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80 ARQUITECTURA E VIDA MAIO 2004 engenharia Materiais SE, POR UM LADO, em climas relativamente quentes, a radiação solar pode ser uma das fontes de ganhos energéticos significativos no Verão, no Inverno representa uma fonte inesgotável de energia. Por outro lado, na ilu- minação do interior de edifícios, a luz solar é mais eficiente do que qualquer outro tipo de luz artificial. Hoje, a oferta em vidro para arquitectura e engenharia civil é muito diver- sificada. Desde o vidro simplesmente recozido, aos vidros serigrafados e impressos, que permitem criar ambientes distintos com diferentes níveis de privacidade, aos vidros revestidos superficialmente por filmes metálicos, com desempenhos óptico e térmico específicos, como sejam os vidro anti- reflexo, vidro espelhado e vidro baixo-emissivo, ou ainda vidros autolimpe- za, que reduzem significativamente os custos de manutenção em edifícios ou os vidros temperados, tratados química ou termicamente de forma a optimizar o desempenho mecânico do vidro, são várias as opções. A gama de vidros laminados, filtros eficazes à radiação ultravioleta (UV) e vidros duplos torna possível uma resposta ao projecto mais exigente. A selecção do vidro, no projecto de arquitectura, passa pelo conhecimento das propriedades ópticas dos materiais. A LUZ O desempenho óptico de um material resulta da interacção deste com a radiação electromagnética. No estudo das propriedades ópticas dá-se especial ênfase à parte visível do espectro electromagnético (Figura 1), designado por luz. Algumas das manifestações da radiação electromagnética são bem inter- pretadas pela teoria ondulatória. A luz faz parte do espectro electromagné- tico e é visualizada como uma onda de comprimento , à qual estão asso- ciadas um campo magnético e um campo eléctrico. A equação que define a onda electromagnética pode ser descrita em ter- mos da frequência da vibração, , da velocidade, , e do comprimento de onda, , de acordo com: [1] Por outro lado, a energia da radiação, , relaciona-se com o comprimento de onda, , e com a frequência, , de acordo com: [2] onde h é a constante de Planck, c a velocidade da luz no vazio (Tabela 1) e hc a energia do fotão, de acordo com a teoria corpuscular. A comprimen- tos de onda maiores correspondem energias de fotão menores. (h = 6.6261 x 10 -34 ) A reciprocidade entre comprimento de onda e frequência permite expressar a energia radiante de ambas as formas. Por comodidade, a energia electromagnética de longos comprimentos de onda repre- senta-se em frequências ou número de onda (por exemplo, = 2000 cm -1 , para o infravermelho ou 50 Hz, para electricidade) enquanto a de frequência elevada se representa em comprimentos de onda (por exemplo, 500 nm para a cor verde). Ondas rádio e de radar: as ondas de rádio e de radar representam a parte final do espectro electromagnético na região de baixas energias. As ondas rádio e de radar atravessam a atmosfera e chegam à superfície terrestre onde nos envolvem diariamente. Níveis de exposição elevado a este tipo de radiação revelaram-se nocivos em cobaias. Conta-se que durante a II Guerra Mundial, nas manhãs mais frias de Inverno, os soldados britânicos reuniam-se em parada em frente das ante- nas de radar. Ora, a banda espectral de ondas rádio e de radar termina exactamente com frequências de microondas, pelo que o conforto propor- cionado seria real. Infravermelho: a radiação de comprimento de onda superior ao ver- melho é designada por infravermelha (IV), designação que se deve exactamente à proximidade com a região do visível. Embora não per- ceptível pelo olho humano, a radiação infravermelha é sentida na pele como calor. Cerca de um terço da radiação solar que chega à Terra é radiação infravermelha. Os restantes dois terços são constituídos quase exclusivamente por radiação visível. A radiação infravermelha é também a radiação emitida pelos objectos terrestres no intervalo de temperaturas de 10 o C a 100 o C. Os metabolismos biológicos geram calor que é irradiado pela pele a frequências na gama do infravermelho. Visível: na gama do visível, o menor comprimento de onda da luz que podemos perceber corresponde à cor violeta ( = 400 nm) e o maior ao vermelho ( = 700 nm). Entre estes dois limiares encontram-se o laranja, o amarelo, o verde, o azul e o índigo (Tabela 2). Propriedades ópticas dos materiais 080-086 Eng.qxp 1/3/06 7:17 PM Page 1

