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1 PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL Via Profissional 36.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20807/2019, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2019 DATA: 27 DE FEVEREIRO DE 2020 2.ª CHAMADA HORA: 14H 15M ( DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE DURAÇÃO DA PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA ) DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS

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PROVA ESCRITA

DE

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Profissional

36.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20807/2019, PUBLICADO

NO DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31

DE DEZEMBRO DE 2019

DATA: 27 DE FEVEREIRO DE 2020

2.ª CHAMADA

HORA: 14H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO

REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE

DURAÇÃO DA PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS

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PROVA ESCRITA DE

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Profissional – 2.ª Chamada – 27 de fevereiro de 2020

1 – A presente prova consiste na elaboração de um requerimento de interposição e motivação de recurso por parte do Ministério Público, tendo por objeto o acórdão absolutório e a decisão (em ata) de 15/12/2019, abordando todas as questões de facto e de direito tidas como pertinentes.

2 – Considere os elementos do processo com o NUIPC 1239/18.7LRA fornecidos:

a) o acórdão absolutório;

b) a descrição da prova produzida em julgamento

-declarações do arguido;

-depoimento da testemunha Ricardo Mário de Sá Vinagre;

-depoimento da testemunha Pedro Hugo da Rocha Oliveira;

-Boletim de Admissão da ofendida Maria dos Martírios e Silva no Serviço de Urgência do Hospital Curry Cabral;

-Relatório de Alta da ofendida Maria dos Martírios e Silva do Serviço de Ortopedia do Hospital Curry Cabral;

-Relatório Pericial;

-Auto de apreensão (pau);

-Auto de exame (pau).

c) Ata da sessão de julgamento (extrato) realizada no dia 15/12/2019 (incidente relativo à testemunha Manuel Camarada Tralhão);

d) Decisão de arquivamento ao abrigo do artigo 282º, do CPP (suspensão provisória do processo);

e) Ata da sessão de julgamento (extrato) realizada no dia 15/12/2019 (incidente relativo à reinquirição da menor Luz Aventurada e Silva);

f) Declarações para memória futura prestadas em Inquérito (Luz Aventurada e Silva);

g) Declarações de arguido em sede de 1.º Interrogatório Judicial de arguido

detido;

h) Relatório Social.

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3 – Considere que ainda não decorreram mais de 30 dias sobre a data da sessão de

15/12/2019 na qual foi proferida decisão que aceitou como válido o impedimento de

testemunhar de Manuel Camarada Tralhão.

4 – Presuma que todas as demais legais formalidades foram devidamente observadas.

5 – Cotações (20 valores)

A cotação da peça processual a elaborar distribui-se da seguinte forma:

I – Questões formais e organização do discurso/adequação da linguagem técnico-jurídica – 3 valores;

II – Motivação do Recurso/questões controvertidas – 12 valores;

III – Conclusões – 3 valores.

IV – Pedido – 2 valores.

6 – A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe uma apreciação completa das várias questões que se suscitam de facto e ou de direito, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

7 – Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida, a organização e qualidade da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa, tudo conforme os pontos acima identificados e cotados.

8 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo “Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a prova corrigida nesse pressuposto. 9 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro). 10 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores, para o total da

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prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro). 11 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.

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No acórdão absolutório proferido no Processo 1239/18.7LRA

(Comarca de Leiria), na data de 20.12.2019, e relativamente à matéria

fáctica constante da acusação, o Tribunal Coletivo deu como provados,

apenas, os seguintes pontos:

“O arguido José Durão Alcobia Pancada viveu com Maria dos Martírios e

Silva, partilhando cama, habitação e refeições, isto é, vivendo juntos como se

casados fossem, na Rua do Desassossego, nº.105, em A-da-Gorda, Óbidos.

Desse relacionamento nasceu em 07/6/2013 Pedro Silva Durão Pancada.

Pedro da Silva Durão Pancada vive na cidade de Leiria com a mãe, desde a

separação dos progenitores, no ano de 2017.

Por factos de Agosto de 2016 e Agosto de 2017, o arguido foi julgado e

condenado no Processo nº.218/17.5CLD, por sentença proferida no 1°. Juízo da

Instância Local de Caldas da Rainha da Comarca de Leiria, transitada em julgado

em 3 de Junho de 2018, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua

execução pelo mesmo período, designadamente por nessas ocasiões ter injuriado e

agredido fisicamente Maria dos Martírios, aí sendo condenado pela prática de

crime de Violência Doméstica, pp. no art. 152º., nºs.1, al. a), 2 e 5, do Código Penal.

Maria Jesus Durão do Amparo Pancada é mãe do arguido.

No dia 07/4/2018, a ofendida Maria dos Martírios e Silva recebeu os

primeiros socorros junto à residência de Jesus do Amparo Pancada sita em

Travessa das Recolhidas , em Óbidos, e, após, foi transportada numa ambulância

do INEM ao Hospital de Leiria.

Depois de ter sido observada no serviço de urgência, abandonou a unidade

hospitalar contra indicação médica.

No dia seguinte, a ofendida Maria dos Martírios e Silva estava com dores

fortes no braço direito, tendo dado entrada novamente no Hospital de Leiria, local

onde foi sujeita a intervenção cirúrgica nesse mesmo dia e onde ficou internada no

serviço de ortopedia A até dia 19 de Abril de 2018.

