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1 Propriedade Industrial, Inovação e Adaptação Tecnológica. oportunidades e desafios para a indústria brasileira Jorge Madeira Nogueira, Marcelino A. Asano de Medeiros e Bernardo S. de Aquino Peixe 1 1. A adaptação inovativa em busca de competitividade Inovar e adaptar conhecimentos ao processo de produção são condições necessárias para a definição das estratégias da indústria doméstica de qualquer país para as próximas décadas. Há pouco mais de dez anos, generalizou-se o uso do conceito de "sistema nacional de inovação" 2 , com esforços para adaptação às condições dos países em desenvolvimento (PED). Tigre et al (1999, p.184) afirmam que: "Em um país semi-industrializado ..., a análise do papel do sistema de inovação pode ser construída a partir da compreensão das especificidades do desenvolvimento nas condições periféricas. Países periféricos precisam construir e amadurecer seus sistemas nacionais de inovação com objetivos e direções distintas das existentes nos países já desenvolvidos." (itálicos adicionados). Neste ensaio discutimos alguns destes "objetivos e direções distintas" no contexto de um dos mais relevantes arranjos institucionais de um país: o direito de propriedade sobre a invenção. O sistema legal, ao regular e institucionalizar a concessão de direitos de propriedade, estabelece os limites da relação entre o privado e o público; no caso, entre o incentivo privado à inovação/adaptação e o interesse público na difusão da informação (Bifani, 1992, p.428) e do seu desenvolvimento tecnológico e aumento do bem-estar decorrente (Albuquerque, 1998, p.90). Nós discutimos o papel que o sistema de direitos de propriedade da tecnologia influencia aquilo que Schmitz (2000) chamou de melhoramento (upgrading): incrementar a posição competitiva de uma empresa ou de um aglomerado (cluster) de empresas. A geração de novo conhecimento técnico é sempre apontado como essencial ao aumento da produção e da competitividade da atividade industrial (Rosenberg, 1996). Não surpreendentemente, ciência e tecnologia (C&T) têm sido objeto de interesse público há séculos (Soete e Weel, 2000, e Cruz Filho, 1996). Mais recentemente, tem crescido o consenso em torno da necessidade de uma economia alcançar vantagem competitiva via mudança técnica e inovação. Estas são, por sua vez, dependentes da eficiência com que empresas e instituições podem gerar, 1 Do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (ECO/UnB). Respectivamente, professor-adjunto IV, economista e ex-bolsista do CNPq, e economista. Ambos são membros do Núcleo de Estudos e de Políticas de Desenvolvimento Agrícola e de Meio Ambiente (NEPAMA). Este trabalho contou com o apoio do PRONEX/FINEP/MCT. 2 "... [E]sses sistemas são um arranjo institucional responsável pela endogeneização do progresso tecnológico na dinâmica econômica de um país. ... Estando as firmas inovadoras no centro do sistema, tal arranjo institucional envolve agências governamentais, universidades, institutos de pesquisa, redes de interação entre firmas e outras instituições, incluindo o sistema financeiro, dado o seu papel de apoio ao investimento inovador."(Tigre et al, 1999, p.FALTA A PáGINA ) Complementando esta definição, Albuquerque (1996c, p.121) afirma que este sistema resulta de “uma ação planejada e consciente ou de um somatório de decisões não-planejadas e desarticuladas, (...) (viabilizando) a realização de fluxos de informação necessários ao processo de inovação tecnológica.”

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Propriedade Industrial, Inovação e Adaptação Tecnológica. oportunidades e desafios para a indústria brasileira

Jorge Madeira Nogueira, Marcelino A. Asano de Medeiros e Bernardo S. de Aquino Peixe1

1. A adaptação inovativa em busca de competitividade Inovar e adaptar conhecimentos ao processo de produção são condições necessárias para a definição das estratégias da indústria doméstica de qualquer país para as próximas décadas. Há pouco mais de dez anos, generalizou-se o uso do conceito de "sistema nacional de inovação"2, com esforços para adaptação às condições dos países em desenvolvimento (PED). Tigre et al (1999, p.184) afirmam que: "Em um país semi-industrializado ..., a análise do papel do sistema de inovação pode ser construída a partir da compreensão das especificidades do desenvolvimento nas condições periféricas. Países periféricos precisam construir e amadurecer seus sistemas nacionais de inovação com objetivos e direções distintas das existentes nos países já desenvolvidos." (itálicos adicionados). Neste ensaio discutimos alguns destes "objetivos e direções distintas" no contexto de um dos mais relevantes arranjos institucionais de um país: o direito de propriedade sobre a invenção. O sistema legal, ao regular e institucionalizar a concessão de direitos de propriedade, estabelece os limites da relação entre o privado e o público; no caso, entre o incentivo privado à inovação/adaptação e o interesse público na difusão da informação (Bifani, 1992, p.428) e do seu desenvolvimento tecnológico e aumento do bem-estar decorrente (Albuquerque, 1998, p.90). Nós discutimos o papel que o sistema de direitos de propriedade da tecnologia influencia aquilo que Schmitz (2000) chamou de melhoramento (upgrading): incrementar a posição competitiva de uma empresa ou de um aglomerado (cluster) de empresas. A geração de novo conhecimento técnico é sempre apontado como essencial ao aumento da produção e da competitividade da atividade industrial (Rosenberg, 1996). Não surpreendentemente, ciência e tecnologia (C&T) têm sido objeto de interesse público há séculos (Soete e Weel, 2000, e Cruz Filho, 1996). Mais recentemente, tem crescido o consenso em torno da necessidade de uma economia alcançar vantagem competitiva via mudança técnica e inovação. Estas são, por sua vez, dependentes da eficiência com que empresas e instituições podem gerar, 1Do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (ECO/UnB). Respectivamente, professor-adjunto IV, economista e ex-bolsista do CNPq, e economista. Ambos são membros do Núcleo de Estudos e de Políticas de Desenvolvimento Agrícola e de Meio Ambiente (NEPAMA). Este trabalho contou com o apoio do PRONEX/FINEP/MCT. 2"... [E]sses sistemas são um arranjo institucional responsável pela endogeneização do progresso tecnológico na dinâmica econômica de um país. ... Estando as firmas inovadoras no centro do sistema, tal arranjo institucional envolve agências governamentais, universidades, institutos de pesquisa, redes de interação entre firmas e outras instituições, incluindo o sistema financeiro, dado o seu papel de apoio ao investimento inovador."(Tigre et al, 1999, p.FALTA A PáGINA) Complementando esta definição, Albuquerque (1996c, p.121) afirma que este sistema resulta de “uma ação planejada e consciente ou de um somatório de decisões não-planejadas e desarticuladas, (...) (viabilizando) a realização de fluxos de informação necessários ao processo de inovação tecnológica.”

