5
ENERGIA | Artigo Prorrogar ou não as concessões: eis a questão Consoante a regra insculpida no Art. 175 Na vigência do Código de Águas, baixado da Constituição Federal de 1988, as pelo Decreto nº 24.643, nos idos de 1934, concessões de serviços públicos devem ser as concessões para “produção, objeto de licitação. O texto constitucional transmissão e distribuição de energia deferiu à lei ordinária a atribuição de hidroelétrica” eram dadas pelo prazo de dispor sobre o contrato de concessão e as 30 anos, podendo, excepcionalmente, condições de sua prorrogação. chegar a 50 anos para permitir a amortização do capital investido “com o No que toca ao setor de energia elétrica, a fornecimento de energia por preço questão da prorrogação das concessões razoável”. vem despertando, no momento, grande interesse, pois, em 2015, expirará, Em 1995, foi editada a Lei nº 8.987, que, simultaneamente, o prazo de uma parcela em regulamentação ao supracitado significativa das concessões de geração, Art.175 da Constituição Federal, dispôs distribuição e transmissão de energia sobre o regime de concessões e elétrica. permissões. Nos termos dessa lei, conhecida como “Lei Geral de Instaurou-se, já há algum tempo, a Concessões”, ficou autorizada a propósito do assunto, intenso debate, prorrogação da concessão, nas condições girando as discussões a respeito da constantes do respectivo contrato. conveniência ou não de prorrogação das referidas concessões e da sua possibi- Ainda no mesmo ano, a Lei nº 9.074 veio lidade, à luz da legislação em vigor. complementar a disciplina introduzida pela Lei nº 8.987, trazendo regras A matéria possui múltiplas facetas a serem específicas para o setor de energia elétrica. analisadas e sopesadas, o que explica a Dava-se início à construção do arcabouço dificuldade, no curso dos anos, em se legal que permitiria a retomada dos estabelecer uma disciplina legal que lhe dê investimentos em área de tamanha tratamento satisfatório e estável, importância estratégica. observando-se, pelo contrário, um movimento pendular da legislação, Tal Lei estabeleceu a disciplina das mesmo após o advento da Constituição de concessões, permissões e autorizações de 1988. exploração de serviços e instalações de ANO 3 | Nº 6 | AGOSTO 2011

Prorrogar ou não as concessões: eis a questão

Embed Size (px)

DESCRIPTION

No que toca ao setor de energia elétrica, a questão da prorrogação das concessões vem despertando, no momento, grande interesse, pois, em 2015, expirará, simultaneamente, o prazo de uma parcela significativa das concessões de geração, distribuição e transmissão de energia elétrica.

Citation preview

ENERGIA | Artigo

Prorrogar ou não as concessões: eis a questão

Consoante a regra insculpida no Art. 175 Na vigência do Código de Águas, baixado

da Constituição Federal de 1988, as pelo Decreto nº 24.643, nos idos de 1934,

concessões de serviços públicos devem ser as concessões para “produção,

objeto de licitação. O texto constitucional transmissão e distribuição de energia

deferiu à lei ordinária a atribuição de hidroelétrica” eram dadas pelo prazo de

dispor sobre o contrato de concessão e as 30 anos, podendo, excepcionalmente,

condições de sua prorrogação. chegar a 50 anos para permitir a

amortização do capital investido “com o No que toca ao setor de energia elétrica, a

fornecimento de energia por preço questão da prorrogação das concessões

razoável”.vem despertando, no momento, grande

interesse, pois, em 2015, expirará, Em 1995, foi editada a Lei nº 8.987, que,

simultaneamente, o prazo de uma parcela em regulamentação ao supracitado

significativa das concessões de geração, Art.175 da Constituição Federal, dispôs

distribuição e transmissão de energia sobre o regime de concessões e

elétrica. permissões. Nos termos dessa lei,

conhec ida como “Le i Gera l de Instaurou-se, já há algum tempo, a

Concessões”, f icou autorizada a propósito do assunto, intenso debate,

prorrogação da concessão, nas condições girando as discussões a respeito da

constantes do respectivo contrato.conveniência ou não de prorrogação das

referidas concessões e da sua possibi- Ainda no mesmo ano, a Lei nº 9.074 veio

lidade, à luz da legislação em vigor. complementar a disciplina introduzida

pela Lei nº 8.987, trazendo regras A matéria possui múltiplas facetas a serem

específicas para o setor de energia elétrica. analisadas e sopesadas, o que explica a