A ofendida Maria dos Martírios e Silva sofreu fractura exposta Grau I

cominutiva do olecraneo e coronoide e fractura diafisária do 1/3 distal do cúbito

esquerdo, limitação dos movimentos da articulação do cotovelo, dores no antebraço

direito, parestesias na região postero-externa do antebraço direito, cicatriz

nacarada linear, longitudinal, com onze centímetros de comprimento, localizada na

face posterior do terço proximal do antebraço e cicatriz nacarada linear,

longitudinal, com oito centímetros de comprimento, localizada na face posterior do

ACORDÃO ABSOLUTÓRIO

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terço distal do antebraço, lesões que determinaram 120 dias de doença, todos com

incapacidade para o trabalho geral e profissional”.

E, ainda relativamente à matéria fáctica constante da acusação, o

Tribunal Coletivo deu como não provado: - “que o arguido tenha vivido com Maria dos Martírios e Silva

nomeadamente desde o ano de 2011 até ao fim de 2017.

- que em tal período ambos coabitassem com a filha de Maria dos

Martírios e Silva, Luz Aventurada e Silva, nascida a 02/09/2007;

- que no início de Abril de 2018 Maria Jesus do Amparo Pancada tenha

telefonado à Maria Martírio e Silva e a tenha convidado para passar a época

festiva da Páscoa na sua residência, em Óbidos, uma vez que tinha vontade de

ver e estar com o neto;

- que Maria dos Martírios e Silva tenha aceitado tal convite;

- que no dia 7 de Abril de 2018, cerca das 18 horas e 30 minutos, quando a

ofendida Maria do Martírio se encontrasse no interior da mercearia “Frescuras &

Verduras", em Óbidos, tenha recebido uma chamada telefónica do arguido;

- que este lhe tenha ordenado que regressasse de imediato a casa da mãe;

- que Maria dos Martírios e Silva tenha chegado à residência de Jesus

Durão do Amparo pancada acompanhada dos filhos Luz e Pedro;

- que o arguido estivesse à sua espera, nomeadamente encostado ao muro e

com um ar furioso;

- que o arguido tenha dito às crianças para irem brincar para o pátio e à

ofendida para entrar no quarto;

- que o arguido tenha dito à ofendida que ela era uma vaca e uma puta;

- que lhe tenha desferido um golpe nos braços, nomeadamente munido de

um cabo de enxada;

- que só não lhe tenha acertado na cabeça porque esta, para se defender

colocou os membros superiores à frente;

- que os menores tenham entrado no quarto;

- que tenham visto o arguido a bater na sua mãe;

- que tenham implorado para que cessasse a sua conduta;

- que Maria Fernanda apresentasse as apuradas lesões em consequência de

factos praticados pelo arguido;

- que na data de 21 de Abril de 2018, o arguido José Durão Alcobia

Pancada, se haja deslocado a casa da ofendida, sita na rua Barão de

Viamonte, nº 7, 1 esquerdo, em Leiria, acompanhado do seu amigo Manuel

Camarada Tralhão;

- que uma vez aí chegado, cerca das 23H40m, e, após haver exigido à

ofendida que esta lhe trouxesse o filho porque queria vê-lo e falar com ele, e esta

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o haver negado por o filho se encontrar já a dormir, ter chamado Maria dos

Martírios e Silva de puta, vaca e ordinária;

- que, na referida ocasião, Manuel Camarada Tralhão haja colocado o seu

pé entre a porta e a soleira, impedindo que a ofendida fechasse a mesma, como

intentava, enquanto o arguido exigia ver o filho de ambos;

- que na referida ocasião o arguido, ante a recusa da ofendida em deixá-lo

entrar em casa a fim de ver o filho, proferiu ainda a seguinte expressão: “da

última vez foi o braço, da próxima vão-se-te os cornos pelos ares, e um destes

dias esse corpinho de puta vai direitinho para a quinta dos pés-juntos”;

- que por causa do tom de voz elevado do arguido a filha da ofendida, Luz

Aventurada e Silva, tenha acordado e, apercebendo-se da discussão, tenha

começado a chorar, gritando pelo socorro dos vizinhos, tendo sido acalmada por

Manuel Camarada Tralhão que a segurou ao colo;

- que na mesma ocasião, e estando a referida menor presente, o arguido

haja proferido , ainda, a seguinte expressão, dirigindo-se à ofendida : “pode ser

que na quinta das tabuletas me deixes finalmente ir pôr flores na tua campa, já

que não me deixas ver o meu filho”.

- que em ambas as ocasiões o arguido tenha agido voluntária, livre e

consciente, com o propósito concretizado de ofender a honra, o bom nome e

sensibilidade da sua ex-companheira ou de a molestar fisicamente e, dessa

forma lhe provocar maus tratos físicos e psíquicos, resultado com que se

conformou;

- que o arguido tenha revelado não possuir qualquer respeito para com a

ofendida, enquanto pessoa, violando os mais elementares princípios e deveres da

vida em sociedade, revelando também uma personalidade deformada;

- que o arguido tenha agido de forma livre, deliberada e consciente, bem

sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei;

- as demais condições pessoais do arguido.”

