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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LITERATURA COMPARADA PRÁTICA LEITORA NO ENSINO SUPERIOR: UMA PROPOSTA DE DIÁLOGO ENTRE LITERATURA E DIREITO Mestranda: Alcione Salete Dal’AlbaPilger Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto Frederico Westphalen, agosto de 2016.

PRÁTICA LEITORA NO ENSINO SUPERIOR: UMA PROPOSTA DE ... · Mestrado em Letras: “Leitura, Linguagens e Ensino”, área de Literatura Comparada na URI – Universidade Regional

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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS

MISSÕES

CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LITERATURA COMPARADA

PRÁTICA LEITORA NO ENSINO SUPERIOR: UMA PROPOSTA DE

DIÁLOGO ENTRE LITERATURA E DIREITO

Mestranda: Alcione Salete Dal’AlbaPilger Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto

Frederico Westphalen, agosto de 2016.

Alcione Salete Dal’Alba Pilger

PRÁTICA LEITORA NO ENSINO SUPERIOR: UMA PROPOSTA DE

DIÁLOGO ENTRE LITERATURA E DIREITO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – Mestrado em Letras, área de concentração em Literatura Comparada, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto, como requisito final para conclusão do curso de Mestrado em Letras.

Frederico Westphalen, agosto de 2016.

UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS

MISSÕES

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES

CAMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN

MESTRADO EM LETRAS – ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LITERATURA

COMPARADA

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, Aprova a dissertação de mestrado

PRÁTICA LEITORA NO ENSINO SUPERIOR: UMA PROPOSTA DE

DIÁLOGO ENTRE LITERATURA E DIREITO

Elaborada por Alcione Salete Dal’Alba Pilger

COMISSÃO EXAMINADORA:

____________________________________________ Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto – URI

(Orientadora)

_____________________________________________ Profa. Dra. Luciane Figueiredo Pokulat – IFF

(1ᵃ arguidora)

____________________________________________ Profa. Dra. Luana Teixeira Porto – URI

(2ᵃ arguidora)

Frederico Westphalen, agosto de 2016.

À Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto, pela orientação

segura, pelo profissionalismo comprometido e ético, pelo

tratamento humano. Pela enorme sensibilidade em olhar-me e

compreender-me. A convivência com esta minha orientadora

proporcionou-me prazer e aprendizado, ajudando-me a ser melhor

e mais feliz!

À colega Simone Sanguebuche Bester, pela amizade que

nasceu durante o curso e se consolidou, pelas discussões de textos

e projetos de pesquisa, pela confiança, pela companhia

agradabilíssima nas viagens de ida e retorno a Frederico

Westphalen.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que permitiu a conclusão do Curso do Mestrado em Letras.

Agradeço aos meus filhos: Élen, Alan, Laura; ao marido, Elemar, pelo apoio incondicional, incentivo e compreensão nos momentos que deixei de estar no

convívio dos mesmos.

Um agradecimento especial a Deus: princípio, meio e fim, aos meus familiares em especial meus pais Zeni e Natal, que formaram as raízes da minha

maturidade, dedicação e pela alegria, por eu estar concluindo mais esta etapa. Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Ana Paulo Teixeira Porto, pois sem

a qual esta pesquisa não teria se concretizado desta forma, também pela compreensão, especialmente nos momentos em que mais precisei das

palavras duras e mágicas. A sabedoria dessa orientadora, o conhecimento e o jeito humano de tratar as pessoas muito me inspiram!

Agradecimento à Comissão Examinadora da Banca que me qualificou: Profa.

Dra. Ana Paula Teixeira Porto - URI, orientadora; Profa. Dr. Luciane Pokulat – IFF, primeira arguidora e Profa. Dra. Luana Teixeira Porto – URI, segunda arguidora, pela leitura, pelas magníficas contribuições para enriquecer esta dissertação e valiosas sugestões para redigir o terceiro capítulo, que assim

possibilitaram que o trabalho se tornasse melhor, mais fácil e prazeroso.

Carinho e gratidão ao PPGL, do Mestrado em Letras desta conceituada instituição de ensino, pelo aporte teórico, amizade, camaradagens em eventos. Em especial à Profa. Dra. Denise A Silva, por ter sido banca na entrevista de

ingresso ao Mestrado, pela acolhida na pensão que tivemos a oportunidade de dividir. Enfim, à Senhora Coordenadora Profa. Dra. Maria Thereza Veloso, por

desafiar-me a pensar numa proposta de relevância social.

Aos professores que ministraram Cursos Livres e Seminários, em especial Prof. Dr. Lizandro Carlos Calegari, pelo profissionalismo e contribuições

valiosíssimas em se tratando de literatura.

Um agradecimento especial aos professores que me inspiraram na abordagem da Literatura e Direito, habilidade (ampliação da) competência do leitor no

ensino superior: Profa. Dr. Luana Teixeira Porto e o Prof. Ms. Daniel Pulcherio Fensterseifer.

Às secretárias, em especial Vanderléia Skorek, pelos e-mails e ajuda necessária no Currículo Lattes e em todos os momentos em que precisei da

secretaria do Mestrado em Letras.

Aos colegas do mestrado, gratidão e compromisso de amizade, para todo o sempre!

Aos ex-colegas da Escola Estadual de Ensino Médio Santo Pazini – Braga – RS, agradeço pelo incentivo, valorização e por acreditarem no meu sonho.

Aos ex-alunos da Escola Santo Pazini, muitos deles hoje são profissionais do

Direito e Professores, por continuarem os laços de amizade, incentivarem-me a continuar os estudos, por dividirem conquistas, publicações de livros e artigos

com a “eterna professora”, segundo eles. Dentre tantos, registro a referência ao Procurador Federal (Valdez Farias) de origem humilde que oportunamente

retornou salientando do quanto a leitura da Literatura (A Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro Martins) influenciou-o e ajudou-o na vida e no exercício da

profissão, hoje luta em defesa do acesso à terra e dos direitos humanos para as minorias.

Aos amigos que respeitaram meu tempo, meu espaço, minhas ausências, enquanto dedicava-me à pesquisa, e por acreditarem que eu conseguiria

concluir este trabalho.

Ao Poder Judiciário da Comarca de Campo Novo, pela oportunidade de ser serventuária da justiça, pelas experiências adquiridas ao participar dos júris na

função de jurada, ocasiões especiais que me oportunizam muitas reflexões sobre o Direito e a função da Literatura.

À Gabrielle Mello, pelas traduções do resumo (abstract) e palavras-chave (Key-

words).

Ao pe. José, holandês de 86 anos, poliglota, pelas conversas aos sábados, durante o chimarrão “filosófico” e palavras cruzadas, pelas bênçãos, e palavras como: “Acredita em ti!”; “Tu és quem sabe mais sobre a pesquisa que realizou”.

Amém!

RESUMO

Esta pesquisa apresenta uma discussão teórico-crítica acerca das relações entre Literatura e Direito. Objetiva reconhecer os elos entre essas duas áreas do conhecimento e como este diálogo pode fortalecer a formação do leitor no ensino superior, com ênfase especial na graduação em Direito. Visa ainda, a partir dessas reflexões, a apresentar uma proposta de práticas mediadoras de leitura para a formação do leitor de Literatura no contexto do Ensino Superior e propor atividades de mediação de leitura que contribuam para formar leitores proficientes e críticos através de uma interface entre Literatura e Direito. Na metodologia é explorada a pesquisa bibliográfica relacionada a questões teóricas e críticas do presente trabalho, tendo textos de Todorov, Chartier, Candido, Failla, Rösing, Ourique, Zilberman, Santaella, Porto e Porto, entre outros e DCNs do curso de graduação em Direito, pareceres e leis referentes ao aborto e à Educação das Relações Étnico-Raciais como referência. Essa metodologia dá suporte para elaboração de proposições para mediação de leitura que inter-relaciona Direito e Literatura com foco nos leitores universitários, as quais seguem o roteiro de proposição didática de Daiane Samara Wildner Ott (2015), conforme explicitado no início do terceiro capítulo. São apresentadas as duas propostas de mediação de leitura a partir do roteiro mencionado. A primeira proposição é desenvolvida a partir da temática do aborto na perspectiva teórico-crítica no Direito e na Literatura. A segunda proposição apresenta um diálogo a partir da Literatura Indígena para o ensino da literatura e cultura indígena em sala de aula, em consonância com a Lei – Pareceres para a Educação das Relações Étnico-Raciais que determina a obrigatoriedade deste enfoque na formação de graduandos. Ao propor uma reflexão sobre leitura com base na seleção de elementos temáticos, por um lado, pensamos estar instigando uma leitura de caráter comparatista e interdisciplinar e, por outro, para responder questionamentos tais como: em que medida a literatura pode contribuir para uma melhor formação do profissional do Direito?

Palavras-chave: Formação do leitor; Formação humana; Literatura e Direito; Mediação de leitura.

ABSTRACT . This research presents a theoretical and critical discussion of the relationship between literature and law. Aims to recognize the links between these two areas of knowledge and how this dialogue can strengthen the reader's training in higher education, with special emphasis on law degree. It also aims from these reflections, propose a reading mediator practices for formation of Literature player in the context of higher education and propose reading mediation activities that contribute to form proficient and critical readers through an interface between Literature and Law, taking as a reference Law Course students readers from a community college of Rio Grande do Sul. In the methodology , is explored the literature related to theoretical questions and criticisms of this work, with texts from Todorov, Chartier, Candido, Failla, Rösing, Ourique, Zilberman, Santaella, Porto e Porto among other DCNs from Law graduation couse, opinioss and law as a reference. This methodology provides support for the preparation of proposals for mediation reading that interrelates Law and Literature focused on college readers, which follow the didactic proposition script from Daiane Samara WildnerOtt (2015), as explained at the beginning of the third chapter. Both reading mediation proposals are submitted from the mentioned script. The first proposition is developed from the abortion thematic in theoretical and critical perspective on law and literature. The second proposition presents a dialog from the Indigenous Literature for teaching literature and indigenous culture in the classroom, in line with the Lei – Pareceres for the Education of Racial-Ethnic Relations which establishes the requirement of this focus on undergrads education. In proposing a reflection based on the selection of thematic elements, on the one hand, we think we are instigating a comparative and interdisciplinary character reading and, on the other hand, to answer questions such as: to what extent literature can contribute to the formation of the reader, precisely students of law. Key-words: Reader Training; Human formation; Literature and Law; Reading mediation.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 8

FORMAÇÃO DO LEITOR ............................................................................. 16

1.1. Pressupostos teóricos da formação do leitor........................................... 16

1.2. O leitor do Ensino Superior..................................................................... 26

1.3. Mediação da leitura: o professor, o texto, o leitor................................... 29

LITERATURA E DIREITO ............................................................................ 36

2.1. Formação humana através da Literatura............................................... 36

2.2. Direito e a formação do homem............................................................. 47

2.3. Diálogo entre Literatura e Direito............................................................ 53

PROPOSTA DE MEDIAÇÃO DE LEITURA ................................................. 62

3.1. Primeira proposta: Aborto é direito ou crime? ........................................ 70

3.2. Segunda proposta: Educação Antirracista no Ensino Superior ............. 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 102

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 108

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INTRODUÇÃO

A leitura é importante na vida das pessoas, pois presume uma consciência

do mundo e ampliação de horizontes. No entanto, constatamos que tal prática

está em declínio na sociedade brasileira atual, levando-se em conta a situação

da leitura em nosso país apontada pela pesquisa realizada pelo Instituto Pró-

Livro em parceria com o Ibope Inteligência. Segundo dados da pesquisa descrita

no livro Retratos da Leitura no Brasil 3, organizado por Zoara Failla (2012), há

uma redução no número de leitores se comparado com o crescimento

populacional do país.

