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PROJETO ELEIÇÕES - 2018

A POLÍTICA ALÉM DO VOTO

http://cardapiopedagogico.blogspot.com.br/2013/04/conceito-de-democracia-roda-de-leitura.html

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PROJETO ELEIÇÕES 201CHEFII 2

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PROJETO ELEIÇÕES 201CHEFII 3

COLETÂNEA DE TEXTOS SELECIONADOS PELA

EQUIPE DE FILOSOFIA, GEOGRAFIA E HISTÓRIA

ENSINO FUNDAMENTAL II

COLÉGIO SANTA MARIA

São Paulo – SP

2018

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 4

EIXO I: O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO ....................................................................................................... 6

I.1. A POLÍTICA EM NOSSA VIDA ........................................................................................................................ 6

I.2. O ANALFABETO POLÍTICO ............................................................................................................................ 6

I.3. CARNÍVOROS X VEGETARIANOS ................................................................................................................. 6

I.4. O QUE É POLÍTICA .......................................................................................................................................... 9

I.5. REVOLUÇÃO FRANCESA E CIDADANIA .................................................................................................... 10

I.6. O SISTEMA ELEITORAL ............................................................................................................................... 11

I.6.1. CARGOS E FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS ........................................................................................ 11

I.6.2. PLURALISMO PARTIDÁRIO NO BRASIL............................................................................................15

I.6.3. QUEM É O PRESIDENTE DA REPÚBLICA?........................................................................................17

I.6.4. QUEM É O GOVERNADOR DO

ESTADO?...........................................................................................18

I.6.5. QUEM É O SENADOR DA REÚBLICA?...............................................................................................18

I.6.6. QUEM É O DEPUTADO FEDERAL?.....................................................................................................18

I.6.7. QUEM É O DEPUTADO ESTADUAL?..................................................................................................18

EIXO II: AS MÍDIAS E A PRODUÇÃO DOS DISCURSOS POLÍTICOS ............................................................. 19

II.1. MÍDIA E POLÍTICA ........................................................................................................................................ 19

II.2. CHAPEUZINHO VERMELHO NA MÍDIA ...................................................................................................... 23

II.3. CONFIGURAÇÕES ATUAIS DE PROTESTOS URBANOS: ENTRE O CONSUMO E A POLÍTICA ......... 28

EIXO III: DEMOCRACIA E

REPRESENTATIVIDADE..........................................................................................31

III.1. QUAL O LUGAR DAS MULHERES NA POLÍTICA

BRASILEIRA?.............................................................31

III.2. O QUE VAI MUDAR COM A REFORMA POLÍTICA APROVADA PELO CONGRESSO? ........................ 35

III.2.1. INTERESSES PRIVADOS E CORRUPÇÃO ........................................................................................ 35

III.2.2. CONTROLE SOCIAL ............................................................................................................................ 38

III.2.3. DEMOCRACIA DIRETA E SOBERANIA POPULAR .......................................................................... 38

III.2.4. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA ......................................................................................................... 39

III.2.5. DEMOCRACIA

REPRESENTATIVA....................................................................................................39

III.3. O CAMPO

POLÍTICO....................................................................................................................................40

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII 4

INTRODUÇÃO

“O mundo espera por suas exigências.

Precisa de seu descontentamento, suas sugestões.

O mundo olha para vocês com um resto de esperança.

É tempo de não mais se contentarem com essas gotas no oceano.”

(Bertolt Brecht)

“É ano de eleições! Como assim?! Já?! Já faz mais de três anos que esses políticos foram

eleitos?!”

“Esse país é um horror! Tudo está horrível! Os políticos não fazem nada. Só roubam, isso

sim!”

É ano de eleições!

Em 2018, todos os cidadãos brasileiros acima de 16 anos deverão escolher

indivíduos para ocuparem os cargos de Presidente da República, Governador de Estado,

Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual ou Distrital.

Mas, como escolher? Qual o critério?

Vou escolher o mais bonito? O mais legal? O que aparece melhor na televisão? O

que meus pais disseram que é bom? O que meus amigos disseram que é melhor?

Ah, mas fulano é bandido! Ciclano é burro! Como essa gente pode eleger tal

pessoa?! Esse partido só tem bandido...

Não gosto de política! Melhor não me meter em conversa sobre política... Sempre

sai briga! Ai, do jeito que a coisa vai, melhor mudar de país, porque os políticos deste

país...

Todos os comentários acima são fragmentos do que ouvimos e, às vezes, dizemos

em nosso dia-a-dia. Mas será que isso resolve ou ajuda a resolver os problemas que

enfrentamos cotidianamente e cuja solução não depende exclusivamente de nós?

Sob o tema “A política para além do voto”, a equipe das Ciências Humanas do EFII

(História, Geografia e Filosofia) propõe, ao longo deste ano, trazer a discussão e o debate

político para o cotidiano escolar.

Partimos da ideia de que a Política está presente em todas as relações de poder e

de liberdade em nossa sociedade, desde os contextos familiares, passando pela escola,

cidade, país e mundo. Fazer ou não fazer algo expressa exercícios diferenciados da

liberdade de agir. Na esfera política-pública, são as restrições ou permissões impostas

por lei ou por condições (acesso à saúde, educação, transporte, segurança etc.) que

permitem à sociedade existir de uma determinada maneira.

Nossa sociedade está localizada no tempo e no espaço. Os interesses e as

condições mudam de acordo com a história, a geografia e a filosofia. Assim, as relações

de poder que, num determinado momento eram de um jeito, agora podem não atender às

necessidades da maioria das pessoas. As relações de poder construídas em um país ou

região podem não servir às pessoas de outra.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 5

Desta forma, este material foi preparado para você, seus professores, sua família e

seus amigos discutirem política, tendo como motivação o processo eleitoral, entendendo

que ela é muito mais do que o voto.

Vivemos no Brasil. No estado de São Paulo. No município de São Paulo. Na cidade

(metrópole) de São Paulo. Compartilhamos a sociedade, o território e a história. Cabe a

nós discutirmos e trazermos cada vez mais a política para nosso cotidiano, melhorarmos

nossas escolhas, aprofundarmos nossa compreensão deste processo e

participarmos/colaborarmos para a construção de um mundo melhor!

Equipe das Ciências Humanas do Ensino Fundamental II.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 6

EIXO I: O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

I. 1. A POLÍTICA EM NOSSA VIDA

“O HOMEM É UM ANIMAL POLÍTICO”. Essa frase, usualmente atribuída a Aristóteles, é reveladora do papel que os gregos da Antiguidade reservavam à política. Com efeito, entendemos esta frase pelo fato do homem só viver coletivamente, e não de maneira isolada na sociedade. Acontece que a vida em sociedade só é possível se houver regras que tornem a convivência possível e que organizem as relações de poder. Em outras palavras, a política faz parte da natureza humana e está presente em todo lugar. A política se manifesta nos mais variados e inesperados momentos da nossa vida. Não se trata apenas de uma atividade para os “engravatados” de Brasília, que vemos pela televisão e que, a cada eleição, pedem o nosso voto. A política faz parte do dia a dia e diz respeito, sobretudo, às escolhas que fazemos. Cada vez que tomamos uma decisão e a comunicamos, ou impomos às pessoas com quem convivemos, estamos exercendo um ato político. Mesmo que esta decisão seja a de desligar a televisão para não mais assistir à propaganda eleitoral ou ouvir o discurso político. Inconscientemente, neste caso, estamos favorecendo o político que se apresenta na televisão ao não contestar o seu discurso. Aqueles que se dizem apolíticos, ou que não se interessam pela política, na verdade têm uma atitude política: estão sendo conservadores e ajudam a manter a situação atual, pois a política permanece a forma mais eficaz para mudar o mundo. Você pode descobrir os disfarces sob os quais se esconde a atividade política, e perceber que ela pode ser um assunto interessante e agradável.

(Bruno Comparato. Disponível em: www.jornaljovem.com.br)

I. 2. O ANALFABETO POLÍTICO

O pior analfabeto é o analfabeto político.

Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do

sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a

política.

Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor

abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e

lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

(Bertold Brecht)

I. 3. CARNÍVOROS X VEGETARIANOS

“Houve uma briga na floresta acerca da dieta a ser adotada por todos os bichos. De

um lado estavam as vacas, as ovelhas, os patos, as galinhas, as girafas, os macacos, os

bichos-preguiça, que diziam que a melhor dieta era a vegetariana, capim, folhas, flores,

frutos. Alegavam que as coisas que cresciam da terra eram ricas em vitaminas e faziam

bem à saúde. Do outro lado estavam as piranhas, as hienas, os gambás, os lobos, as

onças que, ao contrário, afirmavam que o melhor mesmo era uma dieta de carne, porque

a carne é rica em proteínas, que são fontes de energia. ‘Quem come carne é mais forte’,

diziam.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 7

A briga fez tamanha confusão que os bichos resolveram decidir o assunto por meio da coisa mais democrática possível. “Vamos fazer uma eleição!” Todos concordaram. “Pela eleição vamos escolher os bichos que vão decidir a questão, por meio de leis”. Todos concordaram de novo. E assim aconteceu. Formaram-se dois partidos. Os vegetarianos deram ao seu partido o nome de “Partido das Bananas”, porque as bananas, sem dúvida alguma, são as frutas que melhor representam a alma dos vegetarianos. Todo vegetariano gosta de banana. Além disso, há bananas em abundância na floresta. Ninguém ficará com fome. Os outros bichos se reuniram e pensaram que o nome do seu partido deveria ser “Partido do Churrasco”. Pois essa era a verdade: eles gostavam de comer carne. E o seu símbolo deveria ser uma linguiça. “Partido da Linguiça”: só de falar o nome a boca se enchia d'água…

Mas os carnívoros eram espertos. Sabiam que a verdade nem sempre deve ser dita. Perceberam que nenhum membro do Partido das Bananas iria votar num candidato do Partido da Linguiça. Por uma razão simples: os bichos vegetarianos seriam aqueles que seriam transformados em churrasco. Os bifes das vacas, as linguiças dos porcos, os peitos dos francos, os perus assados, as coxas dos avestruzes… Todas as pesquisas do IBOPE indicavam que os vegetarianos ganhariam as eleições, por serem em número muito maior que os carnívoros. Assim, astutamente, reuniram-se para saber o que fazer. Um camaleão chamado Duda, carnívoro, apreciador de rinhas de galo, o sangue sempre o excitava, pediu a palavra: “Companheiros”, ele disse, “guerras são ganhas enganando-se o inimigo. Essa é uma lição que aprendemos dos humanos. Os soldados se camuflam para chegar perto de suas presas. Vestem-se de forma a parecer árvores e folhagens. Quando os inimigos se dão conta é tarde demais. É assim que eu faço. Mudo de cor. Fico parecendo um galho de árvore. O inseto só me percebe quanto minha língua visguenta o lambe. Queria sugerir, então, que usassem a minha tática. Se nos proclamarmos carnívoros os vegetarianos não votarão em nós. Vamos nos fantasiar de vegetarianos!” Todos aplaudiram a brilhante reflexão do camaleão Duda e resolveram dar ao seu partido um nome bem ao gosto dos vegetarianos: “Partido dos Abacaxis”. Todo mundo gosta de abacaxis, tão doces, tão perfumados, tão brasileiros. E assim foi. Iniciou-se, então, a campanha do Partido das Bananas contra o Partido dos Abacaxis. Os vegetarianos faziam comícios em que bananas eram distribuídas por todos. As galinhas, os patos e os perus não perdoavam nem mesmo as cascas… Os carnívoros promoviam grandes churrascos só que, ao invés de picanhas sobre as brasas, eram abacaxis sobre as brasas. Faziam churrasco de tudo quanto é vegetal. Além dos abacaxis, bananas, pinhões, batatas, mandioca, cebolas, tomates, pimentões. Assim, os dois partidos tinham o mesmo programa: dieta vegetariana para todos.

Os membros do Partido das Bananas sentiram, de longe, o cheiro bom dos churrascos do Partido dos Abacaxis. E começaram a se aproximar. Perceberam que os membros do Partido dos abacaxis não eram tão maus quanto se dizia. Chegaram mais perto. Provaram. Gostaram. “É, churrasco de banana é mais gostoso que banana crua”, disseram. E até os macacos aderiram.

Aí veio a eleição. É preciso não esquecer que eleições têm por objetivo escolher aqueles que terão o poder de fazer as leis. Eleitos democraticamente decidiriam democraticamente a dieta de todos os bichos. As decisões dos representantes seriam leis para todos. Ao dar aos seus representantes o poder para decidir, os bichos estavam, com esse ato, abrindo mão do seu direito de decidir. Depois de feitas as leis, só lhes restava obedecer.

Empossado o congresso, os representantes elegeram o seu presidente. O bicho

que recebeu mais votos foi a Hiena, famosa por seu senso de humor: estava sempre dando risadas. Na sua posse ela fez um lindo discurso sobre as excelências da dieta vegetariana. E para terminar deu uma aula de filosofia. “Como disse o filósofo alemão Ludwig Feuerbach, nós somos o que comemos. Vacas e veados comem capim; portanto

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 8

são capim. Macacos comem banana; portanto são bananas. Galinhas e patos comem milho; portanto são milho. Pássaros comem alpiste; portanto são alpiste. Assim, onças que comem vacas e veados estão, na verdade, comendo capim. Uma cobra que come um macaco está, na realidade, comendo bananas. Um gambá que come galinhas está, na realidade, comendo milho. E um gato que come passarinhos está, na realidade, comendo alpiste. Assim sendo, e em cumprimento às promessas que fizemos no período eleitoral, proclamo a lei de que todos os animais terão de ser vegetarianos, cada um do seu jeito. Viva a República Vegetariana!” Se vocês argumentarem que as conclusões filosóficas da Hiena estão erradas direi que vocês estão com toda razão. Mas é preciso que se aprenda outra regra da política: ‘Na política quem tem razão não é quem tem razão. É quem tem o porrete maior… O discurso da Hiena foi saudado com uma grande salva de palmas, seguido por um festival gastronômico em que hienas, onças, lobos, cães vadios, cobras, gambás e gatos churrasqueavam vacas, veados, macacos, galinhas e passarinhos. “Pois Feuerbach não disse que somos o que comemos? A lei é clara: todos os animais são vegetais transformados...”.

