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    DILOGOS SOBRE A POPULAOEM SITUAO DE RUA NO BRASILE NA EUROPA: experincias doDistrito Federal, Paris e Londres

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    2Dilogos sobre a populao em situao de rua no Brasil e na Europa Dilogos sobre a populao em situao de ru

    Presidenta da Repblica Federativa do BrasilDilma Rousseff

    Vice-Presidente da Repblica Federativa do BrasilMichel Temer

    Ministra de Estado Chefe da Secretaria de DireitosHumanos da Presidncia da RepblicaMaria do Rosrio Nunes

    Secretria Executiva da Secretaria de DireitosHumanos da Presidncia da RepblicaPatrcia Barcelos

    Secretrio Nacional de Promoo e Defesa dos DireitosHumanos

    Gabriel dos Santos Rocha

    Diretor de Promoo dos Direitos HumanosMarco Antnio Juliatto

    Coordenador-Geral de Direitos Humanos e SeguranaPblicaCarlos Alberto Ricardo Jr.

    Coordenadora-Geral de Acompanhamento a Projetosde Cooperao InternacionalMichelle Graciela Morais de S e Silva

    RedaoMarina MoretoSrgio Aires

    Coordenao tcnicaCarlos Alberto Ricardo Jr.Lara Regitz Montenegro

    Organizao e revisoLara Regitz Montenegro

    Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica.

    Dilogos sobre a populao em situao de rua no Brasil e na Europa:experincias do Distrito Federal, Paris e Londres. / Secretaria de DireitosHumanos da Presidncia da Repblica. Braslia: SDH, 2013.

    188 p. : il.; 26 x 21cm.

    ISBN 978-85-60877-46-1

    1. Populao em situao de rua. 2. Polticas pblicas. 3. Legislao. I.Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. II. Ttulo

    Apoio tcnicoAmanda Fontenelli Costa

    ColaboraoPedro AngotiSamuel Rodrigues

    Ilustrao:Cleber Mariano Pinto

    Projeto grfico e diagramaoFlvia Coelho Arlant

    FotografiaMarina MoretoCarlos Alberto Ricardo Jr.

    EXPEDIENTE

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    4Dilogos sobre a populao em situao de rua no Brasil e na Europa Dilogos sobre a populao em situao de ru

    APRESENTAO

    A

    presente obra fruto de umaexitosa parceria entre Brasil e

    Unio Europeia, que culminouno Projeto Apoio aos Dilogos Setoriais,o qual abrange trs campos temticos:promoo e proteo dos direitos dedefensores de direitos humanos; combate violncia homofbica; e promoo e proteodos direitos da populao em situaode rua. Desenvolvido no perodo de 2007a 2013, o projeto resultou em frutferastrocas de experincias, possibilitando oaprofundamento das discusses sobre temasde alta relevncia e de interesse comum.

    Neste sentido, os dilogos setoriaisconstituem um instrumento privilegiado decooperao, abrangendo um conjunto deatores e parceiros institucionais que ampliamdiscusses e prticas voltadas garantia dedireitos. No caso especfico da populao emsituao de rua, foram visitadas experinciasna Inglaterra e Frana, a partir das quais

    se vislumbrou a diversidade de polticase programas direcionados a este grupopopulacional, permitindo-nos percebernossos avanos e desafios.

    O Brasil vem trabalhando na construode dilogo e articulao com a sociedade civil

    organizada e com a populao em situaode rua, colocando-os como partcipes daelaborao de polticas e programas ao longodo processo de criao da Poltica Nacionalpara Populao em Situao de Rua (Decreton 7.053, de 23 de dezembro de 2009) e deseus desdobramentos.

    fundamental que seja lanadoum olhar social e apurado em direo spessoas em situao de rua, uma vez que necessria uma mudana de paradigmaspara que a sociedade perceba aqueles quese encontram margem de seus direitos.Para tanto, necessitamos compreenderque a populao em situao de rua umgrupo social dotado de direito ao trabalho,habitao, educao, cultura e vrios outros,ou seja, tem direito ao pleno exerccio de suacidadania. Basta que lhes sejam reconhecidase concedidas as devidas oportunidades, para

    que, atravs da oferta de polticas pblicas,possam reforar sua autonomia, sempre comdignidade e respeito.

    Temos que superar os preconceitos,que muitas vezes acabam por leg itimar, ainda

    que simbolicamente, as aes violentascometidas contra a populao em situaode rua, as quais diariamente so noticiadaspelos setores miditicos que terminam porbanaliz-las. Tambm devemos ultrapassar afragmentao das polticas pblicas voltadaspara este grupo populacional, de formaa estabelecer ateno integral pessoa,conforme determina a Poltica Nacional paraa Populao em Situao de Rua.

    Nosso desafio enquanto GovernoFederal realizar um trabalho intersetorial emultidisciplinar, que d conta da complexidadeinerente a este grupo populacional,historicamente negligenciado e invisibilizado.

    Neste sentido, em sua opo definitivapela democracia, o Brasil cresce na buscapela incluso social e distribuio de renda,engajando-se com aes propositivas

    estruturantes, voltadas superao dacondio de pobreza extrema. esse o pasque reconhece a importncia das pessoasem situao de rua e trabalha para que elas

    sejam, de fato, incorporadas vida social,com a garantia de todos os direitos que

    devem assistir ao povo brasileiro.

    Um abrao e boa leitura!

    Maria do Rosrio NunesMinistra de Estado Chefe de Secretariade Direitos Humanos da Presidncia daRepblica

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    PREFCIO

    A

    condio das pessoas emsituao de rua um dos

    exemplos mais extremos edevastadores da pobreza e excluso socialno mundo

    Apesar da Europa e o Brasil serem hoj esociedades prsperas, a questo continuaa ser de difcil resoluo porque precisa derespostas polticas. A situao de rua spode ser resolvida atravs de um esforoconcertado das instituies e da sociedadecivil para desenvolver estratgias integradas.A luta tem que ser multidimensional, hque tratar das causas que conduzem a estasituao, como tambm das consequnciasdramticas que afetam a populao de rua. preciso zelar para que seus direitos sejamprotegidos, assegurando assistncia social,sade, educao, trabalho, a fim de reverter asituao de rua. As aes precisam tambmser transversais, envolvendo associaes,

    ONGs, entidades pblicas e todos os nveisdo governo.

    As pessoas em situao de ruaenfrentam quotidianamente condies devida terrveis e ficam expostas a todas asformas de vulnerabilidade. Tais condies devida so inaceitveis tanto na Europa, quantono Brasil e no resto do mundo, porque vocontra os valores fundamentais dos DireitosHumanos. Direitos que ambos, europeus ebrasileiros, partilhamos e defendemos. Tantoa Unio Europeia como o Brasil considerama reduo da pobreza e da exclusosocial o objetivo sine qua non do prpriodesenvolvimento.

    Esta publicao e o dilogo entre aUnio Europeia a Secretaria dos DireitosHumanos da Presidncia da Repblica doBrasil so a prova de que estamos ambosempenhados na luta contra a excluso social,

    e para fazer isso temos que lutar contra a suamanifestao mais extrema: uma vida sem

    teto, uma vida sem abrigo.

    Esperamos que esta publicao seja umprimeiro passo na troca de experincia sobreesta difcil realidade das nossas sociedades eque contribua para melhorar a condio atualdas pessoas em situao de rua nos nossospases. A defesa dos Direitos Humanos exigede todos um trabalho quotidiano, sobretudoem defesa dos segmentos mais vulnerveisda nossa sociedade.

    Ana Paula ZacariasEmbaixadora, Chefe da Delegaoda Unio Europeia no Brasil

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    APRESENTAO.............................................................................................................. 04

    PREFCIO............................................................................................................................. 06

    INTRODUO..................................................................................................................... 12

    I. POPULAO EM SITUAO DE RUA: A ABORDAGEM BRASILEIRA EA EXPERINCIA DO DISTRITO FEDERAL

    1. Contextualizao da Populao em Situao de Rua no Brasile no DF.................................................................................................................................. 141.1. Contexto da situao de rua na histria e o avano das polticas para seu atendimento no Brasil .....141.2. O territrio e a situao de rua no DF: Uma abordagem necessria ........................................... 21

    2. A rede de servios no DF .................................................................................... 342.1. Assistncia social ................................................................................................................... 38

    2.1.1. Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferncia de Renda do DF (SEDEST) ...........................402.1.2. Servio Especializado em Abordagem Socia l ......................................................................432.1.3. Centro de Referncia Especializado para a Populao em Situao de Rua (Centro POP) ...... 432.1.4. Servio de Acolhimento Institucional para a Populao em Situao de Rua ......................... 472.1.5. Centro de Referncia Especializado da Assistncia Social (CREAS) ...................................... 522.1.6. Centro de Referncia da Assistncia Social (CRAS) ............................................................. 52

    2.2. Segurana alimentar .............................................................................................................. 532.3. Transferncia de renda ........................................................................................................... 542.4. Sade ................................................................................................................................... 55

    2.4.1. Cotidiano do atendimento do Consultrio na Rua e oferta de ser vios .................................. 60

    2.4.2. Rede de Centros de Sade ...........................................................................................2.4.3. Rede de Sade Mental .................................................................................................

    2.5. Educao ..........................................................................................................................2.5.1. Secretaria de Estado de Educao do DF (SEDF) ............................................................2.5.2. Escola de Meninos e Me ninas do Parque .......................................................................

    2.6. Cultura ..............................................................................................................................2.7. Justia ..............................................................................................................................

    2.7.1. Na Hora .......................................................................................................................2.7.2. Conselho Distrital de Promoo e Defesa de Direitos Humanos (CDPDDH) .......................2.7.3. Subsecretaria de Polticas sobre Drogas (SUBAD) ...........................................................

    2.8. Segurana Pblica .............................................................................................................2.8.1. Secretaria de Estado de Segurana Pblica do DF (SSP-DF) ...........................................

    2.9. Previdncia social ..............................................................................................................2.10. Defensoria Pblica do DF (DPDF).......................................................................................2.11. Garantia de Direitos Humanos ...........................................................................................

    2.11.1. Centro de Referncia em Direitos Humanos (CRDH) ......................................................2.11.2. Centro de Referncia em Direitos Humanos do Distrito Federal .....................................2.11.3. Disque Direitos Humanos d a Mulher ............................................................................2.11.4. Disque Direitos Humanos ( SDH-PR) .............................................................................2.11.5. Conselhos tutelares ....................................................................................................

    2.12. Trabalho ..........................................................................................................................2.13. Habitao ........................................................................................................................

    3. Movimento Nacional da Populao de Rua.........................................Referncias biblio grficas ..........................................................................................................