Essa constatação, somada às nossas observações enquanto professora

acerca da leitura entre jovens estudantes e à crença na importância da Literatura

no processo formativo de leitores, é um dos motivos que impulsiona a

delimitação desta pesquisa, que aborda a leitura, focalizando um traço particular:

a leitura de Literatura e o diálogo desta com o Direito. No rol da Literatura,

focalizamos as narrativas, especificamente contos. Nessa perspectiva, visamos

a discutir as relações entre Literatura e Direito, propondo práticas mediadoras de

leitura para a formação do leitor no contexto do Ensino Superior e como este

diálogo pode fortalecer esses elos.

Dessa forma, este trabalho apresenta uma proposta de mediação de leitura

de narrativas para o Ensino Superior, a partir de um enfoque que estabelece

diálogo entre Literatura e Direito e está centrado na linha de pesquisa do

Mestrado em Letras: “Leitura, Linguagens e Ensino”, área de Literatura

Comparada na URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das

Missões, de Frederico Westphalen – RS. Optamos por trabalhar nessa linha por

entendermos que esta pesquisa visa a contribuir para a formação do leitor e de

sua criticidade, despertando seu interesse pela leitura, o que se adéqua aos

interesses da linha de pesquisa do curso.

Nesta proposta de pesquisa, que se insere na área de Literatura

Comparada a partir de pressupostos de Tania Carvalhal e Sandra Nitrini,

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buscamos respostas para os seguintes problemas de pesquisa: Como incentivar

a leitura literária, formando leitores críticos, a partir de um enfoque que põe em

diálogo Literatura e Direito? Que propostas de mediação de leituras de narrativas

literárias podem ser implementadas no Ensino Superior com ênfase especial na

graduação em Direito de forma a contribuir na formação do leitor nessa etapa?

Essas questões constituem a problematização e nortearão o enfoque que se

pretende abordar no decorrer dos três capítulos que compõem esta dissertação

de mestrado.

Com o intuito de encontrar respostas para esses problemas de pesquisa,

a investigação tem os seus objetivos. Como objetivo geral, salientamos: Discutir

as relações entre Literatura e Direito, propondo práticas mediadoras de leitura

para a formação do leitor de Literatura no contexto do Ensino Superior. Quanto

aos objetivos específicos, destacam-se: Discutir a formação do leitor através da

mediação de leitura no Ensino Superior; Apresentar uma discussão teórico-

crítica das relações entre Literatura e Direito, a fim de reconhecer os elos entre

essas duas áreas do conhecimento e como este diálogo pode fortalecer a

formação do leitor; Propor atividades de mediação de leitura que contribuam para

formar leitores proficientes e críticos através de uma interface entre Literatura e

Direito, tendo-se como referência de leitores alunos do Curso de Direito de uma

universidade comunitária do Rio Grande do Sul.

Ao nos propormos ao alcance dessas metas, também apresentamos o

porquê dessas escolhas investigativas. Justificamos a importância desse estudo

por abordar práticas de leitura em diálogo entre Literatura e Direito,

oportunizando a reflexão acerca da leitura e da formação do leitor, o que nos

permite contemplar abordagens teórico-críticas de ensino da leitura no contexto

do Ensino Superior do século XXI. De acordo com informações trazidas pelas

pesquisas em Retratos do Brasil (2012), houve uma queda muito grande nos

índices de leitura, e a última pesquisa revela que a quantidade de pessoas que

se dizem leitores é de 88,2 milhões, ou seja, apenas 50% da população, sendo

7,4 milhões de leitores a menos da pesquisa anterior, em 2007. Segundo

informações constantes no livro:

[..]a amostra da pesquisa representou 93% da população brasileira (PNAD de 2009) ou 178 milhões; destes, 50% (88.2 milhões) declararam-se leitores. Em relação a 2007, constatamos uma redução

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de 7,4 milhões de leitores (eram 95,6 milhões ou 55% da população estudada). Este número quase coincide com a redução de 7,1 milhões de pessoas, na faixa de 5 a 17 anos, entre 2007 e 2011, passando de 29 % para 24% do total da amostra na 3ª edição da pesquisa. (FAILLA, 2012, p.29).

Essa situação apontada pelo levantamento nacional incita uma reflexão

crítica, quando levadas em conta a escolaridade dos informantes e a importância

que os brasileiros dão à leitura. Notamos que o percentual de leitores é maior

entre os brasileiros que estudam, e isso nos leva a pensar se esse fenômeno

também é recorrente no contexto da universidade a ser estudada e se os alunos

do curso de Direito são de fato leitores.

Conforme reflexão proposta por Antonio Candido (1995), a literatura

desenvolve a compreensão sobre si mesmo e seu semelhante, e essa premissa

nos conduz a eleger o texto literário como objeto principal de nossa proposta de

mediação de leitura. Dessa forma, pensamos que podemos nos habilitar para

uma leitura mais abrangente, a fim de aperfeiçoar nossas inter-relações

humanas, numa perspectiva interdisciplinar, numa interface entre Literatura e

Direito, no Curso de Direito, no contexto do Ensino Superior.

Ainda nessa perspectiva, com referência a Porto e Porto (2015, p. 94),

também concordamos com a ideia de que,

Quando pensamos em uma perspectiva intercultural e interdisciplinar para a formação de leitores (e não apenas de leitores de literatura) nos contextos escolares, precisamos levar em conta algumas considerações. A leitura de textos de natureza diversa deve ser priorizada nessa formação, pois, como preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (Brasil, 1997, 2000), ao aluno deve ser proporcionado o contato com gêneros diversos, orais e escritos, não apenas para exercício da leitura, mas também como forma de consolidar a prática da escrita. Ao tornar a leitura um objeto de aprendizagem, a escola deve estimular a aluno a perceber a natureza de cada gênero, sua complexidade e as relações que estabelece com outros.

Nesse contexto, a formação leitora consolida-se através da perspectiva

intercultural e interdisciplinar, o que significa interagir com textos, de acordo com

as linguagens inter-relacionadas, amparadas em suportes, inclusive midiáticos,

correlacionados às práticas sociais, tendência já apontada nos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCNs para a Educação Básica.

Desafiamo-nos a esta pesquisa, cotejando Direito e Literatura, tendo em

vista a contribuição que a Literatura, através da formação do leitor proficiente,

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poderá possibilitar aos estudos jurídicos ou do Direito no que tange ao uso de

recursos de estratégias textuais argumentativas. A Literatura ajuda o leitor a

desenvolver as habilidades interpretativas, possibilita manusear a linguagem,

dar sentido ao que se quer pronunciar, apresenta grandes contribuições para o

mundo jurídico no sentido de oportunizar o resgate do contexto histórico e dos

conflitos sociais inerentes a esse contexto. Tais fatores justificam a escolha das

discussões atreladas ao Direito e à literatura, uma vez que

O estudo interdisciplinar entre o Direito e Literatura denominado Law and Literatur já apresenta pesquisas consolidadas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. No Brasil, a pesquisa nesta área encontra-se ainda em fase embrionária, mas apresenta resultados significativos. (GODOY, 2008, p.24).

Considerando esse contexto, este trabalho propõe uma pesquisa que se

insere na área de Literatura Comparada. Diante disso, pensamos no estudo de

práticas leitoras numa interface entre Literatura e Direito, segundo a perspectiva

de comparatismo de Henry Remak (1994)1. Segundo ele, é indispensável que,

na literatura comparada, relacionem-se obras de diferentes países e que se

relacione a literatura com as diferentes áreas do conhecimento:

A literatura comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país específico e o estudo das relações entre, por um lado, a literatura, e, por outro, diferentes áreas do conhecimento e da crença, tais como as artes [...] a filosofia, a história, as ciências sociais [...] as ciências, a

religião, etc. (REMAK, 1994, p.175).

Dado o exposto, ao propormos práticas de mediação de leitura por meio

da leitura da obra literária atrelada a questões importantes do Direito,

entendemos que o desafio da pesquisadora é propor ações efetivas na mediação

de leitura para cativar leitores que leiam e compreendam o que leem, além de

uma leitura crítica que desperta diferentes visões de mundo e permite criar novos

1Henry H. H. Remak, (1916 – 2009). Ele era um professor de alemão, Literatura Comparada e Estudos Europeus West, vice-reitor e decano da Faculdades (1969-1974) e Diretor do Instituto de Estudos Avançados (1988-94) na Universidade de Indiana. http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=33834877.

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conhecimentos, argumentos da literatura, enquanto arte, o que possibilita

fantasias e desenvolve a imaginação.

Quando pensamos das relações entre leitura, Literatura e Direito, logo as

narrativas chamam-nos atenção e direcionam nosso olhar nessa pesquisa. Ao

lermos uma narrativa de ficção, por exemplo, ficamos imersos num outro cenário

diverso, numa outra sociedade, vivenciamos experiências e nos colocamos

numa vida que não é a nossa. Então, oportuniza-nos a capacidade de nos

entendermos e essa experiência cultural é única.

Essa prática e ou vivência da Literatura é mais profunda que o simples

hábito de ler. Ela permite que o leitor ultrapasse todos os seus limites e viva a

experiência de liberdade. (FAILLA, 2012). Esses dados nos conduzem a pensar

se a Literatura e as narrativas literárias têm sido objeto de atenção de nossos

alunos e se elas podem de fato serem inseridas em um processo formativo de

leitores na educação superior. Isso conduz então a justificar o recorte desta

pesquisa.

Consoante ao que salienta Failla (2015), a escola e a universidade têm

um papel fundamental e cabe a elas despertar o gosto pela leitura.

Reconhecemos que isso não é tarefa fácil, porque depende da compreensão

leitora, do gosto, do interesse pela leitura, do hábito que depende da prática e

da frequência de leitura e, principalmente, pela possibilidade de acesso ao texto

e pela exploração adequada de processos mediadores de leitura. Esse contexto

incita-nos ao desafio de discutir e apresentar práticas mediadoras de leitura no

Curso de Direito do Ensino Superior.

Esta proposta é relevante considerando que voltamos a um ponto crucial:

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996). Segundo essa

normativa, a formação cultural no Ensino Básico e Ensino Superior é explicitada

como uma das metas e pode ser viabilizada através de estratégias múltiplas que

incluam formas de acesso às manifestações culturais de diferentes gêneros,

bem como metodologias de ensino que focalizem a aprendizagem produzida

sobre diferentes áreas do conhecimento em contextos diversos. Isso então está

articulado ao que visamos a apresentar. Além disso, compartilhamos as

proposições de Porto e Porto (2015, p. 90) ao destacarem que:

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Nesse contexto de formação cultural, entendemos que o desenvolvimento da habilidade de leitura é fundamental para a ampliação de horizontes formativos de sujeitos e para a compreensão do mundo de que fazem parte, o que pode acarretar uma emancipação pessoal e condições de intervenção social e ampliação de defesa de si.

A opção de leitura que inter-relaciona as duas áreas do conhecimento está

alicerçada também pela nossa experiência em júris, mediante convocação prévia

para atuar como jurada, na instalação dos júris da Comarca de Campo Novo –

RS. Isso nos levou a pensar na importância de ampliar as reflexões, pois, ao

estabelecer interfaces entre Literatura e Direito, é possível identificar importantes

contribuições que a Literatura proporciona aos profissionais do Direito através

da sua concepção humanista, seja no auxílio da interpretação dos fatos, seja de

forma mais eficaz na aplicação de um Direito mais justo.

