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MUDANÇAS CLIMÁTICAS E POBREZA Iniciativa: Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas Coordenação: COEP Parceiros: CERESAN-UFRRJ / IPEA / IVIG-COPPE-UFRJ Apoio: OXFAM e Assessoria do Gabinete Presidência da República Projeto “Mudanças climáticas, desigualdades sociais e populações vulneráveis no Brasil: construindo capacidades” Subprojeto Populações Vulneráveis Projeto de pesquisa “Mudanças climáticas e desigualdades sociais no Brasil: impactos, populações vulneráveis e medidas de adaptação” - versão para discussão interna; pede-se não divulgar – Renato S. Maluf, CPDA/CERESAN/UFRRJ Teresa S. Rosa, CERESAN/UFRRJ Rio de Janeiro Agosto de 2009

Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

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Subprojeto Populações Vulneráveis Rio de Janeiro Agosto de 2009 MUDANÇAS CLIMÁTICAS E POBREZA - versão para discussão interna; pede-se não divulgar – Parceiros: CERESAN-UFRRJ / IPEA / IVIG-COPPE-UFRJ Apoio: OXFAM e Assessoria do Gabinete Presidência da República Coordenação: COEP Iniciativa: Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas 2

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Page 1: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E POBREZA Iniciativa: Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas

Coordenação: COEP Parceiros: CERESAN-UFRRJ / IPEA / IVIG-COPPE-UFRJ Apoio: OXFAM e Assessoria do Gabinete Presidência da República

Projeto “Mudanças climáticas, desigualdades sociais e populações vulneráveis no Brasil: construindo capacidades”

Subprojeto Populações Vulneráveis

Projeto de pesquisa “Mudanças climáticas e desigualdades sociais no Brasil: impactos, populações vulneráveis e medidas

de adaptação”

- versão para discussão interna; pede-se não divulgar –

Renato S. Maluf, CPDA/CERESAN/UFRRJ

Teresa S. Rosa, CERESAN/UFRRJ

Rio de Janeiro

Agosto de 2009

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SUMÁRIO

Apresentação pela Coordenação Geral do Programa ...................................................... 3 Introdução ao Subprojeto Populações .............................................................................. 7 1. Base conceitual............................................................................................... 9 A dimensão ético-social da mudança do clima e o desafio da transformação.................. 9 Vulnerabilidade, risco e desigualdades sociais............................................................... 14 Construção de capacidades de adaptação..................................................................... 17 2. Cenários, impactos e riscos possíveis .......................................................... 23 América Latina ................................................................................................................ 24 O caso do Brasil.............................................................................................................. 25 3. Das controvérsias à ação.............................................................................. 28 4. Pesquisas e iniciativas em curso no Brasil ................................................... 30 5. Matriz analítica .............................................................................................. 34 5.1. Documentos de referência da matriz analítica ......................................................... 34 5.2. Elementos da matriz ................................................................................................ 37 5.3. Duas entradas: mudanças climáticas e setores de impacto .................................... 38 5.4. Modelo da matriz e referências para sua interpretação ........................................... 40 5.5. Exercício de uso analítico da matriz para o Semi-árido ........................................... 46 6. Eixos de trabalho e indicações metodológicas preliminares ............................ 49 1. Documentos de referência e políticas públicas voltadas para a mudança climática... 49 2. Produção científica e questões em debate sobre mudança climática e desigualdades sociais..................................................................................................... 50 3. Estudos de caso sobre a vulnerabilidade e capacidade de adaptação de populações selecionadas................................................................................................ 52 7. Etapas de trabalho........................................................................................ 58 8. Referências bibliográficas ............................................................................. 59 9. Sites consultados.......................................................................................... 63 10. ANEXO...................................................................................................... 65

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Apresentação pela Coordenação Geral do Programa

Introdução É consenso, hoje, que populações de baixo índice de desenvolvimento humano, que já convivem com uma situação socioeconômica desfavorável, são as mais expostas a impactos de eventos climáticos extremos, apesar da vulnerabilidade ambiental não ser exclusivamente devida à pobreza. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), órgão das Nações Unidas responsável por produzir informações científicas sobre os efeitos das mudanças do clima, regiões pobres da África, América Latina e Ásia são as que têm menor oportunidade de adaptação e, portanto, as mais vulneráveis a alterações na dinâmica das chuvas (com enchentes e secas), à diminuição na produção de alimentos, inclusive os oriundos da pesca, à perda de biodiversidade e a efeitos na saúde das pessoas. Ou seja, localidades onde há mais pobreza estão ainda mais suceptíveis aos efeitos de mudanças climáticas. Atualmente, já são 250 milhões de pessoas no mundo afetadas por desastres naturais e, até 2015, a tendência é que esse número aumente em aproximadamente 50%, chegando a 375 milhões (Oxfam – “O Direito de Sobreviver” - 2009). Um dado da Federação da Cruz Vermelha mostra, ainda, que a média de mortes por desastres naturais nos países em desenvolvimento é cerca de 40 vezes maior do que nos países ricos. No Brasil, embora tenhamos nos ressentido de eventos climáticos extremos como, por exemplo, as recentes enchentes nas regiões sul, norte e nordeste do país e a intensa seca, em 2005, na Amazônia, a interface entre mudanças climáticas e desigualdades sociais é, ainda, um campo extenso a ser pesquisado, conjugado à necessidade de sensibilização e envolvimento da sociedade como um todo para essa questão e, em particular, das populações em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica. É preciso, também, municiar com conhecimentos e metodologias a sociedade civil e as instituições governamentais que têm papel importante na condução e debate da temática, na formulação de políticas públicas, tanto em nível local e nacional, como na elaboração de tratados internacionais. Programa Mudanças Climáticas e Pobreza O COEP1 possui uma prática de 16 anos de mobilização social de diferentes segmentos – organizações, comunidades e pessoas - para a implementação de iniciativas de melhoria da qualidade de vida em localidades de baixa renda, bem como de articulação de suas associadas e outras organizações em torno de um objetivo comum - desenvolvimento, em parceria, de ações de combate à pobreza. Reconhecendo a importância da inclusão da vulnerabilidade social na temática das mudanças climáticas, O COEP Nacional levou essa questão ao Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas2, sugerindo o desenvolvimento de um processo voltado para a integração efetiva dessa componente nas discussões e iniciativas referentes ao assunto.

1 O COEP foi criado em 1993, pelo sociólogo Betinho, no âmbito do movimento pela ética na Política. A finalidade era mobilizar organizações em projetos de combate à fome e à miséria. Desde aquela época, o COEP tem suas principais atividades voltadas para iniciativas de melhoria da qualidade de vida de comunidades de baixa renda.

2 O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas foi instituído por Decreto em 2000. É presidido pelo Presidente da República e conta como Secretario Executivo o Prof. Luis Pinguelli Rosa, um dos fundadores do COEP. Um de seus objetivos é auxiliar o Governo na incorporação das questões sobre mudanças climáticas nas diferentes políticas públicas

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Como resultado dessa articulação, o Fórum, em abril de 2009, criou o Grupo de Trabalho “Mudanças Climáticas, Pobreza e Desigualdades”, convidando o COEP para coordenar esse grupo. Dessa forma, em 2009, estamos ampliando a nossa proposta de trabalho, trazendo o tema das mudanças climáticas e pobreza como foco de sensibilização e de mobilização das mais de 1100 organizações (Rede COEP), 8000 pessoas (Rede Mobilizadores) e 115 comunidades (Rede de Comunidades) que formam, atualmente, a nossa Rede Nacional de Mobilização Social. Para isso, estamos dando início ao Programa Mudanças Climáticas e Pobreza 3, que contempla várias iniciativas, citando-se: - Desenvolvimento de iniciativas, como:

Criar o grupo temático “Meio Ambiente, mudanças climáticas e pobreza”, no portal da Rede Mobilizadores- www.mobilizadores.org.br, com a finalidade de informar e trazer o assunto para discussão junto as mais de 8000 pessoas que integram a rede.

Estabelecer como fio condutor da Jornada pela Cidadania - uma proposta de mobilização social desenvolvida pelo COEP junto a escolas, pessoas e comunidades de todo o país – o tema meio ambiente, mudanças climáticas e pobreza.

- Desenvolvimento da pesquisa “Mudanças Climáticas, Desigualdades Sociais e Populações Vulneráveis no Brasil: Construindo Capacidades”. Pesquisa “Mudanças Climáticas, Desigualdades Sociai s e Populações Vulneráveis no Brasil: Construindo Capacidades Construindo um projeto de cooperação O COEP, para implementação da proposta, procurou estabelecer um processo de cooperação com pesquisadores e instituições de renome no campo da ciência, da mobilização social e desenvolvimento de projetos, tendo em vista o caráter inovador e multidisciplinar da pesquisa. Para isso, convidou para fazerem parte da parceria o professor Renato Maluf, da CERESAN - Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional da UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e a pesquisadora Anna Peliano, da Área de Responsabilidade Social da Diretoria de Estudos Sociais do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A pesquisa conta, ainda, com a participação da COPPE/UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio do IVIG - Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais e tem o apoio da OXFAM e da Assessoria do Gabinete do Presidente da República. Na execução das diferentes ações, foram envolvidas universidades locais e outras organizações de ensino e pesquisa. Objetivos da Pesquisa Correlacionando as temáticas da mudança do clima e das desigualdades sociais, os trabalhos pretendem o desenvolvimento de tecnologia social voltada para processos que promovam a capacidade de prontidão e de reação de comunidades vulneráveis a conseqüências provenientes dos eventos climáticas extremos. Têm a perspectiva de oferecer elementos que contribuam para os debates que vêm sendo realizados sobre o assunto em diversos conselhos e espaços públicos no Brasil, como é o caso do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) que já incluiu o tema em sua agenda de discussões.

3 Coordenação do Programa: André Spitz, Gleyse Peiter e Sarita Berson

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Espera-se, também, traçar um primeiro perfil das práticas, propostas de ação, desafios e dificuldades de organizações brasileiras de grande porte, no que diz respeito ao tratamento do tema mudanças climáticas em associação com a questão do combate à pobreza. Desenvolvimento da pesquisa A pesquisa compreende duas frentes: subprojeto populações vulneráveis e subprojeto empresas. O subprojeto Populações Vulneráveis , coordenado pela Ceresan/UFRRJ4, tem como foco as questões dos impactos regionais e das vulnerabilidades de populações de baixa renda em diferentes biomas. A pesquisa será desenvolvida com base em três eixos, articulados entre si:

� Levantamento de documentos internacionais e nacionais de referência e das políticas nacionais relacionadas com a temática: síntese e implicações com vistas aos estudos de caso.

� Produção científica e questões em debate sobre a temática “mudança climática e desigualdades sociais”: levantamento e sistematização.

� Estudos de caso sobre a vulnerabilidade e capacidade de adaptação de populações selecionadas em quatro biomas.

As dimensões do país e o enfoque adotado levaram ao estabelecimento de um recorte espacial adequado para contextualizar a condição de diferentes grupos populacionais vulneráveis. Para o quê foram definidos quatro biomas nos quais foram selecionadas as populações vulneráveis, constituindo 05 estudos de caso.

Amazônico: populações ribeirinhas e indígenas Semi-árido: agricultores familiares Cerrado: agricultores familiares Mata Atlântica: periferia de duas grandes cidades - Rio de Janeiro e Florianópolis

Os estudos de caso, cada um cada um a ser realizado por equipe de pesquisa local, mas conduzidos de forma integrada, compreenderão três dimensões:

• Impactos – apresentação dos impactos prováveis nas áreas de estudo. • Vulnerabilidade – identificação dos fatores de vulnerabilidade ambiental e socioeconômica com

base em dados secundários e pesquisa de campo. • Gestão de risco – análise da percepção das populações estudadas, das dinâmicas sociais e

dos programas públicos específicos que afetam a construção de capacidade de adaptação aos impactos provenientes dos eventos climáticos extremos, com ênfase nas estruturas de governança e nos papéis das redes de política e do conhecimento

O subprojeto Empresas , coordenado pelo IPEA5, tem foco na atuação das organizações, considerando as dimensões de suas atividades e os impactos sobre populações vulneráveis, e compreende:

• Pesquisa piloto junto às organizações associadas ao COEP Nacional e outras empresas, visando a elaboração de seu perfil com relação ao assunto.

• Levantamento da legislação, normas e políticas vigentes / em implementação no Brasil e em outros países relacionada ao tema mudanças climáticas e à ação das empresas.

4 Coordenação do subprojeto populações vulneráveis: Renato S. Maluf e Teresa da Silva Rosa

5 Coordenação do subprojeto empresas – Anna Peliano, Luiz Fernando Lara Resende e Roberto Santana

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Resultados Esperados da Pesquisa � Mapear os impactos das mudanças climáticas sobre populações vulneráveis em um recorte de

quatro biomas. � Mapear as diferentes estratégias de adaptação das populações afetadas pelas mudanças

climáticas, identificando e difundindo as práticas identificadas. � Levantar documentos internacionais e nacionais de referência e das políticas nacionais

relacionadas com a temática de mudanças climáticas e populações vulneráveis. � Levantar legislação, normas e políticas vigentes / em implementação no Brasil e em outros

países relacionada ao tema mudanças climáticas e à ação das empresas. � Estimular a ampliação da ação das organizações no que diz respeito ao tema pela identificação

e difusão de modelos bem sucedidos. � Sensibilizar a sociedade como um todo para o tema, divulgando os resultados da pesquisa, por

meio de diferentes instrumentos, como: seminário, publicação escrita e na web, relatórios, releases etc.

Além de contribuir para a constituição de uma ampla rede especializada em mudanças climáticas e seus impactos sobre populações vulneráveis, o projeto servirá de base para fortalecer o protagonismo desses segmentos populacionais e municiar instituições governamentais, tanto locais como nacionais, com elementos para a formulação de políticas públicas na área socioambiental. Os resultados têm também a finalidade de auxiliar na sensibilização, qualificação e mobilização da rede de Organizações (Rede COEP), Pessoas (Rede Mobilizadores) e Comunidades (Rede de Comunidades), que constituem nossa Rede Nacional de Mobilização Social, para o desenvolvimento de ações concretas de adaptação e mitigação em mudanças climáticas, em comunidades de baixa renda, de todo o país.

Coordenação Geral do Programa

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Subprojeto Populações Vulneráveis

Projeto de Pesquisa Mudanças Climáticas e Desiguald ades Sociais no Brasil: impactos, populações vulneráveis e medidas de adapt ação

O mundo vem sendo colocado frente à necessidade incontornável de

compreender e atuar frente ao fenômeno da mudança no clima6, apesar de sua

caracterização, amplitude, principais causas e impactos estarem sob intensa

controvérsia internacional. Talvez de forma mais premente do que outras questões

ambientais, os impactos associados às mudanças climáticas criam a oportunidade

ou, mais propriamente, impõem a necessidade de revisar as bases do padrão de

desenvolvimento econômico no tocante ao modelo de uso dos recursos naturais que

tem sido adotado até hoje. A revisão dos próprios fundamentos desse modelo de

uso exige, quase sempre, a tomada de decisões radicais em todos os campos –

cultural, social, político, econômico e ambiental. Este requisito é tão mais verdadeiro

quando abordamos o fenômeno da mudança no clima desde uma perspectiva que

expõe os distintos graus de vulnerabilidade das populações, como o faz a pesquisa

aqui proposta.

Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança no Clima

(Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC) identificam os impactos

possíveis da mudança no clima na América Latina, já incluindo algumas áreas do

Brasil, entre as quais se destacam o Semi-árido nordestino e a Amazônia. Analistas

alertam para o fato de os estudos e as projeções de cenários ainda serem feitos em

escala muito ampla, pois se valem de modelos globais com significativa insuficiência

de informação em se tratando de escalas menores como, por exemplo, os

ecossistemas e os territórios. Dessas limitações resulta um grau de incerteza sobre

fenômenos possíveis no futuro. Ambas as razões, a saber, os impactos prováveis e

a carência de informações com menor nível de agregação evidenciam e justificam a

urgência de se realizar estudos com foco regional, territorial e local sobre a

capacidade de reação das populações aos impactos das mudanças climáticas.

Veremos, adiante, que já há estudos no Brasil que apresentam alguns resultados

nessa direção.

6 É de se notar o uso mais freqüente, na literatura e em documentos internacionais, da expressão ‘mudança no clima’ (climate change), enquanto que parece se consagrar no Brasil a expressão ‘mudanças climáticas’. Aparentemente, trata-se apenas de uma questão de tradução, embora a primeira expressão pareça mais adequada à natureza do fenômeno em questão.

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O presente projeto de pesquisa tem o objetivo geral de contribuir para o

avanço do conhecimento e da mobilização da sociedade brasileira em relação à

questão das mudanças climáticas. Em particular, pretende-se oferecer subsídios

para a construção de capacidades de resposta por parte de grupos populacionais

vulneráveis aos possíveis riscos advindos desse fenômeno. Adotando a perspectiva

da vulnerabilidade sócio-ambiental, a abordagem a ser desenvolvida incorpora um

recorte social no tratamento dos fatores de vulnerabilidade e da capacidade de

resiliência ou adaptação de populações selecionadas que poderão ser atingidas por

eventos causados pela mudança do clima. Nesses termos, a pesquisa procurará

identificar os modos pelos quais a pobreza, as desigualdades sociais e os modelos

de desenvolvimento iníquos e insustentáveis contribuem para ou causam a

vulnerabilidade de grupos populacionais no Brasil e isso dentro do contexto de

mudanças globais.