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adaptar, aplicar e difundir novos conhecimentos e informações. Isto é particular e crescentemente verdadeiro para os PED na era da internacionalização da produção, pois visa torná-los menos vulneráveis às crises cíclicas e às reduções nas exportações para as economias desenvolvidas do hemisfério Norte (Hoffmaister, Pradhan e Samiei, 1998). Pesquisas e recomendações de políticas públicas, entretanto, têm dado maior ênfase à geração de novas tecnologias por PED e subestimado o papel central que a adaptação pode desempenhar na busca de competitividade industrial de países emergentes. Adaptar é componente essencial do melhoramento mencionado por Schmitz, que pode ser alcançado de diferentes maneiras: (1) melhoramento de processo (desempenhar melhor certas tarefas, reorganizando o processo de produção ou introduzindo novas máquinas); (2) melhoramento de produto (fabricar um produto de melhor qualidade, mais sofisticado ou simplesmente mais barato) e (3) melhoramento funcional (envolver-se em novos estágios da cadeia de valor adicionado3, tais como desenho ou marketing) (Schmitz, 2000, p.2-3). A intensificação do progresso técnico das últimas décadas tem afetado diferentes aspectos da sociedade, dentre eles, sua organização jurídico-institucional. Em conseqüência, a legislação de propriedade intelectual, p.e., tem sido impelida para áreas desconhecidas e aplicação a casos difíceis, desafiando a capacidade dos tribunais e legislaturas (Besen e Raskind, 1991, p.25). A rapidez e profundidade destas mudanças tendem a suscitar dúvidas sobre a adequabilidade da legislação vigente, dividindo opiniões: uns contra, questionando os seus suportes básicos (Barbosa, 1999; Barbosa, 1981, p.13, e Bifani, 1992, p.444), e outros a favor, argumentando que o sistema está fundamentalmente correto (Scholze, 1998, p.47, e Mello, 1998, p.81). Não obstante, há um certo consenso quanto à relevância do (re)conhecimento do estágio histórico de desenvolvimento tecnológico do país para adotar o arcabouço jurídico-institucional mais afinado com os interesses de políticas tecnológica e industrial nacionais que contribuam para o seu desenvolvimento econômico (Barbosa, 1981). Esta é a relevância deste ensaio, contribuir para uma reflexão cautelosa e fundamentada dos aspectos que envolvem a proteção dos direitos de propriedade intelectual (DPI) e suas implicações sobre o estabelecimento de uma estratégia para a indústria brasileira. Não temos dúvida de que se trata de um componente essencial para analisar as oportunidades e os desafios que o setor industrial nacional enfrenta e continuará a enfrentar no próximo quarto de século. Assim, o ensaio parte da discussão do estado-das-artes do tratamento dos DPI pela teoria econômica. Na terceira seção, detalha-se a importância de um adequado sistema de patentes como instrumento de inovação e adaptação tecnológica e como principal elemento no desenho de um sistema nacional de inovação. Por fim, a última parte é a conclusão em que se resumem os principais resultados e as sugestões para pesquisas futuras e de políticas públicas. 2. Propriedade intelectual: invenção e descoberta protegidas 3Seqüência de atividades que transformam uma idéia de produto (bem ou serviço) em algo que será oferecido para consumo.

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O interesse crescente nos aspectos econômicos da propriedade intelectual é justificável (Rivette e Kline, 2000). A participação da tecnologia no cotidiano da sociedade humana tem se intensificado ao longo da sua história, transformando-se num sinônimo do seu estágio de desenvolvimento material (Chichilnisky, 1997). Disso decorre a atribuição de uma importância crescente a uma “mercadoria com características especiais”: o conhecimento (Arrow, 1962, em Albuquerque, 1998, p.88). A ênfase na produção e uso desta commodity deflagrou uma “revolução do conhecimento”, cujo reflexo imediato nas economias industriais modernas é o crescimento do emprego no setor de serviços4 (Rosenberg, 1996, p.10). Neste mister, as tecnologias avançadas desempenham o papel de difundir rapidamente o novo conhecimento gerado. Por isto que Chichilnisky (1997, p.7) afirma que a tecnologia da informação é o “combustível” do conhecimento, pois permite sua movimentação no espaço e no tempo. Isto permite superar dificuldades e distâncias, transformando o mundo em uma espécie de país único. Neste sentido, a abertura ao comércio internacional tem sido outro fator determinante do desenvolvimento econômico dos países (Rosenberg, 1996, p.11). Dentre os aspectos favoráveis e aceleradores deste processo, insere-se a questão da transferência de novas tecnologias (Barbosa, 1981; Reddy e Zhao, 1990), num contexto de gestão do desenvolvimento tecnológico (Dahlman, Ross-Larson e Westphal, 1987). Para os PED, esta questão é crucial e suas decisões, seguindo a orientação política dos seus governos, devem se basear em estudos criteriosos, ponderando benefícios e custos sociais (Penrose, 1973, p.785). Isto será determinante no padrão de vida futuro e na competitividade econômica destas sociedades. O mecanismo jurídico-institucional é uma das formas de lidar e regular a relação comércio-tecnologia. Porém, a garantia social de proteção econômica às tecnologias emergentes só pode e/ou deve acontecer sem alterar a essência da forma de apropriação, qual seja, a propriedade privada5. Isso justifica o debate em torno das formas jurídicas dessa proteção porque, dentre outras coisas, ela assegura a “apropriação da ciência pela tecnologia” (Barbosa, 1999, p.22-3; Dasgupta, 1988, p.70, e Silva, 1991, p.479, em Muniz e Del Nero, 1998, p.108). No Brasil, no entanto, apenas recentemente a questão da propriedade intelectual tem tomado um espaço maior no debate nacional6 e despertado o interesse das autoridades públicas7. No exterior, porém, o assunto já vem sendo tratado 4Deve-se distinguir “economia de serviços” de “economia do conhecimento” (Chichilnisky, 1997, p.9-10). Esta apresenta uma predominância de empregos que exigem alta qualificação e remuneração (baseadas no cérebro humano) e aquela, por empregos de baixa qualificação e remuneração (fundamentadas na operação de máquinas ou prestação de serviços). 5Há uma tendência mundial de uniformização da legislação de propriedade intelectual (devido à Rodada Uruguai do GATT) seguindo o modelo dos EUA (Albuquerque, 1996b, p.149), cuja ênfase “excessiva” é no interesse privado (Ordover, 1991, em Albuquerque, 1996a, p.180). Isto se coaduna com o principal argumento dos juristas: defesa incondicional da propriedade privada. Interessante contrastar esta visão com a dos profissionais de informática que percebem melhor o caráter social das patentes (ver Pedroso Jr. et al., 1998, p.119-21). 6A Confederação Nacional da Indústria (CNI), órgão representativo do setor industrial brasileiro, tem manifestado preocupação e apoiado a regulamentação e controle da propriedade intelectual através dos órgãos competentes do governo (CNI, 1998, p.78). 7O caso dos medicamentos genéricos ilustra bem os ganhos de bem-estar (diferenças de preços entre 210 e 50% menores) decorrentes da exploração de patentes cujo prazo de proteção expirou

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seriamente há algum tempo por envolver interesses e cifras expressivas e ter sido objeto de verdadeiras disputas entre as potências industriais na Organização Mundial do Comércio8(OMC) no âmbito do Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, including Trade and Counterfeit Goods (TRIPS) (Barbosa, 1999, p.53; Albuquerque, 1996b, e Cruz, 1997, p.179). Isso evidencia a necessidade de conhecer o problema em profundidade para também obter vantagens econômicas do processo ou se defender de perdas potenciais por desconhecimento ou ignorância sobre o assunto. 2.1 - Propriedade intelectual O trabalho humano criativo inicia-se como um processo mental e abstrato visando atingir um determinado objetivo (Barbosa, 1999, p.23, e Silveira, 1996, p.3, em Yeganiantz, 1998, p.140). Se ele apresentar um fim em si mesmo, permanecerá subjetivo e intangível, apesar de ser o resultado “concreto” de uma atividade intelectual. Ele mostra-se útil, porém esta utilidade não alcança o econômico. Para que um trabalho intelectual transcenda essa natureza abstrata, ele precisa culminar em um bem tangível; e, para atingir o econômico, ele precisa se realizar através da produção econômica, ou seja, apresentando utilidade econômica para a sociedade através de alguma aplicação. Este tipo particular de trabalho intelectual, expresso sob a forma de conhecimento e/ou informações de uso prático, é o objeto de estudo da propriedade intelectual. A teoria econômica do bem-estar (aplicada) raramente discute uma fonte crítica do bem-estar: a produção, disseminação e uso do conhecimento9 (Dasgupta, 1988, p.66). Porém, uma olhada pelo mundo afora mostra uma lista impressionante de estudos de caso que evidenciam gastos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para geração de novos conhecimentos como uma arma estratégica para as empresas na busca pelo lucro, participação no mercado ou simples sobrevivência (Rivette e Kline, 2000; Chichilnisky, 1997). O caráter multidimensional e intangível do conhecimento dificulta o seu tratamento pela teoria econômica, particularmente pela abordagem neoclássica, devido às limitações dos seus instrumentos analíticos (Arrow, 1962, em Albuquerque, 1998, p.88). Não obstante, ela auxilia no entendimento do assunto. Por hipótese, assume-se que um conhecimento novo é capaz de induzir uma inovação10 que apresente utilidade econômica para a sociedade. A existência de (Vilardaga, 2001). 8Organismo do comércio internacional que substituiu o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). O tema é tão importante que existe um Conselho na OMC (do total de três) somente para tratar de DPI (Rêgo, 1996, p.20). 9Dasgupta (1988, p.67-71) discute as características do conhecimento e mostra a importância histórica do surgimento da pesquisa em equipe como elemento catalisador da produção de novos conhecimentos. Para detalhes sobre o contexto sócio-econômico e institucional da geração, difusão e comércio de novos conhecimentos, ver Powell e Owen-Smith (1998), Freeman e Soete (1997) e Lima (1995). 10Inovação: é um processo que objetiva “levar a bom termo a utilização comercial da invenção” (Gonod, 1972, em Barbosa, 1999, p.41 e nota 14). Desta maneira, torna-se complementar à invenção e insere-se nas esferas da produção e da comercialização. Este entendimento explica a “criação” de utilidade para os consumidores, via anúncios publicitários. Daí o termo “mercadoria estética” usada por alguns autores que entendem a importância econômica da inovação por conferir “sensualidade às mercadorias” (Haug, 1982, em Barbosa, 1999, p.41 e nota 15). Esta interpretação