Aí os membros do Partido das Bananas perceberam que haviam caído numa armadilha. Leis são armadilhas. Uma vez feitas não podem ser desrespeitadas, a menos que sejam revogadas por aqueles que as fizeram, os representantes eleitos. Mas quem teria poder para revogar essa lei? Olhando para seus gordos representantes no Congresso era claro que nenhum deles estava disposto a trocar costeletas, lombos e linguiças por alface, couve e cenoura… Concluíram, então, que com aquele congresso de carnívoros a reforma política jamais seria realizada. O Ganso, metido a intelectual, repetiu então uma frase que havia lido num livro em inglês: “might makes right”… É o Poder que estabelece o Direito.

Foi então que um leitão rechonchudo chamado Alfred Hitchcock pediu a palavra. Ele já havia experimentado a dor da perda de sua mãe, comida por uma onça que falava enquanto comia: “Que deliciosa é essa porca! Ela é milho, é abóbora, é mandioca, é batata! Como é boa a dieta vegetariana!” Pois bem. O dito leitão ponderou: “Eu não posso enfrentar a onça. As galinhas não podem enfrentar os gambás. Os cordeiros não podem enfrentar os lobos! Mas os pássaros! Milhares de pássaros em seus voos rasantes e bicos pontudos! Que poderão fazer as onças, os gambás e os lobos contra o ataque de milhares e pássaros? Vamos chamar os pássaros! Eles são vegetarianos! São nossos aliados!” E assim aconteceu. Vieram então, em bandos que tapavam o sol, milhares de andorinhas, pássaros pretos, sabiás, pardais, tico-ticos, periquitos… Invadiram o edifício do Congresso. Foi um pandemônio. O espaço escureceu. O barulho dos pios e dos gritos dos pássaros era ensurdecedor. Milhares de bicos bicando sem parar em mergulhos certeiros. Além disso, por onde iam soltavam seus excrementos moles e fedidos que escorriam pelas caras dos excelentíssimos. Os representes gritavam histéricos: “Isso é conspiração! Estão tentando desestabilizar o governo!” Mas os pássaros nem ligaram. Continuaram a fazer o que estavam fazendo. Os gambás, onças, lobos, cães vadios e hienas fugiram e nunca mais voltaram, com medo de que os pássaros lhes furassem os olhos…”

Agora, meninos e meninas: vamos chamar os pássaros…

(Rubem Alves – Explicando política às crianças)

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 9

I. 4. O QUE É POLÍTICA

“O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno,

lembrou-se de dizer, ‘isto é, meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples para

acreditá-lo. ”

(Jean-Jacques Rosseau)

“A indiferença é o peso morto da história. É a bola de chumbo para o inovador, é a

matéria inerte na qual frequentemente se afogam os entusiasmos mais esplendorosos. ”

(Antonio Gramsci)

Muitas vezes achamos que não cabe a nós a responsabilidade pelo que acontece

em nosso bairro, na cidade, no país. Afinal, o que podemos fazer? Não somos políticos; é

a tais homens, eleitos pelo povo, que compete resolver os problemas. Em nenhum

momento nos perguntamos: se nos tivéssemos reunido com outras pessoas para discutir

os problemas que nos afetam, se nos tivéssemos rebelado de alguma forma, esses fatos

estariam acontecendo? Como interferir? Como atuar para mudar essa realidade tão dura?

Essas questões envolvem outra, mais ampla: o que é política? Na vida diária, as

pessoas se referem à política como a ação do Estado e da organização institucional.

Assim, o termo é utilizado para descrever a atividade parlamentar de um determinado

político eleito, a ação dos partidos políticos por ocasião de campanhas eleitorais ou,

ainda, para se referir ao ato de votar e escolher representantes que exercerão mandato e

decidirão em nome dos eleitores. A política apresenta-se como arte de governar.

Também se emprega o termo para expressar a multiplicidade de situações em que

a política se manifesta: política econômica, política sindical, política ecológica, política das

igrejas. Nesse sentido, entende-se a política como a atuação de instituições ou de

segmentos da sociedade civil com a finalidade de alcançar determinados objetivos. Trata-

se, pois, de uma política reduzida aos espaços institucionais, dós quais os indivíduos

participam ocasionalmente.

No entanto, ao contrário do que possa parecer, a política não diz respeito apenas

aos políticos, mas a todos os cidadãos. Se considerarmos que a palavra política se

origina do grego pólis, que significa "cidade", podemos compreender a sua amplitude. A

pólis caracterizava-se como uma unidade de vida social e política autônoma, da qual os

cidadãos gregos participavam ativamente, decidindo sobre os destinos da cidade.

A política apresenta-se hoje como a arte de governar, de atuar na vida pública e

gerir os assuntos de interesse comum. Não se restringe à atividade desenvolvida no

âmbito do Estado, mas faz parte de nossa vida, permeia todas as formas de

relacionamento social: no trabalho, na escola, nas ruas, no lazer e até nas relações

afetivas.

(Extraído de Para Filosofar, Editora Scipione: São Paulo, 1995)

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 10

A DIVISÃO DOS PODERES DO ESTADO

O filósofo Montesquieu (1689 – 1755) ao analisar o sistema político parlamentarista

da Inglaterra (duas câmaras) e suas fragilidades, elaborou a teoria dos três poderes, a fim de que o exercício do poder nas nações não estivesse centralizado nas mãos de poucos.

“Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que emendem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado”. (Montesquieu, O Espírito das Leis, Livro XI, Cap. VI).

O sistema político brasileiro é inspirado no pensamento desse filósofo, muito embora, às vezes, não fique muito claro um conceito que, no pensamento de Montesquieu, era fundamental: a necessária “equipotência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”.

I. 5. REVOLUÇÃO FRANCESA E CIDADANIA

Impossibilitado de usar a força armada, porque esta já começa a ser

insubordinada, desobedecendo às ordens de seus superiores quanto à repressão ao

povo, Luís XVI se vê constrangido a aceitar as imposições em favor de uma nova

constituição e convoca uma nova assembleia de todas as ordens (Nobres, Clero e

Terceiro Estado), que se transforma Assembleia Constituinte. Mas, antes da elaboração

da nova constituição francesa, o Terceiro Estado, em 26 de agosto, proclama a

Declaração dos Direitos do Homem.

Se essa Declaração, de 17 artigos e um preâmbulo, por seu caráter universal, é um

passo significativo no processo de transformar o homem comum em cidadão, cujos

direitos civis lhe são garantidos por lei, ela não deixa de ser, como acentua o historiador

francês Albert Soboul, uma obra de circunstância.

Esse caráter lhe advém pelo fato de não ser tão abrangente ao definir os direitos

civis do cidadão, ou, em alguns casos, em dar com uma mão e retirar com a outra, ou em

assegurar o direito de alguns, à propriedade, por exemplo, sem que nada seja dito em

relação aos miseráveis sem propriedade.

O artigo primeiro da Declaração estabelece que “os homens nascem e

permanecem livres e iguais em direitos”, tais direitos são naturais e imprescritíveis e cabe

a toda e qualquer associação política sua defesa e conservação. Esses direitos consistem

na liberdade, no direito à propriedade, na segurança e na resistência à opressão.

O novo homem que daí nasce é intrinsecamente um cidadão, cuja liberdade deve

estar também assegurada, entendendo-se a liberdade como o “direito de fazer tudo que

não prejudique os outros” (artigo 4). Nos artigos 7 e 9, a liberdade é melhor elucidada, ao

ser adjetivada – liberdade da pessoa, liberdade individual – ou por erigir barreiras a certos

procedimentos que a ofendessem como as acusações e prisões arbitrárias, e como uma

consequência lógica desses pressupostos: a pressuposição da inocência. Contudo, a

Declaração não se restringe a assegurar os direitos civis do cidadão, ela estabelece

também seus limites. Se ao cidadão é assegurado o direito de falar e escrever, imprimir e

publicar, não lhe cabe o direito de ofender ou desobedecer ao que é normatizado pela lei.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 11

E esta é, sem dúvida, uma restrição bastante ponderável, pois coloca a lei acima dos

direitos de cidadania, tão recentemente alcançados.

Os demais artigos da Declaração tratarão de temas tão importantes como o direito

da propriedade, considerado um direito natural, ninguém podendo dele ser privado – e se,

necessidade do Estado, a propriedade for confiscada, seu proprietário deverá ser

devidamente indenizado. Como decorrência do fato de todos serem iguais perante a lei,

as dignidades, os cargos e os postos de trabalho públicos serão acessíveis a todo

cidadão francês.

Resta agora, somente mencionar o que a Declaração contém sobre os direitos da

Nação, embora estes, em princípio, devam estar sempre subordinados aos direitos do

cidadão, visto que o Estado não é um fim em si mesmo; seu objetivo maior é assegurar

que os direitos civis sejam usufruídos pelo cidadão. Quando o Estado falhar nessa sua

principal missão, ao cidadão resta o direito de sublevação.

A nação é soberana, devendo-se compreendê-la como o conjunto de cidadãos

(artigo 3), e a lei deve ser a expressão da vontade geral. Conforme preceituava

Montesquieu, deveria haver uma separação dos poderes políticos, a saber: Executivo,

Legislativo e Judiciário, pois só dessa forma poderia haver uma Constituição (artigo 16).

Cabia também aos cidadãos, por si ou por seus representantes, o controle das finanças

públicas e da administração (artigos 14 e 15).

Foram esses 17 artigos, nascidos de uma revolta popular sangrenta, que

incendiaram a imaginação dos europeus, fossem eles pobres ou ricos, ignorantes ou

intelectuais, trazendo consigo manifestações de júbilo em prosa ou em verso, nas artes

plásticas, no teatro e na música. Um novo período histórico se abria para eles.

I. 6. O SISTEMA ELEITORAL

O regime político brasileiro está fundamentado na democracia, em que o povo

determina quem serão os seus governantes, e no sistema presidencialista (onde o

presidente da república exerce a função de chefe de Estado e de governo), que é

composto por três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O primeiro é exercido pelo

Presidente da República e o segundo, pelo Parlamento – dividido entre Câmara dos

Deputados e Senado Federal. O Poder Judiciário tem a função de garantir o cumprimento

da Constituição Federal e aplicar as leis, julgando determinada situação e as pessoas

nela envolvidas.

O sistema eleitoral é baseado no voto direto e secreto, ou seja, o eleitor vota

diretamente no candidato ao cargo a ser preenchido, de maneira sigilosa, já que seu voto

não pode ser divulgado a terceiros. Atualmente, representantes de todos os níveis dos

poderes legislativo (deputados federais, senadores, deputados estaduais e vereadores) e

executivo (presidente, governadores e prefeitos) brasileiros são escolhidos pelo voto

direto. São considerados válidos os votos nominais aos candidatos e os votos nas

legendas nas eleições proporcionais. Os votos nulos e em branco são descartados.

I. 6. 1. CARGOS E FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS

A República Federativa do Brasil adota como forma de governo a República, em

sistema presidencialista, isto é, o Chefe de Governo e de Estado é o Presidente da

República.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 12

Como Chefe de Governo, o Presidente assume a política nacional e todas as

tarefas administrativas e executivas compreendidas pelo seu cargo; como Chefe de

Estado, ele representa externamente o país.

A atual Constituição brasileira foi promulgada em 1988, a qual afirma a

independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (cada Poder deve ocupar-

se do exercício de sua própria função, sem interferir nas funções alheias); define a

Federação como um Estado democrático, composta por vinte e seis Estados e um Distrito

Federal; reconhece a soberania popular e a submissão de todos, inclusive do Presidente,

às leis.

O Poder Executivo, cuja função é a de administrar o país (estado ou município) e

executar as leis elaboradas pelo Poder competente (Legislativo), é exercido em nível

federal pelo Presidente da República, auxiliado pelo Vice-Presidente e pelos Ministros de

Estado; em nível estadual, pelo Governador, auxiliado pelo Vice-Governador e pelos

Secretários de Estado; em nível municipal, pelo Prefeito, auxiliado pelo Vice-Prefeito e

pelos de Secretários do Município.

Este ano, os brasileiros elegerão o Presidente da República. A eleição deste

importa a do Vice-Presidente com ele registrado, sendo obrigatoriamente realizada 90

dias antes do término do mandato presidencial vigente.

O candidato a Presidente é considerado eleito quando obtiver a maioria absoluta

de votos, não computados os em branco e os nulos. Se nenhum candidato alcançar

maioria absoluta no primeiro turno, em 07/10/2018, haverá um segundo turno, em

28/10/2018, realizado somente entre os dois candidatos mais votados, considerando-se

eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos. Se mais de 50% dos votos forem

brancos ou nulos, faz-se nova eleição dentro de 20 a 40 dias (art. 224 do Código

Eleitoral).