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80 ARQUITECTURA E VIDA MAIO 2004

e n g e n h a r i a Materiais

SE, POR UM LADO, em climas relativamente quentes, a radiação solarpode ser uma das fontes de ganhos energéticos significativos no Verão, noInverno representa uma fonte inesgotável de energia. Por outro lado, na ilu-minação do interior de edifícios, a luz solar é mais eficiente do que qualqueroutro tipo de luz artificial.Hoje, a oferta em vidro para arquitectura e engenharia civil é muito diver-sificada. Desde o vidro simplesmente recozido, aos vidros serigrafados eimpressos, que permitem criar ambientes distintos com diferentes níveis deprivacidade, aos vidros revestidos superficialmente por filmes metálicos,com desempenhos óptico e térmico específicos, como sejam os vidro anti-reflexo, vidro espelhado e vidro baixo-emissivo, ou ainda vidros autolimpe-za, que reduzem significativamente os custos de manutenção em edifíciosou os vidros temperados, tratados química ou termicamente de forma aoptimizar o desempenho mecânico do vidro, são várias as opções. A gamade vidros laminados, filtros eficazes à radiação ultravioleta (UV) e vidrosduplos torna possível uma resposta ao projecto mais exigente.A selecção do vidro, no projecto de arquitectura, passa pelo conhecimentodas propriedades ópticas dos materiais.

A LUZO desempenho óptico de um material resulta da interacção deste com aradiação electromagnética. No estudo das propriedades ópticas dá-seespecial ênfase à parte visível do espectro electromagnético (Figura 1),designado por luz.Algumas das manifestações da radiação electromagnética são bem inter-pretadas pela teoria ondulatória. A luz faz parte do espectro electromagné-tico e é visualizada como uma onda de comprimento l, à qual estão asso-ciadas um campo magnético e um campo eléctrico.A equação que define a onda electromagnética pode ser descrita em ter-mos da frequência da vibração, n, da velocidade, s, e do comprimento deonda, l, de acordo com:

[1]

Por outro lado, a energia da radiação, E, relaciona-se com o comprimentode onda, l, e com a frequência, n, de acordo com:

[2]

onde h é a constante de Planck, c a velocidade da luz no vazio (Tabela 1) ehc a energia do fotão, de acordo com a teoria corpuscular. A comprimen-tos de onda maiores correspondem energias de fotão menores.(h = 6.6261 x 10-34)A reciprocidade entre comprimento de onda e frequência permiteexpressar a energia radiante de ambas as formas. Por comodidade,a energia electromagnética de longos comprimentos de onda repre-senta-se em frequências ou número de onda (por exemplo, n = 2000cm-1, para o infravermelho ou 50 Hz, para electricidade) enquanto ade frequência elevada se representa em comprimentos de onda (porexemplo, 500 nm para a cor verde).

Ondas rádio e de radar: as ondas de rádio e de radar representam a partefinal do espectro electromagnético na região de baixas energias. As ondasrádio e de radar atravessam a atmosfera e chegam à superfície terrestreonde nos envolvem diariamente. Níveis de exposição elevado a este tipo deradiação revelaram-se nocivos em cobaias.Conta-se que durante a II Guerra Mundial, nas manhãs mais frias deInverno, os soldados britânicos reuniam-se em parada em frente das ante-nas de radar. Ora, a banda espectral de ondas rádio e de radar terminaexactamente com frequências de microondas, pelo que o conforto propor-cionado seria real.

Infravermelho: a radiação de comprimento de onda superior ao ver-melho é designada por infravermelha (IV), designação que se deveexactamente à proximidade com a região do visível. Embora não per-ceptível pelo olho humano, a radiação infravermelha é sentida na pelecomo calor. Cerca de um terço da radiação solar que chega à Terraé radiação infravermelha. Os restantes dois terços são constituídosquase exclusivamente por radiação visível.A radiação infravermelha é também a radiação emitida pelos objectosterrestres no intervalo de temperaturas de 10 oC a 100 oC. Os metabolismosbiológicos geram calor que é irradiado pela pele a frequências na gama doinfravermelho.