    SUMRIO

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    II. POPULAO SEM-ABRIGO: A ABORDAGEM EUROPEIA

    1. Contextualizao histrica, social e poltica do fenmeno sem-abrigo..................................................................................................................................... 961.1. A importncia do fenmeno e suas consequncias sociais e polticas ........................................ 961.2. O surgimento do fenmeno..................................................................................................... 991.3. Principais iniciativas estratgicas e prioridades de interveno ................................................. 101

    2. Os sem-abrigo hoje................................................................................................. 1022.1.Transformaes recentes do fenmeno: seus pblicos e sua abordagem poltica de interveno..1022.2. O atual momento europeu: a demanda por uma Estratgia Europeia e o seu estado da arte ..... 1072.3. Pluralidade do conceito de sem-abrigo .................................................................................... 111

    3. Modelos e tipologias de interveno ........................................................... 1153.1. O modelo assistencialista ....................................................................................................... 1153.2. O modelo i ntegrado ................................................................................................................ 115

    3.2.1. Agentes estratgicos na abordagem integrada ................................................................... 1173.2.2. Domnios de interveno no modelo integrado ................................................................... 1183.2.3. A transio do modelo integrado de prestao de servios por etapas para o modelohousing led (orientado para habitao) ........................................................................................ 120

    3.3. O modelo Housing First (Casas Primeiro) ................................................................................. 122

    3.3.1. O teste do modelo na Europa ............................................................................................... 1253.3.2 Diferentes tipologias do modelo Housing First ..................................................................... 1273.3.3. Os limites do modelo Hou sing First .................................................................................... 129

    Referncias bibliogrficas .............................................................................................................. 131

    III. POPULAO SEM-ABRIGO: AS EXPERINCIAS DE PARIS E LO

    1. Caracterizao do fenmeno sem-abrigo na Inglaterra e Frana .....1.1. Breve conceituao do fenmeno sem-abrigo e enquadramento le gal na Inglaterra e Frana ..1.2. Breve caracterizao do fenmeno sem-abrigo na Inglaterra e Frana ...................................

    1.2.1 Sem-abrigo em nme ros ...............................................................................................1.2.2. Caractersticas sociodemogrficas e situao habi tacional ..............................................1.2.3. Qualificaes e situao face ao emprego .....................................................................1.2.4. Condies sociais de pertencimento e redes de sociabilidade .........................................1.2.5. Sade .........................................................................................................................1.2.6. Servios de apoio e estratgias de sobrevivncia ...........................................................

    2. Modelos de interveno em Paris .............................................................2.1. Polticas e programas de enquadramento do fenmeno sem-ab rigo ......................................

    2.2. Estratgias e servios de preveno do fenmeno................................................................2.3. Tipologias e dinmicas de alojamentos de emergncia .........................................................2.4. Dinmicas de reinsero das popula es sem-abrigo ...........................................................2.5. A interveno em fenmenos especficos ............................................................................

    3. Modelos de interveno em Londres......................................................3.1. Polticas e programas de enquadramento do fenmeno sem-ab rigo ......................................3.2. Estratgias e servios de preveno do fenmeno................................................................3.3. Tipologias e dinmicas de alojamentos de emergncia .........................................................3.4. Dinmicas de reinsero das popul aes sem-abrigo ...........................................................3.5. A interveno em fenmenos especficos ............................................................................

    4. Quadro sntese: modelos de interveno em Paris e LondresPolticas e programas de enquadramento do fen meno ...............................................................Estratgias e servios de preveno do fenmeno ......................................................................Tipologias e dinmicas de alojam entos de emergncia ................................................................Dinmicas de reinsero das pessoas sem-abrigo ......................................................................A interveno em fenmenos especficos ...................................................................................Referncias bibliog rficas ..........................................................................................................

    IV. PARTICIPAO SOCIAL NOS DILOGOS SETORIAISMisso Paris e Londres..........................................................................................

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    A

    publicao Dilogos sobre apopulao em situao de

    rua no Brasil e na Europa:experincias do Distrito Federal, Paris eLondres fruto de uma parceria entre oBrasil e a Unio Europeia para promoo deDilogos Setoriais sobre direitos humanos.Este projeto contemplou a contratao dedois peritos (um interno e outro externo),visitas a experincias consideradas exitosas ea realizao do Seminrio Internacional BrasilUnio Europeia para a Promoo e Proteodos Direitos da Populao em Situao deRua, em 2 e 3 de julho de 2013, em Braslia DF. Os produtos das duas consultoriasforam sistematizados e resultaram nestapublicao, que a Secretaria de DireitosHumanos da Presidncia da Repblica (SDH-PR) traz a pblico com a expectativa desubsidiar as discusses e a construo depolticas pblicas voltadas para a populaoem situao de rua.

    A primeira parte da publicao(Populao em situao de rua: a abordagembrasileira e a experincia do Distrito Federal),baseada no relatrio da perita interna MarinaMoreto, apresenta um resgate histrico sobre

    o surgimento do fenmeno e as polticasvoltadas para a populao em situao

    de rua no Brasil, abordando as diversasestratgias de nvel nacional no campo daassistncia social, sade, seguridade social,habitao e direitos humanos, e a perspectivade ao integrada e intersetorial lanada coma assinatura do Decreto 7.053/2009, queinstitui a Poltica Nacional para a Populaoem Situao de Rua. Na sequncia, apresentaum estudo de caso sobre esta populao eas polticas e programas especficos para osegmento no mbito do Distrito Federal.

    A segunda parte (Populao SemAbrigo: a Abordagem Europeia), baseadano relatrio de consultoria do perito externoSrgio Aires (assim como a terceira), traz acontextualizao do fenmeno sem-abrigona Europa, abordando seu histrico e asmltiplas estratgias de interveno nombito da Unio Europeia e de seus EstadosMembros. Importante ressaltar o diferencial

    deste conceito adotado na Europa, sem-abrigo, que abrange um pblico mais amploque o termo utilizado no Brasil (populaoem situao de rua), contemplando nos os moradores de rua mas tambm

    aqueles que vivem em habitaes precrias,superlotadas, ameaadas por desastresnaturais ou incndios, em vias de despejo poratraso de aluguel, entre outras situaes devulnerabilidade. No tocante s estratgias deinterveno, so apresentados trs modelosadotados entre os pases europeus: omodelo assistencialista, o modelo integradoe o modelo housing led (direcionado para ahabitao).

    J a terceira parte (Populao sem-abrigo: as Experincias de Paris e Londres)apresenta os contextos e intervenesespecficas nas capitais da Frana e daInglaterra. Desta forma, contextualizacomo se d a abordagem ao fenmenoem cada cidade e como esto organizadasas respectivas estruturas institucionaisvoltadas ao atendimento populao sem-abrigo, permitindo traar um paralelo entreas duas experincias. Sistematiza no s osprogramas e aes do poder pblico, mastambm as iniciativas de ONGs e do setorprivado, contemplando uma vasta gama deestratgias de resposta ao fenmeno.

    Por fim, apresentado um breve relatode viagem do representante do MovimentoNacional da Populao de Rua, SamuelRodrigues, indicado pelo movimento paraintegrar a equipe do projeto que viajou aParis e Londres para conhecer experinciasde acolhimento e demais polticas voltadasaos sem-abrigo nestas cidades. Seu olhar esuas consideraes sobre esta vivncia nos

    deixam a reflexo quanto ao desafio comuma todos os pases de garantir plenos direitosa todo e qualquer cidado.

    INTRODUO

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    1.1 Contexto dasituao de rua na histria eo avano das polticas paraseu atendimento no Brasil

    Estar nas ruas no um movimentoatual na sociedade. Percorrer distncias,migrar, perambular, no possuir residnciafixa uma dinmica social relatada desdea Grcia antiga. A denominao situaode rua s pde advir aps a sedentarizaoe a construo de moradias familiares ouindividuais da humanidade. Em pocasnmades tal concepo seria impossvel.

    Stoffels (1977) fez extensa pesquisaacerca do histrico do fenmeno situao derua, afirmando que a histria da organizaodo estado e da cidade paralela a dasituao de rua, visto que foi por meio dasdesapropriaes de terras para o crescimento

    das cidades que elas conheceram o aumentode mendigos e indigen tes, nas ruas da GrciaAntiga.

    Neste perodo, existiu um filsofoemblemtico que problematizou o ato deestar nas ruas, que foi Digenes de Snope,que viveu entre os anos de 404-323 a. C.Segundo relatos de sua histria, ele tornou-se um mendigo que foi expulso de sua cidadede origem e foi para Atenas, onde conheceuAntstenes, seu mestre. Em Atenas, Digeneshabitava um grande barril. Seus nicospertences eram uma lamparina, que eleusava inclusive durante o dia para procurarum homem honesto, uma sacola, um bastoe uma tigela (que simbolizavam o desapego eautossuficincia perante o mundo).

    A vida de Digenes buscava cumpriro ideal cnico da autossuficincia. Ele fezda pobreza uma virtude e tinha o intuito dederrubar as instituies e os valores sociais.

    O filsofo considerado um dosprimeiros a desenvolver a noo decosmopolitismo, quando disse a seguintefrase: No sou nem ateniense nem grego,mas sim um cidado do mundo. Ele tambmimpressionou Alexandre, o Grande, noepisdio em que o Imperador interrogou-osobre o que poderia fazer por Digenes. Naocasio, a posio de Alexandre, em p,tampava o sol que aquecia Digenes, quese encontrava sentado no cho, e nessemomento, Digenes olha para Alexandre ediz: No me tires o que no me podes dar!.Tal resposta impressionou Alexandre, que,disse: Se eu no fosse Alexandre, queria

    ser Digenes. Esta cena est retratada napintura do artista Caspar de Crayer (1582-1669).

    Figura 1 - Pintura do artista Caspar de Crayer (1582-

    1669) Alexandre o Grande e Digenes leo sobretela, 1650. Acervo do Koln-Wallraf Richard Museum

    O filsofo-mendigo da Grcia Antigano pode ser considerado como referncia da

    situao de rua que vivemos hoje. Atualmente,a situao de explorao capitalista dotrabalho, as desapropriaes de terras,desigualdade socioespacial, a concentraode renda so fatores intrnsecos ao aumentoda pobreza e da situao de rua.

    No entanto, a histria de Digenesconvida reflexo acerca do incmodo que eletrazia na sociedade grega e de suas questesexistenciais: ao questionar as instituiessociais e os preceitos do cidado da polis,Digenes pode tornar-se um smbolo quenos remete ao incmodo da situao de ruacontempornea. Digenes encarna a anttese

    de nossa organizao social, colocando-nosquestes para reflexo acerca de nosso atualperodo.

