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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO UNIVERSITÁRIO NOTE DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIODIVERSIDADE TROPICAL Protocolo mínimo para inventário de répteis Squamata na Mata Atlântica Renan Delpupo Moysés Dissertação de Mestrado em Biodiversidade Tropical (Sistemática e genética de organismos tropicais) São Mateus, Março de 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO UNIVERSITÁRIO NOTE DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIODIVERSIDADE

TROPICAL

Protocolo mínimo para inventário de

répteis Squamata na Mata Atlântica

Renan Delpupo Moysés

Dissertação de Mestrado em Biodiversidade Tropical (Sistemática e

genética de organismos tropicais)

São Mateus, Março de 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO UNIVERSITÁRIO NOTE DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIODIVERSIDADE

TROPICAL

Protocolo mínimo para inventário de

répteis Squamata na Mata Atlântica

Renan Delpupo Moysés

Dissertação submetida ao Programa de

Pós-graduação em Biodiversidade Tropical

da Universidade Federal do Espírito Santo

como requisito para obtenção do grau de

Mestre em Biodiversidade Tropical –

Sistemática e genética de Organismos

Tropicais.

Orientador: Renato Silveira Bérnils

São Mateus, Março de 2016

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Dedico esta dissertação aos meus pais, Helen Dolores Delpupo Moysés e José Luiz Moysés, por

sempre me darem o apoio necessário para continuar em frente. Dedico também a Juliana

Carmo Ceolin, que nunca deixou de acreditar que eu era capaz, mesmo quando eu mesmo não

acreditava.

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AGRADECIMENTOS

A conclusão deste trabalho seria impossível sem a contribuição, direta ou indireta, de

várias pessoas, portanto, gostaria de expressar aqui, meus sinceros agradecimentos.

Começando do começo, quero agradecer muito ao meu orientador Renato Silveira

Bérnils, que me orientou de forma exemplar desde a graduação, me ajudando a crescer

como herpetólogo, me estimulando sempre a querer saber mais, mostrando o que é de

fato orientar, em todos os sentidos da palavra. Obrigado pelas viagens, por apresentar

pessoas, por abrir portas, mostrar as possibilidades da Herpetologia, me ensinar tudo.

Obrigado até pelos puxões de orelha que me tornaram um pouco menos procrastinador.

Obrigado por tudo!

Momento delicado agora, vamos falar da família. Firme. Mãe, Pai e Teka, sem vocês

nada disso seria possível, o apoio de vocês, financeiro e emocional, me ajudaram a

superar a distância, o desânimo, a vontade de largar tudo. Nunca deixaram de acreditar

em mim e sempre souberam que eu era capaz. Mãe, e Pai, tudo que eu sou hoje é devido

à criação que vocês me deram, construindo meu caráter, minha responsabilidade, meu

humor (aí foi mais o papai), então, Obrigado!

Juliana, meu amor, obrigado por estar sempre ao meu lado, você foi meu porto seguro

nestes dois anos de mestrado, quando eu me senti mais sozinho do que nunca. Era em

você que eu sentia a segurança e a vontade de continuar. Seu apoio, carinho e amor

foram mais importantes do que você imagina. Te amo!

Galera do Tetralab, Rabello, Kariny, Marília, Diego, Paulo, Bianca e Dani, a companhia

de vocês, as risadas, brincadeiras, trabalhos, idas a campo, viagens juntos, tudo. Vocês

também são parte disso, aprendi muito com vocês, de varias maneiras. Rabello sempre

de bom humor, ri de tudo, o amigo ideal pra tomar uma e dar risada, extrema facilidade

na identificação dos bichos, da raiva, valeu mano. Kariny, defensora de Sama city,

podia escrever tanta coisa aqui, mas vou resumir. Uma amiga incondicional,

companheira de lab do dia-a-dia, sempre rindo e fazendo brincadeira, às vezes tentava

esconder algo de ruim que tinha acontecido, mas você sabe, pra mim, você é um livro

aberto. Marília, véééééii... Desespero em pessoa. Divertimos-nos muito em Itaúnas,

muito responsável e compreensiva, nunca vi uma pessoa lidar tão bem comigo e com o

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Rabello ao mesmo tempo perturbando, você é demais, e não desista dos seus sonhos.

Diego chegou quieto, mas depois continuou quieto... Caladão, na dele, mas um cara

muito interessado em aprender, observar, ler, só tem que aprender a conversar agora,

você tem futuro bisonho! Pauleta, cabeça, um comédia, um dos caras mais engraçados

que conheço, mas tem que parar de se preocupar tanto, relaxa, vai dar tudo certo no

final. Bianca, amante dos animais, doglover, catlover, turtlelover, e por aí vai, gosta

mais de bicho que de gente, com certeza. Dani, trabalhadora, corre atrás do que quer,

mas não vai na onda do Rabello não que ele só vai te colocar em problema. Força pela

frente Dani, e pode contar comigo quando precisar.

Fala Burrada!!! O que acontece quando colocamos um bando de animais em um grupo?

Não sai nada que preste! Meus amigos de infância, que jamais deixaram de estar ao meu

lado. Nosso grupo não é só um grupo, é uma família, ri e rirei muito com vocês, valeu

animais, e me chamem de mestre de agora em diante.

Cafofo da Ully, nem sei por que eu to nesse grupo... Mentira, outra família, galera que

fala o que pensa mesmo, conheci a maioria a pouco tempo, e todos na universidade,

mas vocês fazem parte de mim.

Aos profissionais entrevistados Sérgio Augusto Abrãão Moratto, Júlio Cesar Moura

Leite, Fernanda Stender, Michel, Fernando Straube, Alberto Urben Filho, Gladson,

pessoal do IEMA. Que forneceram informações cruciais, agregando experiências,

opiniões e sugestões que possibilitaram a realização deste trabalho.

Ao Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – IEMA – do Espírito

Santo, disponibilizou sua biblioteca de Estudos de Impacto Ambiental para consulta,

bem como profissionais que atuam na análise destes estudos.

À Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, Centro Universitário Norte do

Espírito Santo – CEUNES e ao programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropical

– PPGBT pela oportunidade de realização deste trabalho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento e Pessoal de Nível Superior – CAPES pela bolsa

de mestrado concedida durante esses dois anos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL..................................................................................................9

REFERENCIAS..............................................................................................................12

Capítulo 1 – Bases históricas e legais para a Avaliação de Impacto Ambiental no

Brasil ..............................................................................................................................14

Bases históricas e legais para a Avaliação de Impacto Ambiental no Brasil...........15

Análise crítica da Instrução Normativa nº 146, de 10 de janeiro de 2007 ...............21

REFERÊNCIAS............................................................................................................26

Capítulo 2 – Análise crítica de Estudos de Impacto Ambiental no bioma Mata

Atlântica.......................................................................................................................28

INTRODUÇÃO............................................................................................................29

MATERIAL E MÉTODOS............................................................................................31

RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................32

CONCLUSÃO................................................................................................................36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................37

Capítulo 3 – Protocolo mínimo para inventários de répteis Squamata na Mata

Atlântica........................................................................................................................38

INTRODUÇÃO...............................................................................................................39

MATERIAL E MÉTODOS.........................................................................................40

RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................41

LEVANTAMENTO DE DADOS SECUNDÁRIOS.........................................44

PLANEJAMENTO, MATERIAL DE CAMPO E COLETA DE DADOS.......45

MÉTODOS AMOSTRAIS.................................................................................53

Armadilhas de interceptação e queda, ou pitfall traps..........................53

Busca ativa..............................................................................................58

Armadilha tipo funil ou covo..................................................................60

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Amostragem em estradas........................................................................61

Armadilha de cola....................................................................................61

Coleta por terceiros..................................................................................61

Armas de fogo, de ar comprimido, estilingues, bodoques, etc............62

Abrigos artificiais....................................................................................62

Entrevistas...............................................................................................62

CONCLUSÕES..............................................................................................................64

REFERÊNCIAS..............................................................................................................65

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RESUMO

Os primeiros estudos de caráter ambiental realizados no Brasil datam dos anos 1970, e desde

então vêm ganhando cada vez mais importância no cenário nacional. Porém, apenas em 31 de

agosto de 1981 o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 6.938, que criou a Política Nacional do

Meio Ambiente, incluindo a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) como um dos instrumentos

de proteção ao meio ambiente no Brasil. A Instrução Normativa nº146 do IBAMA, de 2007, foi

criada com o intuito de estabelecer critérios para procedimentos relativos ao manejo de fauna

silvestre em áreas de influência de empreendimentos e atividades consideradas causadoras de

impactos à fauna, e passou a ser o documento básico para a realização desses estudos. Porém, a

IN nº146 é um documento de caráter generalista, que necessita de adequações para bem atender

os inventários dos variados grupos de fauna em cada bioma presente no País. A Mata Atlântica

é o bioma mais impactado e densamente habitando do Brasil, com apenas 11% a 16% de sua

área original ainda existente. A diversidade de répteis Squamata presente nesse bioma é elevada,

com cerca de 250 espécies, o que dá ideia da relevância desse grupo animal na manutenção da

biodiversidade e do equilíbrio dos ambientes naturais ali presentes, e valorizando a inclusão dos

Squamata em Estudos de Impacto Ambiental (EIAs). O intuito do presente trabalho foi elaborar

uma proposta de padronização dos inventários de fauna de répteis Squamata realizados na Mata

Atlântica, na tentativa de adequar a IN nº146 a esse grupo naquele bioma e maximizar os

esforços de coleta em inventários de fauna através da criação de um protocolo mínimo para

inventários de Squamata e um roteiro para traçar perfis herpetológicos regionais ou locais.

Foram consultados 17 EIAs arquivados no órgão responsável por meio ambiente no Estado do

Espírito Santo para avaliar EIAs que realizaram inventários de répteis na Mata Atlântica. Os

pontos positivos e negativos de cada EIA foram elencados e avaliados, e observamos que não

existe qualquer padrão quanto aos métodos de amostragem, no esforço empregado em campo ou

na forma de analisar os dados obtidos, e contatamos que, na maioria dos casos, uma mesma

pessoa se responsabiliza pelos inventários de répteis e anfíbios - grupos muito diferentes na

taxonomia e nas formas de amostrar e analisar os dados. Após essa avaliação dos EIAs, de

consulta à literatura específica e de entrevistas com profissionais da área, criamos um protocolo

para inventários de répteis Squamata em EIAs na Mata Atlântica, o qual enfatiza que: (1) é

indispensável que todos os inventários contemplem pelo menos quatro campanhas a campo,

uma para cada estação do ano, com pelo menos dez dias de duração cada; (2) não se pode

prescindir de uma profunda consulta prévia à literatura específica e a coleções herpetológicas

para determinar espécies ocorrentes ou de potencial ocorrência na região do empreendimento;

(3) para a amostragem de indivíduos em campo, os inventários devem utilizar busca ativa,

armadilhas de interceptação e queda e pelo menos dois métodos adicionais de registro de répteis

Squamata; e (4) a avaliação da fauna de Squamata inventariada deve levar em conta o

conhecimento já existente sobre a auto-ecologia das espécies, o que, no âmbito da Mata

Atlântica, significa ter um domínio bem vasto da literatura de história natural e ecologia de

cobras, lagartos e anfisbenas presentes no bioma. Com isso, acreditamos que os inventários de

fauna de Squamata realizados na Mata Atlântica se tornarão mais completos, confiáveis e

padronizados, aumentando a qualidade dos Estudos de Impacto Ambiental e permitindo que os

órgãos ambientais federais e estaduais julguem com melhores critérios os estudos e relatórios

que recebem para avaliar.

Palavras-chave: Levantamento, impacto ambiental, legislação ambiental, IN nº146,

herpetofauna

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ABSTRACT

The first environmental studies in Brazil were made around 1970. Since then, they are getting

more important in the national scene. Yet, only in 31st august of 1981, the National Congress

approved the Law n. 6.938, which created the Environment National Politics, including the

Environmental Impact Assessment (EIA) as an instrument of environmental protection in

Brazil. The IBAMA Normative Instruction nº146, of 2007, was created due to establish criteria

for proceedings related to the wild fauna management in enterprise’s influence areas and

polluting activities. This document became the base to this kind of study. However, the NI

nº146 it’s a document of general character, that require adjustments for better comply with the

inventories in the many fauna groups in each biome in this country. The Atlantic Forest is the

most impacted and densely inhabited biome of Brazil, with only 11% to 16% of his original

cover remaining. The diversity of Squamata reptiles in the Atlantic Forest is very high, with

around 250 species, giving the idea of its relevance to this animal group in the biodiversity

maintenance and environmental balance of its natural environment. This shows the value of the

Squamata fauna inclusion in Environmental Impact Assessment. The present study intention

was elaborate a standardization proposition of the Squamata reptiles fauna inventories in the

Atlantic Forest, attempting to adequate the NI nº146 to this group in that biome, maximizing the

collection efforts in fauna inventories through the creation of a minimum protocol of Squamata

fauna inventories and a guide to track herpetological profiles of a location. We consulted 17

EIAs filed in the library of the organ responsible for the environment in the Espírito Santo State,

to evaluate EIAs that held reptile’s fauna inventories in the Atlantic Forest. The positive and

negative points in each EIA were listed. We observed that there isn’t any pattern in relation to

the samplings methods, in field effort or in how to analyze the obtained data. We also realized

that the same personal was responsible for the reptiles and amphibians inventories, in most

cases. These groups are totally different in their taxonomy, sampling and analyzing methods.

After the evaluation of the EIAs, specific literature consulting and interviews with professional

herpetologists, we created a protocol for Squamata fauna inventories in the Atlantic Forest,

emphasizing that: (1) it is indispensable that all faunal inventories must have at least four field

campaigns, one for each season of the year, with at least ten days long each; (2) a deep specific

literature and herpetological collections consulting is needed due to determinate the species that

occurs or may occurs in the area of the enterprise; (3) for the individuals samplings in the field,

the inventories must use active search, pitfall traps and at least two additional methods for

Squamata reptiles sampling; and (4) the Squamata faunal inventory evaluation must take into

account the knowledge already existent about autecology of species, which in the Atlantic

Forest domain, means have a vast domain about the natural history literature and ecology of

snakes, lizards and amphisbaenians of this biome. Thereby, we believe that the faunal

inventories of Squamata from the Atlantic Forest will became more completes, reliable and

standardized. Increasing the quality of Environmental Impact Assessments and allowing

judgments with better criteria from the federal and state environmental organs about this studies

and reports

Key-words: survey, environmental impact, environmental legislation, NI nº 146, herpetofauna

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INTRODUÇÃO GERAL

Segundo Scarano et al. (2012), biomas são regiões biogeográficas moldadas pelo

clima e que se distinguem uns dos outros por uma coleção única de ecossistemas e espécies, e

o Brasil é dividido em sete grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica,

Pantanal, Campos Sulinos e Costeiro e Marinho. De acordo com Silva & Casteleti (2005) o

bioma Mata Atlântica cobria uma área de aproximadamente 1.400.000 km², apenas no Brasil,

e estendia-se ao longo da costa brasileira desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do

Sul, por uma larga faixa latitudinal. Com mais de 75% de sua área formada por florestas, mas

também com enclaves de campos rupestres, caatingas, matas secas xeromórficas, cerrados,

mangues e restingas (Silva & Casteleti 2005), ela está isolada dos dois outros grandes blocos

de florestas sul-americanas, a Floresta Amazônica e as Florestas Andinas. Os biomas

Caatinga e Cerrado são dominados por vegetação aberta e separam a Mata Atlântica da

Amazônia, enquanto o Chaco, uma área de vegetação seca das depressões centrais da América

do Sul, separa-a das Florestas Andinas, ainda segundo Silva & Casteleti (2005). Diversos

autores (Müller 1973, Simpson 1980, Rizzini 1997, Myers et al.2000, Wüster et al. 2002,

Sanmartin & Ronquist 2004 e Silva & Casteleti 2005) argumentam que esse isolamento

resultou na evolução de uma biota única, com numerosas espécies endêmicas, e por isso a

Mata Atlântica é considerada uma das unidades biogeográficas mais singulares da América do

Sul .

