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PROJETOS INTEGRADOS DE COLONIZAÇÃO: PARADIGMA DA CONTRA-REFORMA AGRÁRIA PROMOVIDO PELO REGIME MILITAR NOS ANOS 70 NA AMAZÔNIA. Prof. Dr. Jacob Binsztok – Universidade Federal Fluminense [email protected] Prof. Dr. Rui Erthal – Universidade Federal Fluminense [email protected] Prof. Dra. Maria Aparecida Tubaldini – Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Prof. Dr. José Antonio Souza de Deus – Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Giovanni Raimundo de Macedo – Universidade Federal Fluminense [email protected] Resumo O trabalho analisa os Projetos Integrados de Colonização (PICs) implantados durante o Governo Militar na década de 70 no Centro de Rondônia, constituindo-se como paradigma de um movimento de Contra-Reforma Agrária, pois foi concebido para atenuar os desequilíbrios promovidos por um processo de modernização da lavoura cafeeira no norte do Paraná e Espírito Santo. Inicialmente a pesquisa elabora uma contextualização dos Projetos Integrados de Colonização (PICs) seguidos de suas implicações geopolíticas, destacando ainda a importância da BR-364 como instrumento de consolidação dos empreendimentos que tiveram uma nítida concepção militar, tendo em vista que a área encontra-se relativamente próxima da fronteira com a Bolívia. Por último, são feitas considerações mostrando os avanços e os desafios destas iniciativas que se tornaram experiências precursoras do povoamento e colonização da Amazônia e se inseriram nos movimentos contraditórios e desiguais que caracterizam o desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. Estes movimentos são representados pelos agricultores familiares majoritariamente localizados no Centro de Rondônia e pela lógica empresarial predominante no Complexo de Carne e Grãos centralizado no denominado Cone Sul do estado funcionando como expansão dos interesses da economia mato- grossense. A questão ambiental também foi enfatizada no trabalho, pois a região se encontra no “Arco de Desmatamento” do IBAMA reconhecido como uma das áreas mais devastadas da Amazônia, provocando sérios problemas para as comunidades locais. Palavras-chave: Fronteira. Amazônia, Projetos Integrados de Colonização, agricultura familiar, Centro de Rondônia.

Projetos Integrados de Colonização

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PROJETOS INTEGRADOS DE COLONIZAÇÃO: PARADIGMA DA CONTRA-REFORMA

AGRÁRIA PROMOVIDO PELO REGIME MILITAR NOS ANOS 70 NA AMAZÔNIA.

Prof. Dr. Jacob Binsztok – Universidade Federal Fluminense [email protected]

Prof. Dr. Rui Erthal – Universidade Federal Fluminense [email protected]

Prof. Dra. Maria Aparecida Tubaldini – Universidade Federal de Minas Gerais [email protected]

Prof. Dr. José Antonio Souza de Deus – Universidade Federal de Minas Gerais [email protected]

Giovanni Raimundo de Macedo – Universidade Federal Fluminense [email protected]

Resumo O trabalho analisa os Projetos Integrados de Colonização (PICs) implantados durante o Governo Militar na década de 70 no Centro de Rondônia, constituindo-se como paradigma de um movimento de Contra-Reforma Agrária, pois foi concebido para atenuar os desequilíbrios promovidos por um processo de modernização da lavoura cafeeira no norte do Paraná e Espírito Santo. Inicialmente a pesquisa elabora uma contextualização dos Projetos Integrados de Colonização (PICs) seguidos de suas implicações geopolíticas, destacando ainda a importância da BR-364 como instrumento de consolidação dos empreendimentos que tiveram uma nítida concepção militar, tendo em vista que a área encontra-se relativamente próxima da fronteira com a Bolívia. Por último, são feitas considerações mostrando os avanços e os desafios destas iniciativas que se tornaram experiências precursoras do povoamento e colonização da Amazônia e se inseriram nos movimentos contraditórios e desiguais que caracterizam o desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. Estes movimentos são representados pelos agricultores familiares majoritariamente localizados no Centro de Rondônia e pela lógica empresarial predominante no Complexo de Carne e Grãos centralizado no denominado Cone Sul do estado funcionando como expansão dos interesses da economia mato-grossense. A questão ambiental também foi enfatizada no trabalho, pois a região se encontra no “Arco de Desmatamento” do IBAMA reconhecido como uma das áreas mais devastadas da Amazônia, provocando sérios problemas para as comunidades locais. Palavras-chave: Fronteira. Amazônia, Projetos Integrados de Colonização, agricultura familiar, Centro de Rondônia.

