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PROSOPOPEA POR Reproducção fiel da edição de 1601 segundo o exemplar existente NA B1BLI0THEGA NACIONAL E PUBLICA no RIO DE JANEIRO RIODEJANEIRO TYPOGRAPHIA DO IMPERIAL INSTITUTO ARTÍSTICO, RÚA PRIMEIRO DE MARÇO N. 51. 18 n BENTO TEIXEIRA

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PROSOPOPEA POR

Reproducção fiel da edição de 1601 segundo o exemplar existente

NA

B1BLI0THEGA NACIONAL E PUBLICA

no

R I O DE J A N E I R O

RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA DO IMPERIAL INSTITUTO ARTÍSTICO, RÚA PRIMEIRO DE MARÇO N. 5 1 .

18 n

BENTO TEIXEIRA

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Haviam sido infructíferas todas as tentativas até aqui feitas

em Portugal e no Brasil para descobrir-se um esemplar da Pro-

sopopca de Bento Teixeira; mas a 18 de Julho do anno próximo

passado o milito illustre snr, barao de Porto-Seguro teve a boa

estrella de acha-lo na Bibliotheca Publica de Lisboa, e ao seo

feliz descobrimento seguiu-se o que fizemos na Bibliotheca Na-

cional do Rio de Janeiro, e de que demos compta ao Instituto

Historico e Geographico do Brasil em urna de suas últimas

sessoes.

Si gloria nos-cabe por similbante achado, devemo-Ia sem

díivida ao snr. barao de Porto-Seguro, cuja charta foi para nós

santelmo de viagem e a um tempo movel de extrema e

indizivel curiosidade; conseguintsmente a esse distincto bra-

siieiro, mais que a nenhum outro, agradecam as lettras patrias

o issignalado servido, que nos-parece vae prestar ésta pu-

blicagao.

AO LEITOR

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IV

O exemplar pertenceuie á Bibliotheca Nacional da Corte,

encontraino-lo na extensa e riquissima coUec^ao Barbosa

Machado, que é um dos inestimaveis thesouros d'este esta-

belecimento, Mais urna vez respeitaram os annos o que um

bibliophilo guardou com tanto amor e carinho !

Entretanto, como facilmemte se-comprehende, ésta joia

bibliographiua nao era accessivel a todos, e o que é mais,

se-achava exposta a desapparecer por qualquer accidente im-

previsto. D'aqui a idea de reimprimir-se a Prosogopea.

Pedimos para isso auctorizagáo do Governo imperial, e

ella nos-foi promptamsnte concedida.

¿ Mas deveria alterar-se o curioso poemeto de Bento Teixeira

corrigindo os seos numerosos erros de orthographia, vestindo-o

á moderna, tirando-lhc emfim o cunho de honrosa vetustez ?

Pareceu-nos que nao, e neste pensar tentamos repro-

duzir com a maior ñdelidade possivel o exemplar de 1601,

á sinñlhanga do que modernamente «e-practica com obras

d'este genero em Allemanha, Franca, Inglaterra e outros

paizes. Afaga-nos a idea de o-havermos conseguido quanto

cabia nos recursos que aqui tinhamos á mao, e mediante a

sollicita cooperado do snr. H. Fleiuss, que se-encarregou

do trabalho artistico com um zélo digno de todo o encomio;

alora alguma diííerenga de typo, no aemais,—no que respeita

a gravuras, paginacao, orthographia, etc. é períeita a identidade

entre o exemplar de 1601 e os que ora saem a lume.

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Aqui tém pois os cultores das boas lettras um dos

primeiros documentos de nossa historia litteraria, e mui pro-

vavelmente, que o-saibamos, o primeiro trabalho poético

publicado em Portugal por filho d'este nosso caro Brasil.

Aindaque lhe-puderiamos apponctar alguns versos de

inspiragao feliz, cumpre reconhecer que nao é grande o me-

re cimento poético da Prosopopect ; mas seo valor historico

e bibliographico nao tem contestado possivei, e elle sobe

de poncto ao considerar-se que é este o único trabalho per-

tenc-ente ao nosso conterráneo B. Teixeira, de quantos lhe

-foram attribuidos pelo docto abbade de Sancto Adriáo de

Sever. E' ésta pelo menos a nossa humilde opiniao, depois

do que tao sabiamente ponderou o sur. barao ue Porto-Se-

guro em sua charta de 8 de Octubro de 1872.

Dr. Benjamín Franklin Rarniz Galvao.

i/:oi¡ütite'^».'.í rlc.loii'ie'ja Maoíuaai e Publica.

Hit! di1 Janeiro, au.s de Janeiro de 1873.

V

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A 1 0 R G E D A L B V Q V E R Q V E Coelho, CapitSo, & Gouernador de Paranambuco.

