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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do Promotor de Justiça Substituto infrafirmado, com alicerce nos artigos 127, caput e 129, inciso III da Constituição da República, e com esteio ainda no art. 1º, inciso IV e art. 5º da Lei n.º 7.347/85, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face do: MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA, pessoa jurídica de direito público interno, que deve ser citado na pessoa do Prefeito Municipal, com sede na Avenida José Pereira do Nascimento, n.° 3.851, Setor Oeste, São Miguel do Araguaia; pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expendidos. 1

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA · artigo 129, III, da Constituição da República, ... Constituição Federal. ... Art. 213. Na ação que tenha

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE

SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por

intermédio do Promotor de Justiça Substituto infrafirmado, com

alicerce nos artigos 127, caput e 129, inciso III da Constituição da

República, e com esteio ainda no art. 1º, inciso IV e art. 5º da Lei

n.º 7.347/85, propõe

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face do:

MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA, pessoa

jurídica de direito público interno, que deve ser citado na

pessoa do Prefeito Municipal, com sede na Avenida José

Pereira do Nascimento, n.° 3.851, Setor Oeste, São

Miguel do Araguaia; pelos fundamentos fáticos e jurídicos

a seguir expendidos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA

I – DOS FATOS

O Ministério Público do Estado de Goiás, com fincas no

artigo 129, III, da Constituição da República, e no artigo 25, inciso

IV, alínea “b”, da Lei n.° 8.625/93, instaurou no âmbito da

Promotoria de Justiça de São Miguel do Araguaia o Inquérito Civil

Público n.° 002/2007, com o escopo de investigar irregularidades no

serviço de transporte de escolares franqueado pelo Município de São

Miguel do Araguaia.

Com o fito de apurar o respeito às normas que regem o

transporte de escolares previstas no Código de Trânsito Brasileiro, o

Ministério Público e o Departamento Estadual de Trânsito firmaram

termo de integração operacional visando o cumprimento das regras

de segurança estabelecidas no CTB, sendo que os veículos que

realizam o transporte escolar no Estado de Goiás passaram a ser

fiscalizados de forma mais rígida pelo indigitado órgão de trânsito,

de modo que ao final de cada vistoria os relatórios são

encaminhados ao Parquet.

Cumprindo requisição desta Promotoria de Justiça, o

Departamento Estadual de Trânsito de Goiás – DETRAN, realizou

vistoria técnica em diversos veículos empregados no transporte de

escolares na cidade, onde foram constatadas as seguintes

irregularidades:

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a) Veículo VW/KOMBI, placa JEM 2477, ano 1996/1996,

pertencente a WF DIAS EMPREITEIRA LTDA –

Irregularidades: não possui lanternas de luz branca,

fosca ou amarela dispostas nas extremidades da

parte superior dianteira;, nem lanternas de luz

vermelha, fosca ou amarela dispostas na

extremidades superior da parte traseira;

b) Veículo Ônibus IVECO, placa CLU 0383, ano

2000/2001 – Irregularidades: não possui pintura de

faixa horizontal na cor amarela, 40 cm de largura, à

meia altura em toda extensão das partes laterais da

carroçaria, com dístico ESCOLAR em preto, sendo

que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor

amarela, as cores aqui indicadas devem ser

invertidas;

c) Veículo Ônibus Mecedez-Bens, placa BKE 3013, ano

1980/1980 – Irregularidades: não possui pintura de

faixa horizontal na cor amarela, 40 cm de largura, à

meia altura em toda extensão das partes laterais da

carroçaria, com dístico ESCOLAR em preto, sendo

que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor

amarela, as cores aqui indicadas devem ser

invertidas; ausência de cintos de segurança em

número igual ao da lotação e dos equipamentos

obrigatórios estabelecidos pelo COTRAN (triângulo);

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d) Veículo Ônibus Mercedez-Benz, placa HOM 6319, ano

1984/1984 – Irregularidades: ausência de cintos de

segurança em número igual ao da lotação;

e) Veículo Ônibus Mercedez-Benz, placa KBZ 1961, ano

1981/1981 – Irregularidades: não possui pintura de

faixa horizontal na cor amarela, 40 cm de largura, à

meia altura em toda extensão das partes laterais da

carroçaria, com dístico ESCOLAR em preto, sendo

que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor

amarela, as cores aqui indicadas devem ser

invertidas; ausência de cintos de segurança em

número igual ao da lotação; e ausência de

equipamentos obrigatórios estabelecidos pelo

COTRAN (extintor);

f) Veículo Ônibus Mercedez-Benz, placa BWI 2182, ano

1985/1985 – Irregularidades: ausência de cintos de

segurança em número igual ao da lotação;

g) Veículo Ônibus Mercedez-Bens, placa KCA 6952, ano

1989/1989 – Irregularidades: não possui pintura de

faixa horizontal na cor amarela, 40 cm de largura, à

meia altura em toda extensão das partes laterais da

carroçaria, com dístico ESCOLAR em preto, sendo

que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor

amarela, as cores aqui indicadas devem ser

invertidas; ausência de cintos de segurança em

número igual ao da lotação; e ausência de

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equipamentos obrigatórios estabelecidos pelo

COTRAN;

h) Veículo VW KOMBI, placa KDC 2122, ano 1997/1998

– Irregularidades: não possui pintura de faixa

horizontal na cor amarela, 40 cm de largura, à meia

altura em toda extensão das partes laterais da

carroçaria, com dístico ESCOLAR em preto, sendo

que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor

amarela, as cores aqui indicadas devem ser

invertidas; ausência de equipamento registrador

instantâneo inalterável de velocidade e tempo;

i) Veículo VW KOMBI, placa KEW 6747, ano 2002/2003

– Irregularidades: ausência de equipamento

registrador instantâneo inalterável de velocidade e

tempo; ausência de lanternas de luz branca, fosca ou

amarela dispostas nas extremidades da parte

superior dianteira; e ausência de luz vermelha, fosca

ou amarela dispostas na extremidades superior da

parte traseira;

j) Veículo Mercedez-Benz LP 1113, placa KBR 0583, ano

1987/1987 – Irregularidades: ausência de

equipamento registrador instantâneo inalterável de

velocidade e tempo; ausência de lanternas de luz

branca, fosca ou amarela dispostas nas extremidades

da parte superior dianteira; e ausência de luz

vermelha, fosca ou amarela dispostas na

extremidades superior da parte traseira; o DETRAN

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ainda determinou a substituição de todos os bancos,

o pára-brisa dianteiro e a utilização de cortinas

laterais;

k) Veículo VW KOMBI, placa CCY 4944, ano 1995/1996

– Irregularidades: ausência de equipamento

registrador instantâneo inalterável de velocidade e

tempo e de cintos de segurança em número igual ao

da lotação;