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Contextualização

O processo de colonização implantado pelo INCRA nos anos 70 durante o Governo Militar na

Amazônia obedeceu à lógica de uma contra-reforma agrária na medida em que foi concebida como

um instrumento destinado a atenuar os efeitos decorrentes da modernização conservadora ocorrida

nas áreas cafeeiras, particularmente no norte do Espírito Santo e do norte do Paraná dirigida pelo

IBC/GERCA (Instituto Brasileiro do Café/Grupo Executivo de Recuperação Econômica da

Cafeicultura). As medidas adotadas pelo GERCA visavam modernizar a cafeicultura determinando a

erradicação de milhares de pés de café considerados improdutivos e provocando uma grande

expropriação de pequenos proprietários, meeiros e trabalhadores agrícolas concentrados no centro-

sul o país.

A força de trabalho liberada pelas ações do IBC/GERCA foi oficialmente dirigida para a

ocupação de extensas áreas da Amazônia Meridional no centro de Rondônia, onde, por intermédio

do INCRA, foram construídos os Projetos Integrados de Colonização (PIC) concebidos pelo

Programa de Integração Nacional (PIN). Os projetos ocuparam uma faixa de 100 quilômetros de

cada lado da BR-364, cortada em lotes de aproximadamente de 100 hectares, distribuídos pelo

INCRA aos expropriados, transformados pelo governo militar em pioneiros e, desta forma,

atenuando os inúmeros focos de tensão no campo. Com o objetivo de fixar os pioneiros foram

planejados e executados na década de 70 cinco Projetos Integrados de Colonização concentrados

principalmente no centro do Estado de Rondônia (tabela 1).

Projetos Ouro Preto Ji- Paraná Adolfo

Rohl

Paulo de

Assis

Ribeiro

Sidney

Girão

Área (ha) 512.585 486.137 407.210 293.580 60.000

N° de Famílias 5.000 5.000 3.500 3.500 600

Área de

Influência

Ouro Preto D'Oeste e

Ji-Paraná

Cacoal, Pres. Médici,

Rolim de Moura,

Pimenta Bueno e

Espigão D'Oeste

Jarú Colorado

D'Oeste

Guajará-

Mirim

Tabela 1: PICs caracterizados por área, número de famílias e área de influência.

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Neste sentido, o Centro de Rondônia pode ser considerado uma região precursora de projetos de

Reforma Agrária, particularmente no eixo ao longo da BR-364 abrangendo os atuais municípios de

Jarú, Ouro Preto D’Oeste, Ji-Paraná e Cacoal. No entanto, existem importantes diferenças sócio-

espaciais entre os projetos que englobaram as iniciativas da Contra-Reforma Agrária ditada pelo

Governo Militar. Assim, o Projeto Integrado de Colonização Paulo Assis Ribeiro, localizado em

Colorado D’Oeste, transformou-se atualmente em um grande centro produtor do Complexo de Carne

e Grãos representado pelo cultivo da soja, milho e pecuária de corte, integrado ao comércio

internacional principalmente pelas cadeias do Grupo Amaggi, Cargill e JBS-Friboi. Nesta região o

município de Vilhena atua como referência do denominado Cone Sul do Estado, concentrando

grande parte dos estabelecimentos de comercialização de insumos utilizados pela cadeia produtiva

destes empreendimentos. A ocupação desta área foi realizada por colonos originários

majoritariamente do Paraná, que, diferente do centro de Rondônia, possuíam tradição com o cultivo

de grãos, tendo inicialmente se dedicado ao plantio de arroz nos antigos lotes do PIC Paulo de Assis

Ribeiro.

As transformações sócio-espaciais ocorridas no Centro de Rondônia paulatinamente eliminaram

as características iniciais dos PICs implantados pelo INCRA, notadamente no sul do estado, porém

ainda permanecem rugosidades representadas pela presença de agricultores familiares oriundos

destas iniciativas que ainda continuam na região ou participam de movimentos migratórios inter-

regionais para novas áreas de fronteira agrícola existentes nos limites dos estados de Mato Grosso,

Amazonas, Acre e em locais mais afastados como Roraima.