Com essa perspectiva, a pesquisa focalizará a vulnerabilidade de grupos

populacionais em áreas escolhidas em face dos impactos já verificados ou

esperados das mudanças climáticas com vistas a propor medidas possíveis para

atenuar tais impactos e para construir capacidade de adaptação no sentido de

tornar essas populações mais aptas à pronta reação. Esclareça-se que medidas de

mitigação com vistas a contribuir para a redução das emissões, eventualmente

aplicáveis nos casos estudados, serão abordadas apenas quando elas forem

inseparáveis do foco na capacidade de adaptação.

A pesquisa se desenvolverá em três eixos de trabalho. O primeiro deles será

dedicado à análise dos acordos internacionais e demais documentos de referência

em nível global e nacional, bem como sobre as principais definições contidas nas

políticas nacionais que guardam relação com essa temática, a começar pelo Plano

Nacional de Mudanças Climáticas. O segundo eixo de trabalho compreenderá um

mapeamento da produção científica nacional sobre mudanças climáticas e

vulnerabilidade social, destacando eventuais pontos de controvérsia entre os

estudiosos e na sociedade de modo geral.

O terceiro eixo de trabalho mobilizará instituições universitárias e de pesquisa

em cinco regiões do país com vistas a efetuar um diagnóstico da situação atual e

propor ações de adaptação (eventualmente, também de mitigação) às mudanças

climáticas das populações mais vulneráveis Os grupos populacionais a serem

estudados situam-se em contextos determinados e sua identificação resulta de dois

critérios. O primeiro se deve a que os objetivos da pesquisa tornam a noção de

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bioma7 uma referência inescapável para a contextualização e escolha das áreas, daí

que serão realizadas pesquisas em áreas rurais localizadas em três biomas distintos

de importância inegável (Amazônia, Caatinga e Cerrado). O segundo critério foi

contemplar áreas urbanas em regiões metropolitanas, definindo-se duas delas por

terem enfrentado episódios relevantes ou disporem de iniciativas nesse campo (Rio

de Janeiro e Florianópolis). As áreas escolhidas permitirão abranger, portanto,

populações rurais residentes no Semi-Árido nordestino, ribeirinhos, indígenas,

quilombolas, agricultores familiares e moradores da periferia de grandes metrópoles.

Acredita-se que os resultados a serem produzidos pelo presente projeto

oferecerão, também, subsídios valiosos para os formuladores de políticas públicas e

atores sociais não-governamentais nos âmbitos nacional e local quanto aos

impactos e informações sócio-ambientais importantes para a elaboração de

medidas públicas futuras.

1. Base conceitual

Nessa parte são apresentados os principais conceitos e definições a serem

mobilizados pela pesquisa no tocante, de um lado, à vulnerabilidade aos riscos

associados às mudanças climáticas e sua correlação com as desigualdades sociais

e outras iniqüidades associadas ao padrão de desenvolvimento e, de outro lado, à

perspectiva de construir capacidade de adaptação das populações mais vulneráveis

a tais riscos. Isso se dará a partir da compreensão das mudanças do clima como

questão ético-social situada no campo dos direitos humanos.

A dimensão ético-social da mudança do clima e o desafio da

transformação

Desde a década de 1970, a degradação ambiental é uma realidade cada vez

mais evidente com efeitos percebidos em diversos níveis. Ela tem sido apreendida e

estudada sob vários ângulos. Mais além da crítica ao padrão tecnológico, a

degradação ambiental questiona a insustentabilidade do modelo de

desenvolvimento da sociedade industrial e dos modos de vida que lhe

correspondem por demandarem um uso, cada vez mais intenso, dos recursos

naturais. Vale dizer, dado que o modelo de desenvolvimento e a degradação

7 De acordo com o IBGE, “bioma é um conjunto de vida (vegetal e animal) constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em uma diversidade biológica própria.” (Brasil-PNMC, 2008, p. 58).

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ambiental contemporânea estão intrinsecamente relacionados, a expansão desse

modelo acarretou a difusão dos problemas ambientais e de seus impactos para

todas as regiões do planeta.

A desestabilização do sistema natural como um todo inclui a desordem do

sistema climático em nível global que, nos nossos dias, vem ocorrendo devido ao

aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera (IPCC, 2007;

Rahmstorf, 2008; Edenhofer & Stern, 2009). Assumindo que a realidade é uma rede

complexa de sistemas interdependentes, qualquer alteração climática (bem como de

qualquer outro sistema, principalmente, daquele cuja capacidade de reação esteja

comprometida) acarreta uma desestabilização dos demais sistemas que compõem o

planeta, nem sempre perceptíveis aos seres humanos em dado momento ou lugar,

podendo levar esses sistemas a ultrapassarem seus limites, agravando os impactos

das referidas alterações (Edenhofer et al., 2008).

Os relatórios do IPCC (FAR/IPCC, 2007) apontam para o aquecimento do

planeta a partir da análise dos resultados de vários trabalhos científicos validados e

do consenso existente entre cientistas do clima participantes desse painel, cabendo

registrar o questionamento sobre a origem antrópica da variabilidade climática. A

propósito da origem antrópica das emissões de CO2 e do aquecimento global nos

últimos cinqüenta anos, Rahmstorf (2008) afirma que evidências atestam a origem

antropogênica do aumento de CO2, enquanto outras apontam para um impacto

futuro que poderá fazer a temperatura aumentar entre 1,5°C e 4,5°C, adotando-se

como média um aumento provável de 3°C como resultad o da duplicação da

concentração de CO2 na atmosfera8. Esse debate é recheado por várias perguntas

que parecem ser somente de caráter técnico: quais os níveis de estabilização de

emissão de CO2 para se ter um menor efeito do aquecimento? Quão fortes serão os

impactos devido ao aumento dos níveis de CO2? Quem são os atingidos, como

serão eles atingidos? Quais são as vulnerabilidades?

Se admitirmos, como nos mostra Rahmstorf (idem), que CO2 é um GEE e que

as atividades humanas estão na origem da concentração contemporânea de CO2 na

atmosfera, a diminuição das emissões de CO2 depende, diretamente, da

transformação dos comportamentos humanos, em especial dos padrões de

consumo, e das atividades econômicas9. Nesse sentido, as perguntas acima são,

8 Segundo esse autor, esses são valores consensuais, mesmo que para ele haja uma ligeira, porém, considerável alteração para 3° C ± 1,0° C (p. 48). 9 É interessante observar os dois gráficos, em anexo, que mostram as variações de temperatura entre o ano 1000 e 2100 e a variação da concentração de CO2, passada e futura.

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antes de tudo, questões políticas e éticas, nos remetendo a decisões sobre a

coexistência entre as pessoas, entre as nações e entre as nações/pessoas e a

natureza (Sachs, 2008).

Olhar a mudança do clima através de uma lente crítica ao desenvolvimento

coloca, assim, a discussão sobre clima em outro patamar e traz para o primeiro

plano sua dimensão social, perspectiva que evidencia o caráter ético da

transformação necessária de valores de nossa civilização, re-situando a mudança

do clima no cerne da dimensão dos direitos humanos (Sachs, idem). Afinal, a

variabilidade climática devida às taxas de CO2 acumuladas na atmosfera10 provoca

alterações de temperatura e precipitação, ameaçando as bases naturais de

sustentação de toda a vida no planeta, aumentando a pressão sobre os recursos

dos quais dependemos por sermos seres vivos. Por conseguinte, a obtenção de um

modo de vida (mais) digno, inclusive o enfrentamento da pobreza, fica também

ameaçada. De acordo com Sachs (2003), é sob esse ângulo do debate que poderá

vir a ser assegurada, ainda nos dias de hoje, a eqüidade de direitos à vida e, antes

de tudo, a sobrevivência, isto é, condições justas e dignas de vida das comunidades

no tempo presente. Daí que se coloca a necessidade de um desenho de políticas

públicas ancorado na sustentabilidade do desenvolvimento, na eqüidade social e na

justiça ambiental, tendo a diminuição de emissões de GEE como uma das suas

estratégias.

Nesses termos, o projeto ora apresentado tem, entre suas premissas, a

possibilidade de o enfrentamento do fenômeno da mudança do clima converter-se

em oportunidade de melhorar as condições de vida das c omunidades em

geral, mais particularmente, daquelas consideradas ‘vulneráveis sócio-

ambientalmente’ . Essa caracterização diz respeito ao fenômeno da dupla

exposição (double-exposure) das populações que, além de vulnerabilizadas

socialmente, são colocadas em situação de vulnerabilidade ambiental (O’Brien and

Leichenko, 2000). Voltaremos a essa noção adiante. Assim, as ameaças projetadas

em razão das mudanças do clima poderão colocar em situação de vulnerabilidade

as populações que já vivem em condições de vida extremas nas quais suas

necessidades fundamentais não são atendidas e seus meios de subsistência são

submetidos à exploração econômica irracional e irresponsável. Segundo Sachs

10 Vale lembrar que o CO2 acumulado na atmosfera nos últimos anos foi emitido, basicamente, por atividades realizadas nos países mais desenvolvidos, revelando um outro lado da questão que é o da equidade no uso de recursos naturais coletivos ao nível do cenário e das relações internacionais, pois o a emissão delas advindas faz uso de um bem de uso coletivo e essencial a vida..

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(2003), trata-se de uma interpretação que sublinha a análise da situação sob a ótica

dos direitos inalienáveis das populações que sofrem da pobreza e da humilhação,

incompatíveis com as demandas dos direitos humanos. A partir dessa visão, a

questão da mudança do clima se converte numa questão de direitos humanos. A

noção de dupla exposição vem ao encontro e reforça a perspectiva ética e dos

direitos humanos, oferecendo-nos a oportunidade de tratar as mudanças do clima

como temática ético-social.

Giddens (2009) aborda as mudanças climáticas como sendo, também, uma

questão política que renova a critica do capitalismo que teria desaparecido entre as

décadas de 1980 e 1990. No entanto, pode-se afirmar que a critica do capitalismo e

de seus fundamentos, tais como o produtivismo e a privatização de bens comuns

universais, esteve presente no pensamento critico do desenvolvimento,

principalmente, por meio da abordagem da sustentabilidade. Assim, com base na

referida abordagem crítica a melhoria das condições básicas de vida das

populações deve se dar na perspectiva de buscar a sustentabilidade ecológica do

desenvolvimento que atente para a diminuição da emissão de gases de efeito

estufa. Não se pode deixar de considerar a natureza e a capacidade de recuperação

de seus sistemas como uma referência para um novo modelo de desenvolvimento

que substitua aquele atualmente em prática que, por ultrapassar os limites atuais do

sistema natural, esta, comprovadamente, na origem da crise ambiental

contemporânea. Isso demanda a incorporação das questões climática e ambiental

mais geral de modo transversal na formulação de políticas setoriais com vistas a

que as atividades humanas usem, de modo ecologicamente racional e responsável,

os recursos naturais e se tornem menos emissoras CO2.

O enfoque adotado nesse estudo é o de que, tal como outras questões

ambientais, as mudanças do clima são uma oportunidade concreta não só de

implantar medidas de mitigação de curto e longo prazo visando diminuir as

emissões de gases de efeito estufa, como também medidas de adaptação voltadas

para a melhorias de infra-estrutura (visando aquelas menos emissoras de CO2 e

capazes de enfrentar eventos extremos) e para o empoderamento (empowerment)

das populações, preparando-as para reagirem prontamente às situações de

estresse. Ou seja, com base no processo de construção de capacidades, as

populações consideradas como vulneráveis às variabilidades do clima terão

melhores condições de reagir aos eventos extremos tanto pelo aspecto físico da

maior adequação da infra-estrutura as suas necessidades, como pelo aspecto social

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do envolvimento das organizações e lideranças locais na estruturação de

estratégias, algumas delas já colocadas em prática em outros contextos.

Veremos adiante que os efeitos da variabilidade climática já podem estar

sendo sentidos11. As situações que temos vivido nos últimos tempos em diferentes

partes do Brasil sugerem um quadro de despreparo. De um lado, as autoridades

locais e nacionais e as populações atingidas diretamente parecem despreparadas

para fazer face aos efeitos inesperado dos eventos pela demora em reagir. De outro

lado, a ciência parece não dispor de meios mais efetivamente voltados para prever

e informar, com maior grau de certeza, a dimensão dos mesmos. Ultimamente, tanto

as chuvas que assolaram o Norte, o Nordeste e Sul, quanto a seca que afligiu o Sul

e o Nordeste, mostram, também, que as pessoas não são igualmente atingidas por

eventos climáticos (Sachs, 2003) : nem todas as pessoas são atingidas e, quando o

são, o são de maneiras diferentes em função das suas vulnerabilidades.

Enfim, trata-se de incorporar as desigualdades sociais na questão da

mudança do clima, sendo uma dentre as várias questões ambientais que se

apresenta, por diversas razões, como sendo oportuna para tratar o processo de

desenvolvimento dentro da abordagem da sustentabilidade. Mais do que isso, ao

contextualizá-la no âmbito dos direitos humanos, emerge a perspectiva de

construção de capacidades das comunidades vulneráveis como estratégia de

mobilização e gestão do risco frente aos eventos climáticos extremos.

Na direção da transição para um mundo menos impactante e mais

sustentável ecologicamente, outros valores e princípios são evocados.

Solidariedade, precaução, responsabilidade e participação deveriam balizar a

transformação cultural numa perspectiva de justiça ambiental, conforme aponta

Sachs (2008). Pensar na transformação cultural sob a lente das mudanças

climáticas significa pensar no papel do ser humano não apenas enquanto integrante

de um sistema social, mas antes de tudo como integrante de um sistema global que

é o planeta, implicando, assim, rever o modelo de desenvolvimento calcado no uso

intensivo de recursos naturais e, principalmente, de fontes de energia não

renováveis, emissoras de GEE.

Para finalizar, observe-se que estamos às vésperas de mais uma rodada de

discussão promovida pelas Nações Unidas em Copenhagen, em dezembro 2009,

num contexto em que os debates estão, cada vez mais, focalizando a questão 11 O relatório do IPCC (FAR/IPCC, 2007) contém projeções com tendências já observáveis. Mais recentemente,um relatório da OXFAM (2009) apresenta algumas histórias de pessoas afetadas pelo fenômeno. .

Page 14: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

14

energética da transição antes referida. O que se espera da comunidade

internacional é um esforço (maior) em prol do que alguns chamam de progressivo

“desarmamento do carbono” ou ainda uma sociedade “livre de carbono” (carbon-

free) ou sua “descarbonização” (de-carbonization). O modelo atual é altamente

emissor de carbono através dos diversos gases causadores de efeito estufa.

Diminuir essas emissões implica revisar nossos atuais modos de vida (Edenhofer et

al, 2008). A justificativa para tanto não se limita ao valor intrínseco aos seres

humanos e aos riscos a que estão submetidos, mas se deve também a sua

contribuição enquanto parte de um todo e dos riscos impelidos ao sistema natural -

sistema que sustenta a vida de todos os seres vivos.

Vulnerabilidade, risco e desigualdades sociais

Cada vez mais freqüentes e inusitados, alguns dos desastres naturais

recentes têm sido associados ao fenômeno da mudança do clima, tais como os

ciclones, as tempestades, as enchentes e as secas que têm ocorrido em várias

partes do mundo, inclusive em território brasileiro. A pesquisa adotará a definição de

mudança do clima que consta do quarto relatório do IPCC (FAR/IPCC, 2007: 3): “O

termo mudança do clima usado pelo IPCC refere-se a qualquer mudança no clima

ocorrida ao longo do tempo, devida à variabilidade natural ou decorrente da

atividade humana. Esse uso difere do da Convenção-Quadro das Nações Unidas

sobre Mudança do Clima, em que o termo mudança do clima se refere a uma

mudança no clima que seja atribuída direta ou indiretamente à atividade humana,

alterando a composição da atmosfera global, e seja adicional à variabilidade natural

do clima observada ao longo de períodos comparáveis de tempo”.

Os desastres referidos colocam, muitas vezes, em risco não só os

ecossistemas como também provocam distúrbios às comunidades locais e setores

econômicos. Vimos, antes, que as populações não são atingidas da mesma maneira

pelos eventos extremos, assim como não reagem a eles igualmente por terem

capacidades e habilidades diferentes de se adaptarem aos impactos. Afinal, vários

fatores estão aí envolvidos, desde a existência de uma boa infra-estrutura básica

capaz de atenuar as conseqüências dos impactos, até a própria conscientização da

população para o problema.

Portanto, trata-se de analisar a condição de vulnerabilidade dos diferentes

grupos sociais. Para Füssel e Klein (2006), vulnerabilidade é o grau em que os

Page 15: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

15

sistemas geofísicos, biológicos e sócio-econômicos são suscetíveis à, ou incapazes

de lidar com o impacto adverso da mudança do clima. O termo vulnerabilidade

pode, portanto, se referir à vulnerabilidade do próprio sistema (por exemplo, ilhas

com terras baixas ou cidades costeiras), ao impacto no sistema (inundação de

cidades costeiras e terras agrícolas ou migração forçada) ou ao mecanismo

causador desses impactos (desintegração da camada de gelo da Antártida

ocidental) (IPCC, 2007: 783).

