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O DIREITO NA ORDEM DO DIA: COLETÂNEA DE ARTIGOS DO PROJETO “DISPERSAR DIREITOS” Vol. 03 N. 01

Projeto Dispersar Direitos - 2015.1 - 3 Per. M

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O DIREITO NA ORDEM DO DIA – COLETÂNEA DE ARTIGOS DO PROJETO DISPERSAR DIREITOS – V. 3, N. 1

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O DIREITO NA ORDEM DO DIA:

COLETÂNEA DE ARTIGOS DO PROJETO “DISPERSAR

DIREITOS”

Vol.

03

N.

01

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL

(Organizador)

O DIREITO NA ORDEM DO DIA:

COLETÂNEA DE ARTIGOS DO PROJETO

“DISPERSAR DIREITOS” (Vol. 03 – n. 01)

Capa: Salvador Dalí, “O Arquitetônico Angelus de Millet”, 1933.

Comissão Científica

Tauã Lima Verdan Rangel

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

Os autores

É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui

apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante

citação da fonte.

APRESENTAÇÃO

O Projeto “Dispersar Direitos”

substancializa uma proposta apresentada pelo

Professor Tauã Lima Verdan Rangel, na ministração

de suas disciplinas. O escopo principal do projeto

supramencionado é despertar nos discentes do Curso

de Direito do Centro Universitário São Camilo uma

visão reflexiva e crítica sobre o universo jurídico.

Trata-se de uma abordagem de temas tradicionais e

contemporâneos do Direito, tal como suas implicações

e desdobramentos em uma realidade concreta.

Com o título “O Direito na Ordem do Dia”, a

coletânea de Projetos de Trabalho de Curso busca

explicitar para a Comunidade Acadêmica e público

interessado os esforços dos discentes do terceiro

período, turno matutino, do Curso de Direito na

construção de artigos acadêmicos interdisciplinares

arrajodos e contemporâneos. Para tanto, a proposta

pauta-se na conjugação de diversos segmentos do

conhecimento e a utilização de mecanismos de

ensinagem que dialoguem conteúdo teórico com

habilidades prática em conteúdos jurídicos,

despertando e aprimorando habilidades

imprescindíveis aos Operadores do Direito.

O leitor poderá observar que os temas são

heterogêneos, abarcando realidades locais e peculiares

do entorno da Instituição de Ensino Superior, tal como

questões mais abrangentes. Trata-se da

materialização do diferencial do Curso de Direito do

Centro Universitário São Camilo-ES, ao formar

Bacharéis em Direito capazes de atuar com o plural e

diversificado conhecimento inerente ao Direito, sem

olvidar da realidade regional, dotadas de

peculiaridades e aspectos diferenciadores que

vindicam uma ótica específica.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

Coordenador do Núcleo de Trabalho de Curso e

Pesquisa do Curso de Direito

Í N D I C E

Uma análise da função da jurisdição sob a ótica

constitucional do acesso à Justiça ............................ 08

A conciliação como método alternativo na solução de

conflitos por meio da Câmara Brasileira de Mediação e

Arbitragem Empresarial de Cachoeiro de Itapemirim-

ES em 2014 e 2015 .................................................... 38

Mediação de conflitos ambientais, diante dos impasses

do acesso aos recursos hídricos em tempo de

escassez ...................................................................... 61

Limites da efetiva aplicação dos princípios da Bioética

frente a interesses nacionais e capitalistas ............. 84

Quando começa a vida humana à luz dos postulados

principiológicos do Direito e da Biomedicina ........... 116

O DIREITO NA ORDEM DO DIA:

COLETÂNEA DE ARTIGOS DO PROJETO “DISPERSAR

DIREITOS”

8

UMA ANÁLISE DA FUNÇÃO DA JURISDIÇÃO

SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL DO ACESSO

À JUSTIÇA

BICALHO, Clarissa Duarte1

CONSTANTINO, Eduarda Paixão 2

SOUZA, Daniela dos Santos de3

RANGEL, Tauã Lima Verdan 4

Resumo: É necessário evidenciar que o Acesso à Justiça,

previsto na Constituição Federal de 1988, tem sido

almejado pelo Estado Democrático de Direito, que trouxe

para si o ônus de dirimir as lides, efetivado através da

jurisdição, derivada do latim dicere ius. O Direito está onde

a sociedade se faz presente - ubi homo, ibi societas; ubi

societas, ibi jus - e é algo inerente a mesma. Dessa forma, a

jurisdição relaciona-se estreitamente com o Direito, sendo

um método de resolução de conflitos exclusivamente

estatal, que deve ser exercida imparcialmente pelo Estado,

que resolve quem tem razão no litígio. O presente pretende

expor um entendimento amplo no que se refere à Justiça,

1 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES, [email protected]; 2 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES, [email protected]; 3 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES, [email protected]; 4 Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de

Pós-Graduação em Sociologia e Direito pela Universidade Federal

Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela

Universidade Federal Fluminense, [email protected]

9

explanando se esse acesso se dá pelo alcance da jurisdição,

ou se é decorrente de se lograr o justo no que se refere à

resolução do conflito em questão. Pretende-se também

expor sobre os métodos extrajudiciais de resolução de

conflitos, que podem auxiliar nesse acesso à justiça. A

Justiça deve ser exercida com respeito ao direito e a

equidade. Reportando-se ao âmbito jurídico, ter acesso a ela

não está restrito apenas ao acesso ao Poder Judiciário, mas

também a uma gama de direitos fundamentais e princípios

que não se restringem ao sistema tutelar processual. É

essencial proferir ao indivíduo uma decisão justa e não

apenas facilitar o acesso à jurisdição, que, como já

explanado, pertence exclusivamente ao Estado. A

efetividade do acesso à justiça depende também da

paridade de armas entre os litigantes, que devem ser

ofertadas de diversas formas, sendo estatais ou não.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Jurisdição.

Inafastabilidade. Ativismo Judicial.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em um primeiro momento, é necessário frisar

que todos é resguardado o direito de recorrer à

jurisdição sempre que julgar ter o próprio direito

ameaçado ou lesado, como previsto no artigo 5º da CF,

inciso XXXV, que diz: “a lei não excluirá da apreciação

do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Todo

indivíduo é detentor do direito de ação, subjetivo de

10

cada cidadão. Não é valido conceder apenas o direito

material ao indivíduo se também não lhe for garantido

meios tutelares para a sua preservação. De acordo com

Alexandre de Moraes:

O Poder Judiciário, desde que haja

plausibilidade de ameaça ao direito, é

obrigado a efetivar o pedido de prestação

judicial requerido pela parte de forma

regular, pois a indeclinabilidade da

prestação judicial é princípio básico que

rege a jurisdição, uma vez que a toda

violação de um direito responde uma

ação correlativa, independentemente de

lei especial que a outorgue. (MORAES,

2004, p. 105.).

Para Cappelletti e Bryant Garth, o acesso à

justiça deve ser reconhecido como um requisito

fundamental.

De fato, o direito ao acesso efetivo tem

sido progressivamente reconhecido como

sendo de importância capital entre os

novos direitos individuais e sociais, uma

vez que a titularidade de direitos é

destituída de sentido, na ausência de

mecanismos para sua efetiva

reivindicação. O acesso à justiça pode,

portanto, ser encarado como o

requisito fundamental – o mais básico

11

dos direitos humanos – de um sistema

jurídico moderno e igualitário que

pretenda garantir, e não apenas

proclamar os direitos de todos.

(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 11-

12.).

O Direito deve se adequar aos anseios da

sociedade, que é variável e apresenta a cada momento

uma nova necessidade, devendo ser reconhecida pelo

sistema jurídico. Devido a essa rotação sócio-cultural,

muitas críticas têm insurgido contra o desempenho

estatal da função jurisdicional na resolução das lides,

que tem sido exercida, em alguns casos, com

morosidade, quando não se trata de uma demanda

com caráter de urgência.

Sendo um Estado Democrático de Direito, o

acesso à justiça, previsto na Carta Magna, deve ser

observado em todas as hipóteses, e até mesmo

auxiliado pela jurisdição. Percebe-se que a figura do

Defensor Público e até mesmo a concessão da

Assistência Judiciária Gratuita facilitam esse acesso

para os tidos como menos favorecidos na sociedade.

Ademais, de que vale a garantia constitucional

do acesso à justiça, através da jurisdição, se o Poder

12

Judiciário não está suportando tutelar

tempestivamente os litígios que lhes são conferidos?

Não seria o fácil acesso um dos motivos propulsores

dessa calamidade? O Estado garante o inicio de uma

demanda, mas não o seu fim. Buscando dirimir tal

cenário, em 2004, foi feita uma Emenda

Constitucional nº 45 dispondo que o artigo 5° da CF,

inciso LXXVIII, passará a vigorar com a seguinte

redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo,

são assegurados a razoável duração do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Como uma forma de auxiliar a resolução dos

litígios pode-se citar os Métodos Extrajudiciais de

Resolução de Conflitos (MESC’s), compreendidos pela

conciliação, mediação e arbitragem. Tais métodos

tendem a desafogar o Judiciário, permitindo que se

atinja a justiça almejada de maneira mais ágil,

podendo facilitar seu acesso.

13

2 UMA ANÁLISE DA FUNÇÃO DA JURISDIÇÃO

A palavra jurisdição é composta por duas

palavras, derivadas do latim juris (direito) e

dictionis (ação de dizer) que quer dizer “o direito

começa quando o Estado chama para si a

responsabilidade de solucionar as lides”. Anterior ao

período moderno, que é o atual, a mesma era

totalmente privada e não estava ligada ao Estado.

Dentro dos feudos, os senhores de engenho tinham as

jurisdições feudais e baroniais, e no período

monárquico brasileiro havia a jurisdição eclesiástica,

que desapareceu com a separação entre Igreja e

Estado, a qual tinha como matéria o direito de família.

Dessa forma, prevalecia na sociedade à fase da

autotutela onde quem pretendia algo deveria obter

com sua própria força e na medida dela buscar a sua

satisfação resistida. Assim, vivendo neste regime, não

era assegurada a justiça, e sim a vitória do mais forte

sobre o mais fraco.

Com a evolução da sociedade, surgiu na mesma

a necessidade de resolver os conflitos ocorridos de

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forma justa e eficaz a modo que não houvesse

resultado tendencioso. Conforme a sociedade foi se

desenvolvendo intelectualmente, a forma de resolução

de conflito a ser escolhida deveria ser a que não se

desse pela submissão do fraco ao mais forte.

A jurisdição utilizada hoje é estatal, confiada

aos magistrados, monopólio do Poder Judiciário, sendo

a ela competida a distribuição de aplicação da lei

quando em caso de conflito de interesses e a

distribuição de justiça.

O processualista Giuseppe Chiovenda define a

jurisdição como sendo a:

Função do Estado que tem por escopo a

atuação da vontade concreta da lei por

meio da substituição, pela atividade de

órgãos públicos, da atividade de

particulares ou de outros órgãos

públicos, já no afirmar a existência da

vontade da lei, já no torná-la,

praticamente, efetiva. (CHIOVENDA,

1969, p.3).

Destaca-se, a também concepção trazida por

Carnelutti (1952), onde a jurisdição seria a busca pela

“justa composição da lide”, sendo construída em sua

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base a teoria no conceito de lide, onde um dos

interessados manifesta a vontade de pretensão e o

outro resistência, gerando como consequência o

conflito, donde advêm o papel da jurisdição consistente

em compor este conflito qualificado por uma

pretensão resistida.

O direito está ligado ao conceito de sociedade,

que, reciprocamente, encontra-se ligada ao conceito de

direito. Essa relação se manifesta na função que o

direito exerce na sociedade, mantendo a organização

social, sendo materializada na coordenação dos

interesses expressos e manifestados por seus

membros, harmonizando as relações sociais

intersubjetivas, de modo que essa ordem atue com

forma de controle social.

O Estado tem como função a atividade

jurisdicional, obtendo o dever de levar aos litigantes o

maior grau de certeza e segurança com relação à

justiça, tendo em vista que, as sua pretensões serão

decididas por juízes imparciais, sem interesse na

causa a ser julgada, levando em conta que há diversos

princípios que norteiam a atividade jurisdicional,

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garantindo sua imparcialidade, funcionamento e

justiça das decisões.

José de Albuquerque Rocha afirma que:

Quando falamos em espécie de

jurisdição, temos em vista não uma

pluralidade de funções jurisdicionais,

mas a diversidade de matérias sobre as

quais se exerce a jurisdição, ou outras

particularidades, que impõem a

repartição das atribuições jurisdicionais

entre diferentes órgãos, o que, contudo,

não infirma a tese de sua unidade, vez

que em todas essas situações a jurisdição

é, sempre, a mesma função soberana do

Estado de dizer ou executar

coativamente o direito no caso concreto,

em ultima instância, e de modo definitivo

e irrevogável (ROCHA, 2005).

Portanto, compreende-se que a jurisdição é uma

atividade realizada pelo Estado, tendo como objetivo a

aplicação do direito objetivo ao caso concreto trazido a

juízo, objetivando resolver uma crise jurídica de modo

a alcançar a pacificação social. Deve-se levar em

consideração que a jurisdição pode ser vista através de

três enfoques distintos: poder, função e atividade.

A jurisdição consolida-se em um complexo de

atos praticados pelo agente estatal investido da

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atividade jurisdicional no processo, forma que a lei

criou para que o exercício dessa função se tornasse

possível. Encontra-se em estado de inércia, conforme

uma característica usada por leigos, devendo ser

provocada, ou seja, solicitada pela parte interessada

por motivos de uma pretensão resistida e não

resolvida de forma pacifica, de modo que, pelo fato de

ser uma atividade pública, a função jurisdicional não

atua espontaneamente e de oficio.

Desse modo, a jurisdição é uma das principais

funções estatais, a qual o Estado substitui aos

titulares dos interesses em contrapartida para,

imparcialmente, buscar a pacificação social e a

instaurar a convivência harmoniosa em sociedade.

Estando traduzida em outras palavras, consolida-se na

atividade realizada pelo Estado com objeto de

aplicação do direito objetivo ao caso concreto que foi

levado a juízo, resolvendo-o com caráter

definitivamente de situação jurídica, de modo a

alcançar a pacificação social.

A jurisdição não pertence ao cidadão, e sim ao

estado. Este não a carrega consigo para outros lugares

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(países). Ela é una em todo o território nacional, não

variando entre os estado membros. É também

inafastável, o que implica no direito de ação (direito de

buscar a jurisdição) e na definitividade das decisões (é

obrigatório o cumprimento da decisão prolatada pelo

juiz).

3 A FUNÇÃO DA JURISDIÇÃO A LUZ DO

ACESSO À JUSTIÇA

Cotidianamente a sociedade desenvolve vários

litígios, e para a solução destes, o indivíduo tem a

garantia constitucional do acesso à justiça, que lhe

faculta a possibilidade de apresentá-los aos órgãos

jurisdicionais do Estado reivindicando os direitos

violados através da ação e recebendo o auxílio na

defesa. Sendo o Estado o monopolizador do poder

coercitivo da força, ele tem como função precípua - no

Estado-social - de interceptar tais lides, oferecendo um

processo célere, eficaz e justo. Para o professor e

ministro Teori Albino Zavascki:

19

O direito à efetividade da jurisdição –

que se denomina também,

genericamente, direito de acesso à

justiça ou direito à ordem jurídica justa –

consiste no direito de provocar a atuação

do Estado, detentor do monopólio da

função jurisdicional, no sentido de obter,

em prazo adequado, não apenas uma

decisão justa, mas uma decisão com

potencial de atuar eficazmente no plano

dos fatos.( ZAVASCKI, 1997, p. 32).

