Mulher no Foro Central de Porto Alegre, bem como a análise de documentos produzidos

durante o processo de criação e implementação da política. Além disso, foram entrevistadas

mulheres que receberam atendimento de algum órgão que faz parte da rede de atenção, apoio

e proteção, os quais fazem parte tanto da Secretaria de Segurança Pública do Estado, quanto

do Poder Judiciário.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com representantes das instituições

apresentadas na Tabela 7.

Tabela 7. Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal

entrevistados em Porto Alegre - RS

Instituição Entrevistado Data

Ministério Público do RS Responsável pela Promotoria de

Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher

20/05/2014

Poder Judiciário Juiza Titular do Iº JVDFCM 11/06/2014

Poder Judiciário Juiza Titular do IIº JVDFCM 14/07/2014

Defensoria Pública do RS Defensora responsável pela defesa

dos acusados

14/07/2014

Defensoria Pública do RS Defensora responsável pela defesa

das autoras

23/06/2014

Brigada Militar Representante da Coordenação

Estadual Patrulha Maria da Penha da

Brigada Militar

22/07/2014

Secretaria de Segurança

Pública do Estado do RS

Coordenadora das Políticas para as

Mulheres da Secretaria de Segurança

Pública

14/07/2014

Polícia Civil Coordenadora das Delegacias

Especializadas para o Atendimento

de Mulheres do Rio Grande do Sul e

Delegada Titular da DEAM de Porto

Alegre

11/07/2014

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Foram também realizadas 14 entrevistas com mulheres vítimas de violência

doméstica, as quais foram atendidas pelas medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Do

universo de vítimas entrevistadas, sete foram atendidas pela Patrulha Maria da Penha, sendo

as demais não acompanhadas pelo programa. As mulheres entrevistadas que receberam

atendimento pelos profissionais que atuam na Patrulha Maria da Penha foram entrevistadas

através das visitas realizadas pelo próprio projeto, sempre em um momento imediatamente

posterior ao atendimento realizado pela equipe militar, ocorrendo estas entrevistas em suas

casas ou local de trabalho. As mulheres não atendidas pelo projeto foram entrevistadas no I

Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no Foro Central de Porto

Alegre, sempre após as audiências sobre o deferimento ou não das medidas protetivas por

elas anteriormente solicitadas.

Tabela 8 – Entrevistas realizadas com mulheres que solicitaram medida protetiva de

urgência na cidade de Porto Alegre - RS

Local da

entrevista

Atendimento

pela Patrulha

Maria da

Penha

Situação da(s)

medida(s) protetiva(s)

de urgência

solicitada(s)

Entrevistada I Local de

trabalho

Sim Mantida

Entrevistada II Residência Sim Mantida

Entrevistada III Local de

trabalho

Sim Mantida

Entrevistada IV Residência Sim Mantida

Entrevistada V Residência Sim Desistência

Entrevistada VI Residência Sim Mantida

Entrevistada VII Residência Sim Desistência

Entrevistada VIII Foro Central Não Mantida

Entrevistada IX Foro Central Não Mantida

Entrevistada X Foro Central Não Desistência

Entrevistada XI Foro Central Não Substituída por acordo de

respeito

Entrevistada XII Foro Central Não Desistência

Entrevistada XIII Foro Central Não Desistência (com

resolução de guarda e

alimentos em audiência)

Entrevistada XIV Foro Central Não Desistência

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O objetivo principal das entrevistas realizadas com os gestores foi o de apreender

dados acerca do processo de criação, implementação e funcionamento da rede de

atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, no âmbito da Secretaria

de Segurança Pública, bem como sobre os principais problemas e desafios enfrentados pelos

atores que desempenham suas atividades profissionais nos programas que constituem a rede.

Além disso, buscou-se compreender como se dá a articulação entre os programas Patrulha

Maria da Penha, Sala Lilás e Delegacia Especializada para o Atendimento de Mulheres,

considerando-se os arranjos institucionais criados para possibilitar o funcionamento da rede,

bem como suas possíveis limitações.

No que se refere às entrevistas realizadas com os operadores do sistema de justiça

(sejam estes magistrados(as), promotores(as) e defensores(as), as mesmas estiveram voltadas

para o objetivo de compreender as dinâmicas realizadas nos juizados destinados a

administrar conflitos abarcados pela Lei 11.340/06, assim como verificar possíveis

dificuldades e apontamentos acerca da existência de acertos, no que se refere à

administração dos conflitos.

Finalmente, as entrevistas realizadas com mulheres vítimas de violência doméstica

e/ou familiar que buscaram o auxílio do poder público para a resolução dos conflitos com os

quais estão envolvidas, teve como objetivo observar suas percepções acerca do atendimento

oferecido às mesmas, bem como sobre a avaliação dos serviços a elas prestados.

Além das entrevistas, foi realizado o acompanhamento das atividades de visitação da

Patrulha Maria da Penha do 9º Batalhão de Polícia Militar. Foram observadas mais de vinte

ações, estando tal observação voltada para a coleta de informações sobre a forma como

ocorrem os atendimentos, manejos e classificações dos casos em que os acompanhamentos

deveriam ter a visitação mantida e encerrada. Concomitantemente, foram observadas as

considerações dos agentes sobre distintos casos de violência doméstica e sobre os discursos e

posturas das vítimas, além das situações enfrentadas pelos profissionais dentro da própria

instituição militar, como recentes remanejos, trocas de comando e orientações acerca da

prioridade e da atuação do projeto.

No Foro Central de Porto Alegre, foram acompanhadas cerca de 30 audiências no I

Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, voltadas para o deferimento ou

não das medidas protetivas solicitadas pelas vítimas, quando do registro das ocorrências

policiais. Buscou-se, durante a observação de tais audiências, verificar discursos produzidos

acerca dos procedimentos de medidas e das violências pelas vítimas e agressores.

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A primeira DEAM do Rio Grande do Sul foi criada no ano de 1988, na cidade de

Porto Alegre. As prerrogativas de atuação da unidade estiveram, desde sua implementação,

ligadas ao atendimento especializado a mulheres vítimas de violência, no que se refere ao

registro policial e investigação dos casos.

A partir da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, a demanda por atendimento na

unidade cresceu exponencialmente, passando a serem registrados anualmente, em média, 19

mil casos de violência doméstica e familiar contra a mulher na DEAM de Porto Alegre,

aumentando o volume de registros policiais anuais na delegacia em mais 100%. Tal

acréscimo pode ser explicado pelas crescentes campanhas informativas criadas a partir da

Lei Maria da Penha, voltadas para propiciar o conhecimento da mesma pela população

brasileira, no sentido de dar visibilidade ao problema da violência contra a mulher e informar

as vítimas sobre seus direitos de atendimento e proteção (Pasinato, 2010).

O substancial aumento da demanda por atendimento na DEAM de Porto Alegre não

foi acompanhado do aumento do número de profissionais para a realização das tarefas de

atendimento, administrativas ou de investigação. Neste sentido, é possível afirmar que as

atividades profissionais desenvolvidas pela unidade passaram a ser afetadas pela falta de

recursos humanos disponíveis, gerando, como uma das suas consequências, tanto a

insatisfação das vítimas que buscavam atendimento na unidade (tanto pela demora no

atendimento, quanto pela impossibilidade de satisfazer suas necessidades de escuta), quanto

o descrédito das mesmas em relação à proteção, que deveria ser garantida após o registro

policial dos casos.

Ainda que a Lei Maria da Penha tenha trazido em seu conteúdo legal inovações

voltadas para o atendimento, proteção e administração dos casos de violência doméstica e

familiar contra a mulher, pode-se dizer que as mesmas possuem amplos entraves para que

possam ser colocadas em prática. Na maioria dos estados brasileiros, a entrada em vigor da

Lei não foi acompanhada pela qualificação efetiva dos profissionais que desenvolvem suas

atividades nas unidades da polícia civil e não houve a criação de uma efetiva rede de

serviços e proteção para as vítimas, impossibilitando, assim, a garantia dos direitos

conferidos às vítimas pela legislação.

A entrada em vigor da Lei Maria da Penha não foi acompanhada pelo investimento

em políticas públicas de segurança de atenção e proteção às mulheres vítimas pelo então

governo do Rio Grande do Sul. O pouco investimento realizado na área pela gestão anterior

(2007-2011) esteve voltado para o reaparelhamento da Brigada Militar e o pagamento de

vencimentos atrasados de servidores inativos. Além disso, o então governo foi marcado pela

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falta de continuidade na gestão da Secretaria de Segurança Pública, a qual, durante o período

de quatro anos, foi chefiada por quatro diferentes secretários.

A ideia da criação de uma nova política de enfrentamento à violência doméstica e

familiar implementada pelos órgãos de segurança pública do governo do Rio Grande do Sul

foi impulsionada a partir do I Seminário Internacional Mulheres e a Segurança Pública,

realizado em março de 2012, fruto de uma parceria entre a Secretaria de Segurança Pública e

a Secretaria de Políticas para as Mulheres e teve como objetivo proporcionar um debate entre

as profissionais que atuavam nas instituições da área da segurança pública, voltado para uma

discussão acerca das políticas e práticas institucionais direcionadas para proteção e

atendimento de mulheres vítimas de violência.

Interessada na criação de novas práticas de proteção e atenção às mulheres vítimas de

violência e redução nos índices de homicídios praticados contra mulheres, a Secretaria de

Segurança Pública do Rio Grande do Sul reuniu profissionais da Polícia Civil, Brigada

Militar e Instituto Geral de Perícias, no sentido de incentivar essas instituições a

implementarem novos programas de enfrentamento à violência contra a mulher. Centrada na

construção de projetos e ações que buscassem conscientizar as mulheres servidoras dos

órgãos de segurança pública da importância do seu papel no processo de transformação

necessário para tornar as polícias instituições cidadãs, a ideia da criação de uma rede para o

atendimento das vítimas esteve voltada para a humanização dos procedimentos e proteção

efetiva das mesmas pelas instituições policiais.

O alinhamento do governo do Rio Grande do Sul com o governo federal, através da

adesão do Estado ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, já

havia propiciado, no ano de 2011, a criação de uma Secretaria Estadual de Políticas para as

Mulheres, voltada para a implementação de ações que busquem promover e garantir os

direitos das mulheres. A criação de uma rede que garantisse o atendimento humanizado e

qualificado às mulheres vítimas de violência e a proteção contra o acirramento das violências

sofridas, além de estar voltada para objetivos incentivados pelo governo federal, passava a

tomar o lugar do vácuo deixado pela inexistência de programas e/ou políticas que dessem

efetividade a Lei Maria da Penha e colocassem em prática os direitos por ela garantidos às

vítimas.

O planejamento para a criação dos programas de atendimento e proteção formadores

da rede ocorreu a partir de estudos estatísticos produzidos pela Divisão de Estatística

Criminal da Secretaria de Segurança Pública. Os dados sobre homicídios contra mulheres

ocorridos durante os cinco primeiros anos da entrada em vigor da Lei Maria da Penha,

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acompanhados das taxas aferidas mensalmente de outros crimes, foram preponderantes para

que uma política de atenção e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar

fosse estruturada.

A análise das estatísticas criminais sobre os homicídios contra mulheres, ocorridos

no âmbito doméstico e familiar, caracterizou os mesmos como crimes anunciados, uma vez

que, em mais de 80% dos casos investigados, a vítima já havia realizado o registro policial

de violências praticadas pelo agressor e, grande parte das vítimas destes homicídios

anunciados possuía medidas protetivas deferidas pelo judiciário. Outro importante dado que

passou a ser conhecido a partir da análise das estatísticas criminais demonstrou que a maioria

dos homicídios contra mulheres ocorre em um período de três meses após a data da última

ocorrência policial registrada pela vítima.

Os dados obtidos através da análise das estatísticas criminais apontaram a

fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência como uma possível forma

de prevenção ao acirramento das violências sofridas pelas vítimas, bem como aos

homicídios. Neste sentido, o foco central da política de prevenção parecia estar voltado para

a elaboração de um programa que fosse capaz de acompanhar as vítimas desde o registro

policial dos casos, protegendo-as de um possível acirramento da violência, através da

verificação do cumprimento das medidas protetivas de urgência solicitadas ao judiciário.

Uma rede de atendimento para o enfrentamento à violência doméstica e familiar foi

implementada em outubro de 2012, estando centralizada na Secretaria de Segurança Pública

do Rio Grande do Sul e em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Sua

formação e articulação se deu a partir de ações realizadas pela Brigada Militar, através do

programa Patrulha Maria da Penha, pela Polícia Civil, através do atendimento às mulheres

vítimas nas DEAMs, e pelo Instituto Geral de Perícias, através do programa Sala Lilás. A

atuação das instituições que formam a rede esteve voltada para a fiscalização das medidas

protetivas de urgência solicitadas ao judiciário e para o atendimento humanizado e

qualificado às vítimas de violência. Além das três instituições vinculadas à Secretaria de

Segurança Pública acima citadas, as atividades desenvolvidas na rede de atendimento e

proteção são auxiliadas pelos dados produzidos pelo Observatório da Violência Contra a

Mulher, criado junto ao Departamento de Estatísticas Criminais, e pelo Departamento de

Ensino e Treinamento, ambos órgãos da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do

Sul.