Visível: na gama do visível, o menor comprimento de onda da luz quepodemos perceber corresponde à cor violeta (l = 400 nm) e o maior aovermelho (l = 700 nm). Entre estes dois limiares encontram-se o laranja, oamarelo, o verde, o azul e o índigo (Tabela 2).

Propriedades ópticas dos materiais

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Ultravioleta: a radiação de comprimento de onda inferior ao violetadesigna-se por radiação ultravioleta (UV). Ultravioleta A (UVA) é aregião mais próxima da região violeta, e as regiões ultravioleta B e C(UVB e UVC) correspondem a regiões mais afastadas, de compri-mentos de onda ainda menores.Enquanto a radiação de longos comprimentos de onda (por exemplo IV)é completamente inofensiva aos sistemas biológicos, já a sobreexpo-sição à radiação de energia elevada, como UV, pode ser nociva, poden-do causar queimaduras cutâneas, lesões no olho humano ou ainda ini-ciar processos químicos degradativos, como o cancro de pele. Noentanto, a exposição à radiação UV é necessária à produção de algu-mas vitaminas nos organismos vivos e ao crescimento saudável dasplantas. Por outro lado, um grande número de produtos pode sofreralterações mais ou menos profundas, devido a processos fotoquímicos.Daqui a importância da incorporação de filtros UV em vidros de jane-la. São exemplo disso os vidro duplo e vidro laminado, que permitema protecção contra riscos de descoloração e deterioração de mate-riais pela radiação UV. Raios-X e raios Gama: a exposição a radiação de elevada energia é noci-

va aos organismos biológicos. No entanto esta é absorvida, quase na tota-lidade, pelos gases das camadas mais elevadas da atmosfera, como acon-tece na reacção de decomposição do ozono.

Os vidros comuns são materiais transparentes na gama espectral dovisível, embora opacos na gama espectral do IV longínquo e numalarga percentagem da radiação UV (Figura 2). Uma exposição solar,ainda que prolongada, sob um vidro de janela não produz melanina(responsável pelo bronzeado da pele), exactamente porque grandeparte da radiação UV é filtrada pelo vidro de janela.Por exemplo, um vidro comum de janela com 1 mm de espessura fil-tra totalmente a radiação IV. Na região UV, para além da espessura eda composição do vidro, a presença de impurezas é determinante –o elemento ferro, por exemplo, absorve na gama de UV. Além de transparentes os vidros são isolantes eléctricos. A origemde muitas das propriedades ópticas e dieléctricas dos materiaistransparentes reside na dificuldade de promoção dos electrões dabanda de valência para a banda de condução, onde podem conduzir acorrente eléctrica.O limiar de transparência no visível termina, para comprimentos deonda elevados, com a absorção no UV, devida a transições electróni-cas entre níveis da banda de valência e níveis não preenchidos dabanda de condução. A unidade estrutural da sílica vítrea e do quart-zo cristalino possui ligações químicas Si-O cujas transições electró-nicas ocorrem na gama do UV.Para comprimentos de onda elevados, o limiar de transparência ter-mina devido às vibrações dos iões na rede em ressonância com aenergia imposta.A ausência de fronteiras de grão nos vidros é responsável pelaausência de fenómenos de dispersão e de reflexão internos, fenóme-nos sempre presentes em materiais policristalinos.

Embora o espectro de transmitância possa variar de vidro para vidro, asprincipais diferenças observam-se fora da gama de transparência (Figura2). O limiar de transparência de um vidro de sílica pura, no UV, pode ir até160 nm, dependendo do processo de fabrico do vidro. Já os vidros comuns,vidros de silicatos sodo-cálcicos, apresentam limiares de transparênciainferiores no UV, por exemplo, de 287 nm para NA2O.3SIO2.