O acesso à justiça está previsto na Constituição

Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXV, dispondo

que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”. No caput deste

mesmo artigo consta que “todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e a propriedade”. A legislação

assegura a quaisquer indivíduos o amparo

jurisdicional, independente de qual seja as condições

físicas, sociais ou econômicas do cidadão. Os

indivíduos hipossuficientes possuem a garantia

constitucional do acesso à justiça através da

assistência judiciária gratuita e da defensoria pública,

20

como previsto no inciso LXXIV, do mesmo artigo

supramencionado, que dispõe que “o Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que

comprovarem insuficiência de recursos;” - e também

na Lei 1060/50.

O acesso à justiça implica em, também, ter

paridade de armas entre os litigantes, e a efetivação

da garantia do princípio do contraditório e da ampla

defesa, que está postulada no artigo 5º da CF/88, no

inciso LV, dizendo: “os litigantes, em processo judicial

ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e ampla defesa, com os

meios e recursos a ela inerentes;”. Respeitando isto, a

indiscriminada busca pela justiça será exercida de

forma equânime.

Outro amparo legislativo encontra-se na 1º

Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de

São José da Costa Rica, no artigo 8º:

Toda pessoa tem direito de ser ouvida,

com as garantias e dentro de um prazo

razoável, por um juiz ou tribunal

competente, independente e imparcial,

estabelecido anteriormente por lei, na

21

apuração de qualquer acusação penal

contra ela, ou para que se determinem

seus direitos ou obrigações de natureza

civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer

natureza. (BRASIL, 1988).

Este cenário legislativo caracteriza o princípio

da inafastabilidade jurídica. O direito de recorrer à

jurisdição é absoluto, e nada pode afastar o indivíduo

do direito de recorrer a ela.

O acesso à justiça apresenta duas vertentes,

sendo elas ter acesso à Justiça- como sendo ao Poder

Judiciário- e/ou ao que é justo. Estar amparado pela

tutela jurisdicional do Estado não supõe lograr ao que

é justo, e sim possuir a prerrogativa de uma decisão

justa.

Existem os métodos de autocomposição de

resolução de conflito, que por vezes oferecem decisões

mais justas do que as proferidas pelo Estado-Juiz. São

estes a arbitragem, a mediação e a conciliação,

também conhecidos como MESC’s (Métodos

Extrajudiciais de Solução de Conflitos). A decisão

prolatada através destes métodos tem a mesma força

de sentença de um Juiz estatal e tende a ser mais

22

pacífica, tendo em vista que busca satisfazer ambas as

partes envolvidas. A mediação e a conciliação são,

também, utilizadas pelo Estado nos fórum e tribunais

do país de forma gratuita.

Embora sejam formas legais de resolução das

lides - como, por exemplo, a Lei nº 9.307/96, sobre a

arbitragem – a cultura jurídica brasileira não adere

competentemente a estes. São métodos que, apesar de

serem muitos eficazes e céleres, não são contemplados

pelos operadores do direito brasileiro. Os advogados

das partes não as instruem sobre estes métodos.

Talvez seja por receio ou constatação de que não são

tão lucrativos quanto à intempestividade processual

que o judiciário proporciona, já que esta demora

prolonga o ofício, e, por conseguinte, a lucratividade do

advogado.

Entretanto, no ponto de vista bioético, essa

atitude fere indiretamente ao princípio da autonomia

da vontade, pois priva o indivíduo da possibilidade de

escolha, o direcionando para apenas um caminho que é

a tutela do poder judiciário, enquanto existem outros

meios de alcançar o fim objetivado. Ou seja, impõem

23

ao litigante, leigo, a seguir uma vertente, anulando a

possibilidade do ensejo do indivíduo por outra,

manifestando a vontade apenas para propor a ação, e

não concebendo a vontade de escolha de um método

alternativo.

A luz de outro princípio bioético, o da justiça,

vislumbra-se que o acesso a justiça é erga omnes e

deve ser oferecido em igual porção. Porém não é o que

ocorre na realidade. O que se vê rotineiramente é

aqueles que dispõem de maior prestigio econômico são

os que desfrutam de maior celeridade processual e de

uma decisão mais favorável ao próprio anseio. Esta é

oferecida, também, de acordo com a necessidade de

cada indivíduo, ou seja, o acesso a justiça contempla a

todos, quando estes necessitarem da intervenção do

Estado-Juiz na violação ou ameaça do direito.

Objetivando o bem estar e a plenitude da

satisfação social, do cidadão, a disponibilização deste

direito fundamental respeita os princípios da não

maleficência e da beneficência. O indivíduo não poder

ser privado deste mecanismo, é de extrema

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necessidade para ajudar o mesmo a se auto-afirmar

socialmente e defender-se daquilo que lhe oprime.

A garantia de que todos possuem o acesso à

justiça quando tiver o direito violado ou ameaçado é

indubitavelmente fundamental, já que, como disposto

no preâmbulo da CF/88, a Assembleia Nacional

Constituinte representa o povo brasileiro instituindo

um Estado Democrático de Direito para assegurar aos

cidadãos os direitos que lhes pertencem. No entanto,

esta garantia somada com a impessoalidade do Poder

Judiciário na contemplação dos litígios, e ao

exacerbado numero de demandas que são levadas a

Justiça, propicia o cenário atual judiciário.

Neste, constata-se que, ainda que exista o

princípio da inércia – a qual a jurisdição só atua se for

provocada, contribuindo para que a maioria dos

conflitos diários se resolva autonomamente – os

fóruns, tribunais e escritórios advocatícios, estão

cheios de demandas de conflitos simplórios que

poderiam ser resolvidas amigavelmente de forma

autônoma. Ou seja, a intenção de que ocorra a auto

resolução dos conflitos é abafada pela cultura

25

brasileira, de o cidadão querer vingar a própria honra

em situações cotidianas que são relativamente fúteis

perante o Poder Judiciário.

Destarte, a celeridade processual fica

comprometida, pois o poder público hodierno está

sendo sucumbido pelo alto número de processos que

comporta, inviabilizado o acesso a uma decisão justa.

Não seria então possível de questionamento se o fácil

acesso à justiça proporciona essa desenfreada busca

pelo judiciário? Não seria bom que o acesso à justiça

fosse delimitado para que assim pudesse se alcançar

com celeridade uma decisão mais justa?

A celeridade processual, ainda que não seja

cumprida, está prevista na CF/88, no artigo 5º, inciso

LXXVIII, “a todos, no âmbito judicial e administrativo,

são assegurados a razoável duração do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.

Certamente, não é limitando o acesso à justiça,

que é um direito fundamental, que este quadro será

solucionado, mas sim adotando políticas públicas de

reeducação sociojurídica, não apenas para os “cidadãos

comuns”, como também para o próprio judiciário.

26

4 RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE A

JUDICIALIZAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA

É inegável que a Constituição Brasileira tutela

uma gama extensa de direitos por ter sido escrita em

um período pós-ditadura, onde a população

encontrava-se ferida, massacrada. Por esse motivo,

tentou-se resguardar o maior número de direitos

possível, estabelecendo as mais variadas garantias

constitucionais.

É inegável também que, após o processo de

redemocratização, que teve como ponto culminante a

CF/88, o magistrado, bem como o poder judiciário, se

transformaram em um poder político com o dever de

fazer valer a lei e a Constituição Federal, o que aflorou

na sociedade a ambição de fazer justiça e fazer valer os

direitos que lhes foram conferidos. Por esse motivo, a

busca pelo poder judiciário aumentou

consideravelmente, em um fenômeno que se

denominou judicialização.

Por esta, entende-se a alta participação da

Poder Judiciário em questões que deveriam ser

27

decididas pelo Executivo ou pelo Congresso Nacional,

transferindo-se para os juízes a responsabilidade de

decidir. Desta feita, vantajoso é para os que possuem

melhor condição de recorrer à justiça, os quais, mesmo

que digam o contrário, possuem uma melhor

celeridade em seus processos e conseguem, na maioria

das vezes, lograr o que entendem como justo em seus

litígios. Segundo Barroso:

A Judicialização, no contexto brasileiro, é

um fato, uma circunstância que decorre

do modelo constitucional que se adotou, e

não um exercício deliberado da vontade

política (BARROSO, 2008, p. 6).

A judicialização confere maior poder ao

judiciário, mas, por vezes, acaba por limitar o acesso à

justiça, que, como já explanado, é previsto na

Constituição Federal de 1988. Recorrer à jurisdição em

todos os litígios existentes, como na área da saúde, por

exemplo, é conferir privilégio a uma classe favorecida

da população, cujos honorários advocatícios não pesam

no orçamento. Mesmo que a defensoria pública exista,

é perceptível que casos como esses possuem maior

28

celeridade quando acompanhados de forma

insistentes, muitas vezes feitas pelos advogados das

partes.

É pontual a existência de uma descrença dos

cidadãos as políticas públicas, e, de tal modo, recorrer

ao judiciário em todas as situações seriam uma busca

para que essas políticas se tornassem reais, e efetivas.

Contudo, essa grande procura da jurisdição,

para resolver todos os litígios da vida cotidiana, vem

sobrecarregando o judiciário, que não consegue

garantir a celeridade que é prevista.

Em suma, o Poder Judiciário é guardião da

Constituição federal e deve fazê-la valer, garantindo os

direitos fundamentais nela previstos. Porém, não se

podem camuflar as falhas decorrentes do poder

legislativo, como sua legitimidade, sua funcionalidade,

e a crise da legitimidade, que não podem ser decididos

pelos magistrados.

29

5 CONCLUSÃO

Em suma, o Poder Judiciário não é a própria

justiça e sim um dos meios para se alcançar o que é

justo. Como explana o filósofo Karl Marx, o que move

o mundo é a economia. Tendo como amparo o

pensamento marxista, é cabível afirmar que a

jurisdição é uma das forças motrizes da máquina

capitalista brasileira. Os MESC’s são excelentes meios

alternativos de resolução de conflitos, regulamentados

no Código de Processo Civil, mas, em alguns casos, não

são apontados aos litigantes nem pelos próprios

advogados, por entenderem os métodos jurisdicionais

são mais rentáveis.

Isso varia entre os países. Nos EUA, por

exemplo, recorrer à jurisdição é a ultima ratio, sendo

os conflitos resolvidos com o auxílio dos MESC’s, que,

além de serem mais ágeis, tendem a proporcionar

decisões mais justas. No entanto, em países como esse,

o acesso à justiça é mais dificultoso, já que os

demandantes devem dispor de prestígio econômico

para custear a ação. Ou seja, só recorrem ao Poder

30

Judiciário àqueles que possuem boas condições

financeiras, devido ao alto custo processual, o que

torna o acesso à justiça, para muitos, inatingível.

A Justiça consiste em poder usufruir de um processo

devido, eficaz e célere, para que, seja possível convencer o

órgão julgador acerca do que se considera como direito. A

autocomposição, pode ser uma forma eficiente para a

solução de conflitos interpessoais.

O acesso ao Judiciário não é ter o acesso à justiça,

pois, se afirmar isso tornaria mínimo o valor constitucional

em questão. O cidadão tem garantido o acesso à uma

decisão justa, que deve resolver de forma adequada ou da

melhor forma possível a questão concreta estabelecida ao

órgão decisor .

Sendo o acesso à justiça uma garantia

constitucional, o Poder Judiciário está aberto a pleitear

quaisquer pretensões, desde que sejam juridicamente

possíveis. Ao se alcançar a verdade do fato concreto,

alcança-se a Justiça, estabelecendo para cada uma das

partes envolvidas o que realmente merecem.

31

REFERÊNCIAS:

BARROSO, Luis Barroso. Judicialização, ativismo

social e legitimidade democrática. Disponível em:

<http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagen

s/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf>. Acesso em jun.

2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

República Federativa do Brasil.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br >. Acesso

em 4 jun. 2015.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à

justiça. NORTHFLEET, Ellen Gracie (trad.). Porto

Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1988.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito

Processual Civil, vol. II, trad. Bras. de J. Guimarães

Menegale, 3 ed., São Paulo: Saraiva, 1969.

MAGALHAES, Daniella Santos. A judicialização dos

direitos sociais como consequência da falta de

efetividade das políticas públicas apresentadas pelos

poderes legislativo e executivo. In: Âmbito Jurídico,

Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em:

<http://www.ambito-

juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_%20leitur

a&artigo_id=12526>. Acesso em jun 2015.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15

ed. São Paulo: Atlas, 2004.

32

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos

Fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos

arts. 1o à 5o da Constituição da República

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RIBAS, Osni de Jesus Taborda. Crise da jurisdição e o

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XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em:

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_lin

k=revista_artigos_leitura&artigo_id=10664>. Acesso

em 4 jun. 2015

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral Do

Processo. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

ZAVASCKI, Teori Albino. Medidas cautelares e

medidas antecipatórias: Técnicas diferentes,

função constitucional semelhante. In: Inovações

do Código de Processo Civil, Livraria do Advogado.

Porto Alegre: 1997

33

ANEXOS

Pergunta feita aos entrevistados:

De acordo com o tema disposto, aduza sua

ponderação acerca da seguinte questão: Justiça

é ter acesso ao Poder Judiciário ou lograr o que

é justo?

Emiliana Carolina de Oliveira Monteiro,

Defensora Pública Estadual atuante na área de

Família e coordenadora do Núcleo de

Atendimento de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

A Justiça, em algumas situações, implica em ter

acesso ao Poder Judiciário, mas mesmo nessas

situações, não se resume a isso. Quando se faz

necessário pleitear judicialmente os direitos de

alguém, a Justiça consiste em poder usufruir de um

processo devido, eficaz e célere, em que,

substancialmente, sejam garantidos a ampla defesa e

o contraditório, e não apenas formalmente, para que,

de fato, seja possível convencer o órgão julgador acerca

do que se considera como direito.

34

Todavia, para que se alcance a Justiça nem

sempre é necessário acessar o Judiciário. A

autocomposição é, na prática, a forma mais eficiente

para a solução de conflitos interpessoais de forma

equânime, satisfatória e autônoma, e pode ser

realizada extrajudicialmente, sem os desgastes

naturais que envolvem um processo judicial.

Lograr o que é justo é uma percepção por

demais subjetiva. Aquilo que se considera justo

depende de diversos fatores e circunstâncias. Trata-se

de conceito vulnerável a diferentes olhares e

perspectivas.

O essencial para se alcançar a Justiça é, isso

sim, realizar um processo de discussão e de construção

da solução que se busca, de forma substancialmente

igualitária, em que as partes sejam dotadas das

mesmas oportunidades e dos mesmos instrumentos

para fazer valer a sua versão do que é justo, ou, ainda

melhor, para construir um caminho alternativo,

considerado justo por ambas as partes, seja essa

processo dialético realizado dentro ou fora do Poder

Judiciário.

35

Marcelo Smazzarro, Analista Judiciário da

3º Vara da Fazenda Pública Estadual Municipal,

Registros Públicos, Meio Ambiente e Execução

Fiscal.

O acesso à justiça é uma garantia

constitucional, de modo que por mais absurda que seja

a pretensão apresentada, o Poder Judiciário está de

portas abertas a recebê-la.

A ideia de justiça transcende a chancela de

acesso ao judiciário, que diga-se, não é certeza que o

produto final sintetizado numa sentença ou acórdão,

tenha necessariamente a alcançado.

Para Aristóteles, a Justiça possui um caráter

dual, ao mesmo tempo se refere a virtude que

disciplina o indivíduo a agir com a devida proporção

em suas relações, seja esta uma proporção geométrica

ou aritmética, também diz respeito às normas que

regem a organização da sociedade.

Em suma, as nuances de um processo judicial

alcançam uma verdade processual, que pode coincidir

ou não com a verdade dos fatos. Se se alcançar a

36

verdade dos fatos, a justiça se manifesta em sua

plenitude. Outrossim, no mundo de dever ser, quanto

mais acertado for o veredicto estatal, maior será a

convicção daquele que se mostra irresignado com o

comando do estado, afinal de contas, suprimido o

processo, e restando a cada um dos litigantes dizer

apenas a verdade dos fatos, o derrotado no seu íntimo

tem a convicção do que é justo, eis a Justiça em sua

plenitude.