As atribuições institucionais dos órgãos que fazem parte da rede são distribuídas da

seguinte forma:

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1. A Polícia Civil faz o registro das ocorrências policiais e encaminha ao judiciário as

solicitações de medidas protetivas de urgência feitas pelas vítimas. No decorrer deste

processo, são identificados os casos marcados por maior gravidade, os quais são

informados à Brigada Militar, no sentido de que o cumprimento das medidas

protetivas solicitadas seja fiscalizado;

2. A Brigada Militar, através da Patrulha Maria da Penha, realiza visitas às residências

das vítimas para verificar o cumprimento das medidas protetivas de urgência

solicitadas, esclarecer dúvidas e fornecer informações e realizar encaminhamentos

para unidades da área da assistência social, conforme as necessidades apresentadas

pelas vítimas. Em alguns casos, a Patrulha Maria da Penha também realiza visitas aos

agressores para que os mesmos sejam informados sobre o cumprimento das medidas

protetivas solicitadas pelas vítimas, bem como sobre as consequências de seu não

cumprimento;

3. O Instituto Geral de Perícias faz o acolhimento das mulheres vítimas de violência

doméstica na Sala Lilás, criada para oferecer às mesmas um atendimento qualificado

e humanizado. Na Sala Lilás são realizados atendimentos psicossociais, exames

periciais, físicos e psíquicos e a confecção de retratos falados digitais, conforme o

caso;

4. O Departamento de Ensino e Treinamento da Secretaria de Segurança Pública

organiza e ministra cursos de formação e capacitação para os servidores que irão

atuar nos programas da rede de atendimento e proteção, de modo a prepará-los para o

exercício das funções;

5. O Observatório da Violência Contra a Mulher recebe e trata os dados gerados pelas

instituições de segurança pública que compõem a rede, no sentido de promover

análises que permitam a avaliação e o monitoramento dos resultados obtidos através

da atuação da rede.

4.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal

A verificação da necessidade do acompanhamento/fiscalização do cumprimento das

medidas protetivas de urgência solicitadas pelas vítimas de violência doméstica e familiar no

momento do registro das ocorrências policiais nas unidades da Polícia Civil para a prevenção

do acirramento das violências sofridas serviu como ponto de partida para a criação de um

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programa de proteção através do policiamento ostensivo, atividade de atribuição da Brigada

Militar. Até a criação do programa, a instituição não contava com qualquer serviço voltado

para o atendimento específico dos casos abarcados pela Lei Maria da Penha e a inexistência

de dados organizados sobre os atendimentos prestados pela instituição a estes casos, somada

a não utilização de um procedimento/protocolo qualificado de atendimento configurava-se

num entrave para a realização de um trabalho qualificado e capaz de prevenir novos casos

por parte da Brigada Militar.

Até a criação da Patrulha Maria da Penha, o contato dos policiais militares com as

mulheres vítimas de violência, bem como com agressores, ocorria apenas quando a atuação

da corporação era demandada através de sua central telefônica para atendimento de casos de

emergência (190). O procedimento padrão utilizado para estes atendimentos era o de dirigir-

se ao local do fato e encaminhar os envolvidos a uma delegacia de Polícia Civil, onde deve

ser realizado o registro formal da ocorrência policial. Neste sentido, a Brigada Militar não

desempenhava qualquer atividade de prevenção e, é possível dizer que, sua atuação nestes

casos estava ligada apenas à condução de vítimas e agressores às unidades da Polícia Civil.

No que se refere à articulação com o trabalho desenvolvido pela Polícia Civil, a

mesma era inexistente, não havendo qualquer compartilhamento de informações sobre os

casos encaminhados até as delegacias de polícia, bem como em relação a novos registros de

ocorrências realizados por vítimas encaminhadas conduzidas pela Brigada Militar. Além

disso, quando realizavam os atendimentos de emergência demandados através da central

190, os policiais militares não possuíam qualquer informação acerca da situação das vítimas

e agressores e a existência de um possível histórico de conflitos violentos entre as partes

ficava restrita aos servidores da Polícia Civil, uma vez que a mesma não era compartilhada

com os profissionais da Brigada Militar, impossibilitando, mais uma vez, a existência de um

atendimento direcionado e qualificado por parte da mesma.

A elaboração do projeto da Patrulha Maria da Penha sofreu a influência de um

programa, que já vinha sendo desenvolvido em uma cidade do interior do estado, chamado

Família em Paz, coordenado pela, então comandante do 40 batalhão da Brigada Militar,

Tenente-Coronel Nádia Gerhard. O programa Família em Paz tinha como foco principal a

promoção da proteção de mulheres em situação de violência e sua atuação se dava a partir da

reunião entre instituições das áreas da saúde e assistência social, Ministério Público e

Brigada Militar.

A Patrulha Maria da Penha foi criada com o intuito de aperfeiçoar o atendimento às

vítimas a partir de uma maior articulação com outros órgãos de segurança pública e

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assistência social. Lançada em 20 de outubro de 2012, a Patrulha passou a acompanhar o

cumprimento de medidas protetivas de urgência encaminhadas ao Juizado de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher da cidade de Porto Alegre por mulheres residentes nos

locais onde estão implementados os quatro Territórios de Paz na cidade10

.

A utilização de viaturas identificadas com o logotipo do programa Patrulha Maria da

Penha é justificada pelo caráter coercitivo-preventivo das visitas realizadas às vítimas pelos

profissionais. Neste sentido, a identificação das visitas realizadas pela comunidade auxiliaria

a prevenção de novos casos de violência.

As equipes que atuam no programa são formadas por profissionais dos sexos

feminino e masculino, todos capacitados/treinados para o desenvolvimento de atividades no

programa, através de um curso oferecido pelo Departamento de Ensino e Treinamento da

Secretaria de Segurança Pública. As edições do curso possuem duração de uma semana, com

aulas ministradas nos três turnos (manhã, tarde e noite) e é oferecido para servidores de todas

as instituições vinculadas a rede de atendimento e proteção. Assim, no sentido de promover a

integração entre os profissionais, as aulas são frequentadas por policiais militares, policiais

civis, servidores do Instituto Geral de Perícias e de instituições vinculadas à área de

assistência social e administração.

A matriz curricular do curso de capacitação conta com disciplinas voltadas para a

sensibilização dos profissionais para as especificidades que caracterizam os casos de

violência doméstica e familiar, para o conhecimento da Lei Maria da Penha (no que se refere

aos seus dispositivos legais, conteúdo jurisprudencial e aplicação), atribuições e

funcionamento de cada serviço oferecido para as vítimas e agressores nas instituições de

segurança pública, assistência social e saúde, metodologia de abordagem, entre outras. As

disciplinas são ministradas por profissionais e gestores das instituições que participam das

aulas e por técnicos e acadêmicos da área do direito, psicologia e assistência social.

A atuação da Patrulha se dá a partir da parceria instituida com a DEAM11

. A partir de

relatórios diários elaborados pela Polícia Civil, a Brigada Militar passou a tomar

conhecimento de todos os pedidos de medidas protetivas de urgência realizados pelas

vítimas no momento do registro das ocorrências policiais, passando, então, a acompanhar os

10Os Territórios de Paz da cidade de Porto Alegre, criados a partir do PRONASCI, com o intuito de implementar políticas públicas de prevenção e redução às violências, estão localizados nos bairros Restinga,

Lomba do Pinheiro, Rubem Berta e Santa Tereza. 11Até o momento da elaboração deste relatório de pesquisa, a articulação entre DEAM e Patrulha Maria da

Penha ocorria de modo informal, não existindo qualquer regulamentação oficialmente sancionada que

orientasse as instituições.

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casos identificados pela Polícia Civil como mais graves, observando o cumprimento das

medidas por agressores e vítimas, antes mesmo de que sejam expedidas pelo judiciário. No

sentido de prevenir o acirramento das violências sofridas, os profissionais que atuam na

Patrulha cumprem um roteiro, elaborado a partir do relatório entregue pela DEAM, o qual

orienta a criação de um cronograma diário de visitas a serem realizadas pelas viaturas da

Patrulha.

A gente vai, se apresenta, diz o que a gente está fazendo, explica que na verdade a

gente faz esse acompanhamento da mulher que pede medida protetiva e faz a

ocorrência, entra na casa, senta e conversa com ela, pergunta se ela foi no foro

buscar a medida protetiva, porque algumas, não sei se por não saber, não ter muito interesse ou não ser muito bem orientada, não sabem que tem que ir no foro buscar

o deferimento, que tem que andar com o papel na bolsa, que é bom sempre estar

com o papel, para o caso do companheiro se aproximar. Então a gente dá essa

orientação, orienta de que existe o centro de referência de atendimento à mulher,

que lá tem assessoria pública especializada nesses casos, que a maioria não tem

condições de arcar com advogado, que lá tem atendimento psicológico. Às vezes,

nós mesmos ligamos para o centro e encaminhamos, dependendo do caso. (Soldado da Brigada Militar)

Além de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência por parte dos

agressores e das vítimas, a Patrulha Maria da Penha também realiza encaminhamentos para

instituições de assistência social que fazem parte da rede de atenção e proteção às mulheres

vítimas de violência, oferece informações sobre direitos, deveres e procedimentos que

devem ser seguidos pelas vítimas. A realização de tais encaminhamentos busca suprir

necessidades materiais das vítimas, muitas delas economicamente dependentes dos

agressores, além de possibilitar o acesso à serviços de atendimento na área da saúde e

assistência jurídica.

A opção da Patrulha de acompanhar os casos mesmo em um momento anterior ao

deferimento dos pedidos de medida protetiva de urgência é justificada pela demora para que

o parecer do judiciário seja expedido, o qual costuma ser elaborado em um período que vai

de 48 a 72 horas. A real possibilidade de acirramento da violência após o registro policial do

caso, aumenta a vulnerabilidade das vítimas e, o acompanhamento dos casos pela Patrulha

logo após os boletins de ocorrência serem lavrados e os pedidos de medida protetiva de

urgência serem encaminhados, configura-se em uma prática de prevenção.

Após a realização de cada visita às residências das vítimas, os policiais militares da

Patrulha Maria da Penha elaboram relatórios, voltados para a identificação dos casos de

violência mais graves. Os relatórios são, posteriormente, remetidos à Polícia Civil, para que

os mesmos sejam anexados aos documentos do processo de investigação (inquérito policial).

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Cada um dos inquéritos policiais referentes aos casos atendidos pela Patrulha Maria da

Penha recebem uma identificação, no sentido de serem acompanhados com maior atenção.

Nos casos em que o acompanhamento através das visitas não é suficiente para que

seja mantido o afastamento do agressor, e a Patrulha é comunicada pela vítima, são

elaborados, como estratégia final de prevenção, pedidos encaminhados para o Poder

Judiciário para a prisão preventiva do agressor. Os profissionais da Patrulha Maria da Penha

dão prosseguimento ao trabalho de acompanhamento às vítimas até que a ameaça de novas

violências seja cessada.

A inexistência de um canal formal do Poder Judiciário, que prestasse informações

sobre o deferimento dos pedidos de medida protetiva de urgência, configurou-se, até meados

do mês de outubro de 2013, num entrave para o acompanhamento dos casos de violência

pela Patrulha Maria da Penha. Até o período mencionado, tais deferimentos eram informados

somente às vítimas requerentes quando compareciam aos fóruns, dificultando o

conhecimento do encaminhamento dado pelo Poder Judiciário aos casos, tanto para vítimas,

quanto para os profissionais das polícias militar e civil.

A partir de um esforço da rede de atenção e proteção da segurança pública, o

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul passou a oferecer dados sobre os deferimentos das

medidas protetivas de urgência em seu endereço digital12

, possibilitando que a consulta seja

realizada a partir do nome completo das vítimas solicitantes. O serviço, que ainda necessita

ser aperfeiçoado13

, facilita o acesso dos dados tanto pelas instituições de segurança pública,

quanto pelas vítimas, as quais, muitas vezes, carecem de recursos materiais para

locomoverem-se até os espaços físicos do Poder Judiciário.

O crescente número de casos atendidos pela Patrulha Maria da Penha criou a

necessidade de criação de um programa de banco de dados que possibilitasse a organização

das informações coletadas. A partir de agosto de 2013, a Brigada Militar passou a contar

com um software disponível na rede digital interna da corporação, no qual são diariamente

inseridos os dados informados em relatórios produzidos ao final de cada visita realizada

pelos profissionais.