Ai Em Lisboa: Impresso com licenga da Sancta lnquisigao: Por & Antonio Aluarez. Amo MCOCCCCÍ

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P R O L O G O Dirigido a Iorge Dalbuquerque Coe-Iho, Capitao, & Gouernadorda Ca-

pitania de Paranambuco, das partes do Brasilda-noiia

Lusitania. &c.

zem riscunho, pêra depois irem pintando os mem-bros delia extensamente, até realçarem as tintas, &ella íiear na fineza de sua perfeyçâo : Assim eu querendo dibuxar com obstardo pinzei de meu engenho a viua Imagem da vida, & feytos memoraueis de vossa mer-ce, quis primeyro fazer este riscunho, pera depois, sen-dome concedido por vossa merce, yr muv particu-larmente pintando os membros desta Imagem, sen3o me faltar a tinta do fauor de voífa merce, a quem peço humildemente, receba minhas Rimas, por serem as

F primeyras

E HE V E R D A D E , O QVE Diz Oracio, que Poetas, & Pintores, estão no mesmo predicamento: & estes pera pintare perfeitamente hua Imagem, primeyro na lisa tauoa fa-

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primicias com que tentó seruilo: E porque entendo, que as aceytará eom aquella beneuolencia, d? brandu-ra natural, que custuma, respeytando maisa pureza do animo, que a vileza do presente. Nao me fica mais que desejar, senSo ver a vida de vossa merce augmen-tada , & estado prosperado, como todos os seus subdi-tos desejamos,

Beija as nigos de vossa merce. (Bento Teyxeyra) Seu vassallo.

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^ T % 0 S O T O T E « y f ,

Dirigida a lorge Dalbuquerque

Coelho, C apitao , & Gouernador

de Peranam.hu CG , noua

Lusitania, &c.

A N T E M Poetas o poder

Romano,

Sobmettendo Na<$es ao jugo

duro,

O Mantuano pinte, o Rey Troyano, Decendo á confusSo do Reyno escuro. Que eu canto hu Albuquerque soberano Da Fé, da cara Patria firme muro, Cujo valor, & ser, que o Ceo lhe inspira, Pode estancar a Lacia, & Grega lira.

As Delphicas irmSs5 chamar nSo quero, Que tal inuocagSo, he v3o estudo, Aquelle chamo só, de quem espero, A vida que se espera em fim de tudo. Elle fará meu Verso tam sincero, Quanlo fora sem elle, tosco, & nido. Que per rez5o negar, nSo deue o menos, Quem deu o mais, a miseros terrenos.

F t E vos

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E vos sublime íorge, em quem se esmalta, A Estirpe Dalbuquerques excellente. E cujo eeco da fama corre, & salta, Do Carro Glacial, á Zona ardente, Suspendey por agora a mente alta, Dos casos varios da Olindesa gente, E vereys vosso irmSo, & vos suprema, No valor, abater Querino, & Remo,

Vereys hum sinil animo arriscado, A trances, & conflictos temerosos, E seu raro valor executado, Em corpos Lutheranos vigurosos. Vereys seu Estandarte derribado,

«y - • Aos Catholicos pés victoriosos, Vereys emíim o garbo, & alto brio, Do famoso Albuquerque vosso Tio.

Mas em quanto Thalia no se atreue, No Mar do valor vosso, abrir entrada, Aspiray com fauor á Barca leue, De minha Musa inculta, & mal limada, inuocar vossa graea, mais se deue, Que toda a dos antigos celebrada, Porque ella me fará que participe, Doutro licor milhor, que o de Aganippe.

0 mar.

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. Lampada do Sol, tinha encuberfco, A Ao Mundo, sua luz serena, & pura,

E a irmám dos tres nomes descuberto, A sua terga, & circular figura. Lá do portal de Dite, sempre aberto, Tinha chegado com a noyte escura, Morpheu, que cõ subtis, & lentos passos, Alar vem dos mortaes os mêbros lassos.

Tudo estaua quieto, & sossegado, Só com as flores Zephyro brincaua, E da varia fineza namorado, De quado, em quado o respirar firmaua. Áté que sua dór damor tocado, Per antre folha, & folha declaraua, As doces Aues nos pendentes ninhos, Cubrião com as asas seus filhinhos.

F 3 As

O marchetado Carro do seu Phebo, Celebre o Sol Munés, com falsa pompa, E a ruyna cantando do mancebo, Com importuna voz, os ares rompa. Que posto que do seu licor não bebo, A fama espero dar tam viua trompa, Que a grandeza de vossos feytos cante, Cõ som, q Ar, Fogo, Mar, & Terra, espSte.

Narração.

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As luzentes Estrellas scintillauSo. E no estanhaciu Mar resplandecido, Hup Hado «me no Ceo íixas estando,

— -- — - i Estar no licor falso parecido. Este passo os sentidos preparando, A aquel les que damor puro viuido, Que estado de seu centro, & fim absentes, Com alma, & cD votada esta o presentes.

Quando ao longo da prava cuja area, He de Marín has aues estampada, E de encrespadas Conchas mil se arrea, Assim de cor azul, como rosada. Do Mar cortando a prateada vea, Vinha Tritdo em colla duplicada, Ndo lhe vi na cabera casca posta, (Como CamOes des ere ve) de Lagosta.

Mas hua Concha lisa, & bem laurada, De rica Madre Perola lrazia, De lino Coral crespo marebelada, Cujo lauor o natural vencía Eslava nella ao vino debuxada, A cruel, & espantosa balaría,

• Que den a temeraria, & ce.ua úenle, Aos Deoses do Ceo, puro, & ¡».