Doutor Robson Louzada Lopes, Juiz de

Direito da 3º Vara da Fazenda Pública Estadual

Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e

Execução Fiscal.

Acesso à justiça não é ter acesso ao judiciário.

Esse sentido seria um tanto míope e reduziria a

amplitude do valor constitucional em tela. O que se

tem é um sentido semântico que implica em dizer que

o cidadão tem garantido o acesso a uma decisão justa.

A decisão justa é aquela que resolve de forma

adequada, ou melhor, possível à questão concreta

estabelecida ao órgão decisor. Há que se ressaltar que

37

a decisão justa deverá ser erguida numa cooperação

entre as partes por meio de seus argumentos,

devidamente enfrentados pelo órgão julgador. Uma

decisão justa é a melhor possível erguida

democraticamente com a participação das partes. Esse

é o sentido do referido valor ou princípio

constitucional.

38

A CONCILIAÇÃO COMO MÉTODO

ALTERNATIVO NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

POR MEIO DA CÂMARA BRASILEIRA DE

MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM EMPRESARIAL

DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM-ES EM 2014

E 2015

RIEDA, Andressa5

NASCIMENTO, Dassirene do6

BARCELOS, Patrícia de Cássia Oliveira7 RANGEL, Tauã Lima Verdan 8

Resumo: A presente pesquisa tratará métodos alternativos

de solução de conflitos, abordando-os e enfatizando a

conciliação como principal método para resolução de

conflitos empresariais, haja vista que, embora pouco

acessado, tal método extrajudicial possui eficácia em

5 Graduanda do 3° período matutino do Curso de Direito no

Centro Universitário São Camilo-ES, e-mail:

[email protected]; 6 Graduanda do 3° período matutino do Curso de Direito no

Centro Universitário São Camilo-ES, e-mail:

[email protected]; 7 Graduada em Comunicação Social, Especialista em MBA em

Gestão Empresarial, Graduanda do 3° período matutino do Curso

de Direito no Centro Universitário São Camilo-ES, e-mail:

[email protected]; 8 Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de

Pós-Graduação em Sociologia e Direito pela Universidade Federal

Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela

Universidade Federal Fluminense, [email protected]

39

solucionar litígios, tendo em vista a sua atuação por meio

de um terceiro que tem como conduta propor soluções aos

litigantes, de modo que, as partes percebam que as

sugestões são favoráveis as partes com a função de auxiliá-

las para identificar e resolver conflito, estabelecendo o

processo de comunicação e de avaliação de objetivos e

opções, que possibilite acordo mutuamente aceitável. O

objetivo é, portanto, demonstrar sua eficácia na resolução

de conflitos empresariais, nos anos de 2014 e 2015, com

base nas informações repassadas pela Câmara Brasileira

de Mediação e Arbitragem Empresarial (CBMAE) de

Cachoeiro de Itapemirim-ES.

Palavras-chave: Métodos extrajudiciais. Conciliação.

Conflitos empresariais.

1 COMENTÁRIOS INICIAIS

Devido ao excesso de demandas processuais,

nos últimos anos o sistema Judiciário, fomentado pela

facilidade de acesso a Justiça pelos órgãos públicos,

não tem atendido as expectativas e aos anseios sociais,

tal demora trás como consequência a constante

sensação de injustiça, o que tem refletido também na

questão econômica das relações comerciais, pois a

demora dos trâmites processuais além aumentar os

custos do processo, leva ao acarretamento da

40

hostilidade das relações partes envolvidas,

prejudicando novos acordos negociais.

Deste modo, se faz necessário buscar meios

alternativos para auxiliar a resolver os conflitos

inerentes a natureza humana de forma a restabelecer

a harmonia social. Portanto, a presente pesquisa

perpassa por analisar os tipos extrajudiciais como

recurso na solução dos problemas empresariais,

enfocando principalmente na conciliação, posta em

prática por meio da Câmara Brasileira de Mediação e

Arbitragem (CBMAE) DE Cachoeiro de Itapemirim -

ES.

2 OS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO

DE CONFLITOS

Os métodos extrajudiciais de resolução de

conflitos de acordo com Cintra et al. (2014, p. 33)

“podem ser utilizados para pacificar com justiça e com

maior eficiência. […], nos quais buscam uma

autocomposição, isto é uma solução do conflito por ato

das partes”. Porém antes de mergulhar no mar dos

41

conflitos extrajudiciais, faz-se necessário uma

abordagem acerca dos conflitos em si, haja vista que

estão presentes no dia a dia de qualquer sociedade

onde haja a convivência humana independente da

época, e se caracteriza principalmente pela oposição de

interesses, que se faz cada vez mais presente na

sociedade atual, na qual a diversidade de vontades

resulta em decorrentes confrontos.

Como é de conhecimento de todos, a

sociedade contemporânea é altamente

conflitiva, atingida por um sempre

crescente número de desavenças

envolvendo cada vez mais os seus

integrantes. O adensamento

populacional, o caráter finito e

consequentemente a insuficiência dos

bens materiais e imateriais à disposição

dos homens para a satisfação de suas

necessidades, a escassez de recursos, a

concentração de riquezas em mãos de

poucos, tudo coopera para que os

indivíduos e coletividades se envolvam

cada vez mais em situações conflituosas.

(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,

2014, p. 30)

Os motivos que resultam em situações

conflitantes são muitos, e vivendo em uma situação de

conflito a infelicidade pessoal dos sujeitos envolvidos é

42

previsível que somado a outros problemas sociais

resultam em uma constante instabilidade social,

demonstrando de forma clara a sua desorganização.

Em busca de satisfazer a necessidade de

reestabelecer tal sensação de bem estar, somada “a

insuficiente estrutura político-administrativa, com seu

comportamento desrespeitoso perante os direitos das

pessoas” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 30)

surge então a necessidade da busca por uma solução

de fato, capaz de pacificar a convivência de modo

adequado, nesse caso a Jurisdição, definida segundo

Cintra et al. (2014, p. 42) como “uma das expressões

do poder estatal, caracterizando-se este como a

capacidade, que o Estado tem, de decidir

imperativamente e impor decisões”.

No entanto, esse eficiente método estatal, com

todas as suas peculiaridades e características bem

definidas, acaba assumindo um papel diferente da sua

real finalidade, resultando e resumindo sua função, de

solucionar conflitos, em um sistema constantemente

congestionado, do qual é esperado a tutela adequada

as interesses e direitos.

43

Dessa forma faz-se necessário elevar o raciocínio

a lógica de que existem formas alternativas de solução

de conflitos, os quais retiram do judiciário algumas

demandas, tornando-o mais rápido, conforme ressalta

Cintra, Grinover e Dinamarco:

[…] a justiça estatal não é o único

caminho pelo qual se procura oferecer

solução aos conflitos. Avança no mundo

todo, inclusive no Brasil, a ideia de que

outros métodos adequados de solução de

conflitos não estatais podem ser

utilizados para pacificar com justiça e

com maior eficiência. (CINTRA;

GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 32)

Tais métodos são os meios alternativos de

resolução de conflitos, os quais se dão por meio da

mediação, conciliação ou arbitragem, os quais devido a

busca constante pela autocomposição tem como

consequência a redução significativa da recorrência ao

judiciário.

44

3 MEDIAÇÃO

Dessa forma, além das alterações nos conflitos,

o Poder Judiciário também sofreu alteração, “o juiz

não é mais a simples vox legis, ou mero interprete

indiferente dos textos legais, mas um autêntico porta

voz dos valores postos na Constituição” (CINTRA;

GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 34).

Portanto, com as mudanças da sociedade e

consequentemente dos conflitos, mudam-se também,

para que se torne equivalente a forma de solucionar

tais conflitos, o que atualmente tem se dado por meio

dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos,

dentre os quais a mediação é uma alternativa

considerada relevante.

Considerada uma tendência mundial, a

mediação se caracteriza como alternativa ao diálogo

voltado para a satisfação dos interesses das partes que

envolvem conflitos comerciais. De acordo com Cahali:

a mediação é um instrumento de

pacificação de natureza autocompositiva

e voluntária, no qual um terceiro,

imparcial, atua, de forma ativa ou

45

passaiva, como facilitador do processo de

retomada do diálogo entre as partes,

antes e depois de instaurado o conflito.

(CAHALI, 2013, p. 86)

Embora a cultura brasileira ainda aponte na

direção da busca do poder judiciário como forma de

resolução de conflitos sociais e empresariais, sabe-se

que esse não é o melhor dos caminhos, principalmente

se as partes tiverem por intenção a preservação da

relação havida entre elas.

O empresário empreendedor sabe bem que o seu

sucesso depende de correta condução de todos os

detalhes do seu negócio, o que envolve não apenas as

negociações com fornecedores e/ou clientes, mas

também dos ajustes com funcionários, entre os sócios,

em relação aos parceiros comerciais, mediante

agências de comunicação e markenting e

eventualmente até com a imprensa.Portanto, manter

vínculos se torna primordial aos negócios

empresariais, na qual o mercado atualmente

globalizado solicita.

Por conseguinte o fato de expor seus conflitos a

público desprestigia a imagem de uma empresa, e não

46

só isso, como também avança para originar mais

contenda. Por isso, a mediação como método de

resolução de conflitos nestes casos são mais viáveis.

Pois terá auxilio de um terceiro, neutro e imparcial

que forjará meios de restabelecer a comunicação entre

os litigantes, para que os próprios possam chegar a um

acordo aceitável a ambos, como respaldado por Sales

(2006, p. 23) quando diz que “a mediação estimula,

através do diálogo, o resgate dos objetivos comuns que

possam existir entre os indivíduos que estão vivendo o

problema”. E, além disso, o processo é feito de forma

sigilosa, dentro das normas éticas dispostas pela

câmara

4 CONCILIAÇÃO

A conciliação é o “ato ou efeito de combinar,

ajustar ou harmonizar coisas que parecem contrárias

ou contraditórias; ajuste entre demandantes, para pôr

fim à sua demanda legal” (HOUAISS, 2001), ou seja,

ela ocorre quando as partes litigantes escolhem

apaziguar ou mesmo eliminar a discórdia entre elas.

47

No entanto, a contenda muitas vezes está tão

avantajada que sem a ajuda de um terceiro para

facilitar um entendimento amigável, a solução do

conflito pode estar sujeita a fomentação irreparável.

Dessa forma, a figura de um conciliador se faz

necessário na hora de resolver e buscar um diálogo

eficaz, capaz de atenuar ou mesmo recuperar a relação

havida entre elas.

O conceito de conciliação se assemelha muito ao

da mediação, pois em ambos as partes precisam estar

dispostas a aderir o sistema de conciliação. A diferença

reside no papel atribuído ao intermediário, que na

mediação ele apenas apoia as partes para que delas

origine a solução.

Já na conciliação o terceiro tem como conduta

propor soluções aos litigantes, de modo que, as partes

percebam que as sugestões são favoráveis a ambas e

não imposta como é feita pelo Judiciário. O que a torna

vantajosa para os que desejam manter a cordialidade

do convívio, principalmente no que se refere ao

sistema empresarial nos seus relacionamentos

negociais.

48

Apesar de, por vezes, o Poder Jurídico não se

utilizar da maneira a conciliação em seus processos.

Ela está inserida na lei, tornando-a um direito que

deveria ter-se mais zelo, pois é um importante

instrumento de resocialização.

Como previsto no Código de Processo Civil

(CPC), art. 125, inciso IV, é dever do magistrado

“tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”

(Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994), além desse

dispositivo, outros como no Código Civil Art. 840 que

diz “é lícito aos interessados prevenirem ou

terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. O

que demonstra a opção do legislador por esse método

na resolução de conflitos.

5 ARBITRAGEM

Como o terceiro e não menos importante

método alternativo de solução de conflitos tem-se a

arbitragem, que se resume em uma técnica onde as

partes, em acordo, delegam poderes a um ou mais

especialistas, os quais devem intervir, decidir e

49

proferir sentença, com valor de título executivo

judicial.

De acordo com Cahali (2013, p. 86) “a

arbitragem, ao lado da jurisdição estatal, representa

uma forma heterocompositiva de solução de conflitos”,

isso porque são as partes submetem o conflito, por

meio de assinatura do compromisso arbitral, que

ocorre após comum acordo e decidem que um terceiro,

ou colegiado terá poderes para direcioná-los a uma

solução sem que haja a intervenção estatal.

Ainda de acordo com Cahali, se comparado a

mediação e a conciliação, a arbitragem é considerada a

melhor alternativa para solucionar conflitos, haja

vista que é o modelo mais adequado para diversas

situações:

“a decisão dada pelo arbitro impõe-se as

partes, e por essa razão a solução é

adjudicada, e não consensual, como

pretende na conciliação e na mediação, e

delas pode ser exigido o cumprimento,

porém a execução focada se fará perante

o Poder Judiciário, sendo a sentença

arbitral considerada um título executivo

judicial”. (CAHALI, 2013, p. 86)

50

Munido de imparcialidade, assim como a

jurisdição, o arbitro, que deve ser especialista, tem o

dever de observar o que dispõe a Lei de Arbitragem

(9307/96), tornando-se dessa forma capaz de dirimir o

conflito com mais facilidade.

A sentença arbitral é irrecorrível, ou seja, não

permite recurso. Dessa forma a decisão de um arbitro

se torna mais forte do que a decisão de um juiz, haja

vista que a desconstituição de uma decisão arbitral só

se da por meio de nulidade, que está disposta na lei já

citada, e caso a sentença não seja cumprida, faz-se

necessário acessar a jurisdição, pois só o Estado pode

forçar o cumprimento de uma decisão patrimonial.

6 A CÂMARA BRASILEIRA DE MEDIAÇÃO E

ARBITRAGEM EMPRESARIAL DE CACHOEIRO

DE ITAPEMIRIM

A CBMAE (Câmara Brasileira de Mediação e

Arbitragem Empresarial) de Cachoeiro de Itapemirim,

tem como objetivo oferecer para pessoas físicas e

jurídicas a solução definitiva para conflitos que versem

51

acerca de direitos patrimoniais disponíveis, ou seja,

aqueles que podem ser objeto de contrato.

A intenção é solucionar os conflitos de forma

mais ágil, gerando benefícios tanto para as partes que

entram em acordo quanto para a Justiça, que pode

direcionar seus recursos aos processos que realmente

exigem apenas a sua atuação para que se chegue a

uma solução.

Dentre os conflitos por meio da CBMAE Sul

Capixaba é importante destacar a dissolução

societária, problemas condominiais, inadimplência,

conflitos imobiliários e com a construção civil, títulos

de crédito, descumprimento de contratos,

indenizações, entre outras.

De acordo com Simone Gonçalves da Cunha

Fontes, Superintendente e Coordenadora da CBMAE

em Cachoeiro de Itapemirim-ES, o ingresso na solução

dos problemas com base na conciliação, mediação ou

arbitragem a exigência é apenas que uma das partes

interessadas se dirija à sede da Câmara, portando

documentos pessoais. A partir daí o processo é

52

simples: uma atendente fará o registro do processo e

dará início à negociação.

Ainda segundo ela, é importante ressaltar que

nos meios extrajudiciais a decisão é conduzida por

árbitros e articuladores, que podem ser advogados,

engenheiros, médicos, psicólogos, contadores,

dentistas, pedagogos, professores e muitos outros

profissionais. Todos eles passam por cursos de

formação, os quais são aplicados pelo Sebrae em

parceria com a Confederação das Associações

Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB).

O mais importante talvez seja ressaltar que as

decisões da Câmara de Mediação e Arbitragem têm

poder de sentença judicial e sobre elas não cabem

recursos.

7 NEGOCIAÇÃO E CONFLITOS EMPRESARIAIS

As negociações estão presentes no cotidiano de

qualquer empresário que participe das atividades

comerciais, dos atos de gestão ou mesmo apenas como

supervisor dos trabalhos voltados para o exercício da

53

atividade econômica e a sua forma de aplicação tem

mudado juntamente com a realidade do seio família,

pois toda aquela organização verticalizada

hierarquicamente na figura patriarcal, ou seja, em que

havia um chefe que demandava as ordens que deveria

ser acatadas sem contestação.