Por fim, o desenvolvimento desta pesquisa apresenta relevância social,

já que pode despertar a sensibilidade do leitor universitário para sua qualificação

e uma formação mais humana, porque entendemos a prática da leitura como

parte fundamental da constituição e da vivência de uma cidadania plena do

indivíduo. Pela capacidade transformadora, humanizadora e de transmissão de

conhecimento, a Literatura é vista com uma função social. Por isso, a pesquisa

tem relevância social.

O desenvolvimento deste estudo ampara-se em pesquisa bibliográfica,

necessária para a discussão teórico-crítica das relações entre Literatura e Direito

para propor práticas mediadoras de leitura para a formação do leitor do Ensino

Superior. Neste sentido, para a construção do referencial teórico desta pesquisa

autores como Carvalhal, Nitrini, Remak, serão citados como referência para o

estudo de práticas de leitura comparatista. Candido será mencionado para

prática humanista de formação do leitor de Literatura. E outros como Chartier,

Failla, Rösing, juntamente com as DCNS – Diretrizes Curriculares Nacionais do

Direito, PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa, ajudarão

a entender a temática, reconhecer os elos para através das duas áreas do

conhecimento distintas, apresentar proposição de leitura para estudantes do

Curso do Direito do Ensino Superior e discutir como este diálogo pode fortalecer

a formação do leitor.

Para expor as reflexões construídas nesta pesquisa, este trabalho aborda,

em seu primeiro capítulo, a Literatura na formação do leitor, levando-se em conta

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a concepção de leitor e leitura de Literatura, e, a partir dela, procurar-se-á refletir

criticamente acerca da relação entre ambos. Traz uma referência à importância

da leitura de Literatura e ampliação das habilidades do leitor do Ensino Superior,

através de mediação de leitura que envolva este tripé: o professor, o texto, o

leitor. 2

No segundo capítulo, explanamos acerca de um diálogo entre Literatura

e Direito e a formação do homem. Nessa perspectiva que põe o diálogo

interdisciplinar como fator para o desenvolvimento da habilidade de leitura.

Motivamo-nos a esse encontro intertextual entre Literatura e Direito,

respectivamente nos professores de Literatura e Direito da Instituição: Profa.

Dra. Luana Teixeira Porto e no Prof. Ms. Daniel Pulcherio Fensterseifer, pela

abordagem em conferência por ocasião do evento Novos Olhares de 2015.

Também no movimento que surgiu no meio jurídico universitário norte-

americano assumindo a forma Law and Literatur Movient, cuja fundamentação

teórica encontra-se em construção, desde a segunda metade do século XX que

se expandiu no sentido de promover o Direito como disciplina das Humanidades,

reaça ao Positivismo dominante na jurisprudência até a década de 60.

Neste capítulo da pesquisa, abordaremos reflexões sobre a formação

humana através da Literatura. Destarte, embasam o nosso estudo autores como

Todorov, Antonio Candido, Zilberman, Malard e Bordini, Ourique, Porto e Porto,

dentre outros, e objetivamos responder a estas perguntas relacionadas à

Literatura: Qual a potencialidade da Literatura? Qual a função dela? Para que

ela serve? Que formação ela proporciona?

Objetivamos discorrer sobre o Direito e a formação do homem, momento

em que o Direito passa a ser objeto de análise desta pesquisa. O Direito que

iremos tratar é o “dos juristas” - aqueles que se dedicam ao estudo do Direito,

momento em que o Direito passa a ser objeto de análise desta pesquisa. Ainda

pretendemos mostrar que a Literatura, especialmente a de narrativas, pode

fecundar elos de reflexão com questões fundamentais da formação do leitor e do

profissional de Direito.

2Quando pensamos na leitura da literatura no Ensino Superior, entendemos que há um processo de ampliação de competências e habilidades de leitura porque a formação do leitor se dá na Educação Básica. Na graduação cabe o desenvolvimento dessas habilidades de leitura.

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Em seu terceiro capítulo, as proposições didáticas são o ponto central.

Elas visam a incluir textos literários e não-literários sobre temáticas específicas

que permitam um diálogo entre Literatura e Direito com vistas a qualificar os

leitores do ensino superior. Ressaltamos que a primeira proposição: Aborto é

direito ou crime? Explora essa temática do aborto na perspectiva teórico-crítica

no Direito e na Literatura que é relevante para a formação do leitor de Direito,

pois aparece na Literatura e poderá contribuir para a reflexão dos problemas e

humanização do graduando.

A segunda proposta: Educação Antirracista no Ensino Superior aborda

o ensino da Literatura e cultura indígena em sala de aula, em consonância com

a Lei que determina a obrigatoriedade deste enfoque na formação de

graduandos. Em outros termos, pensamos no diálogo entre Literatura Indígena

na perspectiva teórico-crítica no Direito e na Literatura.

Essa temática que inter-relaciona Literatura e Direito a partir da leitura

da Literatura Indígena de um conto contextualizada à Legislação Brasileira

apresenta relevância social, por proporcionar o debate acerca da Literatura

brasileira contemporânea e os direitos humanos, importante para a formação do

leitor crítico do Ensino Superior, Curso do Direito e por ser uma determinação da

Lei 11.645 de 2008 que trata do ensino da história e da cultura indígena no

currículo oficial das escolas brasileiras. Além das questões atinentes a minorias

culturais, sociais e econômicas que motivam esta proposta.

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1 FORMAÇÃO DO LEITOR

1.1 Pressupostos teóricos da formação do leitor

Ao começarmos a discussão sobre a formação do leitor, entendemos

que devemos partir da concepção do que é leitor. Segundo o Dicionário

Houaiss (2011, p. 451), o verbete “leitor” apresenta duas acepções. A primeira

refere-se a “que(m) lê para si mesmo, mentalmente, ou para alguém, em voz

alta”. Nessa perspectiva, o termo está atrelado às formas de praticar a habilidade

leitora seja através da leitura silenciosa ou da leitura em voz alta para alguém

ouvir. O segundo significado atribuído é “que(m) tem o hábito de ler”, o que

podemos concluir que é uma referência a um leitor que fixou este hábito e

transformou o ato de ler numa experiência contínua.

Essas duas concepções iniciais de leitor indicam que o modo que a

leitura é realizada depende da situação e da circunstância em que o leitor

necessita da leitura. Podemos citar que alguns leitores preferem ler em voz alta

para si mesmos como um método por, por exemplo, julgarem mais fácil para

memorizar; já algumas pessoas leem sussurrando, e isso é uma questão de

costume. Dessa forma, concluímos que o método que o leitor utiliza em suas

leituras é independente e que o importante é que consiga usufruir bem do texto

que está lendo. As aptidões de leitura são adquiridas por diversos meios e ser

leitor é possuir a característica daquele que pratica a ação de ler e/ou ainda

aquele que lê porque tem por hábito ser um leitor.

Já no Novíssimo Aulete dicionário contemporâneo da língua

portuguesa (2011, p.489), leitor aparece com onze concepções. Por isso,

julgamos pertinente expô-las aqui, considerando que abordam os mais diversos

perfis de leitores, de acordo com os costumes e circunstâncias. Assim, leitor é

definida pelo Aulete (2011):

17

1 Que lê; LEDOR s.m. 2 Pessoa que lê; LEDOR 3 Pessoa que lê textos escritos para outrem, em voz alta, ou para si, mentalmente 4 A Pessoa que tem o costume de ler determinado autor, periódico ou gênero de literatura (leitor de Machado de Assis, leitor de biografias) 5 Pessoa que utiliza os serviços de uma biblioteca, arquivo ou serviço de documentação 6 Pessoa que sabe ler sinais convencionais de notação musical 7 Professor encarregado de lecionar numa universidade estrangeira a língua e a literatura de seu país 8 Tec. Dispositivo eletrônico capaz de ler; decodificar e reproduzir som, imagem ou dados armazenados num suporte (leitor de CD) 9 Cin. Edit. Teat. Telv. Pessoa incumbida de ler e dar parecer sobre os originais enviados pelos autores 10 Ecles. Aquele que recebeu o segundo grau na hierarquia das ordens menores da Igreja católica e que lê os textos sagrados durante a missa 11 Ecles. Clérigo encarregado da leitura de textos durante as refeições nos conventos, seminários etc. [F.: Do lat. lector. oris]

Como vemos, os modos e hábitos de leitura variam de acordo com o perfil

do leitor e da circunstância. Tornar-se leitor é um permanente e imenso desafio,

pois o leitor fica exposto à comunicação oferecida pelo texto. Nas acepções

acima arroladas, constatamos desde o leitor solitário, grandes leitores, leitores

de ocasião, leitores que buscam informações, divertimento e o leitor profissional,

e para este ler é um gesto de trabalho. O leitor tradutor de uma língua estrangeira

empenha-se em traduzir, em transformar o significado num outro texto

equivalente. Leitor também é a pessoa que tem a função de entender e

interpretar a história.

Mas a acepção de leitor também está atrelada ao leitor de CD, o qual já

foi bastante utilizado (e ainda é) como ferramenta de comunicação e

armazenamento de informações. Ainda o leitor pode ser aquele que lê porque

recebeu como ofício, também aquele que lê eventualmente. No conjunto dessas

definições, há em comum a ideia de leitor é que(m) decifra ou compreende algo,

seja como um hábito ou não.

Recorrendo a autores que se propõem a definir o que é um leitor,

salientamos que, para Barthes (1977), “o leitor pode ser comparado a uma

aranha: à medida que tece sua teia, segrega a substância com a qual a fabrica,

ou seja, ele projeta sobre o texto todo seu conhecimento de mundo. “Nesse

sentido, Barthes interpreta que o leitor lê com base em experiências que já

vivenciou, estando diretamente relacionadas com sua forma de ver o mundo.

Ainda vê a leitura como construção de subjetividades, que envolve direitos de ler

ou não ler, escolhas, preferências relacionadas à leitura.

18

Em perspectiva similar, no prefácio do livro Práticas de leitura (2009. p.

20), Chartier (2011) explica que cada leitor dá um sentido mais ou menos

singular, mais ou menos partilhado aos textos de que se apropria, a partir de

suas próprias referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais.

Reiteramos a ideia: “[...] cada leitor, a partir de seus próprios referenciais,

individuais ou sociais, histórias ou existências dá um sentido mais ou menos

singular, mais ou menos partilhado, aos textos que se apropria”. Desse modo,

compreender o leitor como um receptor ativo, capaz de dar um novo sentido e

de compreender de forma única e própria o que diz o autor, é importante.

Reconhecendo que o leitor é aquele que interage com o objeto lido,

levando em conta suas experiências e, por isso, construindo uma leitura singular.

E essa leitura pode suscitar uma importância ímpar do leitor, a qual pode ser até

mais significativa daquela do autor. Para Barthes, “a unidade do texto não está

em sua origem, mas no seu destino. (...) o nascimento do leitor deve pagar-se

com a morte do Autor” (BARTHES, 1988. p.70). Está proclamando um

“nascimento do leitor” à custa da morte do autor. Por isso, defende os direitos do

leitor em detrimento da importância dada ao autor ao longo dos séculos. Ainda

nessa perspectiva cabe nos perguntarmos se todos os leitores são iguais. Logo,

a partir das contribuições de diversos autores, entendemos que há vários

leitores, ou melhor, vários tipos de leitor.

Acerca dos tipos de leitores, Santaella (2004), em pesquisa realizada e

transformada em livro, objetivando compreender o novo tipo de leitor que

emergiu com as redes de comunicações, sistematiza a multiplicidade de leitores.