A conceituação de O’Riordan (apud Braga et al, 2006) enfatiza a dimensão

social e atenta para a combinação de vários fatores, ao definir vulnerabilidade a

desastres naturais como “(...) a incapacidade de uma pessoa, sociedade ou grupo

populacional de evitar o perigo relacionado a catástrofes naturais ou a condição de

ser forçado a viver em tais condições de perigo. Tal situação decorre de uma

combinação de processos econômicos, sociais, ambientais e políticos.” (p. 2). Na

mesma direção, Alves (2006) recorre à categoria vulnerabilidade sócio-ambiental

para tratar da combinação de duas dimensões que se expressa na coexistência ou

sobreposição espacial entre grupos populacionais muito pobres e com alta privação

(vulnerabilidade social) e áreas de risco ou degradação ambiental (vulnerabilidade

ambiental). Ao estudar o município de São Paulo, esse autor constatou que os

grupos sociais com maiores níveis de pobreza e privação social, portanto, com

menor capacidade de reação às situações de risco, tendem a residir nas áreas com

maior exposição ao risco e à degradação ambiental.

Apesar da vulnerabilidade não ser exclusivamente devida à pobreza (O’Brien

& Leichenko, 2000), existe algum consenso segundo o qual as populações mais

expostas, hoje, aos desastres naturais e que, provavelmente, sentirão mais os

impactos da mudança climática global são aquelas vivendo nos países em

desenvolvimento. Admite-se que as categorias mais afetadas são as populações

mais pobres (Wijman & Timberlake, 1984 apud Cardona, 2003) e, entre elas, as

mulheres, crianças e idosos (Brasil-PNMC, 200812). Neste sentido, Cardona (2003)

lembra que aspectos sociais como a pobreza são fatores contribuintes para maior

vulnerabilidade, embora não haja equivalência plena entre ambas as condições. Isto

o leva a afirmar que a redução da vulnerabilidade dos grupos e populações mais

pobres está condicionada à satisfação das suas necessidades básicas. O que,

segundo Alves (id.), representa um desafio a políticas públicas devido à referida

Page 16: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

16

sobreposição ou acumulação de problemas sociais e ambientais. Por isso, a

necessidade de se estudar os fatores que tornam uma população vulnerável. Em

outras palavras, estudar as maneiras pelas quais a pobreza, as desigualdades

sociais e o desenvolvimento injusto e insustentável contribuem para ou causam a

vulnerabilidade em cada contexto específico.

Cabe reproduzir as caracterizações de populações vulneráveis contidas no

Plano Nacional de Mudanças Climáticas, elaborado com a participação de setores

governamentais e da sociedade civil, e também no FAR/IPCC, já que ambos os

documentos são norteadores do presente projeto de pesquisa:

i. “De forma geral, as populações mais pobres e com piores índices de

desenvolvimento são as mais vulneráveis à mudança do clima, a qual vem

intensificar problemas ambientais, sociais e econômicos já existentes.” (Brasil-

PNMC, 2008: 102);

ii. “As indústrias, assentamentos humanos e sociedades mais vulneráveis são,

em geral, os localizados em planícies de inundação costeiras e de rios, aqueles

cujas economias estejam intimamente relacionadas com recursos sensíveis ao

clima, e aqueles em áreas propensas a eventos climáticos extremos, especialmente

onde esteja ocorrendo uma rápida urbanização. [...] As comunidades pobres podem

ser especialmente vulneráveis, em particular aquelas concentradas em áreas de alto

risco. Elas costumam ter capacidade de adaptação mais limitada e são mais

dependentes dos recursos sensíveis ao clima, como a oferta local de água e

alimento.” (FARC/IPCC, 2007: 10)

Com sentido análogo ao de vulnerabilidade sócio-ambiental, O’Brien &

Leichenko (2000) sugerem a noção antes referida de dupla exposição (double

exposure), para ressaltar o fato de essas populações estarem expostas: a) às

circunstâncias sócio-econômicas desfavoráveis – reforçadas pelo processo de

globalização – por apresentarem os mais baixos índices de desenvolvimento; b) a

um outro processo global que se expressa em eventos naturais extremos. Elas

estão, potencialmente, mais vulneráveis à mudança do clima porque às condições

precárias de vida pré-existentes se sobrepõem os danos causados pelos eventos

climáticos. A dupla exposição está na base da chamada vulnerabilidade sócio-

ambiental.

A noção de dupla exposição constitui um dos critérios de seleção dos grupos

sociais a serem estudados na presente pesquisa. Ela contempla a vulnerabilidade e

o risco associados à fragilidade das características sócio-econômicas e ambientais

Page 17: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

17

de uma dada população (Cardona, 2003). No mesmo sentido, Jacobi (1995)

observa haver uma relação direta entre serviços públicos precários ou ausentes

(como água, esgoto e coleta de lixo) e maior exposição a riscos ambientais.

Acrescente-se, ainda, o risco dessas populações à exposição de doenças que são,

diretamente, relacionadas a eventos meteorológicos extremos. Este é o caso de

epidemias, como a de leptospirose, relacionadas as inundações provocadas por

fortes e intensas chuvas de verão (Confalonieri, 2003). Ou seja, risco,

vulnerabilidade e desastres estão, intrinsecamente, relacionados com

características estruturais da sociedade.

O presente projeto de pesquisa parte da premissa que as mudanças

climáticas globais são uma realidade para a qual a sociedade brasileira e que as

populações mais vulneráveis de seu território deverão estar preparadas para

enfrentar as situações delas decorrentes. Para tal, necessário se faz estabelecer,

através de estudo mais contextualizado, três aspectos relativos à vulnerabilidade e

risco (Moser, 1998; Cardona, 2003):

i. exposição das populações aos desastres naturais decorrentes das mudanças

climáticas, como ciclones, enchentes e secas;

ii. susceptibilidade dos grupos sociais e sua predisposição a danos frente aos

eventos;

iii. capacidade de reação ou de resiliência destas populações consideradas

vulneráveis a tais desastres.

Nesses termos, a abordagem da pesquisa englobará a análise da situação

sócio-econômica das populações vulneráveis em áreas selecionadas, combinada

com os impactos possíveis constantes na literatura, por sua vez, derivados dos

cenários estabelecidos pelo IPCC/SRES (Nakicenovic et al. 2000) e adotados em

seus relatórios (TAR, 2001; FAR, 2007). O que se procura é verificar a capacidade

de resposta daquelas populações aos possíveis riscos advindos de eventos

climáticos extremos.

Construção de capacidades de adaptação

Segundo Giddens (2009), a adaptação foi, por muito tempo, abordada como

sendo o “primo pobre” das medidas de redução de emissões e até mesmo um tabu

entre os ambientalistas. Apesar de o IPCC contar com um grupo de trabalho

Page 18: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

18

dedicado a essa questão, o autor afirma que foi apenas a partir da reunião de Bali

(dezembro de 2007) que a adaptação passou a ser, de maneira geral, tomada mais

a sério. É verdade que falar de adaptação para cientistas sociais pode soar como

sendo uma ação retrógrada, de conformar ou acomodar pessoas a uma dada

situação. Talvez essa seja uma das razões para a pouca atenção e os ainda raros

estudos sobre adaptação no Brasil13. No entanto, há que reconhecer que a

complexidade da dimensão social da questão climática pode, também, ter

influenciado esse interesse tardio e a maior ênfase na mitigação. Tanto quanto a

mitigação, as medidas de adaptação são um dos importantes pilares (building

blocks) da dimensão social da questão climática, desde que orientadas para

responder as conseqüências futuras. Mitigação é essencial, mas a adaptação é

inevitável, não podendo estar somente a cargo de forças políticas, sociais ou

comerciais, é uma ação conjunta (UNFCCC, 2006).

Para tratar da capacidade de adaptação é preciso estabelecer, inicialmente, a

diferenciação entre duas dinâmicas:

i. adaptação induzida pelas ações e políticas públicas, que constitui o objeto

principal da pesquisa, na medida em que ela está voltada para a construção de

capacidades de adaptação, ou seja, adota uma perspectiva pro-ativa e não apenas

reativa (Giddens, 2009). Essa perspectiva, também conhecida como abordagem

institucional (institutional approach, UNFCCC, 2006), volta-se para o planejamento

de estratégias de médio e longo prazo que contribuam para a sua maior resiliência,

feito por instituições públicas e privadas.

ii. adaptação espontânea ou autônoma (autonomous approach, UNFCCC,

2006), posta em marcha por indivíduos ou coletividades, cuja identificação também

interessa à pesquisa inclusive pelo que ela nos informa sobre o grau de percepção e

o entendimento do fenômeno pela população.

O Plano Nacional de Mudanças Climáticas define adaptação como “... uma

série de respostas aos impactos atuais e potenciais da mudança climática, com

objetivo de minimizar possíveis danos e aproveitar as oportunidades” (Brasil-PNMC:

102). O mesmo Plano afirma que “A capacidade de adaptação de um sistema

depende basicamente de duas variáveis: a vulnerabilidade, que é reflexo do grau de

suscetibilidade do sistema para lidar com os efeitos adversos da mudança climática,

13 Veremos, adiante, que uma das linhas de pesquisa prevista se volta para fazer um levantamento da produção nacional. Ver também o site do Ministério de Ciência e tecnologia - http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/4567.html . Na base de dados do National communication support program (UNDP/UNEP/GEF) onde cada país deve comunicar informações quanto mitigação, a vulnerabilidade e adaptação, nenhum dado sobre o Brasil foi encontrado – http://ncsp.undp.org/reports.cfm consultado em 13/07/2009.

Page 19: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

19

e da resiliência, ou seja, da habilidade do sistema em absorver impactos

preservando a mesma estrutura básica e os mesmos meios de funcionamento”

(Idem: 102). O quarto relatório do IPCC (FAR/IPCC, 2007), por sua vez, relaciona a

capacidade de adaptação (à mudança do clima) ao desenvolvimento social e

econômico, definindo-a como a capacidade de se ajustar às mudanças ocorridas de

modo a diminuir os estragos, aproveitar as novas situações, reagindo, assim, às

conseqüências advindas dos eventos climáticos e não climáticos.

Em linha com a consideração da dimensão ética das mudanças do clima,

tomaremos a adaptação como um processo de construção de capacidades que visa

preparar comunidades vulneráveis para o enfretamento das conseqüências da

variabilidade climática. A capacidade de adaptação diz respeito à capacidade de

resiliência das populações a eventos extremos. Emprestado da Ecologia, o termo

resiliência, se refere, no nosso contexto, à capacidade de resistir, de reagir e de

tratar as instabilidades causadas pela variabilidade climática.

Segundo Homer-Dixon (2009), a construção da resiliência em um sistema

complexo como é o social, constitui uma estratégia para evitar catástrofes. Para

tanto, se faz necessário maior flexibilização dos componentes sistêmicos às novas

contingências, já que suas respostas, muitas vezes, demandam uma mudança

cultural fundada no fortalecimento das conectividades sistêmicas, haja vista tratar-se

de ação envolvendo todos os componentes de uma comunidade14. Por isso, o

processo de construção das medidas de adaptação demanda, inicialmente, um

diagnóstico do grupo populacional, identificando e mapeando as vulnerabilidades

sócio-ambientais, para então se vislumbrar as respostas a essas vulnerabilidades,

isto é, o modo como as comunidades estarão de prontidão e reagirão a variabilidade

climática e como elas se organizarão para o seu enfrentamento. Assim, não se pode

pensar em resiliência sem antes apontar as vulnerabilidades (Giddens, 2009).

O foco principal na adaptação deve ser acompanhado, como dito

anteriormente, da consideração das medidas de mitigação. O PNCC define

mitigação como “... as mudanças e substituições tecnológicas que reduzam o uso

de recursos e as emissões por unidade de produção, bem como a implementação

de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e aumentem os

sumidouros de carbono” (Brasil/PNMC, 2008: 28). Há uma ampla gama de políticas

e instrumentos reconhecidos pelo IPCC (FAR/IPCC, 2007) como capazes de criar 14 Observação recolhida durante conferência dada pelo Prof. T. Hower-Dixon (da Balsillie School of International Affairs, University of Waterloo (Canadá) sobre “Climate Change and the Renewal of Civilisation”, durante o encontro “The Great Transformation - climate change as cultural change”realizado em Essen (Alemanha) em Junho de2009.

Page 20: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

20

medidas de mitigação em diferentes setores. O mesmo documento sugere quatro

critérios para avaliar as diretrizes das políticas e respectivos instrumentos: eficácia

ambiental, eficácia em relação a custos, efeitos de distribuição, inclusive a

eqüidade, e viabilidade institucional.

Um aspecto fundamental é o caráter local das medidas de adaptação a

serem tomadas, evidenciando sua estreita conexão com as características culturais,

sociais, econômicas e ecológicas (IPCC, 2007). Esse ponto está bastante claro no

Plano Nacional: “As ações de adaptação - ao contrário da mitigação, que tem seus

resultados refletidos em níveis globais - são percebidas, normalmente, no local onde

acontecem, o que acaba conferindo à adaptação um elevado grau de

especificidade, dificultando que ações de adaptação tomadas em determinado local

sejam fielmente replicadas em outras regiões do globo que possuem características

sócio-econômicas e ambientais distintas” (Brasil-PNMC, 2008: 102).

A escala das ações de adaptação, dependendo do método adotado, pode ser

definida nos âmbitos nacional, estadual, regional, municipal e de bacia hidrográfica.

No entanto, a escolha das medidas de adaptação está condicionada aos impactos

das vulnerabilidades (climáticas e sócio-econômicas) e das práticas de adaptação

existentes no grupo social em questão. Isso vem reforçar a idéia anterior da relação

entre desenvolvimento e adaptação: “A adaptação passa, portanto, por promover

melhores condições de moradia, alimentação, saúde, educação, emprego, enfim, de

vida, levando em consideração a interação entre todos os aspectos e características

locais, inclusive as ambientais. É consenso entre os estudiosos que a promoção do

desenvolvimento sustentável é o modo mais efetivo de aumentar a resiliência à

mudança climática.” (Idem: 102).

Para tanto, é necessário haver um planejamento das ações de adaptação e

de mitigação que tenham como foco a busca da sustentabilidade e da justiça sócio-

ambiental, e que contemplem também a meta de redução das emissões. Segundo o

Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD (PNUD-RDH, 2008: 17315), os

fundamentos para um plano exitoso de adaptação às mudanças climáticas pode ser

sintetizado em quatro i´s:

i. Informação para um planejamento efetivo;

ii. Infra-estrutura para provas climáticas (climate-proofing);

iii. Seguro (insurance) para gestão de risco social e redução da pobreza;

iv. Instituições para a gestão de risco de desastres. 15 in http://hdr.undp.org/en/media/HDR_20072008_EN_Chapter4.pdf, consultado14/10/2008.

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21

Contudo, alerta o mesmo relatório, um bom plano de adaptação às mudanças

climáticas não é suficiente para superar os problemas relacionados com iniqüidade

e marginalização (Idem: 172). A avaliação das vulnerabilidades é o primeiro passo.

O conhecimento necessário acerca de uma comunidade remete para as causas da

vulnerabilidade que, como vimos anteriormente, estão ligadas as suas

características sócio-econômicas.

Por isso, a questão da adaptação tem sido considerada muito mais

enfaticamente como um processo de construção da capacidade das populações se

adaptarem aos impactos, como foi dito anteriormente. Segundo Lemos (2007), a

construção de capacidade de reação é mais crucial como foco de pesquisa e de

políticas públicas do que as ações de adaptação, em função das incertezas relativas

às mudanças futuras. Isto significa abordar este processo, antes de tudo, como

construção política da cidadania, na medida em que ele contribuirá para o

empoderamento dos indivíduos e, por conseguinte, de mobilização da comunidade

para, imediatamente, reagir às conseqüências.

Ainda de acordo com Lemos (id.), essa compreensão nos remete a uma

noção mais complexa de adaptação como duplo processo. Após a etapa da

identificação das vulnerabilidades, um segundo foco estaria voltado para a gestão

do risco, mobilizando e, envolvendo, portanto, instituições e organizações locais na

estruturação e na implementação de planos de alerta (preparedness plans),

sistemas de alerta e ajuda emergencial, por exemplo, para mitigar os impactos mais

imediatos. O terceiro foco estaria voltado para a busca de soluções para as causas

da vulnerabilidade, o que exige uma reforma de peso em termos sócio-econômicos

e políticos, visando aumentar a capacidade de resiliência das populações.

Paralelamente à busca de soluções, não se pode esquecer as respostas aos efeitos

da variabilidade climática que requerem estratégias de enfrentamento. Esta

abordagem da adaptação exige, assim, uma ação conjunta de instituições

governamentais, privadas e associativas onde a comunidade tem o papel mais

fundamental (Lemos and Agrawal, 2006; Giddens, 2009).

A mesma autora identifica três fatores centrais para que as estratégias de

gestão de risco contribuam para a construção de sistemas gerais de resiliência para

além de impactos climáticos específicos. Primeiro, a adoção pelos formuladores de

política dos princípios de boa governança16 no desenho e implementação de

16 Essa noção se tornou bastante genérica e abrangente, incluindo critérios variados que se remetem ao processo político. No contexto acima, compreendemos que os seus princípios seriam a pluralidade política, a eficiência e transparência das

Page 22: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

22

mecanismos de gestão de risco. Na direção da boa governança e da participação

social, o segundo fator é o papel crítico desempenhado pelas redes de política e a

matriz de base reformista que as orienta. O terceiro fator é o papel polarizador do

conhecimento no sentido tanto de isolar, como de democratizar a tomada de

decisões (Lemos, 2007).