O controlo da radiação solar é um dos factores determinantes nodesign sustentado de edifícios Texto de M. Clara Gonçalves*

Figura 1 – Espectro electromagnético

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A CORO fenómeno cor refere-se a uma resposta fisiológica ao estímulo luz quechega à retina. A sensibilidade à cor não depende apenas da intensidadeluminosa, mas também da área estimulada da retina. A sensibilidade do olhohumano à luz varia com o comprimento de onda e depende das condiçõesde luminosidade. A máxima sensibilidade do olho humano é observada paraum l próximo de 555 nm (verde) em condições de luminosidade diurna, ocomprimento de onda a que corresponde também o máximo de intensida-de do espectro solar (Figura 3).As cores que formam o espectro de luz branca são designadas por corescromáticas (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, índigo e violeta). Ascores não cromáticas são aquelas que resultam da mistura de cores cro-máticas e não estão presentes no espectro (por exemplo, o castanho).As cores podem definir-se com apenas três parâmetros – tom (cor), lumi-nosidade do tom (valor do tom) e saturação do tom. O olho humano é capazde distinguir cerca de dez milhões de cores.- Tom (cor) corresponde ao comprimento de onda ou frequência daradiação dominante. Ao tom é dado o nome amarelo, azul, etc.- Saturação corresponde à quantidade de luz branca misturada com o tome permite caracterizar as cores pálidas (tons pastel, por exemplo).- Luminosidade (valor) descreve a intensidade da cor, i.e., o número defotões que chegam à retina.

A mistura de cores ocorre sempre que dois ou mais feixes de cores dis-tintas se combinam. A maioria das cores pode produzir-se pela mistura deapenas três cores primárias – o vermelho, o verde e o azul. Uma cor seráentão constituída pela combinação de determinadas quantidades destastrês cores primárias, designadas por valores tri-estímulos e que são, R parao vermelho (do inglês red) , G para o verde (do inglês green) e B para o azul(do inglês blue), pelo que:

[3]

Este modelo é designado por modelo de cor RGB. Desta forma é possívelrealizar a representação de uma cor sobre um diagrama plano, designadopor diagrama cromático. Nesta diagrama cromático, os vértices do triân-

gulo representam o vermelho, o verde e o azul. As outras cores serãorepresentadas de acordo com as suas coordenadas tri-estímulos. O pontocentral do triângulo de cor representa a cor branca – caso em que as trêscores primárias estão equitativamente presentes. No diagrama cromáticoestão representadas a saturação e a matiz, mas não o brilho, que deveráser adicionado como um terceiro eixo, perpendicular ao plano do diagramacromático.O vidro pode apresentar cor por diversas razões: 1) o vidro, embora inco-lor, pode estar revestido por um filme superficial; 2) o vidro, embora inco-lor, pode estar montado num estrutura de vidro laminado, em que o filmesintético de Butiral de Poliviníl (PVB) tem cor; 3) a massa vítrea pode, defacto, ser colorida. Neste último caso, a cor pode ter origem em fenóme-nos de absorção (pela presença de grupos cromóforos) ou de dispersão(pela presença de partículas coloidais ou de poros, de dimensões da ordemde grandeza do comprimento de onda da radiação).

INTERACÇÃO DA LUZ COM A MATÉRIAEm arquitectura, o vidro é tradicionalmente o material transparente. Muitasdas aplicações de arquitectura tiram partido das propriedade ópticas destematerial.A interacção da luz com materiais transparentes processa-se de várias for-mas, como se ilustra na Figura 4. A luz incidente pode ser reflectida por

qualquer superfície. A luz que atravessa o material pode ser dispersada ouabsorvida. Parte da luz absorvida pode vir a ser reemitida, fenómeno quese designa por fluorescência. E, finalmente, a luz que atravessa o materialé transmitida.Não considerando o fenómeno de fluorescência, a interacção da luz comum material transparente pode esquematizar-se da seguinte forma:Intensidade incidente (I0) = quantidade reflectida (IR)

+ quantidade dispersada (ID) + quantidade absorvida (IA)+ quantidade transmitida (IT)

[4]

Em materiais de boa qualidade óptica, as fracções dispersada e absorvidapodem ser desprezadas, pelo que:

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Figura 2 – Espectros de trans-missão para vários vidros planos.Os vidros de janela comuns sãomateriais transparentes na gamaespectral do visível, embora opa-cos na gama espectral do IV lon-gínquo e numa larga percenta-gem da radiação UV

Figura 3 – Espectro da sensi-bilidade do olho humano àradiação visível, em condiçõesde visibilidade diurna (CIE,Commission International deÉclairage)

Figura 4 – Interacção da luz comum material transparente

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[5]