Dava-se início à construção do arcabouço dificuldade, no curso dos anos, em se

legal que permitiria a retomada dos estabelecer uma disciplina legal que lhe dê

investimentos em área de tamanha tratamento satisfatório e estável,

importância estratégica.observando-se, pelo contrário, um

movimento pendular da legislação, Tal Lei estabeleceu a disciplina das

mesmo após o advento da Constituição de concessões, permissões e autorizações de

1988. exploração de serviços e instalações de

ANO 3 | Nº 6 | AGOSTO 2011

Energia | Prorrogar ou não as concessões: eis a questão

energia elétrica e de suas prorrogações, poder concedente.

prevendo prazos para as concessões e a A propósito desse último aspecto,

possibilidade de uma prorrogação “no assinalou, por exemplo, a atual Ministra do

máximo por igual período, a critério do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia

poder concedente, nas condições estabe-Antunes Rocha, que, embora a Lei nº

lecidas no contrato de concessão”.9.074 tenha vinculado, no Art.19, a

O referido diploma fixou também critérios decisão de conceder a prorrogação à

para prorrogação das concessões então garantia de qualidade do atendimento dos

em vigor, em geral pelo prazo de até 20 consumidores a custo adequado, ela “não

anos, a partir de 1995, razão pela qual apresenta critérios objetivos para os casos

haverá, em 2015, o término de um em que a entidade concedente não defira

expressivo número de concessões, na o pleito”.

maioria dos casos outorgadas a empresas Na sequência, a Lei nº 9.427/96, que

estatais controladas pela Eletrobrás ou por instituiu a Agência Nacional de Energia

Estados da Federação.Elétrica - ANEEL, previu, no respectivo

Ademais, a Lei em tela, no respectivo Art.27, que “os contratos de concessão de

Art.27 ainda em vigor, contemplou a serviço público de energia elétrica e de uso

possibilidade de prorrogação das de bem público (...) conterão cláusula de

concessões para viabilizar a privatização prorrogação da concessão, enquanto os

de pessoas jurídicas prestadoras de serviços estiverem sendo prestados nas

serviços públicos. condições estabelecidas no contrato e na

legislação do setor, atendam aos interesses Em comentário aos dispositivos dessa Lei, dos consumidores e o concessionário o referentes às prorrogações, os doutri-requeira.” Em outras palavras, ficava nadores levantaram algumas dúvidas, admitida uma prorrogação quase relacionadas, em síntese, (i) ao temor de automática, subsistindo, no entanto, os sua institucionalização, impedindo a pontos que ensejavam controvérsias substituição dos concessionários, por doutrinárias.meio de licitações, (ii) aos seus efeitos

econômicos, considerando a possível Mais adiante, a Lei nº 10.848, de 2004,

amortização do investimento no prazo alterou a Lei nº 9.074, no que concerne às

inicial e o não rebate disso nas tarifas ou prorrogações de concessões de geração

nos preços no período de extensão do de energia elétrica, para autorizar apenas

prazo e, sobretudo, (iii) à insegurança dos uma prorrogação de até 20 anos para as

concessionários, em face da ausência de concessões anteriores a 11 de dezembro

balizamentos objetivos para a decisão do de 2003, resultando de tal modificação

1

BOLETIM ARAÚJO E POLICASTRO ADVOGADOS Ano 3 | Nº 6 | Agosto 2011

1 - “Estudo sobre Concessão e Permissão de Serviço Público no Direito Brasileiro”, pág.62.

que as concessões de geração posteriores nário, partindo do entendimento de que

àquela data não podem ser prorrogadas. A nova prorrogação, ainda que autorizada

par disso, revogou o Art.27 da Lei nº por lei, representaria a frustração do

9.427, é dizer, a prorrogação de princípio constitucional da licitação

concessões quase automática acima obrigatória.

mencionada.Alinham-se a essa posição os grandes

A verdade é que o setor elétrico brasileiro é consumidores industriais, que ameaçam

complexo e dinâmico e está em discutir no Supremo Tribunal Federal a

construção, não podendo ser comparado constitucionalidade de qualquer medida

com o de outros países, em que tal área já legislativa no sentido de prorrogar as

se encontra estruturada. Evidentemente, concessões. Tais agentes acreditam que,

essa peculiar circunstância repercute na por meio da competição licitatória, se dará

elaboração da legislação e no movimento a queda no preço da energia na ponta

pendular antes aludido, ainda não tendo consumidora.

sido atingido o ponto ideal de estabilidade Em sentido oposto, número mais

regulatória desejável.expressivo de agentes julga mais

A esta altura, com a proximidade do apropriado que se promovam novas

vencimento das prorrogações realizadas prorrogações, questionando-se se, para

em 1995, essa legislação constitui o pano tanto, será necessário editar-se lei

de fundo das discussões sobre o assunto. ordinária, autorizando-as, no pressuposto

de que a Lei nº 9.074/95 teria permitido O tema é complexo e comporta uma

uma única prorrogação.var iedade de questões a serem

examinadas, do ponto de vista jurídico, A favor dessa alternativa, que tem por

que passam pela necessidade ou não de adeptos, dentre outros, os atuais

edição de nova legislação, a constituciona- detentores das concessões, vêm sendo

lidade desta última, a lei aplicável a cada apresentados alguns argumentos.

contrato de concessão e as particula-Em primeiro lugar, seus defensores partem

ridades de suas cláusulas.da premissa de que há situações em que os

Em uma ótica bastante simplificada, pode- investimentos feitos pelo concessionário

se dizer que hoje se esboçam duas não restarão integralmente amortizados

vertentes básicas de opinião sobre a em 2015. Assim sendo, cumpriria efetuar

matéria. o ressarcimento dos valores não amorti-

zados.Uma corrente defende que, expirado o

prazo da prorrogação, deverá ocorrer a Vislumbram, contudo, dificuldades para a

reversão dos bens e a realização de aferição do valor das indenizações,

licitação para seleção do novo concessio- considerando, inclusive, que os diversos

BOLETIM ARAÚJO E POLICASTRO ADVOGADOS Ano 3 | Nº 6 | Agosto 2011

Energia | Prorrogar ou não as concessões: eis a questão

planos econômicos, implantados no País redação do Art.42 da Lei nº 8.897/95, com

nas últimas décadas, impactaram os a alteração introduzida pela Lei nº

custos e regras de apropriação dos investi- 11.445/2007, permitindo que, findo o

mentos. prazo de uma concessão de serviço

público, este possa ser prestado, sem Demais disso, conjectura-se se a União

licitação, por órgão ou entidade do poder contaria com recursos suficientes para

concedente ou delegado a terceiro, um fazer frente ao pagamento dessa indeni-

caminho para a solução do dilema hoje zação.

existente. Conquanto exista, no setor, a Conta

Acontece que esse dispositivo não oferece Reserva Global de Reversão – RGR, criada

respaldo seguro para qualquer iniciativa, precisamente para essa finalidade,

eis que sua constitucionalidade está sendo alimentada por encargos cobrados dos

discutida no âmbito da ADI 4058, ainda consumidores nas contas de energia, os

não apreciada pelo Supremo Tribunal recursos nela depositados vêm sendo

Federal. utilizados para custear programas sociais,

como o Luz para Todos, além de projetos De qualquer modo, dos debates que vêm

voltados para iluminação pública e sendo travados um aspecto parece

eficiência energética. sobressair: se a escolha for pela realização

de nova prorrogação, esta deverá estar Adicionalmente, alega-se que a opção por

condic ionada se ja à adoção de licitar novas concessões poderia impactar

mecanismos que permitam a captura do interesses estratégicos do Governo, que

benefício da amortização dos investi-busca ampliar o parque gerador do País.

mentos em favor da modicidade tarifária, Como grande parte das concessões de

seja à imposição de contrapartidas, a geração a vencer em 2015 se encontra em

exemplo de compensações ambientais. mãos de empresas estatais, estas veriam

Ainda a esse ângulo, dados os signifi-minguar suas receitas, dificultando novos

cativos interesses envolvidos, já se podem investimentos públicos no setor. Por outro

antever amplas discussões de cunho lado, no que se refere às empresas

jurídico.privadas, salienta-se que o ideal é que seus

investimentos sejam direcionados para a O título deste artigo parodia o famoso

implantação de novos empreendimentos, dilema hamletiano, mas é claro que a

em lugar de serem alocados em ativos solução do tema abordado passa longe

disponíveis, mediante a participação em das tintas dramáticas da obra de

licitações para obter a concessão do Shakespeare. Hoje existe uma dúvida que

parque gerador já instalado. decerto está em vias de ser sanada, até

porque já se tornou premente, em vista da Vale assinalar que há quem enxergue na

BOLETIM ARAÚJO E POLICASTRO ADVOGADOS Ano 3 | Nº 6 | Agosto 2011

Energia | Prorrogar ou não as concessões: eis a questão

necessidade de planejamento de âmbito de uma concessão, de obter a

atividades e investimentos dos atuais prestação adequada de serviços a tarifas

concessionários. módicas e aquele visado pelo concessi-

onário ou o pretendente a concessionário, O certo é que a opção do Governo deverá

que é a percepção de lucros.considerar e conciliar aspectos tão

diversos quanto a segurança jurídica que

as regras precisam inspirar; o atendimento

do interesse público, com a garantia futura

de abastecimento e a prática de tarifas

adequadas; e a necessidade de atração de

investidores, propiciando-lhes oportu-

nidades e, acima de tudo, incutindo-lhes

confiança, inclusive, se prevalecer a opção

pelas prorrogações, no que tange ao

estabelecimento de critérios objetivos em

que elas se darão e as respectivas

condições.

Espera-se que a decisão a ser adotada seja

fruto da ponderação desses aspectos, bem

como da aplicação e interpretação

harmonizada das normas constitucionais e

infraconstitucionais incidentes na

hipótese, e bem assim da consideração de

princípios como o da isonomia, da

modicidade tarifária, da eficiência e da

continuidade dos serviços públicos.

Identifica-se aqui, como em tantas outras

hipóteses, o desafio de se manter o

delicado equilíbrio entre o objetivo

almejado pelo poder concedente, no

48 ANOS

Este conteúdo está disponível em nosso

website: www.araujopolicastro.com.br

As informações prestadas por este boletim

não se confundem nem podem ser

interpretadas como consultoria, serviços

legais ou profissionais. Os conteúdos deste

informativo não consideram futuras

alterações na Legislação ou Jurisprudência

dos Tribunais. É proibida a reprodução,

distribuição, publicação ou divulgação das

informações e artigos deste boletim sem a

autorização prévia, por escrito, de Araújo e

Policastro Advogados.

Autores:

Maria Aparecida de A. P. Seabra Fagundes

[email protected]

Bernardo de Medeiros

[email protected]

BOLETIM ARAÚJO E POLICASTRO ADVOGADOS Ano 3 | Nº 6 | Agosto 2011

Energia | Prorrogar ou não as concessões: eis a questão

V-Card

V-Card