    Durante a IdadeMdia, os itinerantese mendigos eramconsiderados pessoasperigosas, de mndole, sempre seconfigurando comopartes segregadasdo conjunto social.Autoras comoFrangella (2009) eSilva (2006) afirmamque mesmo com osdiferentes tratamentosdas pessoas emsituao de rua nos

    diversos perodos histricos, a caracterstica

    da apartao social e territorial transversal.O crescimento das cidades aprofunda talrelao, conforme podemos observar comFrangella (2009),

    I. POPULAO EM SITUAO DERUA: A ABORDAGEM BRASILEIRA E AEXPERINCIA DO DISTRITO FEDERAL

    1. CONTEXTUALIZAO DA POPULAOEM SITUAO DE RUA NO BRASIL E NO DF

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    O movimento itinerante, incerto, entraem atrito com a ordem estabelecida,sedentria. Cria-se ento umarelao de poder entre as duasordens, interdependentes, com astenses inerentes a essas relaesprojetadas sobre os que se deslocampermanentemente na contramo dosmodelos dominantes de organizaoeconmica e social. Nessa frico, soa prpria errncia e as caractersticasa ela associadas sem emprego oucasa fixa, o deslocamento contnuo,a dificuldade de obter renda quese transformam em anomia, a qual

    gera estranheza e confere estigma aessa populao, provocando reaesamedrontadas e posturas hostis.(idem, p. 42-43)

    Desde as Revolues Industriais atos dias de hoje, o movimento parecido: aintensificao do processo de urbanizaodiretamente proporcional segregao dasclasses mais empobrecidas, o que contribuipara a ida das pessoas para as ruas. Durantea I Revoluo Industrial (sculo XIX), foramcriadas, sobretudo na Inglaterra, leis paradesapropriao dos camponeses, forando-os a irem para as cidades e aceitarem osnovos empregos nas fbricas, que pagavambaixos salrios e dispunham de pssimascondies de trabalho (SILVA, 2006;FRANGELLA, 2009).

    No Brasil, segundo Ferro (2012),

    historicamente podemos separar as polticaspara a populao em situao da seguintemaneira:

    Um primeiro tipo de poltica, queremonta origem das ruas, acriminalizao e represso dessaspessoas por agentes pblicos. O usoda violncia tem sido prtica habitualpara afastar essas pessoas dos centrosurbanos e lev-las para reas remotasou para outros municpios, em ntidaspolticas de higienizao social. Essetipo de ao estatal reflete, claro, acultura dominante em nossa sociedadede discriminao e culpabilizao doindivduo por estar e morar nas ruas,viso que projetada e estimuladapor diversos meios de comunicao.

    O segundo tipo de poltica consistena omisso do Estado e, comoconsequncia, na cobertura nfimaou inexistente das polticas sociaispara este segmento em todos os trsnveis de governo (municipal, estaduale federal), ou seja, a invisibilidade dofenmeno para o poder pblico. Nessesentido, a ausncia de polticas sociais tambm uma poltica. (idem, p. 36)

    Por outro lado, ao longo da histriabrasileira, houve e h as obras de caridade,geralmente comandadas por igrejas ouassociaes de senhoras com abordagensassistencialistas para remediar os pobres esofridos (SPOSATI, 1985), dentre os quaisas pessoas em situao de rua (PENTEADO,2011; 2012). O modelo assistencialista foi,tambm, at a dcada de 1990, emprestadopelo Estado na poltica de Assistncia Social.

    Durante a redemocratizao do pas,iniciada na dcada de 1980, a atuaodos movimentos sociais foi fertilizada em

    busca da construo de polticas pblicasque garantissem a concretizao da novaConstituio Federal de 1988. A populao emsituao de rua, nesta efervescncia se tornapauta de debates e polticas pblicas (FERRO,2012; PENTEADO 2012; SILVA, 2006).

    A Constituio Federal de 1988,sobretudo pelo explcito nos artigos 5 e 6,determina a igualdade de todos perante a leie os direitos sociais. A partir dessa premissa,torna-se impossvel excluir a populao emsituao de rua das agendas das polticassociais.

    Na dcada de 1990, alguns episdiosdo maior destaque e visibilidade populaoem situao de rua, evidenciando-se aurgncia de sua incluso nas normativas. Oprimeiro deles o Frum Nacional de Estudo ssobre Populao de Rua, em 1993, seguidodo Grito dos Excludos a partir de 1995, osSeminrios Nacionais e o 1 CongressoNacional dos Catadores de MateriaisReciclveis, alm da 1 Marcha do Povo daRua, em 2001.

    Nesse turbilho democrtico que viviao pas, com muitos movimentos sociais searticulando para construo de eventos,seminrios e marchas, foi aprovada aLei Federal n 8.742, de 7 de dezembrode 1993 Lei Orgnica da AssistnciaSocial (LOAS), que tem sua importnciapor considerar a assistncia social comodireito do cidado e dever do Estado. Ainda

    em 1993, a Organizao Mundial da Sade(OMS) declarou emergncia no atendimentoe tratamento da tuberculose, e o Brasilse enquadrou como um dos 22 pases

    prioritrios para essa misso. A organizaorecomendou uma estratgia de boas prticas,chamada DOTs (Estratgia de TratamentoDiretamente Observado), para controle dadoena, sobretudo na populao em situaode rua.

    Em 2004, foi aprovada a PolticaNacional de Assistncia Social (ResoluoCNAS n 145, de 15 de outubro de 2004),que atribui Proteo Social Especial oatendimento da populao em situa o de rua.No mesmo ano, o MDS celebrou Convnio deCooperao Tcnico-Cientfica e Financeiracom a Organizao No Governamental do

    Auxlio-Fraterno OAF/SP, com foco emaes de capacitao para o fortalecimentodo Movimento Nacional da Populao de Rua.

    Ainda em 2004, h um evento trgicono centro de So Paulo, com o ataque a 15pessoas em situao de rua, resultando namorte de 7. Esse massacre exaltou a cobranapor proteo e polticas pblicas para essapopulao. Na sequncia, em 2005, lanadoo Movimento Nacional da Populao de Rua(MNPR), apoiado pelo Movimento Nacional dosCatadores de Materiais Reciclveis (COSTA,2007; FERRO, 2012).

    A partir desses episdios, a populaoem situao de rua convidada pelaSecretaria Nacional de Assistncia Socialdo Ministrio do Desenvolvimento Sociale Combate Fome para a realizao do IEncontro Nacional de Populao em Situao

    de Rua (com a participao das trs esferasde governo, sociedade civil, movimento sociale organizaes no-governamentais). Nesteencontro, foi construdo o primeiro esboo

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    da Poltica Nacional para a Populao emSituao de Rua, alm de subsdios para otexto da Lei n 11.258, de 30 de dezembro de2005, que altera a LOAS e inclui atendimentoespecializado para a populao em situaode rua.

    Ferro (2012) aponta essa mudana devisibilidade da populao em situao de rua:

    A partir de 2005, por intermdio doMinistrio de Desenvolvimento Sociale Combate Fome (MDS), inicia-se um processo sem precedentesna histria do Estado brasileiro

    de discusso sobre o fenmenosocial das pessoas em situao derua. Igualmente, de forma tambmindita, o Governo Federal promovevrias iniciativas que possibilitarama participao da sociedade civil nadiscusso e formulao de polticaspblicas destinadas a essa populao.Esta mudana aponta para umprojeto poltico no apenas diferente,mas antagnico ao que vinha sendopraticado historicamente pelo Estado.Um projeto no qual, pela primeira vez,a incluso dos invisveis torna-seimportante. (idem, p. 36)

    Ainda em 2005, foi assinada pelo MDSa Portaria n 566, de 14 de novembro de 2005,que permitiu o cofinanciamento de prefeiturase organizaes no governamentais paraprojetos de incluso produtiva da populao

    em situao de rua e suas famlias.

    Neste nterim, os movimentos sociaise as pastorais de rua ganharam fora para

    a continuidade das reinvindicaes e aesafirmativas para a incluso da populao emsituao de rua.

    Em 2006, foram aprovadas pelo MDStrs portarias importantes: a Portaria n 136,de 24 de abril de 2006, referente a Projetos dePromoo da Incluso Produtiva do Programade Economia Solidria em Desenvolvimento;a Portaria n 138, de 25 de abril de 2006,referente ao cofinanciamento de projetosde estruturao da rede de serviossocioassistenciais de alta complexidade daproteo social especial; e a Portaria n 381,de 12 de dezembro de 2006, referente ao

    cofinanciamento de servios continuados deacolhimento institucional, que estabeleceunormas para o repasse de recursossocioassistenciais para despesas de custeio,inclusive para a proteo social especial dealta complexidade.

    Nesse contexto de aprofundamentoda construo de polticas setoriais parao atendimento dessa populao, iniciou-se a redao da Poltica Nacional paraPopulao em Situao de Rua (PNPR),impulsionada por um Grupo de TrabalhoInterministerial (GTI), que foi coordenadopelo MDS e composto por outros ministrios(Sade, Educao, Trabalho e Emprego,Cidades, Cultura e Secretaria Especial deDireitos Humanos), alm da sociedadecivil organizada (Movimento Nacional daPopulao de Rua e Pastoral do Povo da Rua)e Colegiado Nacional de Gestores Municipais

    de Assistncia Social (CONGEMAS). Durantea construo do texto da Poltica Nacional,houve seminrios e consulta pblica at afinalizao do documento.

    Para continuidade dessas aes econsolidao da Poltica Nacional, o MDSrealizou a Pesquisa Nacional sobre Populaoem Situao de Rua, com a coleta dosdados feita entre os anos de 2007 e 2008 elanamento do documento em 2009.

    Ainda em 2007 foram lanadas outrasduas portarias, tambm pelo MDS: a Portarian 224, de 25 de junho de 2007, referente aocofinanciamento de projetos de adequaodas unidades de abrigo, e a Portaria n 225,de 25 de junho de 2007, sobre o Projeto deIncluso Produtiva.

    Em 2008, a Portaria MDS n 431,de 03 de dezembro de 2008, tratou daexpanso do cofinanciamento de servioscontinuados de acolhimento institucional,visto que houve manifestao de interessedos municpios por esse servio. Assim, oPiso de Alta Complexidade II foi expandidopara todos os municpios com mais deduzentos e cinquenta mil habitantes e paratodas as capitais dos estados, independentedo nmero populacional.

    De posse dos dados da pesquisa eaps cinco anos de participao da sociedadecivil no debate para polticas para pessoas emsituao de rua (FERRO, 2012), foi realizado,em 2009, o II Encontro Nacional sobrePopulao em Situao de Rua, momento emque foi consolidada uma proposta intersetorialpara a Poltica Nacional para a Populao emSituao de Rua (PNPR), instituda finalmente

    pelo Decreto n 7.053 de 23 de dezembrode 2009.