REFLEXÃO ESPECULARQuando a luz atinge uma superfície, se esta for lisa e não apresentarrugosidades, a luz é reflectida espectacularmente, i.e., obedece àsleis da reflexão (uma fracção da luz incidente é reflectida pela super-fície com um ângulo igual ao ângulo de incidência, encontrando-se oraio incidente, o raio reflectido e a normal à superfície no ponto deincidência no mesmo plano). Este é o fenómeno que se observa emespelhos ou em superfícies polidas. É a regularidade da reflexãoespecular que permite a formação de imagens em espelhos.A reflexão especular é a única forma de reflexão que obedece às leisda reflexão.A fracção de luz que é reflectida especularmente por uma superfície rela-ciona-se com o índice de refracção do material pela fórmula de Fresnel(válida para incidência normal em materiais transparentes):

[6]

onde R – fracção de luz reflectida (especularmente)n1 – índice de refracção do meio 1n2 – índice de refracção do meio 2

Quando a luz é transmitida, por exemplo, do vácuo ou do ar para o interiorde um vidro de janela, então:

[7]

pois o índice de refracção do ar é aproximadamente um.Quanto maior for o índice de refracção de um sólido, maior será a suareflexão especular (Tabela 3). Por exemplo, o elevado índice de refracçãodo diamante (nD = 2.43) faz com que este, quando multifacetado, brilhe

intensamente devido a múltiplas reflexões (R = 17,4 %). O mesmo se passacom o vidro cristal de chumbo (R = 18,4 %), cujo índice de refracção (nD ~2,50) é bastante superior ao do vidro comum de silicato sodo-cálcico (nD ~1.5; R = 4,0 %).A perda da luz por reflexão especular num vidro comum, de índice derefracção n = 1,5, é de acordo com [7], (1,5-1)2 / (1,5+1)2 = 0,04 por superfí-cie; ou seja, sempre que um raio luminoso atravessa uma superfície vidro/ ar, a sua intensidade reduz-se 4 %. Ora, num vidro comum, após areflexão na primeira superfície, a intensidade luminosa é reduzida a 96%.Depois de atravessar a segunda interface a redução será novamente de 4%(agora 0,04 de 96%), pelo que a fracção de luz transmitida será de 92,16%.Em alguns projectos de arquitectura e engenharia civil pretende minimizar-se a componente reflexão como, por exemplo, em expositores comerciaisou em expositores de museus, recorrendo-se ao vidro anti-reflexo. Paradiminuir as perdas por reflexão é comum a utilização de vidros com reves-timentos de índice de refracção inferior ao do vidro base, e com umaespessura da ordem de 1⁄4 do comprimento de onda da radiação, de formaa permitir uma interferência destrutiva entre a reflexão do vidro e a reflexãodo filme (Figura 5). Noutras soluções de arquitectura pretende-se exactamente o inverso, ouseja, minimizar a componente transmissão à custa da componente reflexão.É esta muitas vezes a solução encontrada para revestimentos exteriores de

edifícios de serviços, pelo que se recorre a vidro espelhado. O efeito devidro espelhado é obtido pelo revestimento superficial do vidro-base comum filme de índice de refracção superior ao do vidro base.

REFLEXÃO DIFUSAQuando a luz atinge uma superfície rugosa, a reflexão passa a ter umacomponente difusa, como se ilustra na Figura 6. É a componente reflexãodifusa que nos permite ver os objectos quando iluminados, a sua textura ea sua cor, e nos permite distingui-los do ambiente. A componente reflexão difusa cresce à custa da componente reflexãoespecular. Uma superfície formada por pó granulado fino apresentasomente a componente reflexão difusa, ao contrário da superfície de umespelho em que só se manifesta a componente reflexão especular.

[8]

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Figura 5 – Princípio de um revestimentoanti-reflexo. A luzreflectida pela superfí-cie do vidro está 180ºou l/2 em oposição defase, relativamente àluz reflectida pelasuperfície mais exter-na do filme, pois atra-vessa este revestimen-to de espessura l/4,duas vezes

Figura 6 – Reflexão difusa numa superfície rugosa. À medida que a rugosidade da superfícieaumenta, a componente reflexão difusa cresce à custa da componente reflexão especular

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REFLEXÃO MISTAA reflexão mista é uma combinação da reflexão especular e da reflexãodifusa e é, provavelmente, a que melhor traduz a reflexão da maioria dosobjectos. É a razão da componente reflexão difusa sobre a componentereflexão especular que determina a aparência de um sólido. O brilho de umasuperfície é exactamente a medida desta razão. O projecto de arquitectura pode exigir vidros com uma elevada componen-te de reflexão difusa, por exemplo, quando se pretende definir espaços comníveis de privacidade distintos, como acontece em open spaces, pelo que écomum recorrer-se a vidro impresso ou vidro serigrafado.