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incentivos a inovar justifica a adoção de um mecanismo de proteção aos DPI. A garantia de que uma empresa disporá de meios efetivos para recuperar os seus gastos de P&D na criação de uma inovação (novo produto ou processo produtivo) representa um estímulo à sua decisão de investir (Besen e Raskind, 1991, p.5). A proteção significa uma perspectiva real de apropriação dos resultados presentes e futuros decorrentes da exploração monopolística da sua inovação (através do uso próprio ou licenciado), conferindo-lhe uma vantagem comparativa frente aos seus concorrentes (Albuquerque, 1998, p.88-9). Este aspecto é crucial para a sobrevivência das empresas em mercados reais, expressando o interesse privado na inovação. A outra parte diretamente afetada (também potencialmente ganhadora no processo) pela inovação é a sociedade. Como ela se beneficia do processo? Vai depender do “custo mínimo” da atividade inovadora nessa sociedade (Besen e Raskind, 1991, p.5-6). Isto é, do custo que a sociedade vai impor aos outros agentes inovadores para terem acesso e poderem usar a inovação como ponto de partida para novas criações ou descobertas11. Desta forma, a inovação reduz o custo efetivo de novos conhecimentos e uma legislação de propriedade intelectual sensível a este aspecto econômico é decisiva na diminuição dos custos sociais totais12 de inovações subseqüentes. Isso evidencia um interesse social em institucionalizar, sob a forma de lei, a garantia de apropriação monopolística pela empresa dos resultados decorrentes dos seus investimentos em P&D na busca de novos conhecimentos. Em contrapartida, a sociedade exige a divulgação pública desta inovação para ser utilizada por quem interessar mediante acordo, geralmente envolvendo alguma forma de remuneração (Bifani, 1992, p.428-9). Teoricamente, o resultado de todo este processo é o aumento do bem-estar social expresso na disponibilidade de mais produção a um custo menor (Albuquerque, 1998, p.90). E como transformar a inovação numa “força propulsora real do desenvolvimento”? Através do aspecto mais criativo do conceito de proteção: duração limitada no tempo (Pretnar, 1981, p.129, em Barbosa, 1999, p.24). Isto desafia o titular da inovação a se manter na vanguarda do processo tecnológico porque a expiração da proteção automaticamente exclui o seu poder de monopólio e disponibiliza o uso da

de inovação difere do usualmente empregado na literatura econômica, conforme Schumpeter (1997) o faz, porque não compreende o processo inventivo em si. 11Descoberta: pode ser entendida como uma “transformação esclarecedora ou desveladora da natureza” (Barbosa, 1999, p.59). É o elemento mais básico numa escala, digamos, hierárquica do conhecimento, confundindo-se com a idéia. Define-se descoberta como “a determinação de até então desconhecidas leis objetivas, propriedades objetivas e fenômenos do mundo material, cuja determinação ocasiona mudanças fundamentais no nível de conhecimento” (URSS, Lei de descobertas, invenções e racionalizações em Barbosa, 1999, p.38). Por conseguinte, “[a] descoberta não é por si um meio de produção, mas um bem livre, sem propriedade”. Um exemplo de descoberta de leis naturais é o algoritmo (enquanto entidade matemática abstrata) que origina o programa de computador (Pedroso Jr. et al., 1999, p.123; Besen e Raskind, 1991, p.9-10). 12Uma forte proteção aos DPI, onde o primeiro a inovar apropria-se da totalidade dos benefícios (winner-take-all system), estimula uma “corrida às patentes”, provocando uma mobilização de recursos num montante superior ao socialmente ótimo (Besen e Raskind, 1991, p.5-6). Embora as pesquisas paralelas sejam geralmente interpretadas como desperdício de recursos sociais, Priest (1977, em Kitch, 1977, p.279, nota 37) discute os benefícios aos consumidores provenientes dos investimentos já realizados.

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inovação livre de qualquer impedimento. Isto é, a inovação cai em domínio público e passa a compor definitivamente o estoque de conhecimento técnico disponível da sociedade. Resumidamente,“[a] proteção temporal da invenção, conjugada à sua divulgação social, nega à patente a condição de mero monopólio, tornando-a um instrumento do desenvolvimento sócio-econômico e afirmando-a como expressão original da tendência legislativa moderna de harmonizar a propriedade privada com o interesse público.” (Barbosa, 1999, p.25). Assim, fica claro que o desenho de um sistema adequado de proteção aos DPI passa necessariamente pelo desafio de equilibrar o trade-off entre o incentivo privado a inovar e a necessidade social de difusão da inovação (Albuquerque, 1998, p.87). Trata-se de equilibrar criação e disseminação do conhecimento técnico13 materializado no objeto protegido. O pouco uso das novas inovações devido a um sistema forte de proteção pode ser menos benéfico a uma sociedade do que um sistema no qual a capacidade criativa não seja tão protegida, privilegiando-se a disseminação do conhecimento. Em última instância, discute-se o verdadeiro propósito da proteção (Besen e Raskind, 1991, p.6), enfocando-a inclusive quanto às preocupações com a transferência e comércio de tecnologia14 a nível internacional, fazendo uso do “poder de barganha” (Penrose, 1973, p.785, e Barbosa, 1981, p.15). Outro aspecto importante para a eficácia social do sistema é a avaliação da capacidade de resposta da atividade criativa aos incentivos econômicos. Assim, à medida que a capacidade inovadora dos agentes torna-se menos dependente de estímulos, seja sob a forma de recursos de investimento e/ou de vantagens econômicas potenciais, menor a necessidade de conceder direitos abrangentes a eles (Besen e Raskind, 1991, p.6). Isso poderia ser ilustrado por uma situação na qual os inovadores fossem capazes de ter acesso a algum tipo de financiamento (mercado de capitais) num montante suficiente para dar suporte à sua atividade inovadora, sustentando toda a cadeia produtiva que dele depende (Albuquerque, 1996c). Assim, o recurso obtido com a comercialização da inovação no mercado consumidor seria de tal monta e se realizaria com uma tal rapidez que não se justificaria recorrer aos mecanismos onerosos de proteção legal. Este caso parece estar mais associado às inovações schumpeterianas15. 13Técnica: deve ser entendida como “meios intangíveis (grifo nosso) de produção e de comércio, destinados a maximizar a produtividade do capital na circulação econômica, cujo potencial máximo é determinado pelo estado da técnica na esfera de produção, bem como pela redução aos entraves da realização na esfera comercial” (Barbosa, 1999, p.40). Em si, elas não geram riqueza, não valorizam o capital adiantado ao início do processo de produção, embora sejam úteis para limitar a redução da riqueza. São criações sem propriedade ou que caíram no domínio público com o transcorrer do tempo. O taylorismo, os métodos contábeis e administrativos e os sistemas de cálculo, de controle empresarial, de crédito são exemplos de técnicas no sentido aqui utilizado (Barbosa, 1999, p.40-1). 14Neste ponto, estamos adotando a definição ampla de tecnologia de Sábato (1972, p.1, em Barbosa, 1981, p.19), apesar dela não se restringir à esfera de produção, i.e., às tecnologias de produção - processo ou produto - conforme bem alertado por Barbosa (1981, p.20). “Tecnologia é o conjunto ordenado de conhecimentos empregados na produção e comercialização de bens e serviços, e que está integrada não só por conhecimentos científicos - provenientes das ciências naturais, sociais, humanas, etc.-, mas igualmente por conhecimentos empíricos que resultam de observações, experiência, atitudes específicas, tradição (oral ou escrita), etc.” 15Schumpeter (1997, p.79-81) mostra a relação entre o crédito bancário ao empreendedor e a inovação, que ele chama de “combinação nova”. Mesmo o “maior dos cartéis” precisa de crédito para realizar uma combinação nova porque o montante de recursos necessários não pode ser financiado pelos retornos da produção anterior, visto que existe um elevado custo de oportunidade dos fatores