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Hum Buzio desigual, & relrocido, Trazia por Trombeta sonorosa, De Perolas, & Aljófar guarnecido, Com obra muy subtil, & curiosa, Depois do Mar azul ter diuidido, Se seníou ntia pedra Cauernosa, E com as m5os limpamdo a cabelíeyra Da turtuosa colla fez cadeyra.

Toca a Trombeta com crecido alentó, Engrossa as veas, moue os elementos, E rebramando os ares com o accento, Penetra o vSo dos Ínfimos assentos. Os Polos que sustem o firmamento, Abalados dos proprios fundamentos, Fazem tremer a térra, & Ceo jucundo, E Neptuno gemer no Mar profundo.

O qual vindo da vám concauidade, Em Carro Triumphal, com seo tridente, Tras tam soberba pompa, & mssgeslade, Quanta conuem a Rey tam excel lente. Vem Océano pay de mor idade, Com barba branca, com ceroiz tremete, Vem Glauco, ve Nereu, Deoses Marinhos Corrern ligeros Phocas, & Golphinhos.

F 4 Vem

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Vem o veiho Proteo, que vaticina, (Se fé damos á velha antiguidade) Os males a que a sorte nos destina, Nacidos da mortal íemeridade. Vem nua, eooutra forma peregrina, Mudando a natural propriedade, Nao troque a forma, venha confiado Senao qner de Aristen ser sogigado.

Theüsj que em ser fermosa se recrea, Tras das Nimpnas o coro brado, ét doce, Cíimene. Ephyre, Opis, P a n o j a , Com Beroe, Thalia, Cymodore. Drymo, Xantho, Lycorias, Deyopssa, Aremusa, Cydippe, Philodoce, Com Eristea, Espió, Semideas, Apos as quaes cantando, vem Sereas.

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E R A A Darie do Sul, i ' onde a pequena,

Vrsa, se vé de guardas ro-deada,

Onde o Geo luminoso, mais serena,

Tem sua influjção, & temperada, In tilo da iioua Lusitania ordena, A natureza, mãy bem atentada, Hum porto tam quieto, & tam seguro, Que pera as curuas Nãos serue de muro.

He este porto tal, por estar posta, Hua cinta de pedra, inculta» & viua, Ao longo da soberba, & larga costa, Onde quebra Neptuno a fúria esquina. Aaire a praya. & pedra descomposta.

A. 7 x. A . 9

O estanhado elemento se diriua, /T*^ s-k & «rt» c s * 0- <rt» « « « t ^ n a ^-E <-v % •a ^ ^ & -rv - r w ^ w a

^UUEM tsaanua mjsiaflsqsiiiaíij jmu«â mysj&fl, Basia ter â fatal Argos anneyxa.

F 5 Em o

DESCRIP-

çao do Recife de Para-nambuco.

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Em o mcvo desta obra alpestre, & dura, Hüa boca rom neo o Mar jochado. ~~ X

Que na lingoa dos barbaros escura, Paranambuco, de todos he chamado. De Para,naqueheMar, Pucarotura, Feyta com furia desse Mar salgado. Que sem no diriuar, commetter mingo a, Coua do Mar se chama em nossa lingoa.

Pera entrada da barra, á parte esqoerda, Está hüa lagem grande, & espacosa, Que de Pyratas íora total perda, Se búa torre tiuera sumptuosa. Mas que por seus seruicos bos nao herda, Desgosta de fazer cousa lustrosa, Que a condigao do Rey q'n3o he franco, O vassallo faz ser ñas obras manco.

Sendo os Deoses á lagem ja chegados, Estando o veto em calma, o Mar quieto, Depois de estarem todos sossegados. Per mandado do Rey, & per decreto. Proteu eo Ceo, eos olhos enleuados, Como que inuistigava alto secreto, Com voz bem enloada, & bom raeneyo, Ao profundo silencio, larga o freyo*

Canto

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| jEl los ares retumbe o grane accenlo, De minha rouca voz, confusa, & lenia. Qual toruâo espantoso, & violento, De repentina, & hórrida tormenta. Ao Rio de Acheronte turbulento. Que em sulphureas burbulhas arrebenta, Passe com tal vigor, q imprima espanto. Em Minos riguroso» & Radamantho.

De lanças, & d escudos encantados, Não tratarey em numerosa Bima, Mas de Barões IIlustres afamados, Mais que quantos a Musa nam sublima. Seus heroycos Íeyíos extremados, AílinarSo a dissoante prima, Que n§o he muylo tam gentil subjeyto, Suppiir com seus quilates meu defeyto.

Não quero no meu Canto aigtía ajuda, Das noue moradoras de Parnaso, Nem matéria tam alta quer que alhida, Nada ao essencial deste meu caso. Porque dado que a forma se me muda, Em falar a verdade, serey raso, A° ^ A <ai V ^ C ( N I S B Í U N TUIISSUMJ! aa^caiií, qiseni essjreiív, Se á justiça quer dar o que se deue.