Atualmente, 744 espécies de Squamata são conhecidas no Brasil (Costa & Bérnils

2015), e estima-se que cerca de 250 destas estão presentes no bioma Mata Atlântica:

aproximadamente 10 espécies de anfisbenas, 70 de lagartos e 170 de serpentes (Marques &

Sazima 2004; Kunz et al. 2007; Bérnils et al. 2007; Salles et al. 2010; Costa & Bérnils 2014;

Bérnils et al. 2015). Estes números dão ideia da relevância dos Squamata na manutenção da

biodiversidade e do equilíbrio dos ambientes naturais presentes na Mata Atlântica,

valorizando a inclusão dos répteis em estudos de impacto ambiental realizados nesse bioma,

que é o mais impactado pela ação humana no Brasil (Paglia et al. 2004; 2010; Galindo-Leal &

Câmara 2005).

Moura-Leite et al. (1993) argumentam que os répteis são importantes em estudos

ambientais para a conservação de regiões naturais, por ocuparem o topo de várias cadeias

alimentares e, portanto, exigirem certa oferta alimentar que sustente suas populações.

Segundo esses autores, essa peculiaridade do grupo faz com que os répteis funcionem como

excelentes bioindicadores de primitividade dos ecossistemas. Apesar de sua importância nas

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comunidades naturais, a herpetofauna tende a ser negligenciada em estudos ambientais devido

a dois motivos principais: o desconhecimento de sua importância e a falta de modelos e

protocolos que sustentem tais estudos (Gibbons 1988). Além disso, as dificuldades de

obtenção de amostras significativas em curto espaço de tempo e a escassez de informações

prévias nas regiões a serem trabalhadas, dificultam as avaliações ambientais em curto prazo

(Moura-Leite et al. 1993).

Os primeiros estudos ambientais realizados no Brasil foram feitos por volta dos anos

1970, e vêm ganhando cada vez mais importância no cenário nacional. O Congresso Nacional

aprovou em 1981 a Lei nº 6.938, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, incluindo a

Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos de proteção ao meio ambiente no

Brasil. O licenciamento ambiental vem se tornando imprescindível perante as políticas

nacionais de proteção ao meio ambiente, sendo exigido a todo novo empreendimento a ser

instalado em qualquer região brasileira. Além disso, a busca pelo desenvolvimento sustentável

se tornou uma preocupação real, fundamentada, inclusive, na Constituição Federal desde

meados de 1980, através da Resolução nº1 do CONAMA/1986. Segundo essa Resolução,

quando um empreendimento, obra ou atividade a ser realizada em uma região, for

potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, é exigida a elaboração de

um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental

(RIMA), ao qual deverá ser dada publicidade - exigência estabelecida na Constituição Federal

de 1988.

Os EIAs são uma ferramenta importante para a conservação dos ambientes naturais,

pois através deles é que medidas mitigatórias e compensatórias de degradação são propostas.

Os estudos servem para conhecer o que existe, em relação ao ambiente do local em que o

empreendimento será implantado, gerando medidas adequadas que permitem que os impactos

sejam minimizados o máximo possível.

Um dos primeiros passos para a realização de um Estudo de Impacto Ambiental, no

caso da fauna, é o Inventário de Fauna, que foi normatizado pela Instrução Normativa do

IBAMA nº146, de 2007, numa tentativa de padronizar os inventários de fauna no Brasil.

Porém, como estamos num país tropical megadiverso, dificilmente um único documento

conseguiria se adequar de maneira completa a todos os grupos animais aqui existentes. Por

isso, pesquisadores de alguns grupos, como aves e mamíferos, sentiram necessidade de

adequar a IN nº146 às suas áreas de pesquisa, visando trabalhos com inventários

padronizados.

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Devido ao caráter generalista da IN nº146 , que abre margem para inventários

incompletos e métodos não padronizados, observamos a necessidade de também adequa-la

aos inventários de répteis. Essa necessidade foi confirmada através de conversas e entrevistas

informais com alguns curadores de coleções zoológicas nacionais, biólogos que trabalham

com consultoria ambiental, profissionais voltados a pesquisas zoológicas e ecológicas. As

pessoas consultadas deram diversas sugestões para a criação de um documento que

padronizaria e maximizaria os esforços de coleta de Squamata, procurando criar controle de

qualidade e direcionamento para trabalhos futuros, auxiliando biólogos menos experientes a

realizarem trabalhos bem feitos.

O intuito do presente trabalho é, então, elaborar uma proposta de padronização dos

inventários de fauna de répteis Squamata realizados na Mata Atlântica, na tentativa de

adequar a IN nº146 ao estudo dos répteis e maximizar os esforços de coleta em inventários de

fauna, através da criação de um protocolo mínimo para inventários de Squamata, e,

paralelamente, sugerir um roteiro que permita traçar perfis herpetológicos regionais ou locais.

Para conseguirmos chegar ao produto final deste trabalho, foi necessário realizar um

estudo da legislação ambiental no país, com foco na Mata Atlântica, a fim de nos embasarmos

o suficiente para conseguirmos fazer uma analise critica da legislação brasileira em relação a

Estudos de Impacto Ambiental (EIAs). Também analisamos EIAs da biblioteca do Iema

(Instituto estadual do meio ambiente e recursos hídricos) do Espírito Santo a fim de

conferirmos como estavam sendo realizados os inventários de répteis na Mata Atlântica, quais

as atuais exigências e se havia padronização de métodos. Consultamos também literatura

científica referente a inventários de fauna de répteis Squamata. Devido a estas etapas,

achamos pertinente dividir esta dissertação em três capítulos: Capítulo I: Bases históricas e

legais dos inventários de fauna em Estudo de Impacto Ambiental no Brasil. Capítulo II:

Análise crítica da situação dos inventários de répteis Squamata em Estudos de Impacto

Ambiental na Mata Atlântica. Capítulo III: Protocolo mínimo para inventários de répteis

Squamata na Mata Atlântica.

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Moura-Leite JC, Bérnils RS & Morato SAA, 1993. Método para a caracterização da

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CAPÍTULO 1

Bases históricas e legais para a Avaliação de Impacto Ambiental no

Brasil

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BASES HISTÓRICAS E LEGAIS PARA A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS NO

BRASIL

Segundo o documento “Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental, Síntese de

uma Experiência”, realizado pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão da Escola Superior do

Ministério Público da União (ESMPU) de 2004, a preocupação com a proteção ao meio

ambiente é um tópico que, ao longo das décadas, vem ganhando cada vez mais força,

principalmente a partir dos anos 1970. Essa preocupação crescente pode ser associada a

alguns marcos históricos, como o aumento dos níveis de poluição nos países do chamado

Primeiro Mundo, em decorrência da expansão industrial; a crise do petróleo, que pôs o mundo

em alerta para a possibilidade de escassez dos recursos naturais; e encontros para discutir

questões socioambientais, como o Clube de Roma, publicado em 1972 sob o titulo “Os

Limites do Crescimento”, que apresentava caráter pessimista quanto à capacidade suporte do

planeta em relação ao crescimento econômico e populacional da sociedade.

Em 1972 a Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em

Estocolmo, incluiu definitivamente a questão da degradação ambiental e o esgotamento dos

recursos naturais na pauta de discussões da agenda econômica internacional. Uma das

repercussões desta conferência, no Brasil, foi a criação da Secretaria Especial do Meio

Ambiente (SEMA) em 30 de outubro de 1973 (ESMPU 2004). De acordo com o saite do

IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), a SEMA era

responsável pelo trabalho político de gestão ambiental; vinculada ao Ministério do Interior,

teve papel fundamental na elaboração da Política Nacional do Meio Ambiente. Ela também

foi uma das precursoras do IBAMA, juntamente com mais três órgãos que trabalhavam com a

área ambiental separadamente: o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF),

que mantinha a gestão das áreas naturais , a Superintendência de Pesca (SUDEPE), que geria

os recursos pesqueiros, e a Superintendência da borracha (SUDHEVEA), que buscava

viabilizar a produção da borracha. A fusão destes três órgãos com a SEMA deu origem ao

IBAMA (www.ibama.gov.br/acesso-a-informacao/historico).

As exigências mundiais quanto à preservação do meio ambiente foram ganhando

cada vez mais força. Órgãos financiadores internacionais, como o Banco Internacional de

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID), passaram a exigir mecanismos de aferição para o financiamento de projetos, dentre

eles a avaliação de impactos ambientais. Em função destas exigências, alguns projetos

desenvolvidos no Brasil, em meados dos anos 1970 e inicio dos anos 1980, foram objeto de

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estudos ambientais, como as hidrelétricas de Sobradinho, no estado da Bahia, e Tucuruí, no

estado do Pará, que foram financiadas pelo BIRD e pelo BID (ESMPU 2004).

Os primeiros estudos de caráter ambiental realizados no Brasil datam dos anos 1970,

e desde então vêm ganhando cada vez mais importância no cenário nacional. Porém, apenas

em 31 de agosto de 1981 o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei, a Lei n. 6.938 que

criou a Política Nacional do Meio Ambiente, incluindo a Avaliação de Impacto Ambiental

(AIA) como um dos instrumentos de proteção ao meio ambiente no Brasil (Sánchez 2013). O

licenciamento ambiental, atualmente, vem se tornando cada vez mais imprescindível perante

as políticas nacionais de proteção ao meio ambiente, sendo exigido, portanto, a todo novo

empreendimento a ser instalado em qualquer região brasileira. Além disso, o desenvolvimento

sustentável é hoje uma preocupação real e fundamentada na Constituição Federal desde

meados de 1980 (Resolução nº1 do CONAMA/1986) (Straube et al. 2010).

Em 1983 foi criada a Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento

(WCED) pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Essa comissão era encarregada das

análises de problemas ambientais e da elaboração de sugestões de estratégias de crescimento

econômico sustentável; foi ainda responsável pela popularização do termo Desenvolvimento

Sustentável, através do relatório Nosso Futuro Comum (Our common future, publicado em

1987, também conhecido como Relatório Brundtland). A previsão dos efeitos relacionados à

degradação e poluição provocados por empreendimentos é essencial para a elaboração de

políticas públicas baseadas no conceito de desenvolvimento sustentável. Neste contexto, a

Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) deveria ter caráter preventivo nas tomadas de decisão

dos setores públicos em relação a planos, projetos e programas de desenvolvimento (ESMPU

2004)

Ainda segundo o documento “Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental,

Síntese de uma Experiência”, realizado pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão da Escola

Superior do Ministério Público da União (ESMPU), a Política Nacional do Meio Ambiente

enfatizou a necessidade de compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a

qualidade ambiental. Na referida Lei n. 6.938/81, AIAs e licenciamentos constam como

instrumentos distintos, não necessariamente vinculados. Isso denota o caráter amplo da

avaliação de impactos, que deve possibilitar uma conexão entre setores governamentais, e

destes com a sociedade, como uma prática democrática de planejamento e execução de

políticas públicas, abrindo os processos decisórios à participação social.

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Porém, as AIAs se efetivaram no Brasil apenas através da Resolução CONAMA

nº01/86, segundo a qual a condução do processo de licenciamento requer, quando a obra ou

atividade for potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, a

elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto

Ambiental (RIMA) – exigência que ficou estabelecida na Constituição Federal de 1988

(ESMPU 2004).

Durante as pesquisas realizadas para a elaboração deste trabalho, observamos que um

documento imprescindível no processo de avaliação de impactos ambientais deveria ser o

Termo de Referência (TR), pois ele serviria como roteiro prévio às avaliações de impactos

ambientais e aos estudos de impactos ambientais, determinando as diretrizes desses estudos,

fornecendo molduras metodológicas, e definindo o escopo do estudo, sua abrangência

temática e até o perfil da equipe técnica. O TR seria, então, um documento balizador que visa

garantir as atividades a serem realizadas no EIA, atribuindo aos órgãos ambientais a

responsabilidade pelo licenciamento e a adição de etapas adicionais que julgarem necessárias,

mas, segundo o documento da ESMPU citado, isto não está fundamentado na constituição

federal, de modo que não existem dispositivos que determinem aos órgãos ambientais a

elaboração de termos de referência.

De acordo com o IBAMA, o processo de licenciamento ambiental é obrigatório à

instalação de qualquer empreendimento ou atividade poluidora ou degradadora do meio

ambiente, como dito anteriormente, e esta obrigação é compartilhada com os órgãos estaduais

de meio ambiente, através do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), que foi

instituído pela Lei nº 9.985/00. O papel do IBAMA é atuar, principalmente, no licenciamento

de projetos que ocupem mais de uma unidade da federação, ou em atividades do setor

petrolífero e em território marinho. Segundo o saite oficial do IBAMA

(www.ibama.gov.br/acesso-a-informacao/atribuicoes), quando o empreendimento ou

atividade poluidora se encontra nos limites de apenas um estado, cabe aos órgãos ambientais

estaduais o licenciamento do projeto. O Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio) atua quando o empreendimento ou atividade poluidora impacta

Unidades de Conservação federais, suas zonas de amortecimento ou áreas circundantes.

Nestes casos, o ICMBio deve ser consultado, de acordo com a portaria do Ministério do Meio

Ambiente nº 55/14, que estabelece os procedimentos entre o ICMBio e o IBAMA, e analisa

tecnicamente o processo de licenciamento, de acordo com a IN 05/09

(www.icmbio.gov.br/portal/servicos/autorizacao-para-licenciamento.html).

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Assim sendo, compilando as informações acima citadas, as principais diretrizes para a

execução do licenciamento ambiental adotadas pelo IBAMA, e consequentemente pelo

SISNAMA, são a Lei 6.938/81 e as resoluções do CONAMA nº 001/86 e nº 237/97; e

recentemente foi publicada a Lei Complementar n º140/2011, que atribui a responsabilidade

do licenciamento ambiental aos estados ou à federação, dependendo da localização do

empreendimento.

Segundo a Resolução CONAMA nº01/86, o EIA deve adequar-se à legislação

pertinente, em especial à lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecendo a uma série

de diretrizes gerais (artigo 5º da Resolução CONAMA nº01/86). De acordo com o Artigo 6º

da mesma Resolução, o EIA deve apresentar no mínimo quatro atividades técnicas

imprescindíveis: diagnóstico ambiental da área de influência, análise dos impactos ambientais

do projeto e de suas alternativas, definição das medidas mitigatórias dos impactos negativos e

elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e

negativos.

Para os objetivos do presente estudo, apenas a primeira atividade técnica é de fato

relevante: o diagnóstico ambiental da área de influência. Esta exigência pede a completa

caracterização da situação ambiental da área, antes da implantação do projeto. O item B do

parágrafo I, no artigo 6º desta Resolução se refere à caracterização do meio biótico e dos

ecossistemas naturais através da análise da fauna e da flora, atentando-se para espécies

indicadoras de qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de

extinção, e as áreas de preservação permanente. Este item, se respeitado, fornece informações

de qualidade e de grande valor, não só para o empreendimento em si, mas também para o

meio acadêmico e social no geral.

Apesar da evolução na legislação ambiental no Brasil, em relação aos estudos de

impacto ambiental, apenas em 2007 o Ministério do Meio Ambiente publicou um documento

que buscava a padronização de procedimentos e critérios em referentes à fauna, envolvendo à

questão do licenciamento ambiental para empreendimentos e atividades que causam impactos

ambientais: a Instrução Normativa nº146 do IBAMA. Ela foi criada com o intuito de

estabelecer critérios para procedimentos relativos ao manejo de fauna silvestre

(levantamentos, monitoramento, salvamento, resgate e destinação) em áreas de influência de

empreendimentos e atividades consideradas causadoras de impactos à fauna. Com isso, os

órgãos ambientais tinham em mãos algo oficial para lhes auxiliar no controle e padronização

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dos EIAs, de modo que a IN nº146 passou a ser o documento básico para a realização desses

estudos.

Em relação aos levantamentos de fauna, a IN nº146 faz uma série de exigências para a

concessão da licença ambiental, como, por exemplo, o que está estipulado no Artigo 4º, que

trata do que deverá conter cada levantamento de fauna:

I - lista de espécies descritas para a localidade ou região, baseada em dados

secundários, inclusive com indicação de espécies constantes em listas oficiais de fauna

ameaçada com distribuição potencial na área do empreendimento, independentemente do

grupo animal a que pertencem. Na ausência desses dados para a região, deverão ser

consideradas as espécies descritas para o ecossistema ou macro região;

II - descrição detalhada dos métodos a serem utilizados no registro de dados primários,

que deverá contemplar os grupos de importância para a saúde pública regional e cada uma das

classes de vertebrados e de invertebrados pertinentes. Em caso de ocorrência, no local do

empreendimento, de focos epidemiológicos, fauna potencialmente invasora, inclusive

doméstica, ou outras espécies oficialmente reconhecidas como ameaçadas de extinção, o

IBAMA poderá ampliar as exigências de forma a contemplá-las.