O balanço realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul,

passado um ano do início das atividades desempenhadas pelo programa Patrulha Maria da

12

Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site. Acesso em dezembro de 2013. 13 Os dados ainda não podem ser acessados através dos dados pessoais dos agressores, o que facilitaria o

trabalho das instituições de segurança pública, no sentido de que poderiam ser acessadas informações sobre o

histórico de medidas protetivas de urgência solicitadas por outras vítimas. Este histórico poderia informar sobre

a periculosidade dos agressores.

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Penha apontam que 1.971 mulheres vítimas de violência doméstica e familiar foram

atendidas nas cidades de Porto Alegre, Canoas, Esteio e Charqueadas. De todos os casos

atendidos, 537 deles passaram a ser acompanhados de maneira mais intensiva pelos

profissionais da polícia militar, no sentido de prevenir novas violências. Além dos dados

sobre a quantidade de atendimentos realizados, foram registrados dados sobre os casos em

que vítimas e agressores reestabeleceram suas relações, num total de 216 casos. O

desrespeito ao cumprimento das medidas protetivas de urgência por parte dos agressores foi

responsável pela realização de 109 prisões preventivas.

O trabalho de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência

realizado pela Patrulha Maria da Penha alcançou, em seu primeiro ano de atividades, o

principal objetivo proposto em seu projeto de criação, não tendo ocorrido nenhum caso de

homicídio entre as vítimas acompanhadas pelo programa. A eficácia das atividades

desenvolvidas pelos policiais militares, no que se refere ao seu caráter preventivo, também

pode ser observada através da inexistência do registro de novas ocorrências policiais por

parte das vítimas atendidas pela Patrulha.

Para a implementação do programa Patrulha Maria da Penha, o governo federal

repassou à Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul um valor total de 3,5

milhões de reais, através da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Até o final de

2014, o programa será implementado em mais 21 cidades do Estado14

.

Em Porto Alegre, apenas entre os meses de janeiro e agosto de 2014, foram

registrados 4.206 pedidos de medidas protetivas, conforme os dados obtidos através do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Em meados do mês de outubro, o número de

medidas ativas somadas era de 4.514.

A cobertura total das regiões da cidade de Porto Alegre para o atendimento da

Patrulha Maria da Penha deu-se em setembro de 2013. Durante a realização da presente

pesquisa, existiam na cidade seis equipes e viaturas voltadas para as atividades

desenvolvidas pelo programa, podendo ser apontado como insuficiente a quantidade das

14 Santa Cruz do Sul, Caxias do Sul, Passo Fundo, Vacaria, Santo Ângelo, Lajeado, Bento Gonçalves, Rio

Grande, Pelotas, Bagé, Novo Hamburgo, Gravataí, Erechim, Santa Rosa, Cruz Alta, Ijuí, Santa Maria, Viamão,

Alvorada, São Leopoldo, Uruguaina e Santana do Livramento.

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últimas. No final do mês de outubro, mais duas unidades foram inauguradas na cidade, no 1º

e no 19º Batalhão de Polícia Militar, que já atendem duas regiões dos Territórios da Paz. 15

No 9º Batalhão de Polícia Militar, localizado na avenida Praia de Belas, a equipe da

Patrulha desenvolve suas atividades internas em uma pequena sala com duas mesas. Até

agosto, este batalhão era o único que contava com uma viatura destinada apenas para a

atenção às mulheres sob medida protetiva da área, que atende a região central e a região

onde encontram-se as ilhas da cidade. Durante as observações realizadas, desempenhavam

atividades profissionais no local apenas três soldados: duas do sexo feminino e um do sexo

masculino. De acordo com o relato da profissional mais antiga a atuar no programa, o 9º

Batalhão de Polícia Militar é o que recebe menor quantidade de registros de ocorrências para

visitas: no início, costumavam ser recebidos entre 11 e 15 casos semanalmente, sendo que no

mês de setembro, ocorreu uma variação de quatro a sete casos recebidos semanalmente para

atendimento pelos profissionais locados no Batalhão.

Dentre as sete mulheres atendidas pela Patrulha Maria da Penha entrevistadas durante

a presente pesquisa, cinco haviam solicitado a medida durante seus registros de ocorrência

na DEAM e aguardavam a decisão judicial de confirmação da medida16

. Em razão do caráter

considerado emergencial, a fim de prevenir o acirramento das violências sofridas em novos

casos, o procedimento adotado pela Patrulha é o de priorizar as atividades de atendimento

aos casos mais recentes registrados. Nesses atendimentos iniciais, as vítimas são orientadas

sobre o que ainda deve ser feito para garantir o deferimento das medidas protetivas de

urgência por elas solicitadas (como a necessidade de comparecer ao foro, por exemplo) e

sobre o funcionamento da Patrulha Maria da Penha e da Rede Lilás.

A manutenção e a escolha do atendimento da Patrulha são definidas pela gravidade

dos casos, registrados diariamente a partir de relatórios utilizados para a certificação de cada

caso. Há cinco tipos distintos de certidão utilizada pelos policiais para qualificar cada caso:

1. “certidão negativa de endereço”;

2. “certidão de informação de término de atendimento à vítima”;

3. “certidão de fiscalização de medida protetiva com retorno de companheiro(a) ao

lar”;

4. “certidão de recusa de atendimento por parte de vítima de violência doméstica”;

15Conforme informações da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do RS:

http://www.rs.gov.br/conteudo/206251/porto-alegre-passa-a-contar-com-duas-novas-unidades-da-patrulha-

maria-da-penha. Acesso em outubro de 2014 16 Não haviam decorrido 72 horas dos registros de suas respectivas ocorrências policiais.

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5. “certidão de vítima em situação de vulnerabilidade”.

De acordo com o soldado da Brigada Militar entrevistado, integrante de uma das

equipes que realizam as atividades de visitação do programa:

A gente faz o acompanhamento de todas as mulheres que pedem medida protetiva,

que vão lá fazer o registro da ocorrência e pedem a medida, mas a gente só vai ficar sabendo se ela realmente foi buscar o deferimento, se ela continuou com as

medidas na hora [em] que a gente for fazer a visita no local da casa dela (…) e ela

só continua recebendo esse acompanhamento da Brigada se ela aceitar, não é nada

obrigado. Para isso, são confeccionadas algumas certidões. Se a gente chega no

local e a pessoa não mora mais lá ou o endereço não existe, tem a certidão de

negativa de endereço. Se a gente chega na casa e o companheiro está lá e foi ela

que deixou, no caso, se reconciliaram, tem a de retorno ao lar. Se a gente chega e

ela conta que continua sendo ameaçada, que ele vai atrás dela, aquela coisa toda, a

gente faz a de vítima em situação de vulnerabilidade. Quando a gente vai na casa

da mulher, e ela diz que já cancelou as medidas, que está tudo bem, que não tem

mais necessidade do acompanhamento, tem a de término de atendimento. Quando ela não quer receber a Patrulha, tem algumas mulheres [para quem] a gente liga e

que mentem que não estão em casa, a gente faz a de recursa por parte da vítima. A

frequência de visitação depende do que a gente observar na residência. Às vezes,

estou vendo que aquela mulher está precisando, ele está indo atrás dela, está

ameaçando, está ligando, então eu vou com mais frequência na casa dela. Agora,

aquela que vai duas ou três vezes e está sempre tudo bem, não tem necessidade de

estar indo tantas vezes. (Soldado da Brigada Militar)

Nos casos em que o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha não é encerrado, a

equipe produz um breve relatório sobre a realização da visita, informando o local, a data, o

horário e a descrição do caso. Essas informações somam-se ao registro de ocorrência da

vítima, que é consultado e atualizado manualmente a cada atendimento.

As vítimas cujos relatórios são classificados por “certidões de vulnerabilidade”

recebem atendimento prioritário dos profissionais da Patrulha17

e, por serem tratados como

emergenciais, os casos têm seus respectivos relatórios de atendimento entregues diariamente

à coordenação do programa no 19º BPM, o qual possui a atribuição de centralizar as

informações, bem como de encaminhar os pedidos de prisão preventiva resultantes dos

acompanhamentos realizados aos Juizados competentes. Os demais relatórios (certidões) são

repassados ao mesmo batalhão, o qual é responsável pela coordenação do programa, nas

sextas-feiras, bem como todos os documentos e dados acerca dos atendimentos prestados nos

demais dias da semana. Neste momento, as equipes recebem, então, novas ocorrências para

atendimento/visitação.

17As mulheres vitimas que possuem casos classificados pela situação de vulnerabilidade passam a receber

visitas mais frequentes da equipe da Patrulha, no sentido de que novas violências não ocorram.

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No que se refere ao atendimento telefônico às vítimas, observou-se a existência de

um telefone celular destinado ao atendimento pela Patrulha Maria da Penha daquele

batalhão, através do qual é garantido o atendimento às mulheres acompanhadas pelo

programa durante 24 horas por dia e sete dias por semana, ainda que não haja plantão no

BPM.

Com a implantação do sistema informacional especifico para o atendimento das

mulheres atendidas pelo programa, todas as unidades da polícia militar passam a ter a

possibilidade de encontrar informações referentes ao trabalho realizado pelos profissionais

da Patrulha Maria da Penha, no que se refere aos históricos de atendimento e administração

dos casos. A criação do banco de dados também tornaria possível a realização de um

atendimento mais qualificado e direcionado por parte da central telefônica para atendimento

de emergências. Porém, no decorrer da pesquisa, percebeu-se que tal integração entre a

central de emergências da Brigada Militar e o sistema informacional da Patrulha Maria da

Penha ainda não ocorreu. Assim, caso a vítima ligue para o telefone celular indicado para

atendimento direcionado fora do expediente de trabalho do batalhão, seu chamado fará parte

do montante geral de chamadas telefônicas de emergência recebidas da Brigada Militar. O

fato das ligações das mulheres atendidas pelo programa serem recebidas através de um

simples aparelho de telefonia celular, nestes casos, acaba por dificultar o atendimento

qualificado e individualizado: os atendentes não acessam nenhum sistema e não conferem a

situação da ligação. Embora tenha sido mencionada18

a afirmação de que existe um sistema

que identifica o chamado das mulheres quando essas são vítimas de violência doméstica já

atendidas pela Patrulha, no 9º BPM sequer foram feitas referências por parte dos

profissionais acompanhados à tal sistema. O que foi verificado durante a realização desta

pesquisa demonstra que, quando ocorre um chamado telefônico por uma vítima atendida

pelo programa e a equipe já não está em plantão, os profissionais possuem condições apenas

de saber que houve uma chamada recebida por parte de uma vítima, porém não há como

indicar a vítima, nem o agressor e tampouco de que caso se trata.

No início das atividades de acompanhamento realizadas, os profissionais foram

questionados a respeito das ligações recebidas pelo telefone celular da Patrulha ocorridas

fora do horário de atendimento do batalhão, no sentido de compreender como se dá o retorno

às vítimas. Tais retornos só ocorrem quando os casos atendidos pelo policial em plantão (o

18 Esta informação foi repassada às pesquisadoras em entrevista realizada no decorrer da pesquisa, através da

fala de gestores institucionais ouvidos.

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qual não faz parte, necessariamente, da equipe de profissionais que atuam na Patrulha) são

classificados como de maior gravidade. Neste sentido, é possível apontar a fragilidade do

sistema de atendimento telefônico realizado, uma vez que as ligações recebidas fora do

horário de expediente do batalhão dificilmente poderão proporcionar uma atenção

qualificada e uma resposta adequada às vítimas que utilizam o recurso. Além disso, o fato de

não ser possível o acesso aos históricos dos atendimentos nestes horários aproxima a

possibilidade de ação policial a ser realizada pelos profissionais em plantão no batalhão

daquela realizada pelos demais policiais militares acionados através da central telefônica de

emergência da instituição, o 190.

Com as visitas sempre programadas para os horários comerciais, também foi possível

notar que, muitas vezes, as vítimas não eram encontradas em suas casas, além de serem raras

as informações sobre seus respectivos locais de trabalho. Ainda que tais informações fossem

conhecidas, estes locais só poderiam ser visitados nos casos em que pertencessem a região

atendida pelo fato, o que resulta no impedimento à visitação em diversas circunstâncias. No

caso das vítimas residentes nas regiões das ilhas da cidade atendidas pelo programa, não foi

possível encontrar nenhuma delas em suas residências durante todo o mês em que as visitas

de atendimento da Patrulha Maria da Penha foram acompanhadas. Nesses casos, os policiais

afirmavam que a dificuldade em encontrá-las naquela região estava diretamente ligada ao

fato de que as mesmas seriam “mulheres que trabalham”.