A fama

Canto de Proteu

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A ¿ama dos antigos, co a moderna, Pica perdendo o prego sublimado, A faganha cruel, que a turua Lerna, Espanta com estrondo darco armado. 0 c5o de tres gargantas, que na eterna, confusao infernal, está fechado, NS louue o braco de Hercules Thebano, Pois procede Aíbuquerque soberano.

Vejo (diz o bom velho) que na mente, O lempo de Saturno renouado, E a opulenta Olinda.florescenle, Chegar ao cu me do supremo estado Será de lera, & bellicosa gente 0 sen largo destricto pouoado, Por nome terá, Nona Lusitania, Das Lejs isenta da fatal insania.

As redeas terá desta Lusitania, O gram Duarte, valeroso, & claro, Coelho por cognome, que a insania, Reprimirá dos seus, com saber raro. Outro Trovano Pió, que em Dardania, Os Penates Mu ron, & o padre caro, Himi Ptiblio Scipíao, na continencia,

JL Güiro Néstor, & Fabio, na prudencia.

O braço

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O braço tnuieio vejo com que amansa, Â dura ceruiz, barbara insolente, Instruindo na Fé, dando esperança, Do bem que sempre dura, & he presente, Eu veio eo rigor da tesa lança,

J U " '

Acossar o Frances impaciente, De lhe ver alcançar hua victoria, Tam capaz, & tam digna de memoria.

Terá o varSo ISSustre, da consorte. Dona Beatriz, preclara, & excellenle, Dous filhos, de valor, & dalta sorte, Cada qual a seu Tronco respondente. Estes se isentarão da cruel sorte, Eclipsando o nome á Romana gente, De modo que esquescida a fama velha, Fação arcar ao mundo a sobrancelha.

O Principio de sua Primauera, Gastarão seu d estrie to dilatando, Os barbaros cruéis, & gente Austera, Com rnevo singular, domesticando. E primeyro que a espada lisa. & fera. Arranquem, co mil meyos damor brido. Pretenderão tirala de seu erro, E senão pomo indo a fogo, é: ferro.

Os hra-

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Os bracos vigorosos, é. constantes, FenderSo peytos, abrirSo costados, Deyxando de mil membros palpitantes, Caminhos, arrayaes, campos juncados, Cercas soberbas, fortes repugnantes, Serao dos nonos Martes arrasados, Sem fícar delle» todos, mais memoria, Que a queu fazedo vou em ésta Historia.

Quaes dous soberbos Rios espumosos, Que de montes altissimos manando. Em Theiis, de meterse desejosos, Vem com furia crescida murmurando. E ñas partes que passao furiosos, Vem aruores, & troncos arrancando, Tal lorge Dalbuquerque, & o gr0 Duarte Farao destruygüo em toda a parte.

Aquel le branco Cisne venerando, Que noua fama quer o Ceo que merque, E me está com seus feytos prouocando, Que delle cante, & sobre elle alterque. Aquelle que na Idea estou pintando, Hsían'Arwmííi ei i l i l imp í^alKiiniifirmie n a o v a w n a.* e K.J VJS jkjr n a e.A^i v JU-t *ÍA S Á / n-a V / ^ - ^ $

Se diz. cuja inuengao, cejo artificio, Aos barbaros dará total exicio.

Oeste

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©este, como de Tronco fiorescente, NacerSo muytos ramos, que esperanza, Prometerao a todos géralmente, De nos bergos do Sol prégar a langa. Mas quando virem que do Rey potente, O pay por seus seru i eos, nao alcanga, O galardaoaeuido, & gloria digna, Fi cargo nos al pendres da Picinna.

O sorte, tam cruel, comomudauel, Porque vsurpasaosbonso seu direyto? Escolhes sempre omaisabominauel, Reprouas, & abominas o perfeyto. O menos digno,fazes agradauel, Oagradauel mais, menos aceyto, O frágil, inconstante, quebradiga, Roubadora dosbens, &da jusíiga.

Nao tens poder algum, se ouuer prudencia, Nao tens Imperio algum, ne Magestade, Masa mortal cigueyra, & a demencia, E o titulo,te honrou de Deydade. 0 sabio tem dominio na influencia. Celeste, & na potencia da vontade, E se o fim não alcança desejado,

He por nSo ser o meyo accommodado. Este

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Este moyo ta i tara ao velho inuicto, u '

Mas n3o cometerá ncrihurn defeyto, Que o seu calificado, <& alto esprito. Lhe fará á quanto deue tcr respeyto. Aquí Bal isa¡ io, & Pacheco afílicto, Cerra cora elle o riurnero períevlo, Sobre os tres, hua duuida se excita, Qual íoy mais, se o esiorco, se a desdiía?

Foy o íilho de Anchises, foy Achates, A regido do Caos litigioso, Com ramo douro lino, & de quilates, Chegando ao campo Elíseo deieytoso. QuSo mal por falta deste, a muytos trates (é sorte) neste tempo trabalhoso, Bem claro no lo m ostra a experiencia, Em poder mais que a justica á aderencia,

Mas deyxando (dizia)ao tempo auaro, Cousas que Déos eterno, & elle cura, Eternando ao Presagio, nouo,&raro, Que na parte mental se me figura. De lorge Dalbuquerque, forte, & claro, A despeyto di rey da en ue ja pura: Pera o qual monta poucoa culta Musa, Que Mteoneo em louuar A chilles vsa.