l) Veículo IMP/KIA BESTA, placa JEJ 3611, ano

1996/1997 – Irregularidades: não possui pintura de

faixa horizontal na cor amarela, 40 cm de largura, à

meia altura em toda extensão das partes laterais da

carroçaria, com dístico ESCOLAR em preto, sendo

que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor

amarela, as cores aqui indicadas devem ser

invertidas; ausência de equipamento registrador

instantâneo inalterável de velocidade e tempo;

ausência de lanternas de luz branca, fosca ou

amarela dispostas nas extremidades da parte

superior dianteira; e ausência de luz vermelha, fosca

ou amarela dispostas na extremidades superior da

parte traseira; e ausência de equipamentos

obrigatórios estabelecidos pelo COTRAN; o DETRAN

recomendou ainda a substituição do pára-brisas

dianteiro

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Dessarte, a conclusão inarredável é a de que tais veículos

não estão aptos a prestar o serviço de transporte escolar, haja vista

que as omissões e inadequações vituperadas colocam em risco a

vida, a saúde e a segurança dos alunos transportados (crianças e

adolescentes), o que configura inadmissível situação de omissão,

apta a anular os direitos à vida e à educação encartados na

Constituição Federal.

A situação de calamidade do serviço de transporte de

escolares na cidade de São Miguel do Araguaia perturba a cidadania

local, tanto que diariamente inúmeros pais compareceram perante

esta Promotoria de Justiça noticiando a precariedade no serviço de

transporte escolar, informando que os horários são incompatíveis

para a higidez física dos alunos, não havendo sequer hora precisa

para o mencionado transporte, além de outras denúncias mais

graves, sobretudo envolvendo motoristas alcoolizados.

Portanto, como o Município de São Miguel do

Araguaia não está prestando regularmente o serviço de transporte

escolar, colocando em risco a vida, a saúde e a segurança das

crianças e dos adolescentes que fazem uso deste serviço municipal,

tolhendo, assim o direito de acesso ao ensino fundamental, não

restou outra alternativa ao Ministério Público senão a de aforar a

presente ação civil pública para restaurar a eficácia dos Direitos da

Cidadania vilipendiados pelo Poder Público local.

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II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

II.A – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO

CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Constituição Federal dispõe que uma das funções

institucionais do Ministério Público é a promoção de inquérito civil e

da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social,

do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigo

129, inciso III).

A Lei n.º 7.347/95 disciplina que “regem-se pelas

disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao

meio ambiente; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; V - a qualquer

outro interesse difuso ou coletivo ...” (art. 1º) e que “ A ação

principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério

Público, pela União, pelos Estados e Municípios” (art. 5º).

O Estatuto da Criança e do Adolescente

consubstancia que:

“Art. 201. Compete ao Ministério Público: V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal ;

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Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei das ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes, ao não-oferecimento ou oferta irregular: V - de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito”.

Colige-se da legislação supra exposta que a Ação Civil

Pública é o instrumento processual adequado para a proteção,

prevenção e reparação dos danos causados aos interesses difusos,

coletivos e individuais homogêneos, estando o Ministério Público

legitimado a aforar mencionada ação para resguardar os direitos

difusos das crianças e adolescentes de São Miguel do Araguaia.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece a

legitimação ativa do Ministério Público para garantir o acesso das

crianças e dos adolescentes ao ensino fundamental. (art. 5º).

Urge consignar que a educação é sumamente necessária

ao desenvolvimento do ser humano e de sua personalidade,

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devendo o Estado proporcionar ensino gratuito a todo cidadão

brasileiro.

A Constituição Federal (art. 208, VII) e o Estatuto da

Criança e do Adolescente (art. 54, VII) preconizam o dever do

Estado em assegurar o ensino fundamental como garantia ao direito

à educação, promovendo programa suplementar de material

didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

O não oferecimento ou a oferta irregular de transporte

escolar enseja a propositura de ação civil pública para compelir o

Estado a concretizar o direito à educação, conforme art. 208, V, da

Lei n.º 8069/90.

Adão Bonfim Bezerra1 preconiza que no rol de ações

visando interesses da criança e do adolescente protegidos pela

Constituição Federal e pela legislação, destaca-se ação destinada a

garantir o transporte escolar. Neste diapasão:

(TJMG-052050) AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO

PÚBLICO - ENSINO FUNDAMENTAL - TRANSPORTE

ESCOLAR - GARANTIA CONSTITUCIONAL -

RESPONSABILIDADE DOS MUNICÍPIOS.

1) A educação é garantia constitucional fundamental

prevista também no Estatuto da Criança e do

Adolescente.

1 Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários Jurídicos e Sociais. Coordenação Munir Cury. São Paulo: Malheiros.

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2) O fornecimento de transporte escolar gratuito é dever

do Município para que os estudantes possam manter a

freqüência escolar.

(Apelação Cível/Reexame Necessário nº

1.0527.04.911757-7/001, 2ª Câmara Cível do TJMG,

Prados, Rel. Francisco Figueiredo. j. 10.05.2005, maioria,

Publ. 25.05.2005).

(TJSC-088833) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO.

ENSINO FUNDAMENTAL. OBRIGATORIEDADE DA

PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EXEGESE DOS ARTS. 208,

I E VII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 54, VII DO

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

RECURSO DESPROVIDO.

É dever do Estado assegurar o transporte escolar

gratuito às crianças e adolescentes necessitados,

como forma de garantia do pleno acesso ao ensino

fundamental obrigatório, de maneira a permitir que

a criança ou o adolescente recebam formação

básica necessária ao exercício da cidadania. O

acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito

subjetivo público, exercitável contra o Município se

omisso na oferta de condições de transporte para

crianças residentes em comunidades sabidamente

carentes (art. 208, § 1º, da CF).

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(Apelação Cível nº 2004.007394-1, 3ª Câmara de Direito

Público do TJSC, Florianópolis, Rel. Des. Pedro Manoel

Abreu. unânime, DJ 30.08.2005).

Assim, é patente o cabimento da ação civil pública para

regularizar o serviço público de transporte de escolares, que o réu

insiste em prestar de forma irregular, com infringência às normas de

segurança plasmadas no Código de Trânsito Brasileiro.

II.B – DO DEVER DE PRESTAR O ADEQUADO SERVIÇO DE

TRANSPORTE DE ESCOLARES

A Constituição Federal, norma fundamental que

ocupa o ápice do ordenamento jurídico, que goza, por conseguinte,

de superioridade hierárquica, proposição de onde todos os atos

normativos primários e secundários devem retirar direta ou

indiretamente seu fundamento de validade, prescreve que:

Art. 30. Compete aos Municípios: ...VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ...VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez,

diploma normativo primário que alberga o princípio da proteção

integral, consubstancia que:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; ...VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta

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irregular importa responsabilidade da autoridade competente”.