A fundamentação que o Tribunal Coletivo plasmou no acórdão

recorrido para decidir como decidiu em matéria de facto, quanto aos

factos não provados, foi a seguinte: “Atenta a negação dos factos pelo arguido, o silêncio da ofendida sua ex-

companheira e da mãe do arguido, bem como a recusa em depor da testemunha

Manuel Camarada Tralhão, a convicção do tribunal assentou na concatenação

ponderada da sua identificação com os depoimentos dos agentes policiais ouvidos,

e com os documentos e prova pericial dos autos nomeadamente de fls.9, 10, 64 a

65 verso, 67, 68, 97 a 100, 108 a 110, 114 a 118, 127 a 145, 217, 218 e 234 (os

quais incluem nomeadamente elementos clínicos, CRCs e certidão, sendo que a

prova produzida em audiência se encontra gravada.

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Desde logo se refira que o declarado por arguido e ofendidas quanto à sua

identificação fundamentou a respectiva advertência nos termos do art.º 134, o que

veio a fundamentar a legítima recusa das mesmas a prestar depoimento.

Ainda assim, da sua identificação, arguido e ofendidas contribuíram para os

supra aludidos factos dados como provados.

No essencial, todavia, contribuíram para os factos dados como não provados,

nomeadamente para a não prova dos imputados, atenta designadamente a

proibição de valoração do depoimento indirecto dos aludidos agentes

policiais, bem como a válida recusa em depor como testemunha do co-

arguido Manuel Camarada Tralhão.

*

O arguido prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial,

com a advertência prevista no artigo 141.º n.º 4 alínea b) do Código de Processo

Penal.

Dispõe esta norma o seguinte:

"4 – Seguidamente, o juiz informa o arguido:

b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar

poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência,

ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à

livre apreciação da prova".

O Tribunal Colectivo ouviu a reprodução das declarações prestadas pelo

arguido, nas quais admitiu a prática dos factos num contexto de provocação da

mãe dos filhos, e ouviu as declarações do arguido prestadas em audiência de

julgamento, nas quais negou integralmente a prática dos factos. Ponderou as

circunstâncias em que ambos os actos ocorreram e optou por dar relevância

apenas às declarações prestadas em audiência de julgamento, por respeito ao

princípio da imediação.

É certo que em audiência de julgamento o arguido teve muito tempo para

preparar as declarações e tinha já conhecimento dos factos que lhe eram

imputados e dos meios de prova que fundamentavam essa imputação.

Em sede de primeiro interrogatório o arguido foi confrontado com a

imputação da factualidade que na altura era do conhecimento da acusação,

assim como, dos meios de prova até então reunidos.

Na audiência de julgamento o arguido estava livre, compareceu em Tribunal

pelos seus próprios meios e tinha consciência que quaisquer que fossem as

declarações prestadas o seu estatuto coactivo não seria alterado.

No primeiro interrogatório judicial o arguido, ao invés, estava detido, na

sequência de mandato emitido fora de flagrante delito, foi conduzido sob detenção

ao Tribunal e tinha a consciência que a sua imediata liberdade dependia das

declarações que seriam prestadas.

Em sede de julgamento, as declarações do arguido afiguraram-se terem sido

prestadas com clareza e com respeito pela verdade dos factos – tanto mais que na

sua essencialidade foram corroboradas pelos restantes meios de prova.

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Em sede de primeiro interrogatório, as declarações do arguido foram

prestadas sob condicionantes negativas – detenção e urgência de liberdade – que

colocam em causa a sua espontaneidade e respeito pela verdade dos factos.

*

Ricardo Mário de Sá Vinagre e Pedro Hugo da Rocha Oliveira, por seu

turno, foram credíveis quanto ao que presenciaram, no que contribuíram para os

supra aludidos factos dados como provados.

Todavia, quanto ao mais, pese embora essa credibilidade, os mesmos

também contribuíram para os factos dados como não provados, face à proibição de

valoração do seu depoimento na parte em que constituiu depoimento indirecto, ou

seja, ouvido de pessoa que não prestou declaração ou depoimento em audiência.

*

Por outro lado, a falta de comparência em julgamento da filha menor da

ofendida, Luz Aventurada e Silva, justificada pela impossibilidade psicológica de

o fazer atestada clinicamente (cf. Atestado Pedopsiquiátrico junto a fls. 1397), não

permitiu ao Tribunal, valorar as declarações para memória futura por esta

prestadas em sede de inquérito, porquanto tal hipotética valoração se volveria

numa entorse insuperável efectuada às garantias de defesa, nomeadamente aos

princípios do contraditório, oralidade e imediação que regem toda a prova

produzida em julgamento.

Acresce que o Ministério Público, não obstante se haver oposto ao

requerimento da defesa de reinquirir a testemunha, em momento algum requereu,

em julgamento, a leitura das referidas declarações, não estando, assim, o Tribunal,

ainda que outro fosse o seu entendimento acerca da matéria em apreço, habilitado

a valorá-las sem que tal iniciativa fosse tomada por parte do Ministério Público

sobre quem recai o ónus da produção da prova da matéria objecto da acusação.

Ainda para os factos provados contribuíram os aludidos elementos clínicos e

CRC.