Bem

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Beni sey que se seus íeytos n5o sublimo, He roubo que lhe faço muy notauel, Se o faço como deuo, sey que imprimo, Escandalo no vulgo variauel. Mas o dente de Zoylo, nem Mínimo, Estimo muyto pouco, que agradauel, He impossível ser, nenhum que canta, Proez? s de valor, & gloria tanta.

Mua cousa me faz diíliculdade, E o esprito prophetico mc cansa, A qual he ter no vulgo authoi idade, Só aquillo a que sua força alcança. Mas se he hum caso raro, ou nouidade, Das que de tempo em íêpo, o tepo laça, Tal credito lhe dão, que me lastima, Ver a verdade, o pouco que se estima.

E prosseguindo (diz) que Sol luzente, Vê Douro as brancas nuuês perfilando, Que está com braço indomito, & valete, A fama dos antigos eclipsando. Em que o esforço todo juntamente, Se está como em seu centro iresladando, Heíorge Dalbuquerque, mais ínuicio, Que o que deceo ao Reyno de Con to,

G Depois

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Der>oís de ter o Barbar o difíuso f

E roto: As portas fechará de lano. Por vir ao Reyno do valente Luso. E tentar a fortuna do Oceano, Hum pouco aqui Proteu, como confuso Estaua receando o grane dano, Que auia de acrescer ao claro Heróe

No Reyno aonde viue Cimoíhôe,

Se? mur certo do fedo (prosseguia; Que trará o Lusitano por designe;

Escurecer o esforço. & valentia. Do braço Assírio, Grego. & do Latino. Mas este presuposto. &phantâsia. Lhe tirará de enueja o seu destino. Que conjurando com os Elemento?, Abalará do Mar os fundamentos.

Porciue Lemnio cruel, de quem descende. Â Barbara progenie, & insolência. Vendo q o Albuquerque tanto efíende, Gente que delle tem a descendeneia. Gom mil rneos illiciíos pretende, Ffj7Ar irppTiarfliif»! rosistmina. i. v_ t i * r. v •v i » ° í.» v » v •» -« •»- - —— -.

Ao claro lorge, baroil, & forte, Em que não dominaua a varia sorte Na parte

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Na parte mais secreta da memoria, Terá muy escriptá, impressa, & esiapada, Aquella triste., &T ma ranhada Historia, Com Marte, sobre Vénus celebrada, Verá que sen primor, & clara gloria, Ha de ficai em Lethe sepultada, Se o braço Português victoria alcança; Da naçSo, que tem nelle confianças

E com rosto cruel, & furibundo, Dos encouados olhos scintillando, Feruido, impaciente, pello mundo. Andara estas palauras derramando. Pode Nictelio só no Mar profundo, Soruer as Naos Mseonias nauegando, J\So sendo mor Senor, nê mais possante, Nem lilho mais mimoso do Tonante?

E pode luno audar tantos enganos, Sem razão, contra Troya machinando, E fazer que o Rey justo dos Troya nos, Andasse tanto tempo o Mar sulcando? E que vindo no cabo de dez annos, De Scilla, & de Caribdis, escapando, Chegasse á desejada, &nova terra, E co Latino Rey tiuesse guerra?

G 2 Epode

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E pode Pallas subuerter no Ponto, O filho de Oyleu per causa leue? Tentar outros casos que não conto, For me não dar lugar o tempo breue? E que eu por mil razões, que não apõto, Áquem dofado,aley render se deue, Do que tenho tentado, ja desista, E a gente Lusitania,me resista?

Eu por ventura sou Deos indigente, Nascido da progenie dos humanos. Ou não entro no numero dos sete. Coei estes, im morta es, & soberanos? Á quarta Esphera a mim não se comete? Nã tenho em meu poder osCêtiinanos? Ione não tem o Ceo, o Mar Tridente? O Plutão,o Reyno da danada gente?

Em preço, ser, valor, ou em nobreza, Qual dos supremos he mais queu altiuo? Se Neptuno do Mar tem a braueza, Eu tenho a região do fogo actiuo. Se Dite afílige as almas com crueza, E vos Cyclones três. com foffo vinn.

J JR ~ ~ i —• - u " ~ -e c c vís í t i jus v i m a luvi", n a i l u , u n e r u , Eu na forja do monte lhos tempero?

E com

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E com ser de tam alta Magestade, Nao me sabem guardar nenhü respeito? E hum poyo tam pequeño em quantidade, Tantas batalhas vence a meu despeyto? E que seja aggressor de tal maldade, 0 adultero lascivo do meu leyto? Nao sabe que meu ser ao seu precede, Eque prendello posso noutra rede?

Mas seu intento nao pora no lito, por mais que contra mim o Ceo conjure, Que tudo tem em fim termo finito, E o tempo nao ha cousa que nao cure, Mouerey de Neptuno o gram districto, Pera que oieu partido mais segure, E quero ver no fim desta jornada, Se val a Marte, e?cudo, lanea, espada.

Estas paiauras taes, do cruel peyto, Soltará do Cyclópes, o tyranno, As quaes procurará por em eífeyto, Aas cauernas, decendo do Océano. E com mostras damor brando, &aceyto, De ti Neptuno claro, & soberano, Alcancará seu fim i 0 nouo iogo, Entrar no Reyno Dagoa o Rey do fogo.

G 3 Logo

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Logo da Patria ¿Eolia-virara vinlo's, Todos como esqoadrao, muy be formado, Euro, Noto; os Marítimos ásséritos. Teram com séü furtírdemasiádo. Fara natura varios mouimentos, O seu Caos repetindb ja passado, De sorte que dé varees fortes5& validos, De medo mostrarlo os rostos paílidos,

Se lorge Dalbuquerque soberano; Com peytojuuemi,nunca domado, Vencerá da F o r t u n a d Mar insano, A braueza,& rigor inopinado. Mil vezes o Argonauta deshumano. Da sede,& cruel fome estimulado, Viuirá aus consortes morie dura, Pera darlhes no ventre sepultura.

E vendo o Capitao calificado, Empresa tarn cruel, &'tam inica, Per mevo muy secreto, aceoramodado, Della como conuem se certifica. E dua gra§a natural ornado, Os peytos alterados, edifica, Vencendo com Tulliana eloquencia, Do modo que direy, tanta demencia.

Compa-

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Companheyros leaes, a quem no Coro, Das Musas, tem a fama enthronizado, Nao deveis ignorar, que nao ignoro. Os trabalhos que aueis no Mar passado. Kespondestes té sora com o foro,

A O / Deuido á nosso Luso celebrado, Mostrándonos mais firme contra a sorte, Do que ella contra nos se mostra forte.

Vos de Scilla, & Caribdis escapando, De mil bayxos-, & sirtes arenosas, Vindes num lenho concauo cortando. As inquietas ondas espumosas. Da fome, & da sede, o rigor passando, E ouIras faltas em fim difficultosas, Conuemvüs acquirir búa forga nona, Que o íim as cousas examina, &proua.

Oihay o grande gozo, & doce gloria, Oue torpis. ouando oostos em descanso, Contardes esta larga, & triste historia, lunto do patrio lar, seguro, e menso. O oue vav da hatalha, a tcr victoria, O que do Mar jochado, a hum remanso lsso eniSo auerá de vosso estado, Aos oíales que tiverdes ja passado.

G 4 Per

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Per perigos cruéis, per casos vários, Emos dentrar no porto Lusitano, E supposto que temos mil contrários, Que se parcialidão com Vulcano. De nossa parle os meyos ordinários, Não faltem, que não falia o Soberano, Poupayuos pera a prospera fortuna, E aduersa, não temais por importuna.

Os hcroycos feytos dos antigos, Tende viuos, & impressos na memoria, Ali vereis esforço nos perigos, Ali ordem na paz, digna de gloria. Ali com dura morte de inimigos, Fevta immmorlal a vida transitória,

f 7 Ali no mor quilate de fineza, Vereys aposentada a Fortaleza.

Agora escurescer quereis o rayo, Destes Barões tam claros, & iminentes, Tentando dar principio, & dar ensayo, Aa cousas temerarias, & indecentes. Imprimem neste peyto, tal desmayo, Tam grau es, &terribeis accidentes, Oue a dor crescida, as forcas me quebranta, E se pega g voz débil á garganta,

De que

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De que servem proezas, & faça nhãs, E tentar o rigor da sorte dura? One aproueyta correr terras estranhas, Pois faz hum torpe fim a fama escura ? Que mais torpe, que ver huas entranhas, Humanas, dará humanos sepultura, Cousa que a natureza, &lev empede, E escassamente ás Feras só concede,

Maspriraeyro crerey, que ouue Gigantes, De cem m3os,&daMãy Terra gerados, E Chi meras ardentes, & ílammantes, Com outros feros monstros encantados. Primeyro que de peytos tam constantes, Veja sair effeytos reprouados, Que nSo podem (falando simplemente) Nascer treuas da luz resplandescente.

E se determinais a cega fúria. Executar, de tam feroz intento, A mim fazey o mal, a mim a injuria. Fiquem liures os mais de tal tormento. Mas o Senhor que assiste na alta Curia . Hum mal atalhará tara violento, Dandonos brando Mar, vento galherno, Com que vamos no Minho entrar paterno

G 5 Ta

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Tais paiauras do peyto seu magnanimo, Lançará o Albuquerque famosíssimo, Do soldado remisso, & pusillanimo, Fazendo com tal practica fortíssimo. E assim todos concordes, é fnum animo, YencerSo o furor do Mar brauissimo, Até que ja a Fortuna denfadada, Chegar os deyxe á Patria desejada,

Aa Cidade de Vlyses destroçados. Chegarão da Foi tu na,& Reyno salso. Os Templos visitando Consagrados, Em procissão, & cada qual descalço. Desta maneyra íicarão frustrados, Os pensamentos vãos, de Lemnio falso, Que o mao tirar não pode o beneficio, Que ao bom, tê prometido o Ceo propício,

Neste tempo Sebasto Lusitano, Rey,que domina as agoas do gram Douro, Ao Reyno passará do Mauritano, E a lança tingirá com sangue Mouro: O famoso Albuquerque mais vfano, Que lason na conquista douco Douro, E seu Irmão Duarte vale roso, Irão co Rey altiuo Imperioso.

Nua

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Nüa Nao. mais oue Pvstris, é. Centauro, ' i J f I

E que Argos venturosa celebrada, Partirlo a ganhar o verde Lauro, Aa regeao da secta reprouada. E depois de chegar a e Rey no Mauro, Os dous irmaos, com langa, & com espada, Farao nos Agarenos mais estrago, Do que em Romanos fez o de Carthago.

Mas, ha muida sorte, quam incertos, Sao teus bens, &quam certas as mudanga* r Quam breuemente cortas os enxerios, A hüas mal nacidas esperanzas. Nos mais riscosos trances, nos aperlos, Antre mortaes peSooros, antre langas, Prometes triumphal palma, & victoria, Pera tirar no lim, a fama, a gloria.

Assim succederá nesla batalha, Ao mal afortunado, Rey vía no, A quem nao valerá prouada mal ha, Nem escudo dobreyros de Vulcano. Porque no tempe que elle mais trabalha, Victoria conseguir do Mauritano, Num momento se vê cego, & confuso,

E com seu esquadrSo, roto,& diffuso. Ante-

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Ánteparou aqui Protcu, mudando, As cores, & figura monstruosa. No gesto, & mouimento seu, mostrando,, Ser o que ha de dizer, cousa espantosa, E com noua eíficacia comegando, A soltar a voz alta, & vigorosa, Estas palauras taes tira do peyto, Que he cofre de prophetico conceyto.

Antre armas desiguaes, antre tambores, De som, confuso, rouco, & redobrado, Antre cauallos brauos corredores, Antre a furia do pó,que he salitrado, Antre sanha, furor, antre clamores, Antre tumulto cegó, & desmandado, Antre nuuens de sellas Mauritanas, Andará o Rey das gentes Lusitanas.

No animal de Neptuno, ja cansado, Do prolixo combate, & mal ferido, Será visto por lorge sublimado, Andando quasi fibra de sentido. 0 q vendo o grande Albuquerque ousado, De tam trágico passo condoydo, Ao peyio fogo dando, aos olhos agoa, Taes palauras dirá, tintas em magoa.

Tam

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Tam ¡nfelice Rey, como esforzado, com lagrimas de tantos tam pedido, Com lagrimas de tantos alcanzado, Co lagrimas do Reyno, em fim perdido. Vejouos co eauallo ja cansado, A vos, nunca cposado- mas ferido, Saluay em este meu, a vossa vida, Que a minha, pouco vay, em ser perdida.

Em vos do Luso Reyno, a confianza. Estriba, como em base so fortissimo, Com vos íicardes viuo, seguraoga, Lhe resta de ser sempre ílorentissimo. Antre duros farpOes, & Maura langa, Deyxay este vassaüo fidelísimo, Que elle fará por vos mais que Zopiro, Por Darío, até dar final suspiro.

Assim dirá o Heroé, &com destreza, Deyxará o genete velocissimo,

f O 7 E a seu Rey o dará : 0 Portuguesa, LeaSdade do lempo ílorentissimo. O Rey promete, Se de tal empresa, Sae viuo, o fará senhor grandissimo, Mas te nisío lhe será atiera a sorte, Pois tudo cubrirá, com sombra a morle.

Com

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Com lagrimas damor, é. de brandura, De seu Senhor querido, ali se espede, Eque a vida importante, & maí segura, Assegurasse bem, muyto lhe pede. Toma á batalha sanguinosa, & dura, O esquadrão rompe, dos de Mafamede, Lastimá, fere, corta, fende, mata, Dessepa, apouca, assola, desbarata.

Com força não domada, &alto brio, Em sangue Mouro todo ja banhado, Do seu, vendo correr hum caudal Rio De giolhos se pós debilitado. Alidando à mortaes golpes desuio, De feridas medonhas trespassado, Será captiuo, &da proterua gente, maniatado em íim muy cruelmente.

Mas, a donde me leua o pensamento? Bem parece que sou caduco, & velho, Pois sepulto no Mar do esquescimento, A Duarte sem par, dicío Coelho. Aqui mister auia hum nouo alento, Do poder Diuinal, &a!to Conselho, Porque não ay que íeytos taes presuma, A terino, reduzir, & breue suma ?

Mas

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Mas se o Ceo transparente, & alta Curia, Me for tam fauorauel, como espero, Com voz sonora, com crescida furia, Ey de cantar, Duarte, & lorge íero. Quero liurar do tempo, &sua injuria, Estes claros írrnaos, que tanto quero, Mas tornando outra vez á triste Historia, Hum caso direy digno de memoria.

Andaua o nono Marte deslruindo, Os esquadroes soberbos Mauritanos, Quandosem tinoalgum, vio irfugindo, Os timedos, & lassos Lusitanos. O que de pura magoa, n5osufrindo, Lhe diz : Donde vos is hornos insanos? Que digo homes, estatuas semsentido, Pois nao senlis o bem que aueis perdido ?