Note-se que esse tipo de enfoque contempla a relevante preocupação

levantada por Sen (PNUD/RDH, 2008) no sentido de que se adote um enfoque de

intervenção construtiva. Sen propõe que não sejam reduzidas a matérias

tecnocráticas para cálculos “formulaicos” questões como as mudanças climáticas

que envolvem reflexão e avaliação social deliberativa, além das incertezas que

cercam o tema.

É importante deixar claro que esta abordagem não invalida nem marginaliza

as políticas públicas e ações locais outras, como as voltadas para a recuperação e a

conservação de ecossistemas. Ao contrário, considera necessária uma ação

conjunta que atente, também, para esta questão, afinal a biodiversidade “presta

serviço” igualmente importante ao contribuir para o seqüestro de CO2. Tendo papel

importante na mitigação dos efeitos, os ecossistemas, ao sofrerem impactos,

provocarão, conseqüentemente, uma mudança considerável nos padrões de uso

dos recursos naturais feito pelas populações. A reação dos sistemas naturais

dependerá da vulnerabilidade e da resiliência de cada um dos ecossistemas,

podendo ter uma repercussão, no curto prazo, sobre aquelas comunidades que

dependem mais diretamente dos recursos naturais.

Enfim, o processo de construção da capacidade de reação em nível local

difere, fundamentalmente, das ações políticas usuais no país, as quais estão

voltadas somente para os sintomas de situações emergenciais e não agem

diretamente sobre as raízes da vulnerabilidade. Portanto, este modo usual não é

eficiente na mobilização das comunidades, pois, ao invés de torná-las

independentes, participativas e responsáveis, as colocam em situação de maior

dependência de estruturas políticas retrógradas e paternalistas, quer dizer,

tornando-as mais vulneráveis. Em outros termos, provocadas por um modelo de

desenvolvimento injusto e insustentável e reforçadas por políticas públicas

retrógradas, as desigualdades sociais poderiam aumentar sob uma situação de

decisões políticas e a participação dos mais variados atores e instituições, visando resultados aceitáveis do Estado e da sociedade civil (Fonseca e Bursztyn, 2009)

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23

emergência em face do baixo poder de reação aos eventos climáticos extremos por

parte das populações vulneráveis.

Por fim, mas não menos importante, cabe registrar o importante alerta

lançado pelo Arcebispo Desmond Tutu (PNUD/RDH, 2008) para uma imperfeição de

linguagem resultante dos diferentes significados de “adaptação”, já que por

adaptação podemos estar nos referindo tanto a um processo indolor para pessoas

dos países ricos quanto a processos muito penosos para os pobres. Em alguns dos

seus usos, adaptação tornou-se um eufemismo de injustiça social, colocando o risco

de se estar criando um apartheid social na adaptação às mudanças climáticas. “A

única solução para as mudanças climáticas é a mitigação urgente”.

2. Cenários, impactos e riscos possíveis

Apresenta-se, nessa parte, uma síntese dos cenários, impactos e riscos

possíveis advindos das mudanças climáticas em âmbito global e, especificamente,

na América Latina e no Brasil.

Cenários globais

Os cenários de emissão de GEE estabelecidos no Special Report on

Emission Scenarios (Nakicenovic et al., 2000) são empregados para a análise das

mudanças climáticas, seus impactos, riscos e possíveis medidas de mitigação. Os

referidos cenários levaram em consideração fatores econômicos e ambientais, nos

níveis global e regional, chegando a quatro cenários básicos (famílias), a partir de

diferentes premissas quanto a evolução das dimensões sócio-econômica,

demográfica, tecnológica e ambiental. Os cenários são:

� A1 - tendência de rápido crescimento econômico, com crescimento

demográfico e introdução de novas tecnologias;

� A2 - mundo heterogêneo, com crescimento econômico regionalmente

orientado;

� B1 - mesmas características demográficas do cenário A1, porém, com a

economia mais voltada para os serviços e foco na sustentabilidade e na eqüidade;

� B2 - mundo voltado para soluções locais, com ênfase na sustentabilidade,

nível médio de crescimento econômico e menor introdução de novas tecnologias

Page 24: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

24

O pior cenário futuro, tendo como horizonte o ano 2100, é aquele com

impactos projetados mais severos provenientes de emissões que não teriam sido

alteradas, num contexto de crescimento econômico e demográfico e com uso

intenso de combustíveis fósseis. Acredita-se que este cenário tem menor chance de

ocorrer, principalmente, se os compromissos internacionais assumidos pelos países

forem colocados em prática. Tudo isso é ainda um quadro de incertezas devido à

falta de conhecimento mais detalhado, a escala temporal e espacial dos modelos e

a própria complexidade da área de climatologia quando relacionada ao

comportamento do sistema sócio-econômico.

América Latina

Os países da América Latina não fazem parte da lista de países do Anexo 1

do Protocolo de Kyoto, ou seja, aqueles países que assumiram o compromisso de

redução ou de limitação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) com vista a

2012. A emissão de GEE desta região equivale a 6% da emissão global de GEE17,

sendo ela também uma das regiões que incluem países considerados como mega-

diversos18 (Brasil19, Colômbia, Peru, Equador e México). Este é um ponto chave

dentro da discussão de emissão e seqüestro de GEE, pois as florestas têm um

importante papel na mitigação da mudança climática.

Paralelamente, o fato de a matriz energética dos países latino-americanos ter

na hidroeletricidade uma importante fonte de geração de energia constitui aspecto

igualmente relevante tanto por ter baixo padrão de emissão (3% das emissões

mundiais20) como também para possíveis respostas de mitigação. Ao tratar da

matriz energética, é inevitável mencionar o debate internacional sobre os agro-

combustíveis que, no caso do Brasil, tem suscitado críticas pelos possíveis impactos

dos cultivos de matéria-prima para energia na segurança alimentar e em biomas

como a Amazonia e o Cerrado. No centro da discussão se encontra o cultivo da

cana-de-açúcar para a produção do etanol, combustível que apresenta a vantagem

de reduzir em 90% a emissão de GEE em comparação com a gasolina.

O Quarto Relatório de Avaliação do IPCC apresentado pelo Grupo de

Trabalho II “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade” (FARC, 2007) dedica um 17http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/NEWS/0,,contentMDK:21932327~pagePK:34370~piPK:34424~theSitePK:4607,00.html, consultado em 15 10 2008. 18 Myers et al., 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403, 853-858 | doi:10.1038/35002501 19 No Brasil, são dois os hotspot de biodiversidade: o cerrado e a mata atlântica. (http://www.biodiversityhotspots.org/Pages/default.aspx; consultado em 02 07 2009). 20 http://web.worldbank.org/ id.

Page 25: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

25

capítulo à América Latina. Nele, estão listados os vários impactos para a região,

entre os quais destacam-se:

a. milhões de latino-americanos poderão ser afetados pela questão

da água;

b. as populações situadas em áreas costeiras poderão ser

impactados pela elevação do nível do mar e por eventos extremos

intensos;

c. possível redução da biodiversidade por força das mudanças que

irão ocorrer nos padrões de uso do solo em função de alterações

climáticas.

Quanto às florestas tropicais úmidas da região, elas deverão diminuir a sua

área (entre 20 e 80%) em função do aumento de temperaturas, podendo chegar em

algumas áreas a um processo de desertificação. É também esperado o risco de

aumento do número de casos de dengue, entre outras doenças ligadas a alterações

climáticas, em países como o Brasil, México, Peru e Equador.

No relatório do Grupo de Trabalho I sobre as bases das ciências físicas

(200721), a temperatura e a precipitação estão no centro das discussões sobre os

impactos a nível regional tendo por base o cenário A1 – muito rápido crescimento

econômico, aumento demográfico e grande introdução de tecnologias mais

eficientes. O relatório apresenta uma projeção do aumento da temperatura entre 1 a

4°C ou entre 2 a 6°C. Um impacto positivo apresentado é o aumento de área

adequada ao plantio de soja na região, o que poderia levar a região a ser

responsável por 57% da produção mundial. No entanto, todas estas alterações

poderão comprometer o desenvolvimento sustentável da região, com o aumento da

migração do campo para as áreas urbanas e a conseqüente pressão demográfica,

as desigualdades sociais geradas pela elevação do desemprego, e as doenças

infecciosas nestas áreas.

O caso do Brasil

De acordo com a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, o

Brasil não tem obrigações com relação à redução das emissões de GEE. O que o

país tem é a obrigação, como todas as partes da referida Convenção, de 21 http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1 consultado em 24/10/08. Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M. Tignor and H.L. Miller (eds.). Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 996 pp.

Page 26: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

26

estabelecer inventários de emissão de GEE visando subsidiar políticas públicas que

busquem a redução das suas emissões. E, sobretudo, a responsabilidade, enquanto

ator do cenário internacional, de contribuir com decisões mais concretas voltadas

para mitigar a vulnerabilidade da sua população através do aumento da sua

capacidade de adaptação.

O Brasil tem procurado responder ao seu compromisso internacional não só

com a definição de leis e de políticas ambientais relacionadas à questão climática22,

mas também por meio do estabelecimento de uma estrutura de articulação e de

discussão sobre ações, como a Comissão Interministerial de Mudança Global do

Clima – CIMGC/MCT, Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade

Ambiental/MMA e o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.Outra ação crucial foi

a publicação do Inventário Nacional de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases

de Efeito Estufa23 não Controlados pelo Protocolo de Montreal24, que faz referência

a dados do ano-base 1994. A aplicação da metodologia para produzir inventários do

IPCC (a última versão é a editada por Eggelston et alli., 200625) ao caso brasileiro

apresenta limitações devido, principalmente, à ausência de dados nacionais

capazes de satisfazerem as demandas das equações para o cálculo de emissões

propostas pela metodologia em questão. A inadequação, inexistência e

desatualização de dados nacionais demandam uma ação coordenada no sentido de

estimular a produção e difusão de dados científicos, como previsto no Plano

Nacional de Mudanças Climáticas (Brasil, 2008).

Contudo, este inventário mostra que as emissões brasileiras têm um perfil

diferenciado do perfil de países desenvolvidos. Em termos de CO2, as emissões são

mais importantes no setor Agricultura, Floresta e Uso do solo/AFOLU (75% do total

das emissões inventariadas), devido, principalmente, à mudança do uso do solo por

conversão de florestas para fins agropecuários. Alta nos países industrializados, a

emissão de CO2 por uso de combustíveis fósseis, no Brasil, é pequena graças a sua

matriz energética, onde são cruciais os papéis das hidrelétricas e dos usos de álcool

no transporte e do bagaço da cana e carvão vegetal na indústria.

22 Uma lista de legislações nacionais sobre o tema é disponibilizada no site do Ministério da Ciência e Tecnologia/MCT - http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/21299.html (15/10/2008). 23 Neste inventário são estimados os seguintes GEE: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6); e os GEE indireto: os óxidos de nitrogênio (NOx), o monóxido de carbono (CO) e outros compostos orgânicos voláteis não metânicos (NMVOCs). 24 http://unfccc.int/kyoto_protocol/items/2830.php 25 Eggelston, S. ; Buendia, L. ; Miwa, K. ; Ngara, T; and .Tanabe, K.. 2006 IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories. Published by the Institute for Global Environmental Strategies (IGES), ISBN 4-88788-032 4 http://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/index.html

Page 27: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

27

O setor agropecuário é o maior responsável pelas emissões de dois outros

gases: CH4 (10.161 Gg) equivalente a 77% das emissões totais, das quais 92% são

provenientes da fermentação entérica de rebanho ruminante (gado bovino); N20

(503 Gg) equivalendo a 92% de emissões advindas do uso de fertilizantes nos solos

agrícolas e de dejetos animais em pastagem.

Apesar de todas as limitações dos dados e da necessidade de sua

atualização, fica clara neste inventário a importância do setor AFOLU nas emissões

e seqüestro de GEE no país. Considerando a continuidade do modelo de

desenvolvimento fundamentado no crescimento econômico, na liberalização do

mercado e altamente impactante, o quadro das emissões atuais pode ter sofrido

pouca alteração de lá pra cá. Está previsto o lançamento de novo inventário

nacional até o final do ano 200926, visando à próxima conferência internacional em

Copenhagen.

Os dados do primeiro inventário foram os utilizados como referência para a

elaboração do Plano Nacional de Mudança Climática, cuja perspectiva é dar um

direcionamento a outras políticas no sentido de implementarem ações voltadas “...

para mitigar as emissões de gases de efeito estufa geradas no Brasil, bem como

àquelas necessárias à adaptação da sociedade aos impactos que ocorram devido à

mudança do clima.” (PNMC, 2008: 28). Como serão atingidos não apenas setores

sociais, mas todos os setores econômicos, as decisões não se restringem àquelas

adotadas no âmbito das políticas públicas e devem, ademais, serem tomadas de

forma integrada e contextualizada objetivando sua sustentabilidade sócio-ambiental.

Para tanto, a pesquisa científica, nas suas mais diversas áreas, tem uma

grande contribuição no sentido de “... traçar uma estratégia que minimize os custos

sócio-econômicos de adaptação do País.” (Idem: 11); requer-se, também, o

fortalecimento das instituições para o desenvolvimento de estudos em impactos,

mitigação, vulnerabilidade e adaptação. O plano ressalta que essas decisões

dependem de a sociedade reconhecer o problema, compreender a dinâmica das

múltiplas forças que o provocam, se definir como parte da solução e se ver como

beneficiária das decisões tomadas. Nessa perspectiva, se insere o foco aqui

priorizado sobre as populações vulneráveis e sua capacidade de adaptação aos

impactos provocados pelas mudanças climáticas, dadas as razões descritas

anteriormente.

26 O MMA brasileiro divulgou na mídia a elaboração de um novo inventário nacional a ser finalizado até julho de 2009 – in http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=ascom.exibe&idLink=6527 (consultado em 05/04/09).

Page 28: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

28

Diferentes razões tornam ainda incertos os cenários e impactos prováveis no

Brasil, dificultando a análise da vulnerabilidade e, por conseguinte, a elaboração de

proposta de medidas de adaptação. Algumas regiões do país são citadas no

FARC/IPCC como sofrendo impactos advindos das alterações de temperatura e

precipitação, a saber:

� Nordeste e Sudeste – desaparecimento provável de mangues devido a

alteração do nível do mar

� Norte/ Amazônia – perda de espécies florestais; processo de savanização

na sua parte oriental

� Centro-Oeste – perda de espécies florestais do cerrado devido ao aumento

previsto de 2°C

� Nordeste – aumento da aridez e da escassez de água

� Sudeste – redução da área de terras adequadas ao plantio de café

Como assinalado no relatório do IPCC (2007) e reafirmado no Plano Nacional

de Mudanças Climáticas (2008) e pela comunidade científica no país, esforços para

incrementar as pesquisas multidisciplinares e interdisciplinares no país são

essenciais a fim de:

i. ampliar o conhecimento científico sobre esta questão de caráter

interdisciplinar, o que exige a composição de grupos de pesquisa multidisciplinares;

ii. propiciar maior opção de informações científicas e sócio-econômicas que

poderão ser utilizadas pelos formuladores de políticas públicas; e, com tudo isso,

iii. potencializar o processo de sensibilização e de mobilização da população no

enfrentamento dos impactos climáticos.

3. Das controvérsias à ação

No tocante às controvérsias que animam a comunidade científica e a

sociedade em geral, vamos destacar dois pontos de ordem geral nesse campo. O

primeiro deles tem caráter preliminar, pois questiona o próprio fenômeno que está

na origem da temática ao negar a validade dos diagnósticos sobre a mudança do

clima e sua mais notória expressão que é o aquecimento global. Uma síntese das

duas teses sobre o aquecimento global pode ser encontrada em dois artigos

reunidos em Veiga (2008).

De um lado, Oliveira (2008) apresenta as bases geradas pelas pesquisas no

âmbito da ciência do clima que permitem sustentar a tese do aquecimento global e

Page 29: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

29

de que esse aumento se deve, em parte, às atividades humanas através das

emissões de gases de efeito estufa, embora reconheça as incertezas que ainda

prevalecem sobre haver uma relação direta de causa e efeito entre essas emissões

e o aquecimento.

De outro lado, Molon (2008) crítica as conclusões sobre ter sido

antropogênico (e não natural) o aquecimento global ocorrido nos últimos 150 anos.

Assim, ele questiona as simulações baseadas em modelos de clima global, como os

utilizados pelo IPCC, que concluem pela intensificação desse fenômeno, chegando

a levantar a possibilidade inversa do resfriamento global nos próximos 20 anos. Isto

não o leva a negar a necessidade da adoção de políticas de conservação ambiental

e de mudanças nos hábitos de consumo.

O presente projeto não desconhece essa e outras controvérsias e as

incertezas das atuais projeções climáticas que, porém, não constituem seu objeto.

Parte-se da premissa ressaltada em vários documentos que a ciência do clima lida

com probabilidades e riscos e não com certezas. Portanto, a pesquisa recorrerá aos

diagnósticos e iniciativas nas esferas acadêmica e governamental que tornaram a

mudança climática uma questão prioritária na agenda pública nacional, com vistas a

avaliar a vulnerabilidade de grupos sociais aos seus impactos.