Todavia, quanto a este último, refira-se que apenas se verteu a respectiva

factualidade acima porquanto a mesma vinha já mencionada na acusação e

pretendeu-se ponderá-la na sua totalidade.

Na verdade, em caso de juízo de absolvição, como o que se fará infra, e face

ao disposto nos artigos 368º a 371º, do CPP, era despiciendo vertê-lo supra nos

factos provados.

Os factos não provados resultaram assim, em síntese, da ausência de prova

tida por valorável e susceptível de os dar como provados.”

O Acórdão conclui, em face dos factos que deu como provados e

não provados, pela absolvição do arguido José Durão Alcobia Pancada

pela prática de dois crimes de Violência Doméstica p. e p. nos termos

dos artigos 14.º, 26.º, 30.º, n.º 1, 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2,

alínea a), do Código Penal, pelos quais se encontrava acusado.

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a) Declarações do arguido (prestadas na sessão de julgamento de

15/12/2019, documentadas na acta de fls. 236-28, gravadas no

sistema integrado de gravação digital, Habilus Media Studio, das

14:40:50 horas às 15: 05: 30.

Com início ao minuto 00:40 e até ao minuto 01:10 das suas

declarações, e a instância do Juiz , o arguido declarou seguinte:

“Sr. Doutor Juiz, sim, eu quero prestar declarações, mas só para dizer o

seguinte: nada do que aí está escrito corresponde à verdade. Eu e a

mãe do meu filho já resolvemos os nossos problemas e o Pedro está a

viver com ela e eu vou pagar a pensão.”

b) O depoimento da testemunha Ricardo Mário de Sá Vinagre,

agente da PSP (prestado na sessão de julgamento de 15/12/2019,

documentado na ata de fls. 236-238, gravado no sistema integrado de

gravação digital, Habilus Media Studio, das 16:45:32 horas às 16.50:21

horas).

Com início ao minuto 00:35 e até ao minuto 04:05 do seu

depoimento, e a instâncias do Ministério Público, que começou por lhe

perguntar se tinha sido chamada a intervir em alguma situação de

desavenças entre o arguido e a ofendida, esta testemunha disse o

seguinte:

- “Sim. Nós fomos chamados a uma situação de violência doméstica

que já tinha ocorrido. Quando chegámos lá a vítima já estava a ser

assistida, salvo erro, pelo INEM”;

- “Foi no ano passado, por altura da Páscoa”;

PROVA PRODUZIDA EM JULGAMENTO

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- A ofendida “estava junto à casa da mãe do arguido”;

- A ofendida “tinha um ferimento num dos braços”;

- “O objecto utilizado” (na agressão) “foi um pau, segundo relato da

vítima, não visualizado por nós”;

- Ela referiu, na ocasião, aos agentes da PSP, que “tinha sido

agredida pelo ex-companheiro e disse que já não era a primeira vez que

era agredida por ele, que já tinha ido até a tribunal”;

- Ela “careceu de tratamento hospitalar”.

c) O depoimento da testemunha Pedro Hugo da Rocha Oliveira,

agente da PSP (prestado na sessão de julgamento de 11/01/2012,

documentado na ata de fls. 244-245, gravado no sistema integrado de

gravação digital, Habilus Media Studio, das 15:22:35 horas às 15:38:00

horas).

Com início ao minuto 04:35 e até ao minuto 08:18 do seu

depoimento, e a instâncias do Ministério Público, que começou por lhe

perguntar se se recordava “de alguma intervenção que tivesse tido numa

situação na residência ou junto da residência de uma senhora Isabel de

Jesus Pipa ou de uma senhora Maria Fernanda Guedes”, esta testemunha

disse o seguinte:

- “Sim, sim, estou recordado. Nós fomos chamados pela Central-

Rádio para nos deslocarmos a essa residência, onde havia notícia de uma

situação de violência doméstica. Chegados ao local, foi-nos dito pela

vítima que tinha vindo passar a Páscoa a casa da sogra e que o ex-

companheiro a agrediu com um pau”;

- “Não me recordo se ela tinha ferimentos, mas estava lá a

ambulância do INEM e ela foi levada para o Hospital”;

- “Ela pareceu estar a dizer a verdade”.

E às perguntas do Ministério Público que também se transcrevem

respondeu ainda esta testemunha o seguinte:

- MP: “Ela (a ofendida) estava magoada, chorosa?”

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- Testemunha: “Sim, sim”;

- MP: “Não lhe ofereceu qualquer dúvida que ela tinha sido agredida

e que estava, de facto, queixosa?”

- Testemunha: “Sim, sim, sem dúvida”;

- MP: “Havia por lá mais pessoas que tivessem presenciado a

agressão?”

- Testemunha: “Eu penso que estava presente na altura a mãe do

agressor e duas crianças, um rapaz e uma rapariga, o rapaz era filho da

ofendida e do arguido e a rapariga, mais velha, era só filha da ofendida. A

rapariga estava a chorar, e muito nervosa, e dizia que bem que tinha

avisado a mãe para não irem a casa da avó do irmão, que já sabia o que

ia acontecer . E que tinha visto o arguido a ir esconder o pau lá para os

lados do pinhal de baixo assim que soube que a avó do irmão tinha

chamado o INEM.”;

- MP: “Recorda-se se recolheu na altura alguma informação da mãe

do agressor?”