Olhay aquel le esforzó antigo, tVpuro, Dos Ínclitos, & fortes Lusitanos, Da Patria, &liberdade, hum firme muro, Verdugo de arrogantes Mauritanos. Exemplo singular pera o futuro, Dittado, & resplandor de nossos annos, Subjeytoaiuy capaz, materia digna. Da Msnluana, é: Homérica Buzina,

Ponde

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Ponde isto por espelho, por ireslado. Nesta iam temeraria, & noua empresa, Nelle vereis, que tendes ja manchado,

De vossa descendencia, a fortaleza

Aa batalha tornay com peyto ousado, Militavsem receo, nem fraqueza,

V —

Olhay que o torpe medo he Crocodillo, Que custuma, a quem foge, perseguillo.

E se o dito, a tornar vos não compelle, Vede donde deixais o Rev sublime? Que conta aueis de dar ao Reyno delle ? Que desculpa terá tam graue crime? Quem auera, que por trayção não *el!e, Hu mal, q tanto mal, no mudo imprime? Tornay, tornay, inuictos Portugueses, Cercear malhas, &fendey arneses.

Assim dirá : Mas elles sem respeyto, Aa honra, &ser de seus antepassados, Com pallido temor, no frio peyto, Iram per varias partes derramados. Duarte vendo nelles tal defeyto,

Lhe dirá: Corações effeminados, Lá contareys aos vivos, o que vistes,

Porque eu direy aos mortos, que fugistes»

Neste

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Neste passo carrega a Maura íorga, Sobre o Bario insigne, <&velKcoso, Elle onde vé mais forga, al i se esforga. Mostrándose no fim, mais animoso. Mas o fado que quer, que arazSo torca, O caminho mais recto, & proveytoso Fara que num momento abreuiado,-Seja captiuo, preso, & mal tratado.

Eis ambos os irmsos em captiueyro, De peytos tam proteruos, & obstinados, Por copia innumerauel de dinheyro, Serám (segundo vejo) resgatados. Mas o resgate, & prego verdadeyro, Por quem os homens forSo libertados, Chamara neste tempo o gram Duarte, Pera no claro Olimpo Ihe dar parte.

0 Alma, tam ditosa, como pura, Parte a gozar dos dotes dessagloria. Donde teras a vida tam segura, Quanto tem de mudanga a transitoria. Goza la dessa luz, que sempre dura, No mundo gozaras da larga historia, n c a n a o no rastroso, &nco lempio, Da INiim^ha Gigantea ^or exemnIo-H .Mas

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Mas em quanto te dam a sepultura, Contemplo a tua Olinda celebrada,

J „ a. 1 LitlUClltt UC iUiiCDIU VCSUUUld. Inculta, sem feyção descabellada. Queroa deyxar chorar morte tam dura. Té que seja delorge consolada, Que por ti na Vlyssea fica em pranto, Em quanto me disponho a nouo canto.

Não maisesprito meu. que estou cansado. Deste difíuso, largo, & triste Canto, Que o mais será de mim depois cantado, Per tal modo, que cause ao mundo espanto. Ia no balcão do Ceo, o seu toucado, Solta Vénus mostrando o rosto Saneio, Eu tenho respondido co mandado, Que mandaste Neptuno sublimado.

Assim diz: & com alta Magestade, 0 Rey do Salso Reyno, ali falando, Diz : Em satisfação da tempestade, Que mandey a Albuquerque venerando. Pretendo, que a mortal posteridade, Com Hymnos o ande sempre sublimando,

ST* W 7 I ,RFL I R Í R I R O U - I R T N A B » áVitr T T ^ T Í ^ Í TTTYL) O T I N P J O 1

S J W S S N A U U V H J V ^ U C TU w s . x s j P I I U I V - J B I R ,

Com fatídico esprito verdadeyro. Aqui

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Aqui deu a tudo, & breuemente, entra o o Carro Christal lustroso, Apos delle, a demai» Ccerulea gente, Cortando a vea vay do Reyno acoso. Eu que a tal espectáculo presente, Estiue, quis em Verso numeroso.

JS. - 7

Escreuelo, por ver que assim conuinha. Pera mais períeycSo da íuusa minha.

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S 0 3 \ T E T 0 T

Eccos i ao mejmo Senhor Jorge

Dalbtujuerque Coelho.

R A N !í> R r, F * & v M . 1> 4 JH A •» A V J L « . ^

Por sli ser,Llamado 0 a Amado Querer mi Verso ceie- <s> «b* ^

brarte, Arte, Ni quanto el Cielo acà % # #

reparte, Parte, Menor,diran, tu sagrado : Grado,

Por \o que has eon valor sobrado, gj* Obrado Se omipasiempre eu sublimarte, O* Marte, V para eu algo accomodarte, ^ Darte, Quíso lati alio, y requestado: gj* Estado,

T«j; ores la gloria, y la coluinna, Cf Luna, De Lusitania, y refulgente, çj* Gente, Por quien llamarse, venturosa : ^ Osa,

¥ el Cíelo que tal don consiente, ^ Siente. Que te dio por suerte oDDortuna, ^ Vna, Seffora excelsa, y grandiosa : Diosa=

L A V S D E O

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