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Para ilustrar a variabilidade de combinações que o trade-off entre os aspectos público e privado da proteção aos DPI apresenta a nível internacional, pode-se tomar os casos das legislações patentárias dos EUA e do Japão (Cruz, 1997, p.183-5, e Ordover, 1991, em Albuquerque, 1996a, p.180-9). Existem diferenças marcantes na orientação de política seguida em cada um desses países. O Japão enfatiza o lado social das patentes favorecendo um sistema “fraco” de proteção que estimula a cooperação e o “compartilhamento” do conhecimento16. É o que Foray (1993, em Albuquerque, 1996a, p.180-1) chama de “sistema-D”, que incentiva a difusão, típico de economias voltadas para a imitação e melhoramentos incrementais. O sistema norte-americano, por sua vez, preza pelo caráter privado de estímulo à inovação, expresso num mecanismo “forte” de proteção, sendo um exemplo de “sistema-P”, que protege a inovação. As diferenças entre estes sistemas são compreensíveis quando se considera o contexto histórico e sócio-político de inserção de cada um destes países no cenário internacional de produção de conhecimento tecnológico. Enquanto o Japão se notabilizou pela imitação ou incrementos de inovações (Cruz, 1997, p.184), os EUA se caracterizaram pela posição de vanguarda na produção de novos conhecimentos (Albuquerque, 1996b). Assim, a escolha de uma “intensidade” de proteção deve estar alinhada com os objetivos das políticas de desenvolvimento econômico e industrial nacionais. Entretanto, há uma ressalva. A legislação de propriedade intelectual não atua sozinha no desenvolvimento tecnológico de um país. É necessária uma legislação antitruste17 ou pró-competição (para regular as práticas monopolísticas das empresas, criação barreiras à entrada e reservas de mercado) que lhe complete (Penrose, 1973, p.779; OCDE, 1989 e Baxter, 1985, em Albuquerque, 1996, p.174, e Barbosa, 1981, p.42). Nesse sentido, Araújo Jr. et al (1992, p.157, em Albuquerque, 1996a, p.193) chama de “anomalia institucional” o desenvolvimento de uma legislação patentária sem a correspondente legislação antitruste. Isso termina por reforçar o caráter privado “pró-monopolista” das patentes em detrimento do seu aspecto social ”pró-abertura das informações”. Este tipo de desequilíbrio legal-institucional deve ser evitado. 2.2 - Principais mecanismos de proteção à propriedade intelectual18

que serão utilizados (e que, às vezes, já estão empregados). Assim, apenas a concessão de um crédito bancário ao empreendedor é capaz de deslocar ou empregar novos fatores produtivos na realização da combinação nova. 16“Compartilhar tecnologia” foi o termo usado por Spero (1990, em Albuquerque, 1996a, p.175, nota 3), um alto executivo americano, para caracterizar a legislação japonesa sobre patentes. 17O surgimento da legislação antitruste nos EUA resultou de práticas abusivas de empresas monopolísticas, notadamente restrições ao comércio. Desde o final do século XIX e início deste, constatava-se uma cartelização e oligopolização da economia mundial, manifestando-se em particular no monopólio tecnológico (Barbosa, 1981, p.42). 18Barbosa (1999, p.42) distingue propriedade intelectual de propriedade industrial. Ambos compõem a propriedade imaterial do trabalho intelectual. Na sua classificação, a propriedade intelectual engloba o direito de autor e o copyright e a propriedade industrial, as patentes de invenção e de modelo de utilidade e a marca.

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Os instrumentos mais utilizados para proteger os DPI são patentes19, direitos de reprodução (copyright) e marca (trademark) (Cruz, 1997, p.180). Eles se caracterizam pela garantia legal de usufruto exclusivo (para fins comerciais) do objeto de proteção (pode ser um sinal, símbolo, produto ou processo) por um período limitado de tempo20. Além destas, existem outras formas de proteção, cada uma buscando adequar-se melhor ao mundo real pois não existe um mecanismo que garanta uma apropriação perfeita dos benefícios de uma inovação por lidar com uma commodity altamente diferenciável, o conhecimento (Lima, 1995). Vejamos as principais características e limitações destes três instrumentos. A patente habilita o titular a excluir todos os outros de fabricar, vender ou usar o objeto sob proteção por um período determinado de tempo (Besen e Raskind, 1991, p.6-7)21. Graficamente, a situação pode ser descrita da seguinte maneira (figura 1). Quando uma firma introduz uma inovação num produto, ela provoca uma redução de custos (equivalente à passagem de CMg1 para CMg2). A concessão de um monopólio temporário a esta firma permite que ela elimine toda a concorrência do mercado e se aproprie deste diferencial de custos sob a forma de lucros (área representada pelo retângulo CMg1CMg2AD1). Esta renda se propõe a representar um “incentivo a inovar” e uma retribuição social ao esforço criativo do agente inovador (Arrow, 1962, em Albuquerque, 1998, p.89). O alcance da proteção oferecido por uma patente restringe-se ao seu título que é uma descrição técnica do processo, máquina, método ou matéria contida no requerimento patentário original. O código patentário22 exige que a invenção atenda alguns requisitos: novidade, utilidade ou aplicação prática e não-obviedade para uma pessoa familiarizada com o estado-das-artes do campo de conhecimento ao qual a invenção pertença (Besen e Raskind, 1991, p.7, e Cruz Filho, 1996, p.161-3)23. O direito de reprodução (copyright) difere da patente porque restringe-se aos requisitos de autoria e fixação. O objeto sob proteção deve apresentar um autor (ou autores) para o trabalho original e estar “fixado” em um meio tangível de expressão (papel, tubos de imagem, meio eletrônico, etc.). A não-obrigatoriedade de depósito prévio da criação em instituições específicas para este fim (como existe com as patentes) faz com que o alcance da proteção seja definido em litígio. A precedência