A presença destes movimentos mostra a importância dos estudos realizados por VELHO (1973),

sobre a grande mobilidade espacial do campesinato, OLIVEIRA (1991) referente

à desterritorialização dos pequenos produtores e COY (1995) advertindo para o ciclo ambiental a

questão submetida as cidades da fronteira agrícola da Amazônia e do Centro-oeste. Em linhas gerais,

estes pesquisadores destacaram a incapacidade da fronteira agrícola na solução de questões

referentes à geração de trabalho e renda, como também ressaltaram que o campesinato não teria

esgotado sua contribuição na construção de novos ordenamentos territoriais e ambientais do país.

Implicações Geopolíticas dos Projetos Integrados de Colonização

Os Projetos Integrados de Colonização constituem um dos mais significativos paradigmas da

Contra-Reforma Agrária implantada pelo Governo Militar na década de 70, colocando o Estado

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como grande indutor de relevantes modificações sócio-espaciais ocorridas no Centro de Rondônia,

transformando a região em laboratório experimental das diferentes formas de ocupação da fronteira

agrícola na Amazônia. Neste sentido, analisando a participação do Estado na formação das fronteiras

agrícolas nacionais, WAIBEL (1979), manifestava-se cético em relação aos benefícios

proporcionados pela denominada “marcha para o oeste”, na ocupação do nosso interior.

Prosseguindo, afirma que somente objetivos militares justificariam programas desta magnitude, pois

faltariam produtos agrícolas ou industriais de alta lucratividade capazes de provocar um “boom” e

atrair verdadeiros empreendedores para ocuparem longínquos pontos do Brasil.

A história comprova a veracidade parcial destas interpretações, pois motivações militares

estiveram presentes na abertura das frentes pioneiras, principalmente na Amazônia Meridional, em

função da extensa faixa de fronteira com a Bolívia, no entanto, em Rondônia estão presentes não

somente os atores capitalistas, representados pelos aventureiros e pelos especuladores latifundiários,

mobilizados pelo Estado mediante a concessão de generosos benefícios de créditos e fiscais, como

também os agricultores familiares provenientes do sul e do sudeste do país que, no momento, se

encontram em situação de risco em função da expansão desordenada do Complexo de Carne e Grãos.

Apresentando certa similitude com WAIBEL (1979), GRAZIANO DA SILVA (1981), destaca a

dimensão política da questão, e analisa a “expansão” e o “fechamento” da fronteira agrícola. Os

estudos de GRAZIANO DA SILVA (1981) apontam para o seu rápido “fechamento”, pois, em sua

opinião já não existiriam “terras livres”, que poderiam ser apropriadas pelos pequenos proprietários.

Estas “terras”, para o autor, podem não estar efetivamente ocupadas, porém, representam uma

mercadoria, uma “reserva de valor” sujeita aos mecanismos de compra e venda. Os movimentos

migratórios inter-regionais verificados em Rondônia, e mencionados por BECKER (2004), mostram

que ao contrário do preconizado por GRAZIANO DA SILVA (1981), o “fechamento” da fronteira

agrícola não ocorreu em sua plenitude, pois ainda são encontradas “terras livres” nos limites com o

Acre e Amazonas, possibilitando a expansão da fronteira de forma extensiva e de compra e venda de

lotes próximos da divisa com Mato-Grosso, representando o crescimento do mercado de terras na

Amazônia.

Concordando com BECKER (2004), reconhecemos a importância dos movimentos migratórios

inter-regionais e verificamos que ainda não está exaurida a capacidade da fronteira em absorver

migrantes, pois, existem movimentos de agricultores familiares originários de Centro de Rondônia,

por exemplo, de Cacoal, se direcionado a municípios como Colniza (MT) e Buritis (RO), sendo este

o município brasileiro que apresentou o maior crescimento populacional, com uma média anual de

29,3% no período compreendido entre 1991/2000, segundo pesquisa do IBGE. Buritis, dedicado

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principalmente à cafeicultura, está longe da tese do “fechamento” preconizada por GRAZIANO DA

SILVA (1981), pois registrou em 1991 uma população de 3.601 habitantes, atingindo 25.668 em

2000 e em 2006 aproximadamente 45.000 habitantes.

Prosseguindo na análise da ação do Estado na implantação da fronteira agrícola em Rondônia,

destacamos as contribuições de BECKER (1982) e OLIVEIRA (1986), seguindo o ideário de

WAIBEL (1979), mostraram a consolidação da BR-364, Cuiabá - Porto Velho e os Projetos de

Integração e Colonização (PIC), como os instrumentos geopolíticos mais importantes para a

ocupação de Rondônia e da Amazônia Meridional.