REFRACÇÃOQuando a luz atravessa dois meios transparentes de densidades dis-tintas, como por exemplo ar/água ou ar/vidro, não só a direcção dofeixe luminoso é alterada, como a própria velocidade e o comprimen-to de onda da luz variam abruptamente na interface. Este fenómeno,designado por refracção da luz, é responsável pela distorção da ima-gem de objectos imersos em copos com água, no interior de piscinas(Tabela 4) ou ainda de objectos perto do solo em dias de calor inten-so (o índice de refracção depende da temperatura, pelo que perto dosolo o índice de refracção terá um valor máximo, diminuindo à medi-da que nos afastamos do solo).

A forma mais simples de descrever o índice de refracção é atravésda razão entre a velocidade da luz no vazio e a velocidade da luz no meio:

[9]

Sempre que a luz passa de um meio para outro opticamente mais denso,a sua trajectória sofre um desvio, aproximando-se da normal de incidência.Se, pelo contrário, a luz passar de um meio de índice de refracção mais ele-vado para outro de índice de refracção inferior, a sua trajectória tambémsofre um desvio, mas agora afastando-se da normal. Neste caso, existe umângulo de incidência crítico (ângulo limite) acima do qual ocorre reflexãointerna total da luz . O valor deste ângulo limite, r, depende do índice derefracção do meio, de acordo com:

[10]

Sabendo que nos vidros comuns o índice de refracção varia entre 1.5 e 1.7,o valor do ângulo limite estará então entre 42o e 36o em relação à normalno ponto de incidência, respectivamente.Se i for o ângulo de incidência, e r o ângulo de refracção, então estes rela-cionam-se com a velocidade da luz no vazio, VVAC a partir do índice derefracção, n, de acordo com a lei de Snell:

[11]

Se a luz viajar de um material 1 para um material 2, então a equação [11]pode escrever-se :

12]

O índice de refracção, e logo a reflexão especular, são função do compri-

mento de onda da radiação. Em vidros de silicatos, quer o índice derefracção, quer a reflexão especular, decrescem monotonamentecom o comprimento de onda, até cerca de 8 mm, aumentando depoispara um valor máximo, situado entre 9 e 10 mm. É esta a razão pelaqual o índice de refracção deve indicar sempre o comprimento deonda a que foi medido. É comum efectuar-se a medida de índice derefracção com a luz monocromática de comprimento de onda 598,3nm (risca D do espectro de sódio), indicando-se então o índice com anotação nD.Nos vidros, o índice de refracção é independente da direcção (i.e., sãomateriais isotrópicos) mas função do comprimento de onda daradiação. Em geral, o índice de refracção decresce quando o com-primento de onda aumenta, pelo que, para um mesmo material, oíndice de refracção para o vermelho é menor do que este para o vio-leta. É este o fenómeno que está na origem do arco-íris.

Meio

Vazio

Ar (1 atm)

Gelo (0ºC)

Água (20 ºC)

Vidro (chapa de vidro float)

Velocidade da luz (m/s)

299 792 458

299 702 547

228 849 204

225 407 863

199 861 638

Tabela 1 – Velocidade da luz em vários meios(Adaptado de The Science and Design of EngineeringMaterials, Schaffer, Saxena, Antolovich, Sanders andWarner, McGraw-Hill, Boston, 1999).NOTA: Ao contrário da velocidade do som, a velocidadeda luz diminui quando a densidade do meio aumenta.

Figura 7 – Transmissão de luz num material translúcido. Ambas reflexão e transmissão apresentam componentes especulares e difusas.