19Para uma discussão teórica mais rigorosa das patentes apenas, ver Albuquerque (1998). 20De acordo com a Lei n. 9279/96 (LPI), a marca tem vigência por dez anos, a partir da data de concessão, podendo ser renovada por períodos iguais e sucessivos (indefinidamente). Isso a torna diferente das patentes de invenção e de modelo de utilidade e do copyright que têm, de fato, duração limitada de tempo. As patentes de invenção vigoram por vinte anos e as de modelo de utilidade, quinze anos. Através da Lei n. 9610/98, conhecida como Lei sobre Direitos Autorais, a legislação brasileira divide o Direito de Autor em direitos morais e direitos patrimoniais. Dentre estes, inclui-se o direito de “conceder cópias” (copyright) sobre suas obras; o prazo é de setenta anos. Para o caso específico dos programas de computador, o prazo é de cinqüenta anos (Lei n. 9609/98). 21Besen e Raskind (1991) também descrevem os instrumentos de proteção dos chips semicondutores, segredos comerciais e apropriação indevida utilizados pela legislação dos EUA. 22Os EUA, diferentemente de todos os outros países, segue o princípio de “primeiro a inventar” para conceder prioridade na titularidade da patente (Besen e Raskind, 1991, p.7). O Japão adota o princípio do “primeiro a registrar” (Cruz, 1997, p.183). Kitch (1977) faz uma excelente discussão para mostrar a rationale para os EUA adotarem o mecanismo de “primeiro a inventar”. 23Eles alertam para uma certa dose de “subjetividade” no mecanismo porque os examinadores têm o poder de decidir pela satisfação ou não dos critérios de novidade e não-obviedade da invenção.

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temporal da expressão, e não da idéia criada, garante a titularidade da proteção. Uma observação curiosa no que tange aos dois instrumentos apresentados (patente e direito de reprodução) é a sua excludibilidade. Exercer o direito de proteção através da patente, p.e., implica obrigatoriamente em desistir do direito de reprodução (ou vice-versa). Esse é o caso dos programas de computador (Besen e Raskind, 1991, p.11-3). _______________________________________________________

COLOCAR A FIGURA 1 POR AQUI. acho melhor no final do texto - Marcelino

O terceiro mecanismo mais utilizado, a marca (trademark), difere de todos os outros em sua função econômica. Ela não se destina a criar incentivos para a inovação ou criatividade, mas apenas para identificar produtos e sua origem24, configurando-se numa forma de proteção indireta ao consumidor através da credibilidade que uma marca registrada se propõe inspirar25. Esta credibilidade decorre de uma suposta qualidade do produto e da familiaridade pública com ele. Estes fatores reforçam o valor de uma marca registrada e justificam os gastos com propaganda e divulgação de produtos como uma forma de diferenciá-los ou de criar barreiras à entrada de produtos concorrentes (Besen e Raskind, 1991, p.20-1). 2.3 - Comentários conclusivos Pelo exposto, fica clara a relevância do estudo da propriedade intelectual no contexto de PED, dado o objetivo de perseguir o modelo de sociedade do conhecimento, baseada na produção e gestão da informação e do conhecimento técnico. Neste esforço, o arcabouço jurídico-institucional tem papel destacado porque intermedia as relações econômicas, sendo impossível compreender as forças de mercado sem analisá-lo (Barbosa, 1981, p.15). No caso específico dos DPI, a legislação tem a função de regular a relação econômica entre o incentivo privado a inovar e o interesse público na difusão do conhecimento; não devendo ser confundido como um “instrumento de concorrência” ou de “estímulo à competição”, como interpretam Mello (1998, p.74) e Scholze (1998, p.63), respectivamente, ilustrando bem a postura errônea dos juristas. Esta postura, aliás, reforça a crítica de Muniz e Del Nero (1998, p.113) quando argumentam que embora o Estado se envolva na criação das leis, “o conteúdo normativo apresenta-se prejudicial aos interesses da pesquisa (...) (sendo um reflexo) da própria tradição brasileira em legislação da propriedade privada“, beneficiando as empresas no desfrute de “todas as prerrogativas econômicas advindas da regulamentação.” Concorrência é um tema para ser tratado adequadamente no âmbito da legislação 24A origem histórica das marcas e signos empresariais modernos encontra-se nas práticas de identificação de produtos por parte das Corporações de Ofício e das Guildas Medievais (Besen e Raskind, 1991, p.21). Estas práticas se disseminaram na Europa a partir dos séculos XII e XIII e funcionavam como um certificado de origem (qualidade) que permitiam manter a técnica em segredo (Cruz Filho, 1996, p.132). 25Não poderia deixar de lembrar o caso da dioxina na Coca-Cola produzida na Bélgica acontecido em 1999 e fartamente noticiado nos meios de comunicação.

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antitruste, pois se refere à regulação de mercados e competição entre empresas26. A predominância daquela visão dos juristas tende a reforçar a “anomalia institucional” de não entender o papel de complementaridade que existe entre as legislações antitruste e patentária (Albuquerque, 1996a, p.193), afetando a difusão do conhecimento tecnológico. Talvez isto se explique pela não-familiaridade brasileira com o assunto, levando a exigir, erroneamente, da legislação patentária que ela desempenhe também a função de “instrumento de concorrência”. Esta “confusão” teórica ficará melhor qualificada com uma análise dos aspectos econômicos envolvidos na proteção aos DPI. 3. As patentes e o estímulo a adaptar e a inovar A permanente concorrência capitalista premia aquelas firmas que introduzem inovações tecnológicas com lucros acima da média. Diferentes mecanismos de apropriação são utilizados na tentativa de prolongar o “monopólio temporário” do inovador (Schumpeter, 1997). Entre estes mecanismos destacam-se: segredo comercial, evolução na curva de aprendizado, patentes, lead times, custos e tempo requeridos para duplicação, dimensão dos esforços de vendas, etc. (Dosi, 1988 em Albuquerque, 1996a, p.173 e Albuquerque, 1996b, p.129). Pode-se dizer que cada fase do capitalismo conheceu diferentes formas de garantir a apropriação de bens intangíveis de acordo com diferentes paradigmas tecnológicos (Cruz Filho, 1996). Freeman e Perez (1988) argumentam que merece destaque a relação interativa e complexa entre as características econômicas e tecnológicas de um período e as instituições construídas neste período. É necessária uma compatibilidade destas, que organizam a sociedade, para que um novo paradigma econômico e tecnológico possa se desenvolver; e dentro da relação entre um paradigma e as instituições de uma sociedade estão as formas de apropriação de inovações tecnológicas (Albuquerque, 1996a, p.130). A patente é uma destas formas. Ao se relacionar o desenvolvimento dos sistemas de patentes com as diferentes fases do capitalismo, identifica-se que na primeira fase se deram a reforma e o fortalecimento dos sistemas de patentes no interior dos países pelos quais se disseminou originalmente a revolução industrial – principalmente a Inglaterra. Na fase seguinte, houve uma internacionalização dos sistemas de patentes, com a realização da Convenção de Paris de 1883, originando a União Internacional para Proteção da Propriedade Intelectual. Na terceira fase, em que indústrias elétricas e químicas eram líderes, houve uma mudança de enfoque do sistema de patentes norte-americano para proteger as suas grandes corporações em detrimento dos inventores individuais, mais protegidos na fase anterior (Cruz Filho, 1996). Atualmente, ocorre a passagem das patentes para o papel de um dos principais mecanismos de apropriação das invenções; e como indício dessa passagem, está a prioridade atribuída aos DPI pelos principais países capitalistas na Rodada Uruguai do GATT, atual OMC. (Albuquerque, 1996a, p.131). Ainda de acordo com Freeman e Perez (1988) desenvolve-se atualmente um ciclo 26Devido a pressões legais e institucionais do governo dos EUA, a ATT-Western Electric foi forçada a difundir o conhecimento gerado nos laboratórios Bell-New Jersey acerca dos transistores em 1947, possibilitando o desenvolvimento posterior da indústria de semicondutores (Castells, 1992, p.43).