O segundo ponto de controvérsia, mais diretamente relacionado com o objeto

da presente pesquisa, diz respeito à contraposição entre conservação da natureza e

uso de recursos naturais decorrente do requisito de desenvolvimento para enfrentar

a pobreza, questão subjacente a boa parte dos debates internacionais e nacionais.

Tratando das tensões entre os defensores do desenvolvimento e da redução da

pobreza e os que argumentam a favor da ecologia e da preservação ambiental, Sen

(2008) afirma que o enfoque do desenvolvimento humano na expansão das

liberdades essenciais à vida humana implica uma concepção de desenvolvimento

que não ignora as questões ecológicas e ambientais, estabelecendo uma correlação

entre as liberdades cruciais para a qualidade de vida e a integridade do meio-

ambiente. Contudo, alerta que o meio ambiente não pode ser visto como o estado

da “natureza”, na medida em que ele engloba as condições naturais pré-existentes e

os resultados da ação humana. Assim, o valor do ambiente corresponde ao que

existe acrescido das oportunidades que oferece, levando-o a propor um foco que

acrescenta ao preenchimento das necessidades humanas (Relatório Brundtland) o

alargamento da liberdade de fazer e de preservar.

Page 30: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

30

A reflexão aqui proposta se calca sobre a necessidade de agir, hoje, de modo

responsável e solidário, com vistas a um projeto de sociedade sustentável, de um

lado, contribuindo para a redução de emissões de CO2 e, de outro, dando conta das

possíveis situações climáticas extremas. Mais do que isso, propõe-se tomar a

questão da mudança do clima como oportunidade para enfrentar, simultaneamente,

os fatores que estão na origem da dupla exposição ou vulnerabilidade das

populações. Essa perspectiva dá conta do chamado “paradoxo de Giddens”,

segundo o qual desde que os perigos do aquecimento não sejam nem tangíveis

nem visíveis e nem imediatos no nosso cotidiano, hoje, vários são aqueles que vão

se sentar e nada fazer, somente aguardar que as mudanças do clima se tornem

visíveis, tangíveis e imediatas, quando, então, poderá ser tarde demais para agir

(Giddens, 2009 , p 2). Não se pode aguardar um futuro “tarde demais” para agir,

ainda mais quando se tem em conta a enorme desigualdade social que ainda

caracteriza nossa sociedade, injusta em todos os níveis. Além de ser injusto com as

gerações futuras, o adiamento da ação pode levar a um aumento dos impactos,

riscos e vulnerabilidades no futuro que poderiam ser evitados ou diminuídos através

da adoção imediata de medidas de mitigação e de adaptação (Füssel, 2008).

4. Pesquisas e iniciativas em curso no Brasil

O segundo eixo de trabalho do projeto de pesquisa realizará um mapeamento

da produção científica nacional sobre mudanças climáticas e vulnerabilidade social,

destacando eventuais pontos de controvérsia entre os estudiosos e na sociedade de

modo geral. Levantamento ainda preliminar do “estado da arte” na área científica e

das organizações não-governamentais, apresentado a seguir, revela que ainda são

poucos os trabalhos de pesquisa no Brasil sobre mudança climática que incorporam

um recorte social. A escassez de pesquisas correlacionando essa temática com as

desigualdades sociais pode ser explicada por ser recente a incorporação desse

tema na agenda brasileira.

O levantamento preliminar revelou também a fragmentação do conhecimento

científico e dos estudos desenvolvidos, um indicativo de problemas de comunicação

num campo do conhecimento que requer boa coordenação e difusão da produção

científica para que se possa elaborar planos de ação eficientes. Podemos assinalar,

também, que informações sobre pesquisas e seus resultados poderão vir a ser

obtidas, também, através de contatos com pessoas chaves engajadas no

Page 31: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

31

movimento ambientalista ou neste campo científico. Como conclui o mapeamento

realizado pelo Instituto Vitae Civilis (Russar, 200827) apresentado adiante, é ainda

pequeno número de grupos de pesquisa que abordam a questão climática de forma

sistemática em suas pesquisas. Muita notícia é veiculada, também, através de

newsletters de sites ambientalistas, onde aparecem chamadas cada vez mais

ligadas ao debate sobre o clima.

Apresentam-se, a seguir, os resultados já obtidos com o levantamento

preliminar.

Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPQ

Levantamento feito no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq resultou em

58 grupos que indicam como palavra-chave ‘mudança climática’. Cruzando essa

palavra com outras nove palavras que remetem a aspectos importantes para a

presente pesquisa (adaptação; mitigação; cenário; vulnerabilidade; impacto; grupo

social; bioma; desigualdades; pobreza), chega-se ao resultado apresentado no

Gráfico 1. Destaque-se que apenas um dos 58 grupos correlaciona mudanças

climáticas com ‘pobreza’ e nenhum com ‘desigualdades sociais’.

Gráfico 1: Total de grupos de pesquisa por categoria pesquisada a partir da

palavra-chave ‘mudança climática’

00,5

1

1,52

2,53

3,54

4,5

ad

ap

tac

ao

mit

iga

ca

o

ce

na

rio

vu

lne

rab

ilid

ad

e

imp

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to

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bio

ma

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sig

ua

lda

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s

po

bre

za

mu

da

nc

a

cli

ma

tic

a

mudanca c limatic a

Fonte: Plataforma Lattes – Diretório de Grupos de Pesquisa; consulta feita entre 6-

16/10/2008

27 Russar, J.A. M.. Panorama de atores e iniciativas no Brasil sobre Mudanças do Clima. Born, R.H. (superv.), Morrow Gaines Campbel III (colab.). São Paulo: Vitae Civilis, Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz (apoio OXFAM Internacaional e The Ford Foundation, out.2008.

Page 32: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

32

Associação Brasileira de ONG’s (ABONG)

A ABONG28 é a principal associação que congrega as organizações não

governamentais atuantes no Brasil. Em sua base de dados, na página “Perfil das

Associadas”,foram identificadas 41 ONG’s que declaram ter interesse em meio

ambiente. Destas, no item “missão” desse perfil, nenhuma menciona “mudança

climática” como tema de interesse central (gráfico 2). Surpreendentemente, esse

dado não espelha a prática de algumas das ONG’s afiliadas à associação. Afinal, há

organizações (como Greenpeace29 e outras) com notório interesse nesse tema, o

que pode denotar um foco outro no preenchimento do perfil pelas associadas ou

pela ABONG. Contudo, é significativa a ausência de referência explícita ao tema na

missão dessas organizações.

Gráfico 2: Temáticas centrais identificadas no item “missão” das ONG’s com

interesse em meio ambiente registradas na ABONG (2008)

Temática central das missões das ONGS sgd base de d ados ABONG

20

2 24

2

97

32

42

5

outros

agr familiar

agrecologia

cidadania

democracia participativa

Dessustentável

direitos

gênero

inclusão social

meio ambiente

políticas públicas

qualidade de vida

Scielo Brasil

28 http://www.abong.org.br/ 29Ver: http://www.greenpeace.org.br/clima/flash/pop_brasil.html.

Page 33: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

33

Levantamento feito na base de dados Scielo Brasil usando as palavras

“mudança climática”, “mudanças climáticas” e “climate change”, foram identificados

21 artigos científicos que as colocaram como palavras chaves. No Scielo Social

Sciences, somente dois artigos indicaram “mudanças climáticas” como palavra

chave.

No campo da pesquisa científica, cabe destacar duas delas de interesse

particular para o presente projeto. A primeira delas, intitulada “Análise da

vulnerabilidade da população brasileira aos impactos sanitários das mudanças

climáticas”, foi realizada pela Fiocruz e Abrasco (Confalonieri, 200730) com o

objetivo de construir um índice global de vulnerabilidade associando informações

climáticas e sócio-econômicas. Os estados do Nordeste apresentaram o maior

índice de vulnerabilidade enquanto os da região Sul os menores índices. A segunda,

intitulada “Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola do Brasil”,

de responsabilidade da Embrapa e Unicamp (Assad e Pinto, 200831) sustenta que o

aquecimento global pode implicar na migração de plantas para novas regiões, além

de provocar perdas nas safras de grão se nenhuma medida de mitigação ou de

adaptação for tomada. Por exemplo, o Semi-Árido pode não ser mais área de

plantio da mandioca, as geadas tendem a diminuir favorecendo o plantio de

produtos tropicais no lugar da soja, enquanto que a área de cana poderá dobrar.

Mapeamento de atores e iniciativas

Mencione-se, por fim, recente mapeamento de atores e iniciativas no Brasil

relacionadas com a mudança climática (Russar, 2008). No que se refere ao

Governo Federal, o trabalho constatou o envolvimento mais sistemático de três

Ministérios (Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente), bem como

do Conselho Nacional de Meio-ambiente e do Fórum Brasileiro de Mudança

Climática. O Congresso Nacional dispõe de Comissão Mista Especial e conta com

uma Frente Parlamentar Ambientalista. Ressalte-se o significativo número de

projetos de lei em tramitação em diversos estados e capitais brasileiras.

O levantamento revela ser ainda limitado o número de instituições de

pesquisa e universidades que tenham envolvimento sistemático com o tema. Já no 30 In http://www.mct.gov.br/upd_blob/0014/14534.pdf (consultado em 07 10 2008). 31 Assad, E. e Pinto, H. (coords.). Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola do Brasil. São Paulo: Embrapa/Agorpecuária e Cepagri/Unicamp, 2008.

Page 34: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

34

campo das organizações e movimentos sociais, elas contam, desde 1990, com um

Fórum Brasileiro para o meio-ambiente e o desenvolvimento, onde há um grupo de

trabalho específico sobre clima, bem como de um Observatório do Clima, entre

outras iniciativas. Quanto ao setor privado, registram-se várias iniciativas

relacionadas com o tema. Destaque-se o caso particular do setor do agronegócio no

qual a interpretação majoritária considera a questão das mudanças climáticas um

obstáculo ao (seu) desenvolvimento.

5. Matriz analítica

Nessa parte é apresentada uma proposta de matriz analítica que orientará a

pesquisa – particularmente, os estudos de caso – e que será discutida e

aprofundada com as equipes regionais. Ao mesmo tempo em que identifica e

articula conceitos e referências básicas da pesquisa, a matriz tem também o intuito

de difundir entre essas equipes conteúdos básicos de documentos de referência

sobre a questão climática no Brasil. Trata-se, portanto, de uma forma inicial de

orientar as equipes regionais no desenvolvimento das pesquisas de campo com

dados e informações, cientificamente, validados.

5.1. Documentos de referência da matriz analítica

Fontes dos dados e das informações constantes da matriz, os cinco

documentos selecionados são referências para a questão climática no país. Três

deles discutem o assunto no contexto específico do Brasil, apontando para

projeções de mudanças climáticas e os seus impactos em três setores selecionados

para a presente pesquisa – biodiversidade, agricultura e saúde. Ainda que as

informações acessadas através desses estudos sejam, muitas vezes, de âmbito

nacional e/ou regional, eles servem como orientação para ações mais locais. São

eles:

� Assad, E. e Pinto, H. (coords.). Aquecimento global e a nova geografia

da produção agrícola do Brasil. São Paulo: Embrapa/Agropecuária e

Cepagri/Unicamp, 2008.

� Confalonieri, U. E. C. e Marinho, D. P. . Mudança Climática Global e

Saúde: Perspectivas para o Brasil. In Revista Multiciência, Campinas, 8 -

Mudanças Climáticas, Maio 2007, 48-64.

Page 35: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

35

� Marengo, J. A.. Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a

biodiversidade: caracterização do clima atual e definição das alterações

climáticas para o território brasileiro ao longo do século XXI / José A.

Marengo – Brasília: MMA, 2006.

Além deles, incluímos, também, informações contidas no Plano Nacional de

Mudanças Climáticas (Brasil/PNMC, 2008), principalmente, aquelas referentes aos

programas já implantados ou em elaboração, aqui considerados como exemplos de

medidas de mitigação e de adaptação. Por último, foram adicionadas mais algumas

informações sobre as projeções climáticas para a América Latina, algumas

específicas para o Brasil, com base no documento elaborado pelo grupo de trabalho

II do IPCC sobre impactos e adaptação referido a seguir: :

� Magrin, G. et alli., Latin America. Climate Change 2007: Impacts, Adaptation

and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment

Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. In: Parry, M.L. et

alli. (eds.), Cambridge (UK), Cambridge University Press, 2007, 581-615.

As informações incorporadas no corpo da matriz fazem referência explícita a

cada uma das fontes, e as células preenchidas de forma objetiva e resumida,

procurando facilitar o seu uso e interpretação pelas equipes regionais. As

informações encontram-se, também, diferenciadas para os três biomas e regiões

metropolitanas, conforme critério de escolha das áreas adotado pela pesquisa.

Vejamos uma breve síntese de cada documento:

1. EMBRAPA, 2008: estudo de Assad e Pinto (2008) sobre a nova geografia da

agricultura no Brasil, onde são analisados os impactos prováveis em cultivos

considerados importantes para o país, em termos econômicos e sociais, a saber:

algodão, arroz, café, cana, feijão, girassol, mandioca, milho e soja; esse estudo

recorreu aos cenários do IPCC (2007) como base para as projeções

apresentadas.

2. PNMC, 2008: Plano Nacional de Mudanças Climáticas, aprovado em dezembro

de 2008 após consulta pública. Mesmo não tendo obrigações de redução de

emissões pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima,

o país tem compromissos assumidos no cenário internacional e a

responsabilidade de coordenar as ações nessa área com um foco nas medidas

mitigadoras de diferentes setores econômicos. Nesse plano, encontramos ainda

dados sobre o primeiro inventário brasileiro, os impactos e vulnerabilidades além

do que ele aponta algumas possibilidades de adaptação, citando programas

Page 36: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

36

brasileiros implantados ou a serem implementados. Esse não é um trabalho

científico e os seus dados são os do relatório do IPCC (2007).

3. Confalonieri e Marinho, 2007: estudo sobre as conseqüências da variabilidade

climática na saúde brasileira e as vulnerabilidades nos dias de hoje.

4. IPCC, 2007: relatório de Magrin et all (2007) sobre as previsões de mudanças de

clima, onde são apresentados possíveis impactos para a América Latina e

alguns poucos para o Brasil.

5. Marengo, 2006: estudo sobre os impactos climáticos na biodiversidade brasileira,

basicamente a partir de dados muitas vezes não gerados no país.

Recorrentemente citadas nos documentos, as dificuldades tanto com relação

a fragmentação dos dados para as projeções de mudanças, quanto com relação às

incertezas dos modelos e dos impactos em setores vulneráveis, ainda são bastante

grandes. Isso nos levou a acrescentar uma coluna alertando sobre essas

dificuldades que, resumidamente, apontam para:

� a falta de uma estrutura institucional mais adequada para tratar a questão

climática de forma sistêmica, como é o caso da integração da temática nas

diferentes políticas públicas setoriais; e

� o (ainda) pouco investimento no Brasil para o desenvolvimento interdisciplinar da

ciência, favorecendo o diálogo entre ciências sociais e ciências físicas, voltado

para o tratamento da questão e de seus efeitos em nível mais local. Essa

carência se reflete, por exemplo, na fragmentação das informações produzidas,

no problema dae escala de produção de dados e na falta de cenários e modelos

climáticos para o país.

As dificuldades de tratar a temática advêm do próprio desenvolvimento da

ciência numa área de conhecimento onde as interpelações entre os diferentes

sistemas terrestres são tão diversas que a produção de informações exige um

esforço conjunto entre cientistas tanto das ciências físicas quanto das ciências

sociais. Isso torna bastante complexo o campo da mudança climática, já que para

responder aos novos e inesperados problemas climáticos tem-se que lidar com

informações e dados de caráter diverso e com elevado grau de incerteza, a serem

revistos constantemente em função de alterações e/ou respostas de outros sistemas

onde ocorram novas mudanças. Além disso, depende-se do uso de tecnologias que,

quanto mais avançadas, mais são capazes de responder com maior precisão às

incertezas.

Page 37: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

37

Devido a essas razões, as informações até agora produzidas e apresentadas

em relatórios vêm sendo consideradas como validadas cientificamente. Além do

próprio uso do método cientifico na análise de dados e na produção de

conhecimentos sobre o clima, essas informações passam por um processo (muitas

vezes, complexo e conflitivo) de aceitação pela comunidade cientifica , onde os

pares referendam o conhecimento como sendo aceitável. O processo de produção

de relatórios sobre as mudanças do clima e mais especificamente sobre o

aquecimento global, tal como o do IPCC, é bastante intenso e envolto em grandes

debates entre os pesquisadores, demandando um esforço conjunto dos mesmos

para tratar de uma quantidade e diversidade informações produzidas em diferentes

lugares e difundidas por diversos grupos científicos.

5.2. Elementos da matriz

Contexto sócio-espacial

Como antecipado na introdução desse projeto, adotou-se um critério de

contextualização sócio-espacial com duas referências, a saber, três dos mais

importantes biomas existentes no Brasil (Amazônia, Caatinga e Cerrado) e a

condição peculiar das regiões metropolitanas, uma delas em área de Mata Atlântica,

a saber:

BIOMAS REGIÕES METROPOLITANAS Amazônia Rio de Janeiro Caatinga/Semi-árido Florianópolis Cerrado

Esclareça-se que o bioma Caatinga, nesse projeto, terá como referência a

região do Semi-árido nordestino, com base na delimitação adotada pela

EMBRAPA32 segundo a qual o Semi-árido (denominação morfo-climática)

compreende o conjunto das unidades geo-ambientais do bioma Caatinga.