No decorrer da pesquisa, a Patrulha Maria da Penha passou por modificações que

influenciaram suas prioridades e atendimento policial. Até agosto, o programa contava com

uma viatura que se dedicava ao atendimento exclusivo das vítimas, o qual deveria cumprir

um protocolo de atendimento para a qualificação das visitas, o qual era totalmente

independente do espaço temporal necessário para a realização da visita.

As rotinas de trabalho dos profissionais que atuam no programa, acompanhadas por

um período de dois meses, estavam prioritariamente direcionadas para a resolução dos

conflitos vivenciados pelas mulheres atendidas: envolviam longos diálogos e escutas,

auxílios e solução de dúvidas por parte das policiais. Para que fossem possibilitadas visitas

qualificadas, era realizada uma média de dois atendimentos/visitas diários.

Já nos primeiros contatos com os profissionais foi possível ouvir relatos acerca das

frequentes trocas de chefia imediata e de comando do 9° BPM. Tais trocas afetavam

diretamente o desenvolvimento das atividades profissionais dos policiais locados no

batalhão. Nos últimos dias do mês de agosto, foi possível acompanhar uma troca das trocas

de comando do batalhão: em apenas um dia, os horários de trabalho e os soldados

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responsáveis pelo atendimento foram remanejados. A Patrulha passou a dividir suas

atividades de visitação com outras ações do policiamento ostensivo que não envolvem

registros de ocorrências: a Patrulha Escolar, que trabalha com policiamento e ações de

presença em escolas e o PROERD, projeto educativo de "prevenção ao uso de drogas e

combate à violência".

Com a integração das atividades, a viatura que portava o emblema da Rede Lilás e

que antes servia exclusivamente aos atendimentos da Patrulha Maria da Penha teve seus

horários e equipes de trabalho reorganizadas. Assim, as três atividades – Patrulha Maria da

Penha, patrulha escolar e o PROERD – passaram a dividir o mesmo carro oficial: por meio

dele, oito profissionais, divididos em dois turnos, deveriam realizar as três atividades em

horários distintos. Dessa divisão, três soldados foram designados para atuar na Patrulha

Maria da Penha, no período da manhã: uma soldada antiga, que já possuía conhecimento das

atividades do programa, uma vez que já realizava acompanhamentos, e dois outros

profissionais do sexo masculino, não capacitados para o desenvolvimento das atividades

desempenhadas pela Patrulha (o que, de acordo com a coordenação estadual do programa

seria uma exigência, dada a especificidade dos conflitos de gênero atendidos).

As visitas, que anteriormente ocorriam entre 14h e 17h, passaram a ser realizadas

entre 9h e 11h – sempre depois do horário de entrada e antes do horário de saída das escolas,

uma vez que os profissionais passaram a ter como novas atribuições o patrulhamento escolar.

Na primeira semana, foi possível verificar o claro esvaziamento do atendimento das

mulheres, o qual foi novamente prejudicado nas semanas seguintes, quando os policiais

passaram a ter a presença solicitada nas escolas atendidas pelo patrulhamento também nos

horários de intervalo/recreio escolar.

Embora a fala institucional da Brigada Militar não apontasse a situação vivenciada no

9º BPM, os relatos da soldada responsável pelo programa afirmavam que todas as outras

equipes da Patrulha Maria da Penha já dividiam seus atendimentos com outros projetos de

policiamento. Algumas vezes, a soldada ressaltou ser este o menor problema vivenciado

naquele batalhão em razão dos poucos casos sob sua responsabilidade, os quais, na sua

opinião, tendiam a diminuir. Desde o início das atividades de acompanhamento dos

profissionais do 9 BPM, os policiais faziam referências à eficácia do trabalho desempenhado

pela Patrulha Maria da Penha, atribuindo a presença policial da viatura na região central à

diminuição do número de casos e esse discurso ganhou força como nova justificativa para a

acumulação de atribuições. É importante ressaltar que esse discurso ganhou força

motivacional especialmente da soldada responsável pelo programa no 9° BPM, porém,

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embora repetisse o sucesso do programa, observado pela diminuição da necessidade de

atendimentos da Patrulha, a mesma, muitas vezes, mostrava-se decepcionada com as

mudanças institucionais.

O recebimento de novas atribuições não ligadas à Patrulha Maria da Penha, bem

como a redução significativa da carga horária destinada ao desenvolvimento das atividades

de atendimento e visitação teve como consequência um processo de gradual modificação nas

classificações acerca da gravidade dos casos atendidos pela Patrulha. Tal mudança pode ser

constatada a partir do acompanhamento das atividades da profissional responsável pelo

programa no 9° BPM, quando a mesma passou a fixar datas para o encerramento dos casos19

considerados mais graves, os quais, paralelamente, passaram a receber tal classificação em

uma frequência substancialmente inferior.

No que se refere às visitas que passaram a ser realizadas após a mudança do

comando, pode-se verificar que os procedimentos passaram a priorizar a economia de tempo,

no sentido de dar conta do montante de visitas a serem realizadas. Em todos os

atendimentos, repetia-se às vítimas a orientação de que a polícia precisaria privilegiar casos

mais graves, os quais seriam prioritários, sendo esta informação repassada mesmo naqueles

momentos em que não existiam na escala de visitação casos considerados mais graves ou

marcados por uma maior vulnerabilidade das vítimas.

Ao mesmo tempo, das inúmeras ocorrências policiais encaminhadas para

atendimento pela Patrulha Maria da Penha, muitas são encerradas por recusa de atendimento

por parte da vítima. A informação repassada às pesquisadoras foi a de que, embora não

existam dados concretos acerca dessa desistência, trata-se “da maioria” das situações.

O trabalho de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar

realizado pela Polícia Civil ocorre a partir dos serviços de registro e investigação policiais,

oferecidos em todas as delegacias de polícia existentes no Estado do Rio Grande do Sul.

Porém, é a partir do trabalho desenvolvido nas unidades especializadas no atendimento às

mulheres vítimas de violência que ocorre a real articulação da instituição com o trabalho

desenvolvido pela Patrulha Maria da Penha.

São os registros dos casos de violências realizados pelas mulheres vítimas nas

Delegacias Especializadas para o Atendimento de Mulheres (DEAMs) que possibilitam a

realização do trabalho de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência

19 A expressão “enerramento dos casos” significa, neste contexto, o fim do acompanhamento dos casos das

mulheres vítimas atendidas pela Patrulha.

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pelos profissionais da Patrulha Maria da Penha. Pode-se dizer também que o fluxo formal de

atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica é iniciado a partir do atendimento

realizado nas unidades da Polícia Civil.

A partir do atendimento realizado pelos servidores da Polícia Civil são realizados os

encaminhamentos das vítimas aos serviços oferecidos pelo Instituto Geral de Perícias (Sala

Lilás), assim como seus casos, quando elaborados pedidos de medida protetiva de urgência,

são informados à Brigada Militar para o acionamento da Patrulha Maria da Penha. Neste

sentido, a articulação das instituições que formam a rede de atendimento e proteção da

segurança pública se dá a partir do fluxograma representado abaixo:

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Diariamente, são elaborados relatórios que contém dados sobre as solicitações de

medida protetiva de urgência pela Polícia Civil, os quais são entregues para os policiais

militares que atuam na Patrulha Maria da Penha. Os casos mais graves registrados são

informados à Brigada Militar, no sentido de que sejam acompanhados com maior atenção,

evitando, assim, o acirramento e/ou novos casos de violência. Os casos acompanhados pelos

profissionais que atuam na Patrulha possuem prioridade para a investigação policial e, assim

que as investigações são realizadas, os casos são enviados ao Poder Judiciário para que a

administração criminal do conflito seja realizada de forma célere.

Pode-se dizer que a criação da rede de atenção e proteção criada pela Secretaria de

Segurança Pública não gerou modificações substanciais no que se refere à estruturação das

dinâmicas de atividades realizadas nas DEAMs. As modificações ocorridas na rotina das

unidades estão relacionadas à elaboração dos relatórios para o conhecimento da Brigada

Militar e na priorização de investigação dos casos atendidos pela Patrulha Maria da Penha.

Na verdade, a criação da rede possibilitou a integração de algumas atividades

realizadas pela Polícia Civil e Brigada Militar, configurando-se em uma prática inovadora e,

de certa forma, ousada (se consideradas as disputas históricas existentes entre as policias

civis e militares brasileiras). No que se refere à articulação da Polícia Civil com o Instituto

Vítima dirige-se até a unidade da Policia Civil para registrar

formalmente a violência sofrida

Vítima solicita à autoridade policial que encaminhe ao Poder

Judiciário o pedido de medida protetiva de urgência

O caso é informado à

Brigada Militar para que

a Patrulha Maria da

Penha seja acionada

Se necessário, a vítima é

encaminhada para os

serviços oferecidos pelo

Instituto Geral de

Perícias, através da Sala

Lilás

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Geral de Perícias, a mesma não sofreu alterações, uma vez que as atividades desenvolvidas

por ambas instituições sempre ocorreu de forma complementar.

Quanto às mudanças estruturais nas DEAMs, as mesmas foram iniciadas um ano

antes da criação do projeto de implementação da rede. Em 2011, o governo estadual criou a

Coordenadoria das DEAMs, no sentido de gerenciar a qualidade de atendimento nos 36

órgãos especializados (Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher e Postos de

Atendimento a Mulher) da Polícia Civil no Estado. Dentre as atribuições da Coordenadoria,

estão as atividades de assessorar as políticas públicas de segurança pública da mulher; dar

acompanhamento permanente às DEAMs; orientar os profissionais que atuam nas DEAMs

quanto ao preenchimento dos boletins de ocorrência; acompanhar os desdobramentos dos

casos mais graves atendidos pelas DEAMs, dialogando com outras instituições envolvidas

no atendimento; exercer a interlocução das unidades especializadas com a secretaria de

Segurança Pública - Chefia da Polícia Civil, a secretaria estadual de Segurança e demais

órgãos no âmbito da administração pública.

O Rio Grande do Sul possui 16 DEAMs20

e 20 Postos de Atendimento à Mulher em

Delegacias de Polícia de Pronto Atendimento, sendo três delas inauguradas após a criação da

Secretaria de Políticas para as Mulheres. Em 2013, a Secretaria de Segurança Pública do Rio

Grande do Sul recebeu do governo federal, através da Secretaria de Políticas para as

Mulheres, um montante de 654 mil reais para a criação de mais três DEAMs21

, as quais

deverão estar em atividade até o final de 2014.

O atendimento às mulheres vítimas de violência oferecido pelo Instituto Geral de

Perícias, através do Departamento Médico-Legal (DML) passou a ser realizado em um

espaço inaugurado em setembro de 2012, denominado Sala Lilás. A criação da Sala Lilás,

ocorrida a partir da implementação da rede para atendimento e proteção para mulheres

vítimas de violência doméstica, se deu pela necessidade de evitar processos de re-

vitimização das vítimas que necessitam realizar exames periciais, oferecendo às usuárias um

espaço voltado para o acolhimento das mesmas, enquanto aguardam os atendimentos da

perícia clínica, da psíquica e do serviço psicossocial, buscando garantir a privacidade. A

elaboração do projeto para a criação do programa Sala Lilás esteve voltada para a

20 As DEAMs existentes no Estado do Rio Grande do Sul estão localizadas nas cidades de Santa Maria, Cruz

Alta, Passo Fundo, Rio Grande, Caxias do Sul, Erechim, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Lajeado, Ijuí, Santa Rosa,

Gravataí, Bento Gonçalves, Porto Alegre, Novo Hamburgo e Canoas. 21 As novas DEAMs deverão ser instaladas nas cidades de Alvorada, Viamão e Bagé.

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necessidade de humanização dos procedimentos de atendimento às mulheres vítimas, através

da sensibilização dos servidores que atuam no local.

Somente a partir da criação da Sala Lilás as mulheres vítimas de violência doméstica

e/ou sexual passaram a aguardar a realização dos exames periciais em um local privativo:

anteriormente aguardavam em um espaço comum para todas as pessoas que necessitam fazer

os exames, ocorrendo, inclusive, casos em que vítima e agressor esperavam atendimento no

mesmo saguão. Além disso, o DML passou a coletar dados acerca da origem da violência

sofrida para a produção de análises estatísticas dos casos de violência doméstica e/ou sexual

contra a mulher.

O programa Sala Lilás também foi responsável pela padronização da coleta de

material biológico encontrado nas vestes íntimas de vítimas de agressão sexual: a partir do

programa, todos os postos que realizam exames periciais passaram a utilizar um kit

padronizado (contendo uma veste íntima descartável, a qual é ofertada à vítima em troca da

utilizada até o momento da realização do exame pericial). O material recolhido, composto

pelas vestes íntimas e três lâminas com amostras para análise de material genético, é

encaminhado para análise laboratorial.