- Testemunha: “Sim, a mãe do agressor também disse que ele tinha

batido na ex-companheira”;

- MP: “Chegou a ver o companheiro ou ex-companheiro da

ofendida?”

- Testemunha: “Não, ele já não se encontrava lá. Ainda fomos á

procura dele, mas já não o encontrámos. Recordo-me que apreendemos

um pau que a vítima tinha indicado tratar-se do instrumento da agressão.

Um cabo de enchada.”.

E, com início ao minuto 08:20 e até ao minuto 09:35 do seu

depoimento, e a instâncias do Mmo. Juiz Presidente, cujas perguntas

também se transcrevem, esta testemunha disse o seguinte:

- Juiz Presidente: “O que sabe é pelo que lhe foi relatado pela ex-

companheira do arguido ou pela mãe do arguido, certo?”

- Testemunha: “Sim, sim”;

- Juiz Presidente: “Recorda-se da data dos factos?”

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- Testemunha: “Penso que foi a 7 de Abril de 2018”.

d) O Boletim de Admissão da ofendida Maria dos Martírios e Silva

no Serviço de Urgência do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, em

07/04/2018, pelas 19h26m, junto a fls. 65 dos autos, constando da

respetiva informação clínica a referência a “agressão com pau” e a

“fractura segmentar do cúbito”.

e) O Relatório de Alta da ofendida Maria dos Martírios e Silva do

Serviço de Ortopedia do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, datado de

19/04/2018, junto a fls. 110 dos autos, de cuja história clínica consta

tratar-se “de uma doente vítima de agressão, com múltiplos

traumatismos no membro superior direito, dos quais resultaram as

fracturas referidas”. [as mesmas já dadas como provadas no acórdão

recorrido e acima descritas]

f) O Relatório Pericial de fls. 115-117, de que resulta que “as lesões

atrás referidas (as fraturas já aludidas, cuja ocorrência foi dada como

provada no acórdão sob recurso) terão resultado de traumatismo de

natureza contundente, o que é compatível com a informação (da

informação consta que a ofendida “refere ter sido sofrido agressão com

um pau” pelo companheiro).

g) Auto de apreensão de fls. 6: datado de 07 de Abril e assinado

pelos agentes da PSP Pedro Oliveira e Ricardo Vinagre e referente a um

pau de cerca de 1 metro e 20 cm de comprimento, com 3 cm de

diâmetro.

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h) Auto de exame de fls. 30: pau com cerca de 1 metro e 20 de

comprimento e com 3 cm de diâmetro compatível com a função de cabo

de enxada, sem quaisquer vestígios biológicos.

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“Porque a testemunha Manuel Camarada Tralhão assumiu a qualidade de

arguido nestes autos, antes de ser determinada a separação de processos,

conforme despacho do Ministério Público de fls. 1228, levanta-se a questão da

necessidade da testemunha dar o seu consentimento para prestar depoimento

neste processo, julgando o tribunal que aqui é aplicável o disposto no art. 133º,

nº 2 do Código Processo Penal.

Após, pelo Mmº Juiz Presidente foi dada a palavra à Digna Magistrada do

Ministério Público, que no uso da mesma promoveu:

A ora testemunha foi efectivamente constituída como arguida nos presentes

autos.

Resulta contudo de fls.156 que foi ordenada a separação de processos

relativamente ao mesmo, tendo sido investigada autonomamente, no âmbito do

processo de inquérito nº 1456/18.4LRA a sua conduta ilícita .

Resulta ainda da certidão junta a fls. 238 , que nesse processo de inquérito

foi aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, relativamente a um

crime de coacção, tendo o arguido cumprido as injunções que lhes foram

impostas, o que determinou a prolação de despacho de arquivamento – cfr. fls.

240.

Dita o art. 283º nº3 do CPP, que esse processo não pode ser reaberto.

Destes elementos resulta assim inequívoco que o processo crime

instaurado contra estas testemunhas se mostra arquivado, sem possibilidade de

ser reaberto.

Nessa conformidade, é nossa interpretação que o art. 133º nº 2 do CPP,

não é aplicável à presente testemunhas.

Também no mesmo sentido se inscreve a jurisprudência expressa no Ac. da

Relação do Porto de 18-4-2007 proferido no processo 0740066 em que se conclui:

“A norma do nº 2 do art. 133º do CPP não tem aplicação quando o co-agente do

crime deixou de ter a qualidade de arguido, em virtude de ter sido absolvido no

respectivo processo”.

Essa é afinal a interpretação que cremos ser consentânea com os princípios

que presidiram à consagração no art. 133º do CPP dos impedimentos legais

respeitantes a arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo.

Em concordância com esta interpretação, o MºPº requer que se proceda à

audição desta testemunha, sem observância do formalismo previsto no art.133º

nº2 parte final, inaplicável no caso concreto.

A inquirição desta testemunha revela-se essencial para a descoberta da

verdade.

ATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO (extrato) DE DIA 15/12/2019

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Desde já se consigna que o MºPº entende que a omissão desta diligência

constitui omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, pelo que,

integrará tal omissão uma nulidade que expressamente e por esta forma se

deverá haver por arguida caso a realização de tal diligência não for deferida.

Dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito que

independentemente da fundamentação, aliás douta, deduzida pela Digna

Procuradora, certo é que, e no entender da defesa necessário se torna o

consentimento expresso da testemunha para realizar o seu depoimento.

Após pelo Mmº Juiz Presidente foi proferido o seguinte:

Despacho:

Não podemos concordar com a posição assumida pela Digna Magistrada do

Ministério Público. Com efeito, a jurisprudência que cita (Ac. RP de 18.04.2007) é

anterior à modificação da redacção do art. 133º, nº 2, do CPP, introduzida pela

Lei 48/2007, de 29/08. Com Tal alteração legislativa o preceito em questão

passou a conter a seguinte expressão, referindo-se a pessoas que já tenham

assumido a qualidade de arguido em determinado processo objecto de separação:

“mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado”. A introdução

desta expressão no preceito do artigo, salvo melhor opinião, alterou

substancialmente o seu âmbito: Ao alterar a redacção do preceito entende-se que

o legislador consagrou uma solução de “ultra-actividade do impedimento em

causa”, não podendo já haver-se como válida a anterior jurisprudência citada

pelo Ministério Público acerca do impedimento de co-arguido para depor na

qualidade de testemunha.

Pode concordar-se ou não com a alteração legislativa em causa , mas o

legislador é soberano, devendo-lhe o Juiz o seu inteiro respeito, conquanto não

viole a Constituição. Ora, não vislumbramos qualquer violação da Constituição

com tal nova redacção legal.

Pelo exposto, indefere-se a douta promoção da digna Magistrada do

Ministério Público, julgando, em consequência inexistir a nulidade invocada.

Notifique.

Dada a palavra à testemunha Manuel Camarada Tralhão, foi a mesma

notificada nos termos do artº 133º, nº 2 do CPP, tendo pela mesma sido dito não

desejar prestar declarações, pelo que foi de imediato dispensada pelo Tribunal.”

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NUIPC 1456/18.4 LRA

“Tiveram início os presentes autos com a certidão extraída dos autos de

inquérito com o nuipc 1239/18.7LRA.

Das diligências realizadas em sede de inquérito, designadamente

interrogatório como arguido de Manuel Camarada Tralhão, inquirição, na

qualidade de testemunhas de Maria dos Martírios e Silva e da menor Luz

Aventurada e Silva, foi possível apurar que:

Na data de 21 de Abril de 2018, o arguido acompanhou o seu amigo José

Durão Alcobia Pancada a fim de lhe prestar auxílio numa situação relativa a um

conflito com a mãe do filho desde, a ofendida Maria dos Martírios e Silva.

Para o efeito, e a pedido daquele, deu-lhe boleia entre Óbidos e Leiria,

acompanhando-o até à casa da ofendida sita na rua Barão de Viamonte, nº 7, 1

esquerdo.

Uma vez aí chegados, cerca das 23H40m, o arguido e Manuel Camarada

Tralhão subiram até ao 1º andar onde, após a porta lhes ter sido aberta por

Maria dos Martírios e Silva, José Pancada iniciou uma discussão verbal com a

sua ex-companheira que se recusava a franquear-lhe a entrada na casa a fim de

ver o filho de ambos, o menor Pedro Silva Durão Pancada, o qual já se

encontrava a dormir.

No decurso de tal discussão, o ora arguido, e ante a intenção da ofendida de

fechar a porta da sua casa a fim de pôr termo à conversa com o seu ex-

companheiro, colocou o pé entre a porta e a soleira, assim evitando que a arguida

concretizasse o seu intento.

Em simultâneo com tal gesto, o arguido dirigindo à ofendida, proferiu, com

foros de seriedade, a seguinte expressão: “é melhor deixá-lo entrar senão já sabes

que ele ainda é capaz de te dar cabo da vida”.

Ao adoptar a referida conduta o arguido agiu livre, voluntária e

conscientemente, visando cercear a liberdade de autodeterminação da ofendida,

impedindo-a de fechar a porta da sua casa, fazendo-o nos moldes acima descritos,

anunciando-lhe a prática de um mal futuro por parte do ex-marido.

O arguido sabia que tal conduta, no referido contexto, era adequada a

produzir no espirito da ofendida receio pela sua integridade física e, assim, a

constrangê-la a suportar a presença do seu ex-companheiro sem fechar a porta de

casa, o que logrou realizar.

O arguido actuou sabendo proibida por lei a respectiva conduta.

Tais factos revelam-se, em abstracto, susceptíveis de integrar a prática de

um crime de coacção, p. e p. nos termos do artº 154º, nº 1 do CP, ao qual

corresponde uma pena até três anos de prisão.

DECISÃO DE ARQUIVAMENTO - SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO)

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O arguido confessou os factos, enquadrando-os numa actuação de auxílio ao

seu amigo que pretendia ver o filho que se encontrava com a mãe e que, nas

palavras do próprio, o impedia injustamente de o fazer. Refere que desconhecia a

situação de conflito do amigo com a mulher, designadamente antecedentes de

actos de agressividade física e psíquica , apenas sabendo que não se davam bem

e que o seu amigo, quando bebia, ficava agressivo.

O arguido não tem antecedentes criminais e declarou não se opôr a uma

solução de suspensão provisória do processo subordinada à injunção de pedir

formalmente desculpas à ofendida e e de pagar o valor de 100 euros à APAV.

O arguido é pedreiro, auferindo 600 euros mensais, e suportando de custos

fixos mensais o valor de 200 euros com a pensão de alimentos com os seus filhos

menores, residindo em casa de uma irmã que paga todas as despesas.

A queixosa não se constituiu assistente mos autos.

O Mmº JIC concordou com a suspensão provisória do processo subordinada

às injunções acima descritas (cf. Despacho de fls. 35)

Decretada a suspensão provisória pelo prazo de três meses subordinada ao

cumprimento das injunções acima referidas (cf. Despacho de fls. 38) o arguido deu

cumprimento às injunções fixadas (cf. fls. e fls. 46-58).

Junto o CRC do arguido e realizada pesquisa na base de dados acerca da

cedência de qualquer novo inquérito, nada consta.

Assim, e ao abrigo do disposto nos artº 282º, nº 3 do CPP, determina-se o

arquivamento dos presentes autos de inquérito.

Notifique o arguido.”

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“Na presente sessão de julgamento veio o defensor do arguido José Durão

de Alcobia Pancada, nos termos do artº 271º, nº 8 do CPP, requerer a reinquirição

da menor Luz Aventurada e Silva, porquanto entende que a mesma se revela

imprescindível à descoberta da verdade material nos autos, designadamente

atenta a versão do arguido em sede de julgamento que nega a prática dos actos,

impondo-se proceder a uma acareação entre o arguido e a testemunha nos termos

do artº 146º do CPP.

Dada a palavra ao Ministério Público para se pronunciar quanto ao referido

requerimento da defesa, veio o mesmo a manifestar oposição à requerida

reinquirição da menor, uma vez que entende que a alegada contradição não

consubstancia, ante uma analise crítica da prova, nomeadamente a pré-

constituída no confronto com a produzida em julgamento, uma contradição real e

séria, no sentido de fundar uma dúvida razoável, sendo certo que tal reinquirição,

não se revelando de qualquer utilidade probatória, desvirtuaria, ainda, a ser

realizada, os fins de protecção às vítimas especialmente vulneráveis, como o é a

menor Luz Aventurada e Silva, e redundaria numa “vitimização secundária” da

menor.

Na sequência do que foi proferido o seguinte:

Despacho

Não obstante o reconhecimento das finalidades processuais da diligência de

inquirição de testemunhas para memória futura, tais finalidades, como decorre do

nº 8 do artº 271º do CPP, não se sobrepõem em absoluto às garantias de defesa

consubstanciadas nas características de imediação, oralidade e contraditório que

imperam em sede de audiência de julgamento. Assim, não estando manifesta nos

autos uma situação de impossibilidade de comparência da testemunha menor,

determina-se a respectiva notificação para comparência na sessão de dia

18.12.2019.

Notifique-se a menor na pessoa da sua representante legal, a ofendida dos

autos, aqui presente”.

**

Na data de 18.12.2019, a testemunha Luz Aventurada e Silva não

compareceu tendo a respectiva falta sido justificada com uma

declaração médica emitida por pedopsiquiatra na qual se atestava que a

menor se encontrava a ser sujeita a acompanhamento psiquiátrico

desde a data de 01 de Junho de 2019, não sendo aconselhável, do ponto

ATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO (extrato) DE DIA 15/12/2019

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de vista clínico, expor a menor a situações de reavivamento de

memórias traumáticas relativas ao relacionamento da mãe com o ex-

companheiro.

Face à referida justificação o advogado do arguido prescindiu da

audição da testemunha.

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Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 33.º da Lei n.º

112/2012, de 16/09 (Lei da Violência Doméstica), 26.º e 28.º, n.º 2, da Lei

n.º 9/99, de 14/07 (Proteção de Testemunhas), considerando a menor Luz

Aventurada e Silva, filha de Maria dos Martírios e Silva e de Sebastião

Mouro Aparecido, nascida a 02/09/2007, natural de Sé Nova, Coimbra

como possível vítima indireta de uma situação de violência doméstica e,

simultaneamente, como testemunha especialmente vulnerável em razão

da idade, foi promovida pelo Ministério Público e autorizada pelo Juiz de

Instrução Criminal, a sua tomada de declarações para memória futura,

nos termos do artigo 271.º, n.º 1, do CPP, diligência realizada na data de

08 de abril de 2019 e à qual compareceram o arguido, o respetivo

advogado, e o Ministério Público. Na referida diligência a menor foi

assistida por uma Técnica da DGRSP.