Para cada uma dessas cinco unidades sócio-espaciais são, inicialmente,

apontadas as mudanças climáticas projetadas pelos cenários adotados pelos

estudos referidos anteriormente a partir das alterações dos padrões de precipitação

e temperatura, bem como as mudanças “não-climáticas” de natureza sócio-

econômica e ambiental constantes na literatura consultada.

32O Semi-Árido foi delimitado pela EMBRAPA, em 1991. In http://www.asabrasil.org.br/ (consultado em 30.04.09).

Page 38: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

38

5.3. Duas entradas: mudanças climáticas e setores d e impacto

Além das referências aos três biomas e duas regiões metropolitanas que

serão objetos da pesquisa, a matriz está composta também por dois elementos que

podem ser considerados como suas duas entradas principais:

i. mudanças projetadas – climáticas e não climáticas

ii. setores vulneráveis – água, biodiversidade, agricultura e saúde

humana

As variabilidades do clima causarão impactos em setores considerados

vulneráveis por serem colocados em situação de risco, até mesmo nos dias de hoje.

Foram escolhidos como “setores de impacto” a serem avaliados os quatro setores

vulneráveis antes referidos, entre os vários usualmente abordados pela literatura

(IPCC, 2007 e ORNEC, 200733). O IPCC elenca o que considera como

vulnerabilidades chaves associadas a muitos sistemas sensíveis ao clima, como,

por exemplo, oferta de alimentos, infra-estrutura, saúde, recursos hídricos e

sistemas costeiros (IPCC, 2007: 783). O Observatório Francês sobre os efeitos do

Aquecimento Climática/ONERC (2007) também sugere dez setores.

A seguir, apresenta-se uma listagem comparativa das três referências:

Setores vulneráveis

IPCC (2007): setores com exemplos

IPCC (2007): setores-chaves

Mitigação Adaptação

ONERC (2007) Setores-chaves

Projeto Pesquisa: setores de impacto

Água Energia Água Água Água Alimento Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura/Alimento

Saúde Lixo Saúde Saúde Saúde Ecossistemas Indústria Transporte Biodiversidade Biodiversidade

Ciclos biogeoquímicos

Transporte Turismo Risco

Infra-estrutura Construção Infra-estrutura Energia e indústria

Costa energia Transporte Camada de gelo Habitação

Circulação de oceanos

Turismo

Circulação da atmosfera

Seguros e bancos

Apesar de os quatro setores selecionados terem relevância inquestionável,

sua escolha não foi totalmente arbitrária já que há outros igualmente importantes.

Desde logo, a delimitação em quatro setores visou dar exeqüibilidade à pesquisa.

33 ONERC/Observatoire National sur les Effets du Réchauffement Climatique. Stratégie Nationale d’adaptation au changement climatique. Paris: La documentation française, 2007.

Page 39: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

39

Dentro desse limite, pretendeu-se abranger dois componentes essenciais da vida

das populações rurais que são o acesso à água (como alimento e recurso produtivo)

e a produção agrícola de alimentos, bem como um terceiro componente que

interessa ao conjunto da população que é a saúde humana. A eles foi acrescentado

um quarto setor igualmente importante que remete à questão ambiental que é a

biodiversidade.

A disponibilidade de água constitui uma das dimensões mais destacadas e

presente nas análises dos possíveis impactos da mudança do clima, sendo,

inclusive, a precipitação utilizada como um dos principais indicadores de alterações

no clima. A essa perspectiva acrescentamos a questão do acesso difuso à água,

direito bastante comprometido em vários contextos em nosso país. Vimos que sobre

a produção de alimentos já se dispõe de um estudo nacional que aponta para uma

nova geografia da produção agrícola no Brasil (Assad e Pinto, 2008). Além das

repercussões em termos de quantidades agregadas de produção, importa ressaltar

as implicações da eventual redistribuição dos cultivos em termos do

comprometimento de produtos de subsistência (mandioca, feijão e arroz) em áreas

(territórios) sensíveis. Outro setor para o qual também se dispõe de avaliação de

âmbito nacional é o da biodiversidade (Marengo, 2006). Nele são encontradas

projeções em escala regional e as perspectivas para os principais ecossistemas

brasileiros e as populações que neles habitam.

No que se refere à saúde, Fens (2007) chama a atenção para as ameaças à

saúde humana como aspecto crucial do risco de desastre climático, implicando

considerar a vulnerabilidade humana (igualmente diferenciada) aos impactos34.

Nesse sentido, propõe uma abordagem que incorpore a vulnerabilidade física

(exposição física) em conjunto com a vulnerabilidade social (suscetibilidade aos

impactos).

A escolha dos estudos de caso teve a preocupação de que fossem

contemplados, no conjunto deles, os quatro setores de impacto antes referido, ainda

que eles não estejam todos presentes em cada caso. Como será visto no item de

interpretação da matriz, há interfaces entre os setores de impacto, de modo que a

identificação dos impactos específicos a cada um deles deve ser acompanhada da

consideração dos efeitos recíprocos ou conjuntos. Por exemplo, os impactos

esperados com relação à água e aos alimentos repercutem sobre a saúde humana,

34 A Organização Mundial da Saúde estimou que s mudanças climáticas podem provocar até 150 mil mortes anuais e cinco milhões de casos de doenças (Marengo, 2006).

Page 40: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

40

os impactos na biodiversidade sobre os alimentos. Relacionada com essa

característica, ressalte-se a importância de se adotar um enfoque territorial, na

medida em que esses quatro setores têm repercussões em âmbito territorial – por

exemplo, a repercussão da diminuição da vazão de um rio para as populações

ribeirinhas ou para a biodiversidade – bem como são “territorializados” os efeitos

recíprocos ou conjuntos antes mencionados.

Por último, mas não menos importante, a abordagem da pesquisa implica

considerar que a correlação entre as mudanças futuras previstas para cada uma

das cinco unidades de observação (biomas e regiões metropolitanas) e os quatro

setores escolhidos (água, alimentos, biodiversidade e saúde humana) é mediada

pela vulnerabilidade sócio-ambiental dos grupos populacionais em questão, tanto

em termos de impactos quanto da capacidade de adaptação e das medidas de

mitigação. Por exemplo, a problemática da água não é igual para todos os

habitantes da região do Semi-árido. Ou seja, a vulnerabilidade tem um caráter local

que no caso do sistema social é dependente das características do seu contexto

cultural (Idem: 785), o que nos leva a indagação do como cada população irá reagir

face as vulnerabilidades dos setores-chaves.

5.4. Modelo da matriz e referências para sua interp retação

Para cada um dos biomas, há disponibilidade parcial e desigual de

informações relativas a:

i. projeções de mudanças climáticas para temperatura e precipitação;

ii. projeções de mudanças não-climáticas ambientais e sócio-econômicas;

iii. setores com relação aos impactos e vulnerabilidades;

iv. ações já existentes localmente, mostradas na matriz como exemplos de

medidas de adaptação;

v. medidas possíveis de mitigação citadas nos estudos consultados.

A seguir, apresenta-se um modelo da referida matriz analítica com todos os

elementos que a compõem (Figura 1).

Figura 1 – Matriz analítica (modelo)

Page 41: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

41

Note-se que ela se encontra dividida em duas grandes partes. A primeira

parte contém as projeções para as mudanças climáticas e mudanças não climáticas,

enquanto que a segunda discrimina os setores vulneráveis e os possíveis

impactos/vulnerabilidades dos mesmos, bem como traz exemplos de medidas de

adaptação e mitigação. A leitura da matriz deve ter em conta que essas partes

dialogam entre si, conforme mostrado pelas setas vermelhas e azuis.

A matriz contém informações validadas pela literatura selecionada sobre cada

um dos elementos acima, de modo que as atividades junto às populações

vulneráveis a serem desenvolvidas pelas equipes regionais estarão informadas por

projeções contidas em documentos de referência legitimados pela comunidade

científica, como é o caso do relatório do IPCC (2007), bem como pelos

conhecimentos existentes a respeito dos efeitos climáticos sobre cada um dos

setores vulneráveis ou setores de impacto escolhidos nesse estudo. Estima-se que

as equipes regionais aportarão, também, outros conhecimentos já produzidos sobre

tais setores e, quando houver, especificamente sobre os contextos que estudarão. A

pesquisa visa avaliar como os setores afetados pela variabilidade climática atingirão

as populações em estudo e de como elas poderão melhor reagir, desde a

Page 42: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

42

perspectiva de construir capacidade de resiliência dessas populações a partir das

lacunas, riscos e vulnerabilidade identificadas nas comunidades. Assim, a

realização dos estudos de caso permitirá maior detalhamento da referida matriz na

medida em que sejam incorporadas informações dos grupos populacionais

específicos estudados em cada um dos cinco contextos sócio-espaciais e, quando

se aplicar, também dos ecossistemas em que eles se localizam.

Para melhor compreender o funcionamento da matriz analítica proposta, faz-

se necessário abordar algumas questões subjacentes a ela. A abordagem do clima,

por ser recente e ainda pouco usual, vale-se de noções bastante especificas e

algumas vezes difíceis de serem compreendidas pela sociedade em geral, as quais

é importante ter em mente para abordar a questão climática como um todo e não

apenas para a leitura da matriz.

Quando tratamos de cenários, temos que ter claro que estamos falando de

projeções de um futuro potencial baseados em argumentos lógicos e

quantificáveis35. Assim, um primeiro aspecto diz respeito à própria noção de cenário.

Esses cenários dependem de variáveis (driving forces36) e suas possíveis alterações

futuras para poder se obter uma projeção com relação às emissões de GEE. Pelo

menos dois dos cenários do IPCC/SRES são os mais considerados: o cenário mais

pessimista (A2 BAU- business as usual) – que supõe a evolução do nível atual de

crescimento econômico, sem qualquer preocupação ambiental; o cenário mais

otimista (B2) onde há uma ênfase na sustentabilidade das atividades humanas.

Segundo os cenários desenvolvidos até agora por pesquisadores do IPCC37, as

projeções de mudanças do clima (MC) apontam para possíveis alterações nos

padrões atuais de temperatura e precipitação.

A segunda noção é a de incerteza, uma característica própria das questões

complexas, como é o caso das questões ambientais, e que fica mais evidente

quando se trata da mudança do clima, pois, nesse caso, tratamos de possibilidades

futuras que dependem da interdependência de diversas variáveis acontecerem ou

não. As projeções podem parecer, hoje, inconsistentes e incertas devido às

dificuldades apontadas no tópico anterior. Por essa razão, a ciência, em especial a

35 http://sedac.ciesin.columbia.edu/ddc/sres/. 36 São elas: usos do solo, agricultura, população, economia, tecnologia e energia. Segundo Nakicenovic, N. et al (2000). Special Report on Emissions Scenarios: A Special Report of Working Group III of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press, Cambridge, U.K., 599 pp. Available online at: http://www.grida.no/climate/ipcc/emission/index.htm 37 Ver a sessão desse documento sobre Cenários, impactos e riscos. O site a seguir mostra um resumo explicativo dos cenarios contidos Special Report on Emissions Scenarios usados para o TAR/Thrid Assessment Report (2001) - http://sedac.ciesin.columbia.edu/ddc/sres/ .

Page 43: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

43

ciência do clima, tem que avançar no esforço de reduzir as incertezas, cabendo ao

poder público apoiar esse esforço , através de suas políticas, de modo a assegurar

os subsídios necessários para o desenvolvimento cientifico e tecnológico.

Com reconhecimento internacional da parte de cientistas da área climática e

de meteorologia, a política de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil

estaria visando promover, como sugerem Nobre et al (2008), a comunicação entre

eles e os cientistas sociais e criar centros de excelência voltados para estudar a

relação entre sociedade e natureza, visto a característica interdisciplinar da temática

das mudanças do clima. Assim, o Estado estaria contribuindo para que a sociedade

em geral e os tomadores de decisão, em especial, possam ter acesso a dados e a

informações (não fragmentadas) capazes de fundamentar suas ações.

A terceira noção a considerar é a de tempo, sobretudo na dimensão do tempo

futuro, não do tempo presente. Estamos nos remetendo a projeções de alterações e

de impactos possíveis para o ano 2020, 2030, 2050 ou ainda 2100... Como fazer um

cidadão imaginar, hoje, algo que vai ou pode ocorrer daqui a 30, 50 anos? Além da

incerteza, a questão climática nos faz pensar em termos de longo prazo. Esse pode

ser um exercício difícil, ainda mais quando se tenta mostrar para as pessoas a

importância da adoção, hoje, de novos comportamentos e de medidas a fim de

diminuir riscos futuros (e ainda incertos) que trarão um resultado mais efetivo e

concreto, bem provavelmente, amanhã... Conforme alerta Giddens (2009), não é

fácil dar a mesma importância do presente ao futuro. Melhor, de compreender algo

que é, hoje, ainda intangível ou até irrealizável, afinal, não podemos conhecer o

futuro... Talvez uma estratégia didática para tratar essa questão seja saber (re-

conhecer) que os impactos que hoje sofremos (tangíveis, portanto) é fruto de uma

ação passada, num passado remoto ou imediato.

Por outro lado, se abordarmos essa necessidade de transformação, de novos

comportamentos e medidas de adaptação no âmbito dos direitos humanos e do

acesso, ainda agora, a condições de vida mais justas, essa perspectiva do tempo-

futuro, do tempo a médio ou longo prazo, pode ser suplantada. Porém, não se pode

deixar passar a oportunidade de fazer com que essas condições de vida almejem,

realmente, a redução da pobreza através ações que privilegiem dois pontos: a

aplicação do princípio da sustentabilidade, respeitando, portanto, a Natureza na sua

totalidade, acrescida da redução de emissões de GEE38. Essa seria uma tentativa

38 Nesse aspecto, não concordamos com o imperativo do desenvolvimento de Giddens (2009), que afirma que os paises em desenvolvimento teriam o direito aumentar suas emissoes durante um tempo no intuito de lhes permitir o crescimento

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44

de sair da idéia, viciosa e ainda bastante presente, de que o crescimento econômico

é necessário e constitui a meta do desenvolvimento.

Para Coméliau (2007), crescimento econômico não é sinônimo de harmonia

social e nem ambiental e deve estar dissociado do que se considera progresso

social. Como ele mesmo sugere, o crescimento ainda se revela fator de

desestruturação dos ciclos ecológicos e de comprometimento das bases naturais de

sustentação da vida no planeta. É nessa perspectiva que podemos trabalhar a

questão do tempo futuro: uma oportunidade de implementação de um projeto de

sociedade que seja sustentável, onde cada um atua como cidadão responsável e

solidário, melhorando as condições de vida através da redução do consumo de

recursos naturais.

A redução do uso de recursos naturais subentende a diminuição dos

impactos sobre a natureza a partir, de um lado, do menor consumo de recursos e,

de outro, da menor emissão de CO2 pelas atividades econômicas produtivas39. Com

as mudanças do clima, os impactos projetados que afetariam os setores mais

vulneráveis implicam pensar, diretamente, na população local, aquela vivendo nos

biomas/territórios e dependendo desses setores. Como irão reagir às mudanças de

clima projetadas pelos modelos? Como irão fazer face às alterações dos quatro

setores-chaves (água, biodiversidade, agricultura e saúde) provocadas ou

acentuadas pela variabilidade de temperatura e precipitação previstas pelos

modelos? E como as mudanças nos seus comportamentos poderão reverberar

(positivamente) no sistema climático futuro? Esse é o quarto aspecto, isto é, o de

saber como aqueles que estarão submetidos aos riscos poderão contribuir para

mitigar emissões e estarem, ao mesmo tempo, mais prontos para enfrentar os

prováveis riscos através da adoção de medidas de adaptação. A urgência em adotar

essas medidas advém da evidência de que alterações ocorrerão e que algumas em

curso já atingem populações vulneráveis no mundo todo40.

Alterações que, segundo o relatório do IPCC (2007), são fruto do aumento de

emissões de GEE advindas de atividades humanas passadas. Esse aumento de

emissões se deve, basicamente, ao modelo de desenvolvimento, não sustentável,

economico (p. 72). Depois disso, eles teriam que comecar a reducao de CO2 ate entao emitido (p. 64). Esse ponto pode abrir varios precedentes e principalmente no cenario internacional das negociacoes multilaterais. Alem do que, se distancia de valores caros na luta contra a degradacao do sistema terrestre, tais como a responsabilidade e solidariedade dos paises, hoje, com as futuras geracoes. 39 Não se pode esquecer que o processo de transformação econômico é, na concepção de Georgescu-Roegen (La décroissance: entropie, ecologie , economie. Paris: Sang de la terre, 1995), um processo intrinsecamente natural, ou seja, de uso e transformação de recursos naturais por seres vivos. 40 O relatório da OXFAM (200) mostra o resultado de um estudo que dá voz aqueles afetados pela mudança do clima e aos cientistas, alertando para a urgência da adaptação.