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de “Kondratieff da informação e da comunicação”, apoiado na microeletrônica, software, telecomunicações, robótica, serviços de informação, cerâmica, química fina e desenvolvimento da biotecnologia. Diante destas mudanças, o atual paradigma tecnológico pode ser analisado sob diferentes ângulos. Segundo a visão da economia da tecnologia apresentada por Bell e Pavitt (1993), a trajetória tecnológica atual distingue cinco categorias de firmas, dentre as quais as três primeiras têm nos DPI um importante mecanismo de proteção contra imitação27:

• firmas baseadas na ciência, p.e., eletrônica, química e biotecnológica; • firmas de fornecedores especializados, p.e., produtores de equipamentos

de precisão, software e química especializada; • firmas intensivas em informação; • firmas dominadas pelos fornecedores; e, • firmas escala-intensivas.

É verdade que devido a diferenças em propensões a patentear entre setores industriais para alguns a patente sequer representa um mecanismo interessante de apropriabilidade. Não obstante, levando-se em consideração a importância estratégica crescente dos setores que dependem das patentes na atual fase do capitalismo, fica mais clara a relação existente entre a patente e a sua relevância no atual paradigma. Outro ângulo a ser analisado é o da internacionalização da comunidade científica (Powell e Owen-Smith, 1998). Há um estímulo contínuo para tornar público conhecimentos e descobertas, pois isto assegura legitimidade para o trabalho do cientista, convencendo seus pares de sua descoberta ou invenção em seminários, congressos ou periódicos especializados (Albuquerque, 1996a, p.135). A necessidade de geração de conhecimentos públicos choca-se com os interesses do setor industrial, para o qual são essenciais a apropriação privada de conhecimentos e o segredo28. Ademais, a crescente importância da ciência na dinâmica industrial atual traz conflitos no que tange à apropriação de novos conhecimentos. (Barbosa, 1999, p.30). Esta visão reforça a anterior, argumentando pela necessidade da imposição de barreiras artificiais para dificultar o acesso à informação. Em síntese, deve-se reconhecer a preponderância do conhecimento na dinâmica capitalista, pois crescem o peso dos setores intensivos em informação (Chichilnisky, 1997) e a relevância dos conhecimentos codificados além do impacto da comunidade científica na dinâmica industrial (Powell e Owen-Smith, 1998), colocando a ciência em posição de follower and leader da tecnologia. Neste sentido, o fortalecimento dos DPI seria uma forma de garantir uma apropriação mais segura da mercadoria informação por seus criadores, evitando seu vazamento indesejado e não devidamente remunerado (Albuquerque, 1996a, p.136). 27Takeyama (1997) mostra que as perdas econômicas intertemporais com a pirataria de produtos devem ser analisados sob dois aspectos: apropriabilidade indireta do valor (do original) e efeitos de rede. Os resultados são distintos conforme sejam produtos com substitutos perfeitos ou imperfeitos. Nestes, verifica-se uma: redução de lucros devido ao predomínio da apropriabilidade indireta do valor e naqueles, um aumento do lucro das empresas por prevalecer os efeitos de rede. 28Powell e Owen-Smith (1998, p.263) afirmam que as empresas comerciais Genentech e Chiron figuram nas quarta e quinta posições, respectivamente, nas listas de citações de publicações de biologia molecular e genética entre 1988 e 1992. Na área de biotecnologia, muitas das principais publicações procedem de organizações não-acadêmicas e, em alguns casos, de empresas privadas.

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Diante desta realidade, é necessário criar arranjos institucionais para impulsionar o progresso tecnológico estimulando um fluxo de informações indispensável ao processo de inovação. Já foi discutido que este conjunto de arranjos institucionais é conhecido como sistema nacional de inovação. A diversidade destes sistemas resulta da multiplicidade de caminhos históricos percorridos pelos países ao longo do tempo até a maturação. O exemplo dos EUA é descrito por Noble (1977, em Albuquerque, 1996a, p.178). A legislação norte-americana e os departamentos responsáveis pelo registro de patentes sofreram reformas nas três primeiras décadas do século XX29 por pressão das grandes corporações que buscavam consolidar seu poder econômico e influência política. Além desta diversidade, é necessário ressaltar um aspecto histórico dos sistemas nacionais de inovação: “... à exceção da Grã-Bretanha, todos os países que estão hoje na primeira categoria dos sistemas de inovação iniciaram o processo de catching up através da cópia, imitação e importação de tecnologia30.” (Albuquerque, 1996a, p.178). A imitação e a cópia representaram uma etapa necessária à posterior condição de líder tecnológico. Porém, devido ao caráter cada vez mais dependente da ciência que constitui as tecnologias atuais, a cópia e a imitação se tornaram procedimentos muito mais complexos e dependentes de uma acumulação tecnológica prévia31. Um aspecto importante sobre as legislações de patentes, assim como dos sistemas nacionais de inovação, é que à medida que os países hoje situados na fronteira tecnológica superaram o estágio de imitação e cópia, suas legislações - e seus sistemas de inovação - se adaptaram para atender estas novas necessidades. Penrose (1973, p.779) faz uma crítica às pressões que os países desenvolvidos faziam sobre os não-desenvolvidos para que adotassem a Convenção Internacional de Patentes (Genebra e Paris na época), não fazendo nenhum esforço para compreender as circunstâncias especiais que envolviam esses países, embora muitos dos hoje desenvolvidos tivessem reservas parecidas quanto à adesão à Convenção em seus dias iniciais32. A análise de Ordover (1991), comparando as legislações de patentes japonesa e norte-americana, permite reconhecer que estas legislações são diferentes por 29 Apenas na década de 1940 que a legislação de patentes passou a ter uma interpretação mais próxima do Sherman Act - legislação antitruste norte-americana (Albuquerque, 1996a, p.178-9). 30Aquisição de tecnologia não implica necessariamente em aumentar a capacitação tecnológica (Reddy e Zhao, 1990, p.291-2). A construção desta passa obrigatoriamente por mudanças conscientes e orientadas por uma política pública ativa e preocupada em disponibilizar recursos humanos para assimilar, adaptar e melhorar a tecnologia adquirida. Por isto um sistema educacional adequado é um ponto de partida para um processo de capacitação tecnológica doméstica. 31A experiência dos países recém-industrializados destaca algumas lições sobre o desenvolvimento tecnológico (Dahlman, Ross-Larson e Westphal, 1987). Primeiro, o objetivo central não deve ser inventar produtos ou processos, mas desenvolver uma capacitação para uma produção e investimento eficientes (focar o processo - know-how - e não o resultado). Segundo, sob uma ótica econômica, o ideal é combinar elementos das tecnologias estrangeira e local. Terceiro, a aquisição de capacitação tecnológica é resultado de um esforço consciente. Quarto, o ambiente econômico é decisivo na determinação da produtividade dos recursos do país. 32Durante a Primeira Guerra Mundial, os EUA aboliram as patentes alemãs no país, possibilitando enorme avanço da indústria química norte-americana, dadas as dificuldades de entrada no setor (Noble, 1977 e Nelson e Wright, 1990 em Albuquerque, 1996a, p.179). O Japão é outro exemplo que, após anos de não-reconhecimento de patentes em seu setor farmacêutico, passou a lutar pela adoção de uma legislação protegendo seu produtos.