Além da padronização da coleta de material genético para perícia laboratorial, o

Instituto Geral de Perícias passou a fazer uso de um software responsável pelo

armazenamento de dados genéticos de agressores sexuais em um banco. Com a utilização do

banco de dados, passou a ser possível a identificação de agressores sexuais com múltiplas

vítimas.

Para a implementação do programa Sala Lilás, o Departamento Médico Legal passou

a contar também com um sistema informacional que auxilia os profissionais que atuam na

instituição a recriar rostos de suspeitos de crimes por meio de um programa de tratamento de

imagens, conhecido como Retrato Falado Digital ou Sistema de Representação Facial

Humana. A partir dos relatos das mulheres vítimas de violência, o sistema possibilita a

reprodução com qualidade fotográfica das características faciais dos suspeitos. A utilização

do sistema tem como objetivo tornar célere o processo de construção de retratos falados, no

sentido de atenuar o sofrimento das vítimas.

O programa Sala Lilás também conta com a realização de exames de perícia psíquica

e um serviço psicossocial, anteriormente não disponibilizados no Departamento Médico

Legal. Os exames de perícia psíquica são realizados para a elaboração de provas periciais em

crimes de origem sexual que não podem ser comprovados materialmente. As provas

testemunhais obtidas através da perícia psíquica são obtidas através de técnicas de

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entrevistas, buscando a comprovação de sinais e sintomas de sofrimento psíquico decorrente

de traumas.

O serviço psicossocial foi implementado com a finalidade de promover o

acolhimento das mulheres vítimas de violência doméstica e/ou sexual e encaminhar as

mesmas para tratamento médico (psicológico ou psiquiátrico) e serviços de assistência social

existentes na comunidade. As atividades do serviço psicossocial são desenvolvidas em

parceria com as faculdades de Psicologia e Assistência Social da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

Atualmente, o programa Sala Lilás está em funcionamento em três cidades do Estado

do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, Caxias do Sul e Santana do Livramento. Em 2013, foi

disponibilizado pelo governo federal um total de 1,4 milhões de reais para a ampliação do

programa, a qual deve ser realizada até o final de 2014, através da criação de novas unidades

em outras 11 cidades22

.

Finalmente, o fluxograma abaixo representa a estrutura a partir da qual a rede de

atendimento e proteção da segurança pública para mulheres vítimas de violência doméstica e

familiar está articulada, bem como os serviços oferecidos pelas instituições que fazem parte

da mesma:

22 As novas unidades do programa Sala Lilás deverão ser criadas junto aos Postos Médico-Legais das

cidades de Cruz Alta, Erechim, Ijuí, Lajeado, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santa Rosa, Bagé e

Vacaria.

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Inquérito Policial

Polícia Civil

DEAM

Brigada Militar

Patrulha Maria da Penha

Instituto Geral de Perícias

Sala Lilás

Retrato

Falado

Digital

Serviço

Psicossocial Encaminhamento para

atendimento nas redes da saúde e

assistência social

Visitas para

fiscalização

Elaboração

de Relatórios

Informações

Juizado de Violência

Doméstica e Familiar

Contra a Mulher

Exames Médicos

Periciais

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A porta de entrada para os dois Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a

Mulher de Porto Alegre (o primeiro criado em abril de 2008 e o segundo em março de 2014)

é, na quase totalidade dos casos, aberta pelos pedidos de medida protetiva de urgência

requeridos quando do registro policial dos casos na DEAM. A análise inicial dos pedidos

costuma ser realizada em um período médio de 48 horas.

Os documentos enviados pela DEAM para o pedido das medidas protetivas são,

basicamente, cópias dos formulários utilizados para os registros policiais, os quais,

eventualmente, são acompanhados de termos de declaração das mulheres solicitantes e por

uma breve descrição dos fatos. Os pedidos, de acordo com a juíza titular do I Juizado, não

costumam trazer elementos suficientes para que, inicialmente, seja formado um juízo

qualificado em relação à necessidade ou não de deferimento de tais pedidos.

Muitas vezes a gente acaba tendo que telefonar para a vítima para esclarecer

melhor os fatos. Por exemplo, como é um formulário, eles marcam em todos os

pedidos o afastamento do lar, mas como afastar se já mostra que eles moram em

endereços diferentes? Mas para tentar esclarecer bem se fala com a vítima, porque eles têm endereços distintos, mas vai que em uma dessas o agressor resolveu se

mudar para a casa da vítima. Então tem esses detalhes que acabam dando mais

trabalho para nós, por uma questão que poderia ser ajustada. Até solicitei com a

Delegada que a gente pudesse resolver isso. (Juíza I).

Claro, todo mundo trabalha no excesso, na verdade. Nossa demanda, realmente é

muito grande em todos os setores, é no Judiciário, é na Polícia, no Ministério

Público, na Defensoria Pública, todos nós estamos com excesso. Mas a gente não

pode, com isso, esquecer de primar pela qualidade, a gente tem que estar sempre

tentando. A gente tem um bom relacionamento com todos os setores do Judiciário,

bem como da rede, justamente para tentar ajustar as coisas para elas fluírem corretamente e com mais qualidade. (Juíza I).

Um outro problema enfrentado pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar

Contra a Mulher de Porto Alegre é referente ao excesso de prazo necessário para a produção

dos inquéritos policiais, peças de extrema importância para a instrução dos processos

administrados pelos juizados. As justificativas para a demora costumam estar vinculadas ao

número insuficiente de servidores.

Não estão conseguindo [concluir os inquéritos policiais em 30 dias] e a justificativa

é a falta de servidor. As Delegadas sempre falam isso e, inclusive, foi uma

constatação nossa. A gente já foi lá, (...) combinou que elas mandassem o pedido

de medida protetiva mesmo faltando diligências nos inquéritos. Tentando levar

entre trinta e quarenta dias, que é justamente o prazo que a gente faz a primeira

audiência da medida protetiva, para que a gente tenha algum subsídio. (Juíza I)

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As medidas protetivas de urgência mais solicitadas pelas mulheres que procuram a

polícia civil são as de caráter proibitivo, referentes à proibição de contato entre as

solicitantes e os acusados, quando os mesmos residem em locais diferentes, e as medidas de

afastamento, quando dividem a mesma residência. As solicitações para medidas protetivas

de afastamento costumam ser recebidas em um número bastante inferior, se comparadas às

proibitivas, já que, de acordo com a juíza titular do II Juizado, os registros policiais são

realizados, em sua maioria, por mulheres que não possuem vínculos de coabitação com os

acusados de agressão.

O maior número de denúncias feitas pelo boletim de ocorrência não é de pessoas

casadas, talvez a gente pudesse ver, não sei, não tenho essa estatística. Então

quando houver coabitação é muito raro a mulher fazer esse registro de ocorrência

sendo casada, mas acontece também. Nesses casos a gente chama para audiência e verifica o que ela realmente precisa. Às vezes, é mais uma questão de medo, não

necessariamente ela acha que vai acabar o casamento, ela quer algum tipo de apoio

para tratamento de alcoolismo, para tratamento de drogas, esse tipo de coisa. (Juíza

II).

No que se refere à concessão das medidas protetivas solicitadas, pode-se dizer que a

maior parte delas é deferida. Todos os pedidos marcados por situações de ameaças ou

agressões costumam ser concedidos pelos juizados. Só não ocorre o deferimento daqueles

pedidos de medida protetiva justificados por circunstancias de natureza não-criminal.

Ou seja, a pessoa reclama que o marido que mora no mesmo pátio está querendo que devolva a casa que era da separação. Isso não é necessariamente uma agressão,

uma ameaça, e, sim, um problema de ocupação de um imóvel. Isso seria esfera

cível e não justificaria uma medida de proteção. Se for afastamento, a menos que

seja uma situação muito frágil, uma perturbação: “ah ele me xingou na frente dos

filhos”; será que há necessidade de tirar ele de casa? Normalmente, não havendo

uma agressão, uma ameaça maior, que a vítima esteja realmente em risco, a gente

marca uma audiência para 10 (dez) dias, um espaço breve. Na audiência, pede que

a vítima justifique porque precisa da medida de proteção, qual era aquela situação

que não era tão grave e que já se resolveu, muitas vezes a mulher volta atrás. Mas,

de regra, nós deferimos, sim. (Juíza II).

O critério fundamental para análise das solicitações costuma ser risco que as

demandantes possam estar sofrendo, seja risco excessivo ou potencial. No entanto, tal

classificação, de acordo com as juízas entrevistadas, é realizada com um alto grau de

dificuldade, uma vez que os pedidos de medida protetiva recebidos são comumente

acompanhados de poucos elementos que permitam a classificação. Além disso, a

unilateralidade do registro policial também configura-se em um elemento que problematiza a

classificação dos riscos vivenciados em cada caso: mesmo nas hipóteses em que a

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demandante cita a existência de testemunhas que comprovem sua versão dos fatos, as

testemunhas não costumam acompanhá-la até a DEAM, não existindo o registro de qualquer

declaração que não a da vítima.

É complicado porque tu precisa olhar o lado da vítima, mas tem o lado do agressor,

que também é um cidadão e também tem direito de ir e vir. Eventual medida

protetiva que eu vá deferir vai ter um efeito direto sobre essa pessoa, sobre o

demandado, incorrendo no risco de ser preso, às vezes, desnecessariamente. Por

que desnecessariamente? Porque, às vezes, a situação não é aquela relatada pela

vítima e acaba tendo uma medida protetiva, ele viola, mas viola sendo que não precisaria violar, porque a situação não é aquela. (Juíza I).

Mas o interesse maior que se deve tutelar sempre vai ser o da vítima. Mas

precisaria melhorar o atendimento na Delegacia de Polícia, para que a gente

pudesse ter elementos mais corretos. A gente vai entrar em contato telefônico e a

situação, às vezes, é mais grave do que aquela relatada ou não é tão grave como

está relatada. Deveria ter um outro funcionamento, mais servidores. (Juíza II).

A utilização da DEAM como porta de entrada para a administração da quase

totalidade dos casos administrados pelos juizados é citada como um fator problemático, uma

vez que nem todos os conflitos registrados pela instituição policial são de caráter criminal.

Neste sentido, a criação de um atendimento voltado à resolução ou encaminhamento de

conflitos que não estão necessariamente abarcados pela Lei Maria da Penha, auxiliaria na

redução da demanda de atendimento pelos juizados e na qualificação dos encaminhamentos

mais efetivos aos casos registrados pela autoridade policial.

Uma coisa que eu acho que deve ser implementada na Delegacia é ter o início do

Centro de Referência na Delegacia da Mulher, porque nem tudo que chega na

Delegacia da Mulher é matéria de violência doméstica. Muitas questões são

questões que podem ser resolvidas extrajudicialmente, ou seja, pedidos de

internação, por exemplo, de companheiro, de marido, de filho que quer tratar

drogadição ou álcool, é uma demanda altíssima no nosso Juizado. Em 80% (oitenta por cento) dos casos, o demandado tem uso de álcool ou de drogas. Nem todos os

casos são de internação, mas elas acabam registrando uma ocorrência para ser uma

porta rápida para resolver o seu problema. (Juíza I).

(...) se a gente fizesse um Centro de Referência dentro da Delegacia, isso não

geraria um processo criminal, porque não é um processo criminal. A mulher que

vai pedir a internação do seu marido ou do seu filho é porque ela quer ajudar

aquela pessoa, ela quer manter a sua família. Ela não quer o processo criminal, só

que ela é obrigada a dar início a um processo criminal, porque o sistema só

funciona assim. (Juíza II).

Após a concessão da medida protetiva de urgência, é realizada a inclusão dos dados

em um sistema (Consultas Integradas) que pode ser consultado pelo Poder Judiciário, Polícia

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Civil e Brigada Militar. Além disso, os servidores dos juizados buscam realizar contato

telefônico com as solicitantes das medidas, no sentido de informá-las a respeito do

deferimento.

O I Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher conta com dois

programas multidisciplinares de atendimento para as partes envolvidas nos conflitos

administrados pelo juizado: o primeiro deles está vinculado à necessidade de reflexão dos

agressores, envolvendo atendimento psicossocial, e o segundo, voltado às vítimas, possui um

caráter de acolhimento. Os encaminhamentos aos grupos de apoio ocorrem nos casos em que

a vítima opta por não dar prosseguimento ao processo criminal, optando pelo arquivamento

do caso, e/ou nos casos em que as partes envolvidas no conflito optam por manter a relação

conjugal.

A gente tem um resultado muito positivo, porque é um espaço de escuta do

homem, então ele vai trabalhar em grupo, onde todos vão ser escutados e vão

refletir sobre os atos, porque o objetivo é reeducar. Todos os que estão no grupo

estão ali porque as mulheres pedem ou até eles pedem, embora a gente encaminhe

também, mas tudo relacionado a esse perfil, eles não terminaram o relacionamento. Se a mulher foi até a Delegacia e registrou uma ocorrência é porque alguma coisa

não estava bem e resolve: “não quero mais prosseguir, vou arquivar o processo”.