Page 45: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

45

baseado numa matriz energética centrada em combustíveis fósseis, por isso

altamente “carbonizada”. Para alguns pesquisadores, a questão climática é,

conseqüentemente, uma questão energética. Como foi visto anteriormente, a

grande transformação se baseia na mudança, desde logo, de valores e de

comportamentos que seriam norteados pelos princípios de sustentabilidade, de

equidade e de justiça, visando o emprego cada vez maior de energias renováveis

num modelo de desenvolvimento com baixa emissão de CO2 (low carbon) ou

mesmo livre de carbono (carbon free) (Edenhofer et Stern, 2009).

Um quinto aspecto diz respeito à relação local – global. Hoje falamos de

impacto do clima global alterando sistemas locais, como é o caso da floresta.

Porém, global e local estão intrinsecamente relacionados. A ação no nível local

impacta o global que, por sua vez, retroage impactando o local que, na ocorrência

de alguma transformação, pode impactar novamente o nível global até mesmo

positivamente, por exemplo, através de medidas mitigadoras. Nesse caso, temos

que nos remeter, mais uma vez, à mudança cultural compreendida como mudança

de modos e de usos de recursos naturais norteada pela meta de redução de

emissões de GEE (Edenhofer et al, 2008) graças a implantação de medidas de

mitigação e de adaptação numa perspectiva de intervenção construtiva (Sen, 2008)

ou proativa (Giddens, 2009).

Não vislumbramos que as referidas medidas sejam implantadas de cima para

baixo. A participação da população é um princípio essencial. As comunidades têm

em que contribuir, como por exemplo, com suas práticas e saberes tradicionais que,

muitas vezes, estão de acordo com o seu entorno. Se pensarmos em impactos, por

exemplo, da seca típica do semi-árido brasileiro, sabe-se que muitas comunidades

já têm, elas próprias, a capacidade de ‘gerir’ essa situação, tendo construído

estratégias de adaptação ou ainda aderindo a medidas mitigadoras. Porém, outras

comunidades podem não dispor dessa capacidade de gestão de uma situação de

crise ou, até mesmo, de reação a um evento extremo. O caso das chuvas ocorridas

no final de 2008 no estado de Santa Catarina exemplifica isso e mostra, em face de

uma situação de emergência, a falta de um plano de gestão, onde a população e

autoridades teriam uma noção mais clara do que fazer num momento de crise, e,

mais grave, a falta de infra-estrutura. As inundações no Norte e Nordeste do país,

no outono de 2009, também oferecem outro exemplo. Por isso, muito se fala sobre a

necessidade de melhorar a educação, seja ela formal ou informal, que poderá

influenciar positivamente na capacidade de articulação e mobilização das pessoas.

Page 46: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

46

Uma última, mas não menos fundamental noção é da interdependência

sistêmica. Qualquer alteração no sistema climático global pode provocar uma

instabilidade do sistema natural como um todo e, por conseguinte, do sistema

humano. Nesse caso, são colocados em risco elementos essenciais a própria vida,

como a água, os alimentos e a saúde, sem falar nas perdas da diversidade

biológica. Na verdade, o que está em risco são as bases naturais de sustentação da

vida no planeta, ameaçando a possibilidade de vida de todo e qualquer ser (Sachs,

2008). Os cientistas estão cada vez chamando mais atenção para o impacto nos

países em desenvolvimento e, principalmente, sobre as suas populações mais

vulneráveis, porque, lembramos mais uma vez, elas estão duplamente expostas.

Conseqüentemente, o impacto sobre elas é duplamente injusto. Social e

ambientalmente injusto, o impacto coloca em situação de risco as necessidades

básicas dessas populações, podendo aumentar, segundo as projeções, a fome

nessa parte do planeta. Segundo Sachs, quando o ser humano não tem como

sustentar a sua inalienável dignidade, é porque os direitos humanos estão, também,

ameaçados (Sachs, id).

Nos parágrafos anteriores tentamos, resumidamente, explicitar algumas

noções subjacentes ao uso analítico da matriz. Pudemos visualizar que importa, no

momento atual, acima de tudo, pensar em conjunto as transformações culturais

necessárias, alçando o problema climático ao patamar de questão ético-social. Na

verdade, é mais um desafio frente a dificuldades e possibilidades (Richardson et al.,

2009). Um desafio que envolveria cada cidadão na construção de um mundo mais

responsável e justo, tendo como motivação a necessária redução da pobreza e a

meta de redução de emissões de gases de efeito estufa. Não se está, com este

enfoque, privilegiando a fixação de compensações de curto prazo (numa alusão a

perspectiva “at the end of pipe”) ou a internalizarão das externalidades como

pregam alguns. Estamos, sim, nos referindo à oportunidade de construir um projeto

de sociedade responsável ecologicamente e justo socialmente.

5.5. Exercício de uso analítico da matriz para o Se mi-árido

Tomemos como exemplo o caso do Semi-árido para efetuar um exercício

preliminar do uso analítico da matriz proposta. Os cenários estabelecidos até agora

Page 47: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

47

levam a prognósticos de aumento na temperatura da atmosfera41 e alteração dos

atuais padrões de precipitação. O reflexo dessa alteração dos padrões atuais nos

setores socioeconômicos pode ser visualizado fazendo dialogar, entre si, as duas

grandes partes em que se divide a matriz, isto é, as colunas de mudanças

(climáticas e não-climáticas) e os setores vulneráveis. A mesma lógica vale para

cada um dos setores vulneráveis. Sendo cada um dos quatro setores

interdependentes entre si, isso significa que qualquer alteração influenciará os

outros. Resultados desse diálogo, os efeitos prováveis sobre os setores encontram-

se expressos na coluna impacto/vulnerabilidade e as possíveis respostas aos

mesmos aparecem listadas nas colunas de adaptação e mitigação.

O preenchimento dessas colunas foi feito a partir da revisão da literatura

anteriormente citada, com as informações que nela pudemos coletar. As

informações constantes nos documentos consultados são, como já dito, validadas

cientificamente por pesquisas e observações, ou ainda com base na meta-análise

de outros estudos como é o caso do relatório do IPCC (FARC/IPCC, 2007).

Assim, a matriz da região do Semi-árido brasileiro apresenta o seguinte

quadro de fundo, com base nas projeções:

� aumento da temperatura variando entre 1.5°C e 2°C até 2050, ou seja, um

aquecimento que varia com os modelos, segundo o IPCC (2007)

(MARENGO, 2006);

� incerteza quanto ao comportamento das chuvas com modelos

apresentando uma variação do início da estação das chuvas, apesar de

ter um ciclo próximo ao atual (Marengo, 2006; PNMC, 2008, 85).

Tais comportamentos de temperatura e precipitação, provavelmente,

causarão um impacto nas bases que sustentam atividades tais como a saúde e a

agricultura. É esperado que ocorra a substituição da vegetação atual por uma mais

típica de regiões áridas (Nobre et al., 2005, in IPCC, 2007, 596). A “aridização” do

Nordeste do país poderá vulnerabilizar a atividade agrícola na região e exigir dos

agricultores locais um remanejamento de seus cultivos para aquelas culturas mais

tolerantes à seca, como é o caso das plantas típicas do bioma da caatinga: o

mandacaru, o xique-xique, o sorgo; leguminosas como a catingueira, a jurema, o

angico; frutos como umbu, juazeiro, quixabeira, maracujá-do-mato, aroeira; ou ainda

41 Por isso, se falar em aquecimento global que é um dos fenômenos das mudanças do clima assim como os períodos de glaciação.

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48

uma espécie rústica de algodão, bastante semelhante ao algodão comercial, que

poderia competir com ele no mercado (EMBRAPA, 2008, 80)

Paralelamente, a disponibilidade dos recursos hídricos poderá estar

comprometida em função de possíveis reduções (entre 10-15%), especificamente,

na bacia do São Francisco (Milly et al. 2005, in Marengo, 2006, 118). Essa redução

da disponibilidade poderá desequilibrar a oferta desses recursos (depois de 2025,

segundo o cenário ECHAM; Krol and van Oel, 2004, in IPCC, 2007, 597),

acarretando a vulnerabilidade do setor energético, das hidroelétricas (Kane, 2002, in

IPCC, 2007, 586), quando, principalmente, houver um aumento da demanda por

outras atividades, tais como a agricultura. É bom lembrar, como exemplo, que a

combinação do aumento da demanda de eletricidade e o período de seca levou ao

racionamento de 2001 no Brasil.

A saúde das pessoas em geral depende da disponibilidade local e do acesso

à água potável, alimentação saudável e suficiente e habitação segura. Esses itens

já são de difícil acesso para a população considerada vulnerável pelos estudos

sobre o clima. Existe evidência de que a seca prolongada, além de da origem à

migração de agricultores do sertão, provoca um problema de insegurança alimentar

e nutricional, acentuando os problemas de saúde. Por exemplo, o aumento da

leishmaniose visceral em áreas do semi-árido devido a processos migratórios

(Confalonieri, 2003, in IPCC, 2007: 586/587; Confalonieri e Marinho, 2007) e ainda o

aparecimento de leptospirose (típica de áreas urbanas insalubres e alagadas) em

área rural (Confalonieri e Marinho 2007). Essas doenças aumentarão a demanda

por serviços de saúde melhor estruturados para atender a população atingida (id.).

Medidas de adaptação e mitigação são possíveis de serem adotadas,

incentivadas ou reestruturadas para a situação de variabilidade climática. Já existem

algumas ações que visam:

� reduzir a desertificação por meio do Programa de Ação Nacional de Combate à

desertificação e mitigação dos efeitos da seca, visando a redução das áreas

desertificadas ou em processo de desertificação (PNMC, 2008, 89);

� monitorar, via satélite, de biomas como o Sistema de monitoramento do

desmatamento nos biomas brasileiros sob responsabilidade do INPE (PNMC,

2008, 66);

� incentivar grupos ou centros de pesquisa, como a criação do Núcleo de

Pesquisa em Recuperação de Solos Degradados e Combate a Desertificação

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49

(Gilbués/PI) criado em 2006, numa parceria entre o Ministério do Meio

Ambiente, Integração social e do Estado do Piauí;

� desenvolver e testar novas técnicas de criação de gado para reduzir as

emissões de metano além de práticas de manejo do solo capazes de contribuir

para o seqüestro de carbono (EMBRAPA, 2008, 23; 79).

6. Eixos de trabalho e indicações metodológicas pre liminares

Conforme antecipado na introdução do projeto, a pesquisa se desenvolverá

em três eixos de trabalho os quais se articulam entre si. Os três eixos estão voltados

para a vulnerabilidade das populações estudadas face às variabilidades climáticas

visando propor opções que reduzam essa vulnerabilidade e promovam sua

adaptação, sem excluir as possibilidades de mitigação. São eles:

� Análise de documentos internacionais, nacionais e estaduais de referência e

das políticas públicas com o objetivo de identificar os compromissos

institucionais, diretrizes de ação e instrumentos de política e sua incidência

sobre os estudos de caso;

� Mapeamento do conhecimento produzido pela comunidade científica sobre

mudanças climáticas e desigualdades sociais, em particular, a brasileira, e

dos principais pontos de debate, e suas eventuais repercussões para a

análise dos casos escolhidos;

� Realização de cinco estudos de caso visando identificar as vulnerabilidades

de grupos populacionais localizados nas áreas escolhidas, bem suas

percepções e necessidades com relação a mudança climática;

Apresentam-se a seguir indicações metodológicas preliminares para cada um

dos eixos de trabalho.

1. Documentos de referência e políticas públicas vo ltadas para a mudança climática

Esse eixo de trabalho tem dois propósitos: i) apresentar uma síntese dos

diagnósticos relativos ao fenômeno das mudanças climáticas e das proposições

contidas nos principais documentos internacionais, nacionais e estaduais de

referência, com destaque para os fatores identificados como causadores da

vulnerabilidade sócio-ambiental de grupos populacionais, com ênfase nos quatro

setores de impacto selecionados; ii) analisar as diretrizes e instrumentos das

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políticas públicas nacionais e estaduais (dos estados onde se localizam as áreas

escolhidas) que guardam relação com a integração de medidas de adaptação aos

impactos prováveis das mudanças climáticas nos quatro setores identificados na

matriz, a saber, água, biodiversidade, agricultura/alimento e saúde.

A análise documental correspondente a esse eixo se fará em dois planos. O

primeiro compreende os âmbitos global, nacional e dos biomas nos quais são

apresentados os diagnósticos e a descrição dos eventos climáticos previstos – dado

que a disponibilidade de informações ainda é bastante concentrada nesses âmbitos

– e, conseqüentemente, em relação aos quais são estabelecidos os compromissos

assumidos pelo Brasil. Já a abordagem dos fatores de vulnerabilidade e das

políticas e ações de adaptação e mitigação se desdobrará nos âmbitos estadual,

dos ecossistemas, territórios e grupos populacionais.

A matriz analítica da pesquisa, apresentada anteriormente, contempla os dois

planos referidos. Os compromissos assumidos pelo país, bem como as diretrizes e

instrumentos das políticas públicas aqui adotadas serão analisados em sua relação

com as questões colocadas nas áreas escolhidas para estudo.

Esclareça-se que ultrapassa as pretensões da pesquisa efetuar uma

avaliação global dos compromissos internacionais e da eficácia das políticas e

programas relacionados com a mudança do clima no Brasil. Contudo, a análise

proposta terá como questão de fundo o cotejamento das opções de estratégias de

desenvolvimento para enfrentar a pobreza com a conservação da natureza e uso de

recursos naturais, subjacente a boa parte dos debates internacionais e nacionais.

Esse ponto será um dos elos de ligação entre os três eixos de trabalho.

2. Produção científica e questões em debate sobre m udança climática e desigualdades sociais

Com esse eixo pretende-se realizar um mapeamento, mesmo que parcial, do

conhecimento científico e das questões que estão sendo debatidas pela sociedade

em geral e pela comunidade científica em particular. O mapeamento terá por base

os grupos de pesquisa cujos trabalhos digam respeito à temática ”mudanças

climáticas e populações vulneráveis” no país, bem como as questões relativas a

essa temática postas em debate pelas organizações da sociedade civil,

particularmente, aquelas que se referem à água, biodiversidade, agricultura/alimento

e saúde.

Page 51: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

51

Pretende-se dar prosseguimento à pesquisa já iniciada junto ao diretório de

grupos de pesquisa disponibilizado pelo CNPq, sendo que em consulta bastante

preliminar na sua base corrente empregando a palavra chave “mudanças

climáticas”, já foram identificados 58 grupos de pesquisa com interesse na questão.

O resultado dessa busca foi colocado numa primeira planilha Excel, onde consta:

nome do grupo de pesquisa; instituição a qual está ligado; objetivo do grupo; linhas

de pesquisa; grande área de conhecimento; nome do líder de grupo e levantamento

dos seus trabalhos entre 2002 e 2008, priorizando os publicados em português e

inglês. Numa segunda planilha encontram-se os detalhes dessas publicações,

constando, basicamente, campos como: nome do líder - autor principal - e co-

autores; referência completa do trabalho; link para o acesso livre, se for o caso;

resumo. Para o levantamento da produção científica, recorreu-se à Plataforma

Lattes que disponibiliza o currículo dos pesquisadores-líderes dos grupos de

pesquisa identificados.

Em paralelo, toda e qualquer publicação consultada e sites da internet

acessados, sobretudo os de acesso livre, bem como outros documentos

identificados durante o desenvolvimento dos estudos de caso, serão também

registrados de forma sistemática. O resultado será a constituição de uma base de

dados composta de várias planilhas como, por exemplo: documentos brasileiros

citados em relatórios do IPCC (2007); publicações de ministérios brasileiros; artigos

disponibilizados na Biblioteca Científica Eletrônica em Linha/SciELO (Scientific

Electronic Library Online)42.

A observada dispersão das informações necessárias para os estudos de caso

torna quase infindável o esforço de elaborar tais planilhas, ao mesmo tempo em que

demonstra uma produção crescente tanto a nível internacional quanto nacional.

Alguns sites de organizações internacionais concentram dados e informações

essenciais para a avaliação de vulnerabilidades e elaboração de planos de

adaptação; este é o caso do site do IPCC, da Convenção Quadro/UNFCCC. Em

termos nacionais, o acesso a documentos sobre os posicionamentos do país no

cenário internacional, o inventário nacional ou ainda sobre estudos sobre impacto na

biodiversidade ou na agricultura pode ser feito pelos site do Ministério de Ciência e

Tecnologia, do Ministério do Meio Ambiente e da EMBRAPA.

A sistematização desse levantamento, principalmente em termos da

produção no país, possibilitará a identificação das questões mais relevantes bem 42 http://www.scielo.org/php/index.php

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como de possíveis lacunas sobre a temática. A base de dados será disponibilizada

através do site do COEP-mobilizadores a fim de que as equipes dos estudos de

caso possam ter acesso ao material coletado.

3. Estudos de caso sobre a vulnerabilidade e capaci dade de adaptação de populações selecionadas

O terceiro eixo de trabalho corresponde à realização de estudos de caso para

os quais se buscou um recorte sócio-espacial adequado para dar conta, ao menos,

de parte da dimensão e diversidade do país e também do enfoque aqui adotado em

termos de contextualizar a condição dos grupos populacionais vulneráveis. Nesse

sentido, definiram-se três biomas e mais uma quarta condição peculiar nas quais

serão selecionadas as populações vulneráveis a serem estudadas, conforme

discriminado a seguir:

� Amazônico: população ribeirinha

� Semi-árido: agricultores familiares

� Cerrado: agricultores e pecuaristas num contexto de hegemonia do modelo

do agronegócio

� Região Metropolitana: populações de periferia das regiões metropolitanas

do Rio de Janeiro e Florianópolis (tendo também em conta o bioma Mata

Atlântica).