    A Poltica Nacional para a Populao

    em Situao de Rua define esse grupopopulacional como:

    Grupo populacional heterogneo quepossui em comum a pobreza extrema,os vnculos familiares interrompidosou fragilizados e a inexistncia demoradia convencional regular, e queutiliza os logradouros pblicos e asreas degradadas como espao demoradia e de sustento, de formatemporria ou permanente, bem comoas unidades de acolhimento parapernoite temporrio ou como moradiaprovisria.

    com base nessa conceituao que aspolticas setoriais passam a ser pensadas erepensadas para a incluso dessa populaonos programas sociais. Podemos observarque desde a Constituio Federal de 1988,mais de 10 anos se passaram para que seconsolidasse uma ateno especfica paraatender as demandas de quem est na s ruas,garantindo sua cidadania e direitos humanos.

    O Decreto n 7.053 traz em seusprincpios e diretrizes sobretudo o respeito,a dignidade, a equidade e a igualdade comonorte para a garantia de direitos, retomandoassim, a prpria Constituio Federal.

    O trabalho em rede e aintersetorialidade so temas de diretrizes01

    01. O Art. 6 define as diretrizes da PNPR, dentre as quais destacam-se:

    I - promoo dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais,culturais e ambientais;II - responsabilidade do poder pblico pela sua elaborao efinanciamento;III - articulao das polticas pblicas federais, estaduais, municipaise do Distrito Federal;IV - integrao das polticas pblicas em cada nvel de governo;

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    da referida poltica, e cabe ao ComitNacional a funo de elaborar planos deao, acompanh-los e monitor-los, almde desenvolver indicadores de avaliao daPNPR, para poder sugerir medidas para aarticulao intersetorial e a divulgao daPNPR. Cabe ainda ao Comit Nacional ainstituio de grupos de trabalho temticos,acompanhar estados, DF e municpios naimplantao da PNPR, alm da organizaode encontros nacionais.

    A PNPR prev tambm, em seuArt. 3, a instalao de Comits GestoresIntersetoriais nos estados, municpios e no

    DF, junto de representantes da sociedade civilorganizada relacionada ao atendimento e lutapor direitos dessa populao.

    No mesmo ano de 2009, o ConselhoNacional de Assistncia Social (CNAS)aprovou a Resoluo n 109, de 11 denovembro de 2009 Tipificao Nacionalde Servios Socioassistenciais, que responsvel pela organizao e descrio dasunidades, servios ofertados e pblico alvo doSistema nico de Assistncia Social (SUAS).Na Tipificao, encontramos alguns serviosespecficos para a populao em situaode rua: dentro da Proteo Social Especialde Mdia Complexidade so ofertados oServio Especializado em Abordagem Social oferecidos nos CREAS ou Centros POP; oServio Especializado para a Populao emSituao de Rua oferecido nos CentrosPOP; e na Proteo Social Especial de Alta

    Complexidade so oferecidos os Servios deAcolhimento Institucional.

    Em 2010, o MDS estabeleceu parceriacom a Unesco para a realizao do Projeto deCapacitao e Fortalecimento Institucional daPopulao em Situao de Rua, com o objetivode formao, organizao e articulao dapopulao em situao de rua, alm decontribuir para a consolidao do MNPR.

    No mesmo ano, o MDS lanoua Portaria n 843, de 28 de dezembrode 2010, cujo Captulo III estabelece ocofinanciamento federal, por meio do PisoFixo de Mdia Complexidade PFMC, dosCentros de Referncia Especializados paraPopulao em Situao de Rua, em que so

    contemplados municpios com populaosuperior a 250.000 habitantes.

    Tambm em 2010, o MDS construiuo Formulrio Suplementar 2, o Guia deCadastramento de Pessoas em Situao deRua, a Instruo Operacional Conjunta n7 SENARC/SNAS e a Cartilha: Incluso dasPessoas em Situao de Rua no Cadastronico para Programas Sociais do GovernoFederal.

    No bojo destas conquistas polticase de cidadania, o Sistema nico de Sadetambm lanou servios especficos para oatendimento populao em situao de rua,como a Portaria n 2.488/GM/MS, de 21 deoutubro de 2011, que estabelece a PolticaNacional de Ateno Bsica e que prevEquipes de Consultrio na Rua eCR; e aPortaria n 122/GM/MS, de 25 de janeiro de

    2012, que define as diretrizes e organizaodos Consultrios na Rua.

    A fim de consolidar as OrientaesTcnicas para o atendimento da populaoem situao de rua, o MDS lanou em 2011a Srie SUAS e Populao em Situao deRua, com trs volumes: Volume I - Incluso daspessoas em Situao de Rua no Cadastro nicopara Programas Sociais do Governo Federal,Volume II Perguntas e Respostas Centrode Referncia Especializado para a Populaoem Situao de Rua; e Volume III - Caderno deOrientaes Tcnicas do Centro de RefernciaEspecializado para a Populao em Situao deRua e do Servio Especializado para Pessoasem Situao de Rua.

    Em 2012, o MDS estabeleceu aexpanso qualificada do cofinanciamento dasunidades de atendimento a esta populaopara mais 70 municpios, por meio daResoluo CIT n 3, de 1 de maro de 2012.

    Em 2012, o Ministrio da Sadelanou a publicao: Manual sobre o cuidado sade junto populao em situao derua.

    Visando a continuidade da expanso docofinanciamento dos servios socioassistenciaispara a populao em situao de rua, o MDSaprovou a Portaria n 139, de 28 de junhode 2012, que altera a Portaria n 843, de 28de dezembro de 2010, que dispe sobre ocofinanciamento federal dos servios ofertadospelos CREAS e Centros Pop e d outrasprovidncias.

    No mesmo intuito, foi aprovada no anoseguinte pelo CNAS a Resoluo n 09, de18 de abril de 2013, que trata da expansoqualificada dos Servios Socioassistenciais

    de Proteo Social Especial para o ServioEspecializado em Abordagem Social, ServioEspecializado para Pessoas em Situao deRua; para o Reordenamento dos Servios deAcolhimento Institucional e para os Serviosde Acolhimento em Repblica para Pessoasem Situao de Rua.

    Enfim, vemos que em poucos anosforam lanadas no cenrio poltico brasileirodiversas polticas, leis, portarias e resoluescom o tema da garantia de direitos para apopulao em situao de rua, que ganharammaior visibilidade no pas.

    1.2. O territrio e asituao de rua no DF: umaabordagem necessria

    A presena de pessoas em situaode rua no Brasil, de acordo com Frangella(2009), Silva (2006) e Penteado (2004, 2010,2011 e 2012), um elemento histrico queacompanha o processo de urbanizao eindustrializao do pas.

    Penteado (2012) afirma que o modocorporativo como a urbanizao vem sedando desde a dcada de 1980 no Brasilimpulsiona cada vez mais a populao maispobre para as periferias da cidade, enquantoos centros urbanos vo sendo revalorizados

    e revitalizados com novas funcionalidades,como centros culturais de alta classe, sedesde edifcios administrativos, entre outros,alavancando, inclusive, a especulaoimobiliria. Nesse processo, a populao de

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    baixa renda vem sendo expulsa dos lugarescentrais e obrigada a se periferizar.

    Nesse sentido, Penteado (2012)recorre a Santos (2007), que afirma que ohomem passa a valer em funo do lugar emque ele vive, isto , ele tem uma localizaoforada na cidade, no havendo direito escolha de seu lugar de moradia.

    Figura 2 - Esboo de Lcio Costa do Plano Piloto: nasceu do gestoprimrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixoscruzados e em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal da cruz. Fonte:LEITO, F. (org). [et al.] Braslia 1960 2010: passado, presente efuturo. Braslia: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano eMeio Ambiente, 2009, p.38.

    Nesse sentido, o espao geogrfico,ou o territrio, considerado como o espaodo acontecer da vida, que condutor dasexpresses materiais do poder imposto pelasforas socioeconmicas.

    Conforme aponta Santos (2002,p.63), o espao geogrfico formadopor um conjunto indissocivel, solidrio etambm contraditrio, de sistemas de objetos

    e sistemas de aes, no consideradosisoladamente, mas como o quadro nicono qual a histria se d, isto , as aeshumanas e a materialidade interagem de talforma, que ora suas foras indissociveis se

    complementam, ora elas se repelem, sendoo territrio o abrigo que acolhe todo essemovimento.

    Nesse sentido, podemos analisara relao intrnseca e histrica entre oprocesso de urbanizao e a reproduo dasituao de rua. So aes e movimentos dahistria da sociedade que vo acontecendo

    concomitantemente e seretroalimentando.

    No Brasil, esseprocesso se acirra nasdcadas de 1960 e 1970 com

    a industrializao. At ento,o pas era essencialmenteagrcola, e nesse momentoa presena de pessoasem situao de rua nascidades era menor, afinal onmero e a importncia dascidades tambm era menor.A partir da industrializao,as cidades comeam a seinflar, no caso brasileiro

    sem adequado planejamento urbano,tampouco com nmero suficiente de postosde trabalho e moradia, gerando bolses depobreza urbana no pas, que provocaramfavelizao de contingentes expressivos depopulaes, aumento da violncia urbana eda desigualdade social. De forma geral, essapopulao foi sendo composta por cidadosque se deslocavam do campo para as cida desem busca de melhores condies de vida.

    No mesmo perodo da industrializao,iniciou-se a construo de Braslia, no PlanaltoCentral brasileiro, regio do interior, quaseno corao do pas, que at ento abrigava

    aldeias indgenas e pequenos vilarejos. Ointuito de levar a capital para o interior eraantigo, e desde o fim do sculo XIX j haviaincurses de equipes de pesquisadores parafazer o levantamento de aspectos comoa topografia, a geologia, a pedologia, ahidrologia, o clima, a fauna, a flora, os recursosminerais e materiais para a construo danova capital. As coordenadas geogrficasdo quadriltero foram remarcadas algumasvezes, at que o Presidente recm-eleitoJuscelino Kubistchek leva a cabo o projeto eo processo da mudana da capital (LEITO,2009, p.21).

    Figura 3 - Esboo de Lcio Costa, em que ele procurou a adaptao doPlano Piloto topografia local, ao escoamento natural das guas, melhororientao, arqueando-se um dos eixos a fim de cont-lo no tringuloequiltero que define a rea urbanizada. Fonte: LEITO, F. (org). [et al.]Braslia 1960 2010: passado, presente e futuro. Braslia: Secretaria de Estadode Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009, p.38.