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visarem a objetivos distintos. Enquanto o sistema norte-americano incentiva o inventor (notadamente as grandes corporações), o japonês reúne instrumentos que enfatizam a dinâmica de difusão, como será detalhado a seguir. No caso japonês, a cooperação é incentivada e os licenciamentos precoces e cruzados são comuns. Conforme dito anteriormente (seção 2.1), é o que Foray (1993, em Albuquerque, 1996a) chama de “sistema-D” (difusão), em contraposição ao “sistema-P” (proteção) da legislação dos EUA. Há um mito, exportado pelos EUA, de que a mudança técnica se origina a partir da pesquisa científica da fronteira tecnológica, confundindo tecnologia com “tecnologia de fronteira” (very high technology). Rosenberg (1996, p.13-6) o chama de “mística da ciência pura”. Esta interpretação resulta de um modelo linear, cujas relações de causalidade seguem a seguinte ordem: pesquisa básica ⇒ pesquisa aplicada ⇒ desenvolvimento ⇒ produção ⇒ marketing. Embora ela contenha elementos de verdade quando aplicada ao longo prazo (casos da indução eletromagnética, mecânica quântica e biologia molecular), este mito tende, num extremo, a associar erroneamente o eventual à regra. Isto torna as descobertas científicas revolucionárias como “representativas ou típicas”, o que não corresponde à realidade das novas tecnologias. Adaptar estes insights requer muito mais pesquisa científica aplicada, de curto prazo33, envolvendo designers e engenheiros de produto, especialistas em marketing e até, trabalhadores de fábrica. O entendimento de que a base do processo é a pesquisa básica apresenta consequências danosas para os PED porque tende a desencorajá-los a buscar aperfeiçoamentos tecnológicos que estejam dentro das suas capacidades, menosprezando fontes potenciais, como práticas de gestão34 e aperfeiçoamentos organizacionais (eficiência microeconômica). O segundo mito descrito por Rosenberg (1996, p.16-9) resulta de dois aspectos relaconados ao desenvolvimento tecnológico da América Latina (AL): a) dependência de fontes estrangeiras de tecnologia industrial, notadamente empresas multinacionais35 e b) tentativa de intensificação da industrialização através de políticas de substituição de importações. Estes fatores contribuíram para a percepção dominante entre as empresas e homens de negócio da AL de tratar a tecnologia como algo acabado e pronto para ser aplicado. Esta “alienação” terminou por construir um sentimento de hostilidade, desconfiança e ameaça em relação ao desenvolvimento tecnológico, prejudicando-a e excluindo-a da tendência mundial de participação de redes internacionais de relacionamento e alianças estratégicas. Esta posição contrasta com a de alguns países asiáticos como a Coréia do Sul, Taiwan e Japão, em que havia uma preocupação no “monitoramento do desenvolvimento tecnológico” pelo mundo. 33Estar na fronteira tecnológica não assegura a maximização do desempenho econômico, pois existe o aspecto comercial das tecnologias. O Japão (e outros países do leste asiático) mostraram isto. 34Método “just in time” de controle de inventários e a participação de diferentes níveis de empregados na tomada de decisões são características do modo organizacional japonês que exemplificam melhorias de produtividade sem utilizar a ciência. (Rosenberg, 1996, p.16). 35A opção tecnológica das empresas multinacionais (capital intensiva) raramente favorece objetivos sociais dos PED. Na verdade, elas dedicam pouco esforço na adaptação destas tecnologias à realidade destes países (Reddy e Zhao, 1990, p.287-8).

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O caráter protecionista do modelo de industrialização por substituição de importações desestimulou os setores nacionais beneficiados a participar da competição tecnológica com potenciais concorrentes internacionais uma vez que desfrutavam de um mercado doméstico de grandes proporções. Esta visão míope se transformaria em debilidade para as firmas da AL ao tentarem competir nos mercados internacionais, notadamente após uma política de abertura comercial. O sistema de inovação a ser construído no país deve ter como principal objetivo o apoio ao processo de catching up em relação aos países centrais. Para sustentar um processo destes, ele deve viabilizar “uma combinação positiva entre a busca de acesso às tecnologias geradas nos países centrais com o desenvolvimento de uma capacidade interna de absorção e adaptação destas tecnologias. Esta combinação é (...) um aspecto crucial para os processos de catching up” (Dosi, Freeman e Fabiani, 1994). Deve-se frisar também que o desenvolvimento de melhorias incrementais e difusão de inovações depende de uma postura ativa e da realização de atividades dispendiosas (Albuquerque, 1996a, p.182). Para transformar o sistema de inovação brasileiro é preciso elevar a capacitação produtiva do país na definição de Bell e Pavitt (1993)36, ou seja, a capacidade de implementação dos componentes de um dado sistema de produção. Isto se justifica porque os desafios enfrentados pelos PED são diferentes dos enfrentados, p.e., pelos EUA que avançaram de uma origem industrial na produção têxtil para a produção de máquinas para a indústria do setor. Cada vez mais a capacitação para operar tecnologias está se distanciando da capacitação para criar e transformar tecnologias (Dahlman, Ross-Larson e Westphal, 1987). O papel crescente do conhecimento e de investimentos na sua acumulação fica evidente quando se analisam setores estratégicos e intensivos em informação como biotecnologia, software e microeletrônica (Chichilnisky, 1997). A importação de tecnologia tem um papel tão importante para os países hoje em desenvolvimento quanto para os países em processos de aproximação tecnológica – catching up – bem sucedidos no século XIX e XX (Bell e Pavitt, 1993). Porém, a capacitação é um pré-requisito à importação de tecnologia para que se possa ter conhecimento suficiente para focalizar a busca da tecnologia mais adequada. Do contrário, o processo de busca tecnológica se torna muito custoso e passível de fracasso. É importante definir o tipo de legislação patentária que contribua para construir um sistema de inovação focado no processo de catching up. A relação entre sistemas nacionais de inovação e legislações de patentes não é mecânica ou unilateral. Ao mesmo tempo em que a legislação patentária molda aspectos importantes de um sistema de inovação, este estabelece limites para a legislação. O tipo de sistema de inovação para o Brasil que combine acesso aos conhecimentos internacionais com o desenvolvimento de uma capacitação interna, “requer uma legislação que estimule a difusão de inovações, que apóie a elevação das atividades inovadoras incrementais e que facilite a adaptação criativa de inovações às condições de demanda apresentadas pelo País”, contribuindo para desenvolver inovações de 36Bell e Pavitt (1993) diferenciam capacitação produtiva de capacitação tecnológica. Esta envolve os recursos necessários para gerar e geranciar a mudança técnica, característica de um sistema de inovação maduro.

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segunda geração (Albuquerque, 1996b, p.188). Concordamos com Albuquerque que a legislação patentária brasileira deveria partir dos argumentos de Ordover (1991) para o caso japonês. Dado o estágio em que se encontra o sistema de inovação brasileiro, é razoável que o Brasil se utilize de instrumentos similares aos utilizados pelos países hoje desenvolvidos quando estavam construindo seus sistemas de inovação. Porém, é preciso pesquisar os instrumentos utilizados em processos passados de catching up e adequá-los à nova realidade de pressões internacionais pelo fortalecimento dos DPI e crescente custo do acesso ao conhecimento, exatamente quando este é mais importante para a superação do atraso econômico (Albuquerque, 1996b, p.189). É preciso, também, analisar as patentes de não-residentes de forma diferenciada das patentes de residentes37 (ISTO SE CHOCA COM O “PRINCíPIO DE IGUALDADE DE TRATAMENTO” DA CONVENçãO DE PARIS). As patentes de invenção de não-residentes representam a maioria das patentes de invenção solicitadas e concedidas no país38. Muitas destas solicitações de patentes são feitas exclusivamente para a proteção da invenção contra imitação sem que seja explorado comercialmente o produto/processo protegido. Neste caso a legislação antitruste se faz necessária para que as patentes não sirvam de instrumento de criação barreiras à entrada e reservas de mercado, que nem ao menos são exploradas. Nestes casos, a licença compulsória e a caducidade são instrumentos punitivos importantes e seu uso deve ser objeto de negociação internacional para que se possa garantir o uso de informações tecnológicas (ESTES ASPECTOS FORAM DISCUTIDOS NA SEçãO 2.1, P.7) - Entendo que este parágrafo e suas respectivas notas de rodapé podem ser excluídos sem problema - Marcelino. O modelo japonês pode auxiliar na construção de uma legislação patentária mais adequada às aspirações de apoio ao processo de catching up que um país com sistema nacional de inovação imaturo, como o Brasil39, deveria perseguir. Como já destacado, o sistema japonês, combinado a uma proteção fraca para segredos de negócios (trade secrets), é feito para induzir à divulgação de conhecimentos de forma mais rápida que nos EUA. Além disto, aspectos institucionais encorajam a difusão, criando incentivos para licenciamentos simples ou cruzados de patentes. Alguns aspectos da legislação japonesa, quando comparado à norte-americana, se destacam, evidenciando seu caráter de incentivo à difusão (Ordover, 1991, p.45-9): Regra de prioridade ao “primeiro a registrar”: a prioridade da concessão patentária é dada ao primeiro que registrar a invenção. Isto induz ao registro de patentes precocemente ao que ocorreria se a prioridade pertencesse ao primeiro que inventasse, critério utilizado pelos EUA e Canadá. Além disso, a corrida para registrar favorece uma descrição inexata e incompleta do objeto patenteável, 37Deve-se analisar se, dentre as patentes de residentes, é elevado o número de patentes de invenção realizadas por indivíduos, acima das médias internacionais. Isto desperta a possibilidade de que conhecimentos gerados no interior do setor público de P&D estejam sendo apropriados privadamente (Albuquerque, 1998). 38 Ver gráfico 3 no Apêndice II. ????? 39Albuquerque (1996c, p.125) classifica os sistemas nacionais de inovação em três categorias: a) países na liderança tecnológica; b) países preocupados em difundir internamente inovações geradas externamente para explorar nichos de mercado específicos e c) países com sistemas formais de C&T, como o Brasil.