III – os métodos deverão incluir o esforço amostral para cada grupo em cada

fitofisionomia, contemplando a sazonalidade para cada área amostrada;

O Artigo 5º trata dos resultados do levantamento de fauna. Segundo a IN nº146, no

levantamento deverá ser apresentado, dentre outras exigências: lista de espécies encontradas,

indicando a forma de registro e hábitat, destacando as espécies ameaçadas de extinção, as

endêmicas, as consideradas raras, as não descritas previamente para a área estudada, as

passíveis de serem utilizadas como indicadoras de qualidade ambiental, as de importância

econômica e sinergéticas, as invasoras, e as migratórias e suas rotas; caracterização do

ambiente na área de influencia do empreendimento; estabilização da curva do coletor; etc.

Podemos notar através da analise da IN nº 146, que algumas exigências nem sempre

são palpáveis para a realidade dos EIAs no Brasil, devido aos prazos, recursos e equipamentos

disponibilizados para a realização destes estudos. Para alcançar números satisfatórios, quando

falamos de espécies de répteis, é necessário um período grande de coletas, com boa

periodicidade das campanhas a campo. Principalmente em se tratando de animais crípticos,

que apresentam coloração camuflativa e imobilidade como forma de defesa (Martins, 1996).

Essas dificuldades na obtenção de amostras significativas e confiáveis também

afetavam profissionais que trabalhavam com outros grupos taxonômicos, no passado recente,

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principalmente antes do lançamento da IN nº146 do IBAMA (em 2007), na qual foram

definidos critérios básicos para a realização de licenciamentos e estudos ambientais. Straube

et al. (2010) propuseram um protocolo mínimo para levantamentos de aves em estudos de

impacto ambiental, no qual procuraram não apenas normatizar e padronizar métodos, mas

também discutir mecanismos que permitam enriquecer, maximizar esforços e tornar mais

confiáveis os inventários de aves, considerando todos os itens que, segundo esses autores,

devem ser contemplados. Isso sugere que a IN nº146 poderia ser complementada,

regulamentada e adequada a cada grupo taxonômico, a fim de maximizar e padronizar os

EIAs. Straube et al. (2010) realçam que essa instrução normativa possui contradições e

incongruências na redação de alguns artigos e incisos, enquanto dá margem a subjetividades

em outros trechos. Por exemplo, quando analisamos os artigos 4º (“O levantamento de fauna

deverá conter”) e 5º (“Como resultado do levantamento de fauna em áreas de

empreendimento, deverão ser apresentados”), observamos que são muito semelhantes e até

mesmo redundantes em seus parágrafos, e podem gerar interpretações distintas.

Além dos problemas gerados pela interpretação e compreensão da IN nº146, existem

outras dificuldades relacionadas à execução dos diagnósticos ambientais que são recorrentes

neste tipo de trabalho, como prazos insuficientes para a realização de pesquisas de campo,

caracterização da área baseada apenas em dados secundários (às vezes oriundos de

publicações antigas), execução de atividades de diagnóstico em etapas posteriores à Licença

Prévia e falta de integração entre os dados de estudos específicos (Segundo o documento

“Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental, Síntese de uma Experiência”, realizado pela

4ª Câmara de Coordenação e Revisão da Escola Superior do Ministério Público da União

(ESMPU) de 2004). Em qualquer estudo de caráter ambiental, a falta de familiaridade com os

grupos animais avaliados pode ser um fator agravante na qualidade dos resultados obtidos,

pois não se consegue extrair da literatura científica, em pouco tempo, toda a diversidade de

uso dos hábitat, história natural e interações ecológicas que as espécies apresentam, e nem

garantir a identificação correta de todos os táxons envolvidos.

Devido à inexistência de protocolos específicos para avaliações ambientais utilizando

os répteis como bioindicadores, e sendo a Mata Atlântica o bioma mais impactado do Brasil,

o presente estudo tem como intuito propor um protocolo mínimo para avaliação da fauna de

répteis Squamata na Mata Atlântica e, em conjunto, criar um roteiro que permita traçar perfis

herpetológicos regionais ou locais.

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Sob este cenário, o presente estudo visa orientar a elaboração de documentos sobre

herpetofauna em estudos de impacto ambiental, particularmente durante a etapa de

levantamento. O conteúdo em si está longe de ser normatizador, mas serve primariamente

como fonte interpretativa da legislação aplicada ao estudo dos répteis, adicionada de

sugestões para o enriquecimento e aplicação da norma vigente.

Análise crítica da instrução normativa nº146, de 10 de janeiro de 2007

A IN nº146 do IBAMA teve como objetivo estabelecer critérios para padronizar

procedimentos relativos à fauna no âmbito de licenciamentos ambientais de empreendimentos

e atividades causadoras de impacto. Como descrito anteriormente, é fruto de um longo

processo histórico de preocupação com o meio ambiente e os recursos renováveis, e que

segundo a própria IN nº146, tem o intuito de buscar o desenvolvimento sustentável. Tal

documento foi, de fato, um importante passo para galgarmos a utilização responsável de

nossos recursos naturais. Porém, sua redação gera certa dificuldade interpretativa. A seguir,

faremos uma análise dos parágrafos do artigo 4º “O Levantamento de Fauna deverá conter”

pertinentes ao presente estudo (parágrafos I, II, III, VI e VII), que trata da etapa de

levantamento da fauna de répteis Squamata em estudos de impacto ambiental. Os parágrafos

IV e V não correspondem a atividades ligadas diretamente a etapa de inventário de fauna sob

responsabilidade do biólogo, pois tratam da apresentação de mapas, imagens de satélite e

fotografias aéreas, além da identificação das bacias hidrográficas e vias de acesso pré-

existentes para a área do empreendimento.

Parágrafo I: “lista de espécies da fauna descritas para a localidade ou região,

baseada em dados secundários, inclusive com indicação de espécies constantes em listas

oficiais de fauna ameaçada com distribuição potencial na área do empreendimento,

independentemente do grupo animal a que pertencem. Na ausência desses dados para a

região, deverão ser consideradas as espécies descritas para o ecossistema ou macro região”.

O levantamento da fauna de uma região baseado em dados secundários é extremamente

oportuno, pois permite que o profissional responsável pelo estudo adquira conhecimento

prévio sobre as espécies que pode encontrar, auxiliando até na definição dos métodos a serem

utilizados em campo. Porém, a literatura deve ser selecionada com cautela, principalmente se

o responsável envolvido for inexperiente, já que esta pode servir para auxiliar na identificação

dos exemplares amostrados. Na ausência de material específico para a região a ser estudada,

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consultar literatura muito generalista quanto à distribuição dos animais, pode provocar erros

na elaboração da lista prévia de possíveis espécies que ocorrem na região. Segundo Dixon

(1979), fatores como relevo, clima e vegetação são grandes limitantes de distribuição dos

répteis. Literaturas que apresentem distribuições muito generalistas podem não levar em conta

variações de relevo, por exemplo.

No Brasil, as listas oficiais de fauna ameaçada são as listas vermelhas. Segundo

Bérnils (2013), o Brasil, obteve sua primeira lista nacional por órgãos ambientais federais em

1968, mas apenas em 1989, com o crescimento da conscientização da necessidade de proteger

a fauna presente no país, outra lista foi elaborada. Nela foram apresentados como ameaçados

207 táxons, entre espécies e subespécies, e pela primeira vez seguiu-se as sugestões da IUCN.

As categorias e critérios propostos pela IUCN permitem classificar os táxons de acordo com:

(i) seu percentual de perda da população em um período de tempo definido, (ii) as causas

desse declínio, (iii) o tamanho da distribuição geográfica atual e a área de ocorrência das

espécies, (iv) o tamanho atual e o estado de fragmentação das populações, e (v) resultados de

análises de viabilidade populacional, quando existem informações suficientes (Bressan et al.

2009).

Atualmente vários estados que possuem extensões da Mata Atlântica em seus

territórios, possuem listas oficiais de animais ameaçados, como o Espírito Santo ganhou sua

primeira lista oficial de espécies da fauna ameaçada de extinção apenas em 2005, organizada

pela ONG Ipema (Instituto Pesquisas da Mata Atlântica), sob a coordenação dos

pesquisadores Marcelo Passamani e Sérgio Lucena Mendes. Antes disso, outras organizações

e órgãos ambientais também se preocuparam em elaborar suas primeiras listas estaduais: o

Paraná em 1995, com lista atualizada em 2003; Minas Gerais também em 1995, atualizada em

2007; São Paulo em 1998, atualizada em 2010; Rio de Janeiro em 1998, ainda sem

atualização, mesmo passados 16 anos de sua publicação; e Rio Grande do Sul em 2002

(Machado, 2008). Segundo Bérnils (2013), o estado de Santa Catarina teve sua primeira lista

feita em 2010, a Bahia vem elaborando sua lista desde o ano passado, e Pernambuco anunciou

as discussões para uma lista estadual a partir de 2014. Os critérios para classificar os táxons

variaram entre essas listas, mas as categorias utilizadas seguiram, com pequenas alterações, as

indicadas pela IUCN.

Parágrafo II:” descrição detalhada da metodologia a ser utilizada no registro de

dados primários, que deverá contemplar os grupos de importância para a saúde pública

regional, cada uma das Classes de vertebrados, e Classes de invertebrados pertinentes Em

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caso de ocorrência, no local do empreendimento, de focos epidemiológicos, fauna

potencialmente invasora, inclusive doméstica, ou outras espécies oficialmente reconhecidas

como ameaçadas de extinção, o Ibama poderá ampliar as exigências de forma a contemplá-

las”. No caso dos répteis, existe uma variada gama de métodos de amostragem; cabe ao

profissional responsável pelo estudo selecionar os métodos mais adequados ao tipo de

empreendimento, bem como aplicar métodos que se complementem, para amostrar o maior

número possível de espécies – sempre atentando-se à viabilidade do projeto. Além disso, os

métodos descritos no projeto, estudo ou relatório, devem ser aplicados em campo

criteriosamente, para que o resultado do EIA seja compatível com a descrição metodológica

do projeto apresentado. Espécies de répteis importantes para a saúde pública são, geralmente,

as serpentes peçonhentas. Devido à sua abundância ao longo de toda a Mata Atlântica, as

serpentes peçonhentas certamente constarão da lista prévia elaborada a partir de dados

secundários. Os métodos de constatação de espécies de répteis são os mesmos utilizados para

amostrar espécies nativas, ameaçadas de extinção ou invasoras, não havendo necessidade de

se utilizar métodos muito específicos para amostragem desses diferentes elementos.

Para a fauna potencialmente invasora, recomendamos consulta a Zenni e

colaboradores (2016), que fizeram uma analise dos dez anos do informe brasileiro sobre

espécies invasoras. No qual citam seis trabalhos que trataram de répteis invasores no Brasil.

Parágrafo III: “a metodologia deverá incluir o esforço amostral para cada grupo em

cada fitofisionomia, contemplando a sazonalidade para cada área amostrada”. Incluir o

esforço amostral na descrição dos métodos é de importante para os EIAs, pois confere

confiabilidade aos dados obtidos, desde que o esforço seja satisfatório. Do ponto de vista

científico, deve-se contemplar a sazonalidade, devido à variação de hábitos dos animais de

acordo com as estações do ano. Porém, nem sempre a sazonalidade é abordada, cabe então

aos órgãos ambientais, que têm autoridade legal exigir dados que contemplem épocas do ano

distintas. De acordo com Franco e colaboradores (2002), em regiões tropicais, de modo geral,

os répteis são mais ativos durante as estações úmidas, contudo, também deve-se coletar nas

épocas frias e secas, devido às diferenças sazonais na composição das comunidades, com

possibilidade de encontro de indivíduos, de faixas etárias ou estados fisiológicos diferentes

das amostragens obtidas em épocas chuvosas. Assim, podem-se obter informações sobre a

biologia e ecologia das espécies.

Parágrafo VI: “informação referente ao destino pretendido para o material biológico

a ser coletado, com anuência da instituição onde o material será depositado; (anexo

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formulário de destinação/recebimento, assinado pelas partes)”. A destinação do material

biológico coletado é uma questão delicada que envolve grande responsabilidade. Deveria ser

uma ação conjunta entre o setor privado e as instituições de pesquisa, com benefícios a ambas

as partes se realizada da maneira adequada. Em entrevistas informais com curadores de

coleções científicas, que auxiliaram no direcionamento deste estudo, foi sugerido que o

próprio profissional responsável pelas coletas indique uma instituição para o tombamento

desse material, e que a empresa impactante forneça à instituição os meios para a manutenção

deste material, como a doação de álcool, formol, tambores plásticos (para armazenamento de

animais em álcool) e armários. Esta prática poderá até constar como medida compensatória de

impactos, já que, desta forma, o empreendimento estaria gerando material científico útil. É

importante também que a empresa doadora do material permita a publicação dos dados

provenientes do material doado, o que promove enriquecimento científico para o grupo

amostrado (sugestão que não se limita apenas aos répteis, uma vez que todos os grupos

deveriam adotar a mesma prática).

Parágrafo VII: “currículo do coordenador e dos responsáveis técnicos, que deverão

demonstrar experiência comprovada no estudo do táxon a ser inventariado”. A análise de

currículos dos profissionais envolvidos nos estudos de impacto ambiental, pelo órgão

ambiental pertinente ao tipo de empreendimento, é importante, pois a escolha do profissional

é o primeiro passo para um estudo de impacto ambiental bem feito. A crítica aqui se direciona

ao trecho que diz respeito à experiência comprovada dos profissionais envolvidos. Se esta

comprovação for via publicações científicas voltadas para o grupo taxonômico em questão,

profissionais capacitados, mas que estão fora do meio acadêmico, podem ser prejudicados,

pois sua baixa produção (publicações) pode se transformar em barreira se o órgão ambiental

não os considerar suficientemente experientes

Ao longo do texto foi utilizado muitas vezes o termo “profissional”; vale salientar que

o profissional aqui referido é aquele diplomado em Ciências Biológicas, pois cabe ao biólogo

realizar os trabalhos de levantamento de fauna; ele possui o conhecimento teórico e a

capacidade técnica para realizar um estudo de qualidade em sua área de atuação, utilizando-se

dos métodos adequados e literatura correta. Como está fundamentado na Lei nº6.648/79, que

regulamentou a profissão de biólogo, e na Resolução CFBio nº10/03, que dispões sobre as

atividades, áreas e subáreas do conhecimento do biólogo.

O propósito aqui não é propriamente criticar a IN nº146, pois reconhecemos a

importância desse documento, que foi um divisor de águas para a padronização e melhoria da

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qualidade dos estudos de impacto ambiental no Brasil. O que buscamos é tentar elucidar

dúvidas que possam surgir de sua leitura, apontando possíveis dualidades, lapsos de

linguagem técnica e dificuldades interpretativas. O principal intuito é adequar a Instrução

Normativa nº 146 aos estudos que necessitem elaborar levantamentos de répteis Squamata na

região da Mata Atlântica, visando obter estudos de fauna de melhor qualidade e padronizados,

mesmo quando realizados por biólogos com menos experiência, promovendo assim a

maximização dos estudos de impacto ambiental que envolvam répteis na Mata Atlântica.

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REFERÊNCIAS

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19

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_______________________________

CAPÍTULO 2

Análise crítica de Estudos de Impacto Ambiental no bioma Mata

Atlântica

_____________________________________________________

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INTRODUÇÃO

Durante a análise dos EIAs consultados, chamou nossa atenção a frequência com que a

herpetofauna é abordada de forma conjunta, ou seja, os inventários de répteis e de anfíbios são

feitos pelo mesmo profissional (ou equipe) e, algumas vezes, até apresentados em relatório

único. Dos 17 EIAs estudados, seis (35%) apresentaram levantamento prévio, métodos,

resultados e demais dados e/ou análises tratando répteis e anfíbios em conjunto, e em 15 deles

(88%), a pessoa (ou equipe) responsável por Répteis era também responsável por Anfíbios

(ou mesmo por toda a fauna avaliada no EIA).