O mandato do Presidente da República é de quatro anos, sendo permitida a

reeleição apenas uma única vez para um mandato consecutivo. São suas funções:

- nomear e exonerar Ministros de Estado;

- exercer, com o auxílio dos Ministros, a direção da administração federal;

- sancionar, promulgar e fazer publicar as leis;

- exercer o comando supremo das Forças Armadas;

- manter relações com os outros países, representando o Brasil;

- emitir moeda;

- administrar as reservas cambiais do país;

- declarar guerra ou celebrar a paz;

- fiscalizar as operações financeiras;

- promover o desenvolvimento econômico e social;

- recolher impostos;

- propor projetos de lei, que o Poder Legislativo deve apreciar e votar.

A eleição dos Governadores e vice-Governadores segue as mesmas regras da do

Presidente da República e do vice-presidente. O mandato é de quatro anos, sendo

permitida a reeleição uma única vez para um mandato consecutivo. É função dos

Governadores a administração das unidades da Federação.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 13

O Poder Legislativo, cuja função é a de elaborar as leis, é exercido em nível federal

pelo Congresso Nacional; em nível estadual pela Assembleia Legislativa; e em nível

municipal, pela Câmara de Vereadores.

Nas eleições de 07/10/2018, elegeremos os parlamentares da Assembleia

Legislativa de cada Estado da Federação e do Congresso Nacional, bicameral, isto é,

composto por duas casas – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal – nenhuma se

sobrepõe a outra; a vantagem é que os projetos de lei são discutidos e votados duas

vezes: tudo o que é proposto em uma casa é revisto na outra.

A Câmara dos Deputados é composta por representantes do povo - Deputados

Federais eleitos pelo sistema proporcional em cada Estado e no Distrito Federal, em um

total de 513 membros, para um mandato de quatro anos. Nenhuma das unidades da

Federação pode ter menos de oito ou mais de setenta deputados. São Paulo é o único

estado com 70 deputados representando o povo. Minas Gerais tem 56 e o Rio de Janeiro

46 deputados federais. Onze unidades da Federação têm oito deputados federais apenas.

O Senado Federal é composto por representantes dos Estados e do Distrito

Federal, num total de 81 Senadores, eleitos segundo o princípio majoritário. Cada Estado

e o Distrito Federal elegem três Senadores, com mandato de oito anos. A representação

de cada Estado e do Distrito Federal é renovada de quatro em quatro anos,

alternadamente, por um e dois terços. Este ano renovaremos 2/3 do Senado, portanto

cada unidade da Federação elegerá dois senadores.

Os Deputados Federais são representantes do povo e os Senadores, das unidades

da Federação. O Congresso Nacional tem como função principal elaborar as leis que

regulam a vida pública, as ações do Poder Executivo e servem de parâmetro ao Poder

Judiciário. É o principal fiscal do Poder Executivo. O Congresso dispõe sobre todas as

matérias de competência da União, especialmente sobre:

- sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

- orçamento anual e diretrizes orçamentárias, matéria financeira, cambial e

monetária;

- programas de desenvolvimento;

- criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas,

inclusive nos Ministérios;

- autorização ao Presidente da República para declarar guerra e celebrar a paz;

- autorização ao Presidente e ao Vice Presidente da República para se ausentarem

do país por mais de quinze dias;

- aprovação do Estado de Defesa e autorização para o Estado de Sítio, ou

suspensão de qualquer uma dessas medidas;

- julgamento anual das contas prestadas pelo Presidente da República e os

relatórios sobre a execução dos planos de governo;

- fixação da remuneração do Presidente e do Vice-Presidente da República, dos

Ministros de Estado, dos Deputados Federais e Senadores.

O processo legislativo é um conjunto de etapas e atos pelo qual um projeto passa

até tornar-se lei ou não. Este processo se inicia com a discussão do projeto de lei na

Câmara dos Deputados. Depois de aprovado na Câmara, o projeto vai para o Senado que

o discutirá e poderá aprová-lo ou propor algumas emendas, isto é, alterações feitas ao

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 14

projeto inicialmente aprovado na Câmara. Se isto acontecer, o projeto deve ser

novamente apreciado e votado na Câmara. Sendo aprovado, o projeto de lei é remetido

ao Presidente da República, que pode sancioná-lo ou vetá-lo. Caso seja SANCIONADO

(aprovado), torna-se lei. Se for VETADO (rejeitado) pelo Presidente, volta ao Congresso

Nacional que, desta vez, em sessão conjunta pode rejeitar o veto do Presidente e então o

projeto torna-se lei. Só há duas maneiras de uma lei ser promulgada no nosso país: com

a sanção do Presidente ou com a derrubada do veto presidencial pelo Congresso.

A Assembleia Legislativa é composta pelos Deputados Estaduais eleitos pelo povo

de quatro em quatro anos, os quais deliberam sobre questões específicas do Estado. Nos

municípios, o Poder Legislativo é exercido pelos Vereadores, que legislam sobre tributos

e serviços e fazem a Lei Orgânica do Município (espécie de Constituição).

O eleitor pode votar nominalmente nos candidatos à Câmara dos Deputados, ao

Senado e às Assembleias Legislativas, ou votar apenas no número do partido (voto de

legenda). O voto é válido e somado aos votos nominais para cálculo dos quocientes

eleitoral e partidário.

O quociente eleitoral define os partidos e/ou coligações que terão direito a ocupar

as vagas em disputa nas eleições proporcionais.

QE = número de votos válidos

número de vagas

Os votos em branco ou nulos NÃO SÃO COMPUTADOS para definir o quociente

eleitoral.

O quociente partidário define o número inicial de vagas que caberá a cada partido

ou coligação que tenham alcançado o quociente eleitoral.

QP = número de votos válidos do Partido ou Coligação

quociente eleitoral.

Se as vagas não forem preenchidas, faz-se um último cálculo:

número de votos atribuídos a cada Partido ou Coligação + 1

número de vagas obtido pelo partido ou coligação

Em caso de empate, será eleito o candidato mais idoso (art. 110 do Código

Eleitoral).

O Poder Judiciário, cuja função é a de julgar os conflitos que surjam no país em

face das leis elaboradas pelo Poder Legislativo, é o árbitro institucional para os conflitos

de interesse da sociedade. Quando os conflitos não são resolvidos amistosamente

abrem-se processos judiciais, embasados na Constituição, para resolver as querelas. São

órgãos do Poder Judiciário: o Supremo Tribunal Federal; o Supremo Tribunal de Justiça,

os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do Trabalho; os

Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares e os Tribunais e Juízes dos

Estados e do Distrito Federal.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 15

O Poder Judiciário está organizado em nível federal e estadual. As vagas do Poder

Judiciário não são eletivas. Os juízes são escolhidos por meio de concursos públicos de

provas e títulos, realizados para advogados ou nomeados, em alguns cargos, pelo

Presidente da República.

A Constituição de 1988 estabelece que a soberania popular seja exercida pelo

sufrágio (voto) universal, direto e secreto, obrigatório para maiores de 18 anos e

facultativo para quem tem entre 16 e 18 anos incompletos ou mais de 70 e analfabetos. O

eleitor impossibilitado de exercer o seu dever de votar deve, necessariamente, justificar a

ausência do seu domicílio eleitoral. No dia da eleição, deve procurar os cartórios

eleitorais, porém tem até 60 dias para justificar por meio de requerimento dirigido ao Juiz

da zona eleitoral em que é inscrito. Caso contrário, pagará multa de 3% a 10% do salário

mínimo. Se a multa não for paga, estará sujeito a várias restrições no exercício da

cidadania. Não há limite das vezes para o eleitor justificar a ausência à votação.

Para os candidatos, são condições de elegibilidade:

- ser brasileiro;

- estar em pleno exercício dos seus direitos políticos;

- o alistamento eleitoral;

- o domicílio eleitoral na circunscrição;

- a filiação partidária;

- a idade mínima de 35 anos para Presidente, Vice-Presidente da República e

Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador; 21 anos para Deputado

Federal, Estadual, Distrital, Prefeito e Vice-Prefeito; e 18 anos para Vereador.

Em uma democracia, se exerce a cidadania através da participação no Estado por

meio dos candidatos eleitos. Para tanto, é preciso conhecer os partidos políticos, pois eles

têm o monopólio da indicação dos candidatos a cargos eletivos, constituindo-se nos elos

entre o Estado e a sociedade.

Antes da escolha dos candidatos aos diferentes cargos, os cidadãos devem

conhecer a ideologia do partido a que estão filiados, o programa de governo e os

interesses comuns, que pretendem pôr em prática, para que não haja discrepância

ideológica, programática e de interesses entre os candidatos aos diferentes cargos

escolhidos por um mesmo eleitor.

Em uma democracia representativa faz-se necessário alianças para se poder

governar e enfrentar as dificuldades impostas pela oposição. Por isso, as reflexões se

fazem imprescindíveis para que este país seja governável, promovendo a estabilidade e o

desenvolvimento econômico, realizando as reformas sociais e administrativas tão

necessárias para o bem estar do povo brasileiro e acima de tudo, pondo em prática

princípios de honestidade e ética.

(Para saber mais, acesse: www.tse.gov.br/internet/index.html)

I. 6. 2. PLURALISMO PARTIDÁRIO NO BRASIL

Renata Livia Arruda de Bessa Dias1

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 16

No Brasil, existe um extenso número de legendas partidárias. Todavia, muitas

delas são constituídas por ideologias fracas e existem tão somente como meio de facilitar

o alcance dos interesses pessoais dos candidatos que a elas se filiam.

Diante desse fato, o sistema partidário brasileiro tem se mostrado frágil e

desacreditado pela maioria dos cidadãos, tendo, também, como motivadores dessa crise

fatores como: existência de coligações oportunistas, sucessivas mudanças de partidos

por parte dos políticos, falta de lealdade a uma ideologia, fortalecimento individual dos

candidatos.

Os partidos políticos são um meio para a estruturação da vontade do povo. São

canais de comunicação, de contato, entre a sociedade e o governo. Logo, a sua

existência é de fundamental importância para a consolidação da democracia.

Aliás, a Constituição Federal de 1988 instituiu o pluralismo político como um dos

fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso V), passando este a ser

traço marcante da democracia, já que a ideia é que não haja centralização de poder, mas

multiplicidade de centros de poder.

De outra parte, o art. 17 da CF/88 resguarda a existência do pluripartidarismo – ou

pluralismo partidário – assegurando a existência de vários partidos políticos inseridos no

sistema político brasileiro.

A diversidade de ideias é essencial para a consolidação da democracia, entretanto,

como bem salientou Kneipp2, essa pluralidade não deve ser causa de desordem e de

interesses pessoais: o pluralismo não deve servir como subterfúgio da desordem e da

inexistência de um mínimo de ação política. Inclusive, se assim o for, certamente é a

negativa do que realmente deveria ser. O que se pretende é a intensa participação na

formulação da vontade estatal.

De fato, a pluralidade de partidos, quando equilibrada, é o melhor sistema de

proteção à liberdade de participação do cidadão no governo do seu país. Contudo, é

imprescindível que o elemento ideológico esteja inserido em sua constituição. Aliás,

Kneipp3 esclarece que “a ideologia (...) deve surgir como substrato concreto da

construção partidária, como justificativa da própria existência do partido político”.

Todavia, nem sempre é isso que se observa no cenário político brasileiro, haja vista

a formação de diversos partidos de aluguel, que não possuem ideologia, tampouco

compromisso com a sociedade ou com a política nacional, mas servem tão somente como

meio de facilitar a eleição de determinados candidatos e até mesmo para dar maior

visibilidade a estes. Assim, o ideal partidário por vezes se perde diante da pulverização

dos partidos políticos.

O contexto agrava-se, ainda, em razão de o sistema partidário brasileiro focar

como personagem central de sua estrutura o candidato e não o partido do qual este faz

parte, intensificando, desse modo, o poder individual do parlamentar, que, muitas vezes,

não tem compromisso com a ideologia do partido do qual faz parte e se associa à legenda

apenas para buscar seus próprios interesses, tais como êxito nas eleições e maior

visibilidade.

Com efeito, a redução da quantidade de partidos políticos no Brasil é necessária,

visto que a exagerada quantidade de legendas confunde a opinião coletiva e dificulta a

formação de maiorias parlamentares, tornando-se, nesse caso, obstáculo para a

execução dos programas de governo, sobretudo pelo fato de que muitas legendas não

têm propósitos sérios e compromisso com a sociedade.

Alguns estudiosos, tais como Luis Roberto Barroso4, defendem que uma das

medidas para se alcançar a redução da multiplicidade partidária é a mudança do sistema

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 17

proporcional para o distrital: “uma das soluções para o problema da pulverização

partidária é a substituição do sistema eleitoral proporcional de lista aberta pelo sistema

distrital misto”.

Kneipp5, por outro lado, adota a tese de que “o sistema proporcional traz uma real

participação das minorias ideológicas para a esfera do poder, desde que bem aplicado, o

que não se pode dizer dos sistemas majoritário e distrital”.

Pode-se dizer que um dos fatores que auxiliam a diminuição da pulverização

partidária é a regra de verticalização, que mantém o partido fiel às suas propostas

partidárias e aos seus ideais, bem como fortalece suas alianças, acabando, por

conseguinte, com partidos sem expressão e os conhecidos como partidos de aluguel.

A bem da verdade, a questão a ser considerada é se os partidos existentes são

fiéis às suas convicções políticas, ou até mesmo se possuem algum ideal a ser

perseguido. Assim, o número de partidos existentes terá relevância quando considerado o

fator ideológico a eles atrelado.