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aumentando as chances de conflitos de reivindicações e conseqüentes contestações por terceiros. Descrição pré-garantida: é a obrigatoriedade de abertura do conteúdo da matéria potencialmente patentável por 18 meses após o depósito do pedido, além de ficar disponibilizado através de fotocópia do depósito no Jornal Oficial japonês para exame público e da Sociedade de Invenção Japonesa manter um banco de dados de depósitos abertos. Diferentemente, o sistema dos EUA obriga a descrição de conteúdo apenas após a concessão da patente. Assim, as invenções tornam-se de domínio público mais cedo no sistema japonês. Oposição pré-garantida: terceiros podem se opor ao patenteamento da matéria contestada. Enquanto nos EUA, a oposição só pode ser feita após a concessão da patente, no Japão, logo após o registro e a publicação da descrição, interessados podem tentar demonstrar que a matéria sob análise não cumpre aos requisitos de novidade, atividade inventiva e/ou aplicabilidade industrial. Uma vantagem disto é que ao ser contestado sobre a novidade de sua invenção, o depositário não precisa demonstrar as patentes anteriores e outras informações relevantes utilizadas no processo inventivo. Os opositores já terão feito isto na tentativa de impedir a concessão do benefício patentário. Desta forma, o trabalho do examinador é diminuído40, podendo ser aumentado o número de depósitos por examinador41. Licenciamento e royalties: o inventor japonês só recebe royalties daqueles que utilizaram a matéria potencialmente patenteável depois da descrição ser registrada. Daí, o depositário tem um incentivo de divulgar o depósito de sua invenção a todos os licenciadores potenciais. Os interessados no objeto a ser patenteado estariam em melhor situação se um acordo se realizasse sem haver a abertura obrigatória para exame. A dificuldade em se obter punição contra um possível infrator da patente também estimula o licenciamento a preços razoáveis para o licenciado. Estes aspectos da legislação japonesa mostram a subordinação dos interesses de curto prazo do inovador na criação de direitos exclusivos da patente aos objetivos sociais mais amplos, destacando a difusão do conhecimento tecnológico como meio de impulsionar o desenvolvimento econômico. O sistema “gratifica” quem faz engenharia reversa e modifica invenções existentes e “penaliza” quem gera invenções de maior conteúdo inventivo. A experiência japonesa demonstrou que processos imitativos combinados com uma política correta de incentivos industriais e investimentos maciços em capital humano podem formar a base para o surgimento de uma nação inovadora e competitiva. O

40 Quando os opositores obtêm sucesso em derrubar o critério da novidade da invenção, o pedido pode nem mesmo chegar a ser avaliado. 41A oposição pré-garantida aumenta os incentivos para licenciar por dois motivos. Primeiro, o licenciamento rápido desincentiva a oposição porque, como a cobertura por vinte anos a contar da data do depósito é extremamente valiosa para que o depositário a coloque em risco, há motivações estratégicas para que um acordo seja firmado durante a fase de oposição entre o depositário e seus concorrentes prejudicados pela patente. Segundo, a fase de oposição é aberta de uma vez a todos os grupos rivais interessados sendo estes compostos de equipes de especialistas preparados, por meses, que se conseguirem fazer com que o depositário não responda adequadamente a pelo menos uma oposição, a concessão seja negada. O clima é bem menos hostil no sistema norte-americano, pois o depositário somente se confronta com um opositor de cada vez (Ordover, 1991).

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sucesso do Japão em seu processo de catching up pode ter sido um dos motivos dos EUA liderarem a ofensiva para uma nova regulação dos DPI (Pereira, 1990, p.22). O sistema japonês não condiz mais com esse país, que já ultrapassou a fase de adaptar tecnologia alheia e se encontra na posição de líder tecnológico (Ordover, 1991). Talvez ele se aplique melhor a um país que visa a aproximação tecnológica (catching up), como o Brasil. Deve-se enfatizar que o sistema japonês foi construído num contexto de um país que importava P&D. A adaptação deste modelo para o caso brasileiro deve considerar as características nacionais para obter sucesso. Afinal, as evidências empíricas mostram uma variedade de resultados mesmo quando existe a adoção de políticas semelhantes, dada a complexidade da relação entre transferência de tecnologia estrangeira e desenvolvimento tecnológico doméstico (Reddy e Zhao, 1990, p.291). A conclusão mais importante da análise do exemplo japonês é que incentivos para inovação podem ocorrer com uma legislação de proteção patentária relativamente fraca sem comprometer o processo de desenvolvimento e capacitação tecnológica. Porém, um fator internacional dificultará cada vez mais o uso de instrumentos de difusão como os utilizados pelo Japão: a pressão das grandes corporações dos países desenvolvidos pelo fortalecimento dos DPI. Os oligopólios mundiais iniciaram seu desenvolvimento nos anos 1940 e 50 a partir das grandes empresas transnacionais, tendo aumentado em extensão e passado a constituir, segundo Chesnais (1993, em Albuquerque, 1996a, p.136), “... a forma dominante de estrutura da oferta na maior parte das indústrias P&D intensivas assim como em muitas indústrias intensivas em escala.” Atualmente, em virtude da intensificação da abertura econômica dos países e do conseqüente aumento da importância dos tratados internacionais, as legislações internacionais tendem a ganhar força impondo um número crescente de cláusulas mandatórias sobre as legislações nacionais. Os oligopólios mundiais compõem a força predominante na reestruturação da economia conhecida como globalização. Esta atua no sentido de ajudar a transpor barreiras à atuação internacional destes oligopólios e de viabilizar o alcance de seus recursos manufatureiros e de marketing, distribuindo atividades de P&D e utilizando fontes de matérias-primas e produtos intermediários internacionais. Por outro lado, dado o progressivo enrijecimento dos acordos internacionais relacionados aos DPI, é essencial identificar oportunidades para contrabalançar o que é requerido internacionalmente com as necessidades nacionais de difusão tecnológica visando ao progresso econômico. Talvez o Brasil esteja levando em consideração a sugestão de Frischtak (1989), que aconselhou a revisão do sistema de propriedade intelectual brasileiro devido à concorrência de diversos países por investimentos diretos dos países desenvolvidos. Sem dúvida é necessária a adequação de legislações patentárias nacionais aos acordos nos quais o Brasil é signatário, mas é imperioso analisar cuidadosamente se os benefícios destes investimentos, atraídos por uma postura reativa na questão patentária e uma inserção tecnológica passiva, superam o desperdício da oportunidade de se conduzir um processo de catching up bem sucedido.

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