A Lei n.º 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases

da educação nacional, estabelece que “o dever do Estado com a

educação será efetivado mediante a garantia de: ... VIII –

atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio

de programas suplementares de material didático-escolar,

transporte, alimentação e assistência à saúde...” (art. 4º) e que

“os Municípios incumbir-se-ão de: ... VI – assumir o transporte

escolar dos alunos da rede municipal” (art. 11).

Dessarte, sobressai cristalino que cabe ao Município, ora

réu, prestar o adequado serviço de transporte de escolares aos

alunos da rede pública de ensino, como garantia de efetivo acesso

ao ensino fundamental.

A Lei n.º 10.880/2004, a seu turno, instituiu o programa

nacional de apoio ao transporte escolar para prestação de

assistência financeira, em caráter suplementar, aos Municípios com

o objetivo de oferecer transporte escolar aos alunos do ensino

fundamental público, residentes em área rural.

Por outro lado, a Lei n.º 9424/97 dispõe que “os recursos

do FUNDEF serão aplicados na manutenção e desenvolvimento do

ensino fundamental ... Considerar-se-ão como de manutenção e

desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à

consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de

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todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: ... VIII ...

manutenção de programas de transporte escolar” (art. 7º).

Neste sentido, o Município de São Miguel do Araguaia

recebe recursos federais suplementares para a regular oferta do

transporte escolar dos alunos do ensino público, não havendo razão

lógica para o desrespeito às normas que regem a matéria.

O Código de Trânsito Brasileiro prescreve que “os

veículos especialmente destinados à condução coletiva de escolares

somente poderão circular nas vias com autorização emitida pelo

órgão ou entidade executivos de trânsito dos Estados e do Distrito

Federal, exigindo-se, para tanto: I - registro como veículo de

passageiros; II - inspeção semestral para verificação dos

equipamentos obrigatórios e de segurança; III - pintura de faixa

horizontal na cor amarela, com quarenta centímetros de largura, à

meia altura, em toda a extensão das partes laterais e traseira da

carroçaria, com o dístico ESCOLAR, em preto, sendo que, em caso

de veículo de carroçaria pintada na cor amarela, as cores aqui

indicadas devem ser invertidas; IV - equipamento registrador

instantâneo inalterável de velocidade e tempo; V - lanternas de luz

branca, fosca ou amarela dispostas nas extremidades da parte

superior dianteira e lanternas de luz vermelha dispostas na

extremidade superior da parte traseira; VI - cintos de segurança em

número igual à lotação; VII - outros requisitos e equipamentos

obrigatórios estabelecidos pelo CONTRAN (art. 136).

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Noutro giro, o egrégio Tribunal de Contas dos Municípios

editou a Resolução Normativa n.º 09/2005, que arrazoa que “ O

Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás ... resolve :

art. 1º - orientar e determinar aos municípios goianos que, na

operacionalização das atividades relativas ao sistema de transporte

escolar, por meio de execução direta ou por contratação de

terceiros, sejam observadas as exigências constantes do Código de

Trânsito Nacional ... e Resoluções do CONTRAM, que estabelecem

normas de segurança a serem cumpridas, para efeito de autorização

de circulação de veículos especialmente destinados à condução

coletiva de escolares”.

Portanto, a frota do transporte escolar municipal deve

estar adequada às normas do Código de Trânsito Nacional e

Resoluções do CONTRAM para a garantia da segurança dos alunos

do ensino público, sob pena das contas do chefe do Executivo serem

rejeitadas diante de sua ilegitimidade, como apregoa o artigo 70,

caput, da Lei Fundamental.

O transporte escolar constitui serviço público ininterrupto,

cabendo ao Município de São Miguel do Araguaia garantir este

direito aos alunos do ensino público municipal, não podendo haver,

assim, paralisação do mencionado serviço pela inadequação da frota

escolar ou por falta de pagamento dos motoristas contratados.

Vale ressaltar que a oferta irregular do ensino

fundamental, neste incluído o transporte escolar, acarreta crime de

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responsabilidade do administrador, nos termos do art. 208, §2º da

Constituição Federal, art. 54 §2º do Estatuto da Criança e do

Adolescente e art. 5º §4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

A Administração Pública tem como objetivo o bem

comum e o bem estar social. Torna-se inadmissível a prestação

irregular e deficiente do transporte escolar pelo Município réu, tendo

em vista que a vida, a saúde, a segurança e a educação são direitos

fundamentais catalogados na Carta Magna.

Compilando, o Município réu tem a obrigação legal de

regularizar o transporte escolar dos alunos da rede municipal,

assegurando, assim, o direito à educação e ao ensino fundamental,

de modo que nesta seara não há que se cogitar em

discricionariedade, porque a própria Constituição, expressão

suprema da cidadania, elegeu a oferta regular do ensino como

objetivo a ser perseguido pelos Poderes Constituídos. Neste sentido

é a pacífica jurisprudência pátria:

(TJMG-045750) ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - ENSINO FUNDAMENTAL - TRANSPORTE ESCOLAR - GARANTIA CONSTITUCIONAL - EDUCANDOS DE ESCOLAS PÚBLICAS - RESPONSABILIDADE DOS MUNICÍPIOS - CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS - DIREITO SOMENTE DOS ADVOGADOS - SÚMULA DO STJ - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.Integrando os programas de incentivo à educação, conforme bem expressa a Lei nº 9.394/96, dentre outros, o fornecimento gratuito do transporte escolar a todos os educandos de escola pública,

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independente de ser estadual ou municipal, tem-se que a sua garantia é um dever constitucional dos Municípios, que contarão, para tanto, com a cooperação financeira dos demais entes, que no acaso dos autos deu-se com o repasse de recursos da FUNDEF para tal fim.(Apelação Cível nº 1.0261.02.009268-8/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Formiga, Rel. José Domingues Ferreira Esteves. j. 25.05.2004, unânime, Publ. 06.08.2004).

A Constituição Federal apregoa como fundamentos da

República e do Estado Democrático de Direito, a cidadania e a

dignidade da pessoa humana, valores supremos da ordem jurídica,

proposições principiológicas que irradiam carga normativa

fundamental sobre todo o texto constitucional, orientando a

elaboração legislativa e a Administração Pública na concreção das

políticas públicas inoculadas nas normas definidoras de direitos

dispersas na Lei Fundamental.

Com a inovação da Constituição de 1988, que situou a

cidadania dentre os fundamentos da República, o Direito da

Cidadania teve o seu conceito jurídico alargado, não se limitando

apenas aos direitos políticos, passando a englobar, também, os

direitos civis e sociais.

Nessa quadra, os atuais Direitos da Cidadania brasileira,

com base na fonte primária da ordem jurídica, alcançam os direitos

políticos, civis e sociais, o que prestigia a dimensão coletiva dos

direitos fundamentais, rompendo com a visão limitada do

individualismo francês-revolucionário, abraçando a concepção social-

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democrata, na qual os Direitos Fundamentais não são concebidos

como benesses outorgadas a indivíduos miseráveis, mas sim como

conquistas dos cidadãos, tendo o Estado (poder público) o dever de

cumprir a Carta de Direitos por força do contrato social.

Em consonância com essa nova orientação defendida pela

doutrina, que clama por uma compreensão correta e construtiva do

Direito da Cidadania, o Estatuto Supremo reza no seu artigo 6º que

“são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e

à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição”.

A norma constitucional inoculada no artigo 6º traz um

extenso catálogo de direitos sociais, sem exigir qualquer

contraprestação do cidadão. O artigo 6º define os direitos

fundamentais, assegurando-os a todos indistintamente, sem efetuar

nenhuma exigência aos beneficiários, o que significa tratar-se de

direitos tipicamente da Cidadania.

Com o desiderato de arquitetar um sistema jurídico

idôneo à formação de uma cidadania emancipada (Pedro Demo), a

Constituição Federal anuncia a educação como o primeiro direito

social digno de merecer a atenção do Poder Público.

O direito à educação da Cidadania brasileira está

regulamentado nos artigos 205 ao 214 da Carta Magna.

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Em primeiro lugar, interessante observar que a educação

está consagrada como direito de todos e dever do Estado e da

família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, objetivando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho (art. 205).

Como princípio para ministração do ensino, no artigo 206,

a atual Constituição estabelece a igualdade de condições para o

acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar,

pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de

idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições

públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em

estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino,

garantida, na forma da lei, planos de carreira para o magistério

público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por

concurso público de provas e títulos, assegurando regime jurídico

único para todas as instituições mantidas pela União; gestão

democrática do ensino público, na forma da lei; e, garantia de

padrão de qualidade, o que também são direitos sociais da cidadania

brasileira.

Finalmente, importante destacar que a lei estabelecerá o

plano nacional de educação, que nos termos do artigo 214, deverá

visar a erradicação do analfabetismo, universalização do

atendimento escolar, melhoria da qualidade do ensino, formação

para o trabalho e promoção humanística, científica e tecnológica do

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País. Neste particular, necessário ainda que na referida lei conste o

preparo para o exercício da cidadania, como antes mencionado.

Márcio Alexandre da Silva Pinto, professor e diretor da

Universidade Federal de Uberlândia, na sua tese de Doutorado na

PUC-SP, arremata a questão com as seguintes lições:

“Destarte, no Brasil, em síntese, educação é um típico

direito da cidadania, porquanto direito de todos e dever

do Estado e da família, objetivando o pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício

da cidadania e sua qualificação para o trabalho, malgrado

ainda pouco observado na prática” (Teoria Geral do

Direito da Cidadania. Tese: PUC-SP, 2004, pág. 114).

Os direitos sociais da Cidadania consistem nos direitos

relacionados com o bem estar social da Cidadania. Como exemplos

de direitos sociais da Cidadania, encartados na Constituição, podem

ser citados o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança,

ao meio ambiente equilibrado, o direito de assistência social, enfim,

direito ao bem estar social, como garantia de uma vida humana

digna. Assim, incluem-se nos direitos sociais os direitos econômicos,

os culturais e os de solidariedade, porquanto todos de natureza

social, conforme é público e notório.

Márcio Alexandre, conclui que é “indubitável que tais

direitos sociais integram os direitos da Cidadania, dentro da

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concepção contemporânea de Direito da Cidadania, porquanto são

direitos de todos em contrapartida aos deveres como cidadãos,

independente de pagamento direito, de idade, raça, sexo, religião,

etc” (ob. cit. pág. 215).

Os cidadãos pagam tributos federais, estaduais e

municipais, respeitam as leis, tudo em obséquio ao contrato social,

no entanto, o Estado insiste em demitir-se do gravíssimo encargo de

tornar efetivos os direitos sociais da cidadania, assumindo a írrita

postura de inércia, mesmo diante da possibilidade concreta dos

cidadãos de São Miguel do Araguaia terem o direito à educação

negado na prática.

A omissão inconstitucional do Município de São Miguel do

Araguaia, caracteriza ofensa, agressão direta aos direitos sociais da

Cidadania, traduzindo-se, na prática, em negativa de cumprimentos

dos seus deveres constitucionais, obstando o acesso dos cidadãos ao

ensino fundamental, porque o transporte de escolares é realizado de

forma ilegal e perigosa, vulnerando a dignidade da pessoa humana,

porquanto os alunos são obrigados a se sujeitarem a diversos riscos

se quiserem freqüentar as aulas, o que, peremptoriamente, um

absurdo.

A violação, por omissão, ao direito à educação, autoriza o

Poder Judiciário a condenar o poder público a cumprir a

Constituição, sem que tal decisão vulnere a separação de Poderes,

porque a atuação estatal está vinculada às normas constitucionais

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definidoras de direitos fundamentais da Cidadania. Nesta seara não

há discricionariedade, o Executivo é obrigado a efetivar os direitos

sociais.

Com a concepção atual de defesa da cidadania, “deve

predominar a concepção homodefensiva, cabendo ao cidadão, ao

Estado e a Sociedade a defesa dos direitos de todos. O desrespeito,

a violação de quaisquer dos direitos da Cidadania, automaticamente

atinge a todos. Assim, tanto o cidadão, quanto o Estado e a própria

sociedade organizada devem assumir a defesa dos direitos da

Cidadania” (Márcio Alexandre da Silva Pinto. ob. cit. pág. 229).

O Judiciário não pode assistir de forma passiva e

condescendente as violações à carta de direitos fundamentais. O

Poder Judiciário está constitucionalmente autorizado a corrigir e

suplantar as omissões estatais, para preservar a força normativa da

Constituição e máxima efetividade das normas fundamentais,

principalmente as definidoras de direitos da Cidadania.