    A interiorizao do centro polticodo pas foi defendida por estudiosos,principalmente por questes de segurana esoberania nacional.

    Em 1956, com o presidente JuscelinoKubistchek, foi aprovada a Lei Federal n2.874, de 19 de setembro, que concedeuautorizao para a mudana da capitalfederal, estabeleceu o permetro definitivo

    do Distrito Federal e criou a CompanhiaUrbanizadora da Nova Capital (Novacap). Estaganhou um imenso poder no projeto, vistoque ficou responsvel por todas as aesvoltadas para a mudana da administraofederal.

    No mesmo ano foi lanado oconcurso pblico para o projeto da novacapital, garantindo que as concepes deplanejamento urbano j estivessem presentesdesde o incio das obras. O concurso foivencido pelo arquiteto e urbanista Lcio

    Costa.

    Inicia-se, ento, aconstruo de Braslia noDistrito Federal, momentoem que so convocadosmilhares de trabalhadores,sobretudo para a construocivil. Juntamente, vmcomerciantes e diversosservios para suprir asnecessidades dos residentesda nova capital. Os chamadoscandangos se deslocaram,sobretudo, das regies nortee nordeste, povoando oPlanalto Central, juntamentecom a classe poltica que se

    descocava do assediado Rio de Janeiro parao Cerrado de terras vermelhas e arbustosretorcidos. Essa mistura de culturas, sotaquese interesses deu vida nova capital do pas.

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    Figura 4 - Desenvolvimento do esboo de Lcio Costa do Plano piloto... ehouve o propsito de aplicar os princpios francos da tcnica rodoviria

    inclusive a eliminao dos cruzamentos tcnica urbanstica, conferindo-se ao eixo arqueado, correspondente s vias naturais de acesso, a funocirculatria tronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais parao trfego local, e dispondo-se ao longo desse eixo o grosso dos setoresresidenciais. Fonte: LEITO, F. (org). [et al.] Braslia 1960 2010: passado,presente e futuro. Braslia: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbanoe Meio Ambiente, 2009, p.38.

    No entanto, ainda que tenha havido planejamen to urbano, o contingente de pessoas queveio para a capital foi se aglomerando no entorno, ocupando terras e fornecendo mo-de-obrabarata para a classe poltica com alto poder aquisitivo que se adensava em Braslia.

    De acordo com dados demogrficos da pesquisa A economia do Distrito Federal um estudo analtico dos ltimos 10 anos, do Instituto Brasiliense de Estudos da EconomiaRegional (IBRASE), de 2004,

    O projeto inicial de Lcio Costa previa que a populao de Braslia atingiria cerca de 500mil habitantes no ano 2000. Quatro dcadas se passaram e, ao longo delas, o DistritoFederal passou por profundas transformaes no plano urbanstico e scio-econmico.A implantao de Braslia previa que sua expanso se faria atravs de cidades-satlites,mantendo-se, entre a capital e estes ncleos habitacionais, uma larga faixa verdedestinada a uso rural. Assim, em 1960, a populao do Distrito Federal, contabilizada

    em 154,7 mil habitantes, estava distribuda em seis localidades: Braslia, Gama,Taguatinga, Sobradinho, Planaltina e Ncleo Bandeirante. Em 1970, j havia cerca de598,9 mil pessoas morando no Distrito Federal, agora distribudas em sete localidades,considerando-se a incluso de Brazlndia. Em 1980, o Distrito Federal, alm de Braslia ,

    contava com mais 10 cidades-satlites,uma vez terem sido criadas as cidades-satlites de Ceilndia, Guar e Cruzeiro.A populao nesse ano j atingia1.176,9 mil habitantes. No ano 2000,a denominao de cidade-satlite jno existia, dando lugar s RegiesAdministrativas, que totalizavam 19,com o ingresso de Samambaia, SantaMaria, So Sebastio, Recanto dasEmas, Lago Sul, Riacho Fundo, LagoNorte e Candangolndia. A populaorecenseada pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatstica IBGE paraesse ano no DF totalizou 2.051,1 mil

    moradores. (IBRASE, 2004, p. 05)

    Para ilustrarmos como foi esse processode exploso demogrfica do DF, recorremosao exemplo da histria do nascimento deCeilndia, que est brevemente publicada nosite de sua Administrao Regional02.

    Segundo dados da AdministraoRegional de Ceilndia, a regio do entornode Braslia, j em 1969, com apenas noveanos de fundao, contava quase 80.000pessoas morando em situao de favela,sendo que todo o DF possua cerca de 500mil habitantes. No mesmo ano, foi realizadoum seminrio para encontrar solues paraos problemas urbanos e sociais no DistritoFederal.

    Ainda que o planejamento urbanotenha sido feito para o Distrito Federal, ele no

    previu de maneira assertiva o crescimento eo adensamento urbano e populacional. Em

    02. Disponvel em: http://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.html

    pocas de xodo rural, mudana da capital,industrializao e urbanizao, a intensidadedas transformaes do espao e sociais foiabrupta, e faltou aos desenvolvedores doprojeto da capital essa projeo futura maisrealista.

    O grau de favelizao foi o tema maisgritante do seminrio ocorrido em Braslia em1969. Naquele momento, o governador HlioPrates da Silveira ordenou Secretaria deServios Sociais a erradicao das favelas,comandada por Otamar Lopes Cardoso. interessante notar que ficou a cargo daAssistncia Social da poca a soluo para a

    desfavelizao.

    Foi criado, ento, um grupo detrabalho que mais tarde se transformouem Comisso de Erradicao de Favelas,presidida pela primeira-dama, dona Vera deAlmeida Silveira, que comandou a Campanhade Erradicao de Invases (CEI). A CEI e aNovacap demarcaram os lotes ao norte deTaguatinga para assentar os invasores. Onome Ceilndia originou-se da sigla CEI e dapalavra de origem norte-americana landia,que significa cidade. Para finalizar, gostariade destacar outra pequena parte da histriado planejamento urbano do DF:

    Em nove meses, a transferncia dasfamlias estava concluda, com as ruasabertas em torno do projeto urbansticode autoria do arquiteto Ney Gabriel deSouza dois eixos cruzados em ngulo

    de 90 graus, formando a figura de umbarril. Nos primeiros tempos foi umdrama. A populao carecia de gua,de iluminao pblica, de transporte

    http://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.html
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    coletivo, e lutava contra a poeira, alama e as enxurradas. (Fonte: http://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.html)

    A organizao poltica do DF se d emRegies Administrativas, de acordo com a Lein 4.545, de 10 de dezembro de 1964, quedispe sobre a reestruturao administrativado Distrito Federal, e d outras providncias.O Artigo 9 estabelece que:

    O Distrito Federal ser dividido emRegies Administrativas para fins dedescentralizao e coordenao dosservios de natureza local.

    1 A cada Regio Administrativacorresponder uma AdministraoRegional qual caber representara Prefeitura do Distrito Federal epromover a coordenao dos serviosem harmonia com o interesse pblicolocal.

    2 A Administrao Regional serChefiada por um AdministradorRegional, de livre nomeao doPrefeito, dentre servidores decomprovada idoneidade e experinciaadministrativa, integrantes ou disposio do sistema de administraodo Distrito Federal.

    3 O Administrador Regional deverresidir obrigatoriamente, na sedede sua Regio, desde que lhe sejamproporcionadas condies para estefim.

    Atualmente o DF conta com trinta (30)Regies Administrativas03, que so:

    guas Claras (RA XX), que comeou aser construda na dcada de 90. Hoje, contacom cerca de 808 hectares e est a 20 kmdo Plano Piloto.

    Braslia - RA I ou Plano Piloto (RA I) - acapital do pas.

    Brazlndia (RA IV) - com um ritmode vida interiorana e economia baseadana produo agrcola, Brazlndia est a 59quilmetros do Plano Piloto.

    Candangolndia (RA XIX) - A origem daCandangolndia se confunde com o incio deBraslia, afinal ela abrigou os pioneiros quetrabalharam na construo da cidade.

    Ceilndia (RA IX)

    Cruzeiro (RA XI) - Pioneiros vindosprincipalmente do Rio de Janeiro formaram oCruzeiro. Prximo ao Parque da Cidade SarahKubitschek.

    Gama (RA II) - No Censo Experimentalde Braslia de 1959, residiam na futura reado Gama cerca de 1.000 pessoas. Hoje, jso mais de 138 mil.

    Guar (RA X) - O nome Guar vem docrrego Guar, que corta sua rea e que,provavelmente, foi batizado em homenagemao Lobo Guar.

    03. Fonte: http://www.sedhab.df.gov.br/dossie-regioes-administrativas.html. As descries das RAs foram integralmenteretiradas do site da SEDHAB, do GDF.

    http://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.sedhab.df.gov.br/dossie-regioes-administrativas.htmlhttp://www.sedhab.df.gov.br/dossie-regioes-administrativas.htmlhttp://www.sedhab.df.gov.br/dossie-regioes-administrativas.htmlhttp://www.sedhab.df.gov.br/dossie-regioes-administrativas.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.htmlhttp://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.html
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    28Dilogos sobre a populao em situao de rua no Brasil e na Europa Dilogos sobre a populao em situao de ru

    Itapo (RA XXVII) - Em 03 de janeiro de2005 foi criada a Regio Administrativa pormeio da Lei no 3.527.

    Jardim Botnico (RA XVIII) ou RA XXVII- Com muito verde, o Jardim Botnico abriga23 condomnios horizontais que oferecem umalto ndice de qualidade de vida.

    Lago Norte (RA XVIII) - Localizado naPennsula Norte, o Lago Norte, com suascaractersticas singulares, considerado umdos melhores lugares do DF para se habitar.

    Lago Sul (RA XVI) - Criado para a

    moradia dos diretores da NOVACAP, hojeum dos locais mais nobres de Braslia, aindaabriga lindos pontos tursticos como a ErmidaDom Bosco e o Jardim Botnico.

    Ncleo Bandeirante (RAVIII) - O NcleoBandeirante uma das localidades maistradicionais do DF, onde est localizado oCatetinho. Inaugurado em 10 de novembrode 1956.

    Parano (RA VII) - Em janeiro de1957 foi criada a Vila Parano. Hoje aRegio Administrativa tem o status de maiorprodutora de feijo da Amrica Latina.

    Parque Way (RA XXIV) - Criadoexclusivamente para fins residenciais, oParkWay abriga reservas ecolgicas deinstituies pblicas e crregos de sumaimportncia para a regio.

    Planaltina (RA IV) ou RA VI - Osdocumentos existentes no indicam a dataexata da fundao de Planaltina, embora seacredite ser 1970.

    Recanto das Emas (RA XV) - Na entradada cidade, voc encontra o Monumento dasEmas, a principal referncia.

    Riacho Fundo (RA XVII) - Com umagrande contribuio ecolgica, a cidadepossui nascentes de diversos crregos,incluindo o prprio crrego Riacho Fundo,que inspirou o nome da cidade.

    Riacho Fundo II (RA XXI) - Antes umespao considerado um imenso vazio nocerrado hoje uma linda cidade.

    Samambaia (RA XII) - Samambaianasceu para abrigar o alto nmero de pessoasque migravam de outras partes do pas para oDistrito Federal, entre 1989 e 1994.

    Santa Maria (RA XIII) - Santa Maria privilegiada pelo rico patrimnio ambiental:nascentes de guas cristalinas, rios alagadose quedas dgua.

    So Sebastio (RA XIV) - O nome SoSebastio uma homenagem a um dosprimeiros comerciantes a chegar na cidade,Seu Sebastio.

    SCIA (RA XXV) - O Setor Complementarde Indstria e Abastecimento de importanteatividade comercial para o DF que aindacompreende a Cidade do Automvel e aEstrutural.

    SIA (XXIX) - Regio industrial, comercial

    e de servios, com mais de cinco mil empresasinstaladas e 80 mil trabalhadores. O setor responsvel por 56% da arrecadao deimpostos do Governo do Distrito Federal.

    Sobradinho (RA V) - Sua localizaoestratgica, limitada pelo prprio planourbanstico, garante cidade a tranquilidadede um crescimento orientado.

    Sobradinho II (RA XXVI) - O nomeSobradinho II surgiu devido sua proximidadecom a cidade de Sobradinho, de onde amaioria dos moradores migrou, em busca demelhores condies de habitao.

    Sudoeste-Octogonal (RA XXII) -Quadras residenciais de alto padro comespaos destinados ao lazer e entretenimentobem equipados e conservados, alm de umcomrcio completo e instituies de ensino.

    Taguatinga (RA III) - Taguatinga dosprincipais centros comerciais do DF, e polo de atrao para a populao das RAsprximas, com hospitais e shoppings degrande porte.

    Varjo (XXIII) - Nos anos 60 as primeirasfamlias chegaram ao Varjo, se dedicando aatividades agrcolas. No incio dos anos 90, oGDF fixou a populao e iniciou os projetospara a sua implantao definitiva.

    Vicente Pires - RA XXX - Uma novacidade, independente. Vicente Pires, queantes era apenas um bairro de Taguatinga,passa a ter autonomia e um administrador.

    Como possvel notar com asdescries das RAs feita pelo GDF, h muita

    diversidade entre as localidades, desdeaquelas destinadas a abrigar a elite polticado DF at aquelas empobrecidas e fruto deocupaes, e/ou para abrigar os trabalhadores

    que migraram para a construo de Braslia.

    Para verificarmos mais a fundo adesigualdade nessa regio, importanteanalisar a desigualdade social no entorno,que pode ser medida pelo PIB per capita.Segundo dados do Instituto Brasiliense deEstudos da Economia Regional (Ibrase) de2004, o PIB per capita do Distrito Federal em2001 foi calculado em R$ 15.725,00, o maiorentre todos os estados brasileiros. So Pauloe Rio de Janeiro, que aparecem em seguida,registraram PIB per capita de R$ 10.642,00e R$ 10.160,00, respectivamente.

    J em 2010, segundo dados do IBGEapresentados no portal do GDF,

    O Produto Interno Bruto do Distrito Federal(PIB-DF) apresentou crescimento de4,3% em 2010, com valor estimado emR$ 149,906 bilhes no ano. Em 2009,o PIB-DF havia somado R$ 131,487bilhes. Nos ltimos dois anos, o DistritoFederal, foi responsvel por 4% do PIBbrasileiro. Em 2010, o Distrito Federalapresentou PIB per capita de R$ 58.489contra R$ 50.438 em 2009. Trata-se domaior PIB per capita brasileiro e cercade trs vezes superior mdia nacional.(Fonte: http://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.html)

    No entanto, grande parte dessevolume monetrio no advm dos setores

    primrios e secundrios - segundo os dadosda pesquisa, a agropecuria responsvelpor apenas 0,3% do PIB e a indstria 6,5%.O setor que mais contribui o de servios,

    http://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.htmlhttp://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.htmlhttp://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.htmlhttp://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.htmlhttp://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.htmlhttp://www.df.gov.br/noticias/item/4419-pib-df-em-2010-registra-crescimento-de-43.html
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    que tem participao de 93,2% na economiado DF. As atividades que mais se destacamneste ramo so: Intermediao Financeira,Seguros e Previdncia (+9,3%), Comrcio(+7,1%), Transporte, Armazenagem e Correio(+6%) e Aluguis (+4%).

    Toda essa conjuntura poltica, espaciale econmica contribui para que o DistritoFederal tenha a renda per capita mais alta doBrasil, ao mesmo tempo em que a unidadeda federao mais desigual. A diferena deriquezas entre o DF e o Entorno chega a802%, segundo o Ibrase.

    Esse abismo, segundo o estudo, gerado pela falta de indstrias na regiodo entorno, setor da economia que maisimpulsiona o giro de dinheiro e postos detrabalho. Esse cenrio contribui para criaruma dependncia da populao do entornoem relao ao centro do Distrito Federal, eas prefeituras e administraes regionaisno conseguem arrecadar impostos einvestimentos necessrios para encargoscom servios pblicos de qualidade. Umadas alternativas apontadas pela pesquisa aatrao de indstrias e atividades agrcolaspara a regio.

    Podemos inferir que o alto crescimentopopulacional do DF, a baixa industrializao,a concentrao de renda e o valor simblicoque Braslia representa para os brasileiros da terra de oportunidades, so fatores quecontribuem para o DF seja uma das unidades

    da federao que mais concentra a populaoem situao de rua, uma vez que ela, dentrode uma perspectiva crtica, parte integrantede um exrcito industrial de reserva que no

    guarda esperanas em ser absorvido nomercado de trabalho.

    Na mesma perspectiva, o ProjetoRenovando a Cidadania (2011) aponta que amaioria da populao em situao de rua doDF migrante e veio em busca de melhorescondies de vida. De acordo com a pesquisa:

    Naturalidade: 18,9% nasceram nodo Distrito Federal, 17,7% da Bahia,9,8% de Minas Gerais e 8,9% deGois;

    A maioria dos adultos pesquisadosveio de outras Unidades da Federao(80,5%) e 0,6% de outros pases;

    Os motivos de migrao para oDF foram: 49,1% procurar trabalho,15,4% acompanhar familiar e 6,4%fazer tratamento de sade.

    Apenas 0,6% vieram para o DFcom o objetivo de receber doaes.Antes de virem para o DF, 44,1%dos pesquisados costumavam dormirem suas prprias casas, 22,2% nacasa de parentes ou amigos e 6,1%em albergues ou abrigos. Apenas21% dormiam nas ruas, prdiosabandonados, buracos ou mocs.(GATTI, 2011)

    Silva (2006), dentro de uma perspectivamarxista, afirma que a populao em situao

    de rua faz parte da superpopulao relativa,que assume trs formas: flutuante, latente eestagnada.

    A populao flutuante caracterizapor ser de idade mediana (jovem) e constantemente atrada e repelida dosgrandes centros urbanos e industriais, deacordo com as flutuaes econmicas.Segundo a autora, essa populao caracterstica de parte da populao emsituao de rua contempornea.

    A populao latente assinalada portrabalhadores rurais expulsos do camposem necessariamente terem sido atradospara as cidades por ofertas de empregos. Apopulao latente se viu obrigada a ir paraas cidades, formando o grande contingente

    de pobres miserveis nos centros urbanos.A autora analisa que no Brasil, a populaolatente foi mais expressiva entre os anos de1930 e 1980, quando o xodo rural foi muitogrande no pas, tendo um declnio a partir dasdcadas de 1990 e 2000. Isto , baseada empesquisas censitrias da populao de ruano Brasil, a autora afirma que desde meadosda dcada de 1990 o fluxo de migrantes docampo que esto em situao de rua diminuiuexpressivamente.

    J a populao estagnada secaracteriza pela realizao de trabalhosinformais, geralmente, possuindo condiesde vida mais precrias que a classetrabalhadora. Silva (2006, p. 78) afirmaque, atualmente, a maioria da populaoem situao de rua no Brasil esteve nessacondio antes de ir para as ruas ou seenquadra nesse perfil na condio de rua. So

    os vigias, guardadores de carros, flanelinhas,catadores de materiais reciclveis e etc. Aautora descreve essa populao dizendo quegeralmente cumpre uma extensa jornada

    de trabalho, recebe pequenos salrios e notem garantias de proteo social decorrenteou vinculada ao desenvolvimento de suasatividades laborais.

    Dentro desse rol de argumentaese anlises, Silva (2006, p. 79) corroboracom outros autores que a populao emsituao de rua, desde meados da dcada de1990, compe o que se denomina lumpen-proletariado, isto , a parte da classetrabalhadora que se encontra no pauperismo, apta ao trabalho, mas no absorvidapelo mercado (idem) ou, no limite compe oexrcito industrial de reserva, como populaoestagnada (MORETO, 2012, p. 31-32).

    Essa anlise terica pode serconfrontada com a Pesquisa Nacional sobrePopulao em Situao de Rua (BRASIL,2008), que fez um levantamento em 71cidades brasileiras, sendo 23 capitais04e 48municpios com mais de 300 mil habitantes.Na Pesquisa Nacional, foram identificados31.922 adultos em situao de rua. Sesomarmos esse total aos nmeros obtidosnas quatro capitais que realizaram os seusprprios estudos, alcanamos um valoraproximado de 50 mil adultos em situao derua nas capitais e cidades com mais de 300mil habitantes.

    Segundo a Pesquisa Nacional(2008), a populao em situao de rua majoritariamente masculina (82%) e mais dametade (53%) est na faixa entre 25 e 44 anos,

    ou seja, em idade produtiva. A porcentagem

    04. Exceto So Paulo, Belo Horizonte e Recife, pois estas cidadeshaviam feito pesquisa semelhante em anos recentes, e PortoAlegre, que desenvolvia pesquisa parecida no mesmo momento daPesquisa Nacional.

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    de negros maior na populao em situaode rua (67%) do que observado no conjuntoda populao brasileira (50,6%) (FERRO,2012). Um total de 52,6% dos entrevistadosse declara como trabalhador do mercadoinformal, no entanto, a grande maioria nuncateve carteira assinada (47,7%), uma pequenaminoria (15%) declarou pedir esmolas emespaos pblicos como principal forma desobrevivncia, e a grande maioria (58,6%)declarou ter alguma profisso. Dados que nosmostram que a populao em situao derua, hoje, no majoritariamente compostapor mendigos ou pedintes.

    De acordo com os dados do ProjetoRenovando a Cidada nia (GATTI, 2011), foramencontrados 1.972 adultos em situao derua no DF, sendo 78,1% do sexo masculinoe 21,9%, do sexo feminino; 80,1,% foramidentificados como negros (somados negrose pardos), e 18,8% como brancos. Asfaixas etrias esto distribudas na seguinteproporo: 9,5% tem de 18 a 21 anos;29,4% tm entre 22 e 30 anos; 30,2% tmde 31 a 40 anos; 20%, de 41 a 50 anos; e6,8% de 51 a 59 anos. As pessoas idosas(isto , acima de 60 anos) somam apenas4,2% do total.

    notrio o perfil dessa populao noDF: maioria de homens negros, na faixa etriaentre 22 e 50 anos.

    A partir deste breve panorama arespeito do histrico da organizao poltica

    do DF e dos dados relacionados populaoem situao de rua adulta, podemosapreender a complexidade e a rapidez comque o processo de urbanizao provocou

    uma densidade de questes urbanas queexigem constante discusso e engajamentodas polticas sociais. Sobretudo, podemosverificar com a anlise territorial que o estudoe a proposio de polticas sociais apartadosdas polticas urbanas podem apresentar umcenrio fragmentado do tema pesquisadoe mascarar algumas situaes sociais,incorrendo no risco de individualizao dosproblemas e culpabilizao dos indivduospela sua condio social.

    Em busca de amenizar essasdisparidades, o DF vem avanando empolticas para a populao em situao de rua,

    visto o Decreto n 32.986, de 13 de junho de2011, que institui o Comit Intersetorial paraelaborao da Poltica para Incluso Social daPopulao em Situao de Rua no mbito doDistrito Federal, do Decreto n 33.779, de 06de julho de 2012, que institui a Poltica paraIncluso Social da Populao em Situaode Rua do Distrito Federal e a assinatura daadeso Poltica Nacional para a Populaoem Situao de Rua, feita em abril de 2013,sendo uma das primeiras unidades dafederao a assumir um compromisso formalcom essa poltica em nvel nacional.

    A partir dessas normativas, importante fortalecer a rede de atendimentose afianar um trabalho sistemtico, criativo einspirador para a construo de um processode sada das ruas.

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    2. A REDE DE SERVIOS NO DF

    Compreendemos por Rede deServios para a populao emsituao de rua um conjunto deservios pblicos e da sociedade civil que seentrelaam e se organizam numa disposiotal que capaz de atender os indivduos egrupos em suas mais variadas necessidades.

    O trabalho em rede possui trsdimenses interdependentes para seu bomfuncionamento: uma dimenso poltica, outratcnica e por fim uma dimenso tica.

    Em linhas gerais, a dimensopoltica diz respeito ao comprometimento, articulao e s pactuaes entre osgestores pblicos dos trs entes federadospara o atendimento adequado das famlias

    e indivduos, assegurando que as normasestabelecidas pelas polticas, decretos,portarias e resolues sejam postas emprtica. A dimenso poltica tambm devecontemplar o controle social como parte

    integrante do processo democrtico, ouseja, os movimentos sociais, fruns econselhos devem acompanhar e avaliar aimplementao e o fomento de tais polticaspblicas.

    A dimenso tcnica pressupe otrabalho articulado entre as unidades eservios j implantados. Seu funcionamentodeve atender s demandas dos usurios e semovimentar no sentido de compreender asnecessidades de melhoria do atendimento eda relao com os profissionais da rede. Obom funcionamento da dimenso tcnica ponto crucial para retroalimentar a dimensopoltica do trabalho em rede e para quea garantia de direitos dos usurios sejaefetivada.

    Por fim, a dimenso tica transversals outras duas, cabendo a ela o respeito,a dignidade e a relevncia das histrias devida dos usurios dos servios e de seus

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    profissionais. A dimenso tica responsvelpelo compromisso com a pessoa humana,seus desejos, limitaes, isto , ocompromisso direto com os direitos humanos.

    Figura 5 - Planta Baixa de Braslia. Artista Jlia dos Santos Baptista.Dimenses: 100 x160 cm. Ano: 2008. Disponvel em: http://www.brasil.gov.br/galeriadearte/acervo-particular-de-julia-dos-santos-baptista/planta-baixa-de-brasilia

    Para alm das trs dimenses descritasacima, deva estar presente no trabalho emrede uma quarta: a dimenso esttica.

    A esttica discutida como filosofiadesde Plato (427-347 a.C.), passando porinmeras ideias e concepes que foram serefinando at os dias de hoje, sobretudo com

    Kant, Schlegel, Hegel, Husserl, Heidegger,Marx. No nos cabe aqui traar o histricodessas discusses, mas captar sua essnciapara o que nos interessa: o trabalho em rede.

    Poderamos rapidamentepensar na esttica como aspercepes e sensaesque um indivduo tem de umambiente, uma obra de arte,um livro de literatura, umgrafite na rua, uma poesia, umatatuagem. Mais do que pensara esttica como um conjuntoracional do que o belo, a

    esttica na contemporaneidadeproblematiza as relaes entreo belo e o feio; o aceitvel e oprofano.

    O encontro entre oindivduo e a obra de arte, ouum espao cuidadosamentedisposto, gera interpretaesque se multiplicam empercepes, sensaes eintuies. Esse turbilho capazde iluminar questes de nossosinteriores e nos fazer agir em

    respeito nossa prpria histria.Com a ressalva fantstica do autorde que no devemos esperar que

    tenhamos uma racionalizao absoluta doque se passou nesse encontro.

    Essa dimenso esttica centra-se na

    preocupao com a fruio que o usurio ea equipe devem ter do ambiente em que seencontram. As unidades devem apresentar-secomo lugares aconchegantes e esteticamente

    construdos para que se possa criar um novoprojeto de vida, dar concretude a uma ideia,modificar os espaos, pintar os muros. Adimenso esttica est preocupada com aapropriao interna, com os sentimentosque o servio oferecido pode despertar nosusurios e como esses sentimentos podemser geradores de espontaneidade para novosprojetos de vida. A percepo esttica doespao , portanto, estimulante ao processode criao.

    Nesse sentido, as quatro dimensescompem a mstica de funcionamento darede. H diversas definies para o que seja

    uma rede.

    Segundo Castells (1998), a rede :

    Um conjunto de ns conectados, ecada n, um ponto onde a curva seintercepta. Por definio, uma redeno tem centro, e ainda que algunsns possam ser mais importantes queoutros, todos dependem dos demaisna medida em que esto na rede.(CASTELLS, 1998)

    No mesmo sentido, uma rede deservios para a populao em situao de ruadeve dar conta de juntar unidades e serviosdistintos, de diversas polticas e da sociedadecivil, onde no h um centro de importncia,para o atendimento integral dessas pessoase famlias, potencializando as iniciativascoletivas.

    Para incrementar esta reflexo,emprestamos as palavras de Whitaker(1998, p. 1-2):

    Uma estrutura em rede que umaalternativa estrutura piramidal corresponde tambm ao que seuprprio nome indica: seus integrantesse ligam horizontalmente a todos osdemais, diretamente ou atravs dosque os cercam. O conjunto resultante como uma malha de mltiplos fios,que pode se espalhar indefinidamentepara todos os lados, sem que nenhumdos seus ns possa ser consideradoprincipal ou central, nem representantedos demais. No h um chefe, o queh uma vontade coletiva de realizardeterminado objetivo.

    Cabe, finalmente, relembrar que oDecreto n 7.053 aponta para a necessidadede que o atendimento da populao emsituao de rua acontea intersetorialmentee em rede, diretriz que bem interpretada porFerro (2012) com as seguintes palavras:

    O fenmeno das pessoas em situaode rua complexo, multicausal eprecisa ser enfrentado de formaestruturante, tendo como norteuma perspectiva de integralidadee dignidade do ser humano. Nessesentido, argumenta-se que as polticaspblicas precisam ser intersetoriaispara promover o resgate da autoestimae permitir a reinsero habitacional,laboral e afetiva dessas pessoas. /.../ Odesempenho exclusivo da assistnciasocial, por exemplo, s pode dar um

    sentido compensatrio excluso,sendo uma modalidade paliativa sema capacidade de apresentar sadas situao. (idem, p. 37)

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    A seguir, esto sistematizadas asinformaes sobre a rede de servios quepode atender populao em situao derua do Distrito Federal. Ela est separada porpolticas setoriais, de acordo com o quadrode Secretarias Distritais que compem oGoverno do Distrito Federal.

    2.1.ASSISTNCIASOCIAL

    A assistncia social no Brasil ganhastatus de direito do cidado e dever do Estadocom a incluso desta poltica no trip daseguridade social, junto de sade e previdnciasocial, pela Constituio Federal de 1988.At ento, de acordo com Sposati (1985), aassistncia era executada por instituiesde caridade religiosas ou leigas, e at 1930o Estado brasileiro no concebia a pobrezacomo questo social passvel de poltica. Aocontrrio, era caso de polcia, segundo aautora, que acrescenta: os problemas sociaiseram mascarados e ocultados sob forma defatos espordicos e excepcionais. A pobrezaera tratada como disfuno pessoal dosindivduos (idem, p.41).

    Seguindo a linha histrica proposta porSposati (1985), na dcada de 1930 o Brasilpassa a se preocupar com os trabalhadorese as condies de trabalho, isto , com areproduo da fora de trabalho, e entonascem os primeiro sinais de mudana daposio do Estado com relao pobreza.

    Progressivamente, o Estado brasileiropassa a reconhecer a questo socialcomo uma questo poltica a serresolvida sob sua direo.

    A assistncia comea a se configurarquer como uma esfera programtica daao governamental para a prestaode servios, quer como mecanismopoltico para amortecimento dastenses sociais. (idem, p.42)

    Podemos observar que esse momentose coaduna com o incio da urbanizao e daainda tmida industrializao do pas, elemento

    que nos reafirma a indissociabilidade entre aspolticas urbanas e sociais.

    Aps a dcada de 1980, com aredemocratizao do pas, foi aprovada a Lein 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - LeiOrgnica da Assistncia Social (LOAS), que apromove como poltica social pblica, atuandono campo dos direitos, da universalizaodos acessos e da responsabilidade estatal(BRASIL, 2005, p.31).

    Como poltica da seguridade social, aassistncia passa a ter carter de proteosocial, conceito que ser materializado pormeio das unidades e servios organizadospelo Sistema nico de Assistncia Social(SUAS). Em 2004, lanada a Poltica Nacionalde Assistncia Social (PNAS), documento emque so descritas as atribuies, princpios,objetivos, diretrizes, usurios e as protees

    sociais afianadas pela poltica pblica deassistncia social (BRASIL, 2005).

    importante destacar que as quatrodiretrizes da PNAS, baseadas na CF de 1988e na LOAS, so:

    Descentralizao poltico-administrativa, cabendo Unio acoordenao e aos estados e municpiosa execuo dos programas;

    Participao da populao pormeio das instncias de controle social;

    Primazia da responsabilidadedo Estado para conduo da Poltica deAssistncia Social nas trs esferas degoverno;

    Centralidade na famlia paraconcepo e implementao dosbenefcios, servios, programas eprojetos (PNAS, 2005, p. 32-33).

    Neste documento tambm estodescritas as seguranas sociais afianadas:segurana de acolhida; segurana deconvvio ou vivncia familiar e seguranade sobrevivncia (rendimento e autonomia).Para tanto, so estabelecidos nveis decomplexidade para o atendimento dasdemandas de acordo com as vulnerabilidadessociais.

    Cabe ressaltar que os usurios dapoltica de assistncia social no possuem umrecorte de renda, mas sim de vulnerabilidadee riscos sociais, como: fragilidade ou perda

    de vnculos familiares; identidades quesofrem preconceitos (gnero, orientaosexual, raa); uso de substncias psicoativas;violncia familiar, de grupos e indivduos;

    insero precria ou no insero nomercado de trabalho; excluso pela pobreza;dificuldade de acesso a outras polticaspblicas e etc.

    Para atender aos usurios dessapoltica, foram criados dois nveis principaisde proteo social: a Proteo Social Bsicae Proteo Social Especial, que por suavez possui duas vertentes: a Mdia e a AltaComplexidade.

    A Proteo Social Bsica (PSB)objetiva, segundo a PNAS (2005), prevenir assituaes de risco atravs do desenvolvimentode potencialidades e aquisies, destinado populao em situao de vulnerabilidadesocial, em decorrncia da pobreza, privao,acesso precrio ou nulo aos servios pblicosou fragilizao de vnculos afetivos relacionais(discriminaes etrias, tnicas, de gnero,ou por deficincias);

    Os servios, projetos e benefcios darede de proteo bsica so desenvolvidosnos Centros de Referncia de AssistnciaSocial (CRAS).

    J a Proteo Social Especial (PSE), deacordo com a Poltica, destina-se a famliase indivduos em situao de risco pessoal ousocial, cujos direitos tenham sido violadosou ameaados. Diferente da Proteo SocialBsica que tem um carter preventivo, a PSEatua com natureza protetiva.

    As atividades da Proteo Especialso diferenciadas de acordo com nveis decomplexidade (mdia ou alta) e conforme asituao vivenciada pelo indivduo ou famlia.

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    Os servios de PSE atuam diretamenteligados com o sistema de garantia dedireito, exigindo uma gesto mais complexae compartilhada com o poder judicirio,Ministrio Pblico e com outros rgos eaes do Executivo.

    Na PSE, esto inseridos os Centrosde Referncia Especializada de AssistnciaSocial CREAS.

    A populao em situao de rua foiinserida como populao prioritria paraatendimento por meio da aprovao da Lei

    n 11.258, de 30 de dezembro de 2005, queinclui na LOAS o atendimento especializado aessa populao.

    Em 2009, foi aprovada no ConselhoNacional da Assistncia Social (CNAS) aResoluo n 109, de 11 de novembro de2009 Tipificao Nacional de ServiosSocioassistenciais, que prev um servioespecializado para o atendimento dapopulao em situao de rua, desenvolvidono Centro POP Centro de RefernciaEspecializado para a Populao em Situaode Rua, alm de equipes de Abordagem Sociale Servios de Acolhimento Institucional. Taisservios previstos pela Tipificao Nacionaldos Servios Socioassistenciais atendem aoDecreto n 7.053 de 23 de dezembro de 2009,que institui a Poltica Nacional para Populaoem Situao de Rua.

    2.1.1. Secretaria deDesenvolvimento Social eTransferncia de Renda do DF(SEDEST)

    A poltica de Assistncia Social doDistrito Federal compete Subsecretaria deAssistncia Social (SUBSAS), que se alocadentro da Secretaria de DesenvolvimentoSocial e Transferncia de Renda (SEDEST),responsvel pela implantao do SUAS, seuplanejamento e avaliao.

    A Subsas tambm responsvel por:

    Planejar e coordenar os projetos deenfrentamento da pobreza;

    Subsidiar a avaliao emonitoramento das aes socioassistenciaise a construo e definio de indicadores dedesempenho;

    Propor diretrizes para o nanciamentode servios e benefcios socioassistenciais;

    Participar e subsidiar a elaboraoda proposta oramentria anual do Fundo deAssistncia Social do Distrito Federal (FAS/DF);

    Coordenar a implantao da Politicapara Incluso Social da Pessoa em Situaode Rua;

    Realizar as articulaes necessriasjunto aos rgos governamentais e nogovernamentais para a implantao de

    servios do Sistema nico de AssistnciaSocial (SUAS) no Distrito Federal.

    Esta Subsecretaria est organizada emtrs coordenaes: Coordenao de Gestodo Sistema nico de Assistncia Social, deProteo Social Bsica e de Proteo SocialEspecial.

    O Projeto Renovando a Cidadania, de2011, identificou uma srie de problemascom relao poltica de Assistncia Socialdo DF:

    A populao em situao de ruano tem acesso informao dequalidade sobre seus direitos e sobreos programas, projetos e benefciossociais disponveis, fato que contribuipara o reduzido nmero de pessoasnesta condio que so protegidas poralgum tipo de poltica pblica;

    A poltica de Assistncia Social doDistrito Federal possui quadro defuncionrios reduzido e no capacitadopara o trato de pessoas em situaode rua;

    Frequentes denncias de maus-tratos, agresses verbais e falta decordialidade por parte de funcionriosda Secretaria de DesenvolvimentoSocial e Transferncia de Renda(Sedest/GDF), em especial duranteabordagens de rua ou durante

    atendimento em equipamentosassistenciais como CRAS e CREAS;

    A articulao entre a Assistncia

    Social e as demais polticas pblicas eentre os prprios rgos e instituiesda Assistncia Social (CRAS, CREAS,albergues e abrigos, NcleosEspecializados etc.) precria, o quegera aes ineficazes do ponto de vistasocial, j que o indivduo em situaode rua atendido por diferentesprofissionais que no dialogam entre si;

    Os albergues e abrigos existentesno Distrito Federal so inseguros emuitos indivduos acolhidos sofremviolncia dentro dos equipamentos.Muitas foram as denncias de abusos

    e maus-tratos de funcionrios doAlbercon. Alm disso, a violncia entrealbergados e o trfico de drogas foramcitados como fatores impeditivos daida espontnea para o Albercon;

    Usurios do Albercon armamque o atendimento com psiclogos,enfermeiros e assistentes sociais nolocal difcil em virtude do nmeroreduzido de profissionais;

    O encaminhamento para outraspolticas sociais do GDF precrio emoroso, especialmente para quemest acolhido em abrigos e alberguesgovernamentais;

    No existem vagas sucientes nasinstituies de acolhimento do DistritoFederal. O Albercon aparece, muitas

    vezes, como nica opo para famliase indivduos adultos em situao derua. Mesmo assim, uma opotemporria e paliativa;

  • 7/24/2019 Projeto SDH WEB

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    42Dilogos sobre a populao em situao de rua no Brasil e na Europa Dilogos sobre a populao em situao de ru

    No Distrito Federal no existemabrigos ou albergues exclusivos parapessoas em situao de rua do sexofeminino em nmero suficiente;

    Os rgidos critrios de elegibilidadepara benefcios e programas sociaise as condicionalidades existentesem alguns deles excluem parcelasignificativa da populao em situaode rua do acesso aos seus direitos.Como frequentar escolas e realizaracompanhamentos mdicos se ambasas polticas de Educao e Sadefalham no atendimento a indivduossem documentao, endereo fixo ecidadania?

    A diculdade na emisso dedocumentos pessoais citada portodos os participantes do Grupo deTrabalho. Alm de desconhecerem oprocesso para tirar os documentos,tem dificuldade em levar fotografias(pois no podem pagar por elasou comerciantes de lojas aptasa fotografar se negam a atenderpessoas em situao de rua). Quandotem documentos, o furto, o roubo, oconfisco ilegal e a perda dos mesmos frequente;

    Vrias polticas e programasgovernamentais exigem documentaopessoal para serem acessados: polticade sade, educao etc.;

    Vrias pessoas em situao derua citaram medo de perderem seusfilhos. De acordo com as falas, o

    Governo, em diversas ocasies, retirafilhos menores de idade do convvio deseus pais nica e exclusivamente porestes se encontrarem em situao derua. Dados da pesquisa demonstraramque a maioria das crianas e dosadolescentes em situao de rua estacompanhada de seus pais e mantmcom eles boa convivncia. As pessoasem situao de rua do Distrito Federalexigem que o Estado auxilie a famliacomo um todo e no separem ascrianas de seus pais. (GATTI, 2011,p. 164-165)

    Dos problemas verificados em2011, muitos no foram completamentesolucionados, mas, segundo a SEDEST, oGDF tem buscado qualificar suas equipese atender a populao em situao de rua,inclusive com a expanso das unidades eadeso Poltica Nacional para a Populaoem Situao de Rua.

    Em 2013, foi instalado tambm oComit Intersetorial de Acompanhamento eMonitoramento da Poltica para Incluso dePessoas em Situao de Rua do DF.

    Ainda assim, as aes dirigidas ampliao da rede e pactuaes entre asesferas de governo no so suficientespara que o atendimento seja de qualidade egaranta os direitos de cidadania aos usurio s.A capacitao dos servidores, sensibilizaopara o trabalho em rede e o reordenamento

    dos espaos so fundamentais para a eficciadas polticas pblicas.

    A seguir, apresentada a descrio

    do funcionamento de algumas de suasunidades, de acordo com as necessidades dapopulao em situao de rua.

    2.1.2. ServioEspecializado em AbordagemSocial

    De acordo com a Tipificao Nacional deServios Socioassistenciais (BRASIL, 2009a),o Servio Especializado em Abordagem Socialtem o objetivo de acompanhar e referenciar asdemandas da populao em situao de ruapara as unidades especficas, realizando um

    trabalho de aproximao e apresentao darede de servios disponvel para cada usurio,sendo assim uma equipe