Do auto de inquirição, de fls. 123 dos autos, resulta o seguinte

depoimento, o qual foi devidamente documentado em registo

audiovisual, nos termos dos artigos 271.º, n.º 6 e 364.º do CPP:

“A instâncias do MMº JIC a menor declarou que, este ano, por altura da

Páscoa, na casa da avó do irmão, assistiu ao pai do seu irmão, a quem tratou por

“Zé”, a chamar nomes à sua mãe. Questionada , refere que o ouviu a chamar a mãe

de puta. Que o viu a bater à mãe com um pau. Refere que a mãe ficou com o braço

partido e que teve que ir ao hospital de ambulância e que a polícia foi lá a casa mas

o já tinha fugido. Disse, ainda, que a testemunha e o seu irmão choraram e

gritaram, mas nem assim o pai do irmão parou de bater à mãe. Que já noutras

ocasiões tinha visto o a bater à mãe, mas isso foi na altura em que ainda viviam

juntos. Esta última vez o pai do irmão e a mãe já não viviam juntos e tudo

aconteceu porque a mãe se demorou tempo de mais a comprar amêndoas e folares

na loja do “Quim Zé”, lá em Óbidos, na terra da avó do irmão. Mais tarde, depois

da mãe sair do hospital, onde foi operada ao braço, o Zé foi a casa da mãe , em

Leiria, já de noite, juntamente com outro homem, e queria entrar na casa para ver

o irmão da testemunha que já estava a dormir. Na altura chorou muito e gritou pela

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA PRESTADAS EM INQUÉRITO

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ajuda dos vizinhos e foi o amigo do Zé quem a acalmou, e não apareceu nenhum

vizinho. Refere que teve muito medo de que o Zé pudesse voltar a fazer mal à mãe,

e que não acha que ele seja mau, mas quando bebe fica assim e maltrata a mãe

porque diz gostar muito dela e ter ciúmes.

E mais não disse”.

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Da ata de primeiro interrogatório judicial de arguido detido

realizado, nos termos dos artigos 194.º e 141.º do Código de Processo

Penal, na data de 20/10/2019, no âmbito do Processo de Inquérito com o

NUIPC 1239/18.7LRA, consta, quanto às declarações de arguido o

seguinte: “Após haver respondido às questões relativas à sua identificação, e após ser

confrontado com a factualidade e meios de prova indicados pelo Ministério

Público e ser devidamente informado e esclarecido nos termos do artº 141º, nº 4,

nomeadamente quanto aos seus direitos e à advertência do artº 141º, nº 4, al.

b), no sentido de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que

prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência,

ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre

apreciação da prova, o arguido JOSÉ DURÃO ALCOBIA PANCADA declarou

pretender prestar declarações, o que fez nos seguintes moldes:

Confirmar os factos que lhe são imputados e relativos às datas de

07/04/2018 e 21/04/2018, embora refira desconhecer qualquer fractura do

braço da ofendida, enquadrando-os em situações de provocações da sua ex-

companheira, a ofendida Maria dos Martírios e Silva, a qual continua a adoptar

comportamentos que entende ser de alienação parental, impedindo-o de

estabelecer um normal convívio com o filho menor de ambos, Pedro Silva Durão

Pancada, atrasando-se propositamente para eventos familiares onde o menor

deveria comparecer, e nos quais o arguido esteja presente, e a proporcionar-lhe o

contacto com o menor, não o deixando visitar o seu filho quando o arguido o

pretende fazer de acordo com a sua disponibilidade laboral, nomeadamente à

noite e na casa da ofendida.

Nega ter agredido a ofendida na presença das crianças, as quais, aliás, não

têm, sequer, idade para perceber as discussões entre ambos.

Refere ainda não ter comparecido às diversas diligências para as quais se

encontrava regularmente convocado por impedimentos de ordem profissional, não

sendo o seu propósito furtar-se à actuação da justiça.

Mais declarou que, em tempos, teve problemas com o consumo de álcool,

mas que tal já não sucede actualmente porquanto desde há cerca de um mês que

deixou de beber, estando inclusivamente a ser acompanhado em consulta de

alcoologia e a ser medicado com antagonistas do álcool.

Atribui o sucedido à circunstância de as responsabilidades parentais

relativas ao seu filho não haverem, após a separação do arguido e da ofendida,

sido reguladas, situação que entende já ultrapassada uma vez que os advogados

de ambos já chegaram a um acordo quanto a tal matéria.

E mais não disse.

DECLARAÇÕES DE ARGUIDO EM SEDE DE 1º INTERROGATÓRIO JUDICIAL DE

ARGUIDO DETIDO

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Dos autos consta Relatório Social do arguido elaborado pelos

serviços da DGRSP, onde se refere:

“José Durão Alcobia Pancada é o mais novo de três irmãos. Completou o 7.º

ano de escolaridade, e após abandono escolar passou a exercer a profissão de

canalizador. Há cerca de 10 anos que trabalha para a mesma empresa de

construção civil onde aufere de salário mensal o valor de cerca de € 800.

José Pancada tem um filho nascido no ano de 2013, durante o período em

que viveu em união de facto com a ofendida do processo.

Refere que não teve outros contactos com o sistema de justiça para além

dos derivados dos conflitos com a sua ex-companheira.

É considerado pela sua entidade patronal como bom trabalhador, apenas

um pouco conflituoso com os restantes colegas de trabalho.

Actualmente vive com sua mãe na habitação desta, colaborando para as

despesas do agregado familiar com cerca de € 200 por mês. Paga ainda de pensão

de alimentos ao filho a quantia mensal de € 120, e bem assim a quantia de € 250

para amortização mensal de empréstimo usado na aquisição de automóvel”.

RELATÓRIO SOCIAL