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DISPERSÃOA dispersão ocorre sempre que pequenos cristais ou outras heterogenei-dades estejam presentes no vidro. Em geral, a dispersão é indesejável,embora por vezes se possa tirar partido deste fenómeno. São exemplosdisso os vidros opala e rubi, fabricados intencionalmente com centros dedispersão. A dispersão é maximizada sempre que o diâmetro das partícu-las é da ordem de grandeza do comprimento de onda da radiação – 400-700 nm, para dispersão no visível (Tabela 5).

ABSORÇÃOQuando ao fazer incidir luz sobre um vidro, este transmite na mesma pro-porção todas as frequências, o vidro diz-se incolor. No entanto, se parte daluz que entra no vidro for absorvida com intensidade desigual e de formaselectiva, então o vidro apresentará cor.

Quando não existem centros dispersores e os centros de absorção estãouniformemente distribuídos pelo material, a quantidade de luz absorvida édada pela lei de Lambert-Beer:

[13]I – intensidade da luz à saídaI0 – intensidade incidentel – espessura óptica

Como a maioria dos componentes principais do vidro são incolores, énecessário adicionar agentes corantes para produzir a cor desejada. Emvidros é comum a adição de iões metálicos como centros de cor (Tabela 6).A presença de cor obtida pela incorporação de óxidos metálicos na massavítrea conduz a um produto com maior pureza de cor, relativamente aos

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CorVermelhoLaranja- avermelhadoLaranjaAmareloVerde amareladoVerdeVerde azuladoAzulVioleta

l (nm)700650600580550525500450400

n (Hz)4.29 x 1014

x 1014

5.00 x 1014

5.17 x 1014

5.45 x 1014

5.71 x 1014

6.00 x 1014

6.66 x 1014

7.50 x 1014

Energia (J)2.84 x 10-19

3.06 x 10-19

3.31 x 10-19

3.43 x 10-19

3.61 x 10-19

3.78 x 10-19

3.98 x 10-19

4.42 x 10-19

4.97 x 10-19

Energia (eV)1.771.912.062.142.252.362.482.753.10

Tabela 2 – Espectro do visível(Adaptado de Colour and the optical properties of materials, Richard Tilley,John Wiley & Sons, Ltd, Chichester, 2000)

Índice de refracçãon1.451.501.551.601.701.801.902.002.432.50

Perda por reflexãoR (%)3.364.004.655.336.728.169.6311.1117.418.4

Tabela 3 – Perdas por reflexão especular em vidrosNota: Os valores da tabela não devem ser usados para ângulos de incidência superiores a 20o

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MaterialVazioArÁguaGeloCerâmicosQuartzo (SiO2)Ametista (SiO2)Cristal de rocha (SiO2)Corundum (Al2O3)Zircónia (ZrO2)BaTiO3Diamante (C)VidrosVidro de sílicaPyrex®Vidro de silicato sodo-cálcicoVidro flint densoVidro de cristal de chumboPolímerosTeflonPolitetrafluoroetilenoPolimetacrilato de metiloPolipropilenoPolietileno de alta densidadeNylon 6,6EpoxyPoliestirenoPolicarbonato

Índice de refracção médio1.000001.000291.3331.31

1.544, 1.5531.541.541.761.962.402.43

1.4581.471.51-1.521.6-1.72.50

1.30-1,401.30-1.401.48-1.501.491.50-1.541.531.581.59-1.601.60

Tabela 4 – Índices de refracção médios para vários materiais(Adaptado de The Science and Design of EngineeringMaterials, Schaffer, Saxena, Antolovich, Sanders, Warner,Mcgraw-Hill, 2nd ed., Boston, 1999).Nota: Os índices de refracção são superiores à unidade, umavez que a velocidade da luz num material é sempre inferior àvelocidade da luz no vazio

Grau de divisão

Iónica ou molecular

Coloidal ou microcristalina

Grosseira

Estado

Dissolução

Dispersão coloidal ou microcristalina

Dispersão cristalina

Tabela 5 – Classificação de grupos cromóforos de acordo com tamanho, em vidros de cor(Adaptado de El Vidrio, José Maria F. Navarro, Consejo Superior de Investigaciones Científicas Fundación CentroNacional del Vidrio, Madrid, 1991).

Ordem de grandeza

1 nm

1 nm – 100 nm

> 100 nm

Exemplos

Fe2+, Fe3+, Co2+, Ni2+, Cr3+, Cu2+,V5+, VO2+, Ce4+, etc.