Das ponderações apresentadas, pode-se concluir que a redução da pulverização

partidária não prejudicará o sistema político brasileiro, mas, ao revés, poderá atuar como

mecanismo de fortalecimento das ideologias políticas na disputa das eleições, na medida

em que almeja o fim das legendas de aluguel e propicia a permanência de partidos fiéis

às suas convicções, evitando, ainda, o fortalecimento individual do candidato.

1Especialista em Direito Eleitoral pela Uniderp em convênio com o Instituto de Direito Público – IDP. Analista judiciário

do TSE. 2KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 25.

3KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 6.

4BARROSO, Luis Roberto. A reforma política: uma proposta de sistema de governo, eleitoral e partidário para o Brasil.

Disponível em:http://institutoideias.org.br/pt/projeto/sistema_partidario.pdf. Acesso em 04.set.09. Material da 2ª aula da

Disciplina Temas Atuais e Princípio de Direito Eleitoral, ministrada no Curso de Pós-Graduação TeleVirtual em Direito

Eleitoral – Anhaguera-Uniderp/ REDE LFG – IDP, p. 12. 5KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A pluralidade de partidos políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 100.

Fonte: http://www.tse.jus.br/institucional/escola-judiciaria-eleitoral/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-6-ano-

2/o-pluralismo-partidario-no-brasil

I. 6. 3. QUEM É O PRESIDENTE DA REPÚBLICA?

Numa República presidencialista como a nossa, o presidente é a principal autoridade do Poder Executivo, o representante máximo do povo, cabendo a ele as tarefas de chefe de Estado e de governo. No Brasil, ele também é o comandante em chefe das

Forças Armadas. Também é função do presidente enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre os temas aos quais compete decidir, como a criação de universidades federais, de cargos e funções na administração federal ou criação e extinção de ministérios, entre outros.

O presidente da República pode

elaborar e encaminhar ao Legislativo

propostas sobre uma ampla gama de

assuntos. Segundo o consultor Arlindo

Oliveira, nesse ponto se encaixam algumas

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promessas de campanha. Um candidato que se diz favorável à união civil homossexual ou

à criação de um imposto que incida sobre grandes fortunas, por exemplo, poderá enviar

proposta nesse sentido ao Parlamento, mas não tem o poder de decidir sozinho.

I. 6. 4. QUEM É O GOVERNADOR DE ESTADO?

O governador ocupa o mais elevado cargo político no estado. Nos países com sistema federativo, como o Brasil, é função do governador administrar o estado e representá-lo em ações jurídicas, políticas e administrativas. Ele atua com o auxílio da respectiva Assembleia Legislativa (ou Câmara Legislativa, no Distrito Federal) e, para os temas de alcance nacional, da bancada federal — eleita para representar o estado na Câmara dos Deputados e no Senado. O governador do Distrito Federal, pelas características próprias dessa entidade federativa, também exerce funções que cabem ao prefeito. Uma das principais responsabilidades do governador é a segurança pública, envolvendo o controle das Polícias Civil e Militar e a construção e administração de presídios. o governador gerencia a administração estadual, colocando em prática planos para estimular a vocação econômica estadual. Para isso, defende os interesses do estado junto à Presidência e busca investimentos e obras federais.

I. 6. 5. QUEM É O SENADOR DA REPÚBLICA?

O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três senadores, com mandato de oito anos e cada senador será eleito com dois suplentes, que não recebem votos, mas são indicados em chapas junto com os nomes dos titulares. A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços. Os senadores representam os estados e não a população, por isso não há proporcionalidade em relação ao número de habitantes de cada estado. Os representantes do Senado e da Câmara têm funções comuns, como a elaboração das leis e a fiscalização dos atos do Executivo. Mas, senadores e deputados, porém, também devem cumprir atribuições específicas. Uma das responsabilidades exclusivas do Senado é aprovar a indicação feita pelo Poder Executivo de nomes para ocupar cargos como o de diretor do Banco Central e os nomes de diplomatas brasileiros que representaram o Brasil no Exterior.

I. 6. 6. QUEM É O DEPUTADO FEDERAL? O deputado pode propor novas leis e alteração ou revogação de leis existentes, incluindo a própria Constituição. As propostas são votadas pelo Plenário -- ou pelas comissões, quando for o caso. Qualquer projeto de iniciativa do Executivo passa primeiro pela Câmara, antes de seguir para o Senado. Cabe ainda aos parlamentares discutir e votar medidas provisórias, editadas pelo governo federal. Nem todas as propostas são votadas no Plenário: muitas são decididas nas comissões temáticas da Casa. Compete aos integrantes da Câmara dos Deputados, juntamente com os senadores, por exemplo, discutir e votar o orçamento da União, assim como fiscalizar a aplicação adequada dos recursos públicos. É durante a análise da proposta orçamentária que os deputados apresentam emendas que destinam verbas para a realização de obras específicas em seus estados e municípios. Os parlamentares também examinam o planejamento plurianual do governo federal e as diretrizes para o orçamento do ano seguinte.

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I. 6. 7. QUEM É O DEPUTADO ESTADUAL? As funções dos deputados estaduais equivalem às dos federais, mas com

aplicação estadual. Ou seja, propor leis estaduais e fiscalizar a atuação do governador são as suas principais atribuições. Esse parlamentar vai participar do processo de elaboração do Orçamento do seu ente federado. Pode fiscalizar a aplicação dos recursos e pressionar o governador para que de fato beneficie sua região, cidade, ou área do estado em que ele atua — observa Arlindo Fernandes.

EIXO II: AS MÍDIAS E A PRODUÇÃO DOS DISCURSOS

POLÍTICOS

II. 1. MÍDIA E POLÍTICA

"O espelho do mundo visto por olhos nos quais você confia." Durante muitos anos,

esse foi o slogan publicitário do jornal O Estado de S. Paulo. A confiança que une o leitor

ao jornal liga-se à crença de que este é um "espelho do mundo", um retrato fiel da

realidade. O jornal confiável é aquele que informa sem sugestionar. Eis a auto-imagem

que a mídia, de modo geral, procura difundir junto ao público.

Atrás do antigo slogan do tradicional diário paulista escondem-se uma concepção e

uma teoria da atividade da mídia? A teoria da objetividade, segundo a qual o bom

jornalismo é aquele que alcança a neutralidade, limitando-se a colocar o leitor diante da

realidade para que ele forme a sua própria opinião – a teoria da objetividade preside a

organização gráfica e a paginação dos órgãos de imprensa. Todos os grandes veículos

organizam o noticiário em seções ou editorias, de forma a auxiliar a localização dos

assuntos que interessam a cada leitor. "Política", "Exterior", "Economia", "Cidades",

"Educação", "Cultura", "Esportes"... são seções comuns à maioria deles. Nos noticiários

de televisão, o procedimento é essencialmente o mesmo, adaptado ao meio de

comunicação: intervalos comerciais, vinhetas, mudanças de tom da narração do âncora

ou a presença de analistas especializados marcam a divisão entre as seções.

A opinião do veículo de mídia, segundo a teoria da objetividade, não pode se

misturar com o noticiário. Nos veículos impressos, fica circunscrita ao espaço do editorial,

normalmente localizado numa das primeiras páginas internas. Outros comentários e

opiniões aparecem assinados e claramente separados do noticiário. Na mídia eletrônica,

quando existe editorial, ele aparece identificado por vinheta ou destacado por mudança na

posição e entonação do âncora.

Contudo, a teoria da objetividade não é mais que uma ideologia da mídia,

destinada a mascarar a inevitável parcialidade de toda a atividade jornalística. É uma

forma de apresentar a posição do veículo como se ela correspondesse à lógica da própria

realidade. É uma maneira eficaz de transformar uma concepção particular - da empresa,

da direção ou dos editores - em fato universal e objetivo.

A própria divisão do espaço jornalístico ou do tempo da mídia eletrônica em seções

e a seleção dos assuntos que aparecem em cada uma delas revelam concepções

políticas e ideológicas. Os jornais brasileiros, por exemplo, noticiam greves e conflitos

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 20

trabalhistas na seção de economia. É uma maneira de, simultaneamente, esvaziar o

conteúdo político dessas manifestações de insatisfação popular e acentuar negativamente

os prejuízos materiais que elas provocam. Por outro lado, a seção de política é reservada

habitualmente para declarações de autoridades do Executivo ou do Legislativo.

Sutilmente, o jornal está dizendo que política é um assunto das lideranças formalmente

definidas como "lideranças políticas".

Política e ideologia estão presentes na organização de todo o noticiário, que não é

"neutro" ou "objetivo". A mídia, ao contrário do que apregoa a teoria da objetividade

jornalística, engaja-se na divulgação de uma concepção de mundo. Ela não é um

"espelho do mundo", mas uma fábrica de interpretações do mundo. Contudo não é

verdade que o jornalismo expressa, no espaço público, os interesses privados dos

proprietários dos veículos de mídia.

A liberdade de imprensa não é a “liberdade da empresa”, como asseveram os

entusiastas das ditaduras de partido único e jornal único. Na democracia, a mídia é

diversificada e vários veículos jornalísticos concorrem entre si para atrair leitores e, com

eles, anunciantes. Exatamente por esse motivo, os proprietários dos veículos de mídia

são escravos da busca da credibilidade, à qual muitas vezes precisam sacrificar suas

próprias opiniões e seus interesses políticos privados.

Os veículos de mídia de qualidade expressam uma diversidade de opiniões, por

meio de colunistas regulares, de colaboradores eventuais e de entrevistas. Esses veículos

também respeitam os fatos, evitando distorções do noticiário. Mesmo assim, o que

oferecem é uma interpretação do mundo. Essa interpretação não é a opinião particular do

proprietário do jornal ou do chefe de redação, mas uma obra coletiva que exprime a

identidade e a história daquele veículo de mídia.

Nas sociedades democráticas, há uma multiplicidade de veículos de mídia

impressos e eletrônicos – e, portanto, uma ampla diversidade de interpretações do

mundo. No fim das contas, cada interpretação funciona como crítica das demais. A nação

dialoga com ela mesma pelo acesso a fontes variadas de jornalismo. O cidadão

inteligente não busca a “neutralidade” impossível de um único veículo, mas navega de

olhos abertos no oceano da diversidade de visões de mundo oferecida pela mídia.

A linguagem é um produto social e, nessa condição carrega consigo uma carga

política e ideológica muita marcada. As palavras e as expressões fazem mais que

designar objetivos e ideias. Elas trazem à tona um universo de significados e experiências

humanas que são julgamentos de valor, ou seja, avaliações positivas ou negativas do

mundo que nos cerca. O caráter engajado, persuasivo, da linguagem transparece não

apenas na linguagem discursiva, mas também na linguagem gráfica.

PRODUÇÃO DA NOTÍCIA

As notícias não "existem" como objetos prontos no mundo: são elaboradas a partir

de eventos e interpretações. Não é só a linguagem dos signos que veicula a ideologia na

mídia, mas também o processo de produção da notícia.

Entre a ocorrência de um evento qualquer e sua divulgação na forma de notícia

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 21

existe um percurso de produção do noticiário que é, antes de tudo, um processo de

seleção e interpretação. Os critérios de seleção e interpretação são sempre

ideologicamente orientados. Esse percurso de produção do noticiário cria mediações

entre a própria realidade e o noticiário que funcionam como filtros dos acontecimentos.

O primeiro filtro é a pauta, ou seja, a relação dos assuntos que serão abordados

numa determinada edição do jornal impresso ou eletrônico. A pauta é uma seleção dos

assuntos considerados importantes, pinçados do universo quase infinito dos eventos

cotidianos. Teoricamente, o critério de seleção não é político, mas unicamente jornalístico.

Uma máxima famosa na imprensa diz que o fato de interesse jornalístico é aquele que

não é banal: "cachorro mordeu homem" não é notícia, mas "homem mordeu cachorro" é,

sem dúvida, notícia.

Claro que, na prática, essa máxima pouco ajuda na formulação de uma pauta, já

que nem todos os fatos são igualmente acessíveis à imprensa. Instituições oficiais

(governos, prefeituras, parlamentos...) e grandes empresas possuem aparatos de

comunicação e repartições públicas eficientes, gerando notícias e enviando-as aos jornais

por meio de press releases, textos especialmente preparados para a imprensa, enquanto

os movimentos populares (sindicais, de associações profissionais, de bairros etc.) não

dispõem dos mesmos recursos. Dessa forma, as pautas jornalísticas são normalmente

muito mais completas nos assuntos concernentes às elites políticas e econômicas.

Outro aspecto decisivo na formulação da pauta é a hierarquia interna das

organizações jornalísticas. O crescimento dessas organizações determinou o

aparecimento de uma divisão interna de trabalho que reserva a um grupo reduzido de

jornalistas as seleções de pauta. Esse grupo reduzido, composto pelas chefias das

seções, é controlado muito de perto pela direção, que acaba orientando as pautas mais

importantes, valorizando certos assuntos e desvalorizando outros.

O segundo filtro é a edição da notícia. O texto original, proveniente de um repórter

ou um redator é transformado em texto final nesse trabalho. Dependendo do veículo, um

copidesque reescreve a reportagem ou artigo a fim de adaptar a linguagem aos padrões

de estilo desejados. O editor da seção atribui ao texto título e intertítulos e faz as

"chamadas” de primeira página ou de abertura do jornal eletrônico. Claro que tudo isso

pode significativamente o sentido original do texto - e, muitas vezes, essas alterações

possuem nítido conteúdo ideológico.