(Juíza I).

A gente criou esse grupo para isso e, da mesma forma, para as mulheres, o grupo

de acolhimento das mulheres, que elas também têm um espaço de escuta para elas.

(...) As mulheres, às vezes, fazem atividades manuais. Eles passam vídeos,

assistem filmes, tudo para fazer um link com o que está sendo tratado ali. Sem

falar que, nesses momentos com a comunidade, se percebe que aquela pessoa

precisa de uma outra ajuda, para encaminhar para um outro serviço, centro de

referência, hospital de saúde. (Juíza I).

Além dos dois programas voltados para o acolhimento e reflexão das partes o juizado

tem a iniciativa de realizar palestras escolares e/ou comunitárias, a partir do projeto “Maria

vai na Escola, Maria vai na Comunidade”.

Geralmente a gente recebe o convite das escolas ou de uma organização da comunidade que quer fazer uma reunião, uma roda de conversa, uma palestra e a

gente vai. Tem todo o material expositivo, eu faço a primeira parte, apresento a lei,

converso, troco ideias com as pessoas, vou tirando as dúvidas, vou interagindo e

mostrando as características da Lei Maria da Penha. Geralmente, vai também o

assistente social e a orientadora que trabalha aqui conosco nos grupos de reflexão

que nós temos. (Juíza I).

Uma análise mais atenta aos discursos institucionais produzidos pelos operadores

entrevistados, no sentido de verificar suas percepções acerca da eficácia das medidas

protetivas de urgência, aponta para um elemento comum a todas as falas: a efetividade das

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medidas protetivas deferidas às mulheres solicitantes, no que tange ao não acirramento das

violências sofridas pelas mesmas, é referida como existente no contexto municipal em que

estão inseridos. Esta eficácia aparece nos discursos através de duas chaves de interpretação

vinculadas às ideias de educação e prevenção.

As ideias de prevenção e educação não aparecem descoladas nas falas dos agentes

institucionais, mas como uma relação de causa e consequência. Dada a velocidade de

resposta da Brigada Militar, no que se refere ao atendimento das mulheres beneficiadas com

as medidas protetivas e urgência nos casos de descumprimento por parte dos agressores, a

possibilidade da incorporação no imaginário social da existência de impunidade nos casos de

desrespeito às medidas é substancialmente reduzida. Neste sentido, a prisão por

descumprimento imediata realizada pelos policiais militares é interpretada como educativa e,

logo, previne a ocorrência de novas agressões, neste contexto.

Ainda no que se refere às percepções sobre a eficácia das medidas protetivas de

urgência, devem ser apontados dois elementos como responsáveis pela possível ineficiência,

em alguns casos, e pela banalização de sua utilização em outros. A percepção sobre

ineficiência das medidas aparece vinculada ao “coração mole” de algumas vítimas, as quais

não reconheceriam a gravidade dos conflitos nos quais estão envolvidas:

(...) se depender da medida, ela é 100% eficaz. O que acontece, às vezes, é que a

mulher de “coração mole” acaba cedendo e colocando o marido para dentro de

casa. (Major da Brigada Militar).

Já no que se refere à ideia de banalização da utilização das mesmas, a mesma está

justificada no excesso de solicitações encaminhadas ao Poder Judiciário. Neste sentido, o

Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher acaba recebendo demandas

excessivas para a administração de casos que provavelmente seriam negociados fora desta

esfera.

Muitas questões são questões que podem ser resolvidas extrajudicialmente, ou seja,

pedidos de internação, por exemplo, de companheiro, de marido, de filho que quer

tratar drogadição ou álcool, é uma demanda altíssima no nosso Juizado. Em 80%

(oitenta por cento) dos casos, o demandado tem uso de álcool ou de drogas. Nem

todos os casos são de internação, mas elas acabam registrando uma ocorrência para

ser uma porta rápida para resolver o seu problema. (Juíza I).

Eu acho que existe um pouco de banalização. Existem muitos registros que não precisariam ser feitos. Claro que têm situações graves. (...). Mas existe muita

situação assim: uma briguinha e a mulher registra uma ocorrência por perturbação

da tranquilidade; [o acusado] ficou fazendo ligações e xingando; uma ameaça, que

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é em uma discussão em que se falam coisas ali na discussão. Há muitos registros

assim. (Juíza II).

A atuação das instituições de segurança pública enquanto forças garantidoras da

aplicação das medidas protetivas também é amplamente citada nos discursos dos agentes

entrevistados, estando o fortalecimento das mesmas diretamente vinculado à percepção de

aumento da eficácia das medidas. Deste mesmo modo, a articulação e empoderamento da

rede entre as instituições de segurança e psicossociais é citada como fator garantidor do

caráter preventivo/educativo das medidas protetivas de urgência.

Assim como a percepção sobre a eficácia das medidas protetivas, é verificada a

existência de uma sintonia no que diz respeito às ideias dos agentes entrevistados acerca de

ações capazes de prevenir que as vítimas voltem a sofrer novas violências. Novamente, a

necessidade de articulação e fortalecimento de uma rede de atendimento e proteção, formada

por instituições da área da saúde, assistência social, econômica e da segurança pública, pode

ser observada nas falas dos entrevistados.

A necessidade de que as mulheres conheçam seus direitos individuais e de cidadania

também é verificada: somente este processo possibilitaria o reconhecimento dos elementos

culturais vinculados ao machismo fortemente arraigado na sociedade. Desta forma, seria

possível evitar a reprodução social do machismo, apontado como principal elemento

desencadeador da violência contra a mulher.

4.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006

Todas as mulheres entrevistadas que foram atendidas pela Patrulha Maria da Penha

demonstraram-se positivamente impressionadas e interessadas com o trabalho de atenção,

mediação e proteção desenvolvido pelo programa, mesmo quando retomaram seus

relacionamentos. Ainda assim, apesar dos relatos das vítimas estarem voltados para o

contentamento com a existência da atenção por parte das instituições estatais no que se refere

ao auxílio para a administração de seus conflitos e pretensa proteção à sua integridade física,

foi possível constatar, a partir de suas falas, que as mesmas não se sentem efetivamente

protegidas pela Patrulha. A expressão “se ele quisesse fazer algo comigo, faria igual” foi

frequentemente utilizada pelas mulheres entrevistadas. Em duas das entrevistas realizadas, as

vítimas atendidas pela Patrulha referiram ser de maior importância os recursos do programa

vinculados ao tratamento psicológico e à assistência social ofertados pela rede de

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atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica da qual a Patrulha Maria da Penha

faz parte, do que à proteção policial propriamente dita.

Do mesmo modo, outras mulheres que permaneceram recebendo o atendimento do

programa referiram acreditar muito mais em eventuais tratamentos ou na prisão dos

agressores do que na efetividade da prevenção pretendida pela Patrulha. Os atendimentos,

assim, parecem funcionar mais como uma possibilidade de diálogo das vítimas com o

Estado, no sentido de terem suas histórias ouvidas, dando vazão à sua necessidade de escuta

(reclamam do atendimento da própria Brigada Militar, referem desejos de resolução ou de

separação, contam suas histórias e até referem a importância do atendimento a outras

mulheres, excluindo-se da situação de “vítimas”), do que numa crença efetiva de prevenção

de novas agressões.

Quanto às mulheres entrevistadas em audiência e que desistiram de suas medidas

protetivas ou as tiveram substituídas por acordos de respeito, foi possível observar que há

uma postura do próprio juizado de priorizar a proteção das vítimas. O 1º Juizado de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher atua especificamente para a resolução de

medidas protetivas. Em conversas com a juíza durante os intervalos de audiências

acompanhadas, a mesma ratificou o que foi possível perceber durante um mês de

observação: sempre que houvesse um pedido de proteção por parte das vítimas, as medidas

protetivas de urgência eram concedidas. O relato da magistrada foi confirmado por uma

funcionaria do Juizado, a qual confirmou que mesmo quando o juiz de plantão recusava

pedidos encaminhados pela DEAM, essas decisões eram revistas pela juíza titular.

De fato, durante a observação de mais de 30 audiências foi possível perceber serem

raros os cancelamentos de medidas protetivas de urgência anteriormente deferidas sem que

ocorra um diálogo anterior entre vítimas, agressores e juíza, no sentido de que seja proferida

uma decisão judicial que dê conta das reais necessidades e expectativas das partes. Mesmo

para as hipóteses em que as próprias vítimas descumpriram as medidas protetivas, mas que

seus casos indicavam necessidade de precaução, a juíza preferia adverti-las com discursos

sobre a suas responsabilidades na resolução de suas vidas, mas, ainda assim, mantendo o

deferimento das medidas.

O cancelamento das medidas protetivas de urgência em juízo costuma ocorrer a partir

da resolução de outros conflitos relacionados àquele que motivou o encaminhamento das

partes ao juizado, como o estabelecimento de pensão alimentícia e guarda de filhos em

comum. Foi possível verificar a existência de uma ponderação por parte das vítimas, e

mesmo de alguns agressores, que a proteção garantida pelas medidas protetivas possuem um

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efeito temporário, estando a necessidade de utilização de muitas delas em casos de

separações conjugais marcadas pela impossibilidade de acordo entre as partes e que, acabam

resultando em agressões.

Assim que as disputas patrimoniais ou relativas à guarda ou pensão para filhos em

comum são acordadas com o auxílio da juíza (sendo verificado o encerramento do ciclo de

ameaças entre vítima e agressor), as medidas protetivas de urgência canceladas são

substituídas por acordos de respeito e/ou, em alguns casos, para a mediação judicial do

conflito.

É importante observar que nenhuma das mulheres entrevistadas em juízo fez

qualquer referência acerca de ter conhecimento da existência tanto da Patrulha Maria da

Penha, quanto da Rede Lilás. Mesmo quando questionadas sobre serviços específicos que

possam lhes ter sido oferecidos, como o encaminhamento aos CRAS e a própria realização

de perícia médico-legal através da Sala Lilás, nenhuma relacionou esses atendimentos à

Rede Lilás ou medidas de políticas públicas de combate à violência. Muitas, inclusive,

demonstraram surpresa ao serem informadas sobre a existência de uma rede de atenção e

proteção, comentando o quanto teriam necessitado das visitas da Patrulha Maria da Penha ou

de atendimento psicológico para si e seus filhos.

Ainda assim, todas as entrevistas demonstram alguma satisfação pelo, a partir de

então, conhecimento do fato de que “existe alguma política”, mesmo que esta satisfação

estivesse acompanhada da menção à necessidade de melhoria do atendimento institucional.

Entre os pontos específicos de funcionamento das instituições mais criticados, estão a

demora no tempo de atendimento da DEAM e no prazo para agendamento da primeira

audiência das medidas protetivas, período que as vítimas solicitantes de medidas protetivas

de urgência consideraram como fundamental para a prevenção de novas agressões ou

reprimendas pelas denúncias.

Em todos os casos nos quais as mulheres desistiram das medidas sem que tivessem

retomado seus relacionamentos – tanto aquelas atendidas pela Patrulha quanto as que o

fizeram em audiência -, a justificativa foi justamente a de que o denunciado não havia

voltado a incomodá-las ou a demonstrar perigo no período em que esperavam: justamente o

momento imediatamente posterior à denúncia (entrevistadas VII, XII, XIII e XIV). Todas as

mulheres que desistiram da medida sem ter retomado o relacionamento não foram

importunadas pelos ex-companheiros logo após as denúncias.

O relato de uma das vítimas entrevistadas, que foi procurada para uma conversa pelo

ex-namorado, ilustra a problemática citada. Perguntada se sentia-se protegida em relação a

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novas agressões e qual a motivação para o pedido de não-manutenção da medida protetiva de

urgência anteriormente concedida, a entrevistada afirmou:

Não, na verdade, não, né? Porque, sim, se ele quisesse me achar e me agredir de

novo, a medida não me assegurava disso. Depois de ele ter feito isso, aí sim, eu iria

procurar e dizer: "olha, eu tenho uma medida contra ele, ele veio aqui e fez isso".

Aí não sei como que ia ser o procedimento, né? Mas, na verdade, não... não me

sinto, não me senti protegida nem um pouco com isso, tanto que ele me procurou,

né? Ele me procurou depois, mas aí... Ele: "ai, não, vamos conversar, eu quero só

conversar, se tu quiser ir com alguém, pode ir com alguém. Se quiser levar o teu namorado, pode levar teu namorado... escolhe um lugar", entendeu? Daí eu fui

falar com ele, assim, porque achava também que deveria, né, falar com ele, assim.