No entanto, hoje já é dado lugar à figura de um

líder que busca desenvolver suas atividades negociais

envoltos por uma sociedade, em que todos os

componentes desse grupo empresarial são dotados de

“voz” para emitir sua opinião, isto é, a decisão é feita

de forma cooperativa.

O líder é aquele que tem maior desenvoltura e

conhecimento para lidar com determinada situação e

concomitantemente manter em união a equipe ou

como ressalta Ferreira (2013, p. 9) “alguém lidera, não

por ser mais antigo ou hierarquicamente superior,

mas por ser possuidor das competências necessárias

para que o grupo alcance a decisão mais

fundamentada e correta”. E assim surgindo uma

estruturação horizontal na negociação, que provém da

54

participação ativa de todos os integrantes que

converge para o mesmo interesse.

Esse fato permite que se recorde a imagem do

feixe de varas símbolo do fascismo de Mussolini, que

era usado na Roma Antiga como sinal de união. Assim

sendo comparado com os anseios comerciais atuais,

que busca obter acordos de difícil rompimento,

garantindo maior estabilidade. Pois um galho sozinho

pode ser quebrado, mas unidos se tornam resistentes.

No entanto, não foi apenas a estrutura física

empresarial que sofreu mudanças, também o modo de

alcançar seus objetivos. Em que se acreditava que

fazer um bom negócio era quando um ganhava muito e

o outro sofria prejuízo. Entretanto esses acordos eram

frágeis e curtos, porque aquele que perdia, por vezes

não fazia novos acordos com aquela empresa ou pelo

prejuízo ser grande não conseguia cumprir com suas

obrigações.

Como relatado por Ferreira (2013, p.11) quando

descreve que “saí a negociação primal, impulsionada

pelo emocional, centrada no egoísmo da imposição das

vontades, razão de tantos conflitos, e surge aquela que

55

busca benefícios mútuos e o estabelecimento de

relações duradouras: a negociação cognitiva”. Ou seja,

o objetivo é o mesmo obter lucro, porém em grande

quantidade de forma instantânea pode gerar frutos

ruim e pequeno em relação aquele que se obtém em

pequena quantidade, mas permanente.

Como nos ensina Camargo (2006):

[...] o bom negociador não é aquele que

‘arrasa’ o oponente, derrota, supera,

impõe a sua posição, mas aquele que

consegue vencer junto com o outro lado,

tirar o máximo de proveito da negociação

sem esquecer-se de preservar o

relacionamento, ou até mesmo

acrescentar mais confiança neste

relacionamento, aumentando a

disposição das partes para negociações

futuras. (CAMARGO, 2006, p. 1)

Essa modificação comercial e cultural é notável

no dia-a-dia, porque os comerciantes estão por vezes

dispostos a fazer concessões para conquistar clientes.

Todavia, os conflitos gerados nas relações humanas,

ainda são permanentes, visto que como relata

Schnitman (1999, p.170) “os conflitos são inerentes à

vida humana, pois as pessoas são diferentes, possuem

56

descrições pessoais e particulares de sua realidade e,

pós- conseguinte, expõem pontos de vista distintos,

muitas vezes colidentes”, ou seja, se trata de algo

natural ao que diz respeito ao convívio social. Contudo,

se não for tratado de forma saudável, evitando que se

criem resistências infrutíferas e nocivas, torna-se o

emperrar ao desenvolvimento de relações comerciais.

No meio empresarial os conflitos podem ser

entre dois gerentes (intra-departamental), entre os

sócios (inter- social), entre duas empresas parceiras

(inter-empresarial), entre dois departamentos de uma

mesma empresa (inter-departamental) ou entre a

empresa e seus clientes (inter-relacional).

Necessitando da ajuda de terceiro para ajudar

na resolução dessa contenda, mas que por diversas

vezes, as perdas com as ações judiciais vão bem além

do próprio valor da causa, pois quando um

comerciante, por exemplo, ganha uma ação contra seu

fornecedor, ele perde o fornecedor, logo, ele ganhou o

que buscava de imediato, porém perde ao longo do

prazo. Ou de outro lado, se um funcionário ganha uma

57

ação contra o seu ex-patrão, perde futuras

oportunidades de indicações desse ex-empregador.

Assim, o ideal seria encontrar uma fórmula na

qual as controvérsias pudessem ser resolvidas de modo

pacífico, e a construção de acordos mutuamente

satisfatórios pudesse resultar na preservação das

relações entre as partes, sejam entre o empresário e

seus fornecedores, seus clientes, seus funcionários ou

mesmo entre suas filiais ou departamentos.

8 CONCLUSÃO

Diante do exposto, os conflitos, de modo geral

estão presentes mediante a convivência em sociedade,

o que nos permite aprontar que independente onde há

serem humanos, provavelmente haverá desvio e

divergência de opiniões, insatisfações e

consequentemente os conflitos também estarão

presentes.

Com os conflitos instaurados, são necessárias

formas para solucioná-lo em busca de reestabelecer a

paz e trazer de volta a estabilidade social, para isso, ao

58

contrário do que se vê existem inúmeras formas de se

buscar tal solução de tais conflitos de forma

extrajudicial, por meio da mediação, conciliação ou da

arbitragem, métodos alternativos os quais são

munidos de características e especificidades distintas,

para diferentes tipos de desentendimentos.

Com relação aos conflitos empresariais, o

procedimento para se chegar a um acordo não ocorre

de forma distinta. Após instaurado o conflito, os

responsáveis vão em busca de formas para solucioná-

lo, como foi possível confirmar por meio das

informações repassadas pela Câmara Brasileira de

Mediação e Arbitragem Empresarial.

Os números apontam que no ano de janeiro de

dezembro de 2014, foram realizadas um total de 183

(cento e oitenta e três) conciliações, sendo que 182

foram frutíferas e apenas uma não atingiu a finalidade

esperada. Já no ano de 2015, mais precisamente de

janeiro a meio, já somam 101 (cento e uma)

conciliações resultando, dentre as quais apenas uma

foi considerada infrutífera.

59

Portanto, após análise das informações, aliadas

aos conceitos abordados, é possível concluir que a

conciliação pode ser considerada como um método

alternativo eficaz na solução de conflitos empresariais,

de forma extrajudicial, levando em conta a sua

agilidade se comparado a enorme demanda

provavelmente enfrentada se tais conflitos fossem

levados ao judiciário.

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2010.

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inteligência e a racionalidade. 2. ed. São Paulo:

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SCHNITMAN, Dora Fried; LITTLEJOHN,

Stephen. Novos Paradigmas em Mediação. Porto

Alegre: Ed. Artmed, 1999.

61

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS AMBIENTAIS,

DIANTE DOS IMPASSES DO ACESSO AOS

RECURSOS HIDRÍCOS EM TEMPO DE

ESCASSEZ

MARTINELLI, Ludmilla Coimbra9

RANGEL, Tauã Lima Verdan 10

RESUMO: O presente trabalho foi desenvolvido com o

objetivo de analisar o acesso a água como um direito

fundamental, em tempo de escassez e incentivar o uso

racional e sustentável dos recursos ambientais. Discutindo

a necessidade de uma profunda mudança na eficácia da

Política Nacional de Recursos Hídricos e na ação

comportamental do ser humano em relação com o meio

ambiente, principalmente na gestão do uso da água potável

em época de escassez. Dessa forma, é necessário entender a

importância do acesso aos Recursos Hídricos como um

Direito Humano, pois uma vez nesta qualidade esse direito

não pode ser negado. Sua negação violaria o direito ao

trabalho, ao desenvolvimento econômico e a sua

essencialidade, a vida. Para a realização deste artigo e,

pregou-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivo e

de procedimento monográfico, além da pesquisa

bibliográfica.

9 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo ES,[email protected]; 10 Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de

Pós-Graduação em Sociologia e Direito pela Universidade Federal

Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela

Universidade Federal Fluminense, [email protected]

62

Palavra-chave: Direitos humanos. Acesso à água. Água

potável. Escassez Hídrica. Proteção.

Abstract: This work was developed in order to analyze the

access to water as a fundamental right , shortage of time

and encourage the rational and sustainable use of

environmental resources . Discussing the need for a

profound change in the effectiveness of the National Water

Resources Policy and behavioral action of man in relation

to the environment , especially in managing the use of

drinking water in times of scarcity. Thus, it is necessary to

understand the importance of access to water resources as

a human right, because once this quality that right can not

be denied . His denial would violate the right to work ,

economic development and its essentiality , life . To carry

out this article and preached to the methods of

hypothetical-deductive approach and monographic

procedure in addition to the literature.

Keywords: Human rights. Access to water. Potable water.

Water Scarcity . Protection.

1 INTRODUÇÃO

Vive-se o medo da extinção do planeta, do uso

desenfreado dos recursos naturais, da degradação

ambiental, das mudanças climáticas e da escassez dos

bens comuns pelo uso inadequado dos recursos

naturais renováveis e não renováveis. Resultando na

poluição dos recursos hídricos, devastação de florestas,

63

poluição do ar, a redução da biodiversidade.

Atualmente, os recursos hídricos do Brasil estão sendo

objeto de preocupação dos governantes e discurso de

partidos políticos para conquistar o carisma do povo.

Quando se pensava em falta de água as atenções eram

voltadas para a região nordeste. A escassez não era

aparente, não parecia uma problemática próxima, a

final o Brasil sempre foi visto como um país abençoado

pela vasta biodiversidade de meio e de seus

abundantes rios, alguns dos maiores do mundo.

No Código Civil de 1916, promulgado durante

o governo do Presidente Wenceslau Braz Pereira

Gomes, as políticas públicas não eram expressivas

acerca das questões ambientais o único interesse era

evitar conflitos de vizinhança, reprimindo o uso nocivo

da propriedade. Somente 1934 o meio ambiente ganha

um posicionamento relevante nas políticas públicas

por meio da promulgação da Constituição Republicana

Brasileira e o Decreto Nº 24.643, de 10 de julho de

1934 (Código de Águas).

Com a Constituição Federal de 1988 nasce o

conceito de metaindividualidade do bem ambiental,

64

que se caracteriza pela coletividade da titularidade e

complexidade do bem. Os recursos hídricos começam, a

então, ganhar maior espaço na legislação e a Carta

Magna passa a declarar as águas domínio público da

União, competente para instituir o sistema nacional de

gerenciamento de recursos hídricos. Sendo a gestão de

responsabilidade pública e da sociedade. No exercício

de sua competência a União Instituiu a Política

Nacional de Recursos Hídricos, Lei Nº 9.433 em 8 de

janeiro de 1997, criando o Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando

o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal11, em

busca de uma nova forma de governança das águas

doces.

Além de atender a demanda social pela

descentralização, integração e participação, determina

a bacia hidrográfica como unidade territorial para a

implementação da gestão. O processo de

descentralização ocorrido no Brasil torna complexa a

11 Art. 21. Compete à União: [...]

XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos

hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

65

forma de distribuição de competência de políticas de

gestão dos recursos hídricos entre os órgãos dos

diferentes níveis de governo, levando a um conflito de

políticas sobre um mesmo território. Ficando a gestão

da políticas públicas de responsabilidade dos órgãos

colegiados como o Comitê de Bacia Hidrográfica. Este

modelo de gestão de recursos hídricos por bacias

hidrográficos teve como modelo o adotado na França,

um país de sistema unitário e concentrado, vindo a ser

aplicado em um país federativo e desconcentrado, o

que já deveria ser um sinal de alerta para as

dificuldades e adaptações que deveriam ser aplicadas

para se alcançar a eficiência pretendida.

Uma vez não realizada essas adaptações cria-

se uma nuvem de conflitos quanto a competência de

gerencia vertical – União, Estados e Municípios, e

horizontal entre governos da mesma esfera de poder e

entre estes e as organizações da sociedade e as

organizações empresariais. O não exercício de tal

competência faz com que conflitos ambientais que

tenham como objeto a água doce sejam delegados a

outros âmbitos de tratamento, como o Poder

66

Judiciário. Contudo, as regras e sanções jurídicas

previstas pela legislação ambiental mostram-se

incapazes de acompanhar e abranger o dinamismo do

comportamento socioambiental, e a resolução dos

conflitos de interesses que surgem na sociedade, segue

ainda, no Brasil, o arcaico modelo do monopólio do

Poder Judiciário.

Consonante a necessidade da concepção de

estruturas que conduzam a novas reflexões e atitudes,

assoalhando um caminho no qual possa prevalecer o

diálogo e a construção de consensos, e não um

imperativo e ineficaz, e por vezes tendencioso,

regramento estatal. As formas alternativas de lidar

com as disputas como a arbitragem, conciliação e

mediação aparecem em resposta à ineficácia do Poder

Judiciário, no tratamento dos conflitos e para uma

nova política de governança da água.

Neste sentido, é importante esclarecer que o

método abordado neste trabalho é o de mediação. A

mediação tende a tratar as disputas de forma mais

rápida e com custos mais baixos que o processo

judicial. Visa à proteção ambiental fundada no diálogo,

67

que através de um mediador – terceiro imparcial,

assessora as pessoas envolvidas no conflito possam

negociar uma solução satisfatória para todos os

envolvidos, desde que anuído também pelo Ministério

Público. Visto que a mera transação pelo dano gera,

por sua vez, uma inconstitucionalidade, não sendo

possível sua renúncia, vez que a proteção ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado é um Direito

Fundamental, disposto no artigo 225 da Constituição

da República Federativa do Brasil de 198812.

Os conflitos quando relacionados ao uso da

água são marcadas pelos interesses divergentes dos

diversos setores da sociedade, do Estado e da

Economia, que devem chegar ao censo comum a fim de

realizar os objetivos do Plano Nacional de Recursos

Hídricos – cooperação, corresponsabilidade, inclusão

social e igualdade de necessidade. Dando um passo

para uma nova forma de interação entre os homens e o

meio.

12 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

68

2 A PROBLEMÁTICA DE ESCASSEZ DA ÁGUA

NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Corolário à vida, a água constitui elemento

necessário para quase todas as atividades humanas,

trata-se de bem precioso, de valor inestimável, que

deve ser conservado e protegido dado a sua essência.

Durante o ciclo hidrológico, a água sofre alterações em

sua qualidade, isto posta à capacidade de diluir e

assimilar esgotos e resíduos, mediantes processos

físicos, químicos e biológicos, que proporcionam a sua

autodepuração. No entanto, esta capacidade é limitada

e demanda de tempo quando esta recuperação

acontece de forma natural.

A escassez de água é um dos maiores

problemas a ser enfrentado pelo século XXI, de acordo

com as estimativas do Instituto Internacional de

Pesquisa de Politica Alimentar, com sede em

Washington, cerca de 2,4 bilhões de pessoas no mundo

vivem em regiões com escassez de água. Isto porque

apesar de o planeta Terra ser conhecido como planeta

água, os recursos hídricos estão dispostos de forma

69

irregular. Como por exemplo, o Brasil fonte de 13% de

água doce do planeta, que mesmo a porte de uns dos

maiores rios do mundo – Rio Amazônia, conta com

região Semiárida nordestina, segundo a

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

tem como traço principal as frequentes secas que tanto

podem ser caracterizadas pela ausência, escassez, alta

variabilidade espacial e temporal das chuvas.

(SUDENE, 1994) Em mesmo contendo o Sudeste

enfrenta problemas pelo grande crescimento

populacional e as dificuldades do sistema de

abastecimento de água, segundo o Relatório de

Conjuntura dos Recursos Hídricos – Informe 2014:

Água doce superficial: Apesar de o Brasil

possuir 13% da água doce disponível do

planeta, a distribuição é desigual, pois 81%

estão concentrados na Região Hidrográfica

Amazônica, onde está o menor contingente

populacional, cerca de 5% da população

brasileira e a menor demanda. Nas regiões

hidrográficas banhadas pelo Oceano Atlântico,

que concentram 45,5% da população do País,

estão disponíveis apenas 2,7% dos recursos

hídricos do Brasil (ANA, Informe 2014, pág.