A análise da situação sócio-econômica das populações selecionadas, em

conjunto com os impactos previstos nos cenários estabelecidos nos relatórios do

IPCC (Terceiro Relatório de Avaliação e projeções do Quarto Relatório de

Avaliação), permitirá avaliar a vulnerabilidade sócio-ambiental dessas populações e

suas capacidades de resposta aos possíveis riscos advindos de eventos climáticos

extremos.

Nesse sentido, a avaliação terá em conta três dimensões:

i. Impactos: impactos prováveis nas áreas escolhidas com base nos

documentos de referência

ii. Vulnerabilidade: fatores de vulnerabilidade ambiental e sócio-econômica com

base em dados secundários e em pesquisa de campo

iii. Gestão de risco: percepção das populações estudadas, das dinâmicas

sociais e dos programas públicos específicos que afetam a construção de

capacidade de adaptação aos impactos provenientes dos eventos climáticos

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extremos, com ênfase nas estruturas de governança e nos papéis das redes

de política e do conhecimento disponível.

No que diz respeito à construção de capacidade de adaptação, duas ordens

de fatores deverão ser considerados:

� Construção de capacidade: geração de informações e conhecimento dos

impactos potenciais da mudança do clima e das opções de adaptação, e

requisitos para o apoio à adaptação em termos de regulamentação, marco

institucional e gerenciamento;

� Implementação de medidas: realização de ações que reduzam a

vulnerabilidade ou que explorem as oportunidades originadas da mudança

do clima, tais como investimentos em infra-estrutura, sistemas de gestão

de riscos, promoção da informação e aumento da capacidade

institucional.

Seguindo as indicações contidas no relatório do IPCC, os estudos de caso

darão conta dos seguintes elementos ou fatores presentes nas áreas escolhidas: a)

dinâmicas de adaptação dos sistemas humanos; b) qualidade dos processos

decisórios sobre adaptação; c) condições estimuladoras ou constrangedoras; d)

fatores não climáticos. Os estudos procurarão identificar, também, o grau de

percepção e a compreensão desses grupos populacionais acerca do fenômeno da

mudança climática, bem como verificar como ele tem afetado suas vidas e eventuais

iniciativas espontâneas de adaptação postas em ação pelas mesmas. Como se

pode notar, com os estudos de caso a pesquisa chegará até o plano dos grupos

sociais, comunidades e mesmo indivíduos.

Esse enfoque coincide com o sentido bastante amplo da noção de tecnologia

empregada pelo documento da Convenção Quadro das Nações Unidas para a

Mudança Climática (UNFCCC, 2006)43. Nele, as tecnologias de adaptação às

mudanças climáticas compreenderiam, inclusive, as diversas formas de habilidade e

conhecimento locais empregadas através de gerações, por esta razão, mais

familiares às populações em questão. Elas se diferenciam das tecnologias ligadas à

mitigação mais concentradas em equipamentos, técnicas ou materiais.

43 UNFCCC/ United Nations Framework Convention on Climate Change (2006). Technologies for AdApTATion To climATe chAnge. Issued by the climate change secretariat (Unfccc) Bonn, Germany produced by Adaptation, Technology and Science Programme of the Unfccc Secretariat. Peter Stalker (contributing ed.). In: http://unfccc.int/resource/docs/publications/tech_for_adaptation_06.pdf . Esse documento é uma revisão das tecnologias de adaptação, avaliadas segundo cinco setores-chaves: zonas costeiras, recursos hídricos, agricultura, saúde e infraestrutura. Ele também pode ser encontrado sob a forma de UNFCCC (2006) Technical Paper, Application of environmentally sound technologies for adaptation to climate change (fccc/Tp/ 006/ ), in : http://unfccc.int/resource/docs/2006/tp/tp02.pdf . Todos os dois documentos foram consultados.

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54

A ênfase a ser dada nos estudos de caso para essas habilidades e

conhecimentos locais se justifica pelo próprio escopo da pesquisa que privilegia a

abordagem local e o empoderamento das populações ou sua autonomia nas

decisões. Deste modo, supõe-se reduzir sua dependência de deliberações “de cima

para baixo”, ou ainda decisões que possam vir a incentivar o uso de tecnologias -

muitas vezes, importadas44 - nem sempre adequadas à realidade local. Essa

abordagem dialoga com o enfoque de tecnologias sociais desenvolvidas na

interação com as comunidades e que representam efetivas soluções de

transformação social.

O mesmo documento define a “tecnologia ambiental” como sendo aquela

que: protege o meio ambiente, é menos poluente, usa sustentavelmente os recursos

naturais, recicla os resíduos e produtos e os trata de modo mais sustentável. Esses

critérios poderão ser empregados, nos estudos de caso, como um dos indicadores

de avaliação das práticas locais ou tradicionais já existentes nas comunidades

estudadas.

O UNFCC sugere a adoção de um processo de planejamento iterativo

(iterative process) constituído de quatro etapas, onde cada uma delas fornece

subsídios para a formulação (ou reformulação) da etapa seguinte (Klein et al., 1999,

apud UNFCCC, 2006). As quatro etapas desse planejamento são: i) coleta de

informação e sensibilização; ii) planejamento; iii) implementação; iv)

acompanhamento e avaliação (Figura 2).

Figura 2: Quatro etapas do processo de planejamento iterativo

44 A abordagem local questiona, também, uma questão bastante destacada na cooperação internacional relativa à transferência de tecnologia no tocante à adequação do seu emprego nas comunidades.

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FONTE: (Klein et al. 1999, in UNFCCC, 2006, p. 15)

A figura acima não contempla, de forma explícita, a diversidade de atores a

serem envolvidos no processo de adaptação. No entanto, ela supõe que esse

processo, por estar voltado para a redução das vulnerabilidades atuais e futuras,

requer o estabelecimento de critérios de política pública e o debate dos objetivos e

modelos de desenvolvimento, atividades que, obviamente, envolvem a participação

dos atores sociais.

Transpondo a proposição do UNFCC para o nosso estudo, ele

corresponderia às duas primeiras etapas de um processo de planejamento iterativo

de estratégias de adaptação englobando a coleta de informações/sensibilização e o

planejamento das ações a seguir. Isto porque nosso estudo reflete os limites

próprios de uma primeira aproximação ao tema “mudanças climáticas e

vulnerabilidade social”, e trabalha com uma perspectiva de prazo e disponibilidade

de recursos que não permitem adentrar nas etapas de implementação e avaliação

das ações. Espera-se que estas venham a ser encaminhadas, posteriormente, pelas

próprias comunidades e agentes governamentais e não-governamentais com elas

envolvidos.

As informações a serem coletadas para fins do diagnóstico sócio-ambiental

dizem respeito à variabilidade climática, mudança climática, impactos e estresses e

práticas existentes de gestão espontânea de risco já adotadas pelas comunidades

estudadas com vistas a transpor suas atuais vulnerabilidades. Além de informar,

essa coleta de dados atua, também, como veículo de sensibilização da população.

O livre acesso a informação através de sites é bastante importante, principalmente,

no caso de não haver um centro de documentação coordenando e disponibilizando

em tempo real a informação necessária em nível nacional ou municipal45.

Vimos que um dado a ser coletado e interpretado se refere às características

sócio-econômicas da comunidade, para o quê é requerida a participação da

população ou de seus líderes. Esse dado deverá ser combinado com as

informações mencionadas no parágrafo anterior de modo a verificarmos as

(in)capacidades de resposta das comunidades aos prováveis eventos climáticos

extremos. Relação direta com a população estudada será necessária, também, para

45 Alguns sites disponibilizam bancos de dados de acesso livre, porém essa informação é, em geral, de nível nacional. Alguns documentos listam, ainda, exemplos de tecnologia de adaptação ou sites de instituições disponibilizando importante informação, por exemplo: http://unfccc.int/resource/docs/2006/tp/tp02.pdf

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levantar a percepção sobre a questão climática e seus impactos por parte dos

integrantes da comunidade ou grupo vulnerável. Portanto, a mobilização das

comunidades e suas lideranças é crucial para a obtenção das informações

correspondentes à fase de diagnóstico, quando são mapeadas as vulnerabilidades

da comunidade, principalmente, mas também como estratégia para a continuidade

das ações junto às mesmas.

Com respeito à formulação de um projeto de ação, ainda que preliminar, é

preciso pensar sobre o tipo de ações a serem implementadas com vistas a reduzir

as vulnerabilidades da comunidade. Essa é uma etapa processual que buscaria

envolver, sempre que possível, todos os atores locais ou, ao menos, as principais

lideranças para que, de forma democrática e participativa, sejam debatidas as

possíveis respostas para o enfrentamento dos riscos climáticos. As soluções

capazes de superar as vulnerabilidades que integrariam o plano de adaptação da

comunidade deveriam atender aos seguintes princípios:

� serem culturalmente compatíveis,

� socialmente justas (contribuindo para a redução das desigualdades sociais),

� ecologicamente sustentáveis (menos emissoras de CO2 e consumidoras de

recursos naturais) e

� adequadas ao enfrentamento dos riscos climáticos prováveis (climate proofing).

Espera-se ir além da proposição de estratégias emergenciais características

de um plano de gestão de risco nos moldes tradicionais. Trata-se, mais do que isso,

de traçar um plano contemplando medidas de adaptação que sejam, também,

estruturais, isto é, que atentem para a correção das situações socialmente injustas

derivadas da pobreza ou outras circunstâncias de privação típicas de um modelo de

desenvolvimento insustentável, com base nos princípios acima.

Apresentam-se, a seguir, quatro questões chaves (Cf. Smit et al, apud Füssel

e Klein, 2004) que podem orientar o encaminhamento das duas etapas,

notadamente, a elaboração do projeto de ação, complementadas com outras

indicações46:

� Adaptar-se a quê? – variabilidades climáticas (os padrões projetados de

temperatura e de precipitação), ameaças e vulnerabilidades; riscos e respostas

sugeridas pelas informações levantadas.

46 A complementação das questões está, também, baseada no documento UNDP/GEF Technical Paper 7 . Assessing and Enhancing Adaptive Capacity, in http://www.undp.org/climatechange/adapt/apf.html

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� Quem será afetado? – condições sócio-econômicas das comunidades e grupos

vulneráveis em situação particular de risco.

� O quê será afetado? – ameaças e impactos prováveis a serem enfrentados pelo

grupo vulnerável e causas possíveis ou que justificam essas vulnerabilidades.

� Como se adaptar? – medidas de redução de vulnerabilidades ou de gestão de

riscos já empregadas na comunidade, outras medidas de adaptação possíveis de

serem adotadas pela comunidade com base em exemplos; oportunidades e

dificuldades para implantar as medidas de redução ou gestão dos riscos

identificados; identificar os atores/parceiros que podem ser envolvidos.

� O quão adequada é a proposta de adaptação? – Várias são as possibilidades de

adaptação com vistas à redução das vulnerabilidades de comunidades, diminuindo,

assim, os riscos e aumentando as suas capacidades de resiliência (UNFCCC,

2007). Para se tomar esse tipo de decisão, o mais importante é se conhecer a

situação contextual na qual os impactos prováveis e as estratégias de adaptação

deverão ser implementadas. Só assim, as possibilidades podem ser apreciadas

quanto aos princípios anteriormente listados. Lembramos que, para o caso das

práticas locais já empregadas pela comunidade e que foram levantadas, é sugerido

atentar para os seguintes pontos: proteger o meio ambiente, ser menos poluente,

usar sustentavelmente os recursos naturais, reciclar os resíduos e produtos e tratá-

los de modo mais sustentável. Um aspecto importante a ser considerado é o caso

dos incentivos existentes para esse tipo de ação como dos custos e os recursos

disponíveis para a implantação das medidas.

Embora os estudos de caso se limitem às duas primeiras etapas do

planejamento iterativo, apresenta-se, de modo sintético, o conteúdo das duas outras

etapas de modo a dar uma visão da continuidade da ação. Afinal, de nada adianta

ter um projeto de ação, mesmo que preliminar, sem imaginar a sua implantação e

acompanhamento.

� implementação das estratégias – estratégias de adaptação apoiadas pelas

várias instituições locais, regionais e nacionais, mobilizando todos os atores sociais

tanto para o caso dos planos de alerta (preparedness plan) como para o caso de um

plano estrutural, como o pretendido aqui. Como a compreensão de adaptação a ser

difundida pelos estudos de caso se fundamenta na noção de construção da

cidadania na perspectiva das mudanças do clima, o plano em si não é somente um

plano de ajuda emergencial ou de sistemas de alerta.

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58

� monitoramento e avaliação – estratégias adaptativas continuamente

monitoradas, com base nos princípios anteriormente apontados o que permite

avaliar a eficácia das ações e identificar os possíveis ajustes e correções devidas,

retroalimentando o processo como um todo, como indica a figura acima.

As etapas delineadas acima para comporem os estudos de caso

contemplam, de um lado, alguns dos pré-requisitos necessários para que a

adaptação planejada seja concretizada de modo eficaz: sensibilização do problema,

disponibilidade de medidas adaptativas, conhecimento sobre as medidas,

disponibilidade de recursos de implantação, aceitação cultural e incentivos para a

implantação das medidas (Füssel & Klein, 2004). De outro lado, elas dão conta,

também, das quatro fases de desenvolvimento de Programas Nacionais de Ação de

Adaptação (NAPAs47), propostas pela Convenção Quadro/UNFCCC para os

chamados países menos desenvolvidos, que são: síntese das informações

disponíveis; avaliação participativa das vulnerabilidades as variações atuais de

clima e de eventos extremos e áreas onde os riscos podem aumentar devido a

mudança do clima; identificação de medidas-chaves de adaptação como critérios de

priorização das atividades e seleção das atividades prioritárias.

7. Etapas de trabalho

Os trabalhos previstos no presente projeto de pesquisa serão desenvolvidos

em três etapas.

Etapa preliminar – 2 meses

Elaboração da primeira versão do projeto de pesquisa contendo a base

conceitual, a matriz analítica e indicações metodológicas preliminares para os três

eixos de trabalho. Essa versão do projeto será submetida à discussão com

especialistas vinculados ao Fórum Nacional de Mudança Climática, ao COEP, a

governos e organizações nacionais e internacionais.

A segunda versão do projeto de pesquisa, resultante da discussão anterior,

constituirá o documento de base para a realização do I Seminário de pesquisa com

os responsáveis das equipes regionais. Nesse seminário será apresentada a

concepção geral do projeto, revisada a metodologia e construídos os instrumentos

47 National Adaptation Programmes of Action, http://unfccc.int/national_reports/napa/items/2719.php consultado em 02 07 2009.

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comuns de pesquisa, bem como estabelecida uma rede de cooperação entre as

equipes envolvidas.

A versão final do projeto será disponibilizada em rede através dos sites do

COEP-Mobilizadores e do CERESAN/UFRRJ.

Desenvolvimento das atividades – 7 meses

As atividades correspondentes aos eixos 1 e 2 serão desenvolvidas

simultaneamente por um período de 4 meses, a contar do I Seminário de pesquisa.

Em paralelo, serão desenvolvidos os estudos de caso que compõem o eixo 3, com

uma duração de 7 meses.

Terminado esse período, será realizado o II Seminário de pesquisa com as

equipes regionais para a apresentação e discussão dos resultados preliminares dos

3 eixos de trabalho, e definidos os termos de elaboração do relatório final. O

seminário tratará também da preparação de artigos a serem enviados para revistas

nacionais e internacionais, bem como a formatação de uma publicação com os

resultados finais da pesquisa.

Etapa de finalização – 3 meses

Nessa etapa serão elaborados os relatórios finais dos três eixos de trabalho,

bem como preparados os artigos e os capítulos da publicação dos resultados da

pesquisa. À equipe central corresponderá também a elaboração do relatório geral, a

organização do seminário final e a organização da publicação sobre a pesquisa.

Realização do III Seminário de pesquisa, aberto ao público, para a

apresentação dos resultados e das recomendações.

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64

23. http://www.mct.gov.br/upd_blob/0014/14534.pdf

24. http://www.asabrasil.org.br/

25. http://sedac.ciesin.columbia.edu/ddc/sres/

26. http://www.grida.no/climate/ipcc/emission/index.htm

27. http://www.scielo.org/php/index.php

28. http://unfccc.int/resource/docs/publications/tech_for_adaptation_06.pdf .

29. http://unfccc.int/resource/docs/2006/tp/tp02.pdf

30. http://www.undp.org/climatechange/adapt/apf.html

31. http://unfccc.int/national_reports/napa/items/2719.php

32. http://www.ipcc.ch/publications_and_data/publications_and_data_figures_and_tables

_gr-climate-changes-2001-syr.htm

Page 65: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

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10. ANEXO

As duas figuras que se seguem foram copiadas do site do IPCC http://www.ipcc.ch/publications_and_data/publications_and_data_figures_and_tables_gr-climate-changes-2001-syr.htm (em 21/07/2009)

FIGURA : Concentrações de CO2 passadas e futuras

Page 66: Projeto Mudanças Climática e Pobreza - Populações vulneráveis

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FIGURA: Variações da temperatura da superfície da Terra: entre o ano 1000

e 2100