E aí... e aí foi tudo tranquilo, assim, ele me pediu desculpa, queria voltar e eu não

vi, não tinha necessidade de eu ir lá e falar: "olha, ele me procurou, eu tenho uma

medida protetiva, mas ele me procurou", entendeu? E depois ele não me procurou

mais também. (Entrevistada VII)

Em uma outra entrevista, a interlocutora respondeu que seu problema estava

resolvido: “Eu acho. Ele não me incomodou mais, que eu acho que o pai dele conversou

porque o pai dele entende. [...]” (Entrevistada XII).

Em uma terceira entrevista, na qual contou com o relato de uma vítima cujo conflito

referente à guarda dos filhos e alimentos foi administrado a partir de audiência no juizado e

acompanhado pela pesquisadora, a entrevistada afirmou que após o registro policial do caso,

“não aconteceu nada. Ficou tudo tranquilo, ele na dele. Ele não chegou perto de mim por

causa da medida”. Diferentemente do que foi relatado pela maioria das mulheres vítimas

entrevistadas nesta pesquisa, a entrevistada acreditava que sua integridade física estaria

garantida pela Brigada Militar, mesmo nos momentos que antecederam a audiência no

juizado.

Eu senti. Porque assim, no começo, quando tá com os nervos à flor da pele, tu tem

vontade de procurar e tirar satisfação e gritar e bater. Mas, por causa da medida,

isso não aconteceu. Ele tinha medo de ser preso por causa da medida. (Entrevistada

XIII).

Outro relato favorável às medidas protetivas de urgência, no que se refere a seu

caráter coercitivo, foi dado por outra entrevistada que desistiu da manutenção da medida em

juízo:

Eu acho que depois dele ter respeitado e pelo pouco que eu conheci dele durante

esse tempo todo, ele não vá me perturbar, não vá entrar em contato comigo, né.

Mas se isso acontecer, eu vou entrar de novo com a medida, vou fazer um novo

boletim de ocorrência e vai ser diferente. Mas acredito que ele não vá entrar em

contato comigo. (Entrevistada XIV).

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Dentre as entrevistadas contatadas para a realização da presente pesquisa, houve a

retomada do relacionamento conjugal entre vítima e agressor. Neste caso, ocorreram dois

contatos com o casal, através das visitas realizadas pela Patrulha Maria da Penha. Na

primeira visita realizada, o agressor permanecia na residência da família, acompanhado dos

dois filhos comuns. Foi, então, decidido pela equipe que realizava a visitação que o

procedimento adequado seria o de encaminhamento da vítima e do agressor à DEAM. Lá,

ocorreu uma mediação institucional informal com o casal, que, finalmente, optou pela

separação. Neste momento, a mulher foi levada à casa de volta com os dois filhos.

Em uma segunda visita acompanhada, o agressor foi novamente encontrado na

residência familiar. Nesta ocasião, a vítima informou à equipe da Patrulha Maria da Penha

que optado pela não manutenção da medida protetiva de urgência anteriormente solicitada.

Eu desisti da medida pra ele ver as criança, né? Pra ver as criança. Por enquanto, as

coisa têm parado um pouco, né, têm acalmado. Depois, assim... no primeiro

momento que eu fui tirar a medida, antes de tirar a medida... eu não tomei a

decisão antes, primeiro eu fui conversar num advogado, né, que que eu deveria fazer. Ele me explicou: "se eu fosse tu esperava, dava a audiência e lá vocês

conversam com o juiz e lá vocês dão por terminado, né". Mas daí ele pegou e

começou a chorar como sempre chora, né? Chora na frente do meu pai, chora na

frente do porteiro, eu fico com pena dele... eu fico com pena dele, lá da minha mãe.

Aí falam: "dá uma chance pra esse rapaz, esse rapaz fica dormindo nas esquina, aí,

fica dormindo no chão enquanto tu tá lá dentro de casa. Dá uma chance, mal ou

bem ele que dá a comida, ele que trata bem as criança, né? Tenta tratar bem, leva

ele pra um tratamento, quem sabe ele muda, melhor, né...". E eu acho que, se ele

fosse, ele não seria assim, mas é que ele não vai, ele não aceita, ele não quer, ele

tem vergonha, ele acha que ele é um louco... mas, na nossa mente, ele precisa [...].

(Entrevistada V)

A opção pela manutenção das medidas protetivas de urgência, observada em oito

casos, foi justificada pela imprevisibilidade do comportamento dos agressores, os quais

poderiam (ou não) repetir as agressões. O sentimento de medo marcou fortemente a fala de

quatro entrevistadas:

Olha, o que é penso é assim: hoje a gente tem duas coisas que podem acontecer: ou

ele, de uma vez por todas (porque afinal de contas eu convivi com ele e sei que ele

é um cagãozinho, assim, tem medo de algumas coisas, não é tão machão assim), ou

ele para de vez, respeita o que aconteceu hoje e a maneira até como a juíza falou

com ele ou ele vai chutar o balde! Porque ele falou pra mim várias vezes: "isso só

vai parar quando eu tiver preso ou morto". "Ou eu vou ficar preso ou eu vou ficar

morto pra mim parar de te incomodar". Então vai saber o que se passa na cabeça

dele hoje? Se ele ficou com mais raiva de mim, se vai me fazer alguma coisa? Ou

se ele viu que o negócio é sério e vai parar? Eu não me sinto protegida. Isso não é

proteção. Isso tudo aqui, o papel não vai me dar a proteção que eu preciso, né? Mas

eu vou continuar cautelosa... é aquela coisa, né, cuidando onde tá pisando. Eu vou

continuar. A juíza falou que qualquer coisa que acontecer, qualquer lugar que eu vá que ele estiver, eu posso chamar a Brigada. Mas até eu chamar a Brigada, eu já tô

morta, entendeu? Um homem de dois metros, com a força o triplo da minha,

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entendeu? Ele me mata! Então o que eu vou fazer? Vou continuar tendo essa

cautela, esse cuidado. Já não ando mais de ônibus, eu só ando de táxi. Só pego táxi

na minha vida porque... entendeu? Escureceu, eu tô de táxi. Não tem como! Até de

dia, tô sempre esquivada, né. Porque eu tenho medo! (Entrevistada X)

[Suspira] Ah, não sei se isso vai ter solução. Eu acho que é uma coisa que não tem

nem solução na verdade porque eu não sei né, no meu parecer, o homem quando

quer fazer faz mesmo com a medida protetiva, como eu já vi casos. Ó, matou a ex-

mulher e tava com a medida protetiva. Por quê? Porque fez uma arapuca. É como

eu te falei. Ele não vai avisar. Vai ficar quieto. Vai pegar uma hora ali, mata rapidinho, deu, vai embora. Até chamarem a polícia, até virem as medida

protetiva... o cara já tá lá do outro lado do mundo! Eu acho que isso não é

segurança, se tiver que fazer, vai fazer. Porque também não tem como ficar um

brigadiano 24 horas do lado da mulher, né? Se fosse um brigadiano pra cada

mulher que tivesse medida protetiva, não existiria, eu acho, policiamento no

mundo porque a maioria das mulher passam por isso. Como é que vai, né? Tá me

entendendo o que eu quero dizer? Na verdade, corre um risco eu acho que.. oito

por cento de dez por cento corre o risco, assim. (Entrevistada XIII)

É importante ressaltar que ao mesmo tempo em que todas as mulheres atendidas pela

Patrulha Maria da Penha são informadas sobre os atendimentos da Rede Lilás, especialmente

o CRAS, nenhuma das mulheres entrevistadas no Juizado de Violência Doméstica e Familiar

Contra a Mulher conhecia a rede de atendimento e proteção e tampouco foi informada sobre

seu funcionamento na DEAM ou no próprio juizado ( entrevistadas VIII, IX, X, XI, XII,

XIII, XIV).

Finalmente, entre as entrevistas com agentes institucionais, os períodos de

acompanhamento de atendimentos junto a policiais militares e as entrevistas realizadas com

mulheres vítimas de violências, foi possível perceber um grande desencontro de

informações. O primeiro, está relacionado à existência de um sistema de informações sobre

as vítimas que permitiria a identificação dos casos no momento de novas denúncias e

ligações, mas que o 9º BPM, onde muitas atividades profissionais desenvolvidas foram

acompanhadas para a realização desta pesquisa, não conhece na prática. O único recurso

específico é o telefone celular destinado apenas à Patrulha Maria da Penha daquele batalhão.

Além disso, em todos os momentos em que os profissionais buscavam repassar às

pesquisadoras informações acerca do funcionamento da Patrulha Maria da Penha de maneira

geral, em relação ao seu batalhão e aos outros, os profissionais que formavam as equipes

sempre referiram que todos os registros daquela região lhe eram encaminhandos, sem que

houvesse uma filtragem inicial pela DEAM, de modo diverso ao informado em entrevistas

realizadas, tanto com a delegada titular da DEAM, quanto com a coordenadora regional da

Patrulha.

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4.4 Considerações sobre o caso de Porto Alegre

Em porto Alegre, duas situações merecem destaque na comparação com as

outras capitais e na avaliação dos resultados de pesquisa aqui apresentados: o papel

desempenhado pela Secretaria da Mulher, vinculada ao Governo do Estado, para a

indução de políticas públicas especificas nas diversas áreas de ação estatal, e os

resultados apresentados pelos programas Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar,

e Sala Lilás, do Instituto Geral de Perícias.

Graças à ação da Secretaria da Mulher, as diversas secretarias foram motivadas

a apresentarem políticas específicas para a questão de gênero. No caso da Segurança

Pública, foi a partir desta cobrança que foram elaborados e implementados os dois

programas acima citados.

O balanço realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul,

passado um ano do início das atividades desempenhadas pelo programa Patrulha Maria da

Penha, é bastante positivo, tanto quantitativa quanto qualitativamente. Além dos dados sobre

a quantidade de atendimentos realizados, foram registrados dados sobre os casos em que

vítimas e agressores reestabeleceram suas relações, num total de 216 casos. O desrespeito ao

cumprimento das medidas protetivas de urgência por parte dos agressores foi responsável

pela realização de 109 prisões preventivas.

O trabalho de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência

realizado pela Patrulha Maria da Penha alcançou, em seu primeiro ano de atividades, o

principal objetivo proposto em seu projeto de criação, não tendo ocorrido nenhum caso de

homicídio entre as vítimas acompanhadas pelo programa. A eficácia das atividades

desenvolvidas pelos policiais militares, no que se refere ao seu caráter preventivo, também

pode ser observada através da inexistência do registro de novas ocorrências policiais por

parte das vítimas atendidas pela Patrulha.

No caso do programa Sala Lilás, o balanço também é positivo, pois permitiu

qualificar os serviços de coleta de provas periciais para situações envolvendo violência

contra a mulher, dando a elas um atendimento que passou a zelar pela preservação de sua

intimidade e dignidade, evitando a revitimização. A iniciativa é simples e não envolve

grande investimento, mas foi possível perceber que produz resultados importantes na

percepção das mulheres a respeito do atendimento recebido.

Quanto ao encaminhamento, pela Delegacia da Mulher, das solicitações de medidas

protetivas de urgência, e o andamento do pedido junto ao Poder Judiciário, a pesquisa

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identificou situação semelhante às demais cidades pesquisadas, com relativa agilidade no

encaminhamento por parte da Polícia Civil, e uma morosidade maior no âmbito do Poder

Judiciário. Percebeu-se também, no entanto, a preocupação da Justiça em garantir o

deferimento das medidas sempre que necessárias, mesmo que com posterior revogação. Há

problemas ainda pela falta de comunicação das medidas para as mulheres solicitantes, e uma

vez concedida a medida muitas vezes o processo fica aguardando a realização do inquérito

ou mesmo a notificação do acusado, que acaba resultando em maior morosidade judicial,

quando não dá margem ao arquivamento do processo. A agilidade dos trâmites policiais e

processuais ainda é um desafio a ser enfrentado pelas estruturas institucionais voltadas ao

atendimento às mulheres vítimas de violência.

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5. Considerações Finais

Os resultados aqui apresentados, dando conta da aplicação e do acompanhamento das

medidas protetivas de urgência em três capitais brasileiras, cada uma delas com trajetórias

institucionais específicas para o enfrentamento do problema, são bastante ricos e

esclarecedores sobre as idas e vindas, os avanços e dificuldades ainda enfrentadas para que

as mulheres vítimas de violência possam encontrar aquilo que pretendem ao encaminhar o

caso à polícia e se submeterem à administração do conflito pelo Poder Judiciário.