Ela os define primeiramente em três grandes tipos: o leitor contemplativo, o leitor

movente e o leitor imerso. Posteriormente, surgiu o leitor ubíquo. Vejamos esses

quatro tipos em detalhes.

Segundo a pesquisadora, o perfil cognitivo do leitor contemplativo

pressupõe a prática da leitura individual, solitária e silenciosa, num espaço

retirado e privado. É o leitor meditativo da idade pré-industrial, da era do livro

impresso e da imagem expositiva, fixa. Esse leitor nasceu no Renascimento e

perdurou até meados do século XIX.

O segundo tipo de leitor é fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas

ágil, é o leitor treinado, leitor apressado de linguagens efêmeras, híbridas,

misturadas. Ele gerou a linguagem híbrida do jornal, é filho da revolução

19

industrial e do aparecimento dos grandes centros urbanos: o homem na

multidão. É, portanto, o leitor do mundo em movimento, dinâmico, das linguagens

de que as metrópoles são feitas.

O terceiro tipo de leitor é aquele que brotou nos novos espaços das

redes computadorizadas de informação e comunicação, é um leitor imersivo

porque navega em telas e programas de leituras, num universo de signos ao

interagir com os nós que transitam entre textos, imagens, documentação,

músicas, vídeos, dentre outros.

O último tipo de leitor foi batizado de leitor ubíquo. É o que transita pelas

redes sociais, é produtor e consumidor de textos multimídia, denominação pela

presença nas culturas digitais.

Estes tipos de leitores - contemplativo, movente e imersivo que Santaella

(2004) estabeleceu - chamam a atenção para o fato de que o surgimento de um

tipo de leitor não leva o anterior ao desaparecimento. Não é difícil perceber que,

sem nenhuma dúvida, os três tipos de leitores coexistem, complementam-se e

se completam. Entretanto, nos últimos dez anos do século XXI, surgiu o leitor

ubíquo com um novo perfil cognitivo devido à evolução da internet, das redes

sociais e as transformações da cultura digital.

Esse processo de tipificação de leitores serve para entendermos melhor

como os leitores se posicionam frente aos objetos de leitura, mas é preciso

avançar numa questão-chave: a relação direta que o leitor estabelece com o

texto, o que pode definir o que seja um bom leitor. Quais são, então, as

características do bom leitor? O bom leitor cria muitas possibilidades de leitura e

de interação com o texto. No entanto, uma leitura válida deve ser autorizada pelo

texto, fundamentada por indicadores que permitam uma ou mais interpretações.

Compartilhando com a perspectiva de Porto (2010. p. 11), salientamos que

Um bom leitor cria possibilidades mais amplas de integração e ação social; Um bom leitor é aquele que capta o explícito e o implícito, as “entrelinhas” subjacentes ao texto, as intenções do autor; É aquele que constrói uma leitura crítica do mundo; É ainda aquele que aprecia a potencialidade da língua concretizada no texto e avalia o que se diz e como as coisas são ditas; Um bom leitor incorpora à leitura os seus conhecimentos prévios e as suas experiências de vida para atingir o significado do texto.

20

Essas características apontam que o leitor com bom nível cria a interação

social, deve compreender os implícitos e explícitos referentes às intenções do

autor, deve ter a capacidade de avaliar o que é dito e como é dito, deve

incorporar suas experiências para entender o significado do texto.

Um bom leitor pode ser sinônimo de leitor competente. Este, para os

PCNs (2001, p. 54, está atrelado àquele que seleciona dentre os textos que

circulam socialmente, aqueles que ao serem abordados atendem suas

necessidades:

Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os textos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua, que consegue utilizar estratégias de leitura adequadas para abordá-los de forma a atender essa necessidade.

Acerca da formação do leitor competente, os PCNs (2001, p. 54)

sublinham que: “Formar um leitor competente supõe formar alguém que

compreende o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito”.

Esse leitor, além de interagir com o texto, identifica os elementos explícitos no

texto, ou seja, ao ler nas entrelinhas, extrai significados de elementos que não

estão explícitos no texto, trata-se de um leitor qualificado e consciente de seu

papel na sociedade.

Rösing (2010, p.1) fala da sua experiência pessoal e profissional

dedicada à formação de leitores em entrevista em blog e aponta um dado

significativo do bom leitor: relacionar o que lê ao imaginário:

Assim, como leitora que sou desde a primeira infância, onde ouvi os primeiros contos emergentes de histórias bíblicas contadas por minha mãe Mercedes, o que certamente ampliou meu imaginário, minha sensibilidade, tenho dedicado minha vida profissional e pessoal à formação de leitores, o que se constitui num grande objetivo e numa perspectiva de vocação num país que se constitui de dois Brasis: um que lê e outro que não lê. O maior problema enfrentado no Brasil é o fato de grande número de professores, de bibliotecários, de pais não serem leitores. Você só pode estimular a leitura se você é um leitor.

Ainda nessa perspectiva, ela salienta que só quem é leitor poderá formar

leitores e sugere que, para superar os problemas enfrentados nos Brasis de leitor

e não-leitor, é imprescindível investir em formações continuadas para

professores e para bibliotecários com objetivo de ampliar sua cultura, seu

21

conhecimento, sua sensibilidade. Os pais também têm de comprometerem-se

com a educação sintonizada com a cultura no desenvolvimento dos filhos. Para

tanto, é necessário, para haver alunos leitores, que sejam incentivados pelos

pais, professores, escola, todos que estejam envolvidos no contexto formativo e

educacional (formal e informal) e ainda que possuam interesse nos textos,

incluindo os literários e não literários.

A formação de leitores requer a formação de bons professores. Nesse

sentido, consideramos oportuno discutir a formação de professores articulada à

formação de leitores. No contexto do século XXI, Porto e Porto (2014. p.1)

alertam para um dado preocupante: a carência de leitores competentes no Brasil:

Dados de avaliações nacionais e internacionais, como os do PISA e do ENEM, têm mostrado uma carência na formação de leitores competentes no Brasil. Entendendo-se que a formação de leitores na escola requer a formação de bons professores, de todas as áreas, considera-se que é necessário discutir a formação de professores em articulação a discussões sobre formação de leitores especialmente num contexto, como o do século XXI, em que ler é condição indispensável para a escolarização, o exercício da cidadania e a inclusão social. Nessa perspectiva, ressalta-se ainda que a formação de leitores proficientes demanda esforço governamental, político e social para que a habilidade de ler textos e suas múltiplas linguagens seja desenvolvida não só no ambiente escolar, mas também no contexto familiar e social.

Esses dados de avaliações nacionais e internacionais, como os do

ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e do PISA (Programa Internacional

de Avaliação de Alunos), mostram uma carência na formação de leitores

proficientes no Brasil. Para as autoras a formação de leitores competentes

demanda esforço “governamental, político e social” para que a habilidade de ler

textos seja desenvolvida no ambiente escolar e no contexto familiar e social.

Diante dessas dificuldades, precisamos de um novo olhar para a formação de

professores, que deve estar aliada à formação de leitores no Brasil.

Ainda sobre a questão de leitores, Ginzburg (2012, p. 214) aponta que,

“Na escola, nos cursinhos, e em seus recursos didáticos, não há a valorização

de habilidades intelectuais voltadas para a atribuição de relevância para a

leitura”. Isso ocorre em função da emergência do processo competitivo, segundo

ele. O ideal seria um ensino qualificado tanto em escolas quanto em

22

universidades, voltado às mudanças sociais e transformações sociais e de

formação intelectual. Entretanto:

A estrutura em vigor hoje, pautada pela leitura instrumental, pelas pastas de xerox, pelo conhecimento reprodutivo, por clichês, falta de entusiasmo, trabalhos acadêmicos comprados e copiados, é uma constituição fantasmagórica. Ensino de literatura é, ou deveria ser, um espaço de debate vivo de ideias. Se o aluno não está ali para debater, quem está ali é um personagem fantasmático. Se o professor não está ali para debater, também é um personagem fantasmático na cena. Se o livro não está, não foi lido, não está inteiro, nem chegou perto, a cena da sala de aula é o seu funeral. (GINZBURG, 2012, p. 214).

Cabe à escola especialmente o papel de formar o aluno enquanto leitor.

No entanto, essa formação fica difícil quando falta material didático adequado,

de qualidade e que estimule a prática: “modelos de leitura estabelecidos há mais

de três décadas pela historiografia literária” (GINZBURG, 2012, p. 212) atestam

a ineficiência desse processo. O autor estudou o ensino de literatura em nossos

dias e defende a ideia de um ensino com qualidade voltado à leitura e reflexão

crítica dos textos.

Nessa perspectiva, à escola é delegada a função de formar um leitor

competente, proficiente, conforme conclusão também ratificada por Zilberman

(1991):

[...] o exercício dessa função [...] é delegado à escola, cuja competência precisa tornar-se mais abrangente, ultrapassando a tarefa usual de transmissão de um saber socialmente reconhecido e herdado do passado. Eis porque se amalgamam os problemas relativos à educação, introdução à leitura, com sua consequente valorização, e ensino da literatura, concentrando-se todos na escola, local de formação do público leitor. (ZILBERMAN, 1991, p.16).

Ainda quanto ao papel dos professores e da escola na formação de

leitores, Porto e Porto (2014, p.1) defendem que essa formação deve estar

alicerçada nos seguintes pressupostos:

23

a formação de leitores não é uma ação exclusiva de professores de língua ou literatura, mas uma atribuição de todos os docentes que devem ampliar as práticas e possibilidades de leitura que os discentes trazem de seus respectivos contextos; b) o gosto e a habilidade de leitura do professor, assim como a formação desse profissional, são indicadores fundamentais para que práticas de leitura sejam desenvolvidas adequadamente no decorrer da formação discente; c) a formação de leitores está atrelada à habilidade de leitura de qualquer texto, independentemente de sua natureza, linguagem ou gênero, com vistas à identificação de diálogos e convergências entre estrutura e linguagem(ns) que materializam sua constituição.

Essas prerrogativas possibilitam apresentar e debater iniciativas,

projetos, estudos sobre a formação de leitores e a formação de professores,

tendo como contexto de investigação o âmbito escolar e o universitário.

Portanto, podemos concluir que, sem professores leitores que saibam apreciar

a qualidade estética e estabelecer relações entre textos (literários ou não), não

há como formar alunos leitores. Além do mais, a leitura precisa ser

compreendida, dada a sua importância, para a formação humana e cultural e

ainda para tornar-se um hábito diário dos alunos.

Parece-nos que referente ao contexto formativo docente, as faculdades

e universidades ainda têm muitos desafios, incluindo os de formar professores

com qualidade e atenção ao contexto real e o de pensar e elaborar estratégias

e recursos didáticos condizentes com as demandas atuais de leitura e com o

perfil de alunos e universitários que recebem.

Ainda nessa perspectiva, observamos a necessidade de os professores

serem orientados e de que novos cursos sobre mediação de leitura sejam

proporcionados pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura e ou pelas

mantenedoras das escolas. É compromisso do governo por intermédio dos

programas ou mesmo pelo Ministério da Cultura viabilizar materiais didáticos e

realizar programas de formação de professores mediadores de leitura.

Além disso, é preciso pensar na leitura de livros e na leitura de literatura

como prioridade nessa formação de leitores. Aguiar e Bordini(1993) esclarecem

que “o livro é o documento que conserva a expressão do conteúdo de

consciência humana individual e social de modo cumulativo”. (AGUIAR;

BORDINI, 1993, p. 09). Desse modo, a leitura é defendida como função social,

na qual o sujeito é capaz de compreender o seu papel, ampliar o conhecimento

humano, construir a sua história e manifesta-se numa troca de experiências. Por

24

isso, a leitura é fundamental aporte de socialização humana, pois através do

livro, forma-se um diálogo, uma comunicação entre o livro e o leitor: “No diálogo

que então se estabelece o sujeito obriga-se a descobrir sentidos e tomar

posições, o que o abre para o outro”. (AGUIAR; BORDINI, 1993, p.10).

Nesse processo de leitura, é preciso considerar ainda que há dimensões

de leitura, conforme destaca Arnaldo Franco Junior, em seu ensaio “Dimensões

de leitura e ensino de literatura”, publicado em 2015. Nesse texto, o autor

menciona que o ato de leitura é um fenômeno complexo constituído por distintas

dimensões que se manifestam simultaneamente, embora independentes e

separa o processo de leitura nestas dimensões: decodificação, associação,

análise e interpretação. Detalhamos cada uma delas presentes no ato de leitura.

Na primeira dimensão - decodificação, a preocupação do leitor está

restrita à identificação objetiva, concreta e precisa da materialidade e do sentido

primeiro do texto, isto é, do que diz o texto. Na dimensão por associação, o

pensamento por analogia constitui a fonte principal do leitor, pois o texto lido é

associado com o que o texto faz lembrar. A terceira dimensão por análise

objetiva identifica como o texto diz o que diz, para tanto os conceitos

(instrumental teórico-crítico) são importantes para a investigação de elementos

constitutivos do texto e na interação texto-leitor para produzir sentido.

As três dimensões anteriores concorrem para que nesta última -

interpretação, a leitura crítica realize-se plenamente, que o leitor produza um

posicionamento crítico sobre aquilo que leu, daí a importância do ato da leitura

e das experiências de vida, dos saberes, ou seja, do repertório do leitor. Essas

dimensões da leitura são imprescindíveis na leitura de um livro e devem ser

exploradas na formação do leitor.

Mas para que a leitura possa assim ser explorada, ainda é necessário

que ela seja vista como um objeto de aprendizagem, ou seja, algo que precisa

ser ensinado aos alunos. Segundo os PCNs (BRASIL, 2001, p. 54) a leitura é

uma prática social complexa e, para que se torne objeto de ensino nas escolas,

é preciso que:

25

A leitura tem sido objeto de ensino nas escolas e para que se torne em objeto de aprendizagem é preciso que a mesma faça sentido para o aluno, acrescenta ainda que: como se trata de uma prática social complexa, se a escola pretende converter a leitura em objeto de aprendizagem deve preservar sua natureza e complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com a diversidade de textos e de combinação entre eles. Significa trabalhar com a diversidade de objetivos e modalidades que caracteriza a leitura, ou seja, os diferentes ‘para quês’...”.

Então, para que a leitura se torne um objeto de aprendizagem ela precisa

fazer sentido para o aluno. Assim, o professor ao abordara diversidade dos

gêneros literários deve atentar-se para os elementos que influenciam o cotidiano

dos educandos.

Quando pensamos na leitura literária, as considerações acima arroladas

também são adequadas. No entanto, outros pontos devem ser considerados na

formação do leitor de literatura, haja vista o contexto brasileiro que traz diversos

problemas na abordagem da literatura. Jaime Ginzburg aponta um deles: “é a

apatia: aulas de literatura em que ninguém, nem professor, nem estudantes, está

interessado por ela” (2012, p. 220).

Essa resistência, embora a leitura não seja objeto de prazer do aluno,

precisamos reconhecer que o ato de ler converge para o desenvolvimento da

criticidade e da personalidade dos estudantes. A atividade de leitura não deve

restringir-se a informações superficiais do texto. Ela deve ser vista como uma

atividade reflexiva com possibilidade de elaborar experiência de vida,

desenvolver uma racionalidade e concepção do mundo, com vistas à sua

compreensão a partir do cotejo entre diferentes textos e áreas do saber.

Umberto Eco (2013) acerca da leitura literária também pontua que

[...] a leitura literária nos obriga a um exercício de fidelidade e de respeito Na liberdade de interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica na liberdade de interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica de nossos dias, para a qual de uma obra literária pode-se o que se queira, nelas lendo aquilo que nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem. Não é verdade. As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação, pois propõe um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da linguagem da vida. Mas para poder seguir neste jogo, no qual cada geração lê obras literárias de modo diverso é preciso ser movido por um profundo respeito para com aquela que eu chamei de intenção do texto. (ECO, 2003, p.12)

Desse modo, é de fundamental importância ensinar ao aluno a ler

literatura, pois o texto literário pode contribuir significativamente na formação do

26

sujeito, no entanto, é preciso atentar para a metodologia utilizada nessa atividade

reflexiva. Esse exercício da leitura do texto literário em sala poderia conferir um

sentido educativo à leitura, capaz de elaborar experiência de vida e desenvolver

uma racionalidade e concepção de mundo.

Sem esgotar as possibilidades de discussão, esta seção pretendeu

abordar sobre os pressupostos teóricos da formação do leitor na perspectiva de

vários autores que embasam e dão sustentação à pesquisa sobre a formação do

leitor, incluindo o leitor de literatura. Na sequência, outro tópico merece

discussão: o leitor no Ensino Superior.

1.2 O leitor do Ensino Superior

Esta seção pretende discorrer sobre o leitor do Ensino Superior a partir

de alguns dados de pesquisas relacionados ao tema. Inicialmente abordaremos

a conceituação de leitor e posteriormente algumas considerações a respeito de

pesquisas realizadas no Brasil, bem como sobre as DCNs do Curso do Direito,

tendo em vista a possibilidade de inter-relação que aproxima as duas áreas do

saber, Literatura e Direito.

Compartilhando com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 3 que

conceitua leitor como “aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro

nos últimos 3 meses” e não-leitor como “aquele que não leu, nenhum livro nos

últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses (FAILLA, 2012,

p.254).Assim, quando observamos os percentuais de leitores e não leitores no

contexto brasileiro, mobilizamo-nos a pensar uma proposta de ação voltada a

ampliar as discussões no processo de formação acadêmica no ensino superior.

Ainda mais quando constatamos que: “Dados do INAF de 2007 mostram que um

em cada quatro brasileiros é analfabeto funcional”. (ARAUJO; FENSTERSEFER;

PORTO, 2015, p. 255): Ainda:

Dentre as lacunas desse processo formativo para a vida acadêmica do

aluno, é preciso destacar que o déficit em compreensão de textos e

dificuldades em realizar exercícios interpretativos que mobilizem o

diálogo entre autor, texto e leitor minimizam as chances de o estudante

ser capaz de produzir um significado para o que lê, posicionando-se de

forma crítica e ativa sobre o conteúdo dos textos a que tem acesso e

propondo uma articulação, sempre necessária, entre conteúdo textual

e vida social. Essa competência é imprescindível a qualquer formação

acadêmica e existem várias razões para isso. ARAUJO;

FENSTERSEFER; PORTO, 2015, p. 259-260):

27

Empiricamente observamos que o número de leitores potenciais no

Ensino Superior é mais elevado, comparando-se com o contexto da Educação

Básica. No entanto, há uma parcela destes estudantes que não são leitores

proficientes, ou seja, não estão preparados para realizar leituras teóricas e

críticas. Por isso, a universidade enquanto instituição formadora deve assumir o

compromisso com os acadêmicos de privilegiar a leitura e a formação do leitor.

Acerca do leitor do Ensino Superior, Rösing (1996, p.14) destaca:

Em geral, as declarações que tenho ouvido de professores que atuam no ensino superior, acerca, acerca do ato de ler, não revelam a existência do hábito de leitura: noto a existência de uma formalidade na relação entre esses profissionais e o livro enquanto objeto. Não percebo, por exemplo, no discurso do professor, manifestações reveladoras de um contato íntimo e rotineiro entre ele e o livro, pois o seu discurso não apresenta marcas que identifiquem esse contato. A leitura, na prática docente, é, por sua vez, orientada por pressuposições justapostas: num suposto ato de ler, o professor, provável leitor, estimula o aluno a ler, pressupondo que este já seja um leitor. Ocorre, uma leitura que não é leitura, e, sim, uma mera decodificação de sinais gráficos. Omite-se o mecanismo de ativação dos referenciais de cada interlocutor, das marcas contextuais, das relações intertextuais, entre outros aspectos.

Nesse contexto de nível de ensino, há a necessidade de o professor, em

sua prática docente, promover a interação entre autor-texto-leitor, considerando

de cada leitor as vivências, experiências, valores, as relações intertextuais,

crenças, conhecimento prévio do assunto, para aproximá-lo do texto escrito.

Esperamos que um graduado apresente certas habilidades de leitura,

por exemplo: que saiba ler o sentido, que confira a um objeto certa legibilidade,

que saiba atribuir significados a um sistema de signos, para compreender-se e

compreender o entorno, que leia com criatividade, motivação, desenvolvimento

e criticidade.

No entanto, quanto a essa etapa de escolarização, diversos estudos têm

demonstrado que estudantes universitários não apresentam o nível de leitura

esperado (CARELLI, 1996; OLIVEIRA, 1996; PELEGRINI, 1996). Desse modo,

a realização de pesquisas e estudos que busquem alternativas para o

diagnóstico e desenvolvimento dessa habilidade torna-se relevante.

28

Pesquisador da Universidade Católica de Brasília revela que entrevistou

800 universitários para chegar à conclusão de que mais de 50% dos

universitários são analfabetos funcionais. Ressaltamos que o analfabeto

funcional não é capaz de entender o que lê. O estudo avaliou quatro quesitos

como: tempo de dedicação, características sócio-culturais e formação. 3

Quanto a essa pesquisa, podemos dizer que o MEC – Ministério da

Educação e Cultura tem sua parcela de responsabilidade quando libera

instituições a emitirem diplomas de graduação sem o devido acompanhamento

e a devida fiscalização da qualidade do ensino ministrado. Por isso, seria

relevante que os envolvidos no processo de formação acadêmica no ensino

superior mobilizassem ações no sentido de que os acadêmicos durante a

formação devam ter competência para ler o mundo, considerando que a falta de

leitura poderá deixá-los à margem da sociedade, em função de encontrarem-se

afastados do letramento.

Através do desenvolvimento das habilidades e competências previstos

nas DCNs do Direito, da leitura dos textos literários como meio para o exercício

da cidadania e da intervenção social, é possível mudar este contexto brasileiro

em se tratando de leitores funcionais no ensino superior. Essa é uma das

motivações que constituem a razão principal das proposições desta dissertação,

como forma de contribuir para um debate reflexivo sobre o leitor universitário, ou

seja, leitura crítica e formação do leitor, com ênfase especial na graduação em

Direito.

No ensino universitário a leitura é primordial, pois dará suporte ao

estudante para sua formação e o seu desenvolvimento crítico, técnico e cultural,

embora muitos estudantes ingressam na universidade sem essa habilidade de

leitura. Por isso, o sucesso do estudante está atrelado à maturidade em leitura

que se diagnosticada apropriadamente pode ser melhorada, através do

planejamento de ações para a superação das limitações relacionadas às

dificuldades de leitura. Dado o exposto, passaremos a discorrer sobre a

Mediação da leitura: o professor, o texto, o leitor.

3Pode ser acessado em:http://g1.globo.com/distrito-federal/videos/v/pesquisador-conclui-que-mais-de-50-

dos-universitarios-sao-analfabetos-funcionais/2262537/

29

1.3 Mediação da leitura: o professor, o texto, o leitor

Acerca da mediação de leitura, o professor com sua devida mediação,

é responsável para incentivar seu aluno para que se torne um leitor em potencial.

Para entender a mediação de leitura, precisamos ter presente o personagem

mediador que exerce a função de aproximar o leitor do texto, além de ser o

intermediário de leitura, o facilitador desta relação que poderá levar o leitor a

infinitas descobertas. Por isso, o mediador encontra-se numa posição

privilegiada pela importância que tem na vida do leitor. Ele precisa estar

consciente da responsabilidade que tem por ser o intermediário que liga o leitor

da leitura e do livro. O mediador, nesse contexto, é o professor.

De acordo com Tania Rösing (2009, p.10), no livro Conversa com

escritores: leitura da arte & arte da leitura, cabe à universidade preparar

mediadores de leitura:

É função da universidade preparar mediadores de leitura – professores de sala de aula, professores responsáveis por bibliotecas, bibliotecários, agentes culturais – no sentido de que ampliem sua motivação pelo ato de ler e o seu entusiasmo pela difusão de notícias sobre importantes materiais de leitura plenos de inovação entre as pessoas com as quais convivem dentro e fora da escola.

Nesse sentido, promover movimentações culturais que objetivam

preparar mediadores de leitura, através da dinamização da leitura numa

perspectiva multimidial, estimulam professores e alunos para a leitura. Além

disso, a universidade cumpre com sua função na tarefa de mediação de leitura.

No livro Retratos de Leitura no Brasil 3 sobre a importância da mediação

do professor, encontramos:

A pesquisa pioneira de Grotta (2000), analisando as histórias de mediação de leitores autônomos, ilustra claramente essas relações apresentadas: todos os leitores tiveram em suas vidas a presença de mediadores que garantiram a aproximação efetiva entre eles e o ato de ler; entre esses mediadores destaca-se a figura do professor – às vezes um único professor em toda a vida escolar, mas com uma presença tão impactante na vida do sujeito que acaba por determinar uma relação autônoma e perene com a leitura.(FAILLA, 2012, p. 76)

30

Nesse sentido, a presença da figura do professor no processo de

mediação de leitura é determinante na vida do leitor. A relação que se estabelece

entre o sujeito e as práticas de leitura vai depender da história vivenciada, das

mediações de leitura feitas.

Ao professor cabe o papel de oferecer ao aluno um elenco de

alternativas literariamente válidas, para que o aluno escolha o livro que mais o

interessa. O professor estará atingindo os objetivos educacionais relacionados à

leitura e à literatura, que, no livro: Leitura em crise na escola: as alternativas do

professor (1984, p. 104), segundo Maria da Glória Bordini, são os cinco

seguintes:

_ estimular atividades sensibilizantes, preparatórias; _ desenvolver as capacidades de ler e escrever, como formas de apreensão do mundo; _ aproximar o texto da realidade psicológica e social do aluno, como meio de refinamento cognitivo e emocional, bem como socializador; _ valer-se da tradição literária para o conhecimento da herança, condição indispensável para a atuação inovadora e criadora do aluno em termos existenciais; _ apurar o senso crítico do jovem leitor em relação aos textos que consome, a fim de que estes lhe abram caminho para a avaliação da realidade e de si mesmo, e para adoção de opções existenciais com base em seu julgamento.

Com esses objetivos a mediação de leitura nas escolas torna-se exitosa,

pois se volta para a realidade e atende às necessidades dos alunos. Por isso,

cabe ao professor nortear, adaptar, incentivar, mostrar as sutilezas dos textos

escritos e entrelinhas do texto, enriquecer suas práticas, investindo em formação

continuada e profissional como leitor. Para tanto, não basta que apenas leia, mas

que leia com competência, autonomia, visando sempre à promoção da leitura e

da literatura e um ensino não alienante.

O papel do professor é oferecer ao discente uma formação que lhe

propicie condições de desenvolver uma leitura eficiente. Assim o planejamento

do ensino da leitura quando bem estruturado, proporciona ao discente à

habilidade leitora que é primordial no ensino universitário. Para a realização de

um bom trabalho em sala de aula, o docente deve de ter a percepção para saber

identificar as habilidades e competências envolvidas na atividade leitora,

procurando conhecer a clientela e considerar o seu conhecimento prévio. Ainda

cabe aos mediadores de levar o sujeito leitor a perceber o texto, compreender,

31

discutir e dialogar sobre aquilo que leu. Dessa maneira, o professor fica mais

próximo do objetivo da formação de leitores.

Para uma boa prática do ensino da leitura nas escolas, Silva (1986, p.

109) remete-se ao trabalho dos professores:

Parece-me que a condição básica para ensinar o aluno a ler diz respeito à capacidade de leitura do próprio professor. Mais especificamente, para que ocorra um bom ensino da leitura é necessário que o professor seja, ele mesmo, um bom leitor. No âmbito das escolas [...] – isto porque os nossos alunos necessitam do testemunho vivo dos professores no que tange à valorização e encaminhamento de suas práticas de leitura.

De acordo com o ponto de vista do autor, o fato de os alunos não

gostarem de ler pode ser atribuído à “pseudo” – ou “antipedagogia” da leitura

constatada no trabalho dos professores nas escolas. Por outro lado, eles podem

conviver com pessoas e situações que lhes permitam desenvolver a leitura em

potencial.

Assim, como a mediação, o texto também é importante para instigar a

leitura, provocar reflexões, ir muito além da decodificação, para ser

compreendido, como uma instrução, para comunicar alguma coisa, uma maneira

de agir, de fazer, transmitir uma informação, para ser lido ou para questionar

para que uso foi feito.

Rösing (1996, p. 68) a respeito da importância do texto ressalta:

Pressupondo que texto pode designar uma unidade semântica expressa em diferentes linguagens, o texto escrito, no âmbito das sociedades letradas, reveste-se de importância singular. É objeto da leitura, local da prática de interação entre autor e leitor na busca da construção do significado, ressalvadas as peculiaridades de cada pólo envolvido e as características do próprio texto.

No contexto das sociedades letradas, o texto reveste-se de importância

especial por ser objeto de leitura, de atividade de interação entre autor e leitor,

via texto, na construção do significado, da reflexão, do posicionamento crítico do

leitor. Assim, o texto vale lembrar que está sempre relacionado a um contexto,

torna-se significativo para o leitor que se torna sujeito da interação, engajado,

proficiente.

No processo formativo, na realização de objetivos, o texto pode formar e

informar, de acordo com Silva (1986, p. 35-36):

32

Isto porque a obra escrita é, essencialmente, um registro da cultura produzida pelo homem nas suas diferentes etapas evolutivas. E sendo um registro da cultura não há como se deixar de utilizá-lo na transmissão de conhecimentos às novas gerações. É por isso mesmo que o processo de escolarização de um indivíduo é tido, muitas vezes, como sinônimo de aprendizagem de leitura e escrita. Por outro lado, a obra escrita, além de informar, também cumpre objetivos de formação, pois que coloca ao leitor atitudes, valores, crenças, etc ... instituídos socialmente.

Tais afirmações remetem à aprendizagem de leitura à medida em que o

texto passa a ser utilizado na transmissão de conhecimentos para a educação

do ser humano. Ademais, seria impossível imaginar um sistema educacional, no

qual, a leitura não estivesse presente. Lígia Chiappini Moraes Leite (apud

ZILBERMAN, 1984, p.43) afirma sobre o trabalho com o texto:

Quando a mediação é o texto literário, um texto que expressa a vontade de criar, um texto que mais interroga do que responde, um texto opaco, cuja obscuridade misteriosa é o desafio que propõe a busca de sentido, ele facilita a tarefa.

O texto passa a ser um mediador da vivência em sala de aula, seja como

objeto de fruição, conhecimento, interpretação, análise, troca de experiências,

vontade de criar, trabalho de reflexão e a tentativa de diálogo, de comunicação

e formação do leitor. Além disso, pode ser visto como instrumento de

conhecimento que possibilita uma interpretação da realidade do homem, em

oposição ao saber fragmentado e alienado.

O texto enquanto concretização verbal por Magnani (2001, p.7), há que

se levar em conta que “o texto é aquele conjunto de relações extra, inter e

intratextuais, e que significados não estão prontos, mas são constituídos através

da leitura”. Ainda

pensar o texto literário como esse conjunto de códigos e também as leis que regem a organização desses códigos – os quais a escola institucionaliza – em sua conformidade ou desconformidade com as normas linguísticas e estéticas, e do ponto de vista da produção e recepção, ou seja, analisá-los do ponto de vista de seu funcionamento histórico e social e de como contribuem para alimentar ou romper o “círculo vicioso” da formação do gosto. (MAGNANI, 2001, p.9-10)

Em decorrência disso, a escola ainda é o espaço ideal para o contato com

o texto e a promoção do hábito de ler, apesar de percebermos hoje nesses

espaços uma grande distância entre a intenção explícita na legislação e o que

33

se forma na realidade quando se pensar em alunos críticos. Então, precisamos

desenvolver estratégias para o ensino eficaz da leitura e oportunizar ao aluno:

aprender a ler, a gostar de ler textos de qualidade literária, também formar o

gosto e constituir os significados do texto escrito.

O papel do leitor é ler, interagir com o texto, interpretá-lo. Assumir a

condição de leitor é desenvolver a capacidade de atribuir sentido aos textos que

vão além do literal. Por isso, o conhecimento de mundo do leitor é importante. É

oportuno destacar que um texto a ser lido por um leitor sempre possui um

referencial: “Ser leitor é ser capaz de aprender os referenciais inscritos num

texto, o que significa dizer compreender a dinâmica do real e compreender-se

como um ser que participa dessa dinâmica”. (Silva, 1986, p. 55). Diante da leitura

o leitor não deve ser um sujeito passivo, mas necessita estabelecer uma relação

de troca, que o leve, através dessa experiência, a questionar-se, a tecer novas

concepções acerca do que leu.

Segundo Kleiman (2004, p. 13) o conhecimento prévio que o leitor utiliza

na leitura para atribuir sentido ao texto é de extrema relevância:

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.

Assim, na construção do sentido do texto, durante a leitura que o leitor

faz, são vários os níveis de conhecimento que interagem, que entram em jogo

para a compreensão do mesmo. Assim, devido ao engajamento com o

conhecimento adquirido pelo leitor durante sua vida, a leitura torna-se interativa.

No livro Uma história da leitura, Alberto Manguel reflete acerca do

surgimento do leitor simultaneamente com o desenvolvimento da escrita. Com

isso, o autor pretende chamar a atenção para o papel daquele que decifra o

texto:

O escritor é um fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e mensagens precisavam de um mago que os decifrasse, que reconhecesse seu significado, que lhes desse voz. Escrever exigia um leitor”. (Manguel, 1997, p. 207).

34

Com essa reflexão o autor quer chamar a atenção para aquele que lê o

texto, para o papel do leitor que resgata o texto que fora escrito para que seja

lido, decifrado. Dessa maneira, todo texto fica à mercê da generosidade do leitor

que lhe dá vida.

A interação entre o texto e o leitor parte do envolvimento do leitor com a

obra. A relação entre texto e leitor é interativa, dessa relação emergem muitas

possibilidades de sentido, sobretudo no caso do texto literário. O texto não existe

sem o leitor e o leitor não se realiza sem o texto.

Umberto Eco (2013) aborda sobre essa liberdade de interpretação do

leitor dada ao texto, pois o texto necessita do leitor para se realizar. Assim, o

leitor é capacitado para que amplie seu horizonte de expectativas. Dessa forma,

o leitor também se constrói para ser crítico, capaz de analisar, refletir,

transformar o meio, contextualizar, interagir com o texto, tornar-se protagonista;

sem deixar de buscar a voz do outro (alteridade). Ele chama de respeito ao leitor

e destaca essa necessidade de relação respeitosa do leitor com o texto.

Segundo Silva (1986, p. 107),

O leitor crítico, movido pela intencionalidade de sua consciência, desvela o significado indiciados pelo autor através do documento, mas não permanece nesse nível: ele reage, questiona, problematiza, aprecia com criticidade à luz das experiências que possui em seu repertório. Como empreendedor de um projeto de compreensão da palavra, o leitor crítico necessariamente se faz ouvir. A criticidade faz com que o leitor não só reconstrua ou recrie ou re-escreva as idéias, mas leva-o também a posicionar-se diante delas, fazendo o cotejo das idéias projetadas pelo processo de constatação.

Nesse sentido, diante das ideias veiculadas por um autor, o leitor crítico,

além de compreendê-las, posiciona-se e dá início ao cotejo das ideias projetadas

na constatação. Manguel (1997, p. 212) sobre essa relação entre o texto e o

leitor diz:

Um escritor pode construir um texto de várias formas escolhendo no estoque comum de palavras aquelas que pareçam expressar melhor a mensagem. Mas o leitor que recebe esse texto não está confinado a nenhuma interpretação. Embora, como dissemos, não sejam infinitas – são circunscritas por convenções de gramática e por limites impostos pelo senso comum -, as leituras de um texto não são rigidamente ditadas pelo próprio texto.

35

Cabe ao leitor fazer as leituras de um texto, independente do que o autor

pretendia dizer no momento da sua produção, da forma escolhida, do repertório

de palavras utilizados na construção da mensagem. De acordo com as

peculiaridades de cada universo, podemos visualizar uma interação entre leitor

e texto à medida que o leitor faz o cotejo do seu mundo cultural com o conteúdo

escrito, na construção de sentido.

No último parágrafo do livro Uma história da leitura, Manguel dá um

exemplo de interação entre o texto e o leitor ao proporcionar um espaço, depois

do último capítulo, para que o leitor dê continuidade ao mesmo, acrescente sobre

a leitura aquilo que julgar pertinente, vejamos:

A história da leitura, felizmente, não tem fim. Depois do último capítulo e antes já mencionado índice copioso, nosso autor deixou várias páginas em branco para o leitor acrescentar mais pensamentos sobre a leitura, temas obviamente esquecidos, citações pertinentes, eventos e personagens ainda no futuro. Há algum consolo nisso. Imagino deixar o livro na mesinha-de-cabeceira, imagino abri-lo hoje à noite, amanhã à noite ou depois de amanhã, imagino que direi a mim mesmo: “Não acabou”. (MANGUEL, 1997. p. 355)

Nesse excerto, é oportunizado ao leitor acrescentar ao livro as suas

experiências com o aprendizado da leitura. O autor, além de demonstrar vontade

em compartilhar informações, perspectivas acerca da forma e modo de sentir o

ato de ler, coloca-se como leitor.

Ao finalizarmos esta seção sobre mediação da leitura: o professor, o

texto, o leitor, gostaríamos de referir a um aspecto que talvez merecesse um

tratamento mais extenso nesta dissertação. Referimo-nos ao fato de que os bons

leitores não são apenas aqueles que compreendem mais e melhor os textos

literários que leem, mas os que sentem prazer e gosto pela leitura. Pois bem, da

mesma forma que não é possível esperar que alunos aprendam sozinhos as

estratégias de formação leitora, também não é razoável esperar que aprendam

sozinhos o gosto e o prazer pela leitura. Por isso, o professor deve ser um

especialista em se dedicar à leitura para poder orientar estratégias de leitura a

partir dos textos aos estudantes. E, desenvolvendo a capacidade leitora,

podemos aspirar a que eles sejam bons leitores, e que assim possam

compreender e desfrutar a leitura.

36

2 LITERATURA E DIREITO

2.1 Formação humana através da Literatura

Neste capítulo da pesquisa, pretendemos inicialmente abordar reflexões

sobre a formação humana através da literatura. Por conseguinte, embasam o

nosso estudo autores como Todorov, Antonio Candido, Zilberman, Malard e

Bordini, Ourique, Porto e Porto, dentre outros, e objetivamos responder a estas

perguntas relacionadas à literatura: Qual a potencialidade da literatura? Qual a

função dela? Para que ela serve? Que formação ela proporciona?

Todorov, no livro A literatura em perigo (2009), coloca-se como leitor,

discorre que a literatura está em perigo pelo fato de os verdadeiros leitores

estarem cada vez mais escassos. Está em perigo também por não ver a literatura

sendo tratada como forma de conhecimento sobre o homem, mas como pretexto

de teorias, análises, aponta o pesquisador. No penúltimo capítulo do livro, o

crítico questiona acerca de “O que pode a literatura”, apresentando nele a

interface curativa e libertadora do homem:

[...] a literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. (TODOROV, 2009, p. 76)

Essa transformação proporcionada pela literatura ao homem é subjetiva -

pode ocorrer dentro de cada um, de maneira diversa em cada indivíduo. Na

perspectiva de Todorov (2009), a literatura ajuda a viver, permite a cada um

responder melhor à vocação de ser humano, amplia nosso universo ao abrir

infinitas possibilidades de interação. É nessa perspectiva que o autor pontua que:

37

Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano. (TODOROV, 2009, p. 23 e 24)

Se, por um lado, reconhecemos o valor da Literatura como forma de

vivermos melhor, também podemos nos tornar mais humanos pelas

possibilidades de interação com os outros que ela nos proporciona. Conforme

Antonio Candido (1985), a Literatura é um bem e um dos direitos fundamentais

do ser humano, desenvolve em cada um a compreensão de si e de seu

semelhante.

Assim sendo, a principal função da literatura está relacionada à

humanização do homem que “confirma o homem na sua humanidade”, fazendo-

nos exercer aquilo que faz de nós seres humanos: a reflexão, relação com o

outro, o sentido da beleza, a sensibilidade, a complexidade do mundo e das

coisas. O autor explica-nos através da definição de humanização, o que confirma

traços essenciais do homem:

Entendo aqui por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1995, p. 249)

Dessa forma, na definição de humanização são mencionados traços

essenciais do homem que permitem refletir que a literatura exerce uma função

social importante, pois contribui para a formação integral do homem,

humanizando-o na medida que o torna mais compreensivo com o semelhante e

com a sociedade que está inserido.

38

Nesse contexto, quanto mais igualitária for a sociedade haverá maior

humanização, maior difusão das obras literárias que contribuem para o

amadurecimento de cada um. Assim, o direito aos direitos humanos não pode

ser negado, Candido (1995, p. 263) destaca: “Uma sociedade justa pressupõe o

respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as

modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”. Do contrário: “Negar

a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade”. (CANDIDO, 1995. p. 256).

Portanto, na luta pelos direitos humanos, todos devem ter condições de acesso

à fruição da literatura, já que ela é um fator indispensável de humanização e

constitui-se como uma necessidade de equilíbrio do homem e da sociedade.

A importância da literatura reside no equilíbrio humano, pois segundo o

crítico, o texto literário atua em grande parte no inconsciente e no subconsciente.

Daí a literatura tornar-se uma necessidade universal e um fator indispensável de

humanização:

Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Neste sentido, ela pode ter importância equivalente à das formas conscientes de inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar. (CANDIDO, 1995, p. 243)

Nessa reflexão, podemos explicitar a importância da literatura como

meio de instrução e educação do ser humano, para que vivencie plenamente sua

humanidade com equilíbrio.

Por conseguinte, reconhecemos a importância da literatura para a

formação do homem. De acordo com reflexão proposta por Candido (1972, 1995)

já é consensual que a literatura é um instrumento de humanização, de formação

do homem, sendo um direito, cabe-nos criar condições a fim de que esse direito

seja respeitado. O crítico ao defender a ideia de que a literatura é um dos direitos

fundamentais do homem, justamente porque ela, que exprime o homem, depois

atua sobre ele, organiza a experiência e é uma força de humanização, da qual

ninguém deveria ser privado e todos deveriam ter acesso a ela, através do texto

literário.

39

Antonio Candido, no texto “A literatura e a formação do homem”,

menciona a literatura “como força humanizadora, não como sistema de obras.

Como algo que exprime o homem e depois atua na própria formação do homem”.

(CANDIDO,1972, p. 82). Faz isso ao pensar no papel da literatura apresenta as

seguintes funções: psicológica, formativa e social.

Função psicológica está embasada na capacidade que a literatura tem

de atender à nossa imensa necessidade da ficção e da fantasia, da fruição de

agradar aos nossos sentidos, devaneio, prazer da leitura. Segundo o crítico, a

fantasia está relacionada à determinada realidade:

Serve para ilustrar em profundidade a função integradora e transformadora da criação literária com relação aos seus pontos de referência da realidade. Ao mesmo tempo, a evocação dessa impregnação profunda mostra como as criações ficcionais e poéticas podem atuar de modo subconsciente e inconsciente, operando uma espécie de inculcamento que não percebemos. (CANDIDO, 1972, p.84).

A função formativa faz um elo com a formação humana que nos forma,

que atua sobre nós, representa um caráter formativo, segundo o autor: “Ela não

corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que

chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo,

porque faz viver”. (CANDIDO, 1972, p. 85).

Por último, a função da literatura como representação da realidade social

e humana leva em conta a estética e o arranjo do texto. Essa função tem o

potencial de oferecer ao leitor um conhecimento através da obra literária, tal qual

faz a ciência, mas por outro caminho:

... a obra literária significa um tipo de elaboração das sugestões da personalidade e do mundo que possui autonomia de significado, mas que essa autonomia não a desliga das suas fontes de inspiração no real, nem anula a sua capacidade de atuar sobre ele. (CANDIDO, 1972, p. 86)

Além disso, a obra literária é uma forma de expressão e construção

artística, e uma forma de conhecimento. Isto posto, podemos observar essa

função da literatura como representação da realidade social e humana com

possível caráter verossímil.

40

Em perspectiva similar citamos como exemplo o livro Oração aos moços,

de Rui Barbosa, que é o mito da advocacia, famoso por trabalhar dentre tantos

temas o da democracia, para quem nestas se encerra, a síntese de todos os

mandamentos: “Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado”.

O livro é um discurso para paraninfar os formandos da turma de 1920, da

Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, de São Paulo. Trata-se de uma

brilhante reflexão produzida por um jurista acerca do papel do magistrado e a

missão do advogado, texto que faz um balanço dos 50 anos como advogado que

fica como exemplo para as novas gerações. Compartilhamos um trecho no qual

dirige-se aos seus afilhados como padrinho das Letras.

Entrelaçando a colação do vosso grau com a comemoração jubilar da minha, e dando−me a honra de vos ser eu paraninfo, urdis, desta maneira, no ingresso à carreira que adotastes, um como vínculo sagrado entre a vossa existência intelectual, que se enceta, e a do vosso padrinho em Letras4, que se acerca do seu termo. Do ocaso de uma surde o arrebol da outra. Mercê, porém, de circunstâncias inopinadas, com o encerro do meu meio século de trabalho na jurisprudência se ajusta o remate dos meus cinqüenta anos de serviços à nação. Já o jurista começava a olhar com os primeiros toques de saudade para o instrumento, que, há dez lustros, lhe vibra entre os dedos, lidando pelo direito, quando a consciência lhe mandou que despisse as modestas armas da sua luta, provadamente inútil, pela grandeza da pátria e suas liberdades, no parlamento. (BARBOSA,1997, p.17)

Para o autor o estudo do Direito está atrelado ao pleno domínio da

língua, e a advocacia é essencial não apenas à administração da justiça, como

apregoa a Lei Maior, todavia é imprescindível à dignidade humana, para a

liberdade. Barbosa na sua visão humanística que pode ser associada à

concepção de Literatura de Antonio Candido. Destarte, é importante salientar

que essa compreensão e identificação do valor da literatura podem ser cultivadas

e desenvolvidas através da leitura como prática cotidiana, pois, segundo Letícia

Malard (1985, p.11), “o melhor caminho para se aprender a literatura é a leitura”.

Então, que seja estimulada a leitura de Literatura.

4Letras. – Na sua visão humanística, devia Rui achar inseparável do cabal estudo do Direito o pleno domínio da língua. Daí falar em “padrinho em Letras”, e não “em Ciências Jurídicas e Sociais”. – Lembrem−se, a propósito, estes dizeres de San Tiago Dantas: “A língua está para o advogado assim como o desenho para o arquiteto”.

41

Estimular a leitura é importante, pois uma das funções da literatura é ser

verossímil, não verdadeira. Para Zilberman (1999) exerce uma função social

importante. É através dela que

O indivíduo abandona temporariamente sua própria disposição e preocupa-se com algo que até então não experimentara. Traz para o primeiro plano algo diferente dele, momento em que a vivência – a alteridade como se fosse ele mesmo. (ZILBERMAN, 1999, p.84)

Assim, usufruir da Literatura constitui uma forma de apropriação do

mundo pela linguagem. Compartilhando com Aguiar e Silva (1976. p. 51):

A linguagem literária é plurissignificativa porque nela as frases, as palavras, as sequências são portadoras de múltiplas dimensões semânticas, tendendo para uma multivalência significativa, diferente do discurso científico.

Nesse sentido, o leitor penetra na linguagem conotativa que trata de

beleza e encanto. Cabe a ele tirar as conclusões da conclusão. Assim, a obra

será um veículo do conhecimento que vai além do real. Essa forma de

conhecimento via ficção, que tem como meio a linguagem artisticamente

elaborada é que possibilita uma visão do homem, da natureza e do mundo.

Nessa mesma linha de raciocínio, Maria da Gloria Bordini e Vera Aguiar

(1993) enfatizam que a literatura tem o poder de oferecer ao leitor um mundo

diferente do que ele vivencia. Nas palavras das autoras:

[...] a riqueza polissêmica da literatura é um campo de plena liberdade para o leitor, o que não ocorre em outros textos. Daí provém o próprio prazer da leitura, uma vez que ela mobiliza mais intensa e inteiramente a consciência do leitor, sem obrigá-lo a manter-se nas amarradas do cotidiano. Paradoxalmente, por apresentar um mundo esquemático e pouco determinado, a obra literária acaba por fornecer ao leitor um universo muito mais carregado de informações, porque o leva a participar ativamente da construção dessas, com isso forçando-o a reexaminar sua própria visão da realidade. (BORDINI; AGUIAR, 1993, p.15).

Observamos que a literatura permite que o leitor pela polissemia do texto

literário construa múltiplas significações na medida em que utiliza a leitura de

mundo internalizada. Segundo Bordini e Aguiar (1993): “[...] a atividade do leitor

de literatura se exprime pela reconstrução, a partir da linguagem, de todo o

42

universo simbólico que as palavras encerram e pela concretização desse

universo com base nas vivências pessoais do sujeito”. (BORDINI; AGUIAR,

1993, p.15).

Ainda possibilita ao leitor refletir e reexaminar a visão que tem da

realidade, bem como fazer experiências por um mundo paralelo ao seu: “A

literatura, desse modo, se torna uma reserva de vida paralela onde o leitor

encontra o que não pode ou não sabe experimentar na realidade”.(BORDINI;

AGUIAR, 1993, p.15). A apropriação dos textos pelo leitor desenvolve a

consciência de que a possibilidade de leitura se efetiva por um processo de

aprendizado particular. Este aprendizado depende dos modos de ler, do

conhecimento que possui, dos sentidos que descobre nos textos.

Podemos compreender a literatura como arte e retomar Candido (1995),

pois é direito de todo homem o acesso à arte, sendo ela um dos responsáveis

por consolidar o universo de conhecimento, assim como os demais direitos

básicos do ser humano, indiferentemente de classe social. Assim, ela possui

uma importância para a sociedade e o homem que nela vive. Uma das marcas

do exercício da arte e da literatura é a busca da liberdade do homem de todas

as amarras que a sociedade lhe impõe. Nesse sentido que ela é transfiguradora,

transgressiva e revolucionária.

A Literatura é uma linguagem artística, enquanto arte envolve um fazer,

revela uma consciência muito clara por parte do artista, através de seu material

que é a palavra. O trabalho do artista da palavra tem algo muito importante a

dizer, e este algo é diferente dos outros, pois irá lidar com a sensibilidade das

pessoas, com a universalidade do pensamento, com o estilo, o que gera o

refinamento do nosso espírito. Enfim, envolve uma complexidade de

comportamentos, pois utiliza a palavra como instrumento essencial na busca do

belo. Como produto da atividade humana possibilita refletir sobre questões

próprias da condição humana: vida, morte, tristeza, alegria, amor, o que as

demais artes só o conseguem num determinado momento ou circunstância.

Na perspectiva de Aguiar e Silva (1976, p. 111):

[...] toda obra literária autêntica traduz uma experiência humana e diz algo acerca do homem e do mundo... a literatura exprime sempre determinados valores, dá forma a uma cosmovisão, revela almas – em suma, constitui um conhecimento.

43

Dessa forma, a Literatura é fruto de uma experiência, está intimamente

ligada à realidade, revela-se de uma forma figurada e atinge o mais íntimo do

homem, mostra o contexto social, ou a vivência de uma época. A literatura

sempre foi um documento histórico. Assume uma importância maior do que

somente uma diversão.

A Literatura serve para lidar com manifestações criativas, como espaço

para o desenvolvimento da sensibilidade, permitir o afloramento das emoções.

O seu consumo induz a práticas socializantes. Trata-se de uma convivência

democrática ao respeitar o outro, conviver com a diversidade e ser capaz de

assumir outros ângulos de visão. Esse exercício que o leitor faz ao vivenciar

emoções alheias, diferentes, ao entrar na pele dos personagens, é um exercício

de cidadania. Dado o exposto, a Literatura é importante para a formação cidadã.

Para finalizar essa reflexão, podemos dizer que por dar voz ao leitor a literatura

se torna um importante instrumento de emancipação do sujeito.

No artigo “O sentido formativo da literatura”, Adélia Bezerra de Meneses

([s. d], p. 7) questiona: “qual o papel da Literatura e por que ensinar Literatura?:

Tenta uma resposta parcial numa síntese difícil: “a Literatura, esse exercício

radical da Palavra, contrapõe o Logos (que é Palavra e que é Razão) ao mundo

anestesiante da imagem”. Assim, a literatura é constituidora da palavra e a

palavra é constituidora do humano.

Numa era de crise das humanidades, da universidade “que não fica

imune aos valores correntes”, no seio de uma sociedade tecnológica, num

mundo massificado, globalizado, no qual se prioriza a mídia e a cultura do

espetáculo, cabe-nos refletir sobre qual o papel da literatura e por que ensinar

literatura? Nas palavras da autora investir em literatura “é essa a nossa trincheira

da resistência”

Ainda, o fundamental mote da fala da autora é: “Por que literatura?”, “Por

que ler Homero, Dante, Machado de Assis, Camões, Proust, Drummond, Adélia

Prado? Por que investir tempo lendo poesia?” Meneses, ([s. d], p. 9) revela:

Efetivamente a literatura não é passatempo nem verniz de cultura geral. É um veículo de experiência humana, ela forja a sensibilidade, é um instrumento poderoso de humanização, de conhecimento, de si, do outro, do mundo. A literatura é uma leitura do social e é uma leitura do humano, seja no cotidiano da vida pessoal, seja na “epicidade” do destino histórico.

44

Nesse sentido, podemos pensar na função “formativa” da literatura

abordada pela autora como “veículo de experiência humana”, “instrumento

poderoso de humanização, de conhecimento, de si, do outro, do mundo” e

relacioná-la à ideia de Antonio Candido (2004) ao defender que a literatura é

força humanizadora, dá forma aos sentimentos e à visão do mundo, liberta o

homem e o humaniza. Assim, podemos afirmar a importância da literatura para

a formação humana.

Ao concordamos com essas perspectivas acerca das possibilidades

formativas que a literatura fornece ao sujeito, cabe refletir sobre um dado

importante para que ela de fato seja objeto de formação: o seu ensino. Então,

surgem questionamentos importantes: A literatura é ciência que pode ser

estudada em forma de disciplina? Com base na literatura podemos refletir sobre

o homem, o mundo, os contextos e realidades, os problemas sociais. Ela dá

subsídios para refletirmos sobre todas essas questões. Pode ser estudada

cientificamente, mas ela não é uma ciência, não explica o mundo como ciência,

não obedece a leis, normas e princípios, o que não quer dizer que não tenha sua

ética.

Todorov (2009) aborda o perigo de se adotar um único enfoque no ensino

da literatura. Ademais, ressalta que uma das razões que corrobora para esse

estado pode ser atribuída pelo processo de tornar a literatura uma disciplina

científica, mencionado em:

O perigo mencionado por Todorov não está, portanto, na escassez de bons poetas ou ficcionistas. No esgotamento da produção ou da criação poética, mas na forma como a literatura tem sido oferecida aos jovens, desde a escola primária até a faculdade: o perigo está no fato de que, por uma estranha inversão, o estudante não entra em contato com a literatura mediante a leitura dos textos literários propriamente ditos, mas com alguma forma de crítica, de teoria ou de história literária. Isto é, seu acesso à literatura é mediado pela forma “disciplinar” e institucional. Para esse jovem, literatura passa a ser então mais uma matéria escolar a ser aprendida em sua periodização do que um agente do conhecimento sobre o mundo, os homens, as paixões, enfim sobre sua vida íntima e pública. (TODOROV, 2009, p.10).

Esse cenário não contribui para a exteriorização de habilidades de

compreensão de textos e para a formação de leitores. A leitura da literatura não

pode ser apagada pela metodologia de ensino que prioriza a formação

45

historiográfica ou a periodização literária. Segundo o crítico, os métodos de

ensino não devem ser descartados, mas complementares: “Todos os “métodos”

são bons, desde que continuem a ser meios, em vez de se tornarem fins em si

mesmos” (TODOROV, 2009, p.90). Para que só assim, o leitor de literatura, a

partir do próprio objeto da condição humana, torne-se um conhecedor do ser

humano, não um especialista em análise literária.

Para Todorov (2009), o texto literário para fazer as conexões com o

mundo real e com a vida contemporânea precisa ocupar o centro na formação

de alunos e professores de literatura, na nossa formação cidadã e nos cursos de

literatura, não a periferia do processo educacional.

Nessa mesma visão, Letícia Malard (1985) defende que o ponto de

partida para o ensino de literatura é o texto, refutando o ensino a partir da

periodização. Para a autora, a Literatura:

[...]é uma prática social tanto para quem a escreve quanto para quem

a lê. Prática social no sentido de atividade humana em intenção transformadora do mundo, que expressa o peculiar da relação do homem com o mundo, os modos de ser do homem no mundo” (MALARD, