Upload
nomeslinda
View
65
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
PROPOSTA DE USO DE ESTEIRA EM POSIÇÃO INVERTIDA PARA MELHORAR APOIO DO PÉ EQUINO
Wandanomeslinda Ferreira do Carmo
Resumo: Paralisia Cerebral (PC) é um distúrbio persistente e mutável do movimento e da postura causada por lesão no Sistema Nervoso imaturo que resulta em alterações motoras e sensitivas. Embora existam diversos métodos eficientes de treino para crianças com alterações de marcha, vale ressaltar que é fundamental novos recursos para melhorar essas alterações; pois a falta de apoio adequado do pé é uma das principais causas de desequilíbrio e de quedas frequentes. Objetivos: O objetivo principal deste estudo é propor o uso da esteira de forma inversa ao tradicional para melhorar o apoio do pé equino, e o segundo é, melhorar equilíbrio corporal e a eficiência da marcha desses pacientes com menor gasto energético possível. Método: Busca de artigos (Bireme, Scielo e Lilacs) correspondentes aos anos de 2004 a 2013 - para verificar se havia trabalhos falando a respeito, e expor a experiência tida ao tratar, durante o estágio de neurologia infantil, de uma criança com hemiparesia à direita devido a uma paralisia cerebral. Foi por meio dessa experiência que se chegou à conclusão de que o treino de marcha em esteira de modo não tradicional, por pacientes com hemiparesia, parece ideal para melhorar apoio total do pé. Resultados: Com relação à pesquisa de artigos, não foram encontrados artigos que falassem desse tipo de uso; com respeito a experiência de treinar a marcha da criança de forma não tradicional, viu-se resultados. Conclusão: Há que se explorar essa nova forma de treino de marcha para se ter certeza que a eficiência será, em maior ou menor grau, benéfico para essa população, promovendo dessa forma, melhor equilíbrio, controle corporal, desempenho de marcha e nas AVD’s, mais independência e, indubitavelmente, melhor qualidade de vida, independentemente do grau de comprometimento e da idade do paciente. Palavras chave: Paralisia cerebral, marcha, treino de marcha em esteira, treino em esteira de modo não tradicional
1.Introdução:
O interesse em se escrever este artigo surge a partir do momento em que, durante uma intervenção ocorrida no mês de setembro de 2013 no setor de neuropediatria da clínica escola da Universidade de Brasília, sediada na cidade de Taguatinga/DF, somente com observação e sem coleta de dados, percebeu-se que o paciente F.S.C realizava apoio total de seu pé em equino, provocado por uma Paralisia Cerebral, ao ser colocado em uma esteira rolante de forma contrária ao tradicional. Além de relatar esse atendimento exposto acima de forma resumida, também será apresentado a revisão realizada para verificação se já existia algum trabalho publicado a respeito do assunto, o que de antemão, de acordo com a revisão, pode se dizer que não há; os únicos trabalhos
2
verificados foram com treino de marcha com esteira de forma tradicional, ou desta associada ou com auxílio manual, ou com suspensão de peso (parcial ou total) e treino de marcha em solo. Embora não se tenha encontrado trabalhos parecidos com o tema sugerido neste trabalho, vale a pena comentá-los para mostrar a importância que se tem um treino em esteira; e para reforçar que o treino da marcha com ela invertida pode ser bem melhor.
Também é exposto de forma sucinta a respeito da marcha, da cinemática, da cinética,
da paralisia cerebral, da hemiplegia ou hemiparesia, sobre a espasticidade e a respeito
da marcha patológica, assuntos relacionados com o tema devido a patologia do paciente
do qual se falará mais adiante.
Toda essa exposição não é apenas para relatar a experiência obtida, mas também com
o objetivo de propor o uso de esteira invertida para melhorar apoio de pé equino,
primariamente, e, secundariamente, melhorar equilíbrio e eficiência da marcha desses
pacientes.
Para se ter um melhor entendimento do assunto, resolveu-se iniciar o trabalho falando
sobre a marcha, sua importância e sobre sua divisão.
1.1-Marcha:
A marcha é um meio natural do corpo para se mover de um local a outro, sendo sua
versatilidade muito importante para que haja adaptabilidade dos membros inferiores aos
diversos tipos de solos. Sua eficiência dependerá da boa mobilidade articular e da
seletividade muscular1.
A marcha também tem a importante função de manter níveis adequados de massa
muscular, óssea e uma boa funcionalidade para as atividades de vida diária (AVD).2
A marcha é uma atividade dividida em duas fases: de apoio e de balanço; na primeira o
membro permanece em contato com o solo; nela se encontram o contato inicial, apoio
total, o apoio médio ou unipodal, o apoio terminal ou impulso e o pré balanço. A
segunda fase corresponde ao momento em que o membro está suspenso; nesta
encontram-se as seguintes subfases: aceleração ou inicial, de oscilação intermediária ou
média e a de desaceleração ou terminal3.
3
Figura I: Fases da marcha e seus respectivos músculos em ação.
Fonte: https://www.jaaos.org/content/15/2/107/F1.large.jpg
A marcha típica acontece com o envolvimento de diversos processos neurológicos e
musculoesqueléticos; sendo o comportamento locomotor realizado após ativação de três
processos4:
1)“Processo de iniciação da locomoção”, o qual se inicia voluntariamente por meio do
córtex cerebral e emocionalmente por meio do sistema límbico-hipotalâmico;
2) “Processo da regulação da locomoção”, no qual circuitos neurais envolvendo o córtex
cerebral, núcleos da base e cerebelo desempenham o papel principal; e,
3) “Execução da locomoção básica”, este é controlado no tronco encefálico e medula
espinhal, que inclui um sistema de geração de ritmo da locomoção e sistema de controle
do tônus muscular. Além desses processos, a marcha normal possui pré-requisitos
como: estabilidade na fase estacionária, liberação e posicionamento do pé na fase de
balanço, comprimento do passo adequado e conservação de energia3.
4
Para que haja uma boa análise da marcha, será necessário que se leve em consideração
tanto a cinética quanto a cinemática, as quais serão explicadas a seguir5-6.
1.2- Cinemática:
É a verificação do movimento corporal nos planos sagital, frontal e horizontal no
momento da marcha, ou seja, é a geometria da marcha.
No primeiro plano observa-se oscilações verticais da cabeça e da pelve; no segundo,
oscilações laterais da cabeça e tronco com inclinação de pelve e de ombro; e, no plano
horizontal, rotação de ombro e de pelve. Os maiores movimentos angulares de quadril,
joelho e tornozelo ocorrem no plano sagital, onde pelve faz movimento de flexão e
extensão (30° de flexão de quadril para toque de calcanhar e 10° de extensão para
posição em pé); os joelhos estarão estendidos no toque de calcanhar e depois faz 15° de
flexão para amortecimento; para o pé oscilar o joelho flete novamente para impedir
arrastar de dedos no solo. No caso dos tornozelos, ocorrem movimentos de dorsiflexão e
de planteflexão. Funcionalmente, tornozelo e pé movimentam-se por sofrer com o
mecanismo de torsão externa da tíbia e encaixe de tornozelo; tíbia move-se para frente
com 10° de dorsiflexão e o calcanhar sobe, ocorrendo assim a flexão plantar, é neste
momento que os músculos gastrocnêmio (biarticular) e sóleo (uniarticular) estão mais
ativos, pois eles são a causa da planteflexão do pé. Durante a sustentação de peso ou
absorção de choque ou posicionamento frouxo do pé, ocorre supinação/pronação e
rotação lateral/medial subtalar e tibial, respectivamente, o que baixa o arco do pé e
supina antepé 5.
1.3- Cinética:
A cinética valia a contribuição dos músculos no movimento corporal, pois a
musculatura junto com as articulações equilibra o torque de gravidade com a
contribuição funcional de cada fibra muscular. Quando o corpo está em movimento, há
uma tensão produzida por cada fibra (quanto mais rápido a fibra é estirada mais tensão
5
é produzida; e quando diminui com a velocidade de encurtamento, menor a tensão);
um exemplo seria a força de reação do solo sobre o pé e o corpo (essas forças podem
ser iguais ou não), importantes de saber para tentar evitar colapso de estruturas e,
consequentemente, afetar a boa funcionalidade6. Quanto a ação muscular, cada uma
terá funcionalidade, ou predomínio em determinada fase da marcha, como explicado a
seguir3:
Na fase de apoio os músculos ísquiostibiais se contraem para estabilizar as coxas e o
joelho, permitindo extensão do joelho, provocada por contração de quadríceps;
ocorrendo o contato inicial do calcanhar. O músculo tibial anterior contrai-se para
acontecer dorseflexão (neste momento o peso corporal se transfere para este membro).
O músculo glúteo máximo contrai-se junto com ísquiostibiais e o adutor, o que
estenderá a articulação coxofemoral e levará o corpo para frente, além de manter o
centro de gravidade na linha média, depois que o peso do corpo for transferido. No caso
dos vastos, medial, lateral e intermédio (junto com ísquios) promoverão uma
estabilização nesse momento. O tríceps sural se contrairá para dorsifletir articulação
tibiotásica quando a tíbia anterioriza-se. O músculo tensor da Fascia lata é ativado para
controlar coxofemoral; enquanto tríceps sural é novamente ativado para controlar a
dorsiflexão da articulação tibiotársica e permitir o impulso. Isso no apoio terminal.
Junto com flexão coxofemoral (vastos e quadríceps) fletem o joelho rapidamente. Na
fase de pré balanço o tríceps sural contrai-se muito rápido provocando ligeira flexão
plantar. Já o reto femoral contrai-se e flete joelho e articulação coxofemoral. O hálux
inicia a fase de balanço por tirar o apoio do solo; neste momento também ocorre a
ativação dos músculos dorsiflexores. No caso, o reto femoral se contrai para fletir
joelho; e no balanço médio é que a articulação coxofemoral começa a ser fletida e o
joelho estendido para no apoio terminal iniciar o ataque ao solo ou toque inicial. Neste
caso estão em ação: gastrocnêmio e sóleo. Apesar de também haver contração de outros
músculos, como ísquios, aqueles são os principais nesta atividade.
É o que basicamente acontece no momento de um caminhar. Entretanto, para que esses
mecanismos sejam harmoniosos, é necessário sinergismo; e esse sinergismo ou controle
de co-ativação é realizado pelo sistema nervoso central, o qual deixa de realizar
adequadamente seu controle quando há alguma lesão ou distúrbio, como ocorre na
paralisia cerebral, por exemplo14. Isso será melhor entendido no próximo tópico.
6
1.4- Paralisia Cerebral:
Figura II: Consequências de uma lesão no sistema nervoso central.
Fonte: http://www.actafisiatrica.org.br/detalhe_artigo.asp?id=53
A PC afeta cerca de duas crianças a cada 1000 nascidos vivos em todo o mundo,
sendo a causa mais comum de deficiência física grave na infância”7.
Esta doença foi descrita pela primeira vez por William John Little, 1843 um
ortopedista inglês que estudou 47 crianças com quadro clínico de espasticidade, sendo
identificado por ele três causas principais: materno e congênita, perinatal e pós natal.
Sua incidência se torna mais alta quando se tem extremo baixo peso, prematuridade,
ocorrência de hipóxia cerebral, alterações metabólicas, infecções congênitas e crises
convulsivas no período neo-natal8.
7
A paralisia cerebral não tem definição estabelecida, mas sabe-se que é um distúrbio do
movimento controlado e da postura, devido a uma alteração ou lesão não progressiva do
cérebro no início da vida9; não sendo considerada como resultante de doença
degenerativa ou progressiva no cérebro10. Ela também é definida como sendo uma
encefalopatia crônica infantil caracterizada por alterações motoras não progressivas
manifestadas em cérebros imaturos, ou seja, anterior aos 3 anos de idade, causando
mudanças prejudiciais quanto ao tônus, motricidade e postura, com ou sem déficit
cognitivo11.
A classificação dada à elas é feita conforme a localização e o tipo da alteração motora;
como se segue: espástica (Quadriplegia, hemiplegia, Diplegia e monoplegia),
discinética, Atáxica, hipotônica e mista. Dentre essas, a espástica é a mais comum; e
dentre as espásticas a Diplegia e a Hemiplegia ou Hemiparesia são as mais frequentes4.
Sendo esta última classificação a mais importante para este trabalho; por isso ela se
encontra melhor detalhada logo abaixo.
1.5- Hemiplegia:
É a paralisia que compromete principalmente um dos hemicorpos, a qual se caracteriza
por déficit motor e espasticidade unilateral; ocorrendo em 70 a 90 % por problemas pré-
natais, sendo suas primeiras manifestações iniciadas aproximadamente no 4ª mês de
vida, por isso que o diagnóstico e o tratamento precoce são de difícil execução, pois
necessita-se que haja uma consolidação, e está ocorre apenas com 24 meses de vida7.
Suas características são de fácil identificação: o indivíduo acometido apresenta
assimetria com deslocamento do peso do corpo para o lado comprometido, de forma
breve e incompleta. Durante a marcha a passada é curta e com pobre fase de balanço; há
presença de retração de estruturas no lado comprometido; o ombro se torna
hiperextendido, o cotovelo do membro comprometido se posiciona em semiflexão e os
dedos um pouco fletidos. No MI afetado ocorre uma hiperextensão com adução e o pé
se posiciona em equinovaro.
Além dessas alterações, esses pacientes também podem apresentar cincinesias
(movimentos não voluntários que acompanham os voluntários); alterações sensitivas,
8
visuais; exagero do tônus muscular e dos reflexos tendinosos; apresentação de sinais
positivos ou de liberação. Os déficits motores podem ser maciços ou graves na lesão
aguda e recente; quando crônicos, resultam em lesões que ultrapassam o componente
dos neurônios corticoespinais, o que caracterizaria uma Hemiplegia grave12.
Como a hemiplegia ou hemiparesia é causada por lesão central ou medular, ela irá
permitir que haja manifestação espástica, o que também irá afetar os movimentos
motores e, consequentemente, a marcha do portador. Devido sua importância para o
processo da marcha, também é válido comentá-la em separado12.
1.6- Espasticidade:
Ela surge com a hipertonia ao ocorrer lesão neurológica central ou medular. Sendo
provocada quando há lesão no fascículo piramidal (pirâmide bulbar), ou nas fibras
descendentes que unem o córtex motor com os mecanismos reflexos segmentares- a
denominação que se dá é de síndrome piramidal12. Ela resulta de desequilíbrio entre
impulsos inibitórios e excitatórios, ou seja, ela é resultante de uma desordem na inibição
muscular antagonista, que gera uma coativação muscular excessiva, comprometendo a
funcionalidade dos mesmos. Essa coativação é um dos meios utilizado pelo Sistema
Nervoso Central para estabilizar um determinado membro, controlar o movimento, além
de estar relacionada a força e direção dos movimentos; no entanto, quando em exagero,
prejudica o controle da motricidade. De acordo com alguns estudos a respeito, crianças
com PC utiliza muito a coativação durante a realização de marcha. Alguns estudiosos
pensam, que isso seja uma forma de compensação do hemiplégicos para controlar a
liberdade articular causada pela lesão central 14. Sua manifestação é de déficit motor de
brando a grave; podendo causar limitações de movimento e deficiências
musculoesqueléticas, como encurtamentos, devido às alterações proprioceptivas3.
Quando a longo prazo, a espasticidade severa, pode causar mudanças na distribuição
das fibras musculares, reduzindo o número de fibras musculares do tipo II, consideradas
de contração rápida e que trabalham anaerobicamente, ou seja com poucas mitocôndrias
Há um déficit de controle muscular e de controle seletivo (o que impede controle de
duração e intensidade da ação muscular), e deficiência no alinhamento corporal,
impedindo a co-contração seletiva devido ao descontrole da musculatura, gerando assim
9
alterações de marcha; provoca sinergismo com co-ativação de agonistas e antagonistas
de maneira inadequada, por isso acontece alterações de alinhamento e controle postural
e, por consequência, uma significativa redução da velocidade e da resistência; o que irá
prejudicar a funcionalidade, situação esta essencial para se ter um melhor convívio
social e qualidade de vida3. Essa desarmonia é bem marcante nos hemiplégicos
espásticos, pois não há seletividade motora, comprometendo dessa forma a combinação
e o controle de movimentos tidos como complexos. Na marcha é muito visível essa
situação. É esse tipo de distúrbio que irá provocar o surgimento da marcha patológica a
qual será comentada a seguir13.
1.7- Marcha patológica:
Como falado acima13, o comprometimento é significativo. No calcanhar, por exemplo,
não há movimento de dorsiflexão durante o toque de calcanhar, nem controle do
movimento até o apoio médio. O primeiro contato que esses pacientes realizam é com
todo o pé, ou com o antepé ou com a borda lateral do antepé, situações que dificultam
boa adaptabilidade desses aos diferentes terrenos13. Segundo essa mesma autora, o
posicionamento equino está envolvida a atividade isolada do musculo tibial posterior
associada a atividade antecipada de gastrocnêmio e função débil ou inexistente de tibial
anterior; apesar de existirem várias outras causas para o posicionamento em equino,
como: fraqueza dos tibiais; contratura em flexão plantar; postura voluntária para a
fraqueza de quadríceps e hiperatividade dos músculos gastrocnêmio e sóleo; ou
espasticidade ou padrão de controle primitivo. O início desse padrão se dá na fase de
balanço, mas quando há rigidez em planteflexão, ocorre desde o toque inicial (que neste
caso não é com calcanhar, mas sim com ponta de pé). O posicionamento equinovaro é
devido ao tibial anterior enfraquecido1. No caso dos músculos gastrocnêmio e sóleo, foi
constatado por eletromiografia que realizam grande atividade na fase de impulso na
marcha hemiplégica. Situação não verificada com o tibial anterior. Isso se confirmou em
outros estudos realizados em 2012: “[...] A marcha em equino verdadeiro ocorre quando
a criança se mantém em flexão plantar por toda a fase de apoio [...]; devido a presença
da espasticidade do músculo gastrocnêmio4. Na preparação para o contato com o solo
acontece uma planteflexão pelos flexores primários (sóleo e gastrocnêmio), e pelos
10
secundários, flexor longo do hálux, flexor longo, flexor longo dos dedos, tibial
posterior, dentre outros; tendo estes últimos a função de estabilizar o corpo. Já os
ísquios, função de controlar extensão de joelhos para se ter bom alinhamento e ocorrer
progressão do passo3.
Apesar de essas adaptações poderem ocorrer no hemiplégico, para que efetivamente
aconteçam o paciente precisa ter acuidade proprioceptiva e controle seletivo,
características as quais são perdidas por pessoas com lesão central ou medular1.
2- Método:
Antes de se tomar a decisão de propor este treino, realizou-se uma busca de artigos que
abordassem sobre o assunto em questão (melhora da marcha em crianças com paralisia
cerebral), mas nenhum artigo até o presente momento foi encontrado.
A busca dos artigos se deu nos seguintes bancos de dados: Bireme, Lilacs e Scielo;
publicados entre os anos de 2004 a 2013. A procura se deu, tanto em língua portuguesa
quanto na língua inglesa, por trabalhos que contivessem as seguintes palavras chave:
treino de marcha, hemiplegia, treino de marcha em esteira e paralisia cerebral.
Além dessa revisão feita para ter assegurado que nada havia sido publicado a respeito,
pensou-se ser interessante também relatar um pouco da experiência que levou a querer
desenvolver este trabalho. A observação se deu a partir do momento em que iniciou o
estágio de neuropediatria no mês de setembro de 2013, mais especificamente com o
atendimento do paciente F.S.C .
F.S.C nasceu em 25 de novembro de 2010, do sexo masculino e cor branca. Esse
paciente foi diagnosticado clinicamente com paralisia cerebral e fisioterapeuticamente
com hemiplegia espástica à direita.
Conforme relato de sua mãe, registrado em prontuário, a gestação foi normal até as 27
semanas, depois a mesma relatou ter sofrido sangramento vaginal e apresentou líquido
amniótico insuficiente. F.S.C nasceu (de 29 semanas pesando 1,170Kg e medindo
37Cm) cianótico e apresentou choro. Foi encaminhado para a Unidade de Terapia
Intensiva (UTI), onde permaneceu por 60 dias na ventilação mecânica. Durante a
11
internação F.S.C apresentou infecção, icterícia, duas paradas cardiorrespiratórias,
anemia e hemorragia estomacal. F.S.C apresenta estrabismo e estigmatismo.
Atualmente está sendo acompanhado por um neurologista, por um pneumologista e por
um cardiologista, além de fazer fisioterapia na clínica escola da UCB 2 vezes semana.
Conforme dados colhidos no prontuário, a etiologia da situação de F.S.C está no
nascimento prematuro e na lesão causada pela hemorragia sofrida por sua mãe. Passou
por intervenção cirúrgica no estõmago devido a uma infecção e a uma hemorragia. Ele
é dependente em suas atividades de vida diária (AVD); passou por estimulação precoce
em Braslândia, onde vive atualmente.
2.1- Dados da avaliação fisioterapêutica:
Atualmente F.S.C é atendido no setor de neuropediatria da clínica escola de
fisioterapia da Universidade Católica de Brasília sediada na cidade de Taguatinga/DF
Ao ser avaliado na clínica escola da UCB verificou-se padrão flexor em membro
superior direito (MSD) e padrão extensor em membro inferior direito (MID),
panturrilha direita hipertônica e marcha em antepé. Apresentou caminhar ágil, mas não
realiza apoio total nem toque de calcanhar; apresentou cognitivo preservado, contatuou
e se comunicou bem.
2.2- Intervenção:
A intervenção ocorreu durante o estágio de neuropediatria, a qual tinha duração de 50
minutos, sendo que o treino na esteira (Modelo Inbrasport), em velocidade de 8m/s,
ocorreu por 5 minutos devido à inquietação da criança. O uso da esteira invertida
aconteceu em quatro encontros de doze, de forma não sequenciada. Antes das
intervenções eram realizados alongamentos e mobilizações articulares. Quando F.S.C
não era posto na esteira, realizava-se outras atividades que fossem lúdicas, mas que
também promovesse melhora de seu quadro clínica, como exemplo seria a brincadeira
de carrinho de mão, onde estaria trabalhando também descarga de peso e estímulo
proprioceptivo, principalmente em seu membro comprometido; outra brincadeira que
12
pode ser citada é a de esparramar todos os legos no chão para depois pedir que fossem
catados com a mão direita(comprometida); para trabalhar membros inferiores, colocava-
se uma tornozeleira de 0,5 Kg em seu tornozelo direito, o que promovia efeito
significante. Quanto ao número de série, tentou-se fazer alongamento por 15 segundos
cada membro, e mobilização por 5 segundos cada articulação. Na massagem de fáscia,
durou por volta de 10 segundos.
3- Resultados e discussão:
Foi observado que ao treinar a marcha dessa criança de modo convencional, seu pé se
mantinha em posição equina; mas ao ser posicionado de maneira invertida na esteira
rolante, seu pé apoiava completamente no solo. Contudo, o toque inicial continuou
sendo com ponta de artelhos, não com calcâneo.
Figura III: Realizando apoio total do pé equino.
13
De acordo com alguns autores, o treino da marcha em esteira está enviando
informações sensoriais capazes de mudar as características do andar, facilitando os
processos de plasticidade neural durante o momento em que o paciente está
reaprendendo os processos motores15. Embora haja diversas formas de treino de marcha
e outros tipos de tratamento que tem como base a neuroplasticidade, o treino em esteira
está baseado em teorias de neuroplasticidade, memória e aprendizado motor; sendo que
a prática repetitiva é necessária para treinar habilidade motora e sensorial. Mesmo que o
diagnóstico clínico de PC seja estático, já está comprovado que o amadurecimento e o
crescimento do sistema nervoso central sofre plasticidade, e o sistema motor irá
demonstrar esses ganhos por meio do controle dos movimentos e pela destreza16.
Contudo, se não houver tratamento adequado de forma precoce, pode ocorrer piora do
quadro do infante que houver sido diagnosticado e classificado como PC leve,
moderado ou grave, independentemente17.
Ainda com relação ao treino de marcha, em esteira, com ou sem suporte de peso
(parcial ou total) pode se dizer que todos os artigos que fizeram uso desse método,
encontraram resultados positivos no que tange ao treino de marcha hemiplégica em
esteira. Foram encontrados diferenças significativas na fase de balanço médio, como na
diminuição do ângulo de flexão do joelho (e aumento do mesmo no contato inicial, do
membro afetado neste caso). Em seu artigo ele cita outros achados, como ganho na
largura do passo e na duração da fase de balanço no membro parético. Segundo este
autor, isso se deve, dentre outras coisas, a alteração da propulsão18. Posto que a
alteração de tônus, postura, fraqueza muscular, baixa resistência a atividade física e
baixa resistência aeróbica seja uma das características desses comprometidos19, o treino
em esteira está se mostrando muito válido para essa população.
Em um estudo realizado em 2004, verificou-se, com o treino em esteira, mais simetria
no passo e menos espasticidade, comparado ao treino em solo20 Além de melhora na
mobilidade, menos dependência de seus pacientes para AVD, locomoção, transferência,
melhora no equilíbrio, alinhamento biomecânico e ativação rítmica, por meio das quais
a deambulação sofreu interferência e, por consequência, interferiu na sua
funcionalidade. Também verificou melhora de equilíbrio funcional em seus pacientes21.
No entanto, houve autores que discorreram em seus artigos que o treino em esteira
14
proporciona melhores ganhos que treino em solo; em relação a esses ganhos os
resultados também foram: melhora da simetria do passo, diminuição da espasticidade do
tríceps sural; segundo ele isso se deve ao maior tempo que o paciente se mantem na fase
de apoio com o membro parético e pelo aumento na prática de tarefa específica. Este
autor também percebeu que quando se compara o treino de marcha em esteira entre com
e sem suspensão de peso, o com suspensão é mais eficaz, principalmente para pacientes
crônicos22.
Resultados similares encontrados por outros estudiosos: melhora da simetria dos
passos, maior mobilidade articular da perna parética na esteira. Seu achado em relação a
comparação entre treino em esteira com treino em solo, não houve diferença; mas
quando comparado ao treino com suspensão parcial ou total de peso, houve. E entre
estas duas últimas também viu-se diferenças; no caso da parcial Patiño percebeu que o
andar se tornou mais funcional. Já em relação a suspensão total, foi verificado que os
pacientes crônicos se beneficiaram muito, comparado ao treino com suspensão parcial
de peso13.
Diversos métodos de reabilitação para marcha são citados em vários estudos, mas, o
mais importante, segundo um dos artigos pesquisados, é que o treino de marcha em solo
embora não tenha ocorrido bons resultados, com a combinação de outras técnicas
provavelmente pode se mostrar eficiente. Se não for assim, o treino em esteira se
mostrará mais eficaz, principalmente se for com suporte de peso23. Neste último, em
consonância com os outros estudos, é excelente para pacientes crônicos. No caso dos
dispositivos robóticos, expõe-se que estão sendo muito utilizados tanto para membros
inferiores quanto para membros superiores de pacientes com comprometimento grave
de marcha, fornecendo segurança na hora do treino, além de permitir aumento da
dificuldade com finalidade de exigir maior desempenho do paciente. Fora que esta
técnica é vista como interessante pelo fato de ser pouco onerosa, de deixar o paciente
mais independente em relação a assistência, fornecer dados cinemáticos e cinéticos; fora
o controle e a intensificação que causa durante a prática, melhorando dessa forma
sensibilidade e confiança23.
Apesar de existirem esses diversos estudos, acredita-se que ainda são necessários mais
outras pesquisas que falem a respeito da robótica e dos ganhos que ela proporciona,
15
pois, embora ela seja utilizada para promover esforços e movimentos do próprio
paciente, incentivando-o a realizar movimentos ativos por meio da repetição e
especificidade também trabalha força e coordenação, além de corrigir os movimentos da
pessoa; ou seja, seja um bom tratamento, não se pode afirmar que ela seja o melhor
tratamento comparado aos demais; pensamento similar à de outros autores15-23.
Embora a maioria dos estudos afirme que a robótica tenha resultados melhores,
principalmente nos casos de quadros clínicos graves, outros autores discorrem não
terem verificado diferenças significativas entre o treino de marcha em esteira
comparado ao treino de marcha em solo. Contudo, os resultados do estudo foram
positivos, pois houve melhora quanto a habilidade motora, diminuiu espasticidade
durante o treino, a força aumentou, houve alteração na dorsiflexão de tornozelo, flexão
de joelho e quadril; pacientes que tinham dificuldades para caminhar estavam
conseguindo melhor a marcha e, aqueles que já caminhavam, melhoraram agilidade.
Lembrando que neste estudo aplicou-se ajuda manual24. O que ocorreu também em um
trabalho feito em 2012 que, além da robótica utilizou treino manual, neste trabalho
verificou-se melhora no equilíbrio e velocidade, promovendo mais independência e
funcionalidade ao paciente25. Para outros estudos os treinos em esteira com auto
sustentação, usando os próprios membros, foram os que deram mais resultados, já os
que não faziam auto sustentação e nem tinham ajuda de um fisioterapeuta, os resultados
foram negativos26.
4- Conclusão:
Embora a ideia de uso invertido de esteira rolante seja interessante e possivelmente
promissor, neste estudo está a desejar devido ao número da amostra, a falta de uma
análise observacional que seja confiável e validada com colhimento de dados por meio
de filmagem ou por análise das pisadas por meio de papel carbono; lembrando que o
método computadorizado é o mais confiável para se realizar análise de march27Ao
tempo curto de intervenção com protocolo não definido, pois o treino dependia do
interesse da criança com baixo nível de atenção em querer realizar a reabilitação que se
propunha a cada dia em que deveria estar na clínica escola para a fisioterapia. Além
disso, outro impeditivo para se fazer um trabalho melhor elaborado foi o curto tempo
16
que se tinha para submeter o projeto ao comitê de ética, esperar a resposta para depois
começar a coleta- ficaria muito próximo da data de apresentação, com o risco de sequer
ficar pronto a tempo para ser apresentado no fim deste semestre.
Apesar disso, tem-se intenção de dar continuidade ao estudo para ver um resultado
fidedigno. No entanto, dá para adiantar que, embora o treino não seja fisiológico, não é
possível tirar conclusões no momento devido a necessidade de um estudo aprofundado.
Em relação ao resultado do estudo, pode se concluir que a facilidade do paciente em
realizar apoio pode ser por seu tornozelo ter boa mobilidade. No que diz respeito ao
toque inicial de ponta dos pés, existe facilidade para esse movimento porque o pé já está
posicionado em planteflexão devido a hiperatividade de gastrocnêmio e sóleo. Já em
relação ao toque de calcanhar, ele pode não ocorrer devido à dificuldade para o paciente
fazer dorsiflexão, devido ao comprometimento do tibial anterior e principalmente por
gastrocnêmio e sóleo estarem hiperativos.
Referências
1 -Perry J. Análise de marcha. Barueri: Manole; 2005.
2- Judas F. et al. Estrutura e Dinâmica do Tecido Ósseo. Clínica Universitária de
Ortopedia do HUC-CHUC e Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra; 2012.
3- Araujo D.M.A. Efeito do treino em tapete rolante na marcha e funcionalidade
de crianças com Paralisia Cerebral. Universidade do Porto; 2010.
4- Torre C.R.M.A. Efeitos do treino de marcha em esteira em crianças com
paralisia cerebral. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos; 2012.
5- Kisnner C. et al. Exercícios terapêuticos: Fundamentos e técnicas. São Paulo:
Manole LTDA; 1998.
6- Smith L.K. et al . Cinesiologia Clínica de Brunnstrom. São Paulo: Manole
LTDA; 1998.
17
7- Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas: Diretrizes de atenção à pessoa com Paralisia
Cerebral. Brasília/DF, 2013.
8- Associação Brasileira de paralisia Cerebral. Saiba mais: Definição e
classificação. Disponível em: < http://www.
paralisiacerebral.org.br/saibamais06.php >Acesso em: 9 dez. 2013.
9- Leite J.M.R.S. Aspectos fisioterapêuticos e Clínicos. Universidade Federal
de São Paulo. São Paulo: 2004.
10- Ferrareto I.S. et al. Paralisia Cerebral: Aspectos práticos. São Paulo:
Memnon, 1998.
11- Fonseca L.F. et al. Manual de Neurologia Infantil: Clínica, Cirurgia, Exames
complementares. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.
12- Cambier J. et al.. Neurologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
13- Segura M. S. P. O andar de pacientes hemiplégicos no solo e na esteira com
suporte total e parcial de peso. Universidade Estadual Paulista, Rio Claro São
Paulo; 2005.
14-Assumpção M.S. Coativação, espasticidade, desempenho motor e funcional
na paralisia cerebral. Universidade Do Estado de Santa Catarina, Florianópolis,
SC, Brasil; Fundação Catarinense de Educação Especial, Florianópolis, SC,
Brasil; Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil; 2011.
15- Zhongxue-W (Zhongxue), Xianli Lv (Xianli Lv). Review of Robot-Assisted
Gait Rehabilitation after Stroke. Interventional Neuroradiology Department,
Beijing Neurosurgical Institute and Beijing Tiantan Hospital, Capital Medical
University, Beijing, China: Journal of Rehabilitation Robotics; 2013.
16- Züger R. W.; Manffra E.F. Efeitos de uma intervenção cinesioterapêutica e
eletroterapêutica na cinemática da marcha de indivíduos hemiparéticos; 2009.
17- Umphred D.; Carlson C. Reabilitação neurológica prática. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2006.
18-Braga et al. Análise da marcha em esteira no paciente
hemiplégico.Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde/Laboratório de Análise de Movimento Humano Aplicado
do Grupo de Estudos das Lesões e Recursos Fisioterapêuticos, Cascavel; 2009.
18
19- Batista K. G. et al. Benefícios do condicionamento cardiorrespiratório em
crianças ou adolescentes em com paralisia cerebral. Fisioter. Mov., Curitiba,
v.23, n2, p.201-209, abr./jun.; 2010.
20- Silva M. S.; Deltrário S. M. B. Paralisia Cerebral: Desempenho funcional
após treinamento da marcha em esteira.Centro Universitário Central Paulista -
São Carlos: Fisioter. Mov. 2008 jul/set;21(3):109-115; 2008.
21- Scalzo P. L. et al. Efeito de um treinamento específico de equilíbrio em
hemiplégicos crônicos 90 Ver. Neurocienc. 2011;19(1):90-97; 2011.
22- Ovando A. C. Treino de marcha, cardiorrespiratório e muscular após
acidente vascular encefálico: Estratégias, dosagens e desfechos. Curitiba.
Fisioter. Mov., Curitiba, v. 23, n. 2, p. 253-269, abr./jun. 2010; 2010.
23-Belda L. et al. Rehabilitation of gait after stroke: a review towards a top-
down approach. Journal of Neuro Engineering and Rehabilitation 2011, 8:66
http://www.jneuroengrehab.com/content/8/1/66 (13 December 2011. BioMed
Central; 2011.
24-Peurala S. H. et al. Effects of intensive gait-oriented physiotherapy during
early acute phase of stroke. Volume 44, Number 5, 2007. Pages 637–648
.Journal of Rehabilitation Research & Development ; 2007.
25-Conesa L. et al. An observational report of intensive robotic and manual gait
training in sub-acute stroke. Journal of Neuroengineering And Reahabilitation;
2012.
26-William Gavin et al. Training Conditions Influence Walking Kinematics and
Self-Selected Walking Speed in Patients with Neurological Impairments. Journal
of Neurotrauma; 2010.
27- Araújo P.A. Validade e confiabilidade intra e interexaminadores da Escala
Observacional de Marcha para crianças com paralisia cerebral espástica.
Departamento de fisioterapia, Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, Brasil;
2008.
19