Essa prática é vantajosa para o contratante, que precisará contratar apenas um biólogo (com

ou sem equipe auxiliar) para inventariar, identificar e analisar dois grupos taxonômicos

distintos (a chamada “herpetofauna”), inclusive no que se refere a avaliar os efeitos do

empreendimento (possíveis impactos negativos e positivos medidas mitigadoras e

compensatórias etc.). A qualidade do estudo, porém, pode ser gravemente comprometida,

porque répteis e anfíbios são grupos megadiversos e complexos, muito diferentes entre si em

termos biológicos estritos (fisiologia, ontogenia, comportamento, modos reprodutivos e assim

por diante), em suas histórias biogeográficas e na forma de se relacionar com o meio (Zug et

al. 2001), demandando esforços e métodos diferentes (nem sempre complementares) para

serem corretamente amostrados. Outro problema é que, devido à grande diversidade desses

grupos nos biomas tropicais, raramente um mesmo profissional consegue se especializar nos

dois grupos ao mesmo tempo – especialmente no Brasil, que congrega a maior diversidade de

anfíbios do planeta (1026 espécies) e a terceira maior de répteis (773 espécies) (Frost 2014;

Segalla et al. 2014; Costa & Bérnils 2015; Uetz & Hošek 2015) .

Como exemplo, em um dos EIAs analisados, o profissional contratado dedicou oito

parágrafos aos anfíbios e apenas três aos répteis, deixando claro que se trata de um

especialista em anfíbios. Estudos de campo com anfíbios costumam dar maior enfoque à

procura por espécimes no período noturno e em ambientes aquáticos lênticos, como brejos,

banhados, várzeas, lagoas e igapós, onde os anuros se reúnem para a reprodução (Calleffo

2002); os adultos de diversas espécies apresentam, concomitantemente e em agregações

numerosas, machos vocalizando em coro e fêmeas atraídas por suas vocalizações (Haddad &

Sazima 1992; Toledo et al. 2012), o que facilita o trabalho do biólogo interessado em

amostrar esses animais; também é nesses ambientes que se encontra ovos e girinos da maioria

das espécies (Haddad & Sawaya 2000; Toledo et al. 2012). A atenção dada aos sítios de

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vocalização e reprodução dos anuros toma muito tempo do biólogo em campo, prejudicando,

inevitavelmente, sua dedicação à busca de répteis Squamata, os quais apenas fortuitamente

são encontrados nos ambientes propícios aos anfíbios.

A correta identificação dos táxons registrados também pode ser comprometida pela

contratação de uma única pessoa para abordar répteis e anfíbios num EIA, conforme indicado

acima. Um exemplo é a obtenção de dados através de registros secundários, como entrevistas.

Em um dos EIAs analisados, o responsável técnico registrou três espécies de serpentes através

de entrevistas: Liophis miliaris (atualmente Erythrolamprus miliaris), Chironius sp. e

Bothropoides jararaca (= Bothrops jararaca); todas podem ser facilmente confundidas com

outras espécies presentes na região estudada, inclusive com serpentes pouco aparentadas a

estas. Devido ao seu caráter mítico e ao grande temor que as serpentes geram nas pessoas em

geral, há certa tendência ao exagero e, por isso, a utilização de entrevistas na obtenção de

registros de serpentes em EIAs deve ser vista com cuidado. O profissional que conduz a

entrevista deve ser capaz de filtrar as informações fornecidas pelo entrevistado, baseando-se

em características morfológicas bem distintas e facilmente reconhecíveis para que a

informação possa ser validada.

Após a pequena introdução e os parágrafos com exemplos (podem ser incluídos outros), fica

faltando apenas um parágrafo de fechamento, ou seja, que traça o objetivo e a justificativa do

presente capítulo.

O presente capítulo tem por objetivo analisar criticamente EIAs armazenados na biblioteca do

Instituto Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos – IEMA, do Espírito Santo. Em

cada EIA, foram analisados quesitos como: métodos utilizados, levantamento prévio de dados

(dados secundários), lista de espécies, esforço amostral, qualidade da informação obtida,

equipe, período de campo, sazonalidade e domínio do grupo. Esta análise serve para sabermos

como estão sendo feitos os inventários de fauna de répteis nesses estudos, a fim de nortear a

criação de um protocolo mínimo para padronizar os inventários de fauna de répteis Squamata

na Mata Atlântica.

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MATERIAL E MÉTODOS

Com o objetivo de analisar a qualidade e a multiplicidade dos Estudos de Impacto

Ambiental que realizaram inventários faunísticos envolvendo répteis na Mata Atlântica,

buscamos a biblioteca do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA)

do Estado do Espírito Santo, que é o órgão ambiental responsável pela normatização e

fiscalização de empreendimentos potencialmente impactantes nesse estado. Nessa biblioteca

procuramos todos os estudos disponíveis realizados no século XXI, o que totalizou 17 EIAs

feitos para diversas regiões do Espírito Santo, tratando de construção de pequenas centrais

hidrelétricas, termelétricas, linhas de transmissão, rodovias, portos e atividades de mineração,

entre outras. O mais recente estava com data de 2013 e o mais antigo era de 2001. Como não

há necessidade de citar nomes ou especificar os estudos analisados, todos serão tratados por

números aleatoriamente atribuídos (1 a 17), sem ordem cronológica, alfabética ou outra

qualquer.

Sempre foi nossa intenção limitar a presente análise aos répteis Squamata da Mata

Atlântica. Nesses termos, a escolha do IEMA e dos EIAs ali arquivados se deu por três

motivos: I - O Espírito Santo é um dos dois únicos estados brasileiros com 100% de sua área

continental inserida no bioma Mata Atlântica (Scarano et al. 2012), ao contrário de Bahia,

Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, dentre outros, que possuem

importantes frações de outros biomas em seu território (IBGE 2004); isso garante que todos

os estudos presentes na biblioteca do IEMA foram realizados na Mata Atlântica stricto sensu.

II - A fauna ocorrente no Espírito Santo é a que conhecemos melhor, permitindo análises

críticas mais completas. III - Como o presente trabalho foi desenvolvido no Espírito Santo, os

EIAs arquivados no estado eram os mais acessíveis, evitando-se viagens para visitar

bibliotecas de outros estados.

As análises seguiram oito critérios básicos: equipe, levantamento de prévio de espécies

(dados secundários), métodos utilizados no registro de espécies, esforço amostral, período de

campo, lista de espécies encontradas ou registradas para a região, domínio do grupo e

qualidade da informação obtida.

Visando agregar a maior gama possível de experiências, tornando as análises mais

completas e conhecer pontos de vista variados, além da consulta aos EIAs da biblioteca do

IEMA, realizamos entrevistas informais com biólogos que trabalham com consultoria

ambiental, curadores de coleções zoológicas nacionais e servidores de órgãos ambientais

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federais e estaduais. A quantidade de entrevistas não foi computada e os nomes dos

entrevistados não serão divulgados, para preserva-los, já que tratamos aqui de um assunto

delicado, e foram dadas opiniões pessoais a respeito do tema abordado. Ao início das

conversas e entrevistas, garantimos o anonimato às pessoas consultadas, para que elas

pudessem dar opiniões mais sinceras sobre o que foi questionado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre os 17 Estudos de Impacto Ambiental avaliados, observamos uma grande discrepância

nas medidas empregas para o registro de espécie e compilação dos dados, como: esforço

amostral, métodos utilizados, analise de dados, equipe, período de campo, utilização de fontes

secundárias, lista de espécies apresentada e domínio do grupo Squamata (Tabela 1).

Foi elaborado um quadro comparativo de modo a não informarmos os nomes das empresas, o

tipo do empreendimento e a identidade do profissionais envolvidos em cada estudo. A

numeração dos EIAs se deu de forma aleatória.

Eia Equipe

Levantamento

prévio (uso de

fontes

secundárias)

Métodos

utilizados Esforço amostral Período de campo Lista de espécies Domínio do grupo Qualidade da informação obtida

1

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

realizou

levantamento

prévio de

literatura atual,

muito genérico

busca ativa,

entrevistas a

habitantes locais

não informado não informado 6 espécies

baixo domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

sem análises; apenas indicação

das espécies ameaçadas, de

valor econômico, bioindicadoras

e migratórias

2

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

realizou

levantamento de

literatura

atual,com

informações

específicas

busca ativa,

pitfall, literatura

científica

pitfall a 320

baldes totais/dia;

busca ativa de

160 horas

totais/homem

20 dias na

Primavera 66 espécies

bom domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

indicação de espécies

bioindicadoras, ameaçadas,

cinegéticas e potencialmente

invasoras; análises de riqueza,

diversidade, dominância,

equitabilidade, abundância,

similaridade, calculo de

suficiência amostral, sucesso de

captura por método

3

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

não realizou

levantamento

prévio de espécies

pitfall,

armadilhas-funil,

registro de

animais

atropelados

pitfall com 120

baldes ao todo +

60 armadilhas-

funil

8 dias na Primavera;

10 dias no Outono 37 espécies

bom domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

frequência relativa, diversidade,

abundância, similaridade, curva

do coletor

4

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

realizou

levantamento de

literatura

atual,com

informações

específicas

busca ativa,

literatura não informado não informado 46 espécies

bom domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

riqueza

5

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

não realizou

levantamento

prévio de espécies

Busca ativa,

encontro casual,

habitantes locais

não informado

Número de dias não

especificado,

Primavera e Verão

10 espécies nomenclatura

desatualizada sem análises

6

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

realizou

levantamento

prévio com

literatura atual,

com informações

específicas

busca ativa, visita

a coleções

herpetologicas da

região, consulta a

exemplares

presentes em

escolas da região

não informado não informado 50 espécies

bom domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

sem análises; apenas indicação

das espécies ameaçadas

7

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

realizou

levantamento

prévio com

literatura atual,

com informações

específicas

busca ativa,

pitfall,

amostragem em

estradas,

literatura

científica

pitfall a 80

baldes/noite;

busca ativa de 38

horas/dia;

amostragem em

estradas por 120

22 dias na

primavera, 22 dias

no Verão e 7 dias no

Outono

65 espécies

bom domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

Jacknife, diversidade,

abundância relativa, status de

conservação, curva do coletor,

bioindicadoras, exóticas,

cinegéticas

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Dos 17 EIAs avaliados, apenas um apresentava uma equipe de profissionais responsável

apenas pela fauna de répteis, separadamente da equipe responsável pela fauna de anfíbios. 11

estudos apresentavam consulta prévia a literatura para a elaboração da lista de espécies, sendo

que desses, apenas um não utilizou literatura atualizada em suas consultas. A busca ativa foi o

método mais utilizado, estando presente em 15 estudos. As armadilhas de interceptação e

queda (pitfalls) foram utilizadas em quatro estudos. Fontes para dados secundários foram

consultadas em 16 estudos, sendo que a literatura cientifica especializada foi a mais utilizada,

estando presente em nove EIAs, seguido de entrevistas a habitantes locais, presente em dois

EIAs, porém, foram utilizados outros métodos para coletas de dados secundários, como:

registro de animais atropelados, consulta a coleções herpetológicas, consulta a coleções de

museus, encontros casuais, consulta a exemplares presentes em escolas da região e coleta de

vestígios, como carcaças, ecdises e ovos.

horas totais

Eia Equipe

Levantamento

prévio (uso de

fontes

secundárias)

Métodos

utilizados Esforço amostral Período de campo Lista de espécies Domínio do grupo Qualidade da informação obtida

8

Mesma

equipe

para

Répteis e

Anfíbios

não realizou

levantamento

prévio de espécies

busca ativa,

coleta de

vestígios,

entrevistas

não informado 12 espécies

sem análises, apenas indicação

das espécies cinegéticas e

ameaçadas

9

Equipe

separada

para

répteis e

anfíbios

não realizou

levantamento

prévio de espécies

busca ativa,

entrevistas

busca ativa por

21 horas totais não informado 16 espécies

bom domínio dos

Squamata, utilizou

literatura Específica

composição de espécies,

abundância relativa, riqueza,

diversidade, equitabilidade

10

Mesma

equipe

para toda a

fauna

realizou

levantamento

prévio de espécies

com literatura

desatualizada

busca ativa,

literatura

científica

não informado não informado 19 espécies baixo domínio, utilizou

literatura antiga sem análises

11

Mesma

equipe

para

répteis e

anfíbios

realizou

levantamento

prévio de espécies

com literatura

atual

consulta à

literatura

científica

não informado não informado 17 espécies utilizou literatura

recente sem análises

12

Mesma

equipe

para

répteis e

anfíbios

realizou

levantamento

prévio de espécies

com literatura

atual

busca ativa,

literatura

científica,

entrevistas

não informado não informado 12 espécies sem análises; apenas indicação

das espécies cinegéticas

13

Mesma

equipe

para a

fauna

inteira

não realizou

levantamento

prévio de espécies

busca ativa e

entrevistas

busca ativa por

26 horas totais não informado 15 espécies Baixo domínio sem análises

14

Mesma

equipe

para a

fauna

inteira

realizou

levantamento

prévio com

literatura atual,

com informações

específicas

consulta à

literatura

científica

não informado 18 espécies Baixo domínio sem análises

15

Mesma

equipe

para a

fauna

inteira

não realizou

levantamento

prévio de espécies

busca ativa busca ativa por

21 horas totais não informado 8 espécies

Bom domínio, utilizou

literatura atualizada

composição, abundância

relativa, índice de riqueza,

diversidade e equitabilidade

16

Mesma

equipe

para

répteis e

anfíbios

realizou

levantamento

prévio de espécies

com literatura

atual

busca ativa,

consulta a

literatura,

consulta a uma

grande coleção

herptológica

busca ativa 60

horas totais não informado 31 espécies

Bom domínio, utilizou

literatura atualizada

curva do coletor, status de

conservação

17

Mesma

equipe

para

répteis e

anfíbios

realizou

levantamento

prévio de espécies

com literatura

atual

busca ativa,

pitfall, consulta à

literatura

pitfall a 60 baldes

totais; busca ativa

de 160 horas

totais

Número de dias não

especificado,

Primavera e Outono

23 espécies Bom domínio, utilizou

literatura atualizada

curva do coletor, diversidade,

equitabilidade, riqueza

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Em relação ao esforço amostral na busca ativa, oito EIAs não deram informações sobre os

esforços em campo. Entre os nove estudos que informaram, somente dois apresentavam

quantas horas e dias em campo, o que impediu que pudéssemos realizar análises mais

profundas em relação à média de esforço amostral das campanhas.

O período de campo também foi um item bastante negligenciado nos EIAs revisados, um total

de 12 estudos não informou o período em que as etapas de campo foram realizadas, e dos

cinco restantes, apenas três informara quantos dias foram desprendidos em campo e em quais

épocas do ano.

As listas de espécies apresentadas nos 17 EIAs possuem em média 26,5 espécies, o menor

número de espécies registradas foi seis e o maior número de espécies registradas foram 66.

Dentre as listas, 10 apresentaram menos de 20 espécies, e apenas três apresentaram 50

espécies ou mais.

Dos 17 EIAs consultados, apenas oito realizaram análises mais completas com os dados

obtidos, valorizando a informação que conseguiram coletar em campo. Destes oito, apenas um

não realizou mais do que três análises de dados. Dentre as análises utilizadas estão: Índice de

diversidade de Shannon, índice de similaridade de Sorensen, índice de dominância de

Simpson, curva do coletor, riqueza, abundância, Jackknife, etc.

Em relação à equipe, observamos que a maioria absoluta dos EIAs possuía apenas uma equipe

ou profissional para realizar o inventário de anfíbios e répteis, e algumas vezes de toda a

fauna. Mas atentando-nos apenas a questão dos anfíbios e répteis e como já dito

anteriormente, esses grupos são diferentes entre si quanto a ocupação de habitat, hábitos,

comportamentos etc. Isso reflete diretamente nos métodos amostrais para as duas faunas, com

cada grupo possuindo métodos específicos em horários específicos que maximizam os

esforços de coleta destes animais. Portanto, não utilizar equipes especificas para o inventario

de dois grupos distintos, certamente contribuirá a qualidade das amostras de um dos grupos,

pois, salvo raras exceções, um mesmo profissional não consegue ser especialista em duas

faunas tão diversas, o que pode gerar dados incompletos para um dos lados.

A busca ativa foi o método utilizado por 88% dos EIAs, o que não vem a ser uma surpresa,

pois este método muito eficiente, prático e amplamente utilizado, os resultados obtidos por

buscas ativas bem feitas são muito bons, e geram informações completas, pois permite ao

biólogo registrar os animais in loco, possibilitando anotações referentes ao microambiente,

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comportamento, horário e condições diversas em que o réptil foi encontrado. As armadilhas

do tipo pitfall foram utilizadas em apenas quatro estudos, mas, apesar de serem mais

trabalhosas para instalação, elas são um excelente método para registrar animais que

dificilmente são capturados por outros métodos, como pequenos lagartos, serpentes e

anfisbenas fossoriais. Além disso, os pitfalls permitem maior padronização dos esforços de

coleta, praticidade de revisões e uma vez instalados, podem ser utilizados para várias etapas.

Além destes dois métodos, foram também utilizados métodos complementares, destes,

daremos destaque para as armadilhas tipo funil, que são úteis para a captura de répteis de

maior porte (dependendo do tamanho do funil), além de poderem ser usadas para amostragem

de répteis arborícolas.

Observamos que dois estudos realizaram entrevistas a habitantes locais como registro de

dados secundários, sendo que em um destes estudos, a entrevista foi o principal métodos de

amostragem. Entrevistas podem ser um bom recurso para a obtenção de dados secundários,

mas as informações obtidas não podem ser utilizadas em analises mais profundas, e também

não aconselhamos a utilização deste método como o principal método amostral. A menos que

o entrevistado seja também um especialista, as informações cedidas por ele poderão

apresentar equívocos, já que estamos lidando com animais que geram medo e mechem com o

imaginário das pessoas, principalmente quando tratamos de serpentes. Portanto, as entrevistas

devem ser realizadas com cuidado, e vai da experiência do pesquisador acatar ou não as

informações obtidas por esse método.

Oito dos 17 estudos de impacto ambiental não apresentaram o esforço amostral desprendido

nas etapas de busca ativa, o que prejudicou muito análises de esforço amostral médio, por

exemplo, mas, além disso, demonstra que uma das principais exigências da IN nº 146 não está

sendo cumprida, no que diz respeito à descrição detalhada da metodologia de coleta. Assim

como o esforço amostral, o período de campo também não foi citado em vários EIAs (12 ao

todo), o que indica que a sazonalidade não foi contemplada nas etapas do inventário de fauna,

o que seria indispensável para a realização de um inventário completo. Diversas espécies de

Squamata respondem diretamente às variações das estações do ano, alterando seu

comportamento, período de atividade, uso de habitat, dentre outras.

A média de 26,5 espécies de Squamata por lista não é tão baixa, porém como 10 EIAs

apresentaram menos de 20 espécies, pode significar que estes estudos estão sendo realizados

de maneira incompleta. Por outro lado, as listas que apresentaram muitas espécies, como 50

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ou mais, são suspeitas, pois pode significar que houve a inclusão de muitas espécies apenas

com potencial ocorrência para a região, registros provenientes de literatura, e que não ocorrem

mais no local, devido a uma série de fatores. Isso gera análises incompatíveis com a realidade

da área estudada.

CONCLUSÃO

Concluímos que os Estudos de Impacto Ambiental que analisamos, não estão sendo

realizados da forma mais correta, em sua grande maioria. Isso indica que as exigências feitas

pela legislação ambiental brasileira não estão sendo cumpridos, os órgãos ambientais não

estão sendo criteriosos quanto a esses estudos, ou não possuem parâmetros para avaliar os

estudos. Os EIAs mostraram também que boa parte dos profissionais, que trabalham com a

fauna de Squamata na Mata Atlântica, não possui conhecimento técnico o bastante para

realizarem estudos completos, salvo exceções. E principalmente, não há um padrão quanto

aos métodos geral aplicada em inventários de répteis Squamata na Mata Atlântica.

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__________________________________________

Capítulo 3

Protocolo mínimo para inventário de répteis Squamata na Mata

Atlântica

_____________________________________________________

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INTRODUÇÃO

O levantamento de fauna é uma atividade de extrema responsabilidade, que exige

muita seriedade por parte dos envolvidos, pois ele direcionará parte relevante das medidas a

serem recomendadas visando minimizar os impactos do empreendimento avaliado. A coleta

de indivíduos e material biológico deve ser realizada por profissionais com capacidade técnica

para tal, cientes de que, ao lidar com vidas, devem manter a ética e o respeito aos animais. O

mesmo vale para as informações obtidas, já que as coletas, tanto de indivíduos, quanto de

informações, servirão para a formação e usufruto das gerações futuras, assim como base para

estudos a serem desenvolvidos na mesma região.

Em 2007, o instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis - IBAMA publicou a Instrução Normativa nº146, um documento de caráter

normatizador que busca estabelecer critérios e padronizar os procedimentos relativos à fauna

no âmbito do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades que causam impactos

sobre a fauna silvestre. Segundo o referido documento, o levantamento das espécies precede

qualquer etapa relacionada à fauna, na área do empreendimento.

Conforme discutido no Capítulo 1, não há especificações, na legislação ambiental

brasileira, referentes aos diversos grupos de fauna presente nos diferentes biomas em nosso

país. Isso impede que trabalhos em Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) sejam

padronizados, dando margem para a utilização de métodos amostrais não muito eficientes,

que podem gerar informações incompletas a respeito da fauna de um local, o que pode

resultar em planos de manejo de fauna, compensação e mitigação de possíveis impactos

inadequados para a atual situação de uma determinada área.

Através das análises realizadas no Capítulo 2 deste trabalho, pudemos ter uma noção

da atual situação dos inventários de répteis Squamata em EIAs na Mata Atlântica, observando

quais foram os métodos amostrais mais utilizados, o esforço amostral médio em cada

campanha a campo, se os estudos estão contemplando a sazonalidade no registro de espécies,

a característica da equipe que realizou o estudo de fauna, entre outros quesitos. Essas análises

nos mostraram que a maioria dos estudos estão sendo feitos de forma incompleta, o que,

novamente, pode gerar medidas para compensação dos impactos, inadequadas à área

estudada.

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O objetivo deste capítulo então é propor um Protocolo Mínimo para Inventário de

Répteis Squamata na Mata Atlântica, para padronizar, maximixar e nortear os inventários

desse grupo nesse bioma. Possibilitando assim que os trabalhos sejam mais completos e

confiáveis, quanto a atual situação da herpetofauna de Squamata de uma determinada área.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a criação do Protocolo mínimo para inventário de répteis Squamata na Mata

Atlântica, foi estuda a legislação aplicável a trabalhos de avaliação de impacto ambiental, para

dominar as exigências de toda a regulamentação de avaliações ambientais no Brasil (ver

Capítulo 1). Além disso, realizamos entrevistas informais (sem roteiro fixo) com

herpetólogos, curadores de coleções zoológicas, consultores ambientais e outros

pesquisadores da área, para levantar os métodos mais utilizados, dificuldades encontradas na

elaboração dos estudos, eventuais críticas às exigências legais, sugestões para melhoria dos

métodos existentes ou instauração de novas técnicas. Por cerca de 60 dias (não contínuos),

acompanhamos trabalhos de campo em realização por parte dos profissionais citados, para

caracterizar o dia-a-dia dos inventários e das avaliações ambientais em diferentes

empreendimentos impactantes à fauna de répteis Squamata. Consultamos arquivos de estudos

de impactos ambientais do órgão capixaba responsável pelo meio ambiente, o IEMA -

Instituto Estadual de Meio Ambiente, para levantar os tipos de empreendimentos, as formas

de trabalho empregadas, o tratamento dado aos Squamata nas avaliações e a qualidade dos

dados primários e secundários utilizados (ver Capítulo 2),. Também foi consultada a literatura

pertinente ao tema abordado, tanto em relação às técnicas de campo e procedimentos

metodológicos voltados aos répteis Squamata.

Para a elaboração do Roteiro metodológico de caracterização de perfis herpetológicos,

que pretende auxiliar as análises que procuram avaliar os ambientes a partir da composição,

riqueza e diversidade da fauna de répteis Squamata, foi revisada a literatura científica voltada

aos répteis Squamata visando a categorização desses animais segundo suas características

biológicas, ecológicas, comportamentais, taxonômicas e corológicas. As entrevistas realizadas

para a elaboração do Protocolo serviram também para o direcionamento da criação do

Roteiro, e as consultas aos arquivos do IEMA também foram oportunas para a elaboração do

roteiro.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Antes de se iniciar as etapas de campo de um levantamento de fauna, é importante

salientar e esclarecer algumas questões que envolvem: (1) o licenciamento da captura, (2) a

escolha da equipe técnica, (3) a responsabilidade com o manuseio e a captura dos animais, (4)

a responsabilidade com a preparação dos animais mortos, e (5) a destinação do material

coletado e o uso das informações adquiridas.

1. Primeiramente, toda coleta deve ser conduzida a partir da emissão nominal de

licença de captura, coleta e transporte, de acordo com a IN nº3 de 2014 do ICMBio, emitida

pelo órgão ambiental responsável pela área em que a coleta for conduzida, seja ele um órgão

federal, estadual, ou municipal, dependendo das características do empreendimento em

questão. Portanto, antes de programar os trabalhos de campo, o pesquisador deve submeter ao

órgão ambiental competente sua solicitação de autorização de coleta juntamente com o

projeto de pesquisa, sua justificativa e outros documentos necessários. Apenas após a emissão

da autorização é que o trabalho de campo deveria ser iniciado, mas há casos especiais

(exceções) em que somente a solicitação protocolada já permite o início dessas. Caso

contrário, o biólogo estará cometendo crime ambiental fundamentado na Lei Federal

nº7.653/88 (Franco et al. 2002).

2. Partimos então para a escolha da equipe técnica que realizará o levantamento.

Detectar e descrever a fauna de uma região não é uma tarefa fácil, mesmo em grupos pouco

diversos. Atualmente, profissionais de diferentes áreas vêm se aventurando a realizar

inventários de fauna para empresas que elaboram estudos ambientais. Embora muitas vezes

ligados às ciências naturais, eventualmente somos surpreendidos por relatórios em que o

inventário foi conduzido por profissionais de ouras áreas, como engenharia ou até mesmo

ciências humanas (Silveira et al. 2010). Então é importante destacarmos que habilitação e

competência são termos distintos e frequentemente confundidos. Parafraseando Silveira et al.

(2010), “por definição, apenas o biólogo é o profissional que recebeu durante sua formação na

graduação todos os conhecimentos básicos e necessários para reconhecer e lidar com a

biodiversidade”. É claro que um biólogo não possui o conhecimento técnico para trabalhar

com todos os grupos, e por isso é importante a formação de uma equipe multidisciplinar para

a realização de inventários bem feitos e confiáveis. Corn & Bury (1990) dizem que um bom

número para uma equipe de campo varia de três a quatro membros, com um dos membros

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como responsável apenas pelo registro dos dados, enquanto os outros ficam responsáveis

pelas coletas. No caso dos EIAs, essa formação deve variar conforme o tamanho e a

magnitude do empreendimento, as peculiaridades da região a ser estudada, as dificuldades e

riscos previstos para as atividades de campo, os prazos a serem cumpridos e, evidentemente,

as limitações financeiras dos contratantes.

Jamais se deve ir a campo sozinho, devido aos riscos que a atividade em campo

apresenta, como: o envenenamento por algum animal peçonhento, queda que cause algum

ferimento que dificulte o deslocamento, obstrução inesperada de uma trilha, como a queda

árvores, perda na mata, ou qualquer situação inesperada. A presença de mais pessoas em

campo auxilia muito nessas situações, e em casos mais graves, pode até significar a

sobrevivência de um membro da equipe.

3. O manuseio de qualquer animal deve sempre ser feito com cuidado e por pessoas

com conhecimento prévio sobre o grupo em questão. Porém, quando falamos em répteis

Squamata esse cuidado deve ser redobrado, pois nesse grupo estão incluídas as serpentes

peçonhentas. Os lagartos, as anfisbenas e as serpentes não peçonhentas da Mata Atlântica

podem ser capturados com uma variada gama de equipamentos e técnicas, ou até mesmo com

as mãos; as serpentes peçonhentas, porém, devem ser tratadas com muito respeito e cuidado

por quem for manusea-las devido ao risco de envenenamento – e este é um dos motivos pelos

quais, jamais se deve ir a campo sozinho, o envenenamento por um animal peçonhento. É de

suma importância a utilização de equipamentos adequados à captura e manuseio dos animais,

pois além dos cuidados com a segurança dos pesquisadores, é importante também cuidar da

segurança dos animais; mesmo que eles sejam coletados e mortos para a pesquisa, não há a

necessidade de feri-los durante o manuseio e o transporte.

Muitas pessoas acreditam que seja necessário levar para o campo, soros antiofídicos,

caso algum acidente aconteça. Essa prática não é recomendada, devido às condições de

acondicionamento que o soro necessita, como temperatura, luminosidade e umidade

controladas, além da agitação gerada pela caminhada. O soro deve ser ministrado apenas por

profissionais da saúde, em unidades de saúde e hospitais. Como já dito em outras

oportunidades, a Mata Atlântica é o bioma mais densamente habitado do Brasil, o que

significa que nenhuma área, nela situada, está absolutamente isolada de algum centro urbano,

e consequentemente unidades de saúde. Em caso de acidentes, o tempo de sobrevida após a

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picada é mais do que o suficiente para se chegar à algum local que providencie o socorro

necessário.

Recentemente a coleta de espécimes tem sido vista com certo preconceito por alguns

círculos da sociedade, que não veem a necessidade de se coletar um animal e mata-lo para sua

adição a uma coleção científica. Para sanar dúvidas entre coletar e não coletar, devemos ter

em mente alguns aspectos importantes. Os cientistas atuais estão longe da época em que se

coletava indivíduos indiscriminadamente, já que as coletas hoje em dia são limitadas por

permissões legais e diretrizes éticas bem estabelecidas (Rocha et al. 2014). Ainda segundo

Rocha et al. (2014), métodos não letais de coleta de dados, como fotografia, gravações ou

coleta de tecido, são individualmente problemáticos e, mesmo juntos, não podem ser usados

para determinar, com certeza absoluta, a identificação correta de uma espécie, ou descrever a

enorme vastidão da biodiversidade terrestre. Além destes e de vários outros motivos, a

maioria dos espécimes coletados é usada de maneiras que o coletor original nem imaginaria,

ainda mais com os constantes avanços tecnológicos como a análise com isótopos estáveis, o

sequenciamento genético e tomografias computadorizadas.

Segundo Simmons (2002), o tamanho das amostras varia de acordo com o objetivo do

estudo, mas, para a maioria dos estudos herpetológicos sistemáticos, uma amostragem

adequada em uma localidade gira em torno de 20 espécimes por espécie, com um adicional de

variações em estágios de maturidade dos indivíduos. Esse número serve como base para se ter

uma ideia do quanto coletar, mas deve-se ter em mente os objetivos do estudo; se a finalidade

é apenas contemplar quais espécies existem em determinada região, não há a necessidade de

coletar tantos indivíduos de uma mesma espécie. O número de exemplares recomendado por

Simmons (2002) visa claramente estudos de taxonomia e sistemática, nos quais conhecer as

variações regionais de cada táxon pode ser relevante para defini-lo e discriminá-lo dos

demais; também em estudos de história natural ou de ecologia como um todo, a captura e a

morte de certa quantidade de indivíduos pode ser determinante, mas para a realização de

EIAs, nenhum dos dois casos se aplica, já que seu objetivo é a elaboração de uma lista

qualitativa muito mais do que quantitativa.

4. Preparar animais para sua preservação em coleções zoológicas é um processo que

deve ser encarado com responsabilidade. O animal fixado e preservado, quando bem

preparado, dura indefinidamente na coleção, servindo de objeto para estudo de inúmeras

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gerações de pesquisadores (Papavero 1994; Franco et al. 2002). Por isso, o processo de

fixação deve respeitar um padrão mínimo de qualidade que, além de conferir confiabilidade

ao material científico, também revela o respeito do coletor com os animais coletados.

5. Por fim, antes de iniciar a presente proposta de protocolo mínimo para inventários

de répteis Squamata na Mata Atlântica, gostaríamos de discutir um pouco sobre o uso dos

dados obtidos nas coletas. Como comentado no Capítulo 1, seria muito útil e interessante que

as empresas executoras dos empreendimentos e/ou as consultoras contratantes das equipes de

zoólogos firmassem acordos com as coleções zoológicas em que declaram tombar/doar o

material coletado, bem como a disponibilização das informações adquiridas. Esta prática só

enriqueceria o material cientifico referente ao grupo em questão, permitindo expandir o

conhecimento para áreas que seriam difíceis de serem acessadas pela comunidade científica

devido à limitação de recursos humanos e financeiros. Já que o processo de licenciamento

ambiental exige inventário de fauna, por que não aproveitarmos os dados obtidos para

publicações, ao invés de simplesmente arquivar essas informações em relatórios que jamais

serão utilizados fora do contexto dos empreendimentos? Esse diálogo entre o meio científico e

o setor privado seria proveitoso para ambas as partes e deve ser estimulado pelo biólogo

responsável pelo levantamento - que seria a ponte entre os dois setores.

Levantamento de dados secundários

De acordo com Silveira et al. (2010), o passo inicial para qualquer estudo de impacto

ambiental deve ser a elaboração de uma lista de espécies de potencial ocorrência para a área

do estudo. Esse primeiro passo realiza-se por meio de revisão bibliográfica e, especialmente,

pela busca de informações em coleções herpetológicas regionais e de maior abrangência

geográfica. Com isso, o pesquisador já terá uma ideia de quais animais pode encontrar,

permitindo-o adotar métodos mais adequados à amostragem dos répteis da região. Quando o

acesso a coleções herpetológicas com material proveniente da área de interesse não for viável,

o pesquisador pode contar sempre com a literatura pertinente para formular a lista prévia de

espécies potencialmente ocorrentes na região estudada. Esse levantamento da literatura deve

ser minucioso e criterioso, pois publicações muito generalistas, que não apresentam dados de

distribuição geográfica apurados, devem ser consultadas com cautela; artigos em periódicos

científicos, principalmente os mais recentes, são fontes mais confiáveis, pois pesquisas assim

divulgadas passaram pelo crivo de avaliadores experientes, que conferiram os dados e sua

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qualidade antes de dar seu aval. Recomendamos consultar revisões taxonômicas, estudos

corológicos e biogeográficos, levantamentos herpetofaunísticos e publicações sobre história

natural dos organismos visados, pois esse tipo de literatura permite não apenas inferir a

possibilidade de ocorrência das espécies na região do empreendimento investigado, mas

também suas exigências ecológicas.

Como método adicional, recomendamos a visita a instituições de ensino fundamental,

médio e superior próximas ao local do empreendimento, em busca de material biológico

preservado. É comum que escolas e faculdades mantenham pequenos laboratórios com

animais preservados em álcool, para uso em aulas de Ciências e Biologia. Este material pode

ser muito valioso, pois geralmente é composto por animais que os próprios alunos,

professores e moradores locais levaram à instituição de ensino, especialmente nas

comunidades rurais, que estão constantemente em convívio com a fauna local; nessas

condições poderão ser registrados animais que dificilmente seriam amostrados em

levantamentos de curto prazo. No âmbito da Mata Atlântica, material assim obtido (quando

acompanhado da garantia da procedência) já serviu à descrição de novas espécies, revisões

corológicas e estudos de história natural (e.g. Moura-Leite et al. 1996; Morato 2005; Franco

et al. 2006; Stender-Oliveira et al. 2016).

Planejamento, material de campo e coleta de dados:

Após a consulta à literatura pertinente em busca dos dados secundários, é hora de

planejar as etapas de campo. Para tanto, o biólogo deve realizar uma visita ao local do

empreendimento para reconhecimento da área, visando observar ambientes que devem ser

amostrados, de forma a abordar o maior número possível de ambientes, o que enriquece a

coleta de dados e permite elaborar uma lista de espécies mais completa.

O coletor deve explorar os diversos extratos da vegetação, cavar o solo fofo sob

troncos caídos, a serapilheira, examinar bromélias, ocos, galhos e copas de árvores, utilizando

até mesmo binóculos, se necessário. Deve também se atentar para a umidade do ambiente: em

ambientes muito úmidos, vasculhar nos lugares secos e em ambientes muito secos, procurar

nos lugares úmidos, pois várias espécies buscam controlar o excesso ou a falta de umidade

por esta estratégia de ocupação de hábitats (Franco et al., 2002).

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Após a definição das áreas amostrais, marcação das trilhas e planejamento do

itinerário, chega o momento da preparação para o trabalho em campo, que consiste na escolha

do vestuário e separação do material a ser utilizado. Para tanto, uma boa dica é escolher o

material de acordo com o ambiente a ser amostrado na etapa em questão, ou seja, não levar a

campo excessos e equipamentos desnecessários, pois isso apenas traria dificuldade para o

coletor na forma de peso extra. Então, a seguir citaremos os equipamentos mais importantes

para a coleta de répteis Squamata, de acordo com Franco et al. (2002), com apoio em outros

autores e em nossa experiência pessoal.

Os materiais que regularmente são utilizados em campo em inventários de fauna, aqui

listados, foram divididos em três categorias básicas: Itens imprescindíveis, Itens

recomendados e Itens dispensáveis.

Itens imprescindíveis:

Sacos plásticos: são muito úteis e devem ser levados em grande quantidade, de

preferência sacos mais resistentes e de formato longo, para facilitar o acondicionamento dos

animais e o seu fechamento. A abertura mínima sugeria é a em que um punho cerrado passe

com facilidade. Além de úteis para a coleta de espécimes de pequeno porte, os sacos plásticos

permitem que materiais como gravadores, câmeras, isqueiros, papel higiênico e cadernos de

nota sejam protegidos da chuva e de eventuais quedas em corpos d’água.

Caderno de notas ou gravador portátil: ambos servem para o registro de dados de

campo, mas o gravador apresenta vantagens em relação ao caderno de campo, pois permite

maior rapidez e qualidade de registros. Ao final das atividades, os dados devem ser transcritos

para o caderno e planilhados, garantindo a preservação das informações. O caderno de notas,

por sua vez, é independente de pilhas e problemas técnicos. Em caso de informações

duvidosas, elas devem ser preferencialmente ignoradas ou ter sua condição dúbia evidenciada.

A redação no caderno de notas deve ser feita a lápis ou com caneta nanquim, pois esse

cuidado evita a perda de informações caso o papel seja molhado.

Sacos de pano: devem ser resistentes e com cadarços que permitam amarrar a boca. Os

sacos devem ser longos e de pelo menos três tamanhos. Para fechá-los, deve-se costurar o

cadarço pelo meio de seu comprimento, a 10 ou 15 cm abaixo da boca do saco, no sentido

transversal. Cuidados especiais devem ser tomados ao lidar com serpentes peçonhentas; ao

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manusear o saco, utilizar gancho ou pinça longa (ver adiante) e contar com a ajuda de pelo

menos mais uma pessoa. O saco jamais deve ser tocado enquanto a serpente é guardada e a

boca é amarrada.

Potes plásticos: com tampas de boa vedação e em vários tamanhos, variando de 100 a

1000 ml. A tampa jamais deve ser furada, a não ser em caso de extrema necessidade; ao

contrário de aves e mamíferos, os répteis têm metabolismo que os permite suportar muito

mais tempo em recipientes totalmente vedados; o que mais deve ser evitado, no transporte de

Squamata em sacos ou potes vedados, é sua exposição ao calor (Lillywhite 1987). Assim

como os sacos plásticos, os potes devem ser levados em grande quantidade - desde que não

comprometa o espaço da mochila, quanto mais, melhor.

Facão, faca e canivete: o número sugerido é de um facão para cada duas ou três

pessoas e, preferencialmente, que cada membro da equipe carrega sua própria faca e canivete.

Aconselhamos mantê-los afiados, pois ferramentas bem afiadas evitam acidentes e o desgaste

do usuário.

Lanternas: hoje em dia existe uma grande gama de lanternas disponíveis no mercado,

o que dificulta a escolha do modelo ideal. Cada pessoa tem sua preferência, mas, por

experiência própria, sugerimos a utilização de lanternas com 100 lumens ou mais, e como as

especificações das lanternas variam muito, aconselhamos a utilização de lanternas táticas, que

são menores e mais resistentes, além de conferir boa iluminação. Lanternas de cabeça são as

mais indicadas para o trabalho com animais peçonhentos, pois facilitam a caminhada e o

manuseio de animais. Uma carga de pilhas alcalinas comuns dura, normalmente, de quatro a

seis horas, e por isso deve-se sempre ter pilhas extras. Além disso, equipamentos eletrônicos

estão sempre sujeitos a defeitos; portanto, é importante carregar também uma ou duas

lanternas extras.

Gancho herpetológico: com ponta de aço em “L” ou pinção herpetológico do tipo

jacaré. Esses ganchos, já bem conhecidos entre os herpetólogos de campo ou de serpentários e

outras formas de cativeiro, devem constituir equipamento individual, isto é, cada membro da

equipe deve portar o seu próprio gancho ou pinção. São usados para o controle dos animais

sem necessidade de manuseio direto, mas também se mostram úteis, em campo, na

investigação de tocas, de troncos caídos, da serapilheira etc. O comprimento do gancho varia

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conforme a preferência de cada um, mas ganchos com cabo muito longo dificultam a

locomoção na mata e a manutenção dos animais em equilíbrio quando suspensos.

Rótulos de campo: todo material coletado deve ser identificado individualmente para

permitir o resgate de suas informações. Para isso, podem ser utilizados rótulos de papel

vegetal de cerca de 5 x 3 cm mantidos junto com cada exemplar. Esses rótulos podem ser

preparados previamente em grande escala e levados para campo. Neles se anotam as

observações referentes a cada exemplar, como espécie, dados do local de captura, data,

horário de captura e assim por diante, sempre com caneta nanquim ou lápis de grafite de traço

grosso (B, 2B ou maiores).

Equipamento fotográfico: a oportunidade de registrar um animal in loco, assim como

seu hábitat, comportamento, interações com predadores e presas, detalhes de seu micro-

hábitat, ninhos, filhotes etc, não deve ser perdida. Os EIAs costumam ser ilustrados por

imagens capturadas na área estudada, mas o que se apregoa aqui vai além do compromisso

contratual momentâneo do profissional, pois a geração de mais informações científicas

durante qualquer atividade do biólogo em campo ou em laboratório é prerrogativa da

profissão. Assim, o biólogo deve sair a campo com equipamentos que lhe permitam registrar

imagens de animais de diferentes portes, condições de luminosidade e distância. Hoje em dia

há no mercado uma grande variedade de equipamentos fotográficos de boa qualidade, como

câmeras semiprofissionais com recursos muito úteis, tanto para fotógrafos mais experientes,

quanto para iniciantes, permitindo a captura de boas imagens tanto macro quanto a grandes

distâncias - além de serem mais portáteis do que as câmeras profissionais, por não

apresentarem a necessidade da troca de lentes para diferentes composições fotográficas, ou

diferentes tipos de flash. Nesta era de smartphones, não poderíamos ignorá-los neste tópico,

mas a câmera destes aparelhos, por mais resolução que apresente, necessita de uma

aproximação maior do motivo da fotografia, devendo ser utilizada com cuidado para evitar

acidentes.

Aparelho de Global Positioning System (GPS): imprescindível para a marcação exata

dos pontos de captura ou registro, localização de trilhas e orientação geral em campo, além de

fornecer dados de altitude e mesmo previsão do tempo, em alguns casos.

Mapas: Além da questão da segurança, formar equipes para ir a campo permite a

distribuição do material de coleta, distribuindo o peso e a responsabilidade entre os

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integrantes – cada um pode se responsabilizar por uma atividade específica, como manusear o

GPS e interpretar os mapas, anotar os dados e registros em caderneta, fotografar etc. O

número ideal de pessoas na equipe pode variar de três a quatro, segundo Corn & Bury (1990),

embora a necessidade deva ser avaliada de acordo com as tarefas a serem desempenhadas em

campo e os recursos disponíveis. No entanto, nos EIAs analisados no Capítulo 2 e nas

entrevistas com profissionais atuantes nesse universo, ficou claro que equipes com três a

quatro pessoas se dedicando exclusivamente a répteis não é algo viável no Brasil; até muito

pelo contrário, uma vez que são recorrentes os casos de uma única pessoa se responsabilizar

pelos relatórios de répteis e de anfíbios – a chamada “herpetofauna”.

Fitas fluorescentes: Importantes para a marcação das trilhas, essas fitas permitem

demarcar o caminho e a localização das trilhas e armadilhas, evitando a perda na mata,

principalmente à noite, quando a localização dentro da floresta fica mais difícil.

Recomendamos amarrar um fita, na altura dos olhos, a cada 25 metros de uma trilha.

Literatura : Item muitas vezes negligenciado, a literatura pode ser muito útil para tirar

dúvidas in situ, no caso, por exemplo, do encontro com algum animal desconhecido pelo

biólogo em campo. Quando avistamos um animal que não conhecemos e não há tempo para

anotações ou fotografias, a identificação do animal no momento do encontro, isto é, quando as

características do individuo ainda estão recentes na memória do profissional em questão, é

muito mais segura. Identificar um animal desconhecido, avistado em campo, sem fotografias

ou anotações para auxiliar, pode gerar equívocos. Portanto, guias fotográficos e práticos para

identificação de espécies em campo são altamente recomendados.

Itens Recomendáveis:

Vestuário: pode parecer um tópico óbvio e irrelevante, mas não faltam exemplos de

biólogos que vão a campo com roupas inadequadas para a atividade exercida, principalmente

os mais inexperientes. Um vestuário adequado deve fornecer ao mesmo tempo conforto, na

medida do possível, e certa proteção ao individuo.

Como aqui abordamos a amostragem de répteis, sugerimos a utilização de botas

resistentes, que conferem proteção contra eventuais botes de serpentes, além de proteger os

pés de espinhos, farpas, pedras etc. Meias muito finas podem favorecer a formação de calos e

bolhas, portanto sugerimos meias mais grossas e de cano alto, que permitem até colocar a

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calça por dentro, uma prática que ajuda muito quando se trabalha em áreas com muitos

carrapatos e formigas, por exemplo.

Para as pernas, o ideal são calças grossas e resistentes à abrasão, que também

protegem contra espinhos, insetos, aracnídeos etc. Devido a limitações orçamentárias e

facilidade de se adquirir, uma solução viável é a popular calça de brim (jeans). Colocar as

partes inferiores da calça sob as meias de cano alto, conforme dito acima, também protege as

pernas de aranhas, escorpiões, lacraias, lagartas de lepidópteros e outros pequenos animais

peçonhentos presentes no chão da mata e em arbustos baixos (Cardoso et al. 2003; Santos et

al. 2007; Bernarde 2014). Devemos manter em mente que durante a etapa de campo serão

realizadas caminhadas que podem ser longas; então a calça escolhida deve ser confortável e

não deve limitar o movimento das pernas em situações adversas, como na transposição de

troncos caídos, por exemplo, situação muito comum na Mata Atlântica.

Aconselhamos utilizar camisas de manga comprida, que protegem do sol e de insetos,

espinhos, galhos etc. O tecido deve ser leve, mas não muito fino, de modo que permita a

evaporação do excesso de transpiração, mas forneça certa proteção. Uma boa sugestão é usar

camisas de algodão, que é um tecido leve, bastante maleável e que fornece certa proteção a

abrasões e mosquitos. Para áreas mais frias da Mata Atlântica cabe ao profissional selecionar

um agasalho conveniente às baixas temperaturas. Para a cabeça, bonés, chapéus, balaclavas

etc., são opcionais e devem variar conforme as condições da área estudada, mas sempre

aconselháveis para proteger contra o sol, evitar queimaduras e desconfortos.

Mochila de ataque: uma mochila pequena, de 10 a 30 litros, para transporte de material

de pequeno porte, na qual deve-se evitar o excesso de peso. Podem ser usados também coletes

de fotógrafo ou de pescador, embornais ou pochetes.

Pinça longa: com cerca de 30 a 40 cm de comprimento, pinças metálicas auxiliam na

exploração segura de micro ambientes, como pequenos buracos, serapilheira, cascas de

árvores, interior de bromélias, dentre outros. Além disso, a pinça permite a retirada de animais

perigosos das armadilhas de pitfall (ver adiante), como aranhas, escorpiões e lacraias.

Aconselhamos amarrar a pinça à calça ou à mochila com um fio relativamente longo e/ou

adicionar a ela uma fita de cor chamativa, para evitar perdas.

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Luvas de raspa de couro: de cano longo, devem ser utilizadas para revirar pedras,

troncos, ou colocar as mãos em locais potencialmente perigosos. Também podem ser

utilizadas para capturar grandes lagartos e serpentes que, mesmo não sendo peçonhentas, são

agressivas e podem morder.

Estilingues e bandas de borracha: são recursos adicionais que podem auxiliar na

captura de pequenos lagartos. O estilingue dispensa apresentações e as bandas de borracha são

aqueles elásticos que podem ser atirados com o dedo.

Itens Dispensáveis:

Laço de contenção: geralmente de aço, é semelhante aos utilizados para a captura de

cães vadios. Estes laços são especialmente úteis na contensão de crocodilianos, mas podem

ser usados na captura de lagartos e serpentes de grande porte. Uma versão menor, conhecida

como laço de Lutz, pode ser manufaturada com um cabo de vassoura com um laço de couro

preso a uma das extremidades e no qual se prende uma corda resistente para seu controle. Em

ambientes controlados, como serpentários ou zoológicos, o laço de Lutz tem se mostrado útil,

mas em campo ele ajuda pouco, pois sofre alterações quando em contato com umidade, areia,

terra ou insetos que atacam o cordão e a peça de couro. No âmbito da Mata Atlântica, poucos

Squamata são tão grandes e perigosos que precisem de laços de aço ou do modelo de Lutz (as

únicas exceções, a princípio, são a surucucu, Lachesis muta, serpente rara e ameaçada de

extinção na Mata Atlântica, e a sucuri, Eunectes murinus, que ocorre nesse bioma apenas do

litoral central da Bahia para cima), sendo dispensável esse tipo de equipamento.

Armas de fogo ou de pressão: já foram muito utilizadas em estudos de campo com

répteis, especialmente na Amazônia e na Caatinga, até os anos 1980. Desde então têm sido

gradativamente abandonadas pelos herpetólogos, principalmente em função do controle mais

rígido sobre o porte de armas no Brasil, do envolvimento de mais pessoas qualificadas nas

campanhas de campo (dispensando a contratação de caçadores e mateiros) e do investimento

em armadilhas que antes não eram utilizadas (R. S. Bérnils, com. pess.).

Tubos de contenção de serpentes: de plástico transparente, de diversos diâmetros e

com escala de comprimento desenhada na parte externa, eles permitem lidar com serpentes

peçonhentas com segurança. Algumas instruções, porém, são de extrema importância: a

serpente deve ser inicialmente apreendida com um gancho ou pinção, e, em seguida, sem o

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uso das mãos, sua cabeça deve ser colocada na abertura do tubo, mantendo-o na posição

horizontal, ou acompanhando o movimento da cabeça do animal, de modo a direcioná-la para

dentro do tubo (na tentativa de “fuga”, a serpente avança para dentro do tubo). Quando cerca

de dois terços do animal estiver dentro do tubo, a pessoa deve segurar ao mesmo tempo o tubo

e a porção exteriorizada do corpo da serpente, de modo que ela não consiga prosseguir nem

retornar. Para que esta técnica seja eficiente, o diâmetro do tubo deve ser compatível com o

diâmetro do corpo da serpente, de modo que ela não consiga se curvar dentro do tubo e

retornar pelo orifício de entrada. Após feitas as observações, anotações, coleta de dados e

material biológico pertinente ao estudo, o animal deve ser libertado. Para isso, puxamos a

serpente pelo corpo até sentir que ela está quase solta. Neste momento, retiramos rapidamente

a mão que lida com o animal e damos um solavanco com o tubo, para que ela caia da abertura

de entrada diretamente para o saco de pano, a caixa ou o chão. Essa técnica é mais utilizada

em estudos em que é necessário saber o sexo do animal ou seu comprimento, ou recolher

amostras de tecido, ectoparasitas e outras informações de sua morfologia externa. Nos EIAs,

contudo, o manuseio dos animais vivos é quase sempre dispensável, de modo que os tubos de

contenção de serpentes, assim como as armas de fogo ou de pressão, são itens menos

relevantes.

Binóculos: muito utilizados em estudos ornitológicos e mastozoológicos, são pouco

úteis na exploração dos ambientes de Mata Atlântica para registro de répteis Squamata, a não

ser em condições muito especiais, como na investigação dos estratos mais elevados da

vegetação ou na observação de sítios abertos (não florestais) de difícil acesso.

Ainda existem uma série de itens, equipamentos e materiais que podem auxiliar

trabalhos em campo, mas que são de caráter pessoal e opcional. Esses materiais variam muito,

e derivam do gosto pessoal de cada pesquisador, listaremos a seguir alguns deles, apenas para

não serem esquecidos: perneira, repelente, filtro solar, colete fotográfico (pode substituir a

mochila de ataque), papel higiênico, anti-histamínicos (no caso de pessoas alérgicas), óculos

escuros, capa de chuva, hidratação (cantis, garrafas, reservatórios de água, etc.), barbante,

tesoura, fita adesiva etc.

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Métodos amostrais

Os répteis Squamata são um grupo relativamente diverso, e sua amostragem adequada

depende de métodos complementares entre si, no intuito de cobrir adequadamente a

diversidade de hábitos das espécies envolvidas (Bernarde 2008; Silveira et al. 2010).

Bernarde et al. (2004) demonstraram que a busca ativa e as armadilhas de interceptação e

queda (pitfall traps) são os métodos mais eficientes para amostragem de serpentes florestais,

enquanto o estudo de Mesquita et al. (2013) reforçou a busca ativa como método mais

eficiente para amostragem de serpentes em áreas abertas.

Além da busca ativa e das armadilhas do tipo pitfall, há uma variada gama de métodos

amostrais disponíveis, como a coleta por terceiros, encontros ocasionais, entrevistas a

habitantes locais, uso de armas de fogo ou de pressão, estilingues, armadilhas de cola,

armadilhas de funil etc. (Vanzolini & Papavero 1967 apud Franco et al. 2002), cada qual

apresentando vantagens e desvantagens, mas todos servindo como complementação amostral.

Sempre que determinado método complementar for comprovadamente eficiente na

amostragem de répteis Squamata, ele deve ser adotado, mesmo que para os demais grupos

animais ele não seja usual ou suficiente.

Armadilhas de interceptação e queda, ou pitfall traps:

As armadilhas de interceptação e queda, que no Brasil são comumente tratadas

simplesmente como “pitfalls”, consistem em recipientes enterrados no solo e interligados por

cercas-guia. Quando um animal se depara com a cerca, frequentemente a acompanha até

eventualmente cair no recipiente mais próximo (Cechin & Martins 2000). Essas armadilhas,

originalmente desenvolvidas em porte pequeno, pois eram voltadas à captura de artrópodes,

são hoje amplamente utilizadas nas amostragens de anfíbios, répteis e pequenos mamíferos.

Uma de suas vantagens é que ela captura animais que raramente são amostrados através dos

métodos tradicionais de procura visual, como pequenos lagartos de folhiço, espécies com

hábitos semifossoriais e répteis terrícolas cuja camuflagem dificulta sua constatação visual,

aumentando a diversidade amostral, a eficiência de captura e a robustez dos dados (Maritz et

al. 2007).

Os recipientes mais adequados para capturar os animais nos pitfalls são lixeiras, baldes

e tambores de plástico, e independente do tamanho do recipiente, sua boca deve ficar ao nível

do solo. Em terrenos com declives acentuados, o solo ao redor do balde deve ser nivelado. A

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terra fofa proveniente do buraco recém aberto para encaixar o balde pode ser utilizada para

preencher os espaços vazios ao redor do balde e nivelar o solo. A cerca-guia pode ser feita

com lona ou tela plástica. As lonas oferecem a vantagem do preço mais reduzido, mas seu

manuseio é mais difícil e elas ressecam com muita facilidade, tornando-se quebradiças,

quando a armadilha fica em local permanentemente exposto ao sol. Onde há maior incidência

de ventos, as telas plásticas permitem a passagem do ar, mas, por outro lado, pequenos

lagartos têm maior facilidade em escalá-las. A escolha do material cabe ao profissional que

avaliará a relação de custo-benefício da armadilha. Em relação à altura da cerca, para a

maioria dos répteis da Mata Atlântica, cercas de 50-60 cm são suficientes. É de suma

importância que a base da cerca seja enterrada, idealmente a pelo menos 10 cm de

profundidade; para tanto, recomendamos a construção de uma vala na qual a cerca deve ser

encaixada, com os espaços laterais preenchidos com terra compactada. A cerca deve ser

mantida em posição vertical por toda sua extensão; para isso, recomendamos o uso de estacas

de madeira, nas quais a tela pode ser fixada com arames de metal ou grampeadores de

tapeceiro. Outra alternativa é fazer um sulco na porção superior da estaca de madeira para

encaixar um fio de metal que transpassa a borda superior da cerca ao longo de todo o seu

comprimento, como um varal, para a fixação da lona. A vegetação ao longo da cerca deve ser

retirada, para dificultar a transposição da mesma por animais, mas evitando uma “limpeza”

radical, principalmente das plantas mais rasteiras e da serapilheira, pois essas alterações de

maior monta podem afastar pequenos répteis rastejantes e anfíbios do chão da mata

(considerando que, num EIA, os pitfalls podem servir não apenas à equipe que avalia os

répteis).

A distância entre os baldes pode ser de 10 a 20 m, dependendo do tamanho da área

amostral e dos objetivos do coletor. Não recomendamos que a cerca passe por cima do

recipiente, como é comumente observado nesse tipo de armadilha. Ainda não existem estudos

comparando os resultados de cercas interrompidas ou contínuas sobre os recipientes

enterrados, mas, empiricamente temos percebido que alguns animais caem mais facilmente

em baldes não cobertos pela cerca, pois provavelmente interpretaram o intervalo aberto

(“janela”) entre os trechos com cerca como uma passagem para o outro lado. Armadilhas de

pitfall montadas em áreas abertas, com alta incidência de sol, podem possuir coberturas que

façam sombra dentro do recipiente, evitando o superaquecimento dos animais capturados.

Uma boa alternativa para isso é colocar, no fundo do recipiente, pequenas placas de isopor

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suspensas de 3-5 cm com o auxílio de pequenas estacas; não podem ser mais altas para não

servirem de trampolim de fuga.

Os modelos mais comuns de armadilha de interceptação e queda são o formato em

linha (em “I”) e o formato radial (em “Y”). De acordo com Mendes et al. (2015), em estudos

de longo prazo, as armadilhas em “I” são 1,16 vezes (ou 16%) mais eficientes na captura de

animais do que aquelas em “Y”. Portanto, recomendamos preferencialmente a instalação de

armadilhas em linha. De acordo com o mesmo trabalho, a distância entre duas armadilhas

deve ser de pelo menos 60 m para as armadilhas em linha, e de no mínimo 52 m para as

armadilhas radiais.

Este tipo de armadilha pode ser utilizado em vários estudos, incluindo levantamento

de riqueza, comparações de abundância relativa, estudos que envolvem remarcação e

recaptura ou sobre atividade sazonal (Maritz et al. 2007), e ele é padronizável, independente

da experiência do pesquisador e facilmente replicável entre sítios amostrais ao longo do

tempo (Corn 1994; Mendes et al. 2015). Devido ao considerável esforço para a montagem das

armadilhas, este método não é recomendado por Cechin & Martins (2000) para estudos com

duração de 20 dias ou menos. Grenberg et al. (1994), por sua vez, discutem sobre como os

dados obtidos através de armadilhas de interceptação e queda são tendenciosos, pois elas

capturam apenas (ou em sua grande maioria) animais que se deslocam pela superfício do solo,

enquanto animais arborícolas ou plenamente fossoriais raramente são amostrados. No

planejamento das atividades de campo desenvolvidas para EIAs, cabe ao profissional

contratado entrar em acordo com seus contratantes para conseguir períodos de amostragem

adequados ao seu grupo de estudo; contudo, principalmente em empreendimentos lineares,

como na abertura de linhas de transmissão ou rodovias e ferrovias, permanecer em cada sítio

por 20 ou mais dias é, muitas vezes, inviável, e pode comprometer os prazos de execução do

estudo. Assim, mesmo diante da perspectiva de obter poucos resultados, as armadilhas de

pitfall são sempre recomendáveis para amostrar répteis Squamata em EIAs realizados na Mata

Atlântica.

Um fator que limita a instalação dos pitfalls é o solo. Como esse tipo de armadilha

depende de recipientes enterrados até a boca no solo, e esses recipientes podem ter capacidade

de 100 litros ou mais, o esforço desprendido na instalação e manutenção das armadilhas

desfavorece seu uso em solos muito pedregosos e em locais alagáveis. Por outro lado, os

pitfalls exigem pouco esforço para sua inspeção, se a quantidade de armadilhas instaladas e o

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desenho amostral planejado assim o permitirem. Se os recipientes enterrados no solo forem

mantidos intactos, animais assim capturados podem se afogar durante períodos chuvosos entre

uma revisão diária e outra, mas, por outro lado, espécies muito pequenas podem fugir por

orifícios de drenagem. As formas de contornar esses problemas são variadas e dependem da

inventividade e dos recursos disponíveis, mas nunca representam plena garantia de sucesso.

Animais de porte médio a grande também conseguirão escapar, dependendo do tamanho do

recipiente escolhido.

Cechin & Martins (2000) recomendam, para a montagem das armadilhas, recipientes

de 20 a 50 litros, embora frequentemente encontremos, na literatura, indicações para o uso de

baldes com 100 a 200 litros (Bernarde 2008). Pelas entrevistas feitas com biólogos que atuam

em inventários na Mata Atlântica e por nossa experiência pessoal, podemos dizer que, nesse

bioma, a utilização de recipientes tão grandes não se faz necessária; o sucesso na captura de

grandes serpentes exposto em Bernarde (2004), Bernarde & Abe (2006) e Bernarde et al.

(2012), foi obtido na Amazônia, onde o número médio de espécies de médio e grande porte é

maior do que em todos os demais biomas presentes no Brasil (R. S. Bérnils, com. pess.). O

emprego, na Mata Atlântica, de recipientes de 100 ou mais litros, evidentemente aumenta o

escopo de tamanho dos animais capturados, mas também é bem maior o trabalho para

instalação e revisão desses recipientes. Como os répteis de médio e grande porte que

frequentam o solo são mais fáceis de constatar visualmente (na busca ativa, por exemplo),

recomendamos, para EIAs na Mata Atlântica, trabalhar com recipientes menores,

conscientemente selecionando répteis Squamata de menor porte.

Crawford & Kurta (2000) analisaram o sucesso de captura de anfíbios pelos pitfalls

em relação à coloração dos recipientes, e descobriram que pitfalls mais escuros apresentam

uma taxa de captura muito maior (até 146% mais capturas) do que os pitfalls claros. Segundo

eles, isso ocorre por que os anfíbios evitam os recipientes mais claros, pois os veem como

diferente do substrato da floresta, ou então preferem os mais escuros, por oferecerem maiores

possibilidades de camuflagem. Ainda não existem estudos deste tipo para répteis, mas por

segurança, aconselhamos dar preferência para recipientes de coloração mais escura, ou que se

camuflem com o substrato da área amostrada.

Durante a revisão dos pitfalls é importante tomar cuidado com outros animais que

podem cair nos baldes, como aranhas, escorpiões, formigas e lacraias. Recomendamos que o

coletor revolva os detritos que podem estar no fundo do balde com o auxílio do gancho

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herpetológico ou um galho, e veja se há algum animal de interesse ou que ofereça perigo. No

caso de animais de interesse, eles devem ser retirados do recipiente com o auxilio da luva de

raspa e/ou da pinça longa, ou, no caso das serpentes peçonhentas, usando o gancho ou o

pinção. O excesso de detritos e, eventualmente, a água acumulada no recipiente, devem ser

retirados de maneira segura. Artrópodes, moluscos, anelídeos, roedores, marsupiais, anfíbios e

até aves são regularmente capturados em pitfall; esses animais que não fazem parte do foco da

equipe de répteis devem ser idealmente soltos imediatamente após seu encontro na armadilha,

a não ser que outras equipes participantes do EIA declarem ter interesse no seu recolhimento.

Nesses casos, convém que especialistas de outras áreas, especialmente de mamíferos e de

anfíbios, acompanhem a equipe de répteis nas inspeções diárias dos pitfalls. Recomendamos

ainda uma inspeção detalhada ao longo da base da cerca, de ambos os lados, já que também é

comum o encontro de animais ali.

As inspeções das armadilhas podem ser feitas duas vezes ao dia, uma no início da

manhã e outra ao final da tarde, para evitar ao máximo a morte dos animais nos recipientes,

bem como seu eventual apodrecimento, caso venham a morrer. Em estudos de história

natural, essa recomendação também ajuda a inferir os horários de atividade das espécies, uma

vez que as capturadas no fim da tarde estavam, evidentemente, ativas durante o dia, enquanto

as capturadas no início da manhã estavam ativas pela noite. Para inventários qualitativos,

como os realizados em EIAs, as inspeções podem ser feitas apenas uma vez ao dia, ou até a

cada dois dias, dependendo das condições climáticas, da quantidade de armadilhas montadas e

da abrangência geográfica das mesmas.

Ao final de cada campanha, os recipientes devem ser tampados para evitar a queda

desnecessária de animais que não serão incluídos no inventário e, consequentemente,

morrerão em vão. Na campanha seguinte convém levar recipientes extras e alguns metros de

lona/tela de reserva, pois durante o tempo sem uso esses materiais instalados em campo

podem ter estragado (intempéries, pisoteio de grandes animais, desgaste) ou podem ter sido

roubados (infelizmente, algo bem comum em estudos realizados em áreas próximas de

habitações humanas). Ao final do estudo, recomendamos enfaticamente que as armadilhas

sejam desmontadas e o material seja removido da área de estudo, enquanto os buracos que

alojaram os recipientes devem ser preenchidos com a terra dali retirada.

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Busca ativa

De acordo com Silveira (2010), métodos baseados em procura ativa são mais

generalistas, registrando grande variedade de espécies, mas exigem sempre a presença do

herpetólogo. Reafirmando o que já dissemos antes, é sempre aconselhável que este tipo de

trabalho seja realizado por profissionais da área em questão, que são as pessoas mais

competentes para a realização de inventários de qualidade.

Lagartos e serpentes estão presentes em vários tipos de ambientes, desde áreas abertas

(como restingas, campos nativos, muçunungas, etc), florestas, pastagens, lavouras, até

urbanos. A busca ativa deve ser, portanto, realizada em todos os micro-habitats possíveis,

como a serapilheira, debaixo de troncos caídos, pedras, entre raízes sapopemas, bromélias,

buracos no chão, buracos em arvores, todos os estratos da vegetação, cupinzeiros, ambientes

aquáticos, ambientes mais secos, etc (Franco et al., 2002; Bernarde, 2008; Siveira, 2010). É

importante também vasculhar, nos ambientes muito úmidos, áreas mais secas, e nos

ambientes muito secos, áreas mais úmidas. Répteis Squamata em geral, buscam regular a falta

ou o excesso de umidade por estratégias de ocupação de habitats (Franco et al., 2002).

Lagartos e serpentes não peçonhentas, não são agressivas, podem ser capturados

manualmente. Serpentes não peçonhentas que desferem botes (Ex: Boa constrictor,

Mastigodryas bifossatus, Xenodon merremii) e opistóglifas (Ex: Philodryas olfersi,

Thamnodynastes strigatus) podem ser capturadas com luvas de raspa de couro, entretanto,

deve –se evitar tentar coletar espécies peçonhentas (E: Bothrops jararaca, Crotalus durissus),

que podem perfurar a luva facilmente. O pinção e o gancho são os instrumentos mais

recomendados em termos de segurança e manuseio para capturar serpentes peçonhentas

(Franco, 2002; Bernarde, 2008).

Algumas considerações pessoais acerca do gancho e do pinção: o gancho é, na opinião

do autor, a ferramenta mais versátil para um herpetólogo que trabalha com serpentes, e deve

ser dominado pelo profissional. Ele permite a captura e manuseio de serpentes pequenas e

grandes, com a mesma facilidade, para isso, recomendamos ganchos com a ponta em “L”,

com um ângulo de 90º, que não possuem voltas, ou partes arredondadas, que acabam

dificultando a imobilização de uma serpente, ou limitando o tamanho dos animais capturados.

O pinção é uma ferramenta muito pratica para captura de serpentes muito agressivas e/ou

perigosas, como jararacas, corais-verdadeiras, serpentes opistóglifas agressivas. Porem é uma

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ferramenta que, assim como o gancho, exige certa pratica para seu manuseio, pois alguns

modelos podem ferir ou até matar o animal, dependendo da força com que o herpetólogo

aperta o gatilho.

Por ser muito versátil, a busca ativa acaba registrando espécies raras e/ou crípticas,

que dificilmente são registradas por métodos de amostragem passivos. A procura pode ser

realizada de forma aleatória no ambiente, dependendo do tamanho do fragmento florestal

(recomendamos a busca aleatória em fragmentos pequenos), ou de forma especifica, através

de trilhas demarcadas previamente por transecção ou parcela. O esforço empregado na busca

pode ser medido de varias formas diferentes, como: por unidade de tempo (horas homem,) ou

por unidade de área de procura (parcelas em m², transectos em km). No caso de transectos

lineares ou trilhas na mata aleatórias, uma boa dica é um membro da equipe ficar na trilha,

enquanto os outros membros se dispõem paralelamente a ele para dentro da mata, aumentando

assim a área amostrada e evitando que alguém se perca (Franco et al., 2002). Durante o

percurso da trilha, é aconselhável que um pesquisador olhe para um lado da trilha, enquanto o

outro olha para o outro lado.

Outro método de busca ativa muito utilizado é a procura em sítios reprodutivos, em

que o herpetólogo deve percorrer margens ou interior de brejos, córregos, lagoas e poças na

área de estudo, durante períodos crepusculares e noturnos, em busca de sítios reprodutivos de

serpentes como Helicops carinicaudus que realizam um frenesi reprodutivo. Este método,

apesar de ser muito eficiente na captura de espécies de anfíbios, também o é para amostragem

de jacarés, serpentes e tartarugas.

Os métodos de busca ativa são geralmente de baixo custo, e muito eficientes para

amostragem de grande parte da herpetofauna da Mata Atlântica. Entretanto, os resultados

dependem da experiência de cada herpetólogo envolvido, já que profissionais treinados

tendem a encontrar mais indivíduos e espécies do que novatos, devido ao desenvolvimento do

olho para o bicho (Franco, 2002). No caso de impossibilidade de captura, um profissional

mais experiente, terá mais convicção da identificação do que um novato. Além disso, convém

ressaltar que poucas localidades podem ser amostradas ao mesmo tempo, uma vez que o

número de profissionais em campo é limitado.

O período do dia deve ser considerado, pois influencia muito na diversidade da

amostra, devido aos hábitos particulares de cada espécie, Segundo Franco et al. (2002).

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Levando em conta este parâmetro, é possível encontrar indivíduos em atividade ou

repousando em abrigos. Para tanto, o dia de trabalho deve ser divido em manhã, tarde e noite.

No caso de haverem poucos coletores, as coletas podem ser realizadas em períodos

alternados, permitindo que haja tempo para o processamento de dados nos períodos vagos.

Armadilhas tipo funil ou covo

Em geral, as armadilhas tipo funil capturam uma gama mais ampla de espécies,

requerem menos esforço para sua instalação em campo, conseguem garantir a segurança dos

indivíduos capturados contra predação e podem ser instaladas em conjunto com pitfalls

quando uma amostragem de diversidade mais completa é exigida (Farallo et al., 2010).

Ainda segundo Farallo e colaboradores (2010), que fizeram amplo uso de armadilhas

de funil, o melhor tipo é a armadilha com apenas uma entrada e dois funis em seu interior,

sendo o design mais eficiente para este tipo de armadilha, com o funil extra voltado para a

mesma direção e em sequência do primeiro funil. O segundo funil é muito eficiente na captura

de um mesmo indivíduo duas vezes, reduzindo o número de indivíduos que conseguem

escapar após a entrada no primeiro funil. Para aumentar a taxa de captura por este tipo de

armadilha, podemos utilizar duas delas de modo adjacente, porém voltadas para lados opostos

na trilha.

A construção de uma armadilha de funil, ou covo, é muito simples. Podemos utilizar

garrafas PET de dois litros para a construção de um funil pequeno. Para isto, basta cortar a

garrafa logo após o final de seu gargalo e enfiarmos a parte cortada novamente na garrafa,

porém com o bico para dentro, e em seguida fixarmos a entrada com fita adesiva ou cola,

como descrito em Franco e colaboradores (2002). Ainda com a garrafa PET, podemos

construir funis com entrada dupla, ou funis duplos com uma entrada, como descrito em

Farallo et al. (2010).

Casazza et al., (2000) sugerem, para a construção de covos maiores, telas de arame

com malha de entre nós de 0,5 cm ou menos, com a entrada menor do funil medindo

aproximadamente 4 cm de diâmetro, e ainda dão dicas para a construção de armadilhas que

são eficientes e não afundam, que podem ser utilizadas para a captura de herpetofauna

aquática. Basta construir os funis com pedaços de isopor amarrados firmemente a eles, de

modo que garantam certa flutuabilidade. Davis e colaboradores (2008) sugerem o uso de telas

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de arame para mosquito, que possuem uma malha bem mais fina o que, em nossa opinião, é

mais aconselhável, e podem ser também utilizadas para a captura de répteis arborícolas.

O tamanho ou o material utilizado para a construção dos funis depende do objetivo de

cada coleta, mas as armadilhas de funil se mostram extremamente eficientes na captura de

grande diversidade de répteis, principalmente quando utilizadas em combinação com outros

métodos de coleta, como armadilhas de interceptação e queda e até mesmo a busca ativa. Para

o uso adjacente aos pitfalls, os funis podem ser posicionados juntos às cercas guia o que

maximizaria o sucesso de captura das armadilhas (Jenkins et al., 2003).

Amostragem em estradas

A amostragem em estradas é muito eficiente para a detecção de serpentes. Ela consiste

em percorrer estradas, em baixa velocidade, procurando espécimes que estejam parados ou se

deslocando por elas, assim como espécimes mortos por atropelamento, que são

frequentemente registrados por esse método. Os resultados obtidos por este método podem ser

incluídos como observações fortuitas ou sistematizados, registrando-se a distância percorrida

e os tipos de ambientes amostrados. A eficiência deste método também depende da habilidade

do herpetólogo em avistar os espécimes, mesmo aqueles de pequeno porte, e capturá-los.

Armadilhas de cola

Um método adicional e pouco utilizado e que pode conferir boa complementaridade

aos dados obtidos são as armadilhas de cola. Que são pranchas adesivas coladas

estrategicamente sobre troncos, galhos e cipós, destinadas especialmente para a captura de

lagartos arborícolas que passarem por ela (Bernarde, 2008). Para liberar o animal da

armadilha, sem machuca-lo, podemos utiliza solventes orgânicos (Calleffo, 2002). Como

essas armadilhas são geralmente importadas, sua obtenção pode ser difícil, Calleffo (2002)

sugere a utilização de emplastros adesivos, encontrados em farmácias, e fitas adesivas largas,

como a silver tape, porém elas são menos eficientes do que as armadilhas originais.

Coleta por terceiros

A coleta por terceiros é indicada principalmente em levantamentos de espécies de

serpentes, podendo também ser obtidas informações dobre dieta, reprodução (ocorrência de

fêmeas grávidas e juvenis), ocorrência nos habitats e sazonalidades (Bernarde, 2008).

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Moradores locais, ou próximos a uma área de interesse têm muito mais contato com a

fauna local do que pesquisadores. Uma boa forma de se obter espécimes de uma determinada

localidade é a distribuição de baldes com tampa, contendo solução de formalina de 15 a 20%,

para que eles guardem os animais (principalmente serpentes) que encontram e frequentemente

matam (Franco, 2002). Os moradores são visitados periodicamente e o material coletado é

recolhido. São anotados os dados de coleta dos espécimes como o tipo do ambiente em que

foram encontrados, data e horário. É importante explicar a importância do estudo para os

moradores, e a importância destes animais à natureza, salientando a preservação da fauna.

Alem disso, informações sobre primeiros socorros, no caso de acidentes ofídicos (Bernarde,

2008).

Os moradores locais que se mostrarem interessados e aptos podem receber um

pequeno treinamento para fazer pequenas incisões no ventre de espécimes grandes, para

auxiliar na sua preservação em formol. Os coletores locais podem até serem treinados para

injetar formalina nas cavidades corporais e órgãos de espécimes recém-coletados, desde que

os materiais adequados sejam providos a eles (Martins & Nogueira 2012).

Armas de fogo, de ar comprimido, estilingues, bodoques, etc.

Armas de fogo de pequeno calibre, como um revolver ou garrucha 22 de cano longo,

com chumbo mostarda, armas de ar comprimido, estilingues atiradeiras e bandas elásticas, são

particularmente uteis para a captura de lagartos ágeis. O porte e o registro da arma são

documentos indispensáveis ao coletor (Franco, 2002). Com certa prática, estes métodos

podem ser muito úteis em inventários de herpetofauna.

Abrigos artificiais

São quadrados de madeira compensada ou Eternit, colocados sobre o solo, após a

limpeza da vegetação. Esses abrigos podem ser vistoriados periodicamente. Este método

complementar é pratico e de fácil instalação, podendo auxiliar na amostragem de serpentes e

lagartos (Parmelee & Fitch, 1995; Bernarde, 2008).

Entrevistas

Este tópico se baseia em entrevistas a biólogos que trabalham com consultorias

ambientais e na experiência do próprio autor.

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Conduzir entrevistas para a obtenção de dados confiáveis, quando estamos tratando de

répteis, é uma tarefa muito complicada e deve ser tratada com cautela. Os répteis,

principalmente as serpentes, são objetos de muito temor e supertição em todo o mundo,

portanto, é comum pessoas que não são da área exagerarem, e até fantasiarem, a descrição de

tamanhos e comportamentos. Entretanto, as entrevistas podem ser uma ferramenta muito útil

para a obtenção de dados sobre as espécies que ocorrem em uma região, quando conduzidas

da maneira correta.

Cabe ao biólogo entrevistador conduzir a entrevista da forma mais natural possível,

como se fosse uma conversa casual, fazendo perguntas sobre os répteis da região, solicitando

ao entrevistado que descreva da forma mais detalhada possível as características morfológicas

e comportamentais dos répteis que ele encontrou. É preciso tomar cuidado e não dar

informações prévias ao entrevistado, como a coloração de uma possível espécie, ou seu

comportamento, pois, na tentativa de agradar o entrevistador, o entrevistado pode confirmar a

presença de um animal que de fato ele nunca viu. Uma boa prática é solicitar ao entrevistado

que mostre fotos de répteis que encontrou na região, como hoje em dia quase todo mundo

possui smartphones com câmera, é bem provável que um morador local tenha fotografado

répteis que encontrou pelo caminho.

A entrevista é um recurso valioso que quando for possível, deve ser utilizada. Porém,

como já dito, deve ser tratada com cautela. A confiabilidade das informações obtidas, muitas

vezes não pode ser confirmada. Portanto, apenas quando o biólogo tem segurança em relação

ao conteúdo obtido na entrevista, é que se podem incluir essas informações no estudo. Vale a

pena conferir se as espécies descritas pelo entrevistado constam na lista prévia proveniente

dos dados secundários, para conferir se a descrição do habitante local bate com a abrangência

da distribuição geográfica do animal, ou até mesmo se o habitat da região é compatível com a

espécie descrita.

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CONCLUSÕES

Com o auxílio deste protocolo, acreditamos que os Estudos de Impacto Ambiental

realizados com a fauna de répteis Squamata na Mata Atlântica, serão mais padronizados,

completos e mais informativos. Permitindo melhores análises por parte dos órgãos

ambientais, dando direcionamento para profissionais menos experientes, maximizando

esforços de campo, além de adequar a legislação ambiental referente a inventários de fauna à

fauna de Squamata na Mata Atlântica.

A descrição dos equipamentos utilizados em campo dá ao biólogo as diretrizes

necessárias para não ser surpreendido com a falta de algum material que seria importante, e

ainda sugere uma serie de outros itens que podem facilitar o trabalho de inventário. A falta de

determinados equipamento pode acarretar em estudos incompletos, ou em piores casos,

possíveis acidentes.

A descrição dos métodos empregados para o registro de espécies contém

detalhamentos sobre instalação de armadilhas, utilização de ferramentas e melhores períodos

de coleta. Permitindo ao biólogo responsável pelo estudo, utilizar de maneira correta os

métodos disponíveis para o registro da herpetofauna de Squamatas de uma região.

O material coletado deve ser tombado em museus de historia natural, universidades ou

institutos que farão bom uso destas informações, para que a coleta de indivíduos não seja

utilizada apenas para a identificação dos animais para a elaboração da lista de espécies dos

estudos, o que seria um grande desperdício de material biológico. Porém, é importante

salientarmos novamente, que as empresas impactantes forneçam meios para a coleção

escolhida manter o material doado, como já citamos anteriormente.

Enfim, devido à falta de padronização dos inventários de fauna de Squamata no bioma

em questão, gostaríamos que este protocolo servisse como base para novos estudos,

fornecendo os meios necessários para aumentar a eficiência e a confiabilidade dos EIAs.

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