O terceiro filtro é a diagramação, no caso dos veículos impressos, ou a seleção e

edição de imagens, no caso dos noticiários de televisão. Colocada no alto da página, uma

notícia ganha um destaque (e uma quantidade de leitores) que não teria no pé da por

exemplo. As páginas ímpares têm mais leitura que as pares, por razões à ótica e

percepção do leitor. Uma foto aumenta a leitura de uma matéria. O conjunto de matérias

de uma página, quando dedicado a temas semelhantes, produz uma impressão geral

determinada, em função da ordenação gráfica dessas matérias. Ou, o ordenamento e a

hierarquia das matérias de uma página são capazes de conduzir à formação de um

determinado ponto de vista, que não está expresso explicitamente em determinadas

matérias.

Em momentos cruciais, quando o noticiário é "quente" e politicamente sensível, a

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 22

direção do jornal envolve-se diretamente na diagramação, orientando o trabalho dos

profissionais especializados nessa área.

A "cara" do jornal é sua primeira página. Nela, o leitor seleciona as matérias que irá

ao interior do jornal. Muitos leitores limitam-se à primeira página, que oferece uma ao

geral dos assuntos do dia. Tudo isso faz da primeira página um filtro tão importante que

sua elaboração é geralmente entregue ao editor-chefe. Resumindo em as notícias que

considera mais importantes, esse jornalista - normalmente, de inteira confiança política da

direção do jornal - exerce uma influência superior à de todas as seções juntas e,

certamente, superior à do editorial do jornal.

O conjunto desses filtros revela que o jornal é, na sua totalidade, um objeto

ideológico e não um "espelho do mundo". Revela também que o espaço da opinião, longe

de se circunscrever ao editorial - o espaço de responsabilidade explícita da direção do

jornal - está disseminado por todas as seções.

Não se deve confundir uma concepção de mundo com uma manipulação. Os

veículos de qualidade não distorcem o noticiário, não procuram iludir o público e abrem

espaço para o confronto entre diferentes pontos de vista. Mas todos os veículos

exprimem, no processo de produção e organização das notícias, as suas perspectivas

ideológicas. Por isso, é crucial desconfiar das notícias. A leitura de mais de um órgão de

imprensa é indispensável a um leitor que pretenda formar ideias próprias: comparando

enfoques diversos, ele verá que um mesmo evento pode ter (e tem) significados muito

diferentes dependendo de quem o exponha.

AS FONTES DE NOTÍCIA

A seção de exterior é, evidentemente, a mais importante para o conhecimento dos

fatos da política internacional, embora a editoria de economia também reúna informações

sobre o tema. Na seção de exterior, a captação de notícias apresenta problemas

singulares: a distância física entre a sede dos veículos de comunicação e as fontes de

notícias de política internacional origina problemas inexistentes nas demais editorias.

A editoria de exterior trabalha basicamente com três fontes de notícias: as agências

internacionais, os órgãos de comunicação estrangeiros (redes de televisão, jornais

impressos e eletrônicos, revistas) e os correspondentes no exterior. Das três, até

recentemente, a mais importante eram as agências de notícias internacionais. Essas

agências, com correspondentes espalhados pelo mundo inteiro, forneciam a maior parte

do material informativo "quente".

Em função dos altos investimentos necessários para a montagem de uma grande

agência de notícias internacional, esse mercado é monopólio de um número restrito de

empresas gigantescas. Embora quase todos os países disponham de agências, a

esmagadora maioria do fluxo noticioso é gerada por poucos conglomerados americanos -

United Press International (UPI) e Associated Press (AP) - ou europeus - a francesa

France-Presse, a britânica Reuters, a italiana Ansa, a alemã DPA e a espanhola EFE.

As grandes agências mantêm laços estreitos com os interesses do país em que

têm sede, estabelecendo frequentemente relações íntimas com os respectivos governos.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 23

Isso cria uma distorção do noticiário político e económico gerado pelas agências e

enviado aos milhares de órgãos de imprensa nacionais que são assinantes dos serviços

dessas agências.

A “revolução da informação” modificou esse panorama, diversificando as fontes de

notícias. Atualmente, as editorias de exterior beneficiam-se do noticiário das redes globais

de televisão e de seus sites na internet.

Mas essa mudança não alterou o padrão de fundo. Entre as três grandes redes

globais de televisão, duas são americanas (a CNN e a Fox News) e uma é britânica (a

estatual BBC). Apesar das diferenças, às vezes notáveis, entre elas, todas estruturam as

suas abordagens sob os pontos vista do Ocidente e, em especial, a visão de mundo dos

países onde têm sede.

A primeira Guerra do Golfo, em 1991, foi coberta exclusivamente pela CNN, As

severas restrições do Pentágono ao trabalho da imprensa transformaram a rede em algo

muito próximo de uma retransmissora exclusiva de “notícias” fornecidas pelos serviços de

informação das forças armadas americanas. Assim, o mundo viu a guerra apenas através

das lentes de um dos lados em conflito. A exceção, parcial e limitada, foi a presença do

repórter Peter Arnett, da CNN, em Bagdá, a capital iraquiana.

O panorama global da mídia está em movimento. Durante a segunda Guerra do Golfo, as

sociedades árabes assistiram à cobertura da Al-Jazeera, uma rede baseada no pequeno

emirado do Catar, que tinha correspondentes nas principais cidades iraquianas e forneceu

imagens e informações exclusivas. Graças à cobertura que deu ao conflito, a nova rede

alcançou audiência global e seu site em inglês tornou-se uma referência para jornais do

mundo inteiro que procuravam um contraponto à cobertura das redes americanas e

britânica.

CNN e Fox não são vilãs; BBC e Al-Jazeera não são mocinhos. Cada uma dessas

redes expressa visões de mundo e perspectivas ideológicas distintas. Todas elas devem

ser acompanhadas com espírito crítico.

(MAGNOLI, D. Mundo Contemporâneo, São Paulo. Ed. Atual, 2011.)

II. 2. CHAPEUZINHO VERMELHO NA MÍDIA

A imparcialidade no jornalismo é uma verdadeira utopia na prática. Isso porque o

jornalista ao escrever uma matéria, escolhida por um pauteiro e formatada por um editor,

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 24

acaba incluindo na mesma, ainda que implicitamente, uma série de ideias, pensamentos e

definições que são frutos de seus hábitos, cultura e formação.

Além disso, cada veículo da imprensa tem a sua linha de pensamento, aquilo que

considera serem seus valores e sobre os quais deve ser exercido todo o seu trabalho. A

própria linguagem é diferenciada dependendo da publicação na qual a matéria é

veiculada.

Apesar de tantos fatos mostrarem que a imparcialidade jornalística não existe, os

principais veículos da mídia sempre tentaram apresentar para o seu público a ideia de

que são imparciais, buscando conquistar uma maior credibilidade e com isso aumentar

sua audiência (no caso da televisão ou do Rádio) ou a venda de exemplares (no caso de

publicações impressas).

Como exemplo dessa parcialidade no jornalismo, há certo tempo circulou pela

internet um texto que mostrava como a história da “chapeuzinho vermelho” circularia na

mídia caso o fato fosse real e acontecesse em nossos dias. É claro que esse texto é uma

sátira, mas não deixa de ter um pé na realidade. Veja abaixo:

Jornal Nacional

(Willian Bonner) — Boa noite! Uma menina de sete anos foi devorada por um lobo na

noite de ontem.

(Patrícia Poeta) — Mas, graças a atuação de um caçador, não houve uma tragédia.

Globo Repórter

(Sérgio Chapelin) – Fantasia? Violência?

O que leva alguém a atacar, na mesma noite, uma idosa e uma adolescente?

O Globo Repórter conversou com psicólogos, antropólogos e com os amigos e parentes

do Lobo em busca da resposta. Vamos viajar pela mente do psicopata.

E uma revelação: casos semelhantes acontecem dentro dos próprios lares das vítimas,

que se silenciam por medo. Hoje, no Globo Repórter…

Fantástico

(Glória Maria) — Que gracinha, gente, mas vocês não vão acreditar! Essa menina linda,

aqui, foi retirada viva da barriga de um lobo. Não foi mesmo? – pergunta, acariciando a

chapeuzinho vermelho.

Mais Você

(Ana Maria Braga) Ha, ha, ha! Lembra daquela Chapeuzinho? É aquela mesma que fazia

piqueniques na floresta com a avó? Pois é. Não é que a menina foi parar dentro da

barriga de um lobo?

(Louro José) Ainda bem que o lobo prefere comer gente do que passarinho!

(Ana Maria) Ha, ha, ha!

Big Brother

(Pedro Bial) – Fala meu Lobo, Quem você vai eliminar hoje?

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 25

(Lobo) – Hoje eu vou eliminar a Chapeuzinho Vermelho, porque ela tá de complô com o

Lenhador, que eu acho ao meu ver, que estão ao nível de me eliminar e isso não está

fazendo bem para o Ambiente da casa.

Jornal da Noite

(Boris Casoy) – Vejam a que ponto chegamos. Chapeuzinho Vermelho, uma menina com

cerca de 12 anos, foi retirada viva da barriga de um lobo que invadiu a casa de sua avó e

a matou. Um caçador viu tudo e também matou o lobo. Aonde essa onda de violência vai

nos levar? Quando lobos começam a comer pessoas dentro de suas casas o governo

federal precisa tomar providências. Lobo comendo gente é uma vergonha!

Brasil Urgente

(José Luiz Datena) — Onde é que a gente vai parar? Cadê as autoridades? Cadê as

autoridades? A menina ia para a casa da sua vovozinha a pé… – Não tem transporte

público! Não tem transporte público! – quando foi devorada viva! Por um lobo, gente, um

lobo safado! Põe na tela, porque eu falo mesmo! Não tenho medo de ameaça nem de

lobo morto! Não tenho medo de lobo não!

Gil Gomes

Esta meninaaaa…..Esta pooobre meninaaa… Estava caminhando sozinha até casa da

vovozinha… Quando. de repente... De repenteee… Um looobooo… Um grande loboo

apareceu, e a devorou, sim ele devorou a menininha, a pobreee da menininhaaa. E

aqui… Aqui na tela, um caçador. Um caçador de mira certeira e sangue frio. Direto da

sessenta e nove DP a Cristina conta como foi. Na tela!

Superpop

Chapeuzinho é convidada para desfilar no programa em traje de banho vermelho.

(Luciana Gimenez) – Nossa, que corpo, hein garota? Muito bonita mesmo, até eu no lugar

do Lobo não iria deixar escapar essa menina!!

Programa do João Kleber

Você não vai acreditar! Você não vai acreditar! Pela primeira vez na televisão… Você não

vai acreditar! É uma história. É uma história de arrepiar! Não vou contar mais nada. Você

precisa ver para acreditar. Eu não vou contar. Você não vai acreditar! Só vou contar que

tem uma menina. Não vou dizer mais nada. Só que tem um lobo… Não vou contar mais

nada. Se você não assistir eu não vou contar. Você quer saber? Você quer saber? Você

quer saber como termina essa história? São cenas que você nunca viu. Tem uma menina

e tem um lobo. Mas também tem um caçador. Você nunca viu. Se você não assistir você

não vai acreditar. Eu não consegui. Eu não consegui ver até o final. O final é inacreditável.

É inacreditável o final. E é tudo verdade. Você nunca viu. É verdade e você não vai

acreditar. Quer saber como termina essa história? Depois dos comerciais…

O Aprendiz

(Roberto Justus) – Chapeuzinho, o que você foi fazer na casa da vovozinha?

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 26

(Chapeuzinho) – Fui levar uns doces para ela.

(Justus) – De graça? Mas você não tinha um Planejamento para isso? Achou que era o

marketing mais correto? Qual seria o retorno? Que tipo de postura teve seu líder? Que

providências você tomaria?

Rádio CBN

Segundo fontes oficiais e agências internacionais uma menina vestida de vermelho foi

retirada viva da barriga de um lobo por um caçador. O lobo ainda teria aniquilado a avó da

menina. Mais informações daqui a meia hora.

Rádio Cidade FM

O trânsito flui sem problemas na cidade com alguns pontos de retenção que devem ser

evitados.

Jornal O Globo

Petrobrás apoia ONG do lenhador ligado ao PT que matou um lobo pra salvar menor de

idade carente.

Jornal Folha de S.Paulo

Manchete: “Lobo que devorou menina era do MST”

Legenda da foto da reportagem: Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador.

Na reportagem, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um

imenso quadro infográfico mostrando como Chapeuzinho Vermelho foi devorada e,

depois, salva pelo lenhador.

Jornal O Estado de S. Paulo

Chamada de capa para a reportagem: Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.

Jornal Notícias Populares (extinto)

Chamada de capa para a reportagem: Sangue e tragédia na casa da vovó.

Jornal Correio Braziliense

Chamada de capa para a reportagem: Petistas atacam vovozinha e tentam agarrar a

netinha.

Numa passagem do texto, referindo-se a Chapeuzinho Vermelho e a sua avó, lê-se:

“Graças à atuação do Governador Roriz, ambas estão bem e recebem pão, leite e cesta

básica…”.

Jornal The New York Times

Tem coisas que só acontecem no Brasil. Uma menina órfã, de nome desconhecido,

chamada apenas por Chapeuzinho Vermelho percorria a selvas do Pará que são

infestadas por lobos, excluídos de seu habitat natural pela selvagem depredação da

floresta tropical. Numa área onde o governo não atua, Chapeuzinho teve quase o mesmo

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 27

destino da missionária americana Doroty. Enquanto esta foi assassinada por posseiros de

terras, a avó de Chapeuzinho foi morta por um dos lobos que depois devorou a menina.