De maneira geral, e procurando realizar uma síntese daquilo que encontramos em

cada uma das cidades pesquisadas, é possível afirmar que:

- A porta de entrada da grande maioria dos casos no sistema de justiça é via

Delegacias de Atendimento à Mulher, seja quando buscam diretamente o registro de

ocorrência, seja quando encaminhadas pela Polícia Militar. A percepção das mulheres a

respeito do atendimento varia, desde aquelas que relatam terem sido muito bem atendidas,

esclarecidas e encaminhadas, até as que manifestam um profundo desconforto com a forma

como foram atendidas na Delegacia. De qualquer forma, qualquer política que pretenda

garantir uma melhor acolhida às mulheres vítimas de violência passa pela qualificação dos

serviços das Delegacias da Mulher, o que inclui também os serviços de perícias, que tem

como exemplo bem sucedido a chamada Sala Lilás, em Porto Alegre, projeto desenvolvido

pelo Instituto Geral de Perícias do RS;

- Uma vez feito o registro da ocorrência e encaminhado o caso ao Poder Judiciário, o

desafio que se coloca diz respeito à necessária rapidez para a análise e deferimento da

medida protetiva de urgência. A previsão da lei é de que em no máximo 96h a medida, caso

se avalie necessário, seja deferida e a mulher comunicada do deferimento. Não é o que

acontece em grande parte dos casos, de acordo com os relatos tanto dos servidores quanto

das mulheres atendidas. Embora haja situações em que a previsão legal foi cumprida, o

tempo médio de tramitação até o deferimento tem ficado em torno de 30 dias, o que pode

significar tanto a total ineficácia da medida quanto o descrédito da vítima sobre a capacidade

do sistema oferecer de fato uma proteção contra novas violências. Em grande medida, a

possibilidade de dar andamento ao pedido em tempo hábil tem dependido, pelo que pudemos

constatar, tanto da iniciativa pessoal de delegadas e juízas, quanto da existência de uma

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estrutura adequada para que não haja uma excessiva sobrecarga de trabalho nas Delegacias e

Juizados;

- Quanto aos critérios para a concessão da medida, também há disparidade, levando a

situações em que as mulheres manifestam descontentamento quanto à falta de preocupação

do judiciário para com a sua situação específica. Pelo que pudemos constatar, os melhores

resultados neste caso foram obtidos por juízas que optaram por dar prioridade ao pedido e à

palavra da mulher, mesmo correndo o risco de uma posterior revogação da medida por

desnecessária. O fato é que, na ponderação de riscos, a avaliação feita é de que uma medida

de afastamento e manutenção de distância é sempre mais adequada do que a possibilidade de

novas agressões. Somente em casos onde fica evidente a tentativa de utilização dos

mecanismos de proteção para a obtenção de ganhos patrimoniais ou de outro tipo de justifica

o indeferimento da medida, mas são minoritários em relação a um padrão em que o pedido é

importante, no mínimo, para garantir o direito da mulher de ter sua vontade respeitada, com

respeito à sua intimidade e integridade física e moral;

- Quanto à eficácia das medidas, as três cidades estudadas apresentam experiências

importantes, todas elas vinculadas à participação ativa de programas específicos das Polícias

Militares, com visitação e acompanhamento das mulheres sob a tutela das medidas

protetivas. A existência destes programas, ainda muito recentes, tem encorajado e dado a

elas maior confiança na efetividade dos mecanismos judiciais de enfrentamento da violência.

Por outro lado, as carências de efetivo, ou a falta de prioridade para estes programas, acaba

fazendo com que em alguma medida sejam experiências piloto ainda não consolidadas, e

colocadas sobre constante pressão no sentido do seu esvaziamento. Os resultados até aqui

apresentados, no entanto, permitem afirmar que, ao contrário, seria importante sua

ampliação, para que as visitações aconteçam não apenas esporadicamente, mas de forma

periódica, assim como o atendimento a chamados em casos de emergência. Da mesma

forma, os programas de monitoramento eletrônico aparecem como uma possibilidade

interessante de garantia das medidas de afastamento e manutenção de distância, evitando o

encarceramento do acusado;

- Por fim, os três contextos analisados oferecem perspectivas promissoras para o

aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais de enfrentamento da violência de gênero,

apontando caminhos capazes de evitar novos casos, encorajar as mulheres, e aumentar o

nível de confiança nas instituições de segurança e justiça. Mas as entrevistas com as

mulheres vítimas revelam também uma insatisfação latente com a ausência de mecanismos

que vão além do tratamento penal do conflito, garantindo atendimento psicológico e

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assistência social para situações em que muitas vezes por trás do conflito e da violência

encontramos uma grande precariedade material, ou transtornos e sofrimento psíquico que

poderiam e deveriam ser enfrentados de forma mais ampla. Os desafios ainda são imensos

para a garantia de direitos pelo Estado brasileiro, mas a experiência trilhada a partir da

edição da Lei 11.340/2006 mostra que o engajamento institucional de diferentes atores

estatais, aliado à participação ativa de grupos da sociedade civil, e com o constante

monitoramento e avaliação das políticas implementadas, são o caminho mais promissor para

apontar as dificuldades e as possibilidades de superação, na direção de uma sociedade mais

justa, democrática e garantidora dos direitos de todos os seus integrantes.

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6. Recomendações

6.1 Tendo em vista o fato de que a porta de entrada da grande maioria dos casos no sistema

de justiça é via Delegacias de Atendimento à Mulher, seja quando buscam diretamente o

registro de ocorrência, seja quando encaminhadas pela Polícia Militar, considera-se que

qualquer política que pretenda garantir uma melhor acolhida às mulheres vítimas de

violência passa pela qualificação dos serviços de atendimento nas Delegacias da Mulher,

desde o acolhimento e a coleta do depoimento da mulher até o serviço de perícia e

encaminhamento do caso ao Poder Judiciário. Neste sentido, sugere-se que haja programas

de capacitação permanente dos servidores que atuam nas Delegacias, programas específicos

para a produção de provas periciais, nos moldes da “Sala Lilás”, e a garantia da estrutura

necessária para dar conta da demanda de casos, com o encaminhamento ágil tanto das

solicitações de medidas protetivas de urgência quanto do inquérito policial;

6.2 Tendo em vista o fato de que a previsão da lei é de que em no máximo 96h a medida

protetiva de urgência seja avaliada e, quando for o caso, deferida e a mulher comunicada do

deferimento, e levando em conta que em nenhuma das capitais estudadas este prazo é

cumprido, ficando muitas vezes o tempo médio para o deferimento ou não da medida em

torno de 30 dias, sugere-se que haja uma padronização de procedimentos no trâmite entre a

Delegacia e o Poder Judiciário, e que uma vez chegando à Vara Judicial ou Juizado haja um

acompanhamento informatizado do tempo de tramitação do pedido, assim como a rápida

comunicação à mulher sobre o resultado de sua solicitação. Para tanto, também é importante

o aparelhamento das Varas e Juizados especializados no atendimento dos casos previstos

pela Lei 11.340/2006, para que possam dar conta da demanda. Da mesma forma, considera-

se adequado o critério apresentado por alguns juízes, que diante da falta de fundamentação

do pedido ou de fundada dúvida a respeito da pertinência da medida, optam pelo

deferimento, uma vez que entendem que a desatenção para com a solicitação encaminhada

poderá produzir consequências mais graves do que aquelas decorrentes da imposição da

medida à parte acusada;

6.3 Para a garantia da eficácia das medidas, os três casos estudados permitem sugerir que há

a necessidade de programas específicos que, uma vez deferido o pedido de medida protetiva

pelo Poder Judiciário, garantam a efetividade das mesmas. De maneira geral, tem sido

atribuição das Polícias Militares a realização deste acompanhamento, e tem havido sucesso

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quando são cumpridos alguns critérios, como a informação rápida sobre o deferimento da

medida e o perfil dos envolvidos, e garantia de estrutura para que possa ocorrer a visitação e

acompanhamento das mulheres sob a tutela das medidas, que inclui, além do efetivo e

viaturas necessárias para dar conta da demanda, a capacitação específica dos policiais que

atuam neste acompanhamento. Também se sugere a ampliação dos programas de

monitoramento eletrônico para a garantia das medidas de afastamento e manutenção de

distância, mecanismo que, para sua utilização, deve sempre ser utilizado como último

recurso antes da prisão preventiva do acusado, e com a preocupação de evitar a

estigmatização e qualquer outro prejuízo ao indivíduo monitorado.

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125

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ANEXOS

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Roteiro de entrevistas semiestruturadas

com operadores do Sistema de Segurança Pública e

Justiça Criminal

1. Polícia Civil:

a. Quais os critérios utilizados pela Delegacia para o enquadramento legal dos casos

registrados na DEAM? Que tipo de ocorrências não se enquadram nas previsões

da Lei Maria da Penha, e não são encaminhadas ao Juizado de Violência

Doméstica e Familiar Contra a Mulher?

b. Como se dá a solicitação e o registro do pedido de medida protetiva na Delegacia

da Mulher?

c. Qual o papel que a Polícia Militar possui na chegada de mulheres às delegacias

de polícia? Há muitos encaminhamentos nesse sentido?

d. Como o pedido é encaminhado ao Juizado? Há fundamentação da solicitação

com base no depoimento da mulher ou na coleta de outras provas? Quais são as

medidas mais solicitadas?

e. A Polícia acompanha a concessão ou não da medida pela Justiça?

f. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?

g. A polícia civil possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para

homens agressores? E para as mulheres vítimas?

h. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas

vezes por seus parceiros?

2. Poder Judiciário:

a. Qual é a origem mais comum, em termos de solicitação das medidas protetivas:

PM, DEAM, Promotoria de Defesa dos Direitos da Mulher, Defensoria Pública

ou advogado particular? A origem do encaminhamento do caso implica em

diferenças do ponto de vista da medida protetiva solicitada?

b. Quais são as medidas mais solicitadas?

c. Quais os critério adotados para a concessão ou não da medida protetiva?

d. A medida é concedida ou negada logo após o recebimento da solicitação ou

somente após a realização de audiência com as partes?

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e. Como ocorre a comunicação da concessão ou negativa da medida para a mulher e

o suposto agressor?

f. Quais são as medidas mais concedidas?

g. Uma vez concedida a medida, há comunicação à polícia (civil ou militar)?

h. Como é o acompanhamento do cumprimento da medida protetiva?

i. Que providências são tomadas quando há o descumprimento da medida?

j. No caso de cumprimento integral da medida, que implicações isso tem para o

julgamento do caso?

k. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?

l. O Judiciário possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para homens

agressores? E para as mulheres vítimas?

m. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas

vezes por seus parceiros?

3. Ministério Público:

a. Como se dá a atuação do Ministério Público na avaliação da concessão ou não de

medida protetiva de urgência para mulheres vítimas de violência pelo Poder

Judiciário?

b. O MP acompanha o cumprimento da medida?

c. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?

d. O Ministério Público possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para

homens agressores? E para as mulheres vítimas?

e. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas

vezes por seus parceiros?

4. Defensoria Pública:

a. Como se dá a atuação da Defensoria Pública no pedido de medida protetiva de

urgência para mulheres vítimas de violência pelo Poder Judiciário?

b. A Defensoria Pública acompanha a concessão da medida? E o seu cumprimento?

c. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?

d. A Defensoria Pública possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão)

para homens agressores? E para as mulheres vítimas?

e. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas

vezes por seus parceiros?

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5. Polícia Militar:

a. Existe algum programa específico de acompanhamento da casos de violência

doméstica e familiar contra a mulher na PM? Se sim, como é o programa?

b. Como avalia a eficácia das medidas protetivas de urgência?

c. A Polícia Militar possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para

homens agressores? E para as mulheres vítimas?

d. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas

vezes por seus parceiros?

6. Outros programas (monitoramento eletrônico):

a. Como ocorre o encaminhamento dos casos para o programa?

b. Como é feito o acompanhamento do cumprimento da medida?

c. Como avalia a eficácia do trabalho desenvolvido?

d. A SEDS possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para homens

agressores? E para as mulheres vítimas?

e. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas

vezes por seus parceiros?

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Roteiro semi-estruturado para entrevistas com

Mulheres que encaminharam denúncia de violência

doméstica e/ou familiar

a. Já conhecia as medidas protetivas da Lei Maria da Penha? Como tomou conhecimento das

medidas protetivas?

b. É a primeira vez que recebe medida protetiva?

c. Por qual o motivo solicitou medida protetiva? Quais foram as consequências?

e. De que forma (ou através de quem) recorreu à Delegacia da Mulher?

f. Como ficou sabendo que a sua medida protetiva foi concedida?

g. [Porto Alegre, se necessário]: Quando você recebeu a visita da Patrulha Maria da Penha?

Como descreveria essa visita?

h. Como avalia a eficácia da medida? Você se sentiu protegida?

i. Você tem filhos? Como ficou a relação com seu cônjuge depois da medida?

j. Houve descumprimento da medida por parte do agressor?

k. O que poderia ser feito para que o problema que gerou a medida protetiva não se

repetisse?

l. Conhece outras mulheres que também receberam medida protetiva?

m. Como você avaliaria a atuação da Rede Lilás [DEAM, Patrulha Maria da Penha, Juizado,

etc.] no seu caso?