27)

70

A abundância da água, de maneira quase

onipresente, fez com que por anos ela fosse usada de

forma negligente em todas as suas

multifuncionalidades, no abastecimento, na produção

industrial, na agricultura. A agência Nacional de

Águas divulgou em 2011 um levantamento sobre a

situação dos municípios brasileiros com relação às

demandas urbanas, indicando que dos 5.565 (cinco mil

e quinhentos e sessenta e cinco) municípios

brasileiros, 55% poderão ter déficit no abastecimento

de água. Desses, 84% necessitam de investimentos

para adequação de seus sistemas produtores e 16%

precisam de novos mananciais. (ANA, 2011).

Na zona rural, o descaso com o recurso hídrico

muitas vezes é penalizado desde a sua origem, ou seja,

donde se inicia o curso de água, as nascentes,

cabeceira, olho d’água ou insurgência, de forma direta

ou indireta, por meio do desmatamento da mata ciliar,

contaminação por agrotóxicos, dejetos de animais,

humanos, pela atividade agropecuária. O Instituto

Internacional de pesquisa de Politica Alimentar

71

atribuiu à agricultura o gasto de 80% da água doce do

planeta, salientou que:

Agriculture consumes 80 percent of the world’s

“blue water” from rivers and aquifers, and is

therefore both vulnerable to water scarcity and

a contributor to it (Rosegrant, Cai, and Cline

2002). Water scarcity is exacerbated by climate

change, especially in the driest areas of the

world, which are home to more than 2 billion

people and to half of all poor people. Moreover,

increased flooding as a result of climate change

and environmental degradation threatens

agriculture in many parts of the world. (IFPRI,

2012)

O Instituto Internacional de Politica Alimentar

– IFPRI, aponta que a escassez da água acarretara um

grande impacto nas decisões de investimento e custos

de base, encarecendo todo a linha de produção

alimentícia.

Atualmente, o Brasil enfrenta uns dos maiores

stress hídrico do país, contando com dois agravantes a

ineficiência da gestão pública e uma das secas mais

severas, instaurando um ambiente conflitante, ou seja,

de interesses divergentes dos diversos setores da

sociedade relacionados ao uso da água. A diminuição

72

da água é constante, e sua recuperação demanda um

tempo maior que a sociedade pode esperar.

3 O DIREITO A ÁGUA, GESTÃO DE RECURSOS

HÍDRICOS E POLITICAS PÚBLICAS NO

BRASIL

No Brasil por ser um recurso abundante, ela é

tratada como bem público, comum a todos, sem valor

econômico. A ausência de valor econômico não se dá

pela dispensabilidade desta, mas sim pela dificuldade

de valoração. Com o crescimento da demanda,

começam a surgir conflitos entre uso e usuários, a qual

passa a ser escassa e, então precisa ser gerida como

bem econômico.

A água pode ser utilizada em caráter

consultivo, quando a água é captada do seu curso

natural e somente parte dela retoma ao curso normal,

ou não consultivo, onde toda a água captada e toda

devolvida ao curso de origem. A gestão dos recursos

hídricos realiza-se mediante procedimentos integrados

de planejamento e de administração e, deve ser

73

realizado através de uma boa gestão e de adequado

processo politico.

Planejamento, no conceito da ciência

econômica, concilia recursos escassos e necessidades

abundantes. Dos recursos hídricos, o planejamento

pode ser definido como conjunto de procedimentos

organizadores que visam atendimento das demandas

de água, considerada a disponibilidade restrita do

recurso. Em sentido lato, gestão de recursos hídricos é

a forma pela qual pretende equacionar e resolver as

questões de escassez relativa dos recursos hídricos,

bem como fazer o uso adequado, visando a otimização

dos recursos em beneficio da sociedade.

A gestão de recursos hídricos,

fundamentalmente, para que seja implementada

depende de motivação política. Tornando possível o

planejar do aproveitamento e do controle dos recursos

hídricos e ter meios de implantar as obras e medidas

recomendadas.

No Brasil a gestão de recursos hídricos,

através de bacia hidrográfica, tem papel fundamental

na gestão ambiental. Isso conforma uma base político-

74

administrativa cujo fundamento é pelo gerenciamento

dos recursos hídricos pelas bacias hidrográficas e em

outra ponta dois pontos básicos de gestão, a outorga

para o uso e a cobrança pelo seu uso. A gestão dos

recursos hídricos é decisão política, motivada pela

escassez relativa de tais recursos e pela necessidade

de preservação para as futuras gerações, fazendo uso

da sustentabilidade do recurso.

Historicamente, essa gestão tem acontecido em

países ou regiões em que a pouca água decorre da

aridez do clima ou da poluição, havendo limitação ao

desenvolvimento econômico e social. No Brasil a

atenção sobre a escassez começou, a partir da década

de 70, com os ambientalistas organizando-se e agindo

de forma a provocar a antecipação de ações que visem

a conservação dos recursos hídricos, antes que as

situações atinjam índices críticos.

Atualmente, a crise na gestão dos recursos

hídricos brasileiro entrou em colapso por falta de

gerencia pública e principalmente por não levar à

informação ao público dos conflitos potenciais

existentes quanto ao uso da água, impedindo a

75

motivação política à discussão e participação nos

processos gerenciais de tomada de decisão de uma

dada região.

Muniz (2000:431) sugere que o passo inicial

seria a socialização dos membros das equipes, em

relação à proposta de interdisciplinaridade. Esta

socialização ocorreria através da realização de

reuniões com as equipes para que estas consigam

internalizar este conceito como metodologia

integradora das diversas áreas do conhecimento. Mas

esta etapa depende claramente da atuação de um

coordenador geral do plano diretor que deve procurar

administrar esta interdisciplinaridade efetivamente.

4 MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS,

DIANTE DOS IMPASSES DO ACESSO A ÁGUA

O reconhecimento da água como direito

fundamental, ainda que tardio, ocorreu após de ser

reconhecido como meio ambiente. Uns dos primeiros

documentos que implicitamente zelou por este bem foi

a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

76

proclamada pela Resolução 217 A (III), da Assembleia

Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,

apesar de em nenhum momento tecer algum

comentário sobre a água prevê no artigo 25, que “toda

a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para

lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem estar”.

Em 1972, a Declaração de Estocolmo, ainda de

forma implícita admite que: “O homem tem o direito

fundamental a liberdade, à igualdade e ao gozo de

condições de vida adequadas num meio ambiente de

tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna.”

(FERREIRA FILHO, 2011, p. 80).

E é nessa concepção de vida, como elemento

essencial a esta, que alguns ambientalistas começam a

reivindicar a proteção e o reconhecimento da água

como direito fundamental a vida humana, devendo

para tanto observá-la como bem finito e de uso comum.

Em 1977, acontece a primeira Conferência sobre a

água na Argentina.

Mais Tarde em 1992, por força da pauta da

ECO-92, a água foi expressa como direito fundamental

do ser humano por meio da Declaração Universal dos

77

Direitos das Águas, no artigo 2º. Porém diferente da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta

Internacional de Direitos Humanos, o Pacto

Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais e outros não é norma cogente, não faz

obrigação entre as partes.

No ano de 2000, o II Fórum foi realizado em

Haia, na Holanda. Em 2003, o III Fórum Mundial da

Água foi no Japão. Em 2006, na Cidade do México,

realizou-se o IV Fórum Mundial da Água, no qual foi

declarado expressamente que pela essencialidade da

água esta é direito humano básico a vida do ser

humano.

E é diante deste dilema que surgem inúmeros

conflitos em relação ao uso da água. Entre elas o

equilíbrio entre a ordem econômica e o meio ambiente

ecologicamente equilibrado, afinal como explorar de

forma viável e sustentável as diversas espécies de

meio ambiente. Como definir parâmetros de equilíbrio

de exploração, de uso sem causar conflitos. Bom, de

acordo com Breitman e Porto (2001, p. 93), conflito

significa diferenças de valores, “escassez de poder,

78

recursos ou posições, divergências de percepções ou

ideias, dizendo respeito, então, à tensão e à luta entre

as partes”.

Ou seja, consequência de interações pessoais,

que em matéria ambiental são resultado de uma

pretensão à exploração e ao uso de um bem comum,

sendo assim um conflito de cunho social. Pois sempre á

um interesse publico, proveniente do direito difuso

contra o direito do particular. E um dos grandes

problemas envolvido neste tema é a própria forma com

que os doutrinadores abordam o dano ambiental.

Compreende-se que todo ato degrada o meio, mas é

necessário entender que a atividade econômica é

essencial para a existência do Estado e que todos os

atos devem ser analisados a longa data. Quando se

fala de meio ambiente não se pode esperar que este se

recuperasse de um dia para outro, e da mesma forma

que ele tem seu tempo para se equilibrar é necessário

que qualquer nova atividade a ser desenvolvida seja

pensada de forma consciente e capaz de assumir as

externalidades do meio.

79

O mau uso da água potável, que é o segundo

maior responsável da crise hídrica, a discussão passa a

ser entre ente público e privado ou privado privado.

Neste momento, que as normas positivadas acabam a

prejudicar uma medida eficiente de solucionar a lide.

Por exemplo, dentro do tema deste trabalho, quando o

Estado proíbe um agricultor de irrigar sua plantação

em época de escassez hídrica. Bom a violação desta

imposição restara na aplicação de multa e posterior

reincidência do agricultor. Ao caso abstrato, várias são

as consequências jurídicas deste ato, primeiro que o

agricultor como cidadão tem direito ao

desenvolvimento de sua atividade econômica, sem

ingerência do Estado, desde que dentro da legalidade,

violando o aparente direito humano dele. Segundo

reflexo, que o arbitramento da multa não resolverá o

problema do pequeno proprietário, que já esta sem

renda porque não tem como desenvolver sua atividade

e agora com uma multa administrativa, ficando duas

vezes desamparado pelo Estado.

No caso expresso, a melhor solução seria a

mediação. Pois desenvolveria uma verdadeira proteção

80

ao meio ambiente, atendendo a discussão bioética

protetiva, eis que promove uma verdadeira discussão

sobre a lide se desenvolvendo em ações legitimas de

participação da cidadania. Ademais, a proteção ao

meio ambiente deve ser de cooperação.

6 CONCLUSÃO

Do estudo realizado, depreende-se a análise de

que todos os conflitos socioambientais se referem em

alguma medida com a gestão ambiental, seja por parte

dos administradores da máquina estatal, seja por

parte de cada cidadão inconsciente.

Desse modo, a aplicação positivada da

legislação do meio ambiente não vem se apresentando

uma forma eficiente de controlar o mau uso desses

recursos em especial da água potável. Assim a

mediação representa um meio extrajudicial de solução

de conflitos com uma maior participação da sociedade

implantando uma técnica mais eficiente e consciente.

Ademais, o acesso á água desde 2010 é visto como um

direito humano, e a sua previsão legal na Carta

81

Magna, causa um efeito cascata conhecido como

judicialização, por ser uma matéria de politicas

públicas positivada. O que torna a mediação mais uma

vez, uma solução mais eficaz, pois como é um instituto

que exige das duas partes envolvidas uma discussão,

trás um resultado seguro, evitando que esta lide vá

parar na justiça.

Por fim, constata-se que a participação da

sociedade na busca de soluções para a resolução dos

conflitos de matérias critica como a da crise dos

recursos hídricos, tem-se mostrado eficiente se

comparada à via judicial, pois desenvolve uma

discussão da ética da vida de forma protetiva que

serve de instrumento de conscientização dos direitos e

deveres das partes.

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84

LIMITES DA EFETIVA APLICAÇÃO DOS

PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA FRENTE A

INTERESSES NACIONAIS E CAPITALISTAS

TANURE, Hugo Gin Farias13

VICENTE, Deivid Dias14

RANGEL, Tauã Lima Verdan 15

Resumo: O presente artigo discorre acerca dos princípios

da Bioética e os empecilhos existentes que impedem sua

efetiva aplicação, discorre neste artigo um ponto específico

onde se caracteriza o fato de o Estado ser o maior

manipulador e desrespeitador das normas bioéticas, faz-se

necessário um estudo sobre todo o ambiente que gira em

torno destes fatores que compõem a bioética e a sociedade.

Palavras-chaves: Bioética, Índole humana, capitalismo.

13 Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES, [email protected]; 14 Bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES, [email protected]; 15 Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de

Pós-Graduação em Sociologia e Direito pela Universidade Federal

Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela

Universidade Federal Fluminense, [email protected]

85

1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS: O BERÇO

DAS ATROCIDADES CONTRA O HOMEM.

Tendo em vista que a partir do século XX, é que

a bioética ganhou força com os filósofos, cientistas,

profissionais da área médica e religiosos, podendo

além de pensar e repensar sobre os valores humanos,

puderam enfim se expressar de forma declarada como

a vida do ser humano vinha sendo tratada. Problema

este que pós-julgamento de Nuremberg em 1946,

julgamento este que pode se afirmar como precursor

no pensamento dos valores humano, pois tendo

analisadas as provas pós-guerra e constatado que os

vencidos utilizavam-se de seres humanos como meras

cobaias de pesquisas científicas, sem o mínimo de

respeito com a vida humana e no sentido do

pensamento de que a vida humana estava sendo

relacionada a quase um nada, é que inicialmente

deveria ser proposto o tribunal, como se percebe, o

tribunal de Nuremberg, foi puramente uma desculpa

pra se atingir um objetivo vingativo por parte dos

vencedores, bem como para satisfazer anseios

86

capitalistas, assim nos ensina Celso D. Albuquerque

de Melo:

No tocante à crítica de que Nuremberg

foi um tribunal de exceção não há como

negar. Os juízes foram escolhidos pelos

vencedores sem qualquer critério prévio.

O tribunal foi extinto após ter proferido o

julgamento. As sentenças eram

‘negociadas’ entre os juízes. Os próprios

alemães em 1945 e 1946 diziam aos

Aliados que eles deveriam ser

eliminados, ou ainda, por que processá-

los se eles já estão condenados [sic]. O

juiz-Presidente da Corte Suprema,

Harlam F. Stone, que defendera,

anteriormente, o julgamento dos

criminosos alemães, afirmava que o

Tribunal de Nuremberg era um

‘linchamento barulhento colocado em

cena (dirigido) por Jackson. (MELLO,

1997, 441).

Pode se acrescentar a isso, que após o desfecho

do conflito, houve uma divisão visível dos territórios

ocupados entre os Estados Unidos da América (EUA) e

a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),

evidente que de um lado os capitalistas (EUA) e do

outro os Socialistas (URSS), frustrando

posteriormente a criação de um tribunal penal

87

internacional permanente, haja vista ter eclodido

entre as duas nações mundiais supracitadas, uma

guerra fria.

O julgamento que teve duração de quase um ano

ininterrupto, sendo marcado por inúmeras

contradições e maculas a princípios fundamentais de

direito, fato este que culminou em diversas críticas em

relação ao verdadeiro caráter do Tribunal Militar

Internacional de Nuremberg. Na visão de muitos a

Corte deixou a moral e a justiça de lado na busca de

uma vingança a qualquer preço, onde os princípios

mais fundamentais foram banalizados sem remorso

algum por parte dos vencedores. Para o acusador, o

julgamento era de assassinato, apesar disto, ele

sustentou que não era um "mero julgamento de

assassinato", porque os réus eram médicos que tinham

realizado o juramento de Hipócrates de não causar o

mal.

Em contrapartida os defensores alegaram que o

Estado tinha ordenado aos médicos que realizassem

experimentos no campo de concentração de Dachau

para reunir informações de como proteger e tratar

88

melhor aos soldados e aviadores alemães. Eles

alegavam que os interesses do Estado sobressaiam em

relação aos interesses do indivíduo. O acusador

rebateu, declarando que o estado pode ordenar

experimentos fatais em seres humanos, porém que os

médicos podem recusa-los. Diante do fato que o mundo

estava perplexo com as atrocidades cometidas durante

a 2ª guerra mundial, viu-se a necessidade de

estabelecer regras em condutas com experimentos em

que o ser humano fosse ser utilizado, surgindo assim o

código de Nuremberg, estabelecendo dentre outras

regras o principio da voluntariedade, mas com o

respaldo do princípio da publicidade, onde o individuo

que participasse dos experimentos, deveria ser

informado de todo o procedimento bem como os

possíveis riscos do procedimento.

89

2 EMPECILHOS IMPOSTOS PELO

CAPITALISMO AO RESGUARDO DA

DIGNIDADE HUMANA

Não obstante, as empresas farmacológicas

ficaram interessadas em investir na descoberta de

novos medicamentos.

O mundo passava por um momento delicado

economicamente, pois o início do século XX já se havia

tido uma guerra avassaladora que teve sua duração

entre 1914 e 1918 deixando uma Alemanha altamente

devastada e se não bastasse, com os cofres

comprometidos com dívidas de guerra, deixando o

mundo apreensivo quanto ao modo de investir e de

expandir-se economicamente, na década seguinte o

mundo passou pela chamada depressão de 1929, assim

denominada a crise mundial pelos economistas, e

quando enfim se esperava um rumo diferente e uma

evolução econômica, eis que em 1939 inicia-se a 2ª

guerra mundial, tendo os alemães como precursores e

com o sonho de formar uma raça Ariana pura e digna

de supremacia, sonho este que não concretizado devido

90

o fim da guerra e a derrota dos alemães declarada com

a sua rendição, mas que constatando no pós-guerra

que apesar de todas as atrocidades cometidas no

período de guerra por parte dos nazistas, as pesquisas

científicas eram necessárias e haviam sofrido um

avanço enorme em relação a tempos de outrora.

Com a implementação do código de Nuremberg

e a necessidade de reerguer a economia mundial, as

pesquisas científicas e a indústria farmacológica

seriam primordiais para o renascimento da economia,

tendo os EUA como o maior interessado em aproveitar

da situação e por ter condições de dar inicio ao

aquecimento econômico, tendo inclusive como “aliada”

a BAYER, que por ser uma empresa Alemã e atuar no

ramo de fabricação de medicamentos, sendo inclusive

a criadora da Aspirina, medicamento este que era o

carro chefe da empresa por décadas, e por ter atuado

na fabricação do gás utilizado nas câmaras de gás

dentro dos campos de concentração, fato este que com

muita estranheza foi acolhido pela sociedade da época.

Como toda mudança ou implementação de

projetos ou ideias tem o seu risco, assim teve o código

91

de Nuremberg, pois mesmo com as diretrizes expostas

a serem seguidas, muitos casos de violação dos direitos

humanos ainda eram constatados, muito se

questionava sobre a eficácia do código de Nuremberg,

foi quando então decidiu-se por revisões do código

trazendo questões levantadas de todos os lados e

discutindo a melhor forma de tratar as pesquisas

cientificas com relação aos direitos humanos,

experimentos perversos e abusivos envolvendo

comunidades vulneráveis, tais como minorias étnicas

ou pessoas institucionalizadas, foram largamente

desenvolvidos nos Estados Unidos durante os anos 60

e 70.

Muitos experimentos seguiram seus cursos no

pós-guerra, tendo em sua maioria como alvo, os povos

mais vulneráveis de países com pouca expressão

internacional e com regras menos rigorosas, o que

facilitava a implantação de centros de pesquisas e

reduzia os custos, pois, com trabalhos “humanitários”,

esses centros de pesquisas utilizavam dessas

sociedades miseráveis para concluir seus estudos, os

pesquisadores faziam práticas desumanas, os

92

pesquisados em sua maioria não sabiam que

participavam de uma pesquisa médica, o que pelo

código de Nuremberg já era algo abolido, porém essa

prática se perpetuou por décadas adiante a sua

decretação, o que fez com revisões ao código fossem

realizadas tendo a última sido realizada em 2012 .

Diante dos fatos expostos, a sociedade médica se

viu pressionada e um tanto quanto preocupada com os

efeitos das pesquisas e com a forma que vinham sendo

realizadas, surgiu então à figura do médico a

sobressair-se sobre a do pesquisador, pois o código

expunha a questão do consentimento voluntário como

requisito fundamental, e em muitos dos casos assim o

era, mas o tratamento mesmo com o consentimento

era degradante e subumano, “... o consentimento

voluntário do ser humano é absolutamente essencial e

isto significa que a pessoa envolvida deve ter a

capacidade legal de consentir..." (NUREMBERG

CODE, 1949:181)

Foi então que entrou uma figura importante, o

autor de Acres of Skin: Human Experiments at

Holmesburg Prison, Allen Hornblum, lançando

93

perguntas que em sua maioria não eram respondidas

por questões ligadas aos interesses capitalistas norte

americanos:

por que tais processos ocorreram no Pós-

Guerra dos Estados Unidos e

aparentemente não ocorreram em outras

nações industrializadas? Por que os

experimentos humanos com populações

vulneráveis ou institucionalizadas foram

tão tardios nos Estados Unidos?

(HORNBLUM, 1999: XV. Tradução

livre).

Com as possíveis respostas expostas

anteriormente, sob a prerrogativa de que a ciência

neste momento não estava atrelada ao nazismo, é que

então houve a necessidade de suprir as falhas do

código de Nuremberg, surgindo então a declaração de

Helsinque, que fora redigida pela Associação Médica

Mundial em 1964, após reconhecer algumas falhas no

Código de Nuremberg. Sendo um conjunto de

princípios éticos que visam orientar a pesquisa

envolvendo seres humanos, vindo então a ser o

complemento ao que faltava no Código de Nuremberg,

pois é inegável a aplicação de pesquisas médicas em

94

seres humanos diante da constante evolução humana,

mas é irrefutável o tratamento adequado a todo e

qualquer ser humano independente de sua situação

econômica, física, social ou geográfica, pois sob o

discurso antropológico o ser humano é uma raça única

sem subdivisões ou subespécies.

Em meio ao estado evolutivo das pesquisas

médicas e farmacêuticas, surge com total ênfase as

pesquisas biomédicas multicêntricas, surgindo em

paralelo a isso, uma controvérsia em torno desta

pesquisa, a respeito do emprego de padrões éticos

distintos para pesquisas biomédicas realizadas em

países de alta renda e de baixa renda, uma

problemática da bioética intitulada como a “questão do

duplo standard”, com veementes posições favoráveis

ou contrárias (GARRAFA; LORENZO, 2010).

A questão acerca do recurso a padrões éticos

diferenciados para sujeitos da pesquisa localizados em

regiões do globo distintas, consoante apontado neste

trabalho, é mais grave quando se trata das

problemáticas das indústrias farmacêuticas

transnacionais que, frente a problemas insolúveis por

95

conta de experimentos falhos, em sua maioria

imutáveis e de danos gravosos à vida humana e

irreparáveis, tendo a punição quase sempre nula por

conta das falhas de leis internas nos países onde foram

feitas as pesquisas bem como na falta de legislações

internacionais eficazes a fim de evitar tais ocorrências,

acarretam um ciclo vicioso de completo desrespeito aos

princípios bioéticos, assim como a dignidade da pessoa

humana.

Muito se tem feito para melhorar as condições

dos indivíduos que se submetem a tratamentos

médicos e biomédicos, apesar de ser um avanço para a

humanidade a criação do código de Nuremberg e a

Declaração de Helsinque e sendo de suma importância

as pesquisas com seres humanos, há também que se

salientar que o respeito ao ser humano deve ser

primordial e sua evolução milenar deve ser

preponderante sobre todos os aspectos.

96

3 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA

Os princípios da Bioética consagrados desde o

advento do Código de Nuremberg e após isso também

na Declaração de Helsinque, destinam-se a compor e

reger a forma com a qual experimentos da qual sejam

necessárias cobaias humanas, serão criadas,

gerenciadas e realizadas, é imprescindível ressaltar

que dentro dos quatro princípios consagrados, o da

benevolência, não maleficência, justiça e respeito à

autonomia, alguns já existiam muito antes de ter de

haver um completo genocídio mundial e abomináveis

experimentos com humanos para que fossem redigidas

e disseminadas mundo a fora.

Dentre os inúmeros instrumentos já existentes

para impelir o ímpeto humano de sobrepor-se ao que

acredita ser inferior ou que por força maior encontra-

se em estado de inferioridade, há de ser citado o

juramento de Hipócrates que descreve, com grande

maestria, princípios inerentes aos praticantes da

ciência médica como a da não maleficência, tendo sido

este absurdamente esquecido no período de 1939-1945.

97

Cita-se tal instrumento por este ser, ou ao

menos deveria ter sido, uma peça de importante

fundamento como pedra angular para a época por se

tratar de um documento que regia sobre a prática da

ciência médica com grande maestria, descrevendo a

importância e o dever daquele que possui o

conhecimento científico de aplica-lo ao paciente sem

lhe infringir dor desnecessária e somente visando o

bem maior, no caso suplantado, a saúde do individuo.

O juramento de Hipócrates data do século V a.C. o que

demonstra de forma alarmante que ao longo de mais

de vinte séculos, culminando nos atos da Segunda

Grande Guerra, este juramento foi dito e repetido em

todas as faculdades de medicinas existentes somente

por mero ritual e formalidade, e pode-se descrever que

até hoje espantosamente tal constatação pode ser

feita, levando-nos a indagação de qual seria a real

função de um juramento onde aquele que está

proferindo este juramento, somente o faz “da boca

para fora” mas não o carrega dentro de si como

verdade absoluta e obrigação legal e moral a ser

98

seguida independente de existirem ou não normas

positivadas que dissertem a respeito de tais coisas.

Observa-se que somente através de um Tribunal

Militar Internacional obteve-se um avanço no

resguardo a dignidade humana, aos direitos humanos

e ao respeito para com o indivíduo que constitui parte

de um experimento médico como cobaia deste.

Como forma de rechaçar porventura novos

experimentos com humanos tais quais foram

evidenciados pelos nazistas, foram elaborados diversos

documentos, tendo como precursor o Código de

Nuremberg, direcionando a forma como as pesquisas

com seres humanos passariam constituídas. Com a

sistematização de diversos princípios em um

documento internacional, alterou-se o sentido com que

eram concebidos anteriormente e aplicados, passando

de mera orientação humanitária para um dever civil e

moral.

A exemplo disto nota-se que no juramento

hipocrático existia a característica do silêncio do

paciente que se submete ao tratamento ou ao

experimento, entretanto, o Código de Nuremberg

99

caracteriza-se como marco pois trás em sua gênese a

possibilidade e dever da manifestação de vontade por

parte do paciente quanto a sua participação ou não,

bem como seu livre arbítrio de encerrar com o

experimento se sentir-se “desconfortável” com o

experimento, ademais, fora consagrado neste

documento o dever por parte do pesquisador de

informar todas as características do experimento ao

paciente a fim de resguardá-lo e garantir maior

segurança ao procedimento médico.

A proteção estende-se também a fim de impedir

que a pessoa humana seja logo utilizada como

primeira ferramenta de pesquisa médica, declarando

assim a obrigatoriedade de testes de forma anterior

em animais a fim de possibilitar o equacionamento dos

ricos e benefícios. A bioética assumiu o sentido de

“Ciência da Ética”, objetivando garantir a

sobrevivência humana e a qualidade da vida, tendo

como aspecto em a vida humana como algo inviolável.

Nem tudo o que é tecnicamente possível de ser

considerado é moralmente permissível, com esse

intuito a bioética regulamenta os métodos de estudos

100

com seres humanos e ao mesmo tempo de uma forma

permissiva assegura que os estudos continuem

acontecendo desde que os benefícios almejados sejam

acima dos riscos, respeitando de igual forma os

princípios já consagrados.

Atesta-se assim o dever de dissertar de forma

específica sobre cada um dos quatro princípios

fundamentais da Bioética que garantem maior e

efetiva proteção à dignidade da pessoa humana e aos

direitos humanos.

3.1 Princípio da Beneficência

Este princípio remonta não somente ao seu

nascimento com o Tribunal de Nuremberg, mas

residindo como postulado orientador desde o período

do juramento hipocrático, como já intitulado, sua

função é a de que o indivíduo no âmbito da ciência

médica, busque fazer o bem, aquilo que é correto

almejando a saúde física do paciente, como Hipócrates

descreve: “Usarei o tratamento para ajudar os doentes,

de acordo com minha habilidade e julgamento e nunca

101

o utilizarei para prejudicá-los”. Esta é uma importante

verdade, pois como bem atesta Jussara de Azambuja

Loch:

Beneficência quer dizer fazer o bem. De

uma maneira prática, isto significa que

temos a obrigação moral de agir para o

benefício do outro. Este conceito, quando

é utilizado na área de cuidados com a

saúde, que engloba todas as profissões

das ciências biomédicas, significa fazer o

que é melhor para o paciente, não só do

ponto de vista técnico-assistencial, mas

também do ponto de vista ético. É usar

todos os conhecimentos e habilidades

profissionais a serviço do paciente,

considerando, na tomada de decisão, a

minimização dos riscos e a maximização

dos benefícios do procedimento a

realizar. (LOCH, 2002, p. 03).

Ademais, tanto o princípio da beneficência

quanto da não maleficência estão intrinsecamente

ligados, e tem em sua origem terem sido concebidas

por Hipócrates, a beneficência pode-se constatar como

uma orientação acerca do cuidado com o indivíduo que

já encontra-se debilitado, mas, não deixando é claro de

aqui coabitar a não maleficência no sentido de que o

médico ou responsável pelo cuidado do indivíduo não

102

aproveite-se da situação fragilizada de um ser humano

para praticar atos que lhe provocaram dor.

3.2 Princípio da Não Maleficência

O princípio da não maleficência, também

elencado na tradição hipocrática, diz respeito a abster-

se de praticar qualquer ato que porventura acarrete

dano ao paciente, entretanto, dentro da ciência médica

muitos se não todos os atos praticados acarretam ou

podem produzir lesões ao paciente, sejam elas de

qualquer forma. Neste ponto cabe ao titular do poder

de exercício dessa ciência, pesar e ponderar quais

ações serão mais benéficas ao paciente e ponderá-las

com os riscos iminentes ou prováveis com as ações que

porventura vier a tomar, neste ponto também diante

dos riscos maior deve ser o objetivo almejado, para

garantir completa segurança ao paciente, assim como

resguardar sua dignidade acima de tudo.

103

3.3 O Princípio de Respeito à Autonomia

Este princípio diferentemente dos anteriores

mencionados não possui tradição hipocrática, sendo

concebida principalmente no Código de Nuremberg no

pós Segunda Guerra Mundial, este princípio possui

como característica resguardar uma das maiores

manifestações inerentes exclusivamente ao ser

humano, que possui a liberdade e a faculdade de

escolher a que deseja submeter-se bem como da forma

como o deseja fazer.

Reconhecida através dos tempos, mas

colocada em evidência neste século, é a

liberdade um dos valores máximos do ser

humano. O princípio de autonomia

significa o reconhecimento desta

liberdade de ação, desde que o indivíduo,

movido pelas suas próprias razões, não

produza danos a outrem. Prevê uma

atitude auto-responsável que se mostra

atrelada ao contexto cultural, já que os

seres humanos são motivados pela visão

que possuem do mundo. (MOTA, 2007,

s.p.).

O respeito à autonomia nada mais é do que o

terceiro reconhecer que o indivíduo possui o direito de

104

escolha, e concretizado isso tem-se o pleno respeito aos

direitos fundamentais do homem, aceitando suas

diferenças e peculiaridades que são próprias desta

espécie. (LOCH, 2002, p. 04).

3.4 O Princípio da Justiça

Justiça segundo a nobre definição provida no

império romano é conceder a cada um aquilo que é o

seu direito (ius suum unicuique tribuens), ou na velha

definição de Aristóteles justiça também está ligada ao

direito e isso quer dizer tratar os iguais na medida de

suas igualdades e os desiguais na medida de suas

desigualdades, e isto não faz com que o sentido de

justiça seja perdido, muito pelo contrário, o garante a

partir do momento em que equaciona as forças

interpostas na balança da vida na qual a sociedade

está inserida.

Silvia Mota descreve que este princípio assim

como o da beneficência e não maleficência está

inserido no Juramento de Hipócrates a partir do

momento em que na declaração o mesmo profere que

105

não fará distinção entre livres e escravos e também na

Declaração de Genebra onde se tipifica: “Não

permitirei considerações de religião, nacionalidade,

raça, partido político ou categoria social para mediar

entre meu dever e meu paciente”. Isto nada mais é do

que uma clara garantia de respeito a igualdade de

todos independente de suas características peculiares

e resguardando seus direitos e sua dignidade. (MOTA,

2007, s.p). Com isto constatam-se seis premissas

inerentes a este princípio: a) Para cada um, uma igual

porção; b) Para cada um, de acordo com sua

necessidade; c) Para cada um, de acordo com seu

esforço; d) Para cada um, de acordo com sua

contribuição; e) Para cada um, de acordo com seu

mérito; f) Para cada um, de acordo com as regras de

livre mercado.

4 A NATUREZA HUMANA: A REALIDADE POR

DETRÁS DA ÍNDOLE HUMANA

Aqui há que se levantar a questão sobre a real

natureza humana, e para isso faz-se necessário que

106

olhemos para a história e com isso tiremos nossas

próprias conclusões. Para tanto temos como teoria que

se enquadra perfeitamente a nossa situação a

elaborada por Thomas Hobbes, que discorre sobre a

natureza do homem em uma perspectiva contrária ao

que fora elaborado por Aristóteles, afirmando ser o

homem um homem bom, um animal político e social.

Hobbes descreve de forma contrária isso, afirmando

que o homem não é um animal social, que tende a ser

antissociável bem como a ser individualista, como

verdadeiramente ele é, o que faz com que se agrupem

é pelo interesse coletivo, pela pretensão de satisfação

pessoal proveniente daquele agrupamento e da

possibilidade de assegurar maiores chances de

sobrivência, visto que, como adverte Hobbes o homem

em seu estado natural vive em constante guerra

“bellum omnium contra omnes”. (HOBBES, 1993, p.25)

O conhecimento da natureza humana

parte de dois postulados: 1) o da cobiça

natural do homem, segundo o qual cada

um deseja fazer das coisas comuns um

uso que lhe seja particular; 2) o da razão

natural, segundo o qual cada um deseja

evitar a morte violenta como o maior mal

107

da natureza. O primeiro postulado

permite-nos apreender o homem a partir

da sua tendência ao desregramento de

tal maneira que o “meu” e o “teu”, nesta

formulação, nada mais são do que formas

de exercício do poder, da potência

indiscriminada de cada um em relação a

todas as coisas. O segundo, postula como

este “desregramento” termina por

organizar-se na medida que ele “se

racionaliza”, isto é, cada homem calcula

o modo de usufruir e de apropriar-se do

“meu” em função do que o “outro” coloca

como “seu”, resistindo ou cedendo, pelos

mais variados motivos, às pretensões

enunciadas, o motivo de cada um torna-

se a razão de estruturação de uma

relação político-racional entre os

homens. A natureza humana tende à a-

sociabilidade, à individualização, ao

afastamento do outro no usufruto do bem

de cada um. Os homens aproximam-se

pela cobiça recíproca, pelo peso relativo

da força de cada um, de tal maneira que

a a-sociabilidade é originária ao homem-

ao contrário do que acontece com os

animais que tendem naturalmente à

vida gregária. O que retém os homens

nas suas relações entre si é o medo

recíproco, fonte esta de um

acomodamento dos conflitos e, logo, de

um regramento social. (HOBBES, 1993,

p. 25).

Todavia aqui já se pode apreciar uma

diferenciação sobre essa busca de um grupo para

garantir maiores chances de sobreviver, como descrito

108

por Thomas, o homem no estado natural vive em

constante guerra, porém, isto não o impede de

adaptar-se ao meio e utilizá-lo a seu favor, assim

como, caso um detenha ligeira vantagem diante dos

demais para que este subjugue todo o resto

submetendo-os a seus interesses e paixões, a história

passada e presente demonstra exemplos claros disto,

podendo citar homens que tiverem em suas mãos o

controle estatal ou de um império, muita das vezes

gerindo seu vasto império com mão de ferro, expressão

esta que se tornou célere graças a Stalin, um exemplo

claro e vívido desta natureza humana.

Hobbes então descreve que o homem é o lobo do

próprio homem e que para por um fim a este estado

constante de guerra, abdica-se de parte de sua

liberdade por meio do contrato social e assim um

soberano é constituído para gerir a sociedade,

garantindo paz e segurança a seus indivíduos bem

como a impelir a natureza humana da

individualização. A esta figura ele dá o nome de

Leviatã, uma criatura que detém todos os poderes

109

capaz de sobrepor-se aos interesses dos indivíduos se

assim entender como prudente.

Neste ponto é que entramos no ponto divergente

da teoria de Thomas a respeito do Leviatã, sendo o

Leviatã (Estado) um ser criado a partir de cada

indivíduo e sendo este nome ser também um

indivíduo, não estaria este suscetível de igual forma a

individualidade do ser humano, a sua associabilidade

e com isso a subjugar qualquer indivíduo ou sociedade

em busca de concretização de seus próprios interesses?

Com isto desenvolve-se a perspectiva de que sendo o

Leviatã obra do gene humano, este não é de todo

perfeito ou tão pouco não possuidor da índole

gananciosa e individualista do homem.

Neste ponto já pode-se crer que tal análise é

suscetível de acusações e descrenças, então façamos

outra indagação, porventura o mesmo Leviatã, obra

criada a fim de assegurar segurança, paz e igualdade

entre os que compõem a sociedade, não poderia ser o

mesmo que a utiliza como explorador alimentado pela

falsa esperança de ser o capacitado para garantir-lhes

o estado de felicidade buscado pelos cidadãos? A

110

respeito disso pode-se caracterizar como verdade

diante de inúmeros fatos históricos que apontam para

tal, delimitando para a área da bioética podemos citar

os momentos em que obtivemos a ascensão de um

Estado nazista ao poder e a quase hegemonia mundial,

observamos experimentos realizados pela Alemanha

nazista inseminando sêmen de animais em mulheres

buscando assim gerar possíveis criaturas híbridas, a

unidade 731 no Japão durante a Segunda Grande

Guerra que utilizava-se do pretexto de estudar os

efeitos das situações de combate sobre seus soldados,

para aniquilar todos aqueles que eram considerados

inimigos.

Um ponto em comum nestes experimentos que

poderia ser criticado seria sua “antiguidade” visto que

foram feitos antes dos primeiros documentos a

respeito da Bioética, contudo, de forma infeliz é fato

que os experimentos anormais e cruéis com seres

humanos jamais deixaram de existir e como desgosto

presencia-se Estados comprometidos com a causa de

evitar erros cometidos na segunda guerra mundial

tomando a dianteira da realização desses

111

experimentos, para isso podemos citar o experimento

de Tuskegge no Alabama-EUA que perdurou até a

década de 70, os laboratórios de produção de venenos

na antiga URSS, o processo de aversão na África do

Sul no período do Apartheid, o exercício militar de

Totskoye- URSS, todos eles vitimando dezenas de

milhares de vítimas inocentes sob o pretexto de estudo

científico. Ademais, contatamos que em nosso presente

existem tais atrocidades sendo cometidas sob o falso

olhar da humanidade nos campos de concentração

norte coreanos que se estimam que já durem doze

vezes mais do que os campos nazistas.

O Leviatã, portanto, torna-se o maior empecilho

para a real afirmação e consolidação dos princípios

bioéticos, assim como dos direitos humanos, pois o

Estado, detentor de todos os poderes e sendo

constituído por homens jamais deixou de possuir a

índole individualista a que Hobbes cita, todavia as

proporções de danos agora são infinitamente maiores e

sem possibilidade de estimativas do quão perigoso é

este jogo de poder, visto que países precursores na

criação de normas a respeito da pesquisa com

112

humanos utilizam destes princípios como meras

mascaras para a comunidade internacional e tendo

plena liberdade de ação dentro de seus territórios da

forma como desejam.

Para que os princípios bioéticos, os direitos

humanos e a dignidade humana sejam resguardados

há de se destituir o Leviatã que constitui figura

estranha a qual fora concebida e esperasse agir,

contudo também faz necessário que tais ferramentas

conquistas sobre o sangue de milhões não sejam

deixadas de lado como meras orientações sem peso ou

importância, tampouco pode-se permitir que erros do

passado continuem acontecendo, devendo os órgãos

trabalhar em prol da real sedimentação destes

princípios e que seu desrespeito gere punições reais e

duras seja a quem for, visto que, não há bem mais

precioso do que a vida humana e este deve ser

salvaguardado a todo custo.

113

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<http://www.ufrgs.br/bioetica/ helsin1.htm>. Acesso

em: 07 jun. 2015.

116

QUANDO COMEÇA A VIDA HUMANA À LUZ

DOS POSTULADOS PRINCIPIOLÓGICOS DO

DIREITO E DA BIOMEDICINA

MATTA, Renan D’Assumpção16

RANGEL, Tauã Lima Verdan 17

Resumo: Na questão jurídica o Direito a Vida é

reconhecido internacionalmente pela intitulada Declaração

Universal dos Direitos Humanos. Porém, tecnicamente esse

documento não impõe obrigação, sendo simplesmente uma

recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas

faz aos seus membros. E para que esse direito não ficasse

apenas com valor utópico foram realizados Tratados e

Convenções que eram documentos mais vinculantes. Dentre

eles, ocorreu em 1966 o Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos que resguarda o Direito a Vida como

descrito no seu artigo 6º: “O direito à vida é inerente à

pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei.

Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”

No entanto, esse Tratado só tem encargo jurídico para os

Estados que acordaram com ele, visto que lhe foi anexado

um Protocolo Facultativo, ou seja, incumbem somente as

Nações que querem lhe fazer parte.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Princípio. Bioética.

16 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São

Camilo-ES. E-mail: [email protected] 17 Professor Orientador, Doutorando vinculado ao Programa de

Pós-Graduação em Sociologia e Direito pela Universidade Federal

Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela

Universidade Federal Fluminense, [email protected]

117

1 COMENTÁRIOS INICIAIS

Estados que pactuaram com Tratado

internacional, se encontra o Brasil. Que, além disso,

consagrou em nossa Constituição Brasileira,

promulgada em 1988, os Direitos Humanos e deixando

a salvo os posteriores Tratados internacionais do quais

faça parte, como por exemplo, a Convenção Americana

de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa

Rica) ratificado em 1992 e que diz em seu artigo 4º que

“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.

Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral,

desde o momento da concepção. Ninguém pode ser

privado da vida arbitrariamente”. O que significa que

eles também são garantidos pelo nosso Poder

Judiciário a toda Nação brasileira. Como afirma

Alexandre de Moraes:

A constitucionalização dos direitos

humanos fundamentais não significou

mera enunciação formal de princípios,

mas a plena positivação de direitos, a

partir dos quais qualquer indivíduo

poderá exigir sua tutela perante o Poder

Judiciário para a concretização da

democracia. Ressalte-se que a proteção

judicial é absolutamente indispensável

118

para tornar efetiva a aplicabilidade e o

respeito aos direitos humanos

fundamentais previstos na Constituição

Federal e no ordenamento jurídico em

geral. (MORAES, 2013, p.3)

A respeito do direito à vida, portanto, por ser

um direito humano é assegurado pela Constituição

Federal no artigo 5º no que diz que “Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Porém sendo o mais importante de todos os direitos é

primordialmente o direito à vida. Pois como abona

Alexandre de Moraes “o direito à vida é o mais

fundamental de todos os direitos, pois o seu

asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-

requisito à existência e exercício de todos os demais

direitos”. (MORAES, 2013, p.87)

O direito à vida é bem conhecido no âmbito

social, por está sendo recorrentemente divulgado no

que se reporta ser relacionado com temas polêmicos,

como o aborto. Entretanto, apesar de ouvir sobre esse

119

direito, pouco se sabe com concretude do seu início, ou

seja, quando começa a vida humana. Porque para se

valer dessa garantia é necessário que se tenha um

parâmetro do qual seus detentores se enquadrem. E a

pergunta é quais são essas características essenciais

para que se dirija àquele ser como uma pessoa

humana na visão jurídica. Apesar de que segundo

Alexandre de Moraes “o início dessa preciosa garantia

individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao

jurista, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal”.

(MORAES, 2013, p.87)

2 AS CONCEPÇÕES LEGAIS ACERCA DA

CONSIDERAÇÃO DO INÍCIO DO DIREITO À

VIDA NO BRASIL

O Brasil adota o sistema de ordenação Civil

Law, estabelecendo que as principais fontes do Direto

sejam as Leis. E a Constituição é a Lei Maior, ou seja,

é a soberana da qual, seguindo o ordenamento

piramidal de Hans Kelsen, todas as demais estão

subordinada a ela. Sendo assim estas Leis apenas

120

pormenorizam as normas Constitucionais de acordo

com as regras ditadas pela mesma. Isso se deve ao fato

de evitar com que ocorra arbitrariedade entre as

normas, pois estarão ordenadas de forma

hierarquizada.

Portanto de acordo com esse sistema

estabelecido, quando se adentra no Código Civil

Brasileiro que tem por encargo regular as relações

jurídicas entre pessoas naturais ou jurídicas, é

esperado que se encontre uma especificação maior de

quando se inicia no setor Judiciário o indivíduo como

titular de direito. Sendo assim quando evocamos o que

está escrito na Constituição que todo ser humano tem

direito à vida é válido dizer que quando a pessoa

começa a portar direito ela é declarado um ser

humano, pois a primazia de todos os direitos como

vimos é o da vida.E no artigo 2º do Código Civil diz que

“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento

com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os

direitos do nascituro”. Ou seja,ter personalidade civil

nada mais é do que ser considerado pessoa, logo ela é

detentora de direitos e obrigações. Porém esse artigo

121

não é muito claro com relação ao nascituro, abrindo

margem a formulação de teorias. Nas quais existe a

teoria natalista, que na definição de Pablo Stolze

Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “a aquisição da

personalidade opera-se a partir do nascimento com

vida, conclui-se que não sendo pessoa, o nascituro

possuiria mera expectativa de direito” (GAGLIANO;

PAMPLONA FILHO, 2014, p.131); a teoria da

personalidade condicional, que segundo Arnoldo Wald

“a proteção do nascituro explica-se, pois há nele uma

personalidade condicional que surge, na sua plenitude,

com o nascimento com vida e se extingue no caso de

não chegar o feto a viver” (WALD, 1995, p.120), ou

seja, como discorre Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo

Pamplona Filho “o nascituro possui direitos sob

condição suspensiva”(GAGLIANO; PAMPLONA

FILHO, 2014, p.131), porém o mesmo adverte que

“essa corrente, em geral, não é tão incisiva ao ponto de

reconhecer a personalidade do nascituro (inclusive

para efeitos patrimoniais)”(GAGLIANO; PAMPLONA

FILHO, 2014, p.131). No entanto, existem autores cujo

pensamento na visão de Pablo Stolze Gagliano e

122

Rodolfo Pamplona Filho se aproxima da teoria da

personalidade condicional, como o da Maria Helena

Diniz no qual diz:

que, na vida intrauterina, tem o

nascituro personalidade, jurídica formal,

no que atina aos direitos personalíssimos

e aos da personalidade, passando a ter a

personalidade jurídica material,

alcançando os direitos patrimoniais, que

permaneciam em estado potencial,

somente com o nascimento com vida. Se

nascer com vida, adquire personalidade

jurídica material, mas se tal não ocorrer,

nenhum direito patrimonial terá.

(DINIZ, 1999, p.9)

A teoria concepcionista, por sua vez, de acordo

com Teixeira de Freitas, estabelece que “o nascituro

adquiriria personalidade jurídica desde a concepção,

sendo assim, considerado pessoa” (GAGLIANO;

PAMPLONA FILHO, 2014, p.131). O que inclusive

ostenta Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

Filho que “essa linha doutrinária rende ensejo

inclusive a se admitirem efeitos patrimoniais, como o

direito aos alimentos, decorrentes da personificação do

123

nascituro” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014,

p.131).

Logo, devido a essa lacuna na lei que dá

abertura a diversas interpretações, o juiz poderá

adotar a teoria que lhe parecer ser mais conveniente.

Contudo, existe na forma de lei escrito no Código

Penal que a prática de aborto é crime, salvo em alguns

casos. O que se pode perceber que contém certo limite

para essa interpretação na questão do nascituro. Pois,

como resume bem Carlos Alberto Bittar à vida é o

direito

que se reveste, em sua plenitude, de

todas as características gerais dos

direitos da personalidade, devendo-se

enfatizar o aspecto da indisponibilidade,

uma vez que se caracteriza, nesse campo,

um direito à vida e não um direito sobre

a vida. Constitui-se direito de caráter

negativo, impondo-se pelo respeito que a

todos os componentes da coletividade se

exige. Com isso, tem-se presente a

ineficácia de qualquer declaração de

vontade do titular que importe em

cerceamento a esse direito, eis que se não

pode ceifar a vida humana, por si, ou por

outrem, mesmo sob consentimento,

porque se entende, universamente, que o

homem não vive apenas para si, mas

para cumprir uma missão própria da

124

sociedade. Cabe-lhe, assim, perseguir o

seu aperfeiçoamento pessoal, mas

também contribuir para o progresso

geral da coletividade, objetivos esses

alcançáveis ante o pressuposto da vida.

(BITTAR, 1999, p. 67)

Por isso, segundo Pablo StolzeGagliano e

Rodolfo Pamplona Filho, “a ordem jurídica assegura o

direito à vida de todo e qualquer ser humano, antes

mesmo do nascimento, punindo o aborto e protegendo

os direitos do nascituro”(GAGLIANO; PAMPLONA

FILHO, 2014, p.200). Como pode ser observado o

artigo 124 do Código Penal em que diz “Provocar

aborto em si mesma ou consentir que outrem lho

provoque”, ou seja,o destinatário da sanção da norma

penal é todo aquele que realiza a ação ou se omite

quando lhe é incumbido o dever de participar, o que

neste caso, o artigo condiz com um comportamento que

se executado lhe caberá punição.

Entretanto, no mesmo Código é salvaguardada

a possibilidade do aborto no artigo 128 que diz “Não se

pune o aborto praticado por médico” quando esse for

para fim terapêutico e sentimental ou humanitário, no

que segue respectivamente o inciso I “se não há outro

125

meio de salvar a vida da gestante” e inciso II “se a

gravidez resulta de estupro o aborto é precedido de

consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu

representante legal". Posto que o Supremo Tribunal

Federal também decidiu como excludente de ilicitude,

publicado no dia 30 de abril de 2012, o aborto de

anencéfalo. Ademais para a execução deste ato não é

preciso autorização judicial, basta o diagnóstico de

anencefalia. Porém mesmo em todos esses casos de

exceção da criminalização do aborto é necessário que

haja o consentimento da gestante para interrupção da

gravidez.

A formulação da Lei de Biossegurança (Nº

11.105/2005) foi ênfase de grande polêmica, visto que

permitiu a utilização das células-tronco

embrionáriapara fins de pesquisa e terapia. Como

descrito no seu

Art. 5º É permitida, para fins de

pesquisa e terapia, a utilização de

células-tronco embrionárias obtidas de

embriões humanos produzidos por

fertilização in vitro e não utilizados no

respectivo procedimento, atendidas as

seguintes condições:

126

I - sejam embriões inviáveis

II - sejamembriões congelados há 3 (três)

anos ou mais, na data da publicação

desta Lei, ou que, já congelados na data

da publicação desta Lei, depois de

completarem 3 (três) anos, contados a

partir da data de congelamento.

Porém como declarado no parágrafo primeiro do

artigo 5º, em qualquer caso é necessário o

consentimento dos genitores. E por ser tratar de um

tema que fere princípios subjetivos de determinados

grupos, do qual ainda se discute que é a questão de

quando se inicia a vida humana. Sendo assim a lei foi

levada ao Supremo Tribunal Federal pelo Procurador-

Geral da República Dr. Cláudio Lemos Fonteles que

alegou sua inconstitucionalidade (ADI 3.510/ DF).

Tendo visto que argumentou que a lei contraria a

inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião

humano é vida humana, e faz ruir o fundamento maior

do Estado democrático de direito, que radica na

preservação da dignidade da pessoa humana.

Os novos fatos trazidos pela engenharia

genética geram discordâncias que precisam ser

resolvidos pela legislação, no que Noberto Bobbio

127

(2004) denominou de Quarta Geração. Que para ele

essa geração é assinalada pela pesquisa científica e

biológica, pela defesa do patrimônio genético, pelo

avanço tecnológico, pelo direito à democracia, à

informação e ao pluralismo. E que por estes estarem

se relacionando com princípios tão valiosos como a

vida, se faz necessário ainda enfocar a questão da ética

e da moralidade. Segundo a ética do dever do filósofo

Kant “só pode ser considerado um ato moral aquele ato

praticado de forma autônoma, consciente, e por dever”

(CONTRIM, 2006, p.253). E o dever nada mais é do

que obedecer às normas morais universais elaboradas

pela razão humana. Essa exigência de como deve ser o

ato moral, Kant denominou de imperativo categórico,

pois se entende que toda ação moral possa ser

realizada por todos sem prejuízo a humanidade.

Na então audiência pública de ação direta de

inconstitucionalidade da Lei de biossegurança, o

relator Ministro Ayres Britto, percebeu a formação de

duas nítidas correntes de opinião. Nos quais podem

ser ilustradas pela explanação respectiva de duas

referidas autoridades que compareceram no tribunal,

128

Dra. Mayana Zats professora de genética da

Universidade de São Paulo e a Dra. Lenise Aparecida

Martins Garcia professora do Departamento de

Biologia Celular da Universidade de Brasília. Como foi

dito pela primeira:

Pesquisar células embrionárias obtidas

de embriões congelados não é aborto. É

muito importante que isso fique bem

claro. No aborto, temos uma vida no

útero que só será interrompida por

intervenção humana, enquanto que, no

embrião congelado, não há vida se não

houver intervenção humana. É preciso

haver intervenção humana para

formação do embrião, porque aquele

casal não conseguiu ter um embrião por

fertilização natural e também para

inserir no útero. E esses embriões nunca

serão inseridos no útero. É muito

importante que se entenda a diferença.

E em contra argumento a Dra. Lenise expõe as

seguintes palavras:

Nosso grupo traz o embasamento

científico para afirmarmos que a vida

humana começa na fecundação, tal como

está colocado na solicitação da

Procuradoria. (...) Já estão definidas, aí,

as características genéticas desse

indivíduo; já está definido se é homem ou

129

mulher nesse primeiro momento (...).

Tudo já está definido, neste primeiro

momento da fecundação. Já estão

definidas eventuais doenças genéticas

(...). Também já estarão aí as tendências

herdadas: o dom para a música, pintura,

poesia. Tudo já está ali na primeira

célula formada. O zigoto de Mozart já

tinha dom para a música e Drummond,

para a poesia. Tudo já está lá. É um ser

humano irrepetível.

E depois de intenso debate o Supremo Tribunal

Federal que é o órgão máximo do Poder Judiciário que

possui a função de proteger a Constituição Brasileira e

que faz a análise hermenêutica da mesma. Julgou a

inexistência da violação do direito à vida por parte do

artigo 5º da lei 11.105/2005 (lei de biossegurança), ou

seja, dos onze Ministros presentes, seis votaram pela

improcedência da Ação direta de Inconstitucionalidade

n. 3.510 / DF, (Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie,

Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e

Celso de Melo).

130

3 QUANDO COMEÇA A VIDA HUMANA NA

CIÊNCIA DA SAÚDE

O desenvolvimento da vida humana traz

algumas questões consigo que são ainda discutidas na

Ciência, como em que etapa desse processo o então ser

é declarado vida humana, ou seja, a partir de que

momento embrião pode ser considera um ser com

vida? Na fecundação? Ou quando o embrião fixar na

parede do útero? Ou quando o embrião cria suas

próprias células? É difícil chegar a um consenso,

portanto, é necessário analisar cada teoria sobre o

início da vida, para demonstra a dificuldade de chegar

a um acordo.

Porém, antes de começar a falar sobre essas

teorias na visão da ciência temos primeiro saber

diferenciar o termo “ser humano” de “pessoa”. O termo

ser humano, segunda a ciência, faz relação à vida

biológica e o termo Pessoa é referente à dignidade,

cujo valor se impõe a todos da sociedade. Esse dilema

traz questionamento para ciência atual, no que se

pergunta se todo ser humano é pessoa. Segundo

131

Miguel Beriain (2004) em seu livro El Embrion y la

Biotecnologia: Que o princípio da vida humana está

indissoluvelmente unido à criação do embrião, o que

dificilmente faremos é admitir que toda vida humana

seja pessoa, nem, muito menos, que toda fecundação

origine uma pessoa. (REIS, 2008, p. 28). Esse

pensamento suscita uma discussão a respeito da vida

embrionária, sobre se devemos ou não considerar um

embrião uma pessoa que pode ser titular de dignidade.

Recentemente o Brasil acompanhou o caso da

cantora Wanessa Camargo que perdeu na justiça o

processo contra o apresentador Rafinha Bastos, que foi

denunciado por delito de injuria contra o bebê que ela

estava esperando na época. A decisão tomada pelos

desembargadores 13° Câmara de Direito Criminal da

Justiça de São Paulo, foi a manter por unanimidade

que o feto, ou seja, o nascituro, não tinha consciência

da dignidade, não tinha mínima capacidade

psicológica de entender a ofensa. O desembargador

França Carvalho citou uma doutrina, Edgar

Magalhães Noronha que diz: “A injúria é ofensa à

honra subjetiva, de modo que a pessoa deve ter

132

consciência da dignidade ou decoro. Dizer, v.g., de uma

criança de dois ou três anos que é um ladrão, de

menina de quatro anos que é mentirosa, são coisas

risíveis e que não podem configurar injúria”.

2.1. Teoria Concepcionista

Essa Teoria acredita que o início da vida começa

na fecundação, ou seja, quando o espermatozoide

penetra o ovócito secundário liberando as informações

genéticas paternas para que as mesmas possam se

unir ao material genético materno. E assim dando

origem a uma célula que contém todo conteúdo

informacional de uma pessoa humana. Como afirmar

Dr. Lejeune, pesquisador francês que identificou a

origem genética da síndrome de Down, "Logo que os 23

cromossomos paterno trazidos pelo espermatozoide e

os 23 cromossomos maternos trazidos pelo óvulo se

unem, toda informação necessária e suficiente para a

constituição genética do novo ser humano se encontra

reunida” (MIRANDA, 2009, sp). E ainda completa

dizendo "Se um óvulo fecundado não é por si só um ser

133

humano ele não poderia tornar-se um, pois nada é

acrescentado a ele." (MIRANDA, 2009, sp). A célula

humana possui definições claras que a diferencia de

qualquer outro ser vivo e essas características hoje são

observadas graças ao avanço tecnológico que tornou

possível a analise microscópica celular. No que segue

as declarações do Dr. Lejeune

Se logo no início, justamente depois da

concepção, dias antes da implantação,

retirássemos uma só célula do pequeno

ser individual, ainda com aspecto de

amora poderíamos cultivá-la e examinar

os seus cromossomos. E se um estudante,

olhando-a ao microscópio não pudesse

reconhecer o número, a forma e o padrão

das bandas desses cromossomos, e não

pudesse dizer, sem vacilações, se procede

de um chimpanzé ou de um ser humano,

seria reprovado. Aceitar o fato de que,

depois da fertilização, um novo ser

humano começou a existir não é uma

questão de gosto ou de opinião. A

natureza humana do ser humano, desde

a sua concepção até sua velhice não é

uma disputa metafísica. É uma simples

evidência experimental. (MIRANDA,

2009, s.p.)

134

2.2. Teoria da Nidação

Defende que o início da vida se começa com a

implantação do embrião na parede do útero, no qual se

dará início à formação da placenta que protege e

alimenta o embrião. Isso ocorre a partir do sexto dia

depois da fecundação, e os seus defensores declaram

que a mulher só pode ser considera grávida neste

período, porque não existir mais possibilidade da

célula que é o embrião ser jogada para fora do

organismo pela menstruação. Segundo Silmara J. A.

Chinelato e Almeida explica:

Somente se poderá falar em ‘nascituro’

quando houver a nidação do ovo. Embora

a vida se inicie com a fecundação, é a

nidação – momento em que a gravidez

começa – que garante a sobrevida do ovo,

sua viabilidade. Assim sendo, o embrião

na fecundação in vitro não se considera

nascituro (ALMEIDA. 1988 p.182).

Alguns médicos defendem o uso da pílula do dia

seguinte, uso do DIU, com base nessa teoria para se

evitar uma gestação. Isso significa que antes do

embrião se fixar se na parede do útero, não há

135

possibilidade de vida. A teoria da Nidação não

reconhece como pessoa humana o embrião quando

ainda está no processo da concepção.

2.3 Teoria da formação do Sistema Nervoso

Central

O inicio da vida para essa teoria se inicia com o

surgimento de atividades cerebral ou sulco neural, que

começa por volta da 8° semana da gestação. Os

defensores seguem a tese da neurologia que diz: “Se a

morte é dada pelo momento em que cessa a atividade

de sinapse e impulsos nervosos no cérebro, a vida,

portanto e não diferente, deve iniciar pelo surgimento

da atividade cerebral no nascituro, que ocorre na 8ª,

20ª semana de gravidez” (PENHA. 2007 p 4). Porém,

alguns cientistas argumentam que na 8° semana o feto

já teria aparência humana e estaria dando origem à

formaçãodo tubo neural. No entanto, é na 20° semana

o feto começa a se mexer no útero da mãe, pois nessa

fase o feto já estaria com a formação cerebral pronta e,

portanto pode ser considerado um ser independente

136

Apesar da discordância em relação ao

momento exato do início da vidahumana,

os defensores da visão neurológica

querem dizer a mesma coisa:somente

quando as primeiras conexões neurais

são estabelecidas no córtexcerebral do

feto ele se torna um ser humano. Depois,

a formação dessas vias neurais resultará

na aquisição da “humanidade”. (MUTO;

NARLOCH. 2005 p. 61)

A não formação do sulco Neural pode chega a

gera um aborto espontâneo, visto que o organismo

rejeita o embrião, e por esse motivo leva o feto

anencefálico a nascerem fora do tempo normal. Os

defensores esclarecem que só nesta fase o embrião

pode ser considerado humano, quando as primeiras

conexões cerebrais são estabelecidas. Joseph Fletcher

defendia que “Para falar do ser humano é preciso falar

em critério da humanidade, como autoconsciência,

comunicação, expressão da subjetividade e

racionalidade”. (MUTO; NARLOCH, 2005, p.61).

Todavia os defensores dessa teoria liberam o

aborto ate na 7° semana, pois para eles o embrião

ainda não possui a formação do sulco neural, que é o

137

diferencial para se tornar humano, porque sem conter

neurônios ele é apenas um amontoado de células que

pode se expelido a qualquer momento.

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