Neste sentido, BECKER (1982) destaca a importância da BR-364 na ampliação da área de

influência de São Paulo, capturando o Norte de Mato Grosso, Rondônia e Acre e colocando Cuiabá

como ponto de apoio à expansão paulista na Amazônia Meridional em detrimento de centros

tradicionais como Manaus e Belém.

A dimensão geopolítica da BR-364 pode ser constatada quando observamos que grandes trechos

de sua rota foram construídos obedecendo aos caminhos abertos pela Comissão Rondon no início do

século XX, com a finalidade de instalar linhas telegráficas no interior da Amazônia e do Centro-

Oeste. A referida Comissão contribuiu decisivamente para a ocupação do Centro de Rondônia na

medida em que alguns de seus participantes foram contemplados por indicação de Rondon com a

doação de seringais, como no caso de Cacoal fundada por um militar originário do estado da Paraíba;

também postos telegráficos paulatinamente se tornaram pequenos aglomerados urbanos.

Os seringalistas foram expropriados pelo Governo Militar e não tiveram direito à indenizações,

pois não possuíam documentos que comprovavam a posse de suas terras e terminaram como

proletários residindo em casas doadas ou de parentes nos municípios do Centro de Rondônia.

Segundo KEMPER (2002), o pioneiro Clodoaldo Nunes de Almeida, responsável pela introdução da

variedade de café “conilon” em Rondônia, foi um dos expropriados comprovando a tese de que estes

seringalistas não se transformaram em oligarcas rurais, pois não tiveram como se apropriar de forma

monetária da renda da terra, diferente do ocorrido em outras áreas do país.

O Governo de Juscelino Kubitschek, obedecendo a lógica da Integração Nacional, e aproveitando

o antiga trajeto da Comissão, construiu a BR-29 ligando Brasília,Cuiabá e Porto Velho à semelhança

da BR-14 conectando o eixo Brasília/Belém, e transformando estas duas rodovias em projetos de

ocupação e colonização da Amazônia e do Centro-Oeste. O Governo Militar consolidou as duas

rodovias com recursos externos e promoveu projetos de Contra-Reforma Agrária ao longo de trechos

da antiga BR-29 em Rondônia, denominada de BR-364 e pavimentada em todo percurso.

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Os núcleos urbanos surgidos ao longo da rodovia Belém/Brasília foram estudados no final da

década de 60 por Orlando Valverde e podem servir de paradigmas para os aglomerados que foram

aparecendo na BR-364 em Rondônia. Seguindo a tradição da Escola Geográfica alemã, Valverde

chamou estes núcleos de “strassendorf”, destacando as especificidades de seu incipiente traçado

urbano que evoluía na forma de um tabuleiro de xadrez, ressaltando as funções desempenhadas pelos

estabelecimentos comerciais pioneiros, tais como oficinas mecânicas, hotéis, restaurantes,

compradores de produtos agrícolas, postos de gasolina, enfim, tudo que pudesse servir de apoio aos

usuários da rodovia. Esta é a moderna gênese de um bom número dos atuais núcleos urbanos

formados ao longo da BR-364.

Os estudos de VALVERDE (1979) sobre a gênese dos núcleos urbanos formados nas estradas

pioneiras na Amazônia podem ser aprofundados pelas observações de OLIVIER (1972), quando

destaca o papel destas na promoção da segregação espacial das antigas comunidades rurais, alterando

sua vida de relações, que anteriormente eram organizadas de forma concentrada e foram dispersas

pelo advento das rodovias.

Os instrumentos geopolíticos utilizados pelo Governo Militar não foram implantados sem

conflitos, relatados nos trabalhos de VALVERDE (1979), MARTINS (1980), GRAZIANO DA

SILVA (1982), BECKER (1982), MINC (1985), MINDLIN (1985), GONÇALVES (2001) e

OLIVEIRA (1990), que advertem para a intencionalidade destes embates, que obedeceram a uma

lógica previamente concebida.

Desta forma, a proximidade do PIC/Ji-Paraná com o Parque Indígena Sete de Setembro sempre

foi problemática para as nações indígenas, como comprovam as recentes lutas entre os “cinta-largas”

e garimpeiros em busca de diamantes, culminando com o massacre de 29 vítimas destes embates.

Analisando a intencionalidade desses conflitos, concordamos com OLIVEIRA (1991), quando

demonstra que o processo de ocupação da Amazônia tem representado uma usurpação constante dos

territórios das nações indígenas, e inserindo as estratégias geopolíticas no confisco destas áreas,

atendendo ao ordenamento capitalista manifestado na implantação de reservas e parques nacionais.

Em relação às questões ambientais destacamos as contribuições de AB´SÁBER (2003) mostrando

os impactos negativos para os recursos naturais, decorrentes da implantação dos Projetos Integrados

de Colonização (PICs) no Centro de Rondônia. Segundo o pesquisador grupos formados pela

associação de pecuaristas com madeireiros, aproveitando-se das estradas vicinais inseridas nos

sistemas de “linhões” construídos pelos PICs, avançaram para o interior e promoveram uma política

de “terra arrasada” em grandes áreas, pois alguns municípios perderam cerca de 90% de sua

cobertura vegetal. Recentemente, mais uma associação prejudicial aos recursos naturais na região foi

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firmada, representada pelos pecuaristas que, após ocuparem terras liberadas pelas madeireiras,

repassam estas para aos grandes plantadores de soja que se colocam como recuperadores de áreas

degradadas na Amazônia. Neste sentido, é realizado para coibir as ações das madeireiras que atuam

em profundidade e por vezes podem receber financiamentos de pecuaristas e de grandes plantadores

de soja.

As observações de BECKER (2004), procurando mitigar os efeitos ocasionados pelo denominado

“Arco do Desmatamento” ou “Arco do Fogo” do IBAMA, permite questionamentos, pois as

“queimadas” em escala global estão sendo apontadas como responsáveis pelo agravamento do

aquecimento do planeta, e ocasionando problemas de saúde para a população local.

Reconhecemos que a pesquisadora destaca a importância para os empreendimentos agro-

ecológicos destinados à manutenção da biodiversidade, podendo ser considerados como projetos

alternativos dos pequenos produtores, apoiados inclusive, pelo Programa Piloto para a Proteção de

Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7) que contabiliza o expressivo número de cerca de 140

experimentos na Amazônia. Segundo a geógrafa, estas iniciativas podem ser identificadas pelas

seguintes características: distribuição pontual e disperso; localizados em áreas alteradas contendo

resíduos florestais; proximidade de estradas e aproveitamento das experiências de agricultores

provenientes de antigos projetos de colonização, ou atuais assentamentos do INCRA. BECKER

(2004) acompanha com propriedade as transformações sócioespaciais da Amazônia e

particularmente do Centro de Rondônia, destacando o recuo das funções do Estado, assumidas

durante o Governo Militar, ressaltando o advento do trabalho das Organizações Não Governamentais

(ONGs) e a participação de instituições internacionais de cooperação técnico científica na

preservação da biodiversidade.

O posicionamento de BECKER (2004) é importante, pois resgata os agricultores familiares do

Centro de Rondônia que durante muito tempo foram abandonados e estigmatizados como

participantes do Regime Militar. Este fato pode ser observado quando expressivas lideranças do

regime são homenageadas, assim encontramos Ministro Mario Andreaza e Presidente Médici como

nomes de municípios, e Paulo de Assis Ribeiro, antigo Presidente do INCRA, homenageado no

Projeto Integrado de Colonização (PIC) de Vilhena.

A dimensão ética preconizada por WAIBEL (1979) mencionando a importância do agricultor

familiar para o trabalho nas áreas de fronteira foi absorvida pelo Governo Militar, quando fomenta a

migração de sulistas e de produtores do sudeste para a Amazônia privilegiando principalmente

descendentes de europeus, particularmente de italianos e de alemães em detrimento das comunidades

locais que não eram consideradas aptas para o trabalho agrícola. No entanto, a questão ética precisa

Page 8: Projetos Integrados de Colonização

ser relativizada, pois foi colocada em segundo plano na medida em que uma significativa fração de

pioneiros, com o corre do tempo, consegue participar da política local empregando métodos

oligárquicos típicos do paternalismo, patrimonialismo e coronelismo existentes no Nordeste e na

Amazônia. Este procedimento é particularmente observado quando os municípios do centro de

Rondônia são desmembrados em função de composições políticas não em virtude de sua viabilidade

econômica, mas para abrigar o novo território uma fração representativa da distribuição do poder

realizada geralmente entre familiares ou correligionários de políticos locais.

Dilemas de Perspectivas

As intervenções atualmente previstas pelos grandes projetos de Rondônia, como a construção de

hidroelétricas e hidrovias formando o Complexo do Madeira, não contemplam iniciativas destinadas

a facilitar o escoamento da produção dos agricultores familiares oriundos dos antigos de Projetos

Integrados de Colonização (PICs) do Centro do Estado revelando a reduzida capacidade de pressão

deste segmento formada majoritariamente pelos pequenos proprietários de terra, herdeiros da Contra-

Reforma Agrária dos anos 70 promovido pelo Governo Militar localizados majoritariamente nas

antigas áreas dos Projetos de Ji-Paraná e Ouro Preto D’Oeste. No entanto, observamos uma

diferenciação sócio-espacial entre os herdeiros destes projetos formada pelos representantes

articulados do Complexo de Carnes e Grãos constituídos pela rede de produtores envolvidos, como

por exemplo, Grupo Maggi, Cargill e JBS/Fri-Boi que possuem terminais próprios construídos em

Porto Velho, destinados ao escoamento dos produtos para o mercado internacional, concentrados em

Vilhena no denominado Cone Sul do Estado em áreas do antigo Projeto Integrado de Colonização

(PIC) Paulo de Assis Ribeiro, funcionando como expansão geográfica dos interesses empresariais do

Norte de Mato Grosso. No entanto, a estrutura econômica destes produtores apresenta-se menos

expressiva do que seus congêneres mato-grossenses em virtude das rugosidades deixadas pelo

Projeto Integrado de Colonização originalmente sediado em Colorado D’Oeste.

A sobrevivência dos agricultores familiares remanescentes dos antigos Projetos de Colonização

localizados principalmente, em Cacoal, Ji-Paraná, Ouro Preto D’Oeste, Jarú e outros municípios

menores do Centro de Rondônia, está se tornando crítica, pois não existe consenso entre suas

organizações representativas sobre a necessidade de se integrarem aos grandes projetos energéticos e

hidroviários atualmente desenvolvidos no estado. Enquanto lideranças recomendam o escoamento da

produção para Porto Velho, outros concordam com a permanência dos portos de Paranaguá e Vitória

Page 9: Projetos Integrados de Colonização

como exportadores dos produtos locais mantendo vínculos com suas comunidades de origem e

ressaltando a presença tradicional de agentes monopolistas comerciais na produção dos agricultores

familiares.

Os “linhões” do Centro de Rondônia fundamentais para a ocupação e colonização da região

promovida pelo Governo Militar, ainda são designados pelos números recebidos durante os

primórdios dos Projetos Integrados de Colonização (PICs) do INCRA, não permitindo a

identificação das características sociais e econômicas das comunidades locais. Procurando ressaltar a

identidade cultural destas comunidades, propomos a substituição desta designação numérica, pois

não expressam atualmente o processo de ocupação e povoamento da região bastante transformado

pela chegada de imigrantes. Assim, as designações numéricas deveriam ser substituídas pelos nomes

dos atores que tenham se destacado no trabalho comunitário ou pelos locais de origem dos

agricultores.

Recentemente, empresários do sudeste motivados pela obrigatoriedade de mistura de 2% ao diesel

mineral, a partir de 2008, e 5% em 2013, metas previstas no Programa Nacional de Biocombustível,

estiveram percorrendo o Centro de Rondônia para viabilizarem projetos de energia renovável, que a

pretexto de reduzir as emissões de carbono na atmosfera previsto pelo Protocolo de Kioto, além de

atenderem estratégicos interesses financeiros, pois o país gasta U$ 1,3 bilhões anualmente na

importação de diesel e acrescentando o fato de que a região possui vastas áreas degradadas incluídas

no denominado “Arco do Desmatamento” do IBAMA, tornando-se prioritárias para iniciativas

vinculadas ao biodiesel, pois também é fortemente dependente do transporte rodoviário, logo, do

consumo de combustível e conseqüentemente atrativa para empreendimentos energéticos

alternativos. No entanto, é necessário que estes empreendimentos não sejam executados

exclusivamente pelos grandes proprietários, pois tradicionalmente estas iniciativas são

concentradoras de terra e de renda não beneficiando os agricultores familiares majoritariamente

concentrados no Centro de Rondônia.

Page 10: Projetos Integrados de Colonização

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