Vale trazer à balia a admoestação do Doutor Márcio

Alexandre, in ipisis litteris:

“Atualmente, deve predominar a concepção

homodefensiva, pela qual cabe tanto ao cidadão(ã),

quanto ao Estado, seja através do Poder Executivo, do

Legislativo ou do Judiciário, como à sociedade, através

das Entidades Civis, dos Partidos Políticos e dos

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Movimentos Sociais, realizar a defesa da Cidadania. Por

defesa da Cidadania entende-se tanto a defesa dos

direitos quanto dos interesses de todos como

cidadãos” (ob. cit. pág. 230).

A cláusula da separação dos Poderes não pode ser

invocada para legitimar o desrespeito aos direitos fundamentais, sob

pena de se frustrar o desiderato constitucional, colocando em xeque

a força normativa da Constituição.

De nada adiantaria a Constituição abraçar diversos

direitos sociais se a eleição de como e quando tais direitos devessem

ser observados ficassem à cargo do chefe do Executivo. Como vige o

sistema de cheks and counthercheks, toda e qualquer lesão ou

ameaça a direito autoriza a tutela jurisdicional (artigo 5º, XXXV, CF).

A Constituição da República, lei fundamental do

ordenamento jurídico pátrio, inicia seu texto normativo com um

extenso catálogo de diretrizes e pautas axiológicas que devem

orientar toda produção legislativa e atuação administrativa.

Esse conjunto de finalidades institucionais dos Poderes da

República está inscrito no preâmbulo da Lei Maior, cuja redação é a

seguinte:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos

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direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

Diante desse esquadro, é lícito afirmar que todo aparato

estatal, toda a máquina administrativa existe apenas com a

finalidade de assegurar à cidadania brasileira os direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

Todo o arcabouço legislativo e as ações governamentais

engendradas a partir de então devem perseguir esses objetivos. A

razão de ser das prerrogativas conferidas aos Poderes constituídos é

a busca dos objetivos delineados no preâmbulo constitucional, sendo

que não há liberdade para o administrador decidir nada, pois a

cidadania brasileira, por intermédio do Poder Constituinte Originário,

já realizou as escolhas, ou seja, não há discricionariedade, a atuação

esta vinculada aos anseios da Cidadania.

As proposições enunciadas no preâmbulo permeiam todo

o texto constitucional e irradiam carga normativa pela ordem

jurídica infraconstitucional.

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O art. 1º da Constituição Federal delineia os fundamentos

da República, as razões da existência do Estado e do Poder

Executivo, dentre as quais destacam-se, como já alardeado, a

cidadania e a dignidade da pessoa humana.

A cidadania, como é cediço, recebe da doutrina de

vanguarda uma nova dimensão, na qual ela pode ser enfoca sob três

prismas, a saber: direitos políticos, direitos civis e direitos sociais.

Esta nova conformação do conceito de cidadania, que não mais se

restringe ao liame político entre o cidadão e o Estado, alterou o foco

do Direito Público e da Teoria Geral do Estado.

Hoje, com base nos estudos do professor Doutor Márcio

Alexandre, da Universidade Federal de Uberlândia, o Direito Público

e o Estado devem ter como centro das atenções o cidadão e não o

Estado e a Administração Pública.

Nessa quadra, a Constituição arquitetou um conjunto de

direitos sociais assegurados às crianças, em especial a educação, a

segurança e a saúde, tudo fruto dos correlatos deveres inerentes ao

contrato social, violado, no caso concreto, pelo Estado de Goiás.

O art. 6º do Estatuto Supremo reza que “são direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição”.

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A forma eleita pela Constituição, como preceitua a parte

final do art. 6º, está inoculada nos artigos 205, 208, §§ 1º e 2º e

227, todos da Magna Carta.

Eis a normas veiculadas nos artigos 205, 208, §§ 1º e 2º

e 227 da CF:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do

Estado e da família, será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho.

Art 208. omissis:

§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é

direito público subjetivo.

§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório

pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa

responsabilidade da autoridade competente.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta

prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

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forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão.

A Constituição, portanto, fruto da soberania popular,

obriga que o Poder Público franqueie aos cidadãos o acesso a

educação, para o exercício da cidadania (art. 205), além de

determinar que o Estado assegure à criança e ao adolescente, com

absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227).

Tais normas constitucionais não são apenas

programáticas, são, na essência, definidoras de direitos, como

alardeado pelo art. 208, § 1º, da CF.

Não há opção ou margem de discricionariedade para o

administrador, pois a Constituição já definiu o que deve ser feito. O

administrador não está autorizado a se omitir e justificar sua

omissão com base na discricionariedade, pois a ordem jurídica não

abriu margem de conveniência e oportunidade.

A atuação do administrador público na promoção do

ensino e na defesa da saúde das crianças e adolescentes é vinculada

ao texto constitucional. Não é uma faculdade de o administrador

promover ações de educação e saúde, é uma obrigação institucional

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do Poder Executivo, sendo que a omissão do Poder Público em tais

casos é inconstitucional, o que autoriza o Judiciário a intervir para

restaurar a força normativa da Constituição e a máxima efetividade

das normas constitucionais, sobretudo as definidoras de direitos

fundamentais (art. 5°, § 1°, CF).

A petição inicial enfatiza, com fulcro em vistorias

realizadas pelo DETRAN de Goiás, órgão administrativo legalmente

competente, que o transporte de escolares patrocinado pelo

Município está em gravíssima situação, não oferecendo as condições

mínimas de segurança, pela ausência de diversos dispositivos de

segurança exigidos pelo Código de Trânsito.

A situação retratada na inicial e pelo DETRAN revela o

descaso do Poder Público com a cidadania e com as crianças, na

medida em que a vexatória realidade expõe os alunos a doenças e

riscos de acidentes, o que viola o direito fundamental da dignidade

da pessoa humana, valor supremo da ordem jurídica.

Está devidamente comprovada a omissão do Município no

adimplemento de suas obrigações constitucionais.

Como preconiza o § 2º do art. 208 da Paramount Law, “o

não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua

oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade

competente”.

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Não restam dúvidas de que o ensino está sendo oferecido

de forma irregular, porquanto não estão sendo obedecidas as

condições mínimas de saúde, segurança e respeito para com as

crianças e adolescentes que são alunos do sistema municipal de

ensino, o que caracteriza violação ao prescrito nos art. 205 e 227 da

Constituição.

Considerando que a oferta irregular do ensino ,

consubstanciado no inadequado e vexatório serviço de transporte de

escolares, autoriza a responsabilização do responsável, é consectário

lógico que o Poder Judiciário está autorizado a suprir a omissão

inconstitucional do Município, que não praticou atos de atuação

vinculada, como autoriza o § 2º do art. 208, da CF.

Sem embargo da clareza solar das normas definidoras de

direitos vertidas no Texto Constitucional, impende consignar que a

Lei n.º 8.069/90 engendrou um complexo de regras e princípios

jurídicos destinados a tutelar as crianças e adolescentes, com a

adoção da doutrina da proteção integral (art. 1º do ECA).

O direito à saúde, à proteção, ao respeito e ao ensino

regular, estão garantidos também no ECA, que é norma de ordem

pública, o que indica que tais direitos são indisponíveis.

Eis os principais dispositivos do ECA que garantem os

direitos à saúde, à segurança e ao ensino regular:

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Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,

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preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Ora, se é direito da criança é dever do Estado, razão pela

qual não há que se cogitar que o caso ingressaria na

discricionariedade administrativa, porque não há discricionariedade

nesta matéria.

Nesse sentido é a jurisprudência de vanguarda do

Superior Tribunal de Justiça, in ipisis litteris:

EMENTA ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET . ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069/90. DIREITO À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS

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CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori , legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.5. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde

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que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).6. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.7. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual".8. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do E. STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp n.º 706.652/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18/04/2005; REsp n.º 664.139/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20/06/2005; e REsp n.º 240.033/CE, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 18/09/2000).9. O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90):"Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade."10. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas

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Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.11. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública.12. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.13. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.14. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem

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importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado nopreceito educacional.15. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda , encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.16. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.17. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.18. O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana.19. O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é

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repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa 'fila de espera', quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. Precedente jurisprudencial do STJ: RESP 575.280/SP, desta relatoria p/ acórdão, publicado no DJ de 25.10.2004.20. O Supremo Tribunal Federal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE 436.996-6/SP, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 07.11.2005, decidiu verbis :"CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO(CF, ART. 211, § 2º). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.

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- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político--administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina.21. Recurso especial provido. (STJ, Resp n.º 718.203/SP, rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma).

Extrai-se do voto do Ministro Luiz Fux no indigitado

Recurso Especial, o repúdio à tese de que no caso há ofensa à

discricionariedade, vejamos:

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Deveras, em função do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública. De tudo quanto se alegou, revela notável seriedade a questão da suposta ingerência do Judiciário na esfera da Administração. Sob esse ângulo, não nos parece correta a alegada discricionariedade do administrador diante de direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo, a atividade é vinculada, inadmitindo-se qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. (voto do Ministro Luiz Fux no REsp n.º 718.203).

A respeito da não agressão ao postulado da separação de

Poderes e da natureza das normas constitucionais que regem a

matéria, vale trazer à baila as judiciosas lições de Luiz Fux no REsp

n.º 718.203, in verbis:

“Evidentemente que num país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas constitucionais alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não se poderia imaginar fosse o direito à educação das crianças relegado a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais.Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância a categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela

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a normatividade suficiente da promessa constitucional a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.Realmente, meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda , encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.Sobre o thema leciona Luís Roberto Barroso, in O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, 5ª edição, litteris :(...)A Constituição de 1988 reiterou ser a educação direito de todos e dever do Estado (art. 205), e detalhou, no art. 208, que tal dever será efetivado mediante a garantia de "ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a elenão tiveram acesso na idade própria" (inciso I), bem como pelo "atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência..." (inciso III). Também aqui não parece haver dúvida quanto à imperatividade da norma e a exigibilidade do bem jurídico tutelado em ambos os casos.É bem de ver, no entanto, que o constituinte preferiu não sujeitar-se a riscos de interpretação em matéria á qual dedicou especial atenção: o ensino fundamental. Desse modo, interpretando assim mesmo, fez incluir no § 1º do art. 208 a declaração de que " o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo". O dispositivo, todavia,não deve induzir ao equívoco de uma leitura restritiva: todas as outras situações jurídicas constitucionais que sejam redutíveis aoesquema direito individual - dever do Estado configuram, na mesma sorte direitos públicos subjetivos. Não pretendeu o constituinte limitar outras posições jurídicas de vantagem mas tão-somente, ser meridianamente claro em relação a esta posição específica. Com isto evita que a autoridade pública se furte ao dever que lhe é imposto, atribuindo ao comando constitucional, indevidamente, caráter programático e, pois, insusceptível de ensejar a exigibilidade de prestação positiva." p-115.

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Entretanto, quando a Constituição consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impõe-se ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.É evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio, e atuar sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto, no regime democrático e no estado de direito, o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu.Afastada assim a ingerência entre os poderes, o judiciário atacado de malferimento da lei nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa legal.Assim, se é direito do menor a freqüência em creche, o Estado, num sentido lato deve desincumbir-se desse dever através da sua rede própria.Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel.Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano.Ora, o Estado prometeu o direito à creche e cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade político e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse , foi essa, no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o País.Trata-se de direito com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado”.

Nesse quadrante, na esteira do repertório de

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a atuação do Poder

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Público na implantação do ensino regular, com a adequada

prestação do serviço de escolares, com obediência às normas de

saúde e segurança, é vinculada, razão pela qual não há ofensa à

separação de Poderes, eis que o Judiciário, ao julgar procedente o

pedido, estará apenas suprindo uma omissão inconstitucional e

ilegal.

Por oportuno, diante da magnitude do problema, que

versa sobre a possibilidade a atuação do Judiciário na formulação de

políticas públicas voltadas à preservação de direitos sociais da

cidadania, julgo conveniente citar os seguintes precedentes do

egrégio Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE, AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS.OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO COLENDO STF.1. O acórdão embargado reconheceu, ex officio, a ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interesse individual de menor, visto que, na referida ação, atua o Parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional, configurando a ilegitimidade quando a escolha se dá na proteção de um único menor.2. “Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário” (AgReg no RE nº 463210/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 03/02/2006).

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3. “A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja

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omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina.” (AgReg no RE nº 410715/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 03/02/2006) 4. Legitimidade ativa do Ministério Público reconhecida.5. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.6. Embargos de divergência conhecidos e providos.(EREsp 485.969/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23.08.2006, DJ 11.09.2006 p. 220).

Na mesma linha adotada pelo STJ, o Supremo Tribunal

Federal, guardião da Constituição da República e, por conseguinte,

dos Direitos da Cidadania, decidiu que o Poder Judiciário, nos casos

de omissão inconstitucional dos Poderes Executivo e Legislativo,

pode formular políticas públicas de proteção ao direito fundamental

à educação, senão vejamos:

CONSTITUCIONAL. ATENDIMENTO EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA.I. - Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário.II. - Agravo não provido.”(AgReg no RE nº 463210⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 03⁄02⁄2006) “RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO

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CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO.- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.- Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

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- Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina.”(AgReg no RE nº 410715⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 03⁄02⁄2006).

Em arremate, urge destacar a emblemática Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 45, relatada pelo

Ministro Celso de Mello, ocasião em que a Suprema Corte discorreu

sobre os contornos políticos da jurisdição constitucional na

implementação de políticas públicas tendentes a concretizar direitos

sociais (liberdades positivas), concluindo, ao final, que é dever do

Judiciário tutelar os direitos fundamentais não efetivados

primariamente pelo Executivo e Legislativo, quando restar

configurado o abuso estatal.

Diante da magnitude que o julgamento da ADPF n. 45

representa para a história constitucional brasileira, vale citar a

ementa redigida pelo Ministro Celso de Mello:

“EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA

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INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)”.

Celso de Mello, na ADPF n.º 45, adverte que o Judiciário

“não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos

os direitos econômicos, sociais e culturais – que se identificam,

enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades

positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO

DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou

negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a

integridade da própria ordem constitucional”.

Por derradeiro, vale trazer à baila a admoestação

conclusiva de Celso de Mello:

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“Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”.

O próprio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

considera o transporte escolar um direito líquido e certo, cuja

observância é de competência do Município, que deve atuar de

forma vinculada, não podendo eximir-se de respeitar as balizas da

Constituição, do ECA e do Código de Trânsito, senão vejamos:

EMENTA: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE ESCOLAR RURAL. ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL. É dever do Poder Público, assegurar à criança e ao adolescente o ensino fundamental obrigatório e gratuito, bem como, a sua manutenção e desenvolvimento, além de arcar com as despesas para aquisição de material didático-escolar,

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alimentação, assistência à saúde e transporte, garantido pela Constituição Federal, ECA, LDB e Constituição do Estado de Goiás. II – SUSPENSÃO DO TRANSPORTE ESCOLAR. PREFEITURA MUNICIPAL. OFENSA À DIREITO LÍQUIDO E CERTO. Constitui ofensa a direito líquido e certo a suspensão do transporte escolar, considerado indispensável ao acesso dos estudantes do ensino básico fundamental, por parte do Poder Público Municipal. REMESSA CONHECIDA E IMPROVIDA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO Nº 12.505-4/195 (200601073333) Desembargador JOÃO WALDECK FELIX DE SOUSA)

EMENTA: "DUPLO GRAU. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE ESCOLAR RURAL. 1. (...) 2. Toda criança eadolescente têm direito ao acesso à escola, garantido pela Constituição Federal e demais Leis afetas à matéria (ECA e Lei de Diretrizes), portanto, correta é a concessão de segurança determinando a efetivação do transporte rural garantindo acesso das crianças ao ensino fundamental. Apelo e Remessa conhecidos e desprovidos." (TJGO, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. ALMEIDA BRANCO, DGJ nº 87.82-5/195, in DJE nº 14.294, de 21/06/2004).

EMENTA: "DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. INTERRUPÇÃO DE TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO AOS ALUNOS DA ZONA RURAL. OBRIGATORIEDADE DA PRESTAÇÃO. OFENSA À DIREITO LÍQUIDO E CERTO.1 - Constitui ofensa a direito líquido e certo a suspensão do fornecimento do serviço de transporte escolar, considerado essencial ao acesso da criança e adolescente ao ensino básico, por parte do Poder Público Municipal, amparável via mandamus, não merecendo qualquer retoque a sentença que concedeu asegurança. 2 - Ressai dos textos infra e constitucional, que é dever do Poder Público, mormente o Municipal, oferecer transporte escolar gratuito à criança e ao adolescente que está cursando ensino básico fundamental. Remessa conhecida e improvida." (TJGO, 3ª Câmara Cível, Relª, Desª NELMA BRANCO FERREIRA

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PERILO, DGJ nº 11.193-4/195, in DJE nº 14.651, de 09/12/2005).

Contudo, para saciar a exigência constitucional, não

basta que o Município franqueie um transporte escolar apenas pro

forma, pois é necessário que este serviço seja adequado, de acordo

com as normas de saúde e segurança inscritas no Código de

Trânsito.

Segundo o artigo 136 da Lei n.° 9.503/97, Código de

Trânsito Brasileiro, os veículos destinados ao transporte de escolares

devem possuir os seguintes requisitos, a saber:

Art. 136. Os veículos especialmente destinados à

condução coletiva de escolares somente poderão circular

nas vias com autorização emitida pelo órgão ou entidade

executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal,

exigindo-se, para tanto:

I - registro como veículo de passageiros;

II - inspeção semestral para verificação dos

equipamentos obrigatórios e de segurança;

III - pintura de faixa horizontal na cor amarela, com

quarenta centímetros de largura, à meia altura, em toda

a extensão das partes laterais e traseira da carroçaria,

com o dístico ESCOLAR, em preto, sendo que, em caso de

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veículo de carroçaria pintada na cor amarela, as cores

aqui indicadas devem ser invertidas;

IV - equipamento registrador instantâneo inalterável de

velocidade e tempo;

V - lanternas de luz branca, fosca ou amarela dispostas

nas extremidades da parte superior dianteira e lanternas

de luz vermelha dispostas na extremidade superior da

parte traseira;

VI - cintos de segurança em número igual à lotação;

VII - outros requisitos e equipamentos obrigatórios

estabelecidos pelo CONTRAN.

Conforme indicado em linhas recuadas, inúmeros veículos

do Município de São Miguel do Araguaia estão em desacordo com as

determinações do CTB, o que configura odiosa omissão do Poder

Público, que submete crianças e adolescentes a diversos riscos

intoleráveis.

Presente, portanto, a omissão inconstitucional do

Município, que, na prática, neutraliza, anula, o direito à educação,

deve o Poder Judiciário, provocado por meio desta ação civil pública,

preservar a intangibilidade do núcleo essencial dos direitos da

Cidadania desrespeitados, garantindo aos cidadãos de São Miguel do

Araguaia, em especial as crianças e os adolescentes, o efetivo

acesso ao ensino público e gratuito, com observância das normas de

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segurança e a saúde imprescindíveis ao transporte de escolares,

estipuladas pela Constituição Federal, Estatuto da Criança e do

Adolescente e Código de Trânsito Brasileiro.

A vexata quaestio não reclama maiores digressões.

III. DOS PEDIDOS

III. 1. Do pedido liminar

Da análise do arcabouço probatório trazido com esta

vestibular, isto é, em sede de cognição não exauriente, sumária

vertical, vislumbra-se presentes os pressupostos que rendem azo ao

deferimento da media liminar, nos termos do art. 12 da Lei n.º

7.347/85.

A antecipação dos efeitos da tutela, no bojo de uma ação

civil pública, é possível desde que a tese jurídica exposta seja

plausível e que haja fundada necessidade de se assegurar a fruição

da tutela de mérito pretendida antes da estabilização subjetiva do

processo e da efetivação do contraditório.

No caso em testilha, a tese jurídica sustentada na

vestibular encontra respaldo em regras e princípios jurídicos de

matriz constitucional e infraconstitucional, vertidos, notadamente,

nos artigos 1º, II e II, 6º, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212,

213 e 214, todos da Constituição da República, além das disposições

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do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Trânsito

Brasileiro e dos citados precedentes do Supremo Tribunal Federal,

Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de Goiás.

Sem embargo da clareza solar da ordem normativa, o

Município insiste em desrespeitar os Direitos da Cidadania

estampados na Lei Fundamental, conforme fartamente comprovado,

resistindo em adequar sua frota destinada ao transporte de

escolares aos ditames legais, impedindo centenas de crianças e

adolescentes de terem respeitados os direitos fundamentais à

educação, dignidade e saúde.

Se a tutela de urgência não for deferida, certamente

centenas de crianças e adolescentes continuarão submetidas a

situação vexatória de serem obrigadas a utilizar os precários

veículos do Município, que expõe os alunos a perigo concreto de

lesão e acidentes.

As irregularidades do transporte escolar no Município

prejudicam o acesso à educação, haja vista o número de faltas

ocasionado pela negligência deste serviço, além da possibilidade

concreta de ocorrer acidentes graves, até com vítimas fatais.

A inadequação da frota escolar em alusão aos

equipamentos básicos exigidos pelo Código de Trânsito Brasileiro

enseja situação de risco aos alunos, expondo a vida, a saúde e a

segurança das crianças e dos adolescentes. Decerto, a providência

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divina ou a sorte têm estado ao lado dos alunos transportados em

veículos irregulares, mas até quando? O Ministério Público não

comunga e não aceita esta exposição a risco. A omissão do Poder

Público é inadmissível, inaceitável e irresponsável, devendo cessar

imediatamente, evitando a produção de dano.

É notório que a prioridade na efetivação dos direitos das

crianças e dos adolescentes é estampada na legislação citada;

entrementes, o perigo da demora de uma prestação jurisdicional

definitiva é inquestionável, decorrência dos princípios e atos

processuais e do acúmulo de feitos em tramitação, mormente neste

caso em que há risco para a vida, saúde e segurança dos alunos

infantes.

Vale ressaltar que o periculum in mora advém da

irregularidade do serviço de transporte escolar e da inadequação da

frota escolar, ensejando que as crianças e os adolescentes sejam

expostos a perigo desnecessário, prejudicando, ainda, a

continuidade dos estudos, o que contribui, inexoravelmente, para o

agravamento da distribuição de renda e aumento dos índices de

desempregado, por força do baixo nível de escolaridade dos

brasileiros, sobretudo dos cidadãos deste Município, que são

obrigados a aceitarem condições sub-humanas de trabalho ou o que

é pior, são compelidos pelas conjecturas a trilharem a senda da

criminalidade.

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Destarte, demonstrada a plausibilidade jurídica da tese e

o perigo da demora, mister se faz a concessão da medida liminar,

com fulcro nos artigos 84 do CDC e 12 da Lei n.º 7.347/85,

deferindo os pedidos consistentes nas seguintes obrigações de fazer

contra o Município de São Miguel do Araguaia:

A) seja concedida liminar para determinar ao Município

réu a manutenção regular do transporte escolar para os

alunos da rede pública do ensino fundamental em todas

as rotas municipais, com horário fixo de embarque e

desembarque compatível com o horário escolar, sob pena

de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais),

corrigidos monetariamente, por cada dia de falta em

qualquer das rotas e responsabilização pessoal do

Prefeito Municipal por crime de desobediência ;

B) que o Município realize a adequação, no prazo de 30

(trinta) dias, dos veículos que prestam serviço de

transporte escolar ao previsto no Código de Trânsito

Brasileiro, submetendo tais veículos à inspeção do

DETRAN/GO, sob pena de multa diária no valor de R$

5.000,00 (cinco mil reais), corrigida monetariamente, por

dia de atraso no cumprimento da obrigação e

responsabilização pessoal do Prefeito Municipal por crime

de desobediência;

C) expirado o prazo de 30 (trinta) dias, que seja juntado

comprovante de aprovação pelo DETRAN/GO em relação

a todos os veículos do Município ou contratados que

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realizam transporte escolar, sob pena de incidência da

multa acima referenciada e responsabilização pessoal do

Prefeito Municipal por crime de desobediência;

III.2 Dos pedidos definitivos

Gizadas estas singelas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO

DO ESTADO DE GOIÁS formula os seguintes pedidos e

requerimentos, a saber:

A) ao final, seja o presente pedido julgado procedente

para determinar ao Município de São Miguel do Araguaia

a obrigação de fazer consistente na adequação da frota

escolar ao previsto no Código Brasileiro de Trânsito e na

manutenção regular do serviço de transporte escolar com

horário fixo de embarque e desembarque compatível com

o horário escolar, confirmando as liminares concedidas;

B) Que a presente ação civil pública seja recebida,

autuada e processada, eis que presentes os requisitos

dos artigos 282 e 283 do CPC e da Lei n.º 7.347/85;

C) a citação do Município réu, na pessoa do Prefeito

Municipal, para, querendo, contestar o pedido no prazo

legal, sob pena de revelia e confissão;

D) A total procedência de todos os pedidos deduzidos,

após regular tramitação processual, transformando-se em

definitiva a decisão antecipada liminarmente;

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E) Cominação de astreintes, nos mesmos valores da

multa diária supra, para assegurar o cumprimento da

decisão final;

D) a expedição de ofício à Prefeitura Municipal para: 1)

informar os veículos pertencentes ao Município de São

Miguel do Araguaia e contratados que realizam o

transporte escolar no Município; 2) informar as rotas do

transporte escolar, especificando o horário de embarque

e desembarque dos alunos em cada região e o número de

alunos por veículo; 3) informar os recursos repassados

através do Programa Nacional de Apoio ao Transporte

Escolar - PNATE (Lei nº 10.880/2004) e do FUNDEF de

janeiro a setembro/2006, especificando os meses e

valores;

E) a produção de todas as provas admitidas ou não

proibidas por lei, notadamente documental, depoimento

pessoal dos réus, sob pena de confissão, oitiva de

testemunhas que oportunamente serão arroladas,

perícias e inspeções.

Dá-se à causa o valor de R$ 350,00 (trezentos e

cinqüenta reais), para efeitos meramente fiscais.

São Miguel do Araguaia, 21 de março de 2007.

AUGUSTO REIS BITTENCOURT SILVA

Promotor de Justiça Substituto

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