Cu2O, Ag0, Au0, Cd(x+y)SxSey

Cu0, Cr2O3

CONFIGURAÇÃO ELECTRÓNICA3d1

3d2

3d3

3d4

3d5

3d6

3d7

3d8

3d9

IÃOTi3+

V4+

V3+

Cr3+

V2+

Mn3+

Mn2+

Fe3+

Fe2+

Co2+

Ni2+

Cu2+

VIDROfosfatos, borosilicatos silicatos

Silicatos, boratos, fosfatos, borofosfatosSilicatos, boratos, aluminofosfatos, silicatos, aluminofosfatosSilicatos, boratosSilicatosSilicatos, boratosSilicatos, boratos, aluminofosfatosBoratos ricos em alcalinos Boratos pobres em alcalinossilicatosBoratos ricos em alcalinos Boratos pobres em alcalinosSilicatos, aluminofosfatosSilicatos, aluminofosfatos, boratos

NC6666664 ou 64 ou 64 ou 64644666

CORVioletaazulverdeVerde clarovioletaAmarelo pálidoAmarelo/castanhoVerde azuladoAzulRosaazulAzulAmarelo/castanhoazul

CONCLUSÃOO grau com que a radiação solar é reflectida, transmitida, absorvida ou dispersadetermina a aparência de um material. O vidro de janela comum, por exemplo, é ummaterial transparente, em que os fenómenos de absorção e de dispersão são prati-camente desprezáveis. A reflexão especular é da ordem de 7,84 % da radiação inci-dente, e os restantes 92,12 % são transmitidos sofrendo, no entanto, uma refracçãopelo facto do vidro ser um meio mais denso do que o ar.A composição química, a espessura e o índice de refracção são variáveis intrínse-cas que condicionam, em maior ou em menor grau, a aparência de um sólido trans-parente.Em projecto sustentado de arquitectura, as propriedades ópticas são de importânciavital. Pela selecção adequada de um vidro é possível controlar a transmissão vs.reflexão, a reflexão especular em detrimento da reflexão difusa, proporcionar dis-persão ou conferir cor.

* professora do departamento de engenharia de materiais do IST

BIBLIOGRAFIA• Colour and the Optical Properties of Materials, Richard Tilley, John Wiley & Sons,Chichester, 2000.• El Vidrio, José Maria F. Navarro, Consejo Superior de Investigaciones CientíficasFundación Centro Nacional del Vidrio, Madrid, 1991.• Les Verres et l´Etat Vitreux, J. Zarzycki, Masson, Paris, 1982.• Properties of Materials, Mary Anne White, Oxford University Press, Oxford, 1999.• The Science and Design of Engineering Materials, Schaffer, Saxena, Antolovich,Sanders and Warner, McGraw-Hill, Boston, 1999.• Glass Engineering Handbook, G. W. McLellan and E. B. Shand, McGraw-Hill, NewYork, 1984.• http://www.squ1.com/site.html

obtidos pela utilização de pintura ou de outros revestimentos superficiaisem vidros.No caso dos vidros laminados, por exemplo, a cor poderá ser incorporadafacilmente no filme sintético de PVB. No entanto, a incorporação da cor namassa vítrea confere, a par com uma maior durabilidade, um efeito estéti-co superior.

TRANSLUCIDEZ, OPACIDADEA transparência é a propriedade óptica que permite a transmissão nítida deuma imagem. A translucidez e a opacidade são dois termos menos objec-tivos.Um material não transparente mas que ainda assim é atravessado pela luzdiz-se translúcido. Neste caso, a luz transmitida tem uma componenteespecular e uma componente difusa (Figura 7).

T = T difuso + T especular [14]

Quando ocorre perda total da luz transmitida, diz-se que o material éopaco.Muitos vidros e vidrados contêm compostos opacificantes que for-mam uma segunda fase de índice de refracção superior ao do vidrobase (ND 1.5). O grau de opacificação causado pela existência deporos ou partículas depende do seu tamanho médio e concentração,assim como da diferença entre os índices de refracção.

Tabela 6 – Coordenação de iões de metais de transição em várias matrizes vítreas.(Adaptado de Les Verres et l´Etat Vitreux, J. Zarzycki, Masson, Paris, 1982)

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