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PROJETO INDICADORES DE AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DE ATER ASBRAER Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural SAF-MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário TEXTO FINAL

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PROJETO INDICADORES DE AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DE ATER

ASBRAERAssociação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica

e Extensão Rural

SAF-MDAMinistério do Desenvolvimento Agrário

TEXTO FINAL

INSTITUTO CULTIVAWWW.CULTIVA.ORG.BR

JUNHO DE 2007

INDICADORES DE AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DE ATER

Texto Final

Projeto ASBRAER / SAF-MDA

Consultoria Instituto Cultivawww.cultiva.org.br

CoordenadorRudá Ricci

ConsultoresFranklin Hotman (Uuniversidade Federal de Viçosa)Ricardo Abramovay (USP)Sônia Bergamasco (UNICAMP)

Secretaria de ApoioLucas Santos

Belo Horizonte, 12 de junho de 2007

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Índice

1 - Concepção Estratégica de Extensão Rural Brasileira -------------------------------------51.1 – Referências de Análise ------------------------------------------------------------------51.2 - Trajetória histórica da extensão rural -------------------------------------------------91.3 - Conjuntura Setorial -------------------------------------------------------------------------151.4 - Acordos democraticamente firmados com agências estatais -------------------201.5 - Especificidade do trabalho extensionista ---------------------------------------------26

2 - Notas iniciais sobre as referências metodológicas e conceituais para elaboração de indicadores de avaliação de resultados de ATER -----------------------------------------28

3 - Princípios e Conceitos Fundantes para Elaboração de Indicadores de Avaliação de Ações de ATER -----------------------------------------------------------------------------------------------33

Neocorporativismo e agenda republicana ----------------------------------------------------------34Sobre desenvolvimento de territórios ----------------------------------------------------------------35A co-gestão pública ou participacionismo ----------------------------------------------------------38Marco Conceitual -----------------------------------------------------------------------------------------41Ferramentas de Avaliação de Gestão Pública Participativa -----------------------------------42

4. Quadro sintético dos princípios e critérios de referência para formulação de indicadores de avaliação de resultados de ações de ATER ------------------------------------------------- ------48

5. Tabela de Indicadores, Instrumentos e Metodologia para sua Implementação----------74

6. ANEXO Avaliação OP-SP 2004 ----------------------------------------------------------------------92

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1. Concepção Estratégica da Extensão Rural Brasileira

1.1 - Referências de Análise

A elaboração do Marco Referencial para formulação de indicadores de avaliação de resultados das ações de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) do Brasil deve conjugar cinco dimensões políticas e técnicas, a saber:

a) Trajetória Histórica da Extensão Rural: esta dimensão define um marco histórico inicial por onde se estabelece a coerência institucional. A produção de indicadores de avaliação de resultados das ações de ATER envolve um sistema público de extensão rural e assistência técnica que não pode ser excluído sob pena de desarticular a identidade e a estrutura funcional deste sistema. Trata-se, neste caso, de dialogar com esta trajetória, evitando-se duas tentações de fácil resolução: limitar a produção de indicadores a esta trajetória ou desconhece-la. As duas tentações facilitam o trabalho de produção de indicadores mas incorrem num erro técnico de desconhecer atores sociais e os embates político-teóricos destes atores na formulação de políticas públicas. A pretensa neutralidade na produção de indicadores cria uma formulação estéril, porque não se posiciona a partir da trajetória institucional ou, pelo contrário, desconhece a história e os acordos públicos que orientam uma política democrática. Este fio da navalha deve orientar qualquer produção de indicadores de avaliação em políticas públicas.

b) Conjuntura político-institucional e do desenvolvimento setorial: a produção de indicadores

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de avaliação de resultados de um serviço público deve almejar longevidade. Não se trata de produção casuística ou de avaliação de um programa ou ação de momento. Contudo, a leitura da conjuntura deve sustentar a identificação de tendências e desafios históricos, orientando o foco estratégico da extensão rural (não apenas os interesses de governo, mas fundamentalmente de Estado) a partir do cenário no qual se originam os indicadores de avaliação. Em outras palavras, a leitura da conjuntura define desafios institucionais de um serviço público.

c) Princípios acordados democraticamente para a ação estatal: princípios norteadores de um serviço ou política pública que foram acordados democraticamente com atores sociais constroem a paisagem política por onde se movimenta a ação governamental. Estamos, portanto, nos referindo a mais um elemento conjuntural, não necessariamente estratégico. Alguns autores clássicos sugeriram que esta dimensão traduz um acordo histórico, formulado a partir de múltiplos interesses. Obviamente, o governo cria mecanismos de seletividade de demandas e produz uma releitura para formular sua agenda (tal como sugere Claus Offe). Embora conjuntural, e muitas vezes circunscrito aos interlocutores privilegiados do governo de plantão, não se pode desconsiderar os acordos forjados na definição de uma política pública, sob risco dos formuladores de indicadores de avaliação elaborar uma contribuição de natureza autocrática, academicista, ou seja, o excessivo rigor com conceitos formais ou cânones legitimados exclusivamente pela academia, desconhecendo todo um rol de produção de conhecimentos que não se localizam no mundo da pesquisa institucional. Este é um delicado espaço de

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diálogo, já analisado em diversos estudos sobre o discurso e práticas políticas e discursos e práticas científicas. Na medida em que o mundo acadêmico ou de produção técnica se aproxima para auxiliar as agências estatais (eminentemente políticas e dialógicas), faz-se necessário estabelecer o diálogo e a transigência que não abalem a legitimidade da própria política pública a ser avaliada. Este princípio deve ser explicitado desde o início da formulação dos indicadores de avaliação.

d) Leitura crítica a partir de conceitos técnicos validados cientificamente: contudo, a identidade dos elaboradores de indicadores de avaliação de resultados de políticas públicas é acadêmica. Neste caso, qualquer diálogo tem início, deste ponto de vista, com a explicitação dos conceitos e teorias (e leitura acadêmica) que orienta a leitura e as opções da equipe de formuladores de indicadores. Trata-se de honestidade acadêmica e até mesmo política. Retornamos, neste caso, ao fio da navalha indicado no primeiro item destas dimensões de formulação de indicadores.

e) A especificidade do trabalho extensionista de caráter público. É preciso levar em conta, por um lado, a trajetória histórica das agências de ATER e, por outro, os múltiplos aspectos da atividade extensionista, o que inclui o assessoramento na implementação de projetos de produção e resolução de problemas técnicos, creditícios, fiscais, sanitários, comerciais e outros relacionados ao atendimento direto ao público beneficiário. Mas, além disso, o técnico extensionista, para o exercício de sua atividade, necessita consultar pesquisas e materiais de divulgação relacionados aos projetos em cursos na localidade e organizar publicações diversas, tais como textos voltados para a disseminação de informações

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técnicas, artigos científicos, materiais didáticos, cartilhas, folhetos, cartazes, livros, livretos, apostilas, páginas na internet, etc. através das quais são divulgadas, consolidadas e valorizadas as experiências locais de produção agroecológica, os processos de inovação institucional, tecnológica, econômica etc.

Assim, o que é necessário explicitarmos como espaço de elaboração de indicadores de avaliação de políticas públicas, tendo como contratantes órgãos executores destas políticas é aquele em que se encontra o diálogo entre a construção histórica dessas políticas públicas (determinadas por acordos e negociações entre atores sociais) e a leitura acadêmica sobre a conjuntura e desafios estratégicos do Estado.

De nossa parte, explicitar cada uma dessas dimensões implica em expor as motivações (nos distanciando da pretensa neutralidade) que orientam a formulação dos indicadores de avaliação.

Este é o fundamento dos próximos subitens deste documento.

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1.2 – Trajetória histórica da extensão rural

A extensão rural pública brasileira possui uma trajetória muito peculiar. Tem suas origens na segunda metade da década de 1940, após término da Segunda Guerra Mundial, no contexto do início da Guerra Fria, com influência significativa do modelo de extensão rural dos Estados Unidos. Nasceu sob a égide de um acordo entre governo estadual mineiro e Fundação Rockefeller. Pode-se, assim, traçar uma analogia com o que hoje se denomina de parceria público-privado ou, mais precisamente, de OSCIP. A ACAR (Associação de Crédito e Assistência Rural) era uma OSCIP, com grande autonomia política. Há relatos que indicam que a dupla de extensionista era considerada alienígena em cada localidade onde se instalava. Prefeitos não compreendiam o papel feminino da dupla e consideravam-no um serviço comunista. Não raro, os extensionistas serviam de mediadores (e até promotores) de acordos entre lideranças do PSD e UDN. O discurso ético messiânico (de clara inspiração protestante) oscilava entre discurso de Estado e discurso modernizador, de implantação de um mercado de massas no meio rural.

Nos anos 60, na medida em que o fluxo de investimentos norte-americanos diminuía para dar lugar aos investimentos estatais, a política extensionista foi se distanciando de seu ideário original e passou a adotar paulatinamente o projeto de governo. Foi assim, principalmente, a partir de meados dos anos 70, quando o sistema ACAR se transformou em sistema EMATER. A partir de então, o extensionismo rural brasileiro de natureza estatal foi expressão da força política que governava os entes federativos. Tal situação fomentou muitos conflitos (entre as políticas dos diversos entes federativos), acabando por desarticular o sistema nacional. A iniciativa privada, por seu turno, a partir dos anos 80, passou a investir em seu próprio sistema de assistência técnica, onde cada cadeia produtiva ou negócio rural contratou serviços acadêmicos, de

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pesquisa, ou ainda serviços particulares de gestão e tecnologia de produção.

Com a reinstalação do sistema nacional de extensão rural, parece evidente que gradativamente os serviços de extensão rural acabem convergindo seus programas e prioridades. O momento atual indica duas possibilidades: a) que o sistema nacional se confunda com as políticas da SAF-MDA ou; b) que o sistema conforme uma estrutura política e de formulação própria, dialogando com a política federal no intuito de influenciá-la. Estas duas possibilidades estão abertas e não parecem caminhar para qualquer tensão ou conflito. Ao contrário, intuitivamente ASBRAER (que articula os sistemas estaduais de extensão rural) e SAF-MDA constroem uma metodologia que tempos atrás foi denominada de consenso progressivo, ou seja, as divergências são pautadas para novas rodadas de negociação e acordos, estabelecendo avanços concretos apenas naquilo em que o consenso já está firmado entre as partes.

A elaboração de indicadores de avaliação de extensão rural se insere nesta construção de consensos progressivos entre os entes federativos que hoje compõem o sistema nacional de extensão rural. Antes de aprofundarmos este momento histórico, sintetizo a seguir as principais fases do extensionismo rural de natureza estatal no nosso país:

FASE ACAR. Esta fase tem início em 1949, quando da criação da Associação de Crédito e Assistência Rural. Seu objetivo era desenvolver a família rural em Minas Gerais, através da promoção agrícola e da organização da economia doméstica e disseminação de técnicas modernas de produção e administração. O instrumento inicial do extensionismo foi o Crédito Supervisionado. Foi a primeira experiência mundial em que a extensão rural se vinculou à oferta de crédito. Este crédito era discutido com a família agrícola, mediada (muitas vezes, induzida) por uma dupla de extensionistas

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da ACAR (um homem, voltado para a disseminação de técnicas de produção; e uma mulher, dedicada à economia doméstica) e financiava a tecnificação da produção e reformas e benefícios no domicílio rural (construção de rede de esgoto, aquisição de filtros de água, reforma de cômodos do domicílio, aquisição de instrumentos de costura e conservação de alimentos). O princípio metodológico do trabalho derivava da teoria do desenvolvimento de comunidade1. No final dos anos cinqüenta, esta concepção de diálogo entre extensionistas e família agrícola foi se transformando e cedeu lugar ao Crédito Orientado. A substituição da nomenclatura denuncia a mudança de foco: agora, os extensionistas dirigiam os investimentos, objetivando aumento da produção agropecuária2.

Segundo Safira Ammann (2003), nas décadas de 50 e 60, o desenvolvimento de

comunidade (DC) e a extensão rural, foram instrumentos importados dos Estados

Unidos para a modernização social e tecnológica, respectivamente, dos supostamente,

"atrasados" pequenos agricultores de subsistência do Brasil, visando sua integração ao

mercado.3

1 Ver AMMANN, Safira. Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2005. A autora sugere que esta teoria caracterizasse pela adoção de pressupostos acríticos e aclassistas, típicos da decada de 50. 2 Entre a década de 50 e 60, foram criadas: ANCAR (Pernambuco, Bahia e Ceará, em 1954), ASCAR (Rio Grande do Sul, em 1956), ACARPA (Paraná, em 1956), ACARES (Espírito Santo, em 1957), ACAR (Rio de Janeiro, Goiás, Maranhão, Pará, Amazonas e Distrito Federal, entre 1958 e 1966), ARCAMAT (Mato Grosso, em 1965). Em 1956 foi criada a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR).

3 Na segunda metade da década de 60, no início de minha carreira profissional, tive as seguintes experiências com o DC e a extensão rural brasileira: No início de 1967, fui contratado pela University of Califórnia Berkeley, como auxiliar de pesquisa em Programa de Treinamento em Community Development para técnicos em atividades de extensão do Brasil, Guatemala e vários países de África e Asia. De junho de 1967 a 1969, trabalhei como "voluntário da paz" no órgão do governo federal dos Estados, Peace Corps, programa idealizado pelos assessores do Presidente John F. Kennedy. O Programa para o qual fui convidado chamava Clubes Agrícolas e Ação Comunitária Rural e fui lotado para o Projeto em Minas Gerais, convênio do Governo dos EUA com as Secretarias de Estado da Agricultura e Educação. No treinamento pré-serviço, recebemos orientação e capacitação em técnicas de desenvolvimento de comunidade e extensão rural. Em fevereiro de 1968, após quatro meses de vivência no campo, nosso grupo participou de treinamento em serviço em extensão rural na Universidade Federal de Viçosa, por duas semanas. Durante o estágio em Viçosa, tomamos conhecimento de que, sem relação institucional com nosso projeto, professores e pesquisadores da University of Purdue, Indiana, EUA, estavam na UFV, participando do projeto de transferência

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FASE EMATER PRODUTIVISTAFase que se inicia com a transformação da ACAR em Empresa Pública Estadual, ganhando o título de EMATER. A transição teve início em 1974, com a criação da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). A partir de 1976, o sistema ACAR foi transformado em Sistema EMATER. Houve grande resistência à mudança por parte de extensionistas rurais de base, principalmente das entidades mais antigas. Havia, como ocorreu de fato, o receio que o vínculo formal à Secretaria Estadual de Agricultura diminuiria a autonomia dos extensionistas, vincularia o trabalho ao projeto partidário dominante e limitaria a ação de promoção da agricultura marginalizada economicamente. Os anos 70 foram, ainda, marcados pela transferência de fundos públicos para grandes monoculturas voltadas para a exportação. No final dessa década, com a queda de financiamento externo, os recursos voltados para a extensão e produção rurais passaram a focalizar o aumento de produção e especialização produtiva por macroregião.

Em meados da década de 70, tanto observadores críticos, quanto o Banco

Mundial reconheceram que os supostos benefícios da Revolução Verde não estavam

chegando aos pequenos agricultores rurais dos países do "Terceiro Mundo" e que o

pacote tecnológico estava aumentando, em vez de diminuindo, as desigualdades

socioeconômicos das populações rurais, além de provocar significativos impactos

ambientais negativos. O BIRD adotou o modelo dos Programas de Desenvolvimento

Rural Integrado (PDRIs) para tentar estender os beneficios da Revolução Verde a essas

populações.

Jacques Chonchol (1984)4, avaliando os resultados do modelo dos PDRIs na

América do Sul e Ásia, mostrou que os programas fracassaram nesse objetivo porque,

do pacote tecnológico do milho híbrido.4 CHONCHOL, Jacques (1984. Política de desenvolvimento rural integrado na América Latina nos últimos 10 anos. In: Anais do Seminário, Agricultura Horizonte 2000: perspectivas para o Brasil. Brasília: Ministério da Agricultura, p. 137-154.

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de um modo geral, não foram acompanhados de políticas e processos de reforma agrária

para tratar dos problemas estruturais de concentração fundiária; e porque foram

marcados por processos centralizados e descendentes de planejamento. A avaliação do

Chonchol sintetizou bem o desempenho dos PDRIs no Brasil5

FASE DE VÍNCULO COM MOVIMENTOS SOCIAIS E DE OPORTUNIDADES PERDIDAS. Em meados dos anos 80, durante o governo Sarney, o extensionista Romeu Padilha, vinculado à Teologia da Libertação (o Ministro da Agricultura, no período, havia sido indicado pela CNBB e o Presidente do INCRA era o fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária), procura implantar uma nova filosofia de trabalho que orientasse a política das EMATERs. O agricultor familiar voltou a ser o foco da extensão rural e modelos

5 Sobre a experiência dos PDRIs no Brasil, ver, por exemplo, CHALOULT, Yves (1985), Uma política de legitimação do Estado e rearticulação da pequena produção rural: o Projeto Nordeste; Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v.16, n.3, p. 359-405, jul./set.; ALEM, João Marcos e CASTRO, Leda M.B. (1987). Peasant participation in na Integrated Rural Development Program: Minas Gerais, Brazil. In: Research in Rural Sociology and Development.: JAI Press, Inc.: 43-64;UFV (1986), Programa de Desenvolvimento Rural Integrado da Zona da Mata, MG – PRODEMATA, Relatório Final de Avaliação. Viçosa, MG. Ao final de 1980, fui contratado pela da UFV, a partir de recomendação do Departamento de Economia Rural, como técnico na equipe de Avaliação e Monitoria do PRODEMATA - Programa de Desenvolvimento Rural Integrado da Zona da Mata de Minas Gerais, convênio DER/UFV-BIRD, em andamento desde 1978. Fui responsável pela monitoria e avaliação do componente Infra-estrutura Social do PRODEMATA, incluindo o Projeto de Bem Estar Social, da Emater-MG. O Relatório Final de Avaliação do PRODEMATA (UFV, 1986) apontou que os ganhos modestos em produção e produtividade não foram acompanhados pela melhoria significativa na equidade social, em grande parte porque o serviço de extensão rural tinha dirigida a assistência técnica àqueles produtores rurais mais capitalizados e preparados para absorver e aplicar o pacote tecnológico. Os investimentos na assistência técnica e no associativismo e cooperativismo não produziram os resultados contemplados, em grande parte porque a organização dos grupos não teve suas origens nas iniciativas e continuidade de apoio da comunidade. Foi imposta pelos técnicos, principalmente como estratégia para facilitar o alcance das metas quantitativas (é mais fácil e econômico fazer projetos de custeio e investimento com 10 produtores rurais reunidos em grupo do que visitar todos os 10 em sua propriedade). Os serviços de infra-estrutura social e apoio à produção foram planejados nos gabinetes das Secretarias do Governo Estadual, sem participação dos beneficiários no processo decisório de planejamento e estabelecimento de prioridades. Mais uma vez, os pequenos agricultores mais pobres - meeiros e proprietários de menos de lOh., não tiveram melhorias significativas na produção, produtividade e condições de vida.

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de formação técnica semelhantes aos adotados em formação política de agentes pastorais e lideranças de movimentos sociais, tendo nos cursos conveniados com a UNIJUÍ seu centro de formulação. A EMBRATER estabelece convênios com universidades, adotando um evidente discurso sociológico para interpretar a realidade e orientar a estratégia extensionista. A reação interna e de forças mais conservadoras instaladas no governo Sarney derrubaram esta tentativa de mudança de orientação da extensão rural.

1980s: A Crise da Extensão Rural, a Participação e a Oportunidade Perdida

Na primeira metade da década de 80, vários críticos, em nível internacional e no

Brasil, do modelo produtivista e o difusionismo da Revolução Verde, propuseram

modelos alternativas que enfatizaram a planejamento participativo como meio para

construir projetos que atendessem melhor as necessidadas básicas dos pequenos

agricultores e contribuíssem para a construção da cidadania6.

Um exemplo dessa tendência foi o desempenho do Componente Desenvolvimento

de Comunidade do Programa MG-II, uma exceção positiva na experiência dos PDRIs.

O desenho do projeto inverteu o modelo centralizado, como estrutura de organização a

nucleação - grupos de famílias de pequenos agricultores selecionavam representantes

para o núcleo municipal, com representação paritária de autoridades municipais e de

técnicos dos órgãos estaduais, participantes do projeto. Um fundo de apoio a pequenos

projetos foi o veículo principal de incentivo à participação e planejamento participativo

e mais de 800 desses projetos foram aprovados e executados durante os oito anos do

Programa. Porém, a conclusão de um vídeo sobre o programa afirma que os resultados

mais importantes dos projetos de DC não foram as melhorias socioeconômicas e ganhos

de produção e produtividade desses projetos e, sim, a construção da cidadania dos

pequenos agricultores que aprenderam a participar, participando do projeto7.

Nesse período, com a mobilização popular que acompanhou o início dos

6 Em nível internacional, ver, por exemplo, o trabalho de Chambers, R. (1983). Rural development. Putting the last first. New York: Longman Scientific and Technical; e Oakley, P. and Marsden, D. (1982). Obstacles and approaches to participation in rural development. Geneva: ILO; e publicações do órgão UNRISD, da ONU.7 O Projeto de Desenvolvimento de Comunidade no Programa MG-II (vídeo), Secretaria de Estado de Trabalho e Ação Social, Governo de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 1988.

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processos de re-democratização do Brasil, discípulos, diretos e indiretos, do Paulo

Freire encontraram um cenário político-institucional mais propício para introduzir as

idéias de comunicação, diálogo, reflexão/ação e conscientização em publicações e em

projetos de desenvolvimento. Houve muitos textos publicados sobre educação popular,

planejamento participação, participação popular, pesquisa participativa, etc.

No início da década de 80, principalmente após a crise da dívida externa, o

término do crédito rural subsidiado, a extensão rural no Brasil entrou em crise. A

pesquisa e análise de Romeu Padilha de Figueiredo (1984)8 percebeu as raízes da crise e

ofereceu sugestões de modelo organizacional e metodológico alternativo, influenciado,

também, pelas idéias de Paulo Freire. No entanto, com a desestruturação do sistema

brasileiro de extensão rural e a continuidade do foco produtivista nos cursos de

formação dos extensionistas, os extensionistas dos serviços estatais de extensão não

tiveram condições (metodológicas e de apoio organizacional) para aplicar, de forma

sistemática, modelos e técnicas de desenvolvimento rural participativo.

Por outro lado, desde meados da década de 80, propostas de desenvolvimento

sustentável, desenvolvimento rural sustentável, desenvolvimento participativo e

desenvolvimento alternativo têm ampliado em nível nacional e internacional. Em nível

internacional, tendências importantes têm sido o interesse na gestão participativa de

recursos naturais, que se tomou uma ética e uma prática aceita em centenas de projetos

de desenvolvimento nos hemisférios Norte e Sul; a metodologia participativa das

diversas vertentes de Diagnóstico Rápido Rural (DRR) e Diagnóstico Rural

Participativo (DRP); e com referencia especifica ao desenvolvimento rural, os conceitos

de desenvolvimento rural sustentável e sustainable rural livelihoods.

No Brasil, a partir de meados da década de 80 há presença de ONGs,

principalmente as ligadas à Rede-PTA, como atores importantes da renovação de

concepções e práticas extensionistas (principalmente são responsáveis por inovar

metodologicamente). Elas tanto influenciaram a extensão rural pública como

estabeleceram outros canais de financiamento para levar apoio, assessoria e assistência

técnica ao público da agricultura familiar.

Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e

Agricultura Familiar,

8 FIGUEIREDO, Romeu Padilha (1984). Extensão rural no Brasil: novos tempos. Revista Brasileira de Tecnologia, v.15(4), jul/ago., p.19-25.

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... observa-se o surgimento, em paralelo ao modelo predominante do agronegocio, de uma nova proposta de desenvolvimento rural com enfoque nas diferentes dimensões da sustentabilidade (econômica,social, poítica, cultural, ambiental e territorial). De acordo com os princípios e as práticas dessa proposta, o rural tem um papel central na construção de um novo projeto de sociedade, sendo visto como um espaço que deve diversificar e multiplicar a pluralidade, tanto dos sistemas de produção... quanto das atividades rurais não--agrícolas; viabilizar novas estratégias de conservação ambiental compatíveis com a produção sustentável; promover e estimular dinâmicas de inclusão social e promoção da igualdade; e gerar alternativas tecnológicas que favoreçam a disseminação da autonomia relativa de produtores/as familiares.9

FASE DE CRISE EXISTENCIAL. Entre a segunda metade da década de oitenta e a primeira metade da década de noventa, as EMATERs passaram por uma profunda crise. Em muitos casos, o serviço extensionista vinculou-se às prefeituras, que custearam os escritórios locais. Houve um profundo corte de recursos para a extensão rural, diminuindo a renovação de quadros. Em outros casos, instalou-se um processo de reengenharia e adoção de instrumentos de qualidade total, rompendo com a identidade histórica do extensionismo. Em Minas Gerais, para citar um exemplo, foram criadas gerências regionais que tinham por objetivo vender serviços para captar recursos (muitas vezes, capturando taxas administrativas na captação de contratos). A extensão rural do país se desarticulou. Em alguns Estados, extensionistas rurais passaram a coletar pedágios em rodovias públicas para sustentar seu trabalho.

FASE DO PRONAF. Em meados dos anos 90, contudo, a criação do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) retomou o foco no fomento da agricultura familiar. Os extensionistas de base (instalados nos escritórios locais) tiveram seu trabalho fortalecido e a cisão com os escritórios centrais e regionais – que adotaram uma linha empresarial e de fomento à produção - foi imediata. No

9 MDA-CONDRAF (2006). Plenária Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável. Documento Base.

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cômputo final da década, os recursos federais oriundos do PRONAF eram muitas vezes mais significativos que os recursos captados na venda de serviços (em muitos casos, não superando 3% do total do orçamento de cada EMATER). A concepção empresarial foi sendo superada, sem alarde, dando lugar à disseminação de Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), previstos e exigidos pelo PRONAF. Em seguida, disseminou-se o conceito de desenvolvimento rural sustentável, logo após a ECO-92.

FASE DE RECONSTRUÇAÕ ATER NACIONAL. Esta fase tem início com o Decreto 4.739, de 13 de junho de 2003, quando a Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário passou a coordenar toda política de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) do país. A extensão rural passou a identificar com maior nitidez seu público-alvo: agricultura familiar, quilombolas, assentados rurais, pescadores artesanais, extrativistas, povos da floresta, povos indígenas, como segmentos sociais prioritários. O foco passou a ser a promoção do desenvolvimento rural sustentável e a segurança alimentar. Definiu, ainda, o fomento à agroindustrialização e agregação de valor à produção primária. Como princípios norteadores, adota: inclusão social; respeito à pluralidade e diversidade sociais, étnicas, culturais e ambientais do país; o enfoque de gênero, de geração, de raça e etnia nas orientações de projetos e programas.

Este breve relato do percurso por que passou a extensão rural estatal brasileira indica o quanto os interesses governamentais influenciaram a quase totalidade das ações de EMATER no país, oscilando entre interesses estaduais e federais. As alterações de rumo, contudo, não subtraíram por completo os diversos ideários que se instalaram nas empresas estatais de extensão rural ao longo das seis fases descritas.

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Foram se instalando nichos no interior das EMATERs, constituindo um mosaico de estratégias institucionais, prioridades e metodologias.

É neste contexto que os recentes concursos públicos podem recriar o corpo burocrático e técnico da extensão rural estatal, unificando o sistema.

A formulação de indicadores de avaliação de resultados de ATER está inserida neste momento histórico, em que vários ideários convivem num mesmo serviço público.

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1.3 – Conjuntura Setorial

Outra dimensão a ser considerada na formulação de indicadores é a mudança econômica e social de grande envergadura que o setor atravessou na última década.

Na década de noventa, pouco mais de dez anos atrás, o Brasil descobriu uma parte do país que até então era confundida com a nossa porção atrasada. Muitos denominavam esta porção de rincão. Os mais sofisticados de Brasil Profundo e os menos, de roça. Explodia nas manchetes do jornal o conflito entre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a UDR (União Democrática Ruralista). O embate, em si, reproduzia um velho dilema e conflito do país, fincado na concentração da terra. Mas esta era a dimensão mais superficial do embate. O que os jornais não exploraram é que as metodologias de mobilização e comunicação de massa que ambas organizações utilizavam eram absolutamente modernas. O discurso messiânico de suas lideranças encobria projetos muito mais ousados e revelavam um novo país. Um mundo rural muito mais próximo do mundo urbano que as populações das cidades médias e grandes poderiam imaginar. No Fórum Econômico Mundial de Davos, no ano passado, um dos debates paralelos era sobre o futuro do trio de países emergentes (Índia, China e Brasil). Muitos analistas sugeriam que o Brasil necessitava ocupar sua posição de liderança mundial no agronegócio, com foco no biodiesel. Aí estaria, avaliavam os mesmos analistas, o lugar a ser ocupado por nós na divisão mundial do trabalho globalizado.

O fato é que os anos noventa apenas indicaram as mudanças em formação no meio rural brasileiro. Em dez anos, mudanças surpreendentes foram se avolumando, colocando em xeque todo sistema de representação rural do país.

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Contudo, existe um nítido vazio de liderança nacional na área agrícola que contemple a nova configuração política e econômica do país e do setor. Dos anos 90 para cá, o perfil de liderança caducou ou foi sobrepujada pela dinâmica eleitoral-parlamentar. O MST continua liderando as mais poderosas mobilizações sociais do país, mas não é possível afirmar que representam grande parte dos interesses sociais em jogo no meio rural. Muito pelo contrário. A UDR perdeu todo seu capital de representação. Até mesmo a estrutura de representação sindical de trabalhadores e empresários do campo não consegue efetivamente representar os interesses emergentes da última década. Não por outro motivo, assistimos a sucessivas cisões na estrutura de representação sindical de trabalhadores rurais, além das articulações paralelas (de empresários e agricultores familiares do setor) à organização sindical, que se avolumam desde os anos 80.

Tentemos compreender o que alterou a paisagem rural do país neste período, a partir de um breve balanço dos últimos anos.

As exportações nacionais de várias commodities (caso da soja, milho, café, entre outros), mesmo sofrendo oscilações e embates no mercado internacional (caso da carne bovina, mas não da carne suína), só não foram ainda mais surpreendentes em virtude da política cambial. Entre 2002 e 2006, as exportações de produtores agropecuários tiveram um aumento de 99%, saltando de 24 bilhões de dólares para 49 bilhões de dólares, segundo dados da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio (Ministério da Agricultura)10. O Ministério da Agricultura vem divulgando que o Brasil possui a maior tecnologia setorial de clima tropical do mundo.

Parece ser um reflexo desta pujante economia agroindustrial a decadência progressiva dos caciques regionais da política nacional,

10 O complexo sucroalcooleiro foi o que obteve o melhor desempenho, com aumento de 243% das vendas externas, seguido pelo segmento das carnes (170% de aumento das exportações) e café (143%), além de cereais (123%) e frutas (91%).

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substituídos gradativamente por lideranças políticas regionais mais técnicas e mais funcionais (embora várias destas novas lideranças tenham editado traços de neoclientelismo). As lideranças regionais vêm alterando seu perfil, mesmo nos denominados rincões do país.

Um segundo fator a ser melhor compreendido é a mudança do perfil de intervenção do Estado. Houve uma substancial reorganização do financiamento estatal para a modernização da produção agropecuária, que teve origem nos anos 70 e sofreu abalos sucessivos nos anos 80 e parte dos 90. E o caso de destacarmos alguns programas em especial:

a) Programa Especial de Financiamento Agrícola: a partir do BNDES, o programa contempla a aquisição de sistemas de irrigação, ordenhadeiras mecânicas, tanques de resfriamento e homogeneização de leite, máquinas e equipamentos para avicultura, armazenagem, complexo carnes, pesados, produção de sucos e vinhos, apicultura, beneficiamento de sementes, aviões de uso agrícola, implantação de frigoríficos e modernização de abatedouros, recuperação e manutenção de patrulha mecanizada, entre outros;

b) Programa de Desenvolvimento da Fruticultura;c) Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas,

Implementos e Colheitadeiras;d) O Plano Agrícola e Agropecuário 2006-7 (PAP): o programa

prevê investimentos públicos da ordem de 50 bilhões de reais, 13% acima dos recursos destinados no ano agrícola anterior (além de 10 bilhões para a agricultura familiar, contra 9 bilhões na safra anterior). Para custeio e comercialização, foram ampliados em 25% os recursos em relação ao período anterior. Para financiamento, houve queda da taxa de juros em algumas linhas de crédito: FINAME Agrícola Especial (de 13,9% para 12,3%), Prodecoop (de 10,7% para 8,7%). Também merece

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destaque a nova linhagem de títulos do agronegócio, em especial, o Certificado de Depósito Agropecuário e o Warrant Agropecuário, lastreados em produtos armazenados, que atingiu positivamente o café e a soja. Houve, ainda, ampliação da abrangência do seguro agrícola.

Mas o programa governamental de maior impacto político foi o PRONAF, demonstrado por pesquisas do DATAFOLHA. Juntamente com o Bolsa Família, o PRONAF foi o programa que gerou maior impacto em transferência de renda para as regiões pobres e de pequenos municípios brasileiros. Lembremos que o programa é executado pela rede pública de extensão rural do país. A aprovação da lei que institui a categoria de Agricultura Familiar no ano passado possibilitou vários avanços em políticas públicas, como a regulamentação do Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (que ocorreu no último dia 21 de dezembro, beneficiando os produtores de soja, mandioca, feijão leite, milho, arroz). Também foi introduzido, nesta nova safra, o Pronaf Comercialização. Enfim, os impactos das políticas de SAF-MDA sobre a agricultura familiar foram significativos.

Assim, temos um importante cenário que articula um vigoroso empresariado rural (não contemplado pelas organizações convencionais sindicais, nem pelo discurso beligerante da UDR) e a emergência de um pólo produtivo de agricultores familiares - diretamente vinculado às agências estatais de extensão rural - e a rede de ongs e federações sindicais diretamente apoiada pelo MDA. Este novo cenário não tem, até o momento, expressado sua representação política no cenário nacional. Tal liderança de tipo novo expressaria esta nova conjuntura a partir de algumas características específicas:

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a) Trânsito entre as lideranças do agronegócio e da agricultura familiar;

b) Trânsito nas agências estatais nacionais e estaduais de fomento à produção dos dois segmentos produtivos da agricultura;

c) Discurso técnico e visão de mercado;d) Capacidade de construção de discurso hegemônico que atraia

os dois segmentos econômicos e políticos (agricultura familiar e empresariado do agronegócio), fortalecendo sua identidade social e liderança produtiva do país.

Esta liderança não está constituída. Não se desenha no cenário nacional. E, assim, presenciamos o aprofundamento de um estilo de negociação de demandas rurais que oscila entre a pressão para que interesses privados sejam inseridos na agenda estatal a partir dos escaninhos da política partidária (situada na sinuosa relação entre parlamentos e executivos) ou dos embates púbicos de alta voltagem, adotando o estilo da ação espetacular, que ganha manchetes de jornais e surpreende a população urbana. Enfim, não existem espaços e fóruns públicos de negociação e formulação de políticas públicas para o meio rural. Esta parece uma tarefa a ser construída pelas agências estatais e fóruns públicos setoriais.

O que esta conjuntura implica na formulação de indicadores de avaliação de resultados de ATER é justamente a tendência de modernização setorial onde o Estado (e suas agências) é efetivamente um elemento regulador da nova realidade que parece articular a modernização da agricultura familiar e a normatização do agronegócio (em especial, a partir de consolidação de interesses das cadeias produtivas mais estruturadas no país). Não há nenhuma possibilidade visível ou provável de cisão entre estes dois pólos sócio-econômicos tal como se esboçava nos anos 80. Pelo contrário, todas políticas oficiais para fomento do setor indicam uma tentativa de aproximação e constituição de políticas públicas não excludentes.

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Entretanto, o fato de não termos lideranças sociais que traduzam esta realidade, implica num cenário de aparente conflito insolúvel de interesses. Para quem acompanha os bastidores do processo de negociação no interior do Estado, é possível afirmar que esta aparência vem sendo superada com certa rapidez, inclusive porque os diversos interesses estão instalados no interior dos diversos escaninhos do governo federal, se repetindo ao longo de vários governos estaduais.

Um elemento a ser considerado na formulação de indicadores de avaliação é a concepção de modernização setorial que está em curso. Trabalhar com dicotomias profundas parece incorrer em erro de leitura da realidade política e econômica do país.

1.4 – Acordos democraticamente firmados com agências estatais

As representações sindicais e organizações não-governamentais diretamente vinculadas à agricultura familiar do país dedicaram-se nos últimos cinco a seis anos a estabelecer uma agenda de política pública. No seu interior, aos poucos, surgiu a pauta para renovação da política de ATER.

Na primeira gestão do governo Lula, esta pauta foi negociada e incorporada à SAF-MDA. É importante compreender que se trata de uma negociação com parte dos agentes e lideranças sociais do meio rural e parte da faceta moderna da agricultura brasileira. Não compreende, de fato, o conjunto da realidade social e econômica do setor. Isto porque, como já indiquei anteriormente, o setor empresarial deixou de dialogar com as agências estatais de extensão rural. Toda assistência técnica foi diretamente contratada pelas cadeias produtivas ou agronegócio específico. No caso de acesso a

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financiamentos, os fóruns de negociações passaram a ser outros, tal como analisou José Graziano da Silva ao indicar a emergência de mecanismos neocorporativos instalados e promovidos pelo Estado11.

Assim, a extensão rural estatal (porque seguida por uma rede de serviços públicos não-estatais quase que exclusivamente constituída de organizações não-governamentais) ficou circunscrita aos interesses sociais vinculados às organizações de representação da agricultura familiar.

Ora, a formulação da Política Nacional de ATER (PNATER) de 2004 não foi uma deliberação exclusiva de governo, mas condicionada a esta apropriação temática de uma parte das lideranças sociais da agricultura brasileira, no caso, lideranças vinculadas à agricultura familiar. Fosse objeto de disputa, seria fruto de negociação e dificilmente teria a face atual.

Esta realidade precisa ser compreendida pela equipe de formulação de indicadores de avaliação da ação de ATER. Estamos inseridos numa realidade política em que parte das lideranças sociais afastaram de sua agenda qualquer demanda à extensão rural estatal. Como afirmei anteriormente, parte do mundo acadêmico acompanhou esta decisão e chegou a propor em alguns estudos o fim da extensão rural estatal, já que não atendia aos interesses empresariais da agricultura brasileira.

Enfim, a elaboração de indicadores de avaliação não pode se abstrair da realidade política concreta. Não existe efetivamente demanda empresarial para a extensão rural estatal. É possível criarmos indicadores que orientem tendências, que orientem a superação de

11 Uma possibilidade de análise, que não está afeta aos limites deste documento, é que o neocorporativismo empresarial que se instalou nos anos 90 em fóruns nacionais promovidos pelo govenro fedeal, ganha agora sua versão vinculada à agricultura familiar, diretamente estimulada pela SAF-MDA. Se assim for, o governo federal vem consolidando uma estrutura neocorporativa setorial que, no momento, está instalada no Ministério da Agricultura (câmaras setoriais do agronegócio) e no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sem se constituir numa efetiva cisão, ainda não conseguiu estabelecer um projeto integral de desenvolvimento setorial.

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lacunas no projeto de desenvolvimento setorial (como indicadas no item anterior deste documento), mas não podemos dialogar com uma realidade inexistente, sob pena de elaborarmos indicadores sem repercussão social ou política, o que seria uma abstração teórica.

Assim, retomando os acordos estabelecidos no interior da SAF-MDA, os princípios, diretrizes e objetivos da PNATER são:

A. Fundamentos da PNATER

1. Transformar sua prática convencional e introduzir outras mudanças institucionais, para que possam atender às novas exigências da sociedade. As crises econômica e socioambiental, geradas pelos estilos convencionais de desenvolvimento, recomendam uma clara ruptura com o modelo extensionista baseado na Teoria da Difusão de Inovações e nos tradicionais pacotes da “Revolução Verde”, substituindo-os por novos enfoques metodológicos e outro paradigma tecnológico, que sirvam como base para que a extensão rural pública possa alcançar novos objetivos;

A superação do difusionismo – corretamente criticado no documento da ATER, como expressão do auge da Revolução Verde – supõe um novo papel para a extensão rural: de organização voltada a assistir os agricultores, ela deve tornar-se um dos eixos centrais de planejamento local, da capacidade que as regiões terão de descobrir potencialidades e aproveitar recursos que estimulem o processo de desenvolvimento (Abramovay, 1998).

2. A transição agroecológica, que já vem ocorrendo em várias regiões, indica a necessidade de resgate e construção de conhecimentos sobre distintos agroecossistemas (incluindo os diversos ecossistemas aquáticos) e variedades de sistemas culturais e condições socioeconômicas.

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B. Princípios da PNATER

Assegurar, com exclusividade aos agricultores familiares, assentados por programas de reforma agrária, extrativistas, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e aqüiculturas, povos da floresta, seringueiros, e outros públicos definidos como beneficiários dos programas do MDA/SAF, o acesso a serviço de assistência técnica e extensão rural pública, gratuita, de qualidade e em quantidade suficiente, visando o fortalecimento da agricultura familiar.

Contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno, apoiando os agricultores familiares e demais públicos descritos anteriormente, na potencialização do uso sustentável dos recursos naturais.

Adotar uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, estimulando a adoção de novos enfoques metodológicos participativos e de um paradigma tecnológico baseado nos princípios da Agroecologia.

Estabelecer um modo de gestão capaz de democratizar as decisões, contribuir para a construção da cidadania e facilitar o processo de controle social no planejamento, monitoramento e avaliação das atividades, de maneira a permitir a análise e melhoria no andamento das ações.

Desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a partir de um enfoque dialético, humanista e construtivista, visando a formação de competências, mudanças de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de melhoria da qualidade de vida e de promoção do desenvolvimento rural sustentável.

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C. Diretrizes da PNATER

Apoiar ações múltiplas e articuladas de Assistência Técnica e Extensão Rural, que viabilizem o desenvolvimento econômico eqüitativo e solidário, nas comunidades e territórios rurais, levando em conta a dimensão ambiental.

Garantir a oferta permanente e contínua de serviços de Ater, de modo a atender a demanda de todos os agricultores familiares do país.

Apoiar ações destinadas à qualificação e aumento da produção agropecuária, pesqueira e extrativista, com ênfase à produção de alimentos básicos.

Assegurar que as ações de Ater contemplem todas as fases das atividades econômicas, da produção à comercialização e abastecimento, observando as peculiaridades das diferentes cadeias produtivas.

Privilegiar os Conselhos como fóruns ativos e co-responsáveis pela gestão da Política Nacional de Ater, no âmbito municipal, estadual e federal, de modo a fortalecer a participação dos beneficiários, e de outros representantes da sociedade civil, na qualificação das atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural.

Desenvolver ações de capacitação de membros de Conselhos ou Câmaras Técnicas de Ater (ou similares), apoiando e incentivando a formação e qualificação dos conselheiros.

Promover uma relação de participação e gestão compartilhada, pautada na co-responsabilidade entre todos os agentes do processo de desenvolvimento, estabelecendo interações efetivas e permanentes com as comunidades rurais.

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Desenvolver ações que levem à conservação e recuperação dos recursos naturais dos agroecossistemas e à proteção dos ecossistemas e da biodiversidade.

Viabilizar serviços de Ater que promovam parcerias entre instituições federais, estaduais, municipais, organizações não-governamentais e organizações de agricultores familiares e demais públicos anteriormente citados, estimulando a elaboração de planos de desenvolvimento municipal, territorial e/ou regional, assim como a formação de redes solidárias de cooperação interinstitucional.

Estimular a participação da Ater nos processos de geração de tecnologias e inovações organizacionais, em relação sistêmica com instituições de ensino e de pesquisa, de modo a proporcionar um processo permanente e sustentável de fortalecimento da agricultura familiar.

Orientar estratégias que permitam a construção e valorização de mercados locais e a inserção não subordinada dos agricultores e demais públicos da extensão no mercado globalizado, visando gerar novas fontes de renda.

Garantir que os planos e programas de Ater, adaptados aos diferentes territórios e realidades regionais, sejam construídos a partir do reconhecimento das diversidades e especificidades étnicas, de raça, de gênero, de geração e das condições socioeconômicas, culturais e ambientais presentes nos agroecossistemas.

Viabilizar ações de Ater dirigidas especificamente para a capacitação e orientação da juventude rural, visando estimular a sua permanência na produção familiar, de modo a assegurar o processo de sucessão.

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Apoiar ações específicas voltadas à construção da equidade social e valorização da cidadania, visando à superação da discriminação, da opressão e da exclusão de categorias sociais, tais como as mulheres trabalhadoras rurais, os quilombolas e os indígenas.

Sinteticamente, a PNATER apóia-se num tripé:

a) Fomento ao desenvolvimento da agricultura familiar;

b) Gestão Participativa ou co-gestão, tanto na própria PNATER e seus órgãos e instrumentos, quanto das comunidades e famílias atendidas por este serviço;

c) Adoção do modelo agroecológico de desenvolvimento setorial.

Subsidiariamente, outras variáveis aparecem na formulação da PNATER, a saber:

a) Desenvolvimento de territórios;

b) Atendimento aos segmentos considerados mais vulneráveis (mulheres, indígenas, quilombolas e juventude);

c) Efetivação de política nacional de segurança alimentar.

Na formulação de indicadores de avaliação de ações de ATER, é fundamental que adotemos esses seis eixos indicados acima como parte do conjunto proposto pela consultoria. Ignora-los significaria não aceitarmos o processo democrático de construção da PNATER. Limitarmos nossa produção aos seis eixos acima seria abdicarmos do diálogo sobre o processo de desenvolvimento da agricultura nacional.

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1.5. – Especificidade do trabalho extensionista

Uma avaliação da estrutura ocupacional e das condições de trabalho – total e dispêndios com um destes segmentos – no interior das agências contempla o levantamento de dados quantitativos básicos sobre:

a) A qualificação profissional dos profissionais contratados: número e percentual de profissionais com formação nas áreas técnico-produtivas (técnicos agrícolas, agrônomos, veterinários, zootecnistas, etc) e nas áreas sócio-econômica (assistentes sociais, educadores, sociólogos, psicólogos, advogados, etc.); técnicos de nível médio com formação agrícola e formação administrativa etc;

b) Composição técnica e administrativa do quadro de pessoal: diretores, diretores, serviços de secretaria e administração, técnicos especialistas/pesquisador/chefia de equipes; técnicos de campo;

c) Tipos de contrato de trabalho: dedicação em tempo integral/parcial; contrato de trabalho temporário/permanente; dedicação exclusiva/compartilhada;

d) Emprego do tempo12: avaliação, em cada agência, do tempo dedicado a determinados campos de atividade, como trabalho de campo, administração, pesquisa,

12 Sobre o emprego de tempo, estudos recentes sobre atividades realizadas por extensionistas holandeses, em área de produção extensiva, indicam um a jornada de trabalho de 47 horas semanais, sendo 36% em visitas de campo e atendimento direto aos produtores, 16% em atividades de grupo (palestras, excursões, elaboração de artigos e publicações), 6% na preparação de cursos, 9% em reuniões com representantes dos produtores e de outras agências, 17% em reuniões técnicas com pesquisadores e integrantes da equipe, 15% com estudos diversos (formação, leituras, informações).

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cursos de atualização/formação complementar; organização e preparo de publicações; reuniões técnicas e administrativas; preparação e realização de excursões e visitas de campo etc.

e) Participação em cursos de formação complementar, capacitação, especialização, definido com base na quantidade de horas semanais dedicadas à formação continuada ao longo de um ano, por exemplo; as atividades de formação continuada (presenciais ou à distância) podem estar simultaneamente associadas a um processo de monitoramento e avaliação;

f) Indicadores de carreira profissional: mobilidade e rotatividade no quadro de pessoal, experiência/inexperiência dos técnicos (número de anos de atividade profissional dos técnicos; incentivo a qualificação acadêmica etc).

g) Estrutura física da agência: número de veículos por técnicos, disponibilidade de equipamentos (GPS e outros relativos à topografia, computadores, máquinas fotográficas, telefones, etc); instalação predial (m 2 por técnico) etc.

Os papéis do extensionista de caráter público podem ser:

- Regulador ou coordenador da ação de outros agentes, inclusive privados;

- Negociador ou mediador entre os interesses do Estado e a diversidade de

interesses dos agricultores;

- Difusor de inovações tecnológicas modernizadoras de todas as fases dos

processos produtivos agropecuários, mas, também, facilitador de formas de gestão,

articulação e negociação de atividades não-agrícolas, mas vinculadas ao rural (turismo,

artesanato, etc.);

- Agente de desenvolvimento (comunicador, moderador, educador, articulador,

negociador) local.

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2. Notas iniciais sobre as referências metodológicas e conceituais para elaboração de indicadores de avaliação de resultados de ATER

As possibilidades de avaliação e a formulação de indicadores de desempenho de políticas públicas, não apenas para o caso da ATER, mas também para muitas outras áreas, tem sido objeto de pesquisas desde o início das discussões e implementação de reformas no aparato burocrático estatal, notadamente ao longo da década de 90. No entanto, o debate sobre os mecanismos de avaliação e controle continua em aberto. Catelli e Santos (2005) ressaltam que “... não passam desapercebidos aos diversos autores os limites das mensurações por índices físicos e qualitativos, por mais relevantes e imprescindíveis” e sugerem uma determinação do valor econômico dos benefícios de uma ação a partir do valor da melhor alternativa rejeitada, ou seja, a partir do conceito de custo de oportunidade.

No campo ambiental, Enrique Leff menciona a idéia de constituição de grupos focais, inspirada em experiências de jurados de cidadãos e outras técnicas de avaliação que pressupõe a participação ativa da comunidade e o exercício renovado de práticas de democracia deliberativa. Para ele, a noção de “soberania” pode ser também remetida a esferas outras que o Estado-Nação – e ser aplicada em outros níveis de organização social e política. Temos a partir disso a idéia de soberania difusa, heterogênea e policêntrica, bem como a de que o conhecimento é produto interativo de múltiplas relações de poder.

A problemática das avaliações sobre a implementação de políticas públicas torna-se associada, além disso, a noção de “complexidade” e a princípios como o de incerteza e prudência. Essas breves indicações parecem sugerir a criação de um novo e amplo conjunto de referencias conceituais e uma nova semântica para as avaliações

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institucionais e indicadores de políticas públicas e ações governamentais.

No que se refere às políticas de ATER, é preciso lembrar que a noção de agroecologia inclui o reconhecimento da diversidade social, técnica, política, organizativa, institucional como um produto de uma interação dialógica entre conhecimentos tradicionais e conhecimentos científicos. Assim, o desenvolvimento dos princípios da agroecologia é concebido como um processo gerador de diversidades, promotor de formas de re-conexão das atividades agropecuárias com as peculiaridades culturais, políticos e ecológicos de cada localidade ou região. A intenção de articular a constituição de uma agricultura sustentável ao aprimoramento dos espaços habitados no meio rural envolve várias outras dimensões, entre as quais uma série de educacionais, lúdicas, arquitetônicas, paisagísticas, culturais, estéticas e outras fontes de saber e organização da vida cotidiana.

Este contexto de transformações de paradigmas requer a valorização de uma nova base ética e moral a balizar as interações entre os atores sociais. Assim, a construção de relações sociais fundadas no princípio da confiança (social, entre os atores) adquire grande relevância política e cultural: “a confiança é um elemento central em qualquer processo de aprendizado recíproco. Uma parte do processo deve ser dedicada a construir uma relação entre as pessoas e os grupos de interesse que ainda não apresentam vínculos positivos” (Leff, 2003: 91).

As noções de complexidade, incerteza, confiança estão entre as que seguramente irão estar presentes nas agendas de debates público nos próximos anos e podem contribuir

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para as reflexões sobre os serviços públicos de ATER no Brasil, principalmente quando levamos em consideração que a agroecologia é, na atualidade, um processo já em curso, mas ainda em fase bastante inicial e que um longo caminho de transição ainda está por ser trilhado. Trata-se, portanto, de um processo multidimensional de transformação social.

O documento da ASBRAER menciona a “herança histórica... [e as] contradições e oscilações entre um projeto produtivista e de aumento de exportações e a promoção da agricultura familiar e inclusão social” . Parte das famílias a serem beneficiadas pelos serviços de ATER pública em bases agroecológicas encontram-se inseridas em redes sócio-técnicas tipicamente produtivistas e nelas se amparam para garantir sua reprodução social, ainda que precariamente. É por isso que em várias comunidades de agricultores familiares não é raro identificar uma forte dependência em relação aos canais de produção agropecuária em grande escala, especializado.

Neste sentido, uma primeira dimensão do trabalho de avaliação e construção de indicadores é justamente o de monitorar a complexa, contraditória e incerta transição agroecológica. Junto a isso, temos uma dimensão social com todo um universo de questões relativas à segurança alimentar e nutricional, gênero, raça, etnia, geração, juventude, educação e sucessão familiar.

Há ainda a dimensão ambiental, a preservação/recuperação de florestas, matas ciliares, reserva legal, cursos d’água, preservação da fauna, destinação de resíduos e a interação do conjunto de práticas produtivas e não-produtivas nos recursos naturais nas quais se inserem as comunidades rurais. As atividades rurais são realizadas mediante uma

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enorme diversidade de interações com o entorno natural; algumas questões vêm sendo já relativamente bem disseminadas, como por exemplo, o uso de áreas florestais para criação agrícola e/ou animal; outras têm menor abrangência ou menor impacto, como por exemplo os ataques de cães domésticos sobre os animais silvestres nativos, mas que não podem deixar de ser inseridas na agenda política das localidades.

Uma quarta dimensão a ser observada refere-se ao desenvolvimento de atividades não-agrícolas, preferencialmente de forma congruente com os princípios e práticas da agroecologia, e o aprimoramento das condições de infra-estrutura que vão fornecer elementos relevantes para uma caracterização dos territórios onde se inserem as comunidades a serem beneficiadas pelos serviços de ATER. Há ainda uma dimensão política marcada por uma nova modalidade de gestão e implementação de programas governamentais, na qual o controle social, a transparência e a prestação de contas ao Estado e à sociedade como um todo.

Frente à complexidade e a multidimensionalidade do processo de transição agroecológica proposto, emergem um conjunto de intrincadas questões sobre monitoramento, avaliação e construção de indicadores. A ênfase até então atribuída aos incrementos quantitativos, sobretudo relacionados à produtividade, passa a ser reorientada no sentido de estabelecer mecanismos qualitativos de avaliação e de controle social.

Isso não nos permite, no entanto, descartar a utilidade de indicadores quantitativos já clássicos ou mesmo abdicar do trabalho de formular novos parâmetros quantitativos para as atividades agropecuárias. Em outros termos: se o critério

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produtividade (produto gerado por unidade de área) é insuficiente (sobretudo quando usado de forma comparativa entre sistemas produtivos), outros indicadores (quantitativos) podem contribuir para a formulação de saberes sobre as transformações em escalas locais e supralocais. Entre eles, podemos, inicialmente, mencionar alguns já bem conhecidos de uso da terra: a evolução na ocupação de trabalho (e número de moradores) por unidade de área; geração de renda monetária por unidade de área; investimentos em equipamentos, cultivos permanentes por unidade de área (ou unidade de trabalho); volume de biomassa por unidade de área etc.

Estes e muitos outros indicadores quantitativos não são incompatíveis com as análises qualitativas. Citando Guijt (1998:22),

“...ambos os tipos de indicadores são ... compatíveis. Por exemplo, para avaliar a qualidade do treinamento de agricultores em uma nova tecnologia agrícola, é possível coletar as opiniões dos agricultores que participaram do curso e alistar seus pontos de vista sobre pontos fortes, pontos fracos e aspectos que precisam de melhorias. De forma alternativa. Uma abordagem mais quantitativa seria perguntar os agricultores se estão satisfeitos com a qualidade do treinamento, numa escala de 0 a 10 e, então, contar o número de agricultores em cada categoria. Portanto, quase qualquer tópico que precisa ser monitorado pode ser analisado usando indicadores quantitativos ou qualitativos – é apenas uma questão do tipo de informação que se precisa”.

O que iremos argumentar neste texto é que o estabelecimento de indicadores quantitativos pode contribuir para o aprimoramento dos parâmetros de avaliação qualitativa, ou ainda, a combinação entre avaliações quantitativa e qualitativa pode gerar conhecimentos para lidar com processos complexos e contraditórios. Mais do que isso, a apropriação de métodos quantitativos pelas populações dos territórios pode repercutir favoravelmente nas avaliações qualitativas e nas

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práticas de controle social. Pode também favorecer uma compreensão mais ampla por parte das comunidades, representantes e atores sociais em relação aos objetivos a serem atingidos, funcionando, neste caso, como instrumento de ação pedagógica e cultural.2.1 - Conceito de Avaliação

O conceito de avaliação é pouco estudado no Brasil. Confunde-se, normalmente, com o de

verificação. Ambos são originários do latim. James Popham destaca outra confusão, entre

avaliar e medir. Medir seria ver a extensão de algo, ao passo que avaliar seria julgar esta

extensão. Cipriano Luckesi13 esclarece o significado original das duas palavras. Para o autor,

verificar provém da expressão latina verum facere, que significaria ver se alguma coisa realmente é. Em outras palavras, é buscar a verdade (definida previamente) em algo. Verificar

significaria, na prática, delimitar o objeto ou fato. Avaliar tem origem no latim a-avalere e

significaria dar valor a.

Assim, a avaliação

É formulado a partir das determinações da conduta ou da necessidade de atribuir valor a algo.

Isto quer dizer que o ato de avaliar não se encerra na configuração do valor atribuído ao objeto

avaliado, exige uma tomada de decisão, seja ela favorável ou desfavorável.14

Avaliar se distingue, também, de controlar, que teria o sentido da verificação sistemática das

discrepâncias entre o que se pretendia e o que foi realizado. Ao avaliar, reflete-se sobre a

discrepância, possibilitando a tomada de decisão. Finalmente, se distingue da pesquisa, que

busca estabelecer conclusões. O avaliador objetiva resolver um problema específico.

É possível traçar uma analogia entre a verificação e a avaliação de políticas públicas a partir da

prática pedagógica. Ao verificar, o professor busca analisar os conteúdos assimilados pelo aluno;

na perspectiva da avaliação, o professor procura compreender a construção do conhecimento,

ou seja, o desenvolvimento de raciocínios.

13 Cipriano Carlos Luckesi, Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando conceitos e recriando a prática, Malabares Comunicação e Eventos, Salvador/BA, 2005, 2ª edição (revista);Cipriano Carlos Luckesi, Avaliação da aprendizagem escolar, Cortez Editora, São Paulo, 2005, 17ª edição; Cipriano Carlos Luckesi, Prática Docente e Avaliação, Série Estudos e Pesquisas, nº 44, Associação Brasileira de Tecnologia Educacional/ABT, Rio de Janeiro, 1990..14 DEPRESBITERIS, Lea. Avaliação Educacional em três atos. São Paulo: SENAC, 1999, p. 20.

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O processo de avaliação deve, necessariamente, envolver-se com as determinações intrínsecas

dos processos que levam a tal situação ou resultado. Não se trata de uma verificação exógena

ao fato ou fenômeno porque procura compreender o processo ou condicionantes do seu

desenvolvimento.

A definição de indicadores de avaliação de políticas públicas, portanto, não se faz a partir de

uma postura exógena, a priori, do objeto ou situação a ser avaliada, mas compreende a própria

busca de elementos que identifiquem e revelem o modus operandi e as relações sociais e de

ambiente que sustentaram um resultado determinado.

Embora as metodologias de avaliação de políticas públicas sejam vastas, este tema ainda revela

insuficiências e contradições. Trata-se de um terreno movediço no mundo acadêmico e técnico.

Worthen, Sanders e Fizpatrick15 sugerem que avaliar é

Dar valor ou mérito de um objeto de avaliação (seja o que for que estiver sendo avaliado). Uma

definição mais extensa diria que avaliação é identificação, esclarecimento e aplicação de

critérios defensáveis para determinar o valor (valor ou mérito), a qualidade, a utilidade, a eficácia

ou a importância do objeto avaliado em relação a esses critérios16.

A avaliação, para os autores, determinaria padrões para julgamento de qualidade (relativos ou

absolutos), coleta de informações relevantes e aplicação dos padrões para determinar valor,

utilidade, eficácia ou importância.

Fetterman17 amplia este conceito para o uso e técnicas de avaliação que empoderam

(emancipam, liberam ou esclarecem) aqueles cujos programas são avaliados. Vários autores,

contudo, recusam este como objetivo de uma avaliação, considerando que o empoderamento

seria mais um uso do resultado avaliativo.

Scriven, citado por Worhein e outros, sugere ainda uma importante diferenciação entre avaliação

formativa e somativa. A tabela a seguir sintetiza a diferença:

15 WORTHEN, Blaine; SANDERS, James & FITZPATRICK, Jody. Avaliação de Programas: concepções e práticas. São Paulo: Editora Gente/EDUSP, 2004. 16 Idem, ibidem, p. 35. 17 FETTERMAN, D. M. Empowerment evaluation. In Evaluation Practice, 15, 1-15, 1994.

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Tabela 01Diferenças entre avaliação formativa e avaliação somativa

Descritor Avaliação Formativa Avaliação Somativa

Objetivo Determinar valor ou qualidade Determinar valor ou qualidade

Uso Melhorar o programa Tomar decisões sobre o futuro do

programa ou sobre sua adoção

Público Administradores e equipe do

programa

Administradores, consumidores ou

beneficiários e órgão financiador

Quem faz Avaliadores internos com apoio

de avaliadores externos

Avaliadores externos com o apoio, em

certos casos, de avaliadores internos

Principais

características

Gera informações para que a

equipe do programa possa

melhorá-lo

Gera informações para que a equipe do

programa possa decidir por sua

continuidade ou os benificiários por sua

adoção

Foco Quais informações são

necessárias

Quais evidências são necessárias para

tomar decisões

Objetivo da

coleta de dados

Diagnóstico Tomada de decisão

Medidas Às vezes informais Válidas e confiáveis

Freqüência Freqüente Não freqüente

Tamanho da

amostra

Em geral, pequena Em geral, grande

Perguntas O que tem funcionado? O que

precisa ser melhorado? Como

pode ser melhorado?

Quais foram os resultados? Quem

participou? Em que condições? Com que

treinamento? Quanto custou?

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2.2 - Conceito de Programa e Tipos de Avaliação de Programas

O conceito de programa pode ser compreendido como um acordo permanente de prestar um

serviço ou, ainda, atividades que são realizadas numa base constante. Pode, numa definição

mais sofisticada, compreender complexo de pessoas, organização, administração e recursos que

constituem a tentativa constante de atingir um objetivo particular no âmbito social. Nesta última

definição é possível identificar três componentes18:

a) Estrutura interna do programa;

b) Forças externas que influenciam o programa;

c) Compreensão da forma pela qual os programas mudam no sentido de ajudar a atingir

objetivos de cunho social.

Os programas mudam e a avaliação pode se tornar fator de mudança funcional. A avaliação, assim, necessita se inserir numa leitura da realidade e dialogar com a lógica interna do programa que se está avaliando.

Uma avaliação centrada em objetivos19 ou metas adota, comumente, metodologias que:

a) Examinam as conseqüências de alcançar a meta ou objetivo (pontos fortes e fracos de

metas concorrentes, custo, aceitabilidade, sustentabilidade política, formação técnica);

b) Considerar valores, como direito, política, harmonia com práticas já existentes, princípios

morais ou ideais de uma sociedade e o possível conflito com propósitos e resultados do

programa.

As metodologias empregadas a partir da avaliação de metas são: observação sobre juízo de

valor do grupo de beneficiários; mesas redondas ou grupos focais com especialistas e

beneficiários; estudo de conteúdo de discursos, minutas, documentos de referência do

programa.

18 Ver SHADISH, W. R., COOK, T. D. & LEVITON, I. C. Foundations of program evaluation. Newbury Park, CA: Sage, 1991.19 A literatura especializada sugere seis centralidades na avaliação de programas: a) centrada em objetivos; b) centrada na administração; c) centrada nos consumidores ou beneficiários; d) centrada em especialistas; e) centrada em adversários; f) centrada nos participantes.

Página 40

Metfessel e Michael20, referência nos processos avaliativos educacionais dos anos 60 e 70,

sugerem os seguintes passos num processo avaliativo:

a) Envolver os interessados no processo avaliativo;

b) Formular modelo coerente de metas e objetivos específicos;

c) Traduzir objetivos específicos de forma comunicável;

d) Selecionar ou construir instrumentos para fornecer medidas que permitam inferências

sobre a efetividade do programa;

e) Realizar observações periódicas usando testes de conteúdo válidos, escalas e outras

medidas comportamentais;

f) Analisar dados;

g) Interpretar dados usando modelos de níveis desejados de desempenho;

h) Fazer recomendações para implementação, modificação e revisão posteriores de metas

gerais e objetivos específicos.

Outros autores sugerem a avaliação centrada nos participantes. Neste caso, o programa é

avaliado como um todo (fundamento lógico e evolução, operações, realizações e dificuldades

conjunturais e organizacionais). Trata-se de uma avaliação de processos e desenvolvimento.

São levadas em consideração as restrições de ordem jurídica e administrativa-financeira,

premissas operacionais da equipe, características individuais de membros da equipe,

perspectivas e preocupações dos beneficiários do programa. Também são analisadas mudanças

organizacionais e conjunturais que impactam o desenvolvimento do programa.

Ainda nesta lógica e proposição, a avaliação responsiva (que surge no final dos anos 60,

juntamente com as novas metodologias de pesquisa qualitativa, como a pesquisa participante)

sugere o foco para atividades dos programas e não tanto em suas intenções; o grau de

informação dos interessados e beneficiários; e a consideração das diferentes perspectivas

valorativas na elaboração de relatórios de resultado.

Na avaliação responsiva, os estágios metodológicos são:

a) Grupos focais ou entrevistas com beneficiários, equipe do programa e interessados

diretos;

b) Identificação do alcance do programa;

c) Revisão das atividades do programa;

d) Descoberta de objetivos e preocupações;

e) Conceituação de questões e problemas;

20 METFESSEL, N.S. & MICHAEL, W. B. A paradigm involving multiple criterion measures for the evaluation of the effectiveness of school programs. Educational and Psychological Measurement, 27, 1967.

Página 41

f) Identificação de necessidade de dados;

g) Seleção de observadores e seus instrumentos;

h) Observação de antecedentes e resultados;

i) Tematização, preparo de estudos de caso;

j) Validação;

k) Tradução para uso dos interessados;

l) Montagem de relatórios formais.

2.3 - Sistemas de Avaliação e Monitoramento de Políticas Sociais

Há inúmeros estudos de caso de sistemas de avaliação de políticas sociais e formulação de

indicadores. Neste item deste documento, são indicadas sumariamente as propostas da ong

Visão Mundial, o sistema criado para avaliação dos resultados do Orçamento Participativo do

município de São Paulo (gestão Marta Suplicy) e o Sistema de Avaliação e Monitoramento do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2004-2006).

A primeira experiência é a da organização não-governamental Visão Mundial (Sistema Regional

(ORALYC) de Monitoreo, Evaluación y Planeamento; World Vision Partnership Program

Monitoring and Evaluation Standards) e nos Sistemas de Monitoramento desenvolvidos pela

OXFAM/Inglaterra (cujos autores são Peter Oakley e Andrew Clayton).

Privilegia-se o monitoramento que afira mudanças qualitativas, usando metodologia e

instrumentos que possam ser apropriadas pela população dos territórios. O próprio processo de

monitoramento gera, portanto, empoderamento e controle social.

Todo monitoramento de políticas públicas deve ser contínuo porque se adapta às mudanças

conjunturais, avaliações das populações a partir de valores específicos, reformatando as ações

públicas a partir da experiência concreta de implementação de ações.

A tabela abaixo auxilia a compreender o que se mede quando se monitora ou avalia uma política pública:

Tabela 2: Objetos de avaliação e monitoramento de políticas públicas

A variável de medida O que mede Qual indicadorResultados Esforço Implementação de ações

Efeito Efetividade Uso de resultados e

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sustentabilidadeImpacto Mudança Diferenças entre situação inicial

e final

Oakley e Clayton21 propõem a seguinte síntese das intenções de todo processo de

monitoramento e avaliação:

a) Indicam se um projeto está sendo implementado conforme o planejado;b) Identificam problemas e dificuldades de implementação;c) Tratam dos recursos utilizados (prestação de contas);d) Verificam se os pressupostos de cada etapa do que foi planejado são realmente válidos ou

relevantes à comunidade beneficiada;e) Avaliam se uma ação continua relevante à comunidade.

Um dos princípios de um sistema de monitoramento para aumento de empoderamento de

comunidades é a articulação dos processos de planejamento-monitoramento-avaliação,

integrados num mesmo sistema que se retroalimentam. Daí porque a execução de um

planejamento deve incorporar elaboração de relatórios e amplas discussões e análises com

participação efetiva das comunidades.

Em projetos que visam empoderamento social, é fundamental a ampliação dos indicadores,

priorizando os de caráter qualitativo, que procurem captar as intenções subjetivas, o ideário e

imaginário das comunidades, as mudanças de comportamento social e político a partir do

desenvolvimento de cada etapa de uma ação ou projeto de política pública.

Ainda segundo Oakley e Clayton, se o objetivo de uma política pública é o empoderamento ou

desenvolvimento organizacional da comunidade, os indicadores de cada etapa de um projeto

são definidos e nítidos:

Para o monitoramento de RESULTADO os indicadores devem captar a formação da organização; a construção da capacidade de crescimento organizacional; a freqüência e tipo das atividades organizacionais; e ações planejadas e executadas;

Para o monitoramento de EFEITOS os indicadores devem captar a emergência e fortalecimentos das comunidades; e o envolvimento crescente da organização em assuntos vinculados ao desenvolvimento territorial;

Para a avaliação de IMPACTOS, os indicadores devem captar a consolidação de organizações autônomas envolvidas no desenvolvimento territorial.

Assim, os indicadores devem expressar mudanças culturais e de comportamento social

significativas.

21 OAKLEY, Peter & CLAYTON, Andrew. Monitoramento e Avaliação do Empoderamento. São Paulo: Pólis, 2003.

Página 43

A experiência de monitoramento do orçamento participativo da cidade de São Paulo 22. A tabela

apresenta os indicadores de empoderamento, exemplificando mudanças desejáveis com a

prática do OP que podem e devem ser captadas pelos indicadores de monitoramento e

avaliação eleitos:

Tabela 3: Exemplo de indicadores de empoderamento do OP-SP

Antes do ciclo de OP Depois do ciclo de OPPoucas lideranças locais Formação de redes locais de

gestão territorialDependência política Estruturas de tipo autogestionário

territorialParticipação por interesse

específicoAumento do capital social

Avaliação impressionista e críticas difusas às ações públicas

Monitoramento e acompanhamento das ações públicas

Apropriação de obras e serviços por parte das autoridades e

lideranças instituídas

Apropriação de obras e serviços por parte da comunidade do

territórioGestor público como agente estatal Gestor público coletivo

Isolamento político Instâncias e fóruns territoriais permanentes e capacidade de

relacionamento social

É possível armazenar os dados a partir de um gradiente (ou diagrama) que classifica o grau de

empoderamento observado. Um exemplo é a adoção de um gradiente a respeito do aumento de

redes locais, que podem iniciar com “poucas lideranças locais”, passando por “aumento de

participação e baixa rotatividade em plenárias e reuniões temáticas”, chegando a “criação de

estruturas permanentes de organização por território” e finalizando com “formação de redes

locais de gestão territorial”. Tal expediente facilita a análise com maior segurança na

interpretação de dados coletados.

Ainda tendo as proposições do Orçamento Participativo de São Paulo como ilustração,

apresentamos os indicadores de avaliação sugeridos para aquela experiência que procuravam

cotejar os princípios e teoria até então expostos, com a propriedade dos indicadores sugeridos:

22 Todas as tabelas de monitoramento e avaliação do OP-SP aqui apresentadas foram produzidas pela equipe técnica do Instituto Cultiva para a Coordenadoria do Orçamento Participativo de São Paulo (COP), ao longo de 2004.

Página 44

Tipologia Princípios Norteadores Indicadores SugeridosIndicador de Realidade

Empoderamento Social Capacidade de articulação política dos conselheiros

Capacidade dos conselheiros de monitorar e gerenciar projetos e programas aprovados

Capacidade do CONOP em formular estratégias integradas de desenvolvimento municipal

Representatividade Participação em Plenárias

Delegados por distrito/subprefeituras

grau de pluralidade temática e territorial no CONOP

iniciativa de comunicação e prestação de contas do Conselho junto à sua base de representação

Valorização da Cultura Local

percepção da população local em relação ao seu poder de decisão nas políticas públicas municipais

confiança no OP confiança nas

organizações comunitárias locais

Descentralização da Gestão

integração governamental por distrito/subprefeitura

grau de acompanhamento da população local/distrital na execução do OP

Página 45

Integração na Elaboração Grau de articulação das agências estatais municipais na elaboração e condução do orçamento e diretrizes

Grau de articulação do CONOP com representação distrital/suprefeituras e conselhos temáticos

Efetividade Obras em andamento (por distrito ou subprefeitura) em relação ao aprovado no OP

Efetivação dos eixos prioritários aprovados no OP temático

Indicador de Impacto

Empoderamento SocialA partir da definição de metas a atingir em dezembro de 2004

RepresentatividadeValorização da Cultura LocalDescentralização da GestãoIntegração na ElaboraçãoEfetividade

Indicador de Efeito Empoderamento Social

A partir da definição de metas a atingir em maio de 2004

RepresentatividadeValorização da Cultura LocalDescentralização da GestãoIntegração na ElaboraçãoEfetividade

Indicador de Acompanhamento

Empoderamento Social

Detalhamento a ser realizado no primeiro seminário com COP

RepresentatividadeValorização da Cultura LocalDescentralização da GestãoIntegração na ElaboraçãoEfetividade

É possível perceber que este sistema de monitoramento cria um controle muito objetivo dos

resultados obtidos e perseguidos por uma política pública. No caso do OP-SP a implementação

deste sistema se apoiou num sistema gerencial estruturado numa equipe técnica central de

monitoramento (organizada, no caso, numa Sala de Monitoramento do OP) e em colegiados

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regionais de monitoramento (compostos, naquela experiência, por delegados do orçamento

participativo em cada um dos territórios que compõem as 31 subprefeituras de São Paulo).

Sinteticamente, foram elaborados indicadores que captem três dimensões da ação pública

monitorada:

RESULTADO: capacidade de implementar ações. Neste caso, são construídos indicadores que avaliam resultados quantitativos (de produção, de aumento de renda, de melhoria de qualidade de vida, de inserção de produtos em mercados competitivos, de participação em programas de segurança alimentar) e qualitativos (de organização e autonomia de comunidades, de auto-organização e planejamento de ações de desenvolvimento, de melhoria da organização das populações atendidas, de valorização dos segmentos sociais vulneráveis);

EFEITOS: nesta dimensão, é priorizada a sustentabilidade dos resultados aferidos;

IMPACTOS: indicadores que medem a mudança da situação anterior para a situação posterior à ação do programa.

O relatório executivo do resultado do primeiro processo avaliativo realizado pelo Instituto Cultiva

em relação ao Orçamento Participativo de São Paulo encontra-se anexado no final deste

documento.

Página 47

A última experiência destacada neste documento é a do Sistema de Avaliação e Monitoramento

de Políticas Sociais desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Social, entre 2004 e 2006.

O acordo conceitual e metodológico adotado neste sistema baseou-se nas seguintes diretrizes:

a) O monitoramento dos programas articulou em avaliações internas, à distância, e

avaliações presenciais, envolvendo checagens locais, constituindo-se em pesquisas

rápidas, qualitativas, por meio da qual gestores, pesquisadores e outros agentes

verificam como a implementação está sendo realizada e se está atingindo seus

objetivos;

b) Adoção de indicadores que definem um valor usado para medir e acompanhar a

evolução de algum fenômeno ou resultado de processos sociais. Os indicadores foram

agrupados em estrutura (execução físico-financeiro, infraestrutura), processos (valores

relativos às etapas e relações que fazem parte da implementação do programa) e

resultados (valores relativos ao alcance de metas);

c) Os estudos de avaliação adotaram como objetivos e dimensões: Processos (pontos que

favorecem ou dificultam os processos de sua implementação), Resultados (desempenho

dos produtos, impactos ou mudança na situação dos beneficiários e efeitos sociais ou

institucionais, esperados ou não);

d) As avaliações de impacto, realizadas por meio de desenhos quase experimentais,

procuram estabelecer relações de causalidade, usam métodos quantitativos de coleta e

utilizam modelos estatísticos econométricos. Contudo, devido ao custo operacional

destes instrumentos, foram adotadas ferramentas mais modestas, como surveys com

questionários fechados, entrevistas semi-estruturadas e abertas e observação;

e) Antes da elaboração das ferramentas e sistema de monitoramento, foi realizado

levantamento para verificar os dados e fontes disponíveis já existentes;

f) Para montagem do sistema de dados, foram adotadas as seguintes dimensões: nível de

agregação territorial – por ente ou território administrativo -, unidade de referência –

beneficiário, família etc - , periodicidade e origem da fonte.

A tabela apresentada a seguir indica a Planilha de Indicadores utilizada pelo MDS em seu

sistema de monitoramento:

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Tabela 04Planilha de Indicadores do Sistema de Monitoramento de Programas do MDS

Programa Indicador Descrição Desagregação Periodicidade Fórmula

Bolsa

Família

Cobertura do Programa segunda a estimativa de pobreza

Expressa a cobertura do Programa numa área geográfica, segunda a periodicidade e o nível de desagregação, tendo como base a estimativa da quantidade de famílias com renda per capita de até 100 reais

BrasilRegiõesMesorregiãoMicroregiãoUFMunicípios

Mensal I0019Quantidade de famílias que recebem o benefício da bolsa dividida pela Quantidade de famílias com renda familiar per capita até 100 reais, multiplicada por 100, no período e desagregação de referência

Bolsa

Família

Percentual de alcance da meta de cadastramento para o programa

Expressa a relação entre o número de famílias inscritas no CadÚnico com renda familiar per capita igual ou inferior a 100 reais e a estimativa do número de famílias com renda familiar per capita até 100 reais

BrasilRegiõesMesorregiãoMicroregiãoUFMunicípios

Mensal I0016Quantidade de famílias cadastradas no CadÚnico com renda familiar per capital igual ou inferior a 100 reais dividida pela estimativa do número de famílias com renda familiar per capita até 100 reais multiplicada por 100.

Cisternas Número de cisternas em cada município atendido

Expressa o número de cisternas construídas no município atendido pelo programa

BrasilUFMunicípio

Anual 10020Quantidade de cisternas construídas

Cisternas Recursos médios repassados por cisternas

Expressa o valor médio de cada cisterna construída

BrasilRegiõesMesorregiãoMicroregiãoUFMunicípios

Mensal I0119Valor total repassado para a construção de cisternas dividido pela quantidade de cisternas construídas.

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Tabela 05

Ciclo de Avaliação

1. Discussão 2. Termo de Referência 3. ContrataçãoDefinição da avaliação a ser

realizada e relevância do estudo

proposto

Elaboração e revisão do TOR Aprovação do TOR pelo órgão de

cooperação internacional e

contratação da instituição executora

(IE) que apresentar melhor projeto

4. Reunião e definições 5. Acompanhamento 6. Resultados FinaisDefinição de questões relevantes

para o estudo e disponibilização dos

dados necessários para a

realização da pesquisa

Desenvolvimento dos instrumentos

de pesquisa, visitas a campo e

avaliação e aprovação de relatórios

parciais do relatório final

Recomendações da avaliação,

reuniões com os gestores e

retroalimentação dos programas

7. Divulgação dos Resultados

8. Publicações 9. Disponibilização dos microdados

Apresentação dos resultados finais

ao MDS e seminários abertos ao

público externo

Cadernos de estudos , relatórios de

pesquisa e livros

Envio dos arquivos dos microdados

das pesquisas para o Consórcio de

Informações Sociais

Desde o início da década de 80, vários pescadores, centros de pesquisa e órgãos

vinculados à ONU têm feito reflexões sobre a natureza e avaliação de participação em

programas e projetos de desenvolvimento rural, em alguns casos, com experiências de

desenvolvimento rural no Brasil. Peter Oakley, da University of Reading, Inglaterra,

tem mais de duas décadas de experiência nessa linha de pesquisa23, incluindo

experiência com programas no nordeste do Brasil. João Bosco Pinto assessorou PDRIs

na região nordeste. lrene Guijt, do IIED - lnternational lnstitute for Environment and

Development, Inglaterra - tem sido colaboradora com o trabalho internacionalmente

reconhecido de Robert Chambers, cujas publicações desde o início da década de 80 têm

tido grande influência no desenvolvimento participativo e DRP. Desde a década de 90,

Guijt colabora com projetos de pesquisa-ação no nordeste do Brasil e em Minas Gerais.

Em Minas, o grupo de pesquisa de Universidade Federal de Lavras têm produzido

várias publicações24. Percebe-se, nesses trabalhos de pesquisa, grande influência das

idéias de Paulo Freire e Robert Chambers.

23 Ver, por exemplo, Oakley, Peter e Marsden, David (1982). Obstacles and approaches to participation in rural development. Preliminary paper prepared for the Inter-Agency Panel on People's Participation. International Labour Office, Geneva.24 Ver, por exemplo, ALENCAR, EDGARD e GOMES, Marcos A.O. (1998). Metodologia de pesquisa social e diagnóstico participativo. Lavras: UFLA/FAEPE.

Página 50

Oakley foi um dos pioneiros na discussão de participação como um processo de

empowering (empoderamento); ou seja, poder no sentido de acesso aos, e controle dos,

recursos necessários para proteger os meios de sustentabilidade socioeconômica da

família

(livelihood). Citando pesquisas da UNRISD em tomo de 1980, Oakley identificou três

elementos chaves dessa interpretação de participação:

- o compartilhamento de poder e recursos escassos;

- esforços por grupos e segmentos sociais a controlar seus destinos e melhorar suas

condições de vida;

- abertura de oportunidades de baixo para cima,

Segundo Oakley, implícito nessa interpretação é o empoderamento como pré-

requisito para a realização de mudanças estruturais. O autor identifica três elementos

importantes nessa visão:

- a identificação e estruturação de grupos socioeconômicos específicos como a unidade

social básica;

- um processo de educação não forma e conscientização;

- alguma forma de assistência [ assessoria] como instrumental para iniciar e

acompanhar o processo de empoderamento.

Oakley também faz uma distinção importante, na literatura e na prática de

participação em desenvolvimento entre participação como meio ou como fim.

Quando participação é interpretada como meio, essencialmente descreve uma condição ou um insumo num programa de desenvolvimento; quando é interpretado como fim, refere-se a um processo que tem, como resultado, participação significativa... .Essa distinção tem implicações enormes para a natureza de participação e para as abordagens adotadas para sua realização.

Segundo Oakley, “Até recentemente, a noção de participação como meio tem

dominado a prática da participação. Os dois veículos principais para implementar essa

noção de participação foram programas de desenvolvimento de comunidade ... e a

criação de organizações formais (cooperativas, associações de agricultores, etc.) ..."

“Nos programas que foram realizados usando conceito de participação nesses

moldes, certas melhorias econômicas foram realizadas mas poucos conseguiram

participação significativa [no sentido de empoderamento]. Oakley conclui que

"Participação como fim é a conseqüência do processo de empoderamento e libertação".

Página 51

Também relevante à discussão de indicadores de ATER, Oakley comenta a

importância de avaliar a participação, além da importância de verificar os impactos

econômicos dos projetos de desenvolvimento. "Precisamos preocupar com a construção

dos meios para formar um julgamento sobre se, e o grau em que, um projeto de

desenvolvimento rural consegue participação significativa, a natureza dessa participação

e a magnitude dessa realização em termos dos recursos empregados" (p.76).

O trabalho de Guijt é ainda mais relevante para a construção de indicadores de

ATER porque é subsidiada pelo acúmulo das experiências práticas e reflexões teóricas

das décadas 80 e 90 sobre desenvolvimento participativo e porque é baseado, em grande

parte, nas experiências em andamento de projetos de desenvolvimento rural sustentável

realizadas no Brasil por projetos de agricultura alternativa de ONGs em Paraíba e Minas

Gerais; um desses, do CT A-ZM, foi incluído no inventário preliminar do inventário

concluído pelo Instituto Cultiva em novembro de 2006.

Segundo Guijt:

Desde 1990 aproximadamente, no mímimo três tendências...estimularam o interesse no monitoramento participativo no setor de recursos naturais. Cada uma destas tendências partiu de um propósito especifico, conduzindo, assim, a uma ampla gama de expectativas sobre os resultados que a participação no monitoramento pode proporcionar (p.7).A primeira tendência - que é também, em termos de argumentos, a mais significativa - tem sido o aumento extraordinário do interesse na avaliação e no planejamento participativos em geral e, em particular, no setor de recursos naturais ... A gestão participativa de recursos naturais se tomou uma ética e uma prática aceitas em centenas de projetos de desenvolvimento nos hemisférios Norte e Sul, sendo os métodos participativos, entre outro similares, aplicados em mais de 130 paises. Em decorrência, por extensão natural e lógica, aumentou o interesse em assegurar uma participação mais ampla no monitoramento e na avaliação de projetos de desenvolvimento planejados localmente... . O propósito maior no monitoramento e na avaliação participativos, surgido desta tendência, é o incentivo da aprendizagem interna para alavancar os objetivos de capacitação e de desenvolvimento, localmente apropriados, que constituem questões centrais do desenvolvimento participativo (p.8).

Além desse propósito de capacitação, Guijt comenta que outros dois propósitos

são o aperfeiçoamento da transparência institucional e o planejamento. Essa terceira

tendência, do planejamento:

"... se relaciona com uma reivindicação mais genérica e global de mais informações e dados que propiciem respostas a desafios ambientais.Esta

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preocupação foi destacada na Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992...No entanto, as informações fornecidas pelos cientistas nem sempre são suficientes ou apropriadas e seus métodos investigativos podem ser muito onerosos e demorados para serem usados em muitas situações em eu se requerem informações sobre o meio ambiente. Muitas organizações estão se convencendo de que a única forma de se conseguir informações deste tipo é por meio de processos de monitoramento conduzidos pela comunidade local, com maior envolvimento de membros da própria comunidade na coleta de dados ambientais locais. Esta última tendência aponta, assim, para um terceiro propósito-chave do monitoramento e da avaliação participativos, qual seja: propiciar a obtenção de informações relevantes e específicas em nível local para que possa ocorrer um planejamento estratégico melhor em diferentes níveis (p.8).

Uma importante contribuição deste trabalho de Guijt, como em suas publicações

em co-autoria com Chambers sobre DRP e DRR, é a análise crítica dos processos, ou

seja, ela identifica e discute, além dos benefícios dos processos participativos, as

dificuldades e os riscos envolvidos. Ela comenta (pp. 9-10) que:

Estes três propósitos... criaram expectativas elevadas em relação aos resultados que podem ser obtidos mediante o monitoramento e a avaliação participativos. O envolvimento progressivo da população com este método, presume-se trará muitas vantagens, ainda não comprovadas na prática, ... tais como "mais ação local, "melhoria na relação custo-beneficio", "dados mais precisos", "informações mais relevantes" e assim por diante. Estas promessas são similares a tudo o que se prometia nos primórdios dos diagnósticos e do planejamento participativos e que agora é confrontado com uma realidade de mudanças sociais lentas e difíceis.

Criar expectativa exagerada em relação ao monitoramento e à avaliação participativos, sem se ter uma noção elementar quanto às limitações do que efetivamente é possível realizar, fatalmente levará a resultados medíocres e frustrantes. Dificuldades surgem não só em razão da compreensão limitada do que significam de fato o monitoramento e avaliação participativos, mas também se originam do discernimento precário das implicações metodológicas, institucionais e conceptuais de juntarem-se grupos múltiplos num processo de monitoramento participativo. Cada um destes grupos tem necessidades, de informação, de prioridades, de competências, de capacidade para se expressarem e de normas diferentes quanto a confiabilidade da informação, e expectativas diferenciadas quanto a seu envolvimento. Cada grupo também atua partindo de suas próprias concepção e compreensão da previsibilidade das mudanças, relativa à importância de fazer-se um planejamento detalhado. Ao combinare-se estas realidades diferenciadas e propósitos variados em relação ao monitoramento e a avaliação participativos, surgem muitas perguntas.

Para aquelas organizações e instituições que promovem formas de agricultura mais sustentável junto aos agricultores, o monitoramento compreende outros desafios, devido à dificuldade inerente a esta questão. Agricultura sustentável é muito mais do que apenas desenvolver alguma inovação tecnológica. Inclui a criação de novas alianças organizacionais e

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novas formas de comunicação com grupos acentuadamente diferenciados, a fim de ampliar a escala de impacto de tais inovações. Assim, com a tarefa de desenvolver a agricultura sustentável compreende aspectos sociais, institucionais e relacionados a concepção política, vários objetivos podem - e em muitos caso devem ser monitorados simultaneamente. No entanto, mudanças tecnológicas e ambientais ocorrem num ritmo diferente do eu mudanças sociais, institucionais ou políticas, nem todas tão tangíveis como, por exemplo, a contagem das arvores eu foram plantadas durante o monitoramento. Este contexto complexo apresenta um sério desafio para muitas organizações. Por um lado, surge a tentação de monitorar nada ou apenas as alterações mais evidentes, pois, afinal de contas, por onde deve-se começar a tentativa de entender a complexidade da situação? Por outro lado, há organizações que pretendem monitorar tudo, na esperança de conseguir traduzir ao menos alguns resultados como prova dos impactos tidos. Em ambos os casos, a informação obtida muitas vezes e irrelevante e inconclusiva e o sistema de monitoramento mostra-se ineficiente e inviável a longo prazo.

No entanto, Guijt afirma, sem monitoramento e avaliação é impossível saber:- se as atividades estão sendo desenvolvidas da forma que foram planejadas;- como se poderia melhorar a eficiência e a eficácia delas;- se elas estão correspondendo às expectativas;-se estão desencadeando impactos negativos imprevistos;-como convencer aos outros do mérito dos esforços desenvolvidos, por exemplo, quando se trata de influenciar quem formula decisões políticas.

Definições

Outro mérito do texto de Guijt é a proposta de definições dos conceitos chaves

de “participação”, “monitoria”, “indicadores” e “impacto” para constituir a base de

discussão entre os principais atores envolvidos. A seguir são alguns das observações de

Guijt que considerei mais importantes para a definição de indicadores de ATER,

incluindo uma discussão mais detalhada sobre indicadores.

Participação

Guijt reconhece a utilidade das várias tipologias de participação na literatura25 mas

aponta, também suas limitações26.

...tornando problemático seu uso no delineamento dos processos de monitoramento e de avaliação. Em primeiro lugar, sugerem que o nível de participação de todos os envolvidos poderia ser determinado desde o princípio do processo de monitoramento e de avaliação participativos e que permaneceria imutável. Na realidade, o que há, em geral, é o envolvimento de intensidade flutuante por parte dos diferentes grupos, ao longo do tempo, nas diferentes atribuições de monitoramento (como coleta de dados, análise, divulgação). Uma

25 A autora cita Arnstein, 1969, Biggs, 1989, Oakley, 1991, Guijt, 1991, Stiefel e Wolfe, 1994, Selener, 1997 e outros.26 A autora cita Guijt e Kaul Shah, 1998.

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segunda limitação se deve ao fato de que as tipologias fazem uma distinção simplista entre o pessoal do lugar e gente de fora, ou seja, entre agricultores e membros da equipe externa. Assim, oculta-se a realidade de que há uma grande participação por parte de alguns e nenhuma, por parte de outros, dentro do mesmo grupo. Ao nivelar toda a população local em termos de envolvimento, por exemplo, perpetua-se claramente a simplificação de diferenças que existem entre os agricultores com terra e os sem terra, entre mulheres e homens agricultores etc. No monitoramento, isto significa que pode haver um processo supostamente "participativo" que envolve agricultores, possivelmente todos homens, desconsiderando, desta forma, a perspectiva vital das agricultoras. Um terceiro problema coloca-se com a natureza sentenciosa das tipologias, com uma terminologia que inclui palavras como "coercitivo", "manipulação", etc. Ao externarem-se opiniões negativas sobre formas menos inclusivas de participação, sugere-se eu seja possível, desejável e necessário para todos alcançarem a forma mais intensa de participação, independentemente de sua situação peculiar. Contudo, nem todos estarão dispostos, interessados, ou com capacidade de se comprometerem com algo que pode constituir um processo bastante conflituoso e entediante. O contexto político local em geral costuma influenciar decisivamente o que se considera viável em termos de intensidade e determina a forma de participação dos agricultores..,".

Outra observação da Guijt nesta seção tem particular relevância para a

elaboração de indicadores de ATER:

Muitos exemplos de monitoramento e avaliação - mesmo aqueles que se declaram 'participativos' - são processos em que "gente de fora" determina os indicadores, os parâmetros analíticos e/ou a freqüência e os estilos de relatório a ser feito. Em tais casos, reduz-se o papel da população local, em termos de participação, à coleta de informações. Num processo efetivamente mais participativo, a população local pode, por exemplo, estar envolvida no delineamento do sistema. Reserva-se então um tempo para esclarecer e negociar as metas do monitoramento, de modo eu todos saibam o que será monitorado e por que isso acontece. Os métodos de monitoramento e seus respectivos instrumentos podem se basear em habilidades e recursos disponíveis em nível local e/ou ser definidos em conjunto. Também significa que os dados são coletados, compilados, analisados e usados por aqueles que são afetados pela atividades de agricultura susentável que serão monitoradas.

Monitoramento

Guijt diz que:"Nesta publicação, o monitoramento se refere a um processo sistemático e continuo de verificação do progresso das alterações causadas pela implementação de uma atividade ao longo de um certo período, em geral, usando indicadores preestabelecidos ou questões periodicamente retomadas".

Avaliação

Segundo a autora,A avaliação, como o monitoramento, compreende muitas

concepções diferentes... Em regra, todavia, o termo avaliação se refere a um processo de identificação dos resultados positivos e negativos

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mais abrangentes de uma atividade ou de um processo, no intuito de obter-se uma conclusão sobre seu valor global e a constatação se os objetivos foram alcançados. Muitas vezes tais conclusões se relacionam com objetivos a prazo mais longo, tais como eficácia, equidade do impacto, sustentabilidade e relação custo-benefício.

Em contraste com o monitoramento, que estabelece com certa freqüência os efeitos (desejados ou não) de certa atividade, um processo de avaliação busca verificar como estes efeitos contribuem mais a longo prazo para o cumprimento dos objetivos propostos, isto é, para os resultados. Por isto, a avaliação ocorre usualmente com freqüência bem menor do que as atividades de monitoramento e é realizada logo depois que se inicia alguma atividade, porém, dando tempo para que ocorram mudanças, para que se possa verificar os resultados.

Novamente se repete o que acontece também com o monitoramento: é possível avaliar projetos agrícolas de forma mais ou menos participativa, dependendo de quem estiver envolvido em determinada fase do processo de avaliação. Os agricultores podem ser envolvidos na definição de metas de avaliação e no delineamento do processo - desde o estabelecimento das metas até a escolha dos métodos e da definição do uso das descobertas (Bandre 1998). Ou podem estar simplesmente envolvidos na coleta de dados de terceiros ou a seu próprio respeito, como muitas vezes acontece de fato.

Indicador

Guijt define indicador como: "... uma característica quantitativa ou qualitativa

de um processo ou atividade sobre o qual se querem medir as alterações ocorridas".

"...um indicador apenas é significativo se estiver diretamente relacionado à informação

de que

as pessoas necessitam e, também, se sabem como interpretar ou "ler" seu sentido. Os

indicadores apenas representam uma realidade bem mais complexa e por isto devem ser

relevantes e precisos o bastante - nem tão perfeitos".

"Medindo ou aferindo o mesmo indicador ao longo de certo período e

identificando as variações em seu valor, pode-se verificar se houve progresso ou

retrocesso"."Uma armadilha comum a ser evitada ao se estabelecer o processo de

monitoramento é a da escolha de muitos indicadores, que sejam ambíguos e/ou

irrelevantes... Para se evitar isso, é essencial a seleção criteriosa de indicadores".

A melhor forma de se selecionar indicadores é examinar cuidadosamente que informações são necessárias para cada grupo. Caso for monitorado um projeto de agricultura sustentável, então se deve ter muito claras as metas das respectivas ações, isto é, o que objetivam. Indicadores apenas podem ser identificados quando se chega a um consenso quanto aos objetivos, mas mesmo

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então pode haver vários indicadores apropriados para medir cada objetivo... Também a maioria das atividades tem vários objetivos (curto, médio e longo prazo). Por exemplo, um projeto que pretende incentivar agricultores a planta em curva de nível, terá um objetivo curto prazo (treinar o maior número possível de agricultores), enquanto o objetivo a longo prazo poderá ser a redução da erosão do solo. Como seria oneroso e dispendioso demais em termos de tempo monitorar todos os indicadores possíveis, será necessário priorizar os objetivos a serem acompanhados, antes que se identifiquem indicadores apropriados.

Discutindo tipos de indicadores, Guijt afirma que

Uma maneira simples de organizar indicadores é identificar aqueles que mostram efetivamente se o projeto foi bem-sucedido na implementação das respectivas atividades e aqueles que medem seus resultados. Os medidores do processo ou do produto mensuram como as atividades foram planejadas e implementadas. Os medidores de impacto ou resultado mensuram os efeitos das atividades em termos de correspondência aos objetivos propostos (p.38). (veja Tabela 2, anexo, correspondente à p. 39 do texto de Guijt).

Diferenciar entre o processo de implementação de uma atividade e seu impacto mais a longo prazo, ou o resultado daquela atividade, representa apenas uma abordagem para descobrir uais são os indicadores mais relevantes. Uma versão mais detalhada deste processo envolveria primeiro o desenvolvimento de um rol de objetivos, que relaciona, de objetivos mais imediatos a objetivos de longo prazo (p. 39) (veja a Tabela 3 anexo, correspondente a p. 40 do texto de Guijt).

"Para evitar-se a ambiguidade e os problemas de validade e confiabilidade, o

ideal é que os indicadores sejam os mais específicos possíveis e incluam”:

- o objetivo ou a meta a ser alcançado;

- a característica a ser medida;

- o período abrangido;

- a área física em questão." (p. 41);

Ao final da discussão sobre indicadores, Guijt faz duas alertas importantes:

"A escolha dos indicadores deve levar em conta as condições de monitorar, analisar e difundir os resultados por meio dos recursos disponíveis (humanos e financeiros). Mas não se deve esquecer que monitorar é mais do que simplesmente coletar dados, de forma que a análise e a divulgação da informação precisam ser incluídas na previsão orçamentária" (p. 43).

“O tipo de informação que é necessário - quantitativo ou qualitativo (ou ambos)

deve ser esclarecido e ser assegurado que os indicadores escolhidos reflitam tal

necessidade."

Impacto

Guijt afirma que

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O termo 'impacto' pode ter muitos significados, mas, no contexto de um projeto, geralmente se refere aos efeitos de uma intervenção em seu meio, junto a pessoas envolvidas e/ou no contexto organizacional. A palavra é usada em referencia a efeitos ou produtos de curto prazo, resultados a médio prazo e conseqüências ou resultados a longo prazo, o eu pode dar margens a mal-entendidos. Por exemplo, no plantio consorciado de guandu, há um produto direto, imediato - a forragem na estação seca para a criação; como impacto a médio prazo - o aumento do teor de nitrogênio no solo - e, em decorrência mais a longo prazo, como efeito indireto - o aumento da renda e a diminuição da erosão do solo".

"Em muitos casos de aferição de impacto em projetos de desenvolvimento, este se refere aos resultados mais a longo prazo de uma intervenção. Como o período pelo do qual se verificam os respectivos impactos pode ser abrangente, é importante se esclarecer que tipo de impacto será aferido em cada situação monitorada com os envolvidos, para evita confusão quanto a mudanças imediatas versus alterações mais a longo prazo.

Ao final do capítulo, Guijt faz uma observação que ela e Chambers fazem em

várias publicações sobre DRP:

Um comentário final se faz necessário sobre a precisão da informação a respeito dos impactos pretendidos. Muitas vezes, constata-se preocupação exagerada com a precisão dos dados, quando bastariam dados aproximados. Chambers (1997, pp. 38-42) discute como medições muitas vezes simulam "falsa precisão" e que em regra é suficiente emitir juízos e opiniões apenas: O que muitas vezes importa são juízos sobre tendências e valores aproximados, e percepção da causalidade (p. 41). E insiste em que as pessoas busquem a 'precisão aproximada', bem com aceitem a 'ignorância ótima' ou o conhecimento apenas do que realmente precisa saber. Quando se reflete sobre impactos e a precisão com que se precisa conhecê-los, o adágio “é melhor estar aproximadamente certo a estar precisamente errado" pode representar um lembrete útil sobre o que realmente importa - contanto que aaproximação não seja distorcida e apresentada como sendo mais precisa do que de fato é. A precisão com que os impactos precisam ser conhecidos determina que unidade de medida se requer para tal fim (veja o Quadro 7) e, por conseguinte, influencia, de forma marcante, a escolha final de indicadores e métodos.

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3. Princípios e Conceitos Fundantes para Elaboração de Indicadores de Avaliação de Ações de ATER

Retomando as observações indicadas anteriormente, temos como chaves de leitura do cenário por onde emerge a demanda pela elaboração dos indicadores de avaliação de ações de ATER:

A. Os organismos de extensão rural estatal acolhem diversas estratégias e concepções a respeito do papel e foco deste serviço. A formulação de indicadores de avaliação desta política pública deve, por conseguinte, apoiar-se nesta realidade múltipla e complexa ou estará fadada a captar apenas parte da ação em desenvolvimento;

B. A realidade setorial indica a tendência de definição de política de desenvolvimento que articule o agronegócio e a agricultura familiar. O ator político que vem, há dez anos, se destacando nesta tarefa de constituição de uma política de desenvolvimento agregadora é o governo federal seguido por ações pontuais de governos estaduais. A formulação de indicadores de avaliação de ações de ATER deve necessariamente se pautar por esta tendência de aproximação de diversos segmentos sociais rurais a partir da constituição de estratégias de fomento do desenvolvimento setorial. A modernização, neste caso, indica acesso a bens tecnológicos e mercados, melhoria da qualidade de vida, autonomia política e econômica, emancipação social, gestão pública compartilhada;

C. A PNATER apóia-se em acordos firmados democraticamente com representações da agricultura familiar do país. São eixos deste acordo: o

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fomento ao desenvolvimento da agricultura familiar; a gestão participativa ou co-gestão da PNATER; a adoção do modelo agroecológico de desenvolvimento setorial; o desenvolvimento de territórios; o atendimento de segmentos vulneráveis; a efetivação da política nacional de segurança alimentar. A formulação de indicadores de avaliação de ações de ATER deve compreender estes eixos.

A seguir, indico algumas observações gerais a respeito desses três conjuntos norteadores de elaboração dos indicadores e procuro aprofundar alguns conceitos destacados.

Neocorporativismo e agenda republicana

Encontramo-nos num momento delicado das políticas públicas do setor. Não há, efetivamente, um cenário de formulação de política nacional universal para o desenvolvimento do setor agropecuário do país. Antes, existem políticas segmentadas que são formuladas em fóruns públicos distintos e que, no atual estágio, se encontram estabelecidas a partir de dois grandes segmentos sociais: empresariado do agronegócio e agricultores familiares. Em termos econômicos, esses dois segmentos se confundem em muitos investimentos e estruturas produtivas. Mas não se trata de dois segmentos definidos apenas economicamente. São dois segmentos constituídos politicamente, cujas identidades e projetos dificilmente se cruzaram historicamente. Estamos lidando com duas correntes ideológicas de elaboração de políticas públicas. Há, ainda, um segmento social nem sempre contemplado por esses dois projetos políticos, que foram denominados como sem-terra. A demanda por terra, contudo, vem sendo gradativamente reordenada na agenda estatal. Três atores procuram representar a negociação

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desta demanda: Comissão Pastoral da Terra, MST e CONTAG. Entretanto, esta demanda se subdivide em múltiplos interesses regionais e motivações específicas (como ribeirnhos, populações indígenas, quilombolas, assalariados temporários, juventude, terceira idade, desempregados urbanos egressos do meio rural, atingidos por barragens). Dentre outros motivos, a política nacional de reforma agrária vem se decompondo em projetos setoriais, quase sempre de cunho territorial, conjugada com políticas sociais de atendimento à populações vulneráveis.

Assim, pensar uma política territorial de desenvolvimento com foco setorial é, no momento, uma abstração sociológica e política, em virtude de não existir, nem no interior do Estado, nem entre os atores sociais do meio rural, qualquer articulação efetiva que indique um projeto de desenvolvimento articulado e universal.

Um projeto de inspiração republicana, neste momento, passa, no que tange à realidade do meio rural, pela observação das demandas neocorporativas identificadas neste documento como as do empresariado do agronegócio e da agricultura familiar. As demandas, interesses e possibilidades técnicas e políticas estão firmadas a partir destes dois campos sociais. Avaliar as ações de ATER a partir da possibilidade de fomento, tendo estes dois campos sociais como referência, pode fortalecer, ao longo do tempo, uma efetiva política republicana de desenvolvimento agrícola. Neste caso, estaríamos ampliando o escopo da PNATER e não sugerindo sua alteração.

Sobre desenvolvimento de territórios

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Ratzel (1990) sugere que sem o território, é impossível compreender o incremento da potência e solidez do Estado. A decadência de um povo estaria, assim, diretamente vinculada à perda de um território. “Um povo decai quando sofre perdas territoriais. Ele pode decrescer em número mais ainda assim manter o território no qual se concentram seus recursos; mas se começa a perder uma parte do território, esse é sem dúvida o princípio da sua decadência futura” (RATZEL, 1990, p. 74).

Posição muito próxima é a desenvolvida por Freund (1997), ao analisar a noção de domínio em Weber. Para o autor, o poderia torna-se político quando a vontade se orienta em função de um agrupamento territorial, com vistas a um objetivo.

Guatarri (1985) e Tuan (1982), por seu turno, sustentam que a chave da compreensão sobre a territorialidade humana é o pensamento simbólico. O elo efetivo entre o ser humano e o ambiente físico seria a construção imaginária de espaços de posse, espaços proibidos e espaços amados (topofilia). Para Guatarri, o território teria um sentido mais afetivo.

As duas correntes acima são majoritárias na definição contemporânea de território. Pautam-se pela compreensão do grau de autonomia de um agrupamento social frente ao território ou sua dependência (heteronomia) face ao poder central. O conceito de território diferencia-se, assim, entre aqueles que o concebem como forjado por identidades culturais ou como campo de forças políticas (SOUZA, 1995).

O conceito ganhou novo viço nos últimos anos por aflorar como um campo de resistência política. Santos (1994) propõe o território como uma revanche à globalização econômica, vinculada à noção pós-moderna de transnacionalização do território. Para o autor, a revanche ocorreria pela revalorização do que denomina “território banal”, construção teórica originalmente elaborada por François Perroux que significaria o domínio da contigüidade territorial. Haveria,

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ainda, o espaço em rede, não contíguo, mas o espaço banal seria considerado o “espaço de todos”, traduzindo-se como espaço público por excelência, um espaço forjado na história da ação humana, visível e compreendido culturalmente. Segundo Santos (1994),

há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidas para servi-lo. Daí o interesse de retomar a noção de espaço banal, isto é, o território de todos, freqüentemente contido nos limites do trabalho de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes, isto é, o território daquelas formas e normas ao serviço de alguns (SANTOS, 1994, p. 18).

Temos, a partir desta formulação, uma possível politização da noção de território enquanto resistência (leitura comum à Alain Touraine) a um mundo desfigurado e compreendido com a-histórico pelas populações atingidas pela desconstrução econômica e espacial provocada pela redefinição das relações comerciais e políticas provocadas pela globalização econômica. O espaço hegemônico corresponderia à noção de progresso, que procura suprimir a identidade toponímica, recriando a virgindade do espaço. Desrespeitam-se os tempos da natureza e da vida comunitária e impõem-se o tempo e espaço societário.

O conceito de território, como se percebe, está em disputa acadêmica. Temos que aprofundar e definir com maior rigor o que entendemos por desenvolvimento territorial (como sugere a PNATER) para podermos atingir um grau de precisão que possibilite a construção de indicadores. O eu parece comum é compreender o território como espaços onde identidades são forjadas, mesmo que a partir de conflitos. Seria traduzido (ou sintetizado), no caso, por instituições agregadoras ou que se constituem em fóruns

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de permanente negociação. São instituições validadas e legitimadas, portanto27.

Esta poderia ser a pista para utilizarmos o conceito de desenvolvimento territorial como eixo de formulação de indicadores: a de avaliação da vitalidade das instituições locais de caráter agregador e negociador de interesses (dimensão político-social) e a identidade ou ideário de ação solidária para a gestão territorial (cultural, que têm em recentes pesquisas do PNUD sobre cultura política um referencial analítico significativo).

A co-gestão pública ou participacionismo

No Brasil, desde a Constituição Federal de 1988, emergiu inúmeros instrumentos e mecanismos de natureza participacionista. O participacionismo ficou cunhado na literatura especializada como um modelo de gestão pública compartilhada, co-gestão ou fusão de instrumentos de representação com os de democracia direta. Autores como Boaventura Santos (2002) sugere que essas novas práticas seriam contra-hegemônicas ao discurso liberal dominante na gestão estatal. Este autor vai ainda mais longe e sugere que as novas práticas de co-gestão pública enfrentam uma cultura fascista que se instalou na sociedade civil ocidental.

Entretanto, passados os primeiros quinze anos de efervescente emergência de mecanismos de co-gestão pública, no interior do Estado28, já é possível identificar as diversas modalidades e seus desafios.27 O conceito de legitimidade política foi desenvolvido por Max Weber, para quem algo é legítimo quando acatado e aceito pelo representado. Habermas diferenciou este conceito do de validade. Neste caso, válida seria a ação que estivesse apoiada em referências éticas e morais. O autor exemplifica a distinção a partir do nazismo, que teria sido legitimado pelos eventos de massa na Alemanha, mas não teria validade moral e ética, a partir da própria cultura e história daquele país. 28 Este é o caso dos 27 mil conselhos de gestão pública existentes no Brasil, criados a partir da Constituição de 1988.

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Bandeira (1999) procurou sistematizar o Estado da Arte das teorias e experiências de construção de novos mecanismos de regulação do desenvolvimento territorial esboçadas ao longo dos anos 90. Em seu ensaio, sugere que a abertura comercial e aumento de competitividade econômica colocam em xeque políticas que no passado foram utilizadas largamente como indutoras de desenvolvimento, tais como a proteção à indústria nascente e a concessão de subsídios e incentivos fiscais. Moto contínuo, propõe uma mudança de paradigma no planejamento de ações públicas, substituindo a referência em grandes regiões por iniciativas de abrangência sub-regional ou local, mais calibradas com base em diagnósticos mais precisos da situação e que têm um elenco de problemas mais homogêneo. Sua proposição apoia-se em cinco teses adotadas pelas agências internacionais de fomento ao desenvolvimento:

1. Participação na Gestão Pública Territorial como Busca de Eficiência

Esta tese, defendida pelo Banco Mundial e destacada pelo Grupo dos Sete, no encontro realizado em Lyon, em 1996, sustenta que a ausência de participação gera ações efêmeras e substituíveis por outros governos. Segundo o Banco Mundial, a ascensão da sociedade civil modifica os programas de assistência ao desenvolvimento;

2. Participação na Gestão Pública Territorial como Base de Governança

Também destacada pelo Banco Mundial, a good governance amplia o escopo da gestão territorial para os processos em que atores articulam interesses e exercitam direitos. O encontro do Grupo dos Sete, ocorrido em 1995, em Halifax (Canadá), vinculou a governança aos modelos de desenvolvimento participativo. A transparência

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administrativa e construção de consenso e previsibilidade nos programas de gestão conferem estabilidade nos processos de desenvolvimento;

3. Participação na Gestão Pública Territorial como Acumulação de Capital Social

O objetivo, no caso, é a construção de redes de colaboração para construção de soluções coletivas, apoiadas em relações interpessoais e sentimento de confiança mútua. Apoiados nos estudos de James Coleman e Robert Putnam, documentos elaborados pela OECD destacam a cooperação para o desenvolvimento, pressupõem a melhoria da capacidade de administração de políticas econômicas e sociais e a responsabilidade perante o público, o respeito aos direitos humanos e a sustentabilidade, componentes considerados básicos da cooperação internacional. Para tanto, sugerem a interação permanente de diferentes segmentos da sociedade civil e entre eles e as várias instâncias da administração pública, facilitando os processos de capacitação e de aprendizado coletivo, forjando consensos. Citam como exemplo desse arranjo institucional os conselhos econômicos e sociais regionais existentes na Espanha e os modelos de administração regional da França e Chile29 (MANSBRIDGE, 1995).

4. Participação na Gestão Pública Territorial e Competitividade Sistêmica

O conceito de competitividade sistêmica refere-se ao padrão em que o Estado e sociedade criam condições para o desenvolvimento (ALTENBERG, HILEBRAND e MEYER-STAMMER, 1997). Altenberg (1997), o autor citado como referência na formulação deste conceito, sugere quatro níveis de competitividade sistêmica: micro, englobando empresas e redes de empresas; meso, envolvendo instituições e

29 MANSBRIDGE, Jane. "Does Participation Make Better Citizens?, Disponível em<http://www.cpn.org/cpn/sections/new_citizenship/theory/mansbridge1.html>. Acesso em: 22 nov. 1998.

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instâncias políticas; macro, afetando as condições econômicas; e meta, envolvendo estruturas socioculturais e orientação econômica. O autor aponta, ainda, seis elementos de emergência de atores coletivos, capazes de dirimir conflitos regionais: 1. confiança; 2. orientação para resultados (busca de consenso); 3. tomada de decisão conjunta; 4. reciprocidade, ou consentimento de distribuição justa de custos; 5. aceitação dos direitos legítimos dos vários atores.

5. Participação na Gestão Pública Territorial na Formação de Identidades Regionais

A identidade regional, nesta concepção, forja-se a partir do sentimento compartilhado de pertinência a uma comunidade territorialmente localizada. Segundo Sergio Boisier, a planificação do desenvolvimento regional é atividade eminentemente societária, cuja responsabilidade articula Estado e comunidade regional polifacética (BOSIER, 1995). Tal identidade é construída historicamente, resultante de experiências políticas, sociais e culturais comuns, possibilitando a percepção de interesses coletivos. A consolidação dessa percepção, por sua vez, é fomentada pela prática contínua de discussão, formulação, implementação de ações e fiscalização de programas regionais. A identidade regional, ao contrário de formular normas particularistas, formata consensos básicos entre atores sociais na busca de um modelo de desenvolvimento.

As quatro últimas formulações se fundiram nos últimos anos e passaram a ser monitoradas por sistemas de avaliação internacionais. Este é o caso do Projeto URB-AL Tipo B, denominado Observatórios Locais de Democracia Participativa. Esta rede compõe o programa de cooperação descentralizada entre Europa e América Latina, tendo como instrumentos nove observatórios e a elaboração de indicadores de avaliação da qualidade das experiências participativas. Há, portanto, acúmulo internacional na elaboração de indicadores de avaliação de ações participativas em gestão pública. Sintetizo, a

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seguir, o marco conceitual e as ferramentas definidos pela OIDP (Observatório Internacional de Democracia Participativa)30.

Marco Conceitual

a) A avaliação é definida como processo e envolve a sistematização de informações e debate entre atores diversos inseridos nas práticas de gestão participativa;

b) Adota metodologias quantitativas, qualitativas e participativas;

c) Distingue distintos níveis e momentos técnicos de avaliação, em função do protagonista da avaliação e função no processo público participativo. Observa-se: dimensões relacionais, operativos, técnicos, políticos;

d) Cria-se um fórum de encontro e debate entre atores sociais para observação da avaliação em curso;

e) Define a avaliação de processos participativos com foco na observação da qualidade dos processos e instrumentos participativos;

f) Define critérios-guia para definição de ações, mecanismos e instrumentos de gestão participativa pública.

Este marco conceitual passa por ponderações técnicas que o OIDP sugere, a saber:

a) O risco de se desvirtuar da avaliação de objetivos da participação para avaliação que satisfazem os próprios indicadores eleitos;

30 Ver Guia Practica Evaluacion de Procesos Participativos. Documento de apoyo. Observatorios locales de democracia participativa. Fase de aplicación de indicadores. San Sebastian, novembro de 2006.

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b) Os processos de avaliação de práticas participativas caminham entre o conhecido e o desconhecido, justamente porque envolvem entornos institucionais, políticos e técnicos;.

Ferramentas de Avaliação de Gestão Pública Participativa

Como critérios de avaliação de processos participativos, o OIDP destaca:

1. Análise da Coordenação dos processos;

2. Análise do público que participa;

3. Análise sobre temas e pauta em negociação;

4. Análise do modo de participação;

5. Análise de resultados.

Sobre Análise da Coordenação dos Processos, sugere os seguintes critérios:

Grau de Consenso (acordo entre lideranças e formações sociais do território a respeito dos mecanismos de participação instalados, a partir da construção de sociogramas; aceitação e acordo estabelecido entre técnicos municipais relevantes)

Grau de Transversalidade (grau de implicação e envolvimento das distintas áreas políticas e técnicas nos processos participativos; identificação e avaliação de espaços transversais de planejamento e se são comunicativos ou apenas informativos)

Grau de iniciativa ou liderança (avaliar quais e como atuaram os atores diretamente envolvidos nos processos participativos; identificar a existência de responsáveis

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políticos que assumem os processos e mecanismos de participação; identificação do grupo promotor do processo e seu grau de pluralidade)

Grau de integração ao sistema institucional local (avaliação da interação com outros processos locais de formulação de políticas; avaliação do grau de aproveitamento e envolvimento de outras estruturas participativas já existentes na localidade)

Clareza de objetivos (identificar objetivos e clareza na sua formulação; analisar o grau de cumprimento dos objetivos planejados)

Planejamento e recursos (identificar planejamento do processo local; analisar o grau de cumprimento do planejamento elaborado; identifica orçamento alocado; identificar volume e qualidade dos recursos humanos e técnicos disponíveis ao processo).

Sobre análise de quem participa desses processos:

Quantidade de participantes (número de participantes sobre população de referência do território; porcentagem de atores organizados sobre total de referência; porcentagem de assistentes em relação aos participantes selecionados)

Diversidade (porcentagem de determinado coletivo ou grupo social em relação ao total de coletivos e grupos sociais existentes no território; índice de diversidade; perfil das organizações participantes; identificação entre atores e grupos relevantes; representatividade dos participantes).

Representatividade dos participantes (facilidade para o fluxo de informação entre representantes e representados; processo de eleição dos representantes; fidelidade do discurso dos representantes em função de sua origem; grau de abertura do

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processo, se em reuniões fechadas ou abertas; grau de abertura dos espaços de decisão, se seletivos ou universais).

Sobre análise sobre pauta:

Relevância (grau de identidade com a agenda política do governo local e das lideranças locais; valor subjetivo da cidadania; percentual de orçamento alocado a partir do processo participativo)

Capacidade de intervenção (competência de intervenção na matéria)

Sobre análise do modo de participação:

Diagnosis participativa

Capacidade de apresentação de propostas

Grau de participação (natureza, a partir da graduação de Arnstein: informação, comunicação, consulta, deliberação e decisão)

Qualidade da informação

Canais de comunicação

Pluralidade das informações

Clareza e utilidade da informação produzida

Métodos e técnicas de deliberação (identificar métodos e técnicas que promovam a justiça eqüitativa nos espaços deliberativos)

Possiblidades de uso da palavra (valor subjetivo dos participantes)

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Sobre análise dos resultados:

Resultados substantivos (identificar documento que indique resultados substantivos a partir do processo; valor subjetivo dos resultados pelos participantes)

Implementação de resultados (verificação da implementação de resultados tangíveis; identificar existência de revisão ou órgão de monitoramento e grau de pluralidade deste órgão)

Devolução de resultados (identificar processos de devolução de resultados; grau de melhoria nas relações entre atores; impacto do processo sobre relações e cultura política dos atores; impacto sobre relações entre administração local e cidadãos; grau de melhoria das relações internas, entre distintas áreas técnicas, entre políticos e técnicos, entre lideranças e técnicos etc)

Formação Política e Técnica (identificar programas de formação a partir dos processos; analisar objetivos e formato desses programas)

Valor subjetivo dos participantes sobre processos de formação técnica e política

Geração de Cultura Política Participativa (valoração subjetiva dos participantes).

Finalmente, podemos admitir, a despeito da carência de informações consistentes disponíveis, a fragilidade administrativa e política de muitas organizações locais, que são poucas as entidades que atualmente desenvolvem adequada e plenamente metodologias de avaliação efetivamente participativas e que uma “retórica participativa” possa ser mobilizada em detrimento de

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práticas participativas31. Uma ampla publicização dos contratos e atribuições torna-se um princípio ordenador, educativo e afirmativo, algo que envolve, muitas vezes com acentuado grau de detalhamento na disponibilidade de informações sobre as diferentes relações sociais e institucionais, tais como: contratos firmados entre o Estado e as agências prestadoras de serviços e as relações de trabalho no interior destas agências; as interações entre as agências e o público beneficiário etc.

Ou seja, a avaliação do sistema de ATER pública precisa incluir a produção de informações sobre os mecanismos de acesso da sociedade a essas informações contratuais, trabalhistas e econômicas. A ação de avaliação torna-se um instrumento para a quebra de eventuais “segredos contábeis” e mesmo alguns tabus que se antepõem à liberdade de acesso por parte da sociedade ao uso de recursos públicos aplicado no desenvolvimento social e comunitário. Neste sentido, as avaliações qualitativas e os

31 Ver, a respeito, o inventário de experiências nacionais de avaliação de resultados de ATER, realizada nos três últimos meses de 2006, no interior deste contrato de consultoria à ASBRAER e MDA. A conclusão final deste inventário é que as experiências são díspares, muitas vezes incongruentes entre si, e não raro empregam uma nomenclatura típica de metodologias participativas (como Diagnóstico Rápido Participativo) que, na prática, revelam-se quase nada coerentes com esta proposição conceitual. Há uma evidente lacuna nacional em relação ao debate e aprofundamento dos conceitos e metodologias de avaliação de resultados e, principalmente, de gestão, monitoramento e avaliação participativas de desenvolvimento de políticas públicas. Há, entretanto, exceções que merecem citação, com a desenvolvida recentemente pelo Ministério de Desenvolvimento Social (Ver VAITSMAN, Jeni; RODRIGUES, Roberto & PAES-SOUSA, Rômulo, O Sistema de Avaliação e Monitoramento das Políticas e Programas Sociais: a experiência do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Brasil. Brasília: UNESCO, 2006. Outra exceção importante é o trabalho da Irene Guijt, da Sustainable Agriculture and Rural Livelihoods Programme, da IIED, UK, colaboradora de Robert Chambers em várias publicações sobre Diagnóstico Rural Participativo, na publicação Participatory monitoring and impact assessment of sustainable agriculture initiatives (1998). A versão em português foi publicada em 1999, com o título Monitoramento participativo: conceitos e ferramentas práticas para agricultura sustentável. Rio de Janeiro: AS-PTA, 143 p. O projeto de pesquisa-ação que gerou a publicação foi realizado no Brasil com a colaboração de duas ONGs de ATER: CTA-ZM e AS-PTA de Paraíba.

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indicadores quantitativos poderão contemplar informações sobre a forma de acesso das comunidades, representantes e demais agentes aos contratos firmados tanto entre Estado e agências como entre as agências e seus profissionais.

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4. Quadro sintético dos princípios e critérios de referência para formulação de indicadores de avaliação de resultados de ações de ATER

PRINCÍPIOS

A formulação de indicadores de avaliação desta política pública deve, por conseguinte, apoiar-se nesta realidade múltipla e complexa de práticas extensionistas no país (gradiente entre práticas focadas em resultados quantitativos e de produção, práticas focadas em processos participativos; práticas focadas em resultados sustentáveis)A formulação de indicadores de avaliação de ações de ATER deve necessariamente se pautar por um processo de desenvolvimento que articule agronegócio e agricultura familiar. A modernização, neste caso, indica acesso a bens tecnológicos e mercados, melhoria da qualidade de vida, autonomia política e econômica, emancipação social, gestão pública compartilhada.A formulação de indicadores deve apoiar-se nos eixos da PNATER: o fomento ao desenvolvimento da agricultura familiar; a gestão participativa ou co-gestão da PNATER; a adoção do modelo agroecológico de desenvolvimento setorial; o desenvolvimento de territórios; o atendimento de segmentos vulneráveis; a efetivação da política nacional de segurança alimentar. A formulação de indicadores de avaliação de ações de ATER deve compreender estes eixos.

CRITÉRIOS

Fomento ao desenvolvimento da agricultura familiar (emancipação econômica e política das comunidades e famílias; aumento de renda e qualidade de vida – aplicação de índice de qualidade de vida IQV, aperfeiçoamento da produção de alimentos para consumo doméstico, formação técnica)Cultura e prática pública participativa ou de co-gestão (análise da coordenação dos processos, do público participantes, da pauta, dos modos de participação e dos resultados, papel e desempenho dos conselhos municipais de desenvolvimento rural sustentável e estruturas da aministração para monitoramento implementadas pela DATER-MDA)Sustentabilidade (sistemas e resultados de sustentabilidade ambiental e social)Desenvolvimento de territórios (incorporação de atores, elaboração de projetos de desenvolvimento includentes e grau de legitimidade e agregação das instituições locais, monitoramento de zoonoses, desenvolvimento do IDH, estrutura e manejo de microbacias )Inclusão e desenvolvimento emancipatório de segmentos sociais vulneráveisDesenvolvimento de política de segurança alimentarInserção e desenvolvimento de mercados (agregação de valor, relação com cadeias produtivas, identidade dos produtos – marca, certificações, diferenciação do produto no mercado, acesso a crédito, diversificação da comercialização, evolução do patrimônio produtivo coletivo). Acesso e publicização aos contratos de ATER (forma de acesso das comunidades e agentes sociais e entre agências e seus profissionais em relação aos contratos firmados no desenvolvimento de ATER).Indicadores de carreira e performance extensionista (mobilidade e rotatividade de pessoal, participação em cursos de formação complementar, estrutura física das agências, composição dos orçamentos e investimentos das agências, perfil de todas agências prestadoras de serviços de ATER, total de beneficiários atendidos, número de técnicos por família atendida, valores destinados a investimentos e custeio, estratos de valor dos contratos, regionalização nos valores financiados, distância entre sede das agências e comunidades atentidas)

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CATEGORIA INDICADOR INSTRUMENTOS E METODOLOGIASOrganização Social e Autonomia Comunitária

semestral

Participação em processos decisórios

Definição do processo de decisão do planejamento, execução e avaliação da entidade de ATER

Identificação da participação do grupo comunitário em cada uma das fases deste processo (item anterior):

a) % de representatividade em cada reunião ou momento deliberativo da ATER;

b) Capacidade de diagnóstico e identificação dos problemas nos ambientes sócio-econômicos e sócio-políticos e as possíveis causas desses problemas

c) Capacidade de identificar e analisar alternativas e estabelecer prioridades do grupo;

d) Apresentação de projetos e ações pela comunidade e grau de incorporação pela entidade de ATER;

e) Participação direta do grupo comunitário em atividades de planejamento, execução, e iniciativas de avaliação e monitoramento de resultados das ações de ATER

Inclusão e participação de grupos comunitários existentes

Levantamento dos grupos comunitários:a) Composição (sexo, idade, escolaridade e ocupação na família)b) Quantas famílias por grupo comunitário;c) Abrangência territorial;d) Tema ou demanda principal.

Registro da participação dos grupos existentes por base de atendimento de ATER em:

a) Reuniões e assembléias promovidas pela ATER;b) Representação do grupo no CMDRS;c) Participação do grupo em atividades de formação técnica promovidas

pela ATER;d) Demandas e projetos apresentados pelo grupo atendidos pelo serviço

de ATER;e) Avaliação qualitativa (grupos focais) da melhoria da qualidade de vida

(comparação no último semestre) Impacto dos processos participativos sobre o planejamento regional e territorial

Identificação de ações e instrumentos de planejamento do desenvolvimento regional e territorial (associações de municípios, órgãos de planejamento regional governamental ou não governamental, CMDRS, Conselhos Regionais de Desenvolvimento ou outros) Participação direta dos grupos comunitários nestas instâncias de planejamento territorial ou regional (% de participação em reuniões e

atividades e aumento de poder de reivindicação e influência sobre estas instâncias)Avaliação qualitativa (grupo focal) das lideranças dos grupos comunitários que participam de ações e instrumentos de planejamento de desenvolvimento regional e territorial

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CATEGORIA INDICADOR INSTRUMENTOS E METODOLOGIASRenda Familiar

Semestral

Lucro líquido e diversidade produtiva (monetário e não monetário)

ANUAL

Levantamento da produção agropecuária do estabelecimento rural e das receitas e despesas; da renda não monetária da mão-de-obra familiar não-remunerada na unidade de produção; da produção destinada ao auto-consumo; e do trabalho familiar dentro e fora da propriedade.Registro: tabelas e perguntas fechadas sobre atividades produtivas no último ano agrícola (veja tabelas em anexo).

Acesso a programas de transferência de renda

ANUAL

Levantamento da disponibilidade de programas de transferência de renda no município;Registro: tabela de existência dos programas Bolsa Família, PRONAF, Compra Direta, Luz para Todos, outros.Levantamento da participação das famílias nos programas;Registro: tabelas (1) - freqüência de famílias que participaram de cada programa no último ano agrícola; (2) - valor monetário médio por programa, por família no último ano agrícola.

Aposentadoria e pensão sobre a renda familiar

ANUAL

Estas questões já constam da tabela 1 do anexo.

Levantamento de renda familiar de aposentadoria e pensão no último ano agrícola;Registro: tabela:- Renda resultante da(s) aposentadoria(s) de membro(s) da família ___.- Renda resultante da pensão de membro(s) da família ___.

CATEGORIA INDICADOR INSTRUMENTOS E METODOLOGIAS

Página 79

Concepção Pedagógica

(semestral)

QUANTITATIVO E GRUPO FOCAL

Produção e tipo de material de registro de saberes técnicos e comunitários

Instrumento: tabela de registroConteúdo da tabela: periodicidade (quantidade de registros por ano); abrangência territorial do registro (experiência da família, do grupo comunitário, do território, da região, do Estado); linguagem (acessível, de difícil interpretação); público-alvo do registro (a quem se destinou e para quem foi distribuído o registro); temas centrais do registro (3 palavras-chave)

Produção e tipo (cartilhas, vídeos, álbum seriado etc) de material didático e divulgação (definição de conteúdos)

Instrumento: tabela de registroConteúdo da tabela: periodicidade (quantidade de registros por ano); abrangência territorial do registro (experiência da família, do grupo comunitário, do território, da região, do Estado); linguagem (acessível, de difícil interpretação); público-alvo do registro (a quem se destinou e para quem foi distribuído o registro); temas centrais do registro (3 palavras-chave)

Grau de satisfação de atendimento das famílias e comunidades assistidas

Instrumento: Tabela Gradiente (por família)

VER TABELA ABAIXO

TABELA GRAU DE SATISFAÇÃO DA FAMÍLIA E COMUNIDADE ATENDIDAAvaliação Sintética MUITO BOM

(Serviço atendeu as demandas da família/grupo comunitário e

obteve resultados positivos)

SATISFATÓRIO(Serviço atendeu parcialmente

as demandas, os resultados foram parciais e o atendimento

foi pouco agradável)

INSATISFATÓRIO(Serviço agressivo ou

autoritário, poucos resultados obtidos, não ouviu as demandas

da família)Descrição dos Resultados Obtidos

Página 80

CATEGORIA INDICADOR INSTRUMENTOS E METODOLOGIASQuadro Profissional

Semestral

Tipos de contrato de trabalho com o agente

Registro do Contrato de Pessoal da entidade de ATER:a) Jornada de trabalho semanal por profissional (integral, parcial);b) Concursado ou contratação por prestação de serviço;c) Número de profissionais com atuação exclusiva ou em concomitância.

Qualificação profissional dos técnicos envolvidos (gestão de competências e habilidades técnicas e gerenciais)

Formulário com descrição de habilidades e competências do pessoal da entidade de ATER:Número de profissionais com formação nas áreas técnico-produtivas (técnico agrícolas, agrônomos, veterinários, zootecnistas, etc) e nas áreas sócio-econômica (assistentes sociais, educadores, sociólogos, psicólogos, advogados, etc.); técnicos de nível médio com formação administrativa.

Composição técnica e administrativa do pessoal de ATER local

Formulário de coleta de dados junto à entidade de ATER:a) Número de técnicos da área administrativa e grau de formação ou especialização profissional;b) Número de técnicos (por família atendida) de atendimento direto e grau de formação ou

especialização profissional;c) Número de diretores, técnicos em secretaria e administração, técnicos especialistas/chefia de

equipes; técnicos de campo.Uso do tempo nas ações de ATER (ações administrativas, formativas, de atendimento às famílias e atendimento às famílias e grupo comunitário, de planejamento)

Tabela de Registro de Horas dedicadas a cada ação por semana (na semana anterior à pesquisa):a) atividades administrativas (registros, preenchimento de formulários etc)b) Atividades formativas: cursos, seminários e similares;c) Atendimento direto (número de famílias atendidas e número médio de horas por famílias na

semana anterior);d) Atividades de Planejamento;e) Atividades de avaliação e monitoramento de ações;f) Atividades Institucionais (representação institucional em eventos, participação em encontros e

programações sociais ou político-institucionais)

Carreira (mobilidade, incentivos)

Tabela por técnico:a) Promoções de função ou cargo;b) Faixa salarial (1 SM; de 2 a 3 SM; de 4 a 5 SM; acima de 5 SM);c) Breve descrição do plano de cargos e salários da entidade;d) Incentivo à formação;e) Existência de programa de formação em serviço;f) Tipos de premiação existentes;

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g) Salários indiretos ou benefícios.Na sua atividade como extensionista você está:

INDICADOR PLENAMENTE SATISFEITO

SATISFEITO SATISFEITO EM PARTE

INSATISFEITO

SalárioDesenvolvimento do seu desempenho (resultados obtidos frente à demanda das famílias)Metodologia de atendimento desenvolvidaRecursos pedagógicos e de apoio técnicoRede de apoios institucionais e comunicação interna

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CATEGORIA INDICADOR INSTRUMENTOS E METODOLOGIAQualidade de Vida e Segurança Alimentar

Semestral

Formas de Socialização Relacionar e identificar grau de socialização e inserção social a partir de: relacionamento com vizinhos, formas de compadrio, participação em mutirões, grupos de vizinhança, troca de dias, cursos de capacitação/treinamento lazer: participação em jogos, times esportivos, festas, bailes, quermesses, reuniões de Igreja, atividades associativas.

Infra-estrutura de bem-estar social e saneamento

Levantamento da composição de famíliaRegistro: tabela por sexo, idade.Levantamento da condição habitacional das famíliasRegistro: tabela - número médio de cômodos da casa, número médio de quartos da casa; densidade de pessoas por dormitório.Levantamento de infra-estrutura física e social na comunidade rural;Registro: Inventário por comunidade rural da disponibilidade de eletricidade, telefone, transporte (estradas de chão, asfalto), irrigação; escola(s), posto de saúde, mercado.Levantamento de famílias que dispõem de iluminação elétrica em casa;Registro: tabela da percentual de famílias que dispõem de iluminação-eletricidade em casa.Levantamento de famílias que dispõem de eletro-domésticos em casa;Registro: tabela - percentual de famílias que têm geladeira, fogão elétrico, freezer,

Página 83

chuveiro elétrico, ferro elétrico, liquidificador, televisão, radio, maquina de lavar, freezer, aparelho se som.Levantamento das condições de saneamento das famílias (rede de esgoto ou fossa - tipo: negra ou séptica?)Registro: tabela - percentual do destino dos dejetos humanos, destino do lixo, origem da água;

Diversificação e adequação da dieta alimentar (hortas, criações, pomares caseiros e comunitários e produção para auto-sustento)

Levantamento de hortas e pomares caseiros;Registro: tabela (1) - do número, tipo e produção estimada em kg de verduras e legumes plantados nos últimos 12 meses; tabela (2) - destino da produção: percentual para auto-consumo familiar.Levantamento de pomares caseiros;Registro: tabela (1) - número, tipo e produção estimada em kg de cada tipo de fruta nos últimos 12 meses; tabela (2) - destino da produção: percentual para auto-consumo familiar.Levantamento de criaçõesRegistro: tabela do número de cabeças de vaca, suíno, frangos; tabela do destino da produção (percentual de auto-consumo familiar) bovina (carne, leite), suína, avícola (carne, ovos).Levantamento de tipos de alimentos;Registro: tabela da freqüência de consumo dos principais alimentos pelas famílias, por categoria de alimento - cereais e derivados, feijão, carnes, leite de vaca, frutas e sucos naturais, verduras e legumes, óleo e gorduras vegetais.

Página 84

Observação: veja tabelas em anexo referentes ao indicador renda líquida

Distribuição das despesas de consumo Levantamento das despesas das famílias;Registro: gráfico da distribuição das despesas de consumo por tipo de despesa: habitação, alimentação, saúde, educação, transporte, vestuário, recreação e cultura, fumo, outros.

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Anexo: Instrumentos para categoria Renda Familiar, indicador lucro líquido (monetário e não-monetário)

1. TRABALHO FAMILIAR FORA DA PROPRIEDADE NO ÚLTIMO ANO AGRÍCOLA

Especificação Tipo de Trabalho Dias trabalhados Valor recebido (R$)

Proprietário ______________________ __ __ __ __ __ __ __ __ __

Esposa ______________________ __ __ __ __ __ __ __ __ __

Filhos(as) ______________________ __ __ __ __ __ __ __ __ __

1.1. Renda do Trabalho Fora da Propriedade (anual): R$ ___ ___ ___ ___ ___, ___ 1.2. Existe alguma pessoa aposentada na família (residente)? (sim = 1, não = 2) ___

1.3. Se sim, quem? ___

1. Proprietário2. Esposa do proprietário3. Proprietário + esposa4. Outros: (especificar) ___________________________________________ ___ ___

1.4.Renda resultante desta(s) aposentadoria (s): R$___ ___ ___, ___

1.5. Outros recebimentos (aluguéis de casa, juros de empréstimos, heranças, etc): R$ ___ ___ ___ ___ ___, ___

2.DESPESAS GERAIS DA PROPRIEDADE

2.1. Imposto territorial rural ___ ___ ___, ___

2.2. Gasto com energia elétrica ___ ___ ___, ___

2.3. Gasto com Combustível e lubrificantes ___ ___ ___, ___

2.4. Imposto sindical ___ ___ ___, ___

2.5. Obrigações sociais (INSS, FGTS, etc) ___ ___ ___,___

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2.6. Pagamentos de juros, financiamentos ____________________________________________________ ___ ___ ___, ___

2.7. ______________________________________________________ ___ ___ ___, ___

3. Produção Pecuária, Ano Agrícola____

3.1. Animais de trabalho e produção

Categoria animal UnidadeQuantidade

Bovinos Cab __ __2. Caprinos corte Cab __ __3. Caprinos leite Cab __ __4. Ovino Cab __ __5. Suínos Cab __ __6. Eqüinos, muares e asininos Cab __ __7. Aves Cab __ __8. Outro: ________________________________ _______ __ __ __

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3.2. Receita da Produção Pecuária (ano).

Página 88

Especificação Uni.Quantidade Preço unitário

(R$)Vendida Consumida

1. Produção de leite (vaca) Lt __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ ,__ __

2. Produção de leite de cabra Lt __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ ,__ __

3. Bovinos Cab __ __ XXXXXX __ __ __ __

4. Caprinos Cab __ __ __ __ __ __ __ __

5. Ovinos Cab __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

4. Suínos @ __ __ __ __ __ __ __ __, __

5. Aves Cab __ __ __ __ __ __ __ ,__ __

6. Ovos Dz. __ __ __ __ __ __ __ ,__ __

7. Eqüinos Cab __ __ XXXXXX __ __ __ __

8. Piscicultura kg __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

Página 89

9. Outro: _________________ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

3.2.1 Outras Receitas Pecuárias: R$___ ___ ___ ___, ___

Página 90

3.3. Despesas com produção pecuária anual (R$)

3.3.1. Despesas com Bovinos, suínos, aves, caprinos e eqüinos. (R$)

Especificação Bovinos Suínos Aves Caprinos Equinos

1. Milho __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

2. Rações e ou concentrados __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

3. Sal mineral __ __ __ __ __ __ __ __ XXXXX __ __ __ __ __ __ __ __

4. Concentrado mineral __ __ __ __ __ __ __ __ XXXXX __ __ __ __ __ __ __ __

5. Vacinas __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

6. Remédios __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

7. Mão-de-obra (manejo) __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

8. Serviço animal __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

9. Serviço máquina __ __ __ __ __ __ __ __ XXXXX __ __ __ __ __ __ __ __

10. Combustível __ __ __ __ __ __ __ __ XXXXX __ __ __ __ __ __ __ __

11. Energia elétrica __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

12. Conservação de pastagem__ __ __ __ XXX XXX __ __ __ __

__ __ __ __

13. Silagem __ __ __ __ XXX XXX __ __ __ __

__ __ __ __

14. Feno __ __ __ __ XXX XXX __ __ __ __

__ __ __ __

15. Outras despesas __________ __ __ ____ __ __ __

__ __ __ __

__ __ __ __

__ __ __ __

Página 91

4. Área, Produção Agrícola e Receita

Cultura Área (ha) Produção (indicar o unidade) Destino da Produção

Total

(1+2+3+4)

Conta própria

(1)

Dada em parceira

(2)

Recebida em

parceria

(3)

Em consórcio

(4)

Total

(1+2+3)

Da área conta

própria

(1)

Da área dada em parceria

(2)

Da área recebida

em parceria

(3)

Autoconsumo

Quantidade.

Venda

Quanti-dade

Preço Unitário

Preço Total

1.

2.

3.

4.

5.

6.

7.

8.

9.

10.

11.

Página 92

5. Outras receitas e despesas da propriedade:

Especificação Unid. Quantidade Valor Total receitas(R$)

Valor Total Despesa(R$)

1. Produção de aguardente Lt __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

2. Produção de queijos Kg __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

3. Produção de manteiga Kg __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

4. Produção de doces e pães Kg __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

5. Artesanatos R$ XX XX XX __ __ __ __ __ __ __ __

6. _______________________ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

7. _______________________ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

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5.1 – Despesas da propriedade

Despesa do entrevistado

produtor Unidade

Quantidade

Preço

unitário

Despesas paga

pela outra

parte da

parceria

Da

Própria

propriedad

e Comprada

1. Muda / semente Kg __ __ __ __ __ __ __ __,__ __ __ __ __2. Corretivos (calcário) Tn XXX __ __ __ __ __,__ __ __ __ __3. Adubo químico Kg XXX __ __ __ __ __,__ __ __ __ __4. Adubo orgânico Tn __ __ __ __ __ __ __ __,__ __ __ __ __5. Inseticida lt/kg XXX __ __ __ __ __ , __ __ __ __ __6. Herbicida Lt XXX __ __ __ __ __,__ __ __ __ __7. Serviço animal da __ __ __ __ __ __ __ __ ,__ __ __ __ __8. Serviço de máquinas ht __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __9. Mão-de-obra homem dh __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __10. Mão-de-obra mulher dm __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __11. Mão-de-obra criança dc __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __

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ANEXO

AVALIAÇÃO OP-SP 2004

I RELATÓRIO EXECUTIVO

Maria de Fátima Andrade

Rudá Ricci

Thiago Camargo

Coordenadoria do Orçamento Participativo de São Paulo (COP)

Março de 2004

INSTITUTO CULTIVA

Índice

1. Marco Referencial da Avaliação______________________________________________________3

1. Fase de Legitimação_______________________________________________________________________3

2. Fase de Efetividade_______________________________________________________________________3

3. Fase de Institucionalização da nova cultura política______________________________________________3

2. Sobre o Ciclo Temático_______________________________________________________________3

3. Sobre o CONOP____________________________________________________________________________3

4. Análise e Recomendações Técnicas__________________________________________________3

4.1 Impacto sobre a lógica administrativa_______________________________________________________3

4.2 Representatividade e dinâmica das plenárias__________________________________________________3

4.3 Síntese dos Registros sobre o Ciclo Temático_________________________________________________3

4.4 Recomendações Técnicas________________________________________________________________3

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1. Marco Referencial da AvaliaçãoEste documento apresenta a primeira avaliação produzida pela assessoria à Coordenadoria do Orçamento

Participativo de São Paulo (COP) a respeito das ações desenvolvidas no primeiro trimestre de 2004 para

discussão de demandas e diretrizes, eleição e composição do Conselho do Orçamento Participativo

(CONOP) do município, objetivando apresentar a proposta orçamentária para 2005 a ser apreciada e

votada pela Câmara Municipal.

A avaliação apresentada pautou-se pela análise de dois objetivos prioritários perseguidos pelo COP, a saber:

a) A capacidade de a estrutura estatal municipal implementar uma ação pedagógica que propicie a superação do envolvimento tradicional e instrumental da sociedade civil para com as agências formuladoras e executoras do orçamento;

b) A capacidade de a estrutura estatal municipal romper com sua prática fragmentada e setorializada, incorporando a lógica social à lógica administrativo-burocrática.

O último objetivo é revestido de grande complexidade em virtude dos diversos centros decisórios no que tange ao planejamento das ações das agências estatais. Está, ainda, diretamente vinculado à implementação e efetivação das demandas apresentadas no ciclo de plenárias e na organização de demandas apresentadas pelo CONOP no ano passado. A análise da assessoria, contudo, esteve concentrada nas iniciativas do ciclo inicial de plenárias e reuniões governamentais ocorridas em 2004, não avaliando a efetividade do orçamento municipal montado durante todo o ciclo do OP ocorrido em 2003.

A partir dos objetivos descritos, a assessoria definiu os indicadores que seriam utilizados na coleta de dados do ciclo 2004 (janeiro/março), operando sobre informações quantitativas e qualitativas. A proposta inicial apresentada à COP está descrita na tabela abaixo:

Tabela 01 - Indicadores de avaliação do OP-2004 e método de coleta de dadosIndicador Método de coleta

Capacidade de articulação política dos conselheiros Entrevistas qualitativasCapacidade do CONOP em formular estratégias integradas de desenvolvimento municipal

Registros, entrevistas e observação técnica

Participação em plenárias RegistrosDelegados por distrito/subprefeituras RegistrosGrau de pluralidade política e social no CONOP RegistrosIniciativa de comunicação e prestação de contas do Conselho junto à sua base de representação

Registros, entrevistas e observação técnica

Integração governamental (execução, acompanhamento e elaboração)

Observação técnica (GT)

Grau de articulação das agências estatais municipais na elaboração e condução do orçamento e diretrizes

Observação técnica (GT)

Perfil das obras eleitas (por subprefeitura) e relação com diretrizes de políticas urbanas e sociais

Registros

Neste primeiro trimestre de 2004, privilegiou-se o acompanhamento do Ciclo Temático, que objetiva discutir as diretrizes e políticas gerais para o município. Para tanto, as plenárias que compõem o ciclo foram organizadas para tratar de dois conjuntos de políticas públicas: a) as políticas urbanas (compreendendo habitação, infra-estrutura, obras e meio ambiente); e b) as políticas sociais (que compreendem abastecimento, cultura, educação, esporte/lazer, assistência social, saúde, segurança urbana e geração de renda/trabalho).

Desde o início, a equipe técnica do COP apresentava um forte interesse em qualificar esse ciclo, procurando estabelecer uma ação pedagógica que estimulasse a população que aflui às plenárias a pensar as estratégias gerais de desenvolvimento do município e dos territórios que compõem a sua malha social. A percepção dos técnicos é que o Ciclo Territorial, composto pela apresentação de demandas para investimento,

97

apresenta-se como mais sedutor à participação, porque revestido de concretude para a vida cotidiana. Entretanto, a limitação do OP ao seu Ciclo Territorial é compreendida como restritiva ao empoderamento social no município. Em outras palavras, a apresentação de demandas por obras e outros investimentos rompe com as práticas burocráticas do Estado, enquanto metodologia de montagem da peça orçamentária, mas não apresenta a mesma radicalidade no que tange à ruptura com vínculos clientelistas.

Assim, a apresentação de demandas para investimento territorial e o acompanhamento, pelo CONOP, da sua apreciação pela Câmara Municipal e sua implementação no ano seguinte seriam elementos a serem explorados para construção de um processo de emancipação (ou de empoderamento social) da população municipal. Sua complementação, acreditam os técnicos da COP, pode emergir das ações desencadeadas pelo ciclo de plenárias temáticas, no qual diretrizes gerais impelem os cidadãos a diagnosticarem seus territórios e produzirem uma leitura estratégica sobre seu desenvolvimento e perfil desejado. As demandas por obras poderiam se organizar a partir dessa leitura estratégica mais geral do desenvolvimento dos territórios e do município.

Contudo, como será possível perceber adiante, essa intenção política ainda está longe de se efetivar.

O Ciclo Temático se articulou ao redor das 31 subprefeituras e elegeu delegados (próprios deste ciclo) até 06 de março. Esse ciclo estará concluído em abril. Ainda em março teve início o Ciclo Territorial, que se completa em 25 de julho.

A metodologia de coleta de dados para análise desse primeiro momento do Ciclo Temático foi organizada

a partir de quatro blocos de dados gerenciais, a saber:

a) Dados referentes à capacidade de mobilização do Ciclo Temático (participantes das plenárias, por território);

b) Dados referentes à capacidade organizativa/pedagógica do Ciclo Temático(protagonismo da COP e instâncias de governo municipal na organização econdução das plenárias; relações políticas estabelecidas com população ouorganizações sociais territoriais a partir das plenárias; vínculosestabelecidos entre participantes; qualidade das demandas e conclusões das plenárias a partir das expectativas e objetivos expressos da COP para 2004);

c) Análise da dinâmica social e política das plenárias (identificação de agrupamentosexistentes no interior das plenárias; conflitos, impasses e insuficiências percebidas em cada plenária);

d) Impacto do ciclo sobre dinâmica e processo decisório de governo.Em relação ao último tópico, para esta assessoria a fonte exclusiva de informações

passou a ser o acompanhamento do Grupo de Trabalho, montado a partir da COP, que conta com a participação de representantes de diversas secretarias e coordenadorias do governo municipal, tendo como objetivo acompanhar e articular as ações governamentais a partir da dinâmica do orçamento participativo.

A definição da metodologia e de todo o processo de coleta de dados contou com a participação direta da equipe técnica da COP.

A assessoria de avaliação do OP-SP 2004 adotou um referencial de análise a partir dos objetivos e expectativas expressas pela COP. Procurou, assim, estabelecer um gradiente de análise sobre o desenvolvimento do OP-2004 a partir dos objetivos perseguidos por essa ação pública. Trata-se, portanto, de uma tipologia, uma sugestão de interpretação das etapas a serem desenvolvidas. A intenção é criar parâmetros de análise que possibilitem, inclusive, a construção de cenários do processo de desenvolvimento do OP-SP.

A montagem de cenários, como se sabe, é composta por variáveis (componentes da construção das tendências sócio-políticas) e indicadores (que aferem o deslocamento das variáveis em determinada conjuntura ou período de análise).

A tipologia de desenvolvimento do OP-SP que apresentamos a seguir apresenta-se como um instrumento de construção de cenários e controle das tendências verificadas na dinâmica do orçamento participativo. Poderá, assim, constituir-se num instrumento de planejamento da COP. Para os fins da avaliação da dinâmica do OP, apresenta-se como parâmetro de interpretação e será empregado no último capítulo deste documento, dedicado à análise e às recomendações técnicas.

98

Foram adotadas como ponto de partida as idéias-força contidas no documento “Proposta de organização e funcionamento do Orçamento Participativo de 2004/2005”, de onde emergem os objetivos expressos do OP no período em questão:

I. Maximizar as diretrizes da atual administração, de incentivo à participação cidadã e da descentralização;

II. Potencializar a participação das comunidades e grupos locais em todas as regiões da cidade;

III. Incrementar a inclusão dos segmentos sociais já contemplados no processo de 2003/2004, bem como a discussão de vários aspectos da cidade em sua totalidade.

IV. Tais objetivos sugerem a seguinte expectativa de desenvolvimento da OP-SP:

Fase de Legitimação

Trata-se de uma fase inicial que pressupõe a legitimação da dinâmica do OP como processo decisório de governo e como locus de apresentação de demandas sociais e deliberação participativa das ações do governo municipal.

Assim, nessa etapa procura-se a legitimação no interior do governo, o reconhecimento do governo e a incorporação do OP na dinâmica gerencial das secretarias e instâncias da gestão municipal, assim como se busca a legitimação externa ou social, revelada pela capacidade de mobilização social e representatividade territorial dos delegados e conselheiros do OP.

Em princípio, essa fase exige grande capacidade de convencimento e mobilização do órgão dirigente do OP, no caso, a COP. Na agenda dos componentes da COP transparece tal esforço, procurando estabelecer um diálogo permanente com as diversas instâncias governamentais, estabelecer alianças internas que apoiem seus objetivos, além de procurar construir uma estrutura organizacional e material que garanta autonomia e mobilidade. A mesma intensidade de convencimento é percebida nas conversas, reuniões e presença da equipe da COP junto a movimentos sociais organizados, entidades de representação social e eventos territoriais, procurando mobilizar a população local.

Dada a magnitude desse esforço político, nessa fase o risco da fragmentação e dispersão da equipe técnica é evidente.

Fase de Efetividade

Consolidada a legitimação interna e externa, provocando o início do envolvimento político das instâncias de governo na dinâmica do OP e o enraizamento desse sistema decisório e participativo na malha territorial do município, surgem novos objetivos visando à consolidação do processo de descentralização administrativa, aumento da participação das comunidades no processo de gestão, garantir a inclusão de segmentos sociais já participantes do processo de OP em sua fase inicial e propiciar a discussão do desenvolvimento do município em sua totalidade.

É possível destacar três objetivos que definem essa etapa de efetividade da dinâmica do OP:

a) Construção de programas e práticas intersetoriais, envolvendo as diversas instâncias de governo na formulação de projetos de desenvolvimento de territórios, cujo foco não é mais a própria lógica da área ou secretaria, mas a demanda e estratégias comunitárias ou territoriais;

b) Criação de um sistema de comunicação social e de planejamento que envolva e integre comunidades de diversos territórios e instâncias governamentais;

c) Criação de práticas de empoderamento social (estruturas estatais participativas, descentralizadas, articuladas em rede, de elaboração e gestão de políticas públicas), que se articulam ao redor de um sistema municipal de governança social.

Os três objetivos criam as bases de uma nova institucionalidade pública e têm como eixo a integração da sociedade civil e governo municipal na construção de negociações e gestão de políticas públicas.

99

Fase de Institucionalização da nova cultura política

Criadas as bases da nova institucionalidade pública, trata-se de consolidar (ou internalizar) uma nova cultura política que sustente a sua estabilidade. No caso, a dinâmica do OP sustentaria a superação da estrutura burocrática de organização estatal por um outro sistema de gestão, de natureza híbrida (instâncias estatais em que agentes de governo e sociedade civil estariam assentados para gerenciar as políticas públicas). Essa nova institucionalidade rompe com a separação clássica moderna entre sociedade civil e Estado. Faz parte dessa possibilidade a construção de sistemas de monitoramento participativo, com base territorial e articulados em rede, da execução das políticas públicas decididas anteriormente. É nesse momento que é possível vislumbrar a superação da cultura corporativa/localista (apoiada nas demandas difusas de cada território por construção de equipamentos e obras) para a elaboração estratégica de desenvolvimento do município a partir da identificação das intenções políticas de desenvolvimento de cada território.

Como será possível perceber ao longo deste relatório, o Ciclo Temático do OP-2004 sugere localizar o atual estágio do desenvolvimento das práticas de orçamento participativo em São Paulo como de transição entre a fase de legitimação e a fase de efetividade.

Em outras palavras, a equipe da COP ainda procura legitimar-se – e legitimar a dinâmica do OP como metodologia de gestão municipal – junto a algumas secretarias e instâncias de governo, assim como em algumas regiões do município. Este parece ser o maior desafio do momento.

Simultaneamente, inicia tentativas de construção de ações pedagógicas que estimulem a população local que participa das plenárias a articular suas demandas a partir da compreensão das estratégias de desenvolvimento do seu território e do município. A intenção é superar o localismo e o corporativismo arraigados na cultura política dos territórios.

O relatório da pesquisa “Associativismo em São Paulo”, elaborado por Leonardo Avritzer, Marisol Recamán e Gustavo Venturi (setembro de 2003) revela a persistência desses traços culturais na população paulistana: as práticas associativas são predominantemente religiosas, com presença marcante de demandas articuladas ao redor da moradia, saúde e defesa dos trabalhadores. Seus membros são, em sua maioria, mulheres de baixa renda, desfiliados sociais e a forma de atuação é predominantemente informal (94% dos participantes são voluntários). Dos paulistanos que participam com grande freqüência de agrupamentos ou instituições, 48% afirmam que não participam das principais decisões das mesmas. Quanto menor a escolaridade do participante, menos ele se sente participante da tomada de decisões. Quando questionados se a participação trouxe alguma mudança nas suas práticas e valores cotidianos, a maioria das respostas indicou a melhora da relação com o outro, a solidariedade e o amor ao próximo, além de benefícios espirituais. O aprendizado político não supera 5% das respostas (sendo mais destacado pelos homens com ensino superior).

Assim, os dados dessa pesquisa revelam uma cultura peculiar da grande massa dos paulistanos envolvidos com práticas associativas. Pode-se sugerir uma cultura híbrida (racional e tradicional), com fortes traços religiosos e místicos. Pode-se, ainda, aventar um certo paralelo com o que Moacir Palmeira denominou de “adesão” nas culturas políticas de comunidades rurais. Para esse autor32, a luta por direitos trabalhistas e de sobrevivência nem sempre se expressa nos mesmos contornos ideológicos que a luta política. Isto porque a cultura política dos grotões mantém uma leitura de natureza patrimonialista: os moradores dividem-se em dois ou mais grupos políticos, aderindo a este ou aquele agrupamento. Após a derrota, a ética política dominante nas comunidades rurais impede que o morador vinculado ao grupo derrotado altere sua adesão ao grupo vitorioso. Somente no próximo pleito poderá redefinir sua adesão. Percebe-se, portanto, um sofisticado código político nessas práticas comunitárias ou populares, ainda pouco explorada nos estudos sobre associativismo em megametrópolis.

As atenções da COP para iniciar a construção das ações pedagógicas para superação do localismo concentraram-se na sistematização e valorização das plenárias do Ciclo Temático, procurando qualificar as demandas apresentadas nas plenárias do Ciclo Territorial.

32 Ver PALMEIRA, Moacir & GOLDMAN, Marcio (orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1996. Ver, em especial, o capítulo “Política, facções e voto”, páginas 41 a 56.

100

Também há uma certa atenção, embora em menor proporção, em relação à política de comunicação social e interna, procurando disseminar e valorizar as experiências participativas e as práticas de gestão disseminadas pelo OP.

No próximo capítulo é analisada a engenharia do OP, destacando-se as plenárias do Ciclo Temático ocorridas até o final da primeira semana de março, a partir dos parâmetros apresentados neste primeiro capítulo.

2. Sobre o Ciclo Temático

Este ciclo, como já comentado anteriormente, apresenta uma dificuldade adicional para sedução da população dos territórios que é a sua alta abstração, ou ausência de concretude para a vida cotidiana, ao contrário do ciclo territorial, no qual as demandas são objetivadas em obras e investimentos públicos.

A equipe da COP procura politizar e vincular o ciclo territorial às reflexões mais gerais do ciclo temático. Daí o início de todo processo de OP por este ciclo. Entretanto, a desvinculação de um ciclo de outro aumenta o grau de abstração do ciclo temático. As demandas por obras (ciclo territorial) ocorrem a partir da percepção das carências do território em que uma dada comunidade se relaciona, dificilmente assumindo um olhar estratégico, por se caracterizar por um olhar auto-referente. É da sua natureza, portanto, a comparação com outros bairros e a identificação da comunidade pelo sentimento de exclusão, injustiça ou necessidade imediata.

Uma hipótese plausível para a vinculação entre os dois ciclos seria a fusão dos dois, através da qual o governo assumiria um discurso didático, apresentando sua proposta de articulação entre a leitura estratégica e de desenvolvimento dos bairros (apoiado por um diagnóstico que apresentasse indicadores de fácil manuseio) com as propostas de investimento e plano de obras.

Uma segunda hipótese seria um amplo programa de formação da cidadania, esforço que deveria se espalhar por todos territórios articulados pelas subprefeituras, procurando aprofundar a noção de construção de estratégias de desenvolvimento territorial e gestão pública. Pela magnitude do esforço, necessitaria apoiar-se num programa em larga escala sustentado por uma rede de entidades e instituições de formação (universidades, centros de formação, ONG’s , entre outras).

Uma terceira possibilidade é a forma implementada pela prefeitura de Barcelona durante o período em que sediou as Olimpíadas. O governo municipal organizou uma campanha municipal em que os cidadãos (a partir de suas organizações de bairro ou de representação social) eram convidados a discutir a cidade que gostariam de apresentar ao mundo. O prefeito e vice-prefeito na época denominavam esse processo de construção de um projeto utópico de cidade, motivado pelas Olimpíadas. Campanhas complementares, como a premiação da melhor restauração privada no centro histórico de Barcelona, criação da “marca da cidade” (cores, desenhos, slogan) deram os contornos finais do processo. Enfim, o exemplo de Barcelona sugere que, sem o estímulo de um projeto de utopia para os territórios e para a cidade, torna-se difícil a articulação entre as obras necessárias para se viver e o projeto de cidade e território que se almeja.

3. Sobre o CONOPEm relação à estrutura do conselho do orçamento participativo, instituiu-se uma

novidade importante: a criação de 31 CONOP’s regionais, vinculados a cada subprefeitura. Além da tarefa de divulgação, tais conselhos regionalizados passam a controlar a execução do orçamento de 2004 e a auxiliar na organização das plenárias.

Trata-se, portanto, de uma iniciativa inusitada que procura, de um lado, aumentar a legitimidade da estrutura do CONOP, por se articular com a estrutura gerencial das subprefeituras e, de outro, aumentar o empoderamento social sobre o território. Esta iniciativa parece mais adequada aos objetivos de politização dos territórios (superando a mera apresentação de demandas por obras) que o ciclo temático, pois sugere uma elaboração intersetorial do território, diretamente articulada à gestão cotidiana dos territórios. Assim, os CONOP’s regionais assumem uma dinâmica similar ao que ocorre nos mecanismos de seletividade de demandas sociais dos organismos de gestão pública tradicional: recebem demandas conjunturais e processam sua articulação para construção de um projeto de ação pública. É uma experiência conceitualmente superior e politicamente mais sofisticada que o Ciclo Temático, este mais abstrato e teórico para os cidadãos menos experientes.

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Os CONOP’s regionais, contudo, apresentam um risco político. Os conselhos setoriais da cidade procuraram, no último ano, construir suas estruturas descentralizadas. Este é o caso do Conselho de Saúde, que se inseriu nas Coordenadorias de Saúde das subprefeituras. Alguns conselhos de segmentos sociais específicos (idosos, criança e adolescente) estudam a possibilidade de criação de estruturas descentralizadas ou regionalizadas. Esboça-se, ainda, a integração de vários conselhos setoriais, como sugere a criação do Fórum Municipal Interconselhos. O CONOP e CONOP’s regionais, na medida em que sua vocação e aspiração passa a ser a construção de uma rede municipal, apoiada nos territórios, e sistematização das demandas a partir de uma leitura global e estratégica dos territórios e da cidade, parecem sobrepor-se aos objetivos e intenções dos conselhos setoriais. A mera inclusão de representação por segmento social ou participação de conselhos setoriais no CONOP sugere a incorporação de uma estrutura de gestão participativa por outra. Essa tensão ou relação política não resolvida parece reproduzir-se no país, onde existe fomento à gestão participativa. No caso do município de São Paulo, parece reproduzir, preservadas as proporções e toda trajetória histórica da cidade que configura conjunturas distintas, alguns dos dilemas percebidos na primeira gestão municipal petista, no final dos anos 80 e início dos 90.

4. Análise e Recomendações Técnicas

4.1 Impacto sobre a lógica administrativa

Uma análise geral a respeito dos dados coletados revela que o OP não conseguiu instalar uma dinâmica alternativa à lógica burocrática e/ou tradicional da gestão municipal. São raras as subprefeituras e secretarias que concorrem para a promoção, organização e aprofundamento das plenárias ou, ainda, que adotam o processo decisório sugerido pelo OP como sua própria metodologia de tomada de decisões. A eficiência administrativa e a eficácia na produção de resultados específicos por instância governamental parecem superar a intenção pedagógica de promoção do empoderamento social nos territórios.

Há exceções, como no caso da Freguesia do Ó, São Mateus e São Miguel Paulista, ainda merecendo destaque Vila Mariana. Nesses territórios, as subprefeituras assumem a tarefa de articulação e divulgação e preparam-se para sua intervenção nas plenárias do ciclo devolutivo e temático. O resultado é sempre a constatação de plenárias muito representativas (espelhando a diversidade dos distritos que compõem a área de abrangência das Subprefeituras) e diversificadas (compostas por lideranças de movimentos sociais, por participantes não organizados e que não participaram de plenárias realizadas anteriormente e entidades).

O empenho e a integração de governo na mobilização social e na sua própria organização para efetivar a lógica participacionista do OP aparecem como principais fatores dos resultados positivos das plenárias realizadas.

Outros fatores são identificados pelos coordenadores de área do COP, mas parecem ser subsidiários ao bom resultado e não fatores determinantes. Esse é o caso da realização constante de reuniões entre a Coordenadoria Regional do OP e Subprefeito (acompanhado pelas coordenadorias), como ocorre em São Mateus. Contudo, o mesmo ocorre em Ermelino Matarazzo sem que seja atingido o mesmo resultado.

As resistências governamentais ao seu envolvimento na lógica decisória implementada pelo OP, em especial ao ciclo temático, podem ser verificadas na sistematização indicada abaixo:

SubprefeituraDiagnóstico do ciclo temático

Penha Coordenadorias não se envolveram com a organização, mas estiveram presentes nas plenárias.

Aricanduva Coordenadorias não se prepararam para as plenárias. A prestação de contas ficou sob responsabilidade das áreas de saúde e educação. As secretarias de governo não participaram do ciclo devolutivo.

Vila Maria Subprefeitura demonstra resistência ao ciclo devolutivo, em virtude das pressões políticas que ele fomenta. Além da subprefeitura, as secretarias de Habitação e Trabalho estiveram presentes nas plenárias.

Jaçanã A condução do OP ficou sob responsabilidade total do COP.

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Santana Nenhuma participação de instâncias de governo na preparação e condução do ciclo. Além do COP e Coordenadoria de Saúde, apenas a Secretaria de Habitação e a Secretaria de Trabalho estiveram presentes nas plenárias.

Freguesia do Ó A Subprefeitura disponibilizou todo suporte para realização das plenárias. O subprefeito esteve presente em todos eventos. As secretarias de governo estavam presentes nas plenárias, embora o coordenador de área do COP ressalte a “visível resistência à divisão de poder”.

Casa Verde Subprefeitura empreendeu boa divulgação das plenárias. As instâncias de governo, contudo, não conseguem organizar-se para encaminhar e acompanhar com agilidade a dinâmica do OP.

Perus Além do COP, as Coordenadorias de Saúde, Educação e Assistência Social coordenam todos procedimentos das plenárias. As outras instâncias de governo estiveram parcialmente presentes nos eventos.

Sé Aumentou significativamente a participação da Subprefeitura na organização e realização das plenárias. Além da presença permanente do chefe de gabinete da Subprefeitura, participaram as coordenadorias de ação social e saúde e as secretarias de habitação e trabalho.

Butantã Na primeira plenária, esvaziada, a Subprefeitura esteve representada em peso. Na segunda, além do COP estiveram presentes representações da saúde, educação e habitação.

Lapa Subprefeitura presente com todas as coordenadorias, além das secretarias de Trabalho e Habitação.

Pinheiros Subprefeitura presente com todas coordenadorias, além da Secretaria do Trabalho.

Ipiranga Baixo apoio da Subprefeitura e divulgação. Apenas três coordenadorias presentes na plenária.

Jabaquara Baixo apoio da Subprefeitura. Apenas três coordenadorias e Secretaria de Habitação presentes nas plenárias.

Vila Mariana Plenárias bem organizadas, contando com presença de quatro coordenadorias.

Campo Limpo Organização exclusiva da COP. Presença de duas coordenadorias e secretarias de Habitação e Trabalho.

M´Boi Mirim Embora todas coordenadorias e o próprio Subprefeito estivessem presentes, não houve preparação para a plenária, tornando-a cansativa e sem objetividade.

Santo Amaro Não houve divulgação da plenária e não houve prestação de contas. Existe uma evidente centralização de atividades na pessoa do chefe de gabinete da Subprefeitura. Não há articulação entre as instâncias de governo.

Parelheiros Organização exclusiva da COP. Subprefeitura ausente. Coordenadorias não auxiliam na organização das plenárias. Não existe GT de representantes governamentais no OP.

Capela do Socorro Organização exclusiva da COP. A presença de fortes movimentos sociais garante a politização das plenárias.

Cidade Ademar Organização exclusiva da COP.Mooca Governo não se prepara para as plenárias e monopoliza a palavra.

Não consegue construir o entendimento que as plenárias são um evento cujo protagonista é a população local, tornando-se um evento de governo. Forte presença das coordenadorias de educação, saúde e assistência social.

Vila Prudente Fórum de delegados é atuante. Subprefeitura concentrou comunicação e divulgação junto aos ex-delegados de OP. Entretanto, no interstício das plenárias, inexiste ação governamental com objetivo de organização da população.

Guaianases População estava desinformada sobre papel das plenárias. Ocorreram falhas nas apresentações das devolutivas. Baixa participação de órgãos governamentais nas plenárias.

Cidade Tiradentes Plenária não alcançou quorum. Presença das coordenadorias e

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secretarias de Trabalho e Habitação.São Mateus Reuniões periódicas da Subprefeitura com a Coordenadoria Regional

do OP, envolvendo todas coordenadorias. Presença de toda Subprefeitura em todos eventos.

São Miguel Esforço significativo de todas coordenadorias na divulgação das plenárias, com destaque para Saúde. Alguns membros do governo local revelam restrições à dinâmica do OP por fomentar pressão social Subprefeitura.

Ermelino Matarazzo

Reuniões de preparação das plenárias da COP com coordenadorias da Subprefeitura. Todas coordenadorias presentes nas plenárias.

Itaim Paulista Organização exclusiva da COP.

Como é possível perceber na tabela acima, quase metade das Subprefeituras que sediaram as plenárias do ciclo temático apresentou fortes restrições à sua execução ou permaneceu ausente em sua implementação (48,27% do total, em vermelho).

Pouco mais de um terço das Subprefeituras apresentou uma relativa participação ou integração das coordenadorias e outras instâncias governamentais (34,48%, em amarelo).

Apenas cinco Subprefeituras apresentaram uma disponibilidade e forte intenção na implementação do ciclo temático (17,2%, assinaladas em azul).

O baixo índice de engajamento dos órgãos governamentais pode ser creditado a dois fatores principais: a) a resistência ou inércia da lógica burocrática fragmentária e fragmentada da administração pública; b) receio político a respeito da capacidade de controle do governo sobre o aumento de demandas que emergem nas plenárias.

4.2 Representatividade e dinâmica das plenárias

Está havendo em geral aumento da presença nas plenárias temáticas. Um dos motivos aparentes é a mudança da metodologia de organização dos ciclos e das plenárias do OP.

Em 2002, os delegados temáticos eram eleitos por macro região, dificultando todo o trabalho em seqüência, próprio do processo do OP, já que os eleitos não chegavam a ser reconhecidos entre si, ou mesmo estabelecer contatos pós-plenárias. Havia, ainda, dificuldades em encaminhar as discussões por falta de preparo e experiência, tendo como obstáculo a enorme área de abrangência territorial em debate.

Em 2003, foi alterado o método de eleição de delegados, que passou a ser por Subprefeitura, uma vez que a descentralização administrativa da prefeitura teve início. Entretanto, ainda perdurou a descrença nesse ciclo, em vista das dificuldades do ano anterior, entre outros fatores, do qual faz parte o fato das coordenadorias não estarem ainda formadas ou consolidadas nas subprefeituras.

Tal alteração organizacional auxiliou na maior proximidade da população e sua maior identificação com os temas debatidos. Contudo, a desejada articulação com a nova instância de governo (Subprefeituras) ainda parece parcialmente alcançada (e, em diversos casos, ainda é quase inexistente). Observa-se que há inúmeras dificuldades para a realização das plenárias, embora a organização e funcionamento da equipe do OP estejam bem estruturados. Entre as dificuldades citadas estão a falta de afinidade do governo local com a proposta política do OP, não fornecendo a infra-estrutura necessária à mobilização da população, não comparecendo para fazer a sua parte, não contribuindo para o exercício das atividades do pessoal do OP e das coordenadorias na área; falta de verbas para a divulgação e mobilização da população em geral e mesmo das entidades ligadas ao movimento social da região; falta de experiência política e organizativa e de mobilização da população, o que faz com que as plenárias com mais resultados sejam aquelas em que participam principalmente representantes de movimentos organizados das áreas, como já destacado anteriormente.

O que surpreende (a partir dos obstáculos apontados) no relato do ocorrido em diversas regiões é a participação significativa da população não organizada em algumas plenárias.

Num esforço de classificação das plenárias em função de sua representatividade (quórum e grau de organização dos participantes), pode-se constatar uma relativa paridade entre plenárias onde ocorreram uma grande participação de moradores organizados (em associação de bairro ou movimentos sociais), plenárias com baixa participação de

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moradores não-organizados e, finalmente, plenárias com significativa participação de moradores organizados e não-organizados.

No primeiro caso (grande participação de moradores organizados, representando 41,3% do total), destacam-se as regiões de Aricanduva, Vila Maria, Jaçanã, Freguesia do Ó, Casa Verde, Ipiranga, Jabaquara, Parelheiros, Capela do Socorro, Vila Prudente, São Mateus e São Miguel Paulista. São territórios concentrados nas regiões norte, sudeste e leste do município, sendo que uma parte considerável possui tradição na organização das populações locais, seja em movimentos sociais (com destaque para a saúde, como no caso da região leste) ou em associações de moradores ou, até mesmo, vinculadas a lideranças políticas.

Vale destacar algumas peculiaridades nesse bloco. Em alguns casos, como Vila Maria, moradores atingidos pelas enchentes afluíram às plenárias, em busca de um fórum ou canal institucionalizado de comunicação por onde pudessem expressar e negociar sua situação.

Os movimentos sociais e as associações de bairro contribuem para a mobilização da maioria dos participantes e elegem grande parte dos delegados. Essas duas modalidades possuem ideários e objetivos distintos e, em muitos casos, opostos. Mas poucas foram as plenárias em que os conflitos que emergiram tiveram como motivação as diferenças ideológicas ou a disputa pela representação. O caso mais evidente ocorreu em Parelheiros, onde associações de moradores disputaram entre si. Na maioria dos casos em que ocorreram tensões, o fator desencadeador foi a não execução de obras deliberadas em plenárias de anos anteriores.

Em alguns casos, a organização tradicional de um distrito foi determinante para a qualificação da plenária. Este é o caso do Ipiranga, onde os moradores de Sacomã, do entorno do CEU onde se realizava a plenária, estiveram em peso.

As entidades parecem ter contribuído modestamente para a organização da população. Um destaque ocorreu no Jabaquara, onde uma ONG (CIPS) mobilizou uma parcela significativa dos participantes.

O segundo bloco, composto por plenárias com baixa participação de moradores não-organizados (31%), envolve Santana, Butantã, Campo Limpo, M´Boi Mirim, Santo Amaro, Guaianases, Cidade Jardim, Hermelino Matarazzo e Itaim Paulista.

Os motivos apontados nos relatórios produzidos pelos coordenadores de área da COP (a partir do roteiro produzido pela assessoria) revelam uma concentração em cinco causas:

a) Baixa participação da Subprefeitura na organização dos eventos;

b) Plenárias agendadas em data equivocada (coincidindo com outros eventos importantes que envolviam população local);

c) Delegados e conselheiros desdenharam o ciclo temático;

d) Divulgação equivocada (limitada, causada por escassez de verbas);

e) Organização concentrada na COP (ausência de articulação e protagonismo de outros órgãos governamentais).

O último motivo é o mais citado nos relatórios, atingindo quatro regiões. Parece evidente a relação entre baixa participação e negligência dos órgãos governamentais (e, secundariamente, de delegados e conselheiros) em relação à organização do ciclo temático.

Os casos que se apresentam com maior gravidade são os de Santana e M’Boi Mirim, onde as Subprefeituras parecem resistir à dinâmica participativa na gestão pública e/ou não possuem uma cultura voltada para ações pedagógicas de envolvimento da população na tomada de decisões. À título, a plenária devolutiva ocorrida em M’Boi Mirim foi desgastante para a população que ouviu longos discursos dos agentes governamentais que, segundo o registro, caracterizava-se pelo auto-elogio. Aos poucos, a população se retirou da plenária, esgotada pela dinâmica que impunha uma postura passiva aos presentes.

O terceiro bloco é composto por plenárias diversificadas, envolvendo moradores engajados e organizados em movimentos ou entidades de representação social e moradores não organizados, que participavam pela primeira vez de plenárias do OP. Este é o caso de Perus, Penha, Sé, Lapa, Pinheiros, Vila Mariana, Cidade Ademar e Mooca.

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Nesses casos, as plenárias oscilaram entre participação razoável (em quatro regiões) ou baixa (em três regiões), em termos numéricos. Apenas uma região (Vila Mariana) foi registrada uma participação expressiva. Tal constatação sugere a hipótese da ausência de tradição de organização popular local ou baixo empenho de lideranças (incluindo as governamentais) na mobilização social.

Contudo, uma maior aproximação para análise da dinâmica e composição das plenárias não indica uma convergência entre possíveis causas comuns. Em alguns casos (envolvendo principalmente a macroregião norte), a baixa execução de obras deliberadas pelo OP em anos anteriores e as demandas específicas das populações atingidas pelas enchentes do início do ano contribuíram para o aumento da participação de segmentos não organizados. Assim, as plenárias do OP apresentaram-se como uma arena legitimada para defesa dos direitos que a população considerava não respeitados. Os registros elaborados pelos coordenadores de área sugerem, entretanto, que nem sempre essa compreensão foi acolhida pelas lideranças governamentais que, em algumas situações, afirmaram que aquele não era o fórum para os temas destacados pela população não organizada. Sobressai, nesses casos, a postura formal e pouco pedagógica dos condutores da plenária.

Os motivos, portanto, para a composição plural dessas plenárias (população organizada e não organizada) são diversos: a) empenho da equipe da COP para atrair moradores que nunca haviam participado de plenárias do OP (Lapa); b) moradores trazidos e liderados por lideranças políticas locais (Penha); c) moradores que receberam chamadas do Call Center; d) envolvimento de grupos religiosos (Mooca).

Embora não seja a regra geral, é perceptível, como já indicado anteriormente, como as regiões em que se fazem presentes movimentos sociais ou associações de moradores com alguma tradição, a participação de moradores não organizados é quase nula. Nem sempre, contudo, tais organizações possuem forte enraizamento ou são muito representativas, facilmente constatado em plenárias nem sempre muito concorridas. Uma hipótese de interpretação é a possível inibição que os códigos e normas que essas organizações acabam impondo nas plenárias causa nos moradores não organizados. Essa hipótese possui alguma validade na medida em que na maioria das plenárias com composição mais plural (verificada nesse bloco de regiões) verifica-se que os delegados eleitos não são lideranças regionais, vários participaram das plenárias de OP pela primeira vez e, em alguns casos (o mais evidente parece ter ocorrida na Mooca), os moradores presentes compreendem as plenárias como eventos do governo para consultar a população local e não como momento de organização da região para participar da própria gestão do território.

4.3 Síntese dos Registros sobre o Ciclo Temático

Não foram registrados conflitos significativos nas plenárias do ciclo temático. As tensões registradas tiveram como causas as obras não realizadas e deliberadas em plenárias do OP ocorridas nos anos anteriores; demandas apresentadas por populações atingidas pelas enchentes; metodologia de exposição nas plenárias devolutivas muito cansativa e extensa, sem participação dos moradores. Em apenas uma plenária (Parelheiros) foi verificada disputa entre lideranças locais.

O que parece um dado positivo pode representar a falta de prioridade que agentes políticos (lideranças locais da população e de governo) conferiram ao ciclo temático. Embora os dados quantitativos sejam extremamente positivos em relação ao aumento de participação da população nas plenárias desse ciclo33, o relato qualitativo demonstra a permanência de certa desconfiança política em relação às plenárias do OP em geral (no caso de algumas Subprefeituras) e das plenárias do ciclo temático, em especial (no caso de alguns delegados e conselheiros do OP).

O que emerge nos dados coletados é a dificuldade de articulação governamental, o que não envolve apenas o OP. A gestão municipal ainda apresenta fortes marcas de especialização e independência extrema de um órgão em relação a outro na elaboração de suas estratégias, plano de ação e, principalmente, metodologia de gerenciamento. Se há algum ponto comum entre órgãos de governo, no que tange à comunicação social, a convergência aponta para uma percepção de mera consulta ou prestação de contas. Trata-se, portanto, de uma política de informação, mas não comunicação (onde as duas partes dialogam e se influenciam mutuamente, construindo um

33 A macroregião que apresentou crescimento expressivo e surpreendente de participação nas plenárias do ciclo temático foi a Oeste (índices de crescimento próximo de 1.000%). A região Jabaquara também apresentou índice similar à macroregião Oeste.

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acordo). Daí a impressão que alguns coordenadores de área registraram sobre uma possível resistência de agentes governamentais a respeito da lógica do OP. Não estaria instalada, ainda, uma cultura dialogal e participacionista no interior do governo.

É possível, ainda, constatar um gradiente diferenciado de organização, mobilização e cultura política da participação instalada nas regiões analisadas. Nem sempre esse diferencial tem como fator principal a trajetória histórica de organização da população local, embora pareça evidente no caso da macroregião leste do município. Como o ciclo temático parece ainda distante da compreensão do grande público, o sucesso das plenárias parece recair sobre as ações pedagógicas e de convencimento dos agentes governamentais. Em poucos casos, a Subprefeitura se empenhou nitidamente para provocar esta articulação, seja liderando reuniões entre agentes governamentais para preparação das plenárias, seja no contato político com entidades e lideranças do seu território. Não há, assim, uma lógica comum, nem mesmo um roteiro de ações governamentais que oriente ou direcione as ações governamentais.

Esse último ponto indica que os esforços de articulação e convencimento de agentes governamentais a respeito do OP (em especial, seu ciclo temático) envidados pela criação do GT que envolve representantes de diversas secretarias e coordenadorias envolvidas com a implementação do OP são ainda muito iniciais e pouco impactantes. As secretarias de Habitação e Trabalho são as únicas que comparecem com alguma freqüência às plenárias. Nem todas coordenadorias de Subprefeitura comparecem (educação, assistência social e educação são as mais envolvidas). A maioria dos Subprefeitos não se fazem presentes na organização e eventos do OP.

Em relação às demandas apresentadas nas plenárias, percebe-se a ausência de compreensão do que seriam diretrizes de governo por grandes temas. A tendência, que deve ser compreendida pela equipe da COP como elemento cultural das populações dos territórios, foi a apresentação de obras ou demandas específicas. Algumas regionais, contudo, apresentaram sugestões mais gerais, que denotam uma leitura mais abrangente e estratégica do território. É possível destacar alguns exemplos significativos:

Mooca: prioridade para algumas linhas de ônibus e reaproveitamento de espaços urbanos, destinados a habitação, educação e lazer;

Penha: transporte e conservação de vias públicas;

São Miguel: discussão sobre sistema educacional, criação de banco de alimentos e criação de fórum único de todas coordenadorias;

Itaim Paulista: maior divulgação sobre o OP, legalização de moradias e definição de diretrizes a respeito de melhoria do bairro e higiene;

Guaianases: políticas de proteção e promoção de crianças e adolescentes;

Sé: criação de sistema de comunicação entre Subprefeituras e políticas de prevenção à marginalização de adolescentes;

Perus: proteção à criança e políticas de prevenção e atendimento às vítimas de violência doméstica;

Jaçanã: melhoria do MOVA e criação de outros CEUs;

Vila Maria: política de barateamento de alimentos;

Lapa: cobertura educacional para moradores do Cingapura;

Pinheiros: criação de pronto-socorro e efetiva participação popular nos conselhos gestores de Centro Cultural e Esportivo.

Mesmo nessas regiões em que são identificadas demandas mais estratégicas e diretrizes governamentais, ocorre demanda muito expressiva por obras e investimentos específicos.

Em suma, é possível concluir que os problemas de natureza política precedem os problemas de infra-estrutura (agendamentos equivocados, verbas escassas para divulgação de plenárias, entre outros).

4.4 Recomendações Técnicas

No último tópico deste relatório, são apresentadas algumas sugestões de ordem técnica como elemento provocador para o seminário em que serão discutidas, com toda

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equipe técnica da COP, as observações e análises aqui contidas. As recomendações seguem as conclusões apontadas no tópico anterior deste capítulo:

a) Incorporação do Ciclo Temático ao Ciclo Territorial : a separação dos dois ciclos parece não ter provocado o resultado pedagógico esperado. Parece haver uma leitura relativamente disseminada nos territórios (envolvendo grande parte das Subprefeituras) que o ciclo temático limita-se a uma introdução ao OP, efetivado no ciclo territorial. Essa compreensão não parece vinculada à baixa compreensão política sobre mecanismos de empoderamento social. Trata-se de uma sabedoria popular que distingue intenções e discursos partidários da realização efetiva de demandas sociais. Não se trata de ignorância política, mas o contrário, uma prudência e sabedoria construídas na trajetória política do município. A separação dos dois ciclos parece, assim, exigir uma dose de boa vontade e crença que se aproxima de um apelo da COP aos moradores precavidos. A demanda por obras não realizadas ou obras que evitem as enchentes que ocorreram neste ano, apresentadas em algumas plenárias desse ciclo, tornam esse apelo ainda mais dramático. O verdadeiro apelo e convencimento à participação é a efetivação das demandas apresentadas em plenárias e conduzidas pelos conselheiros. Nesse caso, a fusão ou integração dos dois ciclos exigiriam uma metodologia mais complexa de condução das plenárias, a partir da qual o governo se apresentaria realizando, didaticamente, esse movimento entre diagnóstico do território, leitura estratégica de seu desenvolvimento e apresentação de ações concretas. Em suma, faltaria uma concepção pedagógica de condução das plenárias que é potencializada pela separação dos dois ciclos. A legislação de orçamento público apresenta uma metodologia mais adequada quando vincula a lei orçamentária ao PPA. Esse vínculo entre diretrizes e ações não está ainda claramente desenhado pelo OP-SP.

b) Redefinição da agenda e estrutura do GT: apenas duas regiões (com destaque para Vila Maria) apresentaram mudança de comportamento das coordenadorias ou secretarias de governo em relação à participação da dinâmica do OP a partir das reuniões desenvolvidas pelo GT. A cultura fragmentária e fragmentada da ação burocrática é ainda predominante e não existem sinais claros que estaria sendo superada. Nesse caso, é fundamental um programa articulado em várias frentes, canalizando a pressão de conselheiros e movimentos sociais sobre as Subprefeituras, na direção da integração das ações (evitando-se ações e reuniões segmentadas); programa de formação e instalação de nova cultura no interior do governo (seminários, folhetos, eventos, boletins de comunicação, criação de prêmios de gestão participativa, entre outros); articulação e promoção do Fórum de Participação Popular, envolvendo ONG’s, entidades, universidades, conselheiros e delegados do OP. Nesse último item, vale a ação política planejada da COP como ator de promoção dessa articulação. Tais recomendações apoiam-se no risco da COP ser absorvida, nas reuniões do GT, pela lógica burocrática, ao invés de superá-la.

c) Acompanhamento e comunicação mais detalhada da execução orçamentária: cortes orçamentários parecem não ser compreendidos pela população dos territórios que passam a considerar as deliberações em plenárias como secundárias ou não priorizadas pelo governo. Na plenária devolutiva de Freguesia do Ó, a população teria demonstrado satisfação por ser informada das dificuldades orçamentárias e de arrecadação municipal que teria atingido o plano de obras. Ações que caminham nessa direção geram maior intimidade da população com a lógica de gestão orçamentária. A criação de um Sistema de Monitoramento da Gestão Municipal, detalhada em relatório anterior desta assessoria, aponta para uma solução estratégica. Entretanto, um primeiro passo pode ser tomado a partir de reuniões por distrito ou comunicativo impresso (enviado para igrejas e entidades de representação social que estiveram presentes nas plenárias) que indique as mudanças ocorridas no orçamento e o impacto sobre o plano de obras;

d) Comunicação: parece fundamental, para criação de uma cultura política municipal voltada para a discussão de diretrizes e estratégias de desenvolvimento da cidade, que se crie uma política de comunicação baseada no princípio do efeito-demonstração. Nessa direção, é de fundamental importância a divulgação das demandas e propostas apresentadas no Ciclo Temático, destacando os avanços, já indicados em tópico anterior deste capítulo. Essa divulgação deve ser ampla e atingir os delegados temáticos e conselheiros do OP, provocando comparações e conclusões a respeito da importância dessa deliberação. Uma ação mais ousada, contudo, seria a tentativa de construção de um Utopia da cidade ou dos territórios. Para tanto, uma ampla campanha sobre a cidade – e território – que se quer para a próxima década daria o mote para os cidadãos discutirem a sua cidade, num plano mais elevado e estratégico.

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ANEXO 02

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