Por acaso, um caçador, provavelmente índio da região e desamparado pela Funai, sem

ter o que comer invadiu a casa da avó e matou o lobo. Enquanto preparava sua primeira

refeição da semana, para sua surpresa, encontrou Chapeuzinho Vermelho ainda viva

dentro da barriga do lobo. Como se pode ver, há uma ausência total de políticas

ambientais do governo brasileiro permitindo que situações como essas aconteçam com

frequência no país.

Jornal Zero Hora

Avó de Chapeuzinho nasceu no Rio Grande do Sul.

Jornal Agora

Sangue e tragédia na casa da vovó

Jornal do Brasil (extinto)

Chamada de capa para a reportagem: “Floresta: garota é atacada por lobo”.

Na reportagem propriamente dita, o leitor não fica sabendo onde, nem quando, nem mais

detalhes a respeito do fato.

Jornal O Dia

Lenhador desempregado tem dia de herói.

Jornal Extra

Promoção do mês: junte 20 selos, mais R$19,90 e troque por uma capa vermelha igual a

da Chapeuzinho!

Jornal Diário Gaúcho

Sangue e tragédia no barraco da vovó.

Revista Isto É

Chamada de capa para a reportagem: Gravações revelam que lobo foi assessor de

influente político.

Revista Veja

Numa passagem da reportagem, lê-se: “Fulano de tal, 23, o lenhador que retirou

Chapeuzinho Vermelho da barriga do lobo, tem sido considerado um herói na região”. Ele

disse: — Não foi tão perigoso assim, pois o lobo estava dormindo…

Capa da revista Veja

Lula sabia das intenções do lobo.

Revista Veja São Paulo

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 28

Casa da Vovó – Restaurante vegetariano tentar espantar má fama de local do famoso

massacre.

Revista Capricho

Chamada de capa para a reportagem: Esse Lobo é um Gato!

Revista Atrevida

Saindo de uma roubada – Dicas de Chapeuzinho Vermelho.

Revista Tititi

Lenhador e Chapeuzinho flagrados em clima romântico em jantar no Rio.

Revista Super Interessante

Lobo mau: mito ou realidade?

Revista Caras

Reportagem fartamente ilustrada com Chapeuzinho Vermelho um ano depois do

escândalo: Na banheira de hidromassagem na cabana da vovozinha, em Campos de

Jordão, Chapeuzinho reflete sobre os acontecimentos.

Numa passagem da reportagem, ela confessa: — Até ser devorada, eu não dava valor

para muitas coisas da vida, hoje sou outra pessoa…

Revista Cláudia

Chamada de capa para a reportagem: Como chegar a casa da vovozinha sem se deixar

enganar pelos lobos no caminho.

Revista Cláudia Cozinha

A Vovó se foi. Mas deixou o seu livro de receitas!

Revista Arquitetura e construção

As dicas do Lenhador para deixar sua casa mais segura.

(Emílio Portugal Coutinho. Disponível em: http://www.casadosfocas.com.br/a-chapeuzinho-

vermelho-na-midia/)

II. 3. CONFIGURAÇÕES ATUAIS DE PROTESTOS URBANOS: ENTRE O

CONSUMO E A POLÍTICA

Em 2003, foi lançado originalmente o livro Millenium People, do escritor britânico J.G. Ballard. No Brasil, o romance foi publicado em 2005 com o título “Terroristas do Milênio”. A tradução brasileira quis ir direto ao ponto: o livro narra a história de uma rebelião de classe média, modesta e bem-comportada, que só passou a ser realmente percebida e ganhar impulso quando eventos terroristas, aparentemente não relacionados ao motim de luxo, começaram a ocorrer. Com isso, o estopim do conflito – o aumento da taxa de condomínio – passa a se desdobrar em uma série infinita de queixas e

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 29

reivindicações, dando início a um processo de desmanche desse mundo classe-média através de uma sanha incendiária de tudo o que constituía seu estilo de vida: carros de luxo, brinquedos educativos, sofás, quadros, assim como, agências de viagens, cinemas, galerias e museus.

Ballard quis fazer uma sátira da classe média e de sua rebelião movida pelo tédio. Quis também fazer uma crítica a um modo de vida totalmente mercantilizado, incluindo a cidade marcada por especulações imobiliárias e por uma vida cultural presa pela ilusão do entretenimento. Mas, de tantos aspectos interessantes do livro, o que gostaria de destacar é a maneira como o autor vai mostrando os caminhos e descaminhos de um movimento de protestos que, no seu desenrolar, vai perdendo suas características originais, vai saindo do controle dos seus idealizadores, vai ganhando novas formas, algumas das quais, inclusive, opostas àquelas que o originou.

No mundo real, um claro exemplo disso foram as manifestações brasileiras ocorridas em junho de 2013. Conforme já amplamente discutido pela mídia e por acadêmicos, as chamadas “jornadas de junho” podem ser divididas em dois momentos precisos: o primeiro, que teve como ponto de partida a reivindicação da revogação do aumento da tarifa de ônibus, comandado pelo Movimento Passe Livre (MPL); e o segundo, quando transformarem-se em protestos de massa e milhares foram às ruas das cidades brasileiras, com uma pauta ampla e difusa de reclamações. Nesse segundo momento, surgiram slogans publicitários que, a partir de então, tornaram-se as marcas registradas do movimento: o “vem prá rua”, um slogan de uma marca de automóveis; e “o gigante não está mais adormecido”, slogan de uma marca de uísque.

“Vem prá rua” acabou se tornando o chamado “oficial” dos manifestantes nas redes sociais, assim como o grito de guerra durante os protestos de rua. Insurgindo-se, em especial, contra a maneira violenta como a polícia reagiu às primeiras manifestações, a população foi para a rua, assumindo que a rua era um espaço público e que, portanto, era o público quem deveria definir a agenda sobre o que celebrar ou reivindicar nesse espaço. “O gigante acordou” subverteu o sentido do anúncio, que apontava como o Brasil havia finalmente despertado como potência econômica. Os manifestantes indicavam que os brasileiros haviam acordado para a luta, a fim de questionarem aquela imagem fácil de progresso econômico e apontar o que não era possível celebrar.

A primeira interpretação a que o uso dos slogans poderia remeter era de serem essas marcas alvo dos protestos. E não deixa de ser uma ironia os protestos se apropriarem de uma marca de automóveis para fazer uma chamada às ruas, justamente contrapondo o cidadão ao consumidor de carros. Mas o que se viu, na sequencia, não foi um movimento contra carros, bebidas, marcas ou corporações. Não se estava questionando se e até que ponto o mercado poderia ser responsabilizado pela privatização do espaço ou pela mercantilização de serviços públicos como transporte, educação, saúde. A motivação principal também não foi questionar a publicidade como força dominante de nossa época. As marcas e seus slogans serviram apenas de inspiração, com o sentido invertido, por aquilo que veicularam em seus anúncios.

Esses slogans foram tomados de empréstimo no processo de construção do movimento de crítica a um estado de coisas que, em certa ordem temporal, se deu com a reivindicação do direito de protestar e de assumir o espaço público, a crítica à truculência da polícia, à falta de atendimento aos serviços públicos e à corrupção estatal. Assim, o grande alvo foi o governo, desde a reivindicação inicial, de revogação do aumento da tarifa de ônibus, até as manifestações em massa, nas quais se sobressaiu uma pauta estendida de protestos e reivindicações. Tal perfil de críticas e reivindicações também compõe grande parte das interpretações acadêmicas sobre as manifestações de junho, mesmo se observadas de diferentes espectros ideológicos. Destacam-se a questão urbana e a afirmação do direito à cidade; a má qualidade dos serviços públicos; e a desilusão com a democracia representativa. Mas essa desilusão pode ganhar formas completamente diferentes. Por um lado, pode se reduzir a uma “política do consumo”, no sentido definido pelo sociólogo alemão Wolfgang Streeck; por outro, pode apontar para

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 30

novas aberturas democráticas, novas formas de fazer política que resgatem a ideia de cidadania em sentido pleno, já que a democracia, de fato, não se reduz às suas instituições políticas – mas também não pode se reduzir ao mercado. A essa nova forma Streeck sugere o termo “política do Político”. Discutiremos os dois termos, abaixo.

Segundo Wolfgang Streeck, em artigo publicado originalmente na New Left Review e, em 2013, na Revista Piauí, há em curso uma política do consumo, resultante das transformações nos padrões de consumo que ocorreram em função da reestruturação produtiva, a partir da década de 1970. Com os novos desenvolvimentos tecnológicos daí oriundos, o mercado pôde oferecer produtos e serviços cada vez mais diferenciados e tal diferenciação acabou estimulando o desejo crescente por mais diferenciação que atendesse as preferências de cada consumidor. O autor argumenta que isso gerou um tipo novo de socialização, no qual as pessoas passaram a ver no consumo o caminho mais viável para se distanciar de certos grupos sociais e se identificar com outros, numa lógica também já definida como “camarotização da sociedade”. Isso faz com que o serviço público, oferecido pelo Estado, seja visto como algo de categoria inferior. Exemplos? De direito de cidadania, a escola e o hospital passaram a ser vistos como luxo que quem pode, paga. É a partir dessa perspectiva que o autor propõe que o termo “política do consumo” signifique um novo tipo de política baseada no mercado, na qual a negociação coletiva, que envolve o uso da esfera pública, passa a ser substituída pela relação mercadológica, baseada no que o dinheiro pode comprar. Ainda segundo Streeck, essa é uma das causas da crise da democracia representativa, pois leva a um contínuo descrédito da esfera pública, favorecendo, também, uma perspectiva social positiva para os processos de privatização. Pode-se acrescentar que isso também alimenta manifestações cada vez mais voltadas a tomar o governo como o principal alvo de críticas, na medida em que ele é visto como desnecessário para aqueles que já circulam na lógica privada da economia.

É possível afirmar que esse tipo de política do consumo ganhou predominância em certo momento das manifestações brasileiras, de junho de 2013, dando um novo sentido aos acontecimentos. A partir de um determinado ponto – e na maneira como começaram a ser narrados midiaticamente – os protestos foram se metamorfoseando em um movimento que parecia típico dos consumidores entediados de classe média do livro de J.G.Ballard. O uso dos slogans publicitários já indicava um imaginário formatado pela lógica do consumo. Mas, em sua ficção, Ballard também viu, nos caminhos e descaminhos da rebelião do condomínio de classe média, um anteprojeto para os protestos sociais futuros, que envolveriam desde levantes insensatos e revoluções condenadas a novas formas de fazer política.

Novas formas de fazer política foi o caminho que apontei, acima, como outra resposta possível à desilusão social com a democracia representativa. No contexto desses novos movimentos de protestos que emergiram no início desse novo século e milênio, o que ocorreu em Barcelona pode ser um exemplo ilustrativo disso. A “Plataforma dos Afetados pela Hipoteca” (PAH), organização fundada em 2009 por ativistas contra os despejos de mutuários inadimplentes, poderia ser considerada uma organização que age de acordo com uma política do consumo, na medida em que o imóvel tornou-se uma mercadoria valiosa e um dos principais “sonhos de consumo” contemporâneos. Mas o movimento considera que faz uma reivindicação de cidadania e não de consumo: o acesso à moradia. Esse poderia ser um mero jogo de palavras não fosse o fato de que, recentemente, Ada Colau, ativista e porta-voz do movimento, venceu as eleições municipais em Barcelona através do uso de um novo formato de política que alterou o modelo tradicional de partidos políticos e propôs candidatos via assembleia aberta. O forte da plataforma política da candidata era, justamente, a desprivatização de serviços tais como o uso da moradia, da água e do transporte. Em outras palavras, a ideia é tirar esses serviços da esfera da mercadoria e resgatá-los para a esfera pública da cidadania. Trata-se do que Streeck chamou de “política do Político”.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 31

Os recentes protestos urbanos – brasileiros, espanhóis, assim como vários outros

que têm emergido nesta primeira década do século XXI -, apontam para a questão central dos novos rumos do rumos do fazer político. Apontam, também, para a incerteza do ponto de chegada desses movimentos que têm a capacidade de se metamorfosearem no curso dos acontecimentos, indicando, como na ficção de Ballard, que no espaço vazio que a desilusão com o mundo existente acarreta, nem tudo que se propõe a preenchê-lo é promissor.

(Isleide Arruda Fontenelle. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-

sociedade/configuracoes-atuais-de-protestos-urbanos-entre-o-consumo-e-a-politica/)

EIXO III: DEMOCRACIA E REPRESENTATIVIDADE

III. 1. QUAL O LUGAR DAS MULHERES NA DEMOCRACIA BRASILEIRA?

Publicado por Revista Azmina.com.br em 08 de março de 2018. Carolina Vincetin

No ano passado, deputados rejeitaram cotas para mulheres (Gustavo Lima/ Agência Câmara)

Até mesmo na disputa dentro dos partidos, as mulheres levam a pior. Sem o capital

político dos homens, não têm tantos recursos para aparecerem na TV, não ocupam cargos que lhes deem visibilidade e credibilidade perante o eleitor e tampouco são consideradas experientes.

Há cerca de 2,5 mil anos, em Atenas, parte da população começou a experimentar um novo tipo de governo: a democracia, que dava aos cidadãos o poder de decidir sobre leis e políticas públicas locais. Parecia ótimo, não fosse o conceito de cidadão tão restrito. O exercício democrático cabia a apenas algumas poucas pessoas e deixava de fora a maioria da população, incluindo as mulheres, vistas como seres “naturalmente” inferiores.

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De lá para cá, muita coisa mudou, mas a baixa representatividade feminina na política ainda é alarmante. Embora o Brasil tenha, há nove anos, uma lei que obriga os partidos a preencherem 30% de suas candidaturas por mulheres, a presença delas no Congresso é pífia. Na Câmara, 10,7% dos assentos são ocupados por elas; no Senado, o índice é de 14,8%. Em nível municipal, dos quase 58 mil vereadores eleitos em 2016, apenas 14% eram mulheres. Em mais de 1,2 mil cidades, não há sequer uma vereadora

Mais da metade da população brasileira não fala por si”, resume o vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros. “Temos hoje uma desproporção muito grande entre um contingente populacional (as mulheres) e sua respectiva participação

enquanto atores políticos. Isso é um problema muito grave, que arranha a democracia”, enfatiza.

A ínfima presença delas em cargos eletivos poderia sugerir que os brasileiros têm preconceito em votar em mulher. Não é, entretanto, o que dizem pesquisas sobre o assunto. Um levantamento de 2009, do Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Ibope, revelou que nove entre 10 brasileiros dariam seu voto para mulheres – e quase 60% o fariam para qualquer cargo.

Se é assim, qual o problema, então?

“Não tenho dúvidas de que o motivo está associado ao tipo de sistema eleitoral que temos, com a lista aberta e o custo das campanhas”, diz a professora Clara Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das maiores pesquisadoras sobre a participação feminina na política brasileira. Pela lista aberta, as vagas conquistadas pelo partido ou coligação são ocupadas por seus candidatos mais votados – consequentemente, há uma competição entre membros da mesma legenda ao longo de toda campanha.

E, nessa disputa, as mulheres levam a pior, uma vez que não têm o mesmo capital político dos homens: não têm tantos recursos para aparecerem na TV, não

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ocupam cargos que lhes deem visibilidade e credibilidade perante o eleitor e tampouco são consideradas experientes.

Pesa sobre elas, também, os efeitos de uma cultura machista e patriarcal, que lega à figura feminina a responsabilidade pelo cuidado da casa e da família. “O exercício político demanda essencialmente tempo, uma das coisas que falta à grande maioria das mulheres, que lidam com dupla, às vezes tripla, jornada de trabalho”, dizem Cristina Terribas e Tainá de Paula, membros da partidA, um movimento feminista que promove ações e estratégias visando à ocupação dos espaços de poder pelas mulheres. Sem apoio

Ocupar tais espaços é uma tarefa difícil, para mulheres de qualquer lado do espectro político. Quando a hoje deputada federal Yeda Crusius (PSDB/RS) assumiu o cargo de ministra do Planejamento, Orçamento e Coordenação, em 1993 – no governo do ex-presidente Itamar Franco – o principal “susto”, que denotava preconceito, veio de dentro de seu partido. “O problema está na cultura partidária. As instituições ligadas ao poder ainda não se abriram”, lamenta.

“Um dos maiores problemas é a falta de compromisso dos partidos com as mulheres. A maioria lança candidatas apenas para cumprir a legislação de cota de candidaturas, sem um real engajamento e apoio para a eleição dessas mulheres”, afirma a deputada federal Luizianne Lins (PT/CE), que, quando candidata à Prefeitura de Fortaleza, em 2004, viu seu nome envolvido em ataques misóginos.

A professora Clara Araújo observa que as legendas brasileiras, ao invés de refletirem os conflitos e demandas sociais de forma institucionalizada, permanecem voláteis. “Por mais estranho que possa parecer, procedimentos normativos e partidos

centralizados no sentido de uma organização clara de suas hierarquias e níveis decisórios ajudam às mulheres, ao passo que partidos com lideranças mais descentralizadas e menos normativas têm decisões e acordos menos transparentes e ficam ao sabor das lideranças e dos interesses locais”, explica.

A reportagem consultou os sete maiores partidos do país sobre as políticas internas adotadas para a ampliação da participação feminina. Todos informaram ter um “setor feminino”, que executa ações como debates e cursos, entretanto, em apenas dois há, estatutariamente, uma determinação em relação à presença de mulheres em instâncias decisórias internas.

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Desqualificação

Além da disputa por espaço, muitas candidatas ou ocupantes de cargos precisam enfrentar uma constante desqualificação pelo simples fato de serem mulheres em um ambiente tradicionalmente masculino. Pesquisadores que estudam o impeachment da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, apontam que, durante o processo, cresceram os mitos que remetem a figura feminina à loucura, à histeria e ao descontrole de modo geral. “A inépcia política da presidenta foi muito reafirmada pela imprensa. Quaisquer que fossem as decisões e posturas de Dilma Rousseff, tudo era traduzido como ‘falta’. Portanto, como mulher ‘fora do seu lugar’”, diz a professora Linda Rubim, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Linda é uma das organizadoras do livro O Golpe na perspectiva de gênero (Edufba), que acaba de ser lançado.

Para ela, a saída de Dilma interrompeu um processo de protagonismo da mulher que vinha se desenvolvendo no país. “O rebaixamento institucional da representação das mulheres no governo se tornou evidente”, diz. Atualmente, entre os 29 ministros do governo federal, há apenas uma mulher – a ministra-chefe da Advocacia-Geral da União, Grace Mendonça. Qual a solução, portanto?

As fontes ouvidas pela Revista AzMina defendem que, dificilmente, algo mudará sem uma ampla reforma política. “É preciso que tenhamos mulheres com inspiração para seguir a carreira política e que isso encontre meios de prosperar”, diz Humberto Jacques de Medeiros, do Ministério Público Eleitoral. Além disso, é necessário investir em mecanismos de igualdade de gênero com efeitos indiretos sobre a participação de mulheres em cargos de liderança e poder. “Precisamos de serviços públicos de apoio aos cuidados – que ficam sempre nas mãos das mulheres –ações afirmativas e de uma reforma que democratize as condições de disputa”, enumera a professora Clara Araújo.

Ela destaca, ainda, um desafio adicional: a superação da descrença geral em relação aos partidos. “Como entrar e ocupar espaços, se as pessoas acreditam menos na política?”, questiona. “Por outro lado, vejo hoje um movimento feminista mais ativo, com mais mulheres indo às ruas se manifestar”, pondera.

Ao que tudo indica, nossa batalha continua.

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III. 2. O QUE VAI MUDAR COM A REFORMA POLÍTICA APROVADA PELO

CONGRESSO?

Depois de meses de debates, idas e vindas e acordos costurados nos bastidores,

uma reforma política foi aprovada a toque de caixa por parlamentares da Câmara e do

Senado.

Não se trata de um pacote fechado de medidas, mas várias propostas de emenda

à Constituição votadas separadamente pelas casas, e combinações feitas para que o

presidente Michel Temer vetasse os pontos com os quais os deputados e senadores não

estavam de acordo.

As medidas precisavam ser aprovadas pelo menos um ano antes da eleição

seguinte para que pudessem valer já no mesmo pleito.

Segundo o advogado Fernando Neisser, essa lógica de aprovar as mudanças

sempre nas vésperas de um novo pleito faz com que as reformas acabem ficando aquém

do necessário. “Ninguém é ingênuo de esperar que deputados e senadores aprovem

medidas que vão prejudicar os próprios mandatos”, comenta.

No entanto, no saldo final, a maioria das medidas foi positiva, para Neisser.

“Quando aprovaram o fim das coligações para 2020, a maioria dos comentários foi de

crítica, mas eu achei que foi melhor que o esperado. Pra 2018 não ia sair de jeito

nenhum, mas já ter para 2020 é um grande avanço”.

Veja o que foi aprovado:

Cláusula de barreira

A proposta aprovada pelo Senado aumenta progressivamente a obrigação que os

partidos têm de obter votações expressivas em todo o país para ter acesso ao fundo

eleitoral.

Em 2018, para que um partido garanta acesso ao fundo e ao horário gratuito de

rádio e TV, ele terá que obter 1,5% dos votos válidos a deputado federal, distribuídos em

pelo menos um terço dos Estados.

Em 2030, a cláusula chegará a 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos

um terço dos Estados, com um mínimo de 2% em cada um deles.

A medida visa acabar com os partidos nanicos, que existiriam apenas para formar

coligações com siglas maiores, oferecendo-lhes o tempo de TV e abocanhando recursos

dos fundos partidários.

Fim das coligações

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) proíbe as coligações nas eleições de

deputados e vereadores a partir da eleição de 2020.

Além disso, estabelece uma cláusula de desempenho como condição para que os

partidos tenham acesso a recursos e a tempo de televisão e rádio.

Na prática, as coligações permitem que partidos nanicos, sem candidato próprio,

doem seu tempo de televisão para os candidatos de partidos grandes.

“Junto com a cláusula de barreira, poderíamos reduzir o número de partidos de 14

para cerca de 7 ou 8. A pulverização é um dos principais problemas para conseguir

governabilidade no Brasil”, diz Neisser.

Fundo eleitoral

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 36

A proposta de criação de um fundão público eleitoral foi uma das que passou por

mais discussões: chegou-se a cogitar uma reserva de até 3,6 bilhões de reais, mas o

texto aprovado, no final, ficou em 1,7 bilhão de reais para as próximas eleições.

Na prática, esse valor não vai representar um limite máximo para o fundo, mas

mínimo, já que o texto especifica que o fundo será “ao menos equivalente” às duas fontes

estabelecidas pelo projeto.

Além desse fundo eleitoral, criado agora, continua vigorando o fundo partidário, que

terá um orçamento de cerca de 1 bilhão de reais para o ano que vem.

Fernando Neisser, no entanto, acredita que o fundo poderia ter sido criado com

mais exigências para os partidos.

“A gente sabe que a democracia tem um preço, campanha precisa de dinheiro, e já

decidimos que não é bom que empresas paguem. Eu acho o fundo positivo, sim. Mas

podia ter atrelado a distribuição desse dinheiro a exigências de transparência, de

igualdade de gênero dentro dos partidos, para que eles sejam mais democráticos”, afirma.

Candidatura atrelada ao partido

A lei aprovada vetou as candidaturas avulsas, e manteve a obrigatoriedade de que

os candidatos estejam vinculados a partidos. O tema também está sendo analisado no

Supremo Tribunal Federal, mas Neisser afirma que uma decisão favorável do STF, a essa

altura, seria temerária.

“É um tema legítimo para o Congresso debater, não o STF. Do jeito que o sistema

eleitoral brasileiro está configurado, é todo em torno da lógica partidária. Como você vai

distribuir tempo de TV para uma candidatura avulsa? Como vai punir um deputado se ele

trocar de partido e ao mesmo tempo permitir que alguém seja eleito sem partido?”,

questiona.

Propaganda na internet

A reforma política libera as campanhas pagas pela internet, exclusivamente pela

modalidade de “impulsionamento de publicação” – quando a pessoa ou empresa paga o

provedor (Google, Facebook) para que sua postagem tenha um alcance maior.

Também permite que os candidatos comecem a arrecadar recursos por

crowdfunding a partir de maio, quando os partidos já podem definir as candidaturas. O

acesso ao dinheiro, no entanto, só poderá ser feito em agosto, quando a campanha está

efetivamente autorizada.

“Achei uma ótima sacada do Congresso. Se você começar a pedir dinheiro em

agosto para uma eleição em outubro, não dá tempo. Essa medida foi uma ótima sacada”,

opina Neisser.

As propostas vetadas por Temer:

Censura sem ordem judicial

Uma emenda do deputado federal Áureo, do Solidariedade, permitiria que qualquer

conteúdo compartilhado nas redes sociais durante período eleitoral fosse apagado num

prazo de 24 horas, caso trouxesse informações falsas ou ofensas a um partido ou

candidato, sem nenhuma determinação judicial.

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 37

O próprio deputado se disse arrependido pela emenda, e pediu para que o

presidente Michel Temer a vetasse.

Autofinanciamento

Um descuido dos senadores acabou com a permissão de que os candidatos

injetem dinheiro próprio nas campanhas sem qualquer restrição.

Na nova redação, os políticos ficam sob o mesmo teto permitido para qualquer

pessoa física, de até dez salários mínimos (pouco menos de 10 mil reais).

Um artigo retirado pelos senadores impunha um limite de R$ 200 mil, e a intenção

era retirar essa regra específica, apenas. Porém, com isso, ficou valendo, para os

políticos, a regra geral de pessoas físicas.

“Manter um limite de financiamento de 9.600 reais é querer ser mais realista que o

rei. Você atende a um clamor da opinião pública para deixar a campanha mais barata,

mas, se o limite máximo for muito baixo, vai começar a entrar dinheiro sujo. Se não é das

empresas, vai ser do crime organizado, o que é muito perigoso”, comenta Neisser.

Distribuição interna

Um dispositivo na lei previa regras para distribuição interna dos recursos do fundo

eleitoral entre os candidatos de um mesmo partido. A redação dizia que 30% de todo o

dinheiro deveria ser distribuído igualmente entre os candidatos do partido ao mesmo

cargo.

Assim, mesmo que o partido privilegiasse um candidato específico, seria garantido

que os outros receberiam recursos mínimos para suas campanhas.

No entanto, Temer vetou essa parte do texto, e no fim das contas cada partido vai

decidir como será feita a divisão dos recursos.

(Luiza Calegari. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/o-que-vai-mudar-com-a-

reforma-politica-aprovada-no-congresso/)

III. 2.1. INTERESSES PRIVADOS E CORRUPÇÃO

Para chegarmos aí, precisamos enfrentar com radicalidade a questão da corrupção. Quando falamos em corrupção, referimo-nos a uma forma de fazer política baseada no uso do poder político para a manutenção de interesses privados e particulares e, ao mesmo tempo, interesses privados e particulares assaltando os espaços públicos e de poder, num círculo vicioso que não permite uma renovação significativa dos quadros políticos brasileiros. Utiliza-se este expediente para manter o poder e ficar imune às punições legais existentes. Assim, a corrupção alimenta o poder, e o poder alimenta a corrupção.

A corrupção no nosso país não é apenas monetária/financeira, mas principalmente o uso do poder político para interesses privados e particulares (aqui incluído o desejo de permanecer sempre em cargos eletivos). Para isso, mudam-se as regras do jogo eleitoral ao bel prazer de quem está no poder – vide o processo que permitiu a reeleição.

O maior roubo da corrupção é o roubo do poder de decisão do povo, que não tem nenhum mecanismo de revogação de mandato ou de controle do processo decisório, por exemplo, a não ser o limitado processo eleitoral, onde o que mais conta são as estratégias de marketing dos(as) candidatos(as) e seus recursos financeiros (muitos oriundos do caixa 2 dos doadores, fruto de sonegação ou corrupção). Esse processo cria,

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como muito bem definiu o professor e jurista Fábio Konder Comparato, uma “democracia sem povo”.

III. 2. 2. CONTROLE SOCIAL

Nos últimos anos, a sociedade brasileira criou alguns mecanismos e tentativas de

controle social sobre a ação do Estado. Graças a esses mecanismos (sejam os

institucionais, como os conselhos, sejam as organizações que monitoram o orçamento

público de forma autônoma) e à democracia – mesmo que formal –, os casos de

corrupção estão sendo denunciados.

Entretanto, esse processo é paradoxal, pois promove a sensação de que o Brasil é

mais corrupto na democracia do que na ditadura. Sensação falsa, pois na ditadura não

havia liberdade de denúncia; portanto, pouco sabemos sobre esse período da história

brasileira. Algumas forças políticas ainda defendem que, para enfrentar a corrupção,

somente uma ditadura. Mas a história tem mostrado que o contrário é mais verdadeiro.

Só enfrentamos a corrupção com a radicalização da democracia e a construção de

um poder democrático. Não uma democracia que se estruture apenas na representação

(via processo eleitoral e partidos). Mas sim uma democracia que conjugue a questão da

representação com a democracia direta e a participativa.

A democracia direta é o direito que a população tem de decidir sobre as grandes

questões que afetam sua vida. Ela desloca o centro do poder decisório das instituições

oriundas dos processos eleitorais para a participação popular. Nesse sentido, a política

deixa de ser monopólio exclusivo dos detentores de mandatos e dos partidos e passa a

ser do conjunto da sociedade.

III. 2. 3. DEMOCRACIA DIRETA E SOBERANIA POPULAR

Para chegarmos a isso, precisamos de uma nova regulamentação do Artigo 14 da

Constituição Federal, que define as formas de manifestação da soberania popular:

plebiscito, referendo e iniciativa popular. A atual regulamentação, feita pela Lei 9.709, de

1998, não só restringe a participação como a dificulta. Por exemplo, só o Legislativo pode

convocar referendo e plebiscito. Sendo assim, um mecanismo de democracia direta

precisa passar pelo aval do Parlamento (democracia representativa) para ser exercido.

Sem falar na exagerada burocracia para poder apresentar propostas de leis de iniciativas

populares.

Além disso, precisamos criar novos mecanismos de participação direta, como o

veto popular. Devemos criar um sistema de democracia direta, conjugado com os

instrumentos e mecanismos representativos e participativos.

Em 2009, um conjunto de organizações, entre elas a Plataforma dos Movimentos

Sociais pela Reforma do Sistema Político; a Abong (Associação Brasileira de

Organizações Não Governamentais); a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil); a CNBB

(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); o Inesc; a AMB (Articulação de Mulheres

Brasileiras), com o apoio da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação

Popular, apresentou uma proposta de lei na Comissão de Participação Legislativa de

nova regulamentação do Artigo 14 da Constituição Federal1.

1 Esta proposta está disponível no site www.reformapolitica.org.br..

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 39

Entre essas propostas, destacamos:

a) A simplificação do processo e a garantia da sua convocação: utilização das

urnas eletrônicas para a iniciativa popular; a aceitação de qualquer documento expedido

por órgão público oficial, com foto, como comprovante para assinatura de adesão (hoje só

pode ser com título de eleitor); e que os referendos e plebiscitos possam ser convocados

pela própria população.

b) Que seja prevista a convocação obrigatória de plebiscitos, referendos e outras

formas de consultas para os principais temas nacionais, como, por exemplo, tamanho da

propriedade da terra, emissão de títulos públicos que representem parcela significativa do

PIB, privatização de bens e empresas públicas, acordos internacionais com instituições

financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI etc.), acordos de livre comércio, criação ou

fusão de municípios e estados, grandes obras com forte impacto socioambiental,

mudanças nas leis eleitorais, entre outros temas.

c) Precedência de votação, por parte do Legislativo, dos projetos que venham de

leis de iniciativa popular.

III. 2. 4. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Por democracia participativa entendemos a participação, via organizações e

movimentos sociais, nas definições das políticas públicas, inclusive nas econômicas e não

apenas nas chamadas políticas sociais. É uma participação que se dá via organizações

da sociedade civil, autônomas e independentes do Estado e dos partidos. Uma das

manifestações dessa forma democrática são os conselhos e conferências, criados,

principalmente, depois da Constituição Federal de 1988.

Apesar da proliferação de espaços participativos em todo o Brasil e sobre quase

todas as políticas públicas, precisamos criar um sistema de participação que rompa com a

atual fragmentação desses espaços. Além disso, eles precisam ser autônomos (e não

apenas homologadores de decisões já tomadas pelo Executivo), ter caráter deliberativo e

laico. A sociedade organizada de fato deve escolher seus representantes, e o orçamento

público de cada política deve ser acompanhado e deliberado por esses espaços. Ou seja,

eles precisam se constituir em espaços de partilha de poder e não em um faz de conta da

participação.

Para isso, destacamos as seguintes propostas:

a) Criação de espaços de democracia participativa nos poderes Legislativo e

Judiciário, incluindo o Ministério Público, e não apenas no Executivo.

b) Criação de mecanismos de participação, deliberação e controle social nas

políticas econômicas, de desenvolvimento e no orçamento público.

c) Criação de mecanismos de diálogos e de interlocução dos diferentes espaços já

existentes de participação e controle social.

III. 2. 5. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Por fim, no que se refere à democracia representativa, precisamos fazer uma

reforma eleitoral (que o senso comum tem chamado de reforma política) que mude

completamente a forma de escolha dos(as) nossos(as) representantes: vereadores(as),

deputados(as), prefeitos(as), senadores(as), governadores(as), presidente).

A representação não pode ser um “cheque em branco”, onde só temos o direito de

votar a cada quatro anos e nada mais. Pelas regras atuais, não temos controle nenhum

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 40

sobre a representação. Não é à toa que boa parte dos escândalos de corrupção nos

últimos anos está associada à democracia representativa ou, mais precisamente, ao

chamado “caixa 2” para manter esse sistema.

Para alterar a democracia representativa, destacamos algumas propostas:

a) Financiamento público exclusivo de campanha. Recursos privados não podem

financiar a política. Esse é um dos maiores fatores de corrupção no Brasil.

Precisamos instituir um sistema de financiamento público de campanhas, com

regras rígidas de controle, fiscalização e punição para quem o descumprir. O

financiamento público também enfrentaria outra questão importante para a

democracia: a busca da igualdade de condições econômicas nos processos

eleitorais.

b) Votação em listas pré-ordenadas. Um dos problemas do atual sistema é a

distorção na representação. Parcelas da população não estão representadas ou

estão sub-representadas, como é o caso das mulheres, população indígena,

negra etc. Não construiremos democracia no Brasil mantendo no poder apenas

um rosto “masculino e branco”.

c) Criação de uma comissão de fiscalização do processo eleitoral, formada pela

Justiça Eleitoral, partidos e representantes da sociedade civil.

Uma reforma política entendida de forma mais ampla que simplesmente a reforma

do sistema eleitoral é um dos elementos fundamentais para enfrentarmos a questão da

corrupção. Em outras palavras, o atual sistema político, com suas formas de exercício do

poder, é elemento central da cultura da corrupção e da impunidade no Brasil. Sem mudar

isso radicalmente não teremos um país livre da corrupção.

(Ana Claudia Teixeira, José Antonio Moroni. Disponível em:

http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=677)

III. 3. O “CAMPO POLÍTICO”

“A noção de campo político tem muitas vantagens: ela permite construir de maneira

rigorosa essa realidade que é a política ou o jogo político. Ela permite, em seguida,

comparar essa realidade construída com outras realidades como o campo religioso, o

campo artístico... e, como todos sabem, nas ciências sociais, a comparação é um dos

instrumentos mais eficazes, ao mesmo tempo de construção e de análise [...]. Falar de

campo político é dizer que o campo político (e por uma vez citarei Raymond Barre) é um

microcosmo, isto é, um pequeno mundo social relativamente autônomo no interior do

grande mundo social. Nele se encontrará um grande número de propriedades, relações,

ações e processos que se encontram no mundo global, mas esses processos, esses

fenômenos, se revestem aí de uma forma particular. É isso o que está contido na noção

de autonomia: um campo é um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social

[...]. Quem quer que entre para a política, assim como alguém que ingresse em uma

religião, deve operar uma transformação, uma conversão. Mesmo que esta não lhe

apareça como tal, mesmo que não tenha consciência disso, ela lhe é tacitamente imposta,

e a sanção em caso de transgressão é o fracasso ou a exclusão. Trata-se, portanto, de

uma lei específica e que constitui um princípio de avaliação e eventualmente de exclusão.

Um índice, o escândalo: quem entra para a política se compromete tacitamente a eximir-

se de certos atos incompatíveis com sua dignidade, sob pena de escândalo. Esse

microcosmo é também separado do resto do mundo. Como o campo religioso, o campo

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PROJETO ELEIÇÕES 2018CHEFII ENGIM13/2018 41

político repousa sobre uma separação entre os profissionais e os profanos. No campo

religioso, há os laicos e os clérigos. Não existe sempre um campo político (simplesmente

enuncio esta proposição, sem argumentar a propósito). Há uma gênese do campo

político, uma história social do nascimento do campo político. Coisas que nos parecem

evidentes (por exemplo, o voto por maioria) foram o produto de invenções históricas

extremamente longas. Essas coisas que parecem ter existido eternamente são

frequentemente de invenção recente [...]. Quanto mais o campo político se constitui, mais

ele se autonomiza, mais se profissionaliza, mais os profissionais tendem a ver os

profanos com uma espécie de comiseração. Para que fique claro que não estou fazendo

pura especulação, evocarei simplesmente o uso que certos políticos fazem da acusação

de irresponsabilidade lançada contra os profanos que desejam se meter com a política:

com dificuldade para suportar a intrusão dos profanos no círculo sagrado dos políticos,

eles os chamam à ordem do mesmo modo que os clérigos lembravam aos leigos sua

ilegitimidade [...]. Uma das virtudes da noção de campo é a de tornar inteligível o fato de

que certo número de ações realizadas pelas pessoas que estão nesse jogo, que eu

chamo de campo político, têm seu princípio no campo político. [...] dizer que há um campo

político é lembrar que as pessoas que aí se encontram podem dizer ou fazer coisas que

são determinadas não pela relação direta com os eleitores, mas pela relação com os

outros membros do campo [...]. Assim, o fato de o campo político ser autônomo e ter sua

lógica própria, lógica que está no princípio dos posicionamentos daqueles que nele estão

envolvidos, implica que existe um interesse político específico, não automaticamente

redutível aos interesses dos outorgantes do mandato. [...] quanto mais um espaço político

se autonomiza, mais avança segundo sua lógica própria, mais tende a funcionar em

conformidade com os interesses inerentes ao campo, mais cresce a separação com

relação aos profanos [...]. O que mais se aproxima do campo político é o campo religioso:

nesse caso também, uma parte muito importante do que nele ocorre é efeito de relações

internas [...]. Há, no campo político, lutas simbólicas nas quais os adversários dispõem de

armas desiguais, de capitais desiguais, de poderes simbólicos desiguais. O poder político

é peculiar no sentido de se parecer com o capital literário: trata-se de um capital de

reputação, ligado à notoriedade, ao fato de ser conhecido e reconhecido, notável. Daí o

papel muito importante da televisão, que introduziu algo extraordinário, pois as pessoas

que só eram conhecidas pelas reuniões eleitorais nos pátios das escolas não têm mais

nada a ver com esses subministros que, suficientemente poderosos em seus partidos

para aparecerem na televisão, têm seus rostos conhecidos por todo mundo [...]. À medida

que o campo político avança na história e que, notadamente com o desenvolvimento dos

partidos, se institucionalizam os papéis, as tarefas políticas, a divisão do trabalho político,

aparece um fenômeno muito importante: o capital político de um agente político

dependerá primeiramente do peso político de seu partido e do peso que a pessoa

considerada tem dentro de seu partido [...]. À medida que o campo político avança na

história e que, notadamente com o desenvolvimento dos partidos, se institucionalizam os

papéis, as tarefas políticas, a divisão do trabalho político, aparece um fenômeno muito

importante: o capital político de um agente político dependerá primeiramente do peso

político de seu partido e do peso que a pessoa considerada tem dentro de seu partido”.

Pierre Bourdieu

(Fonte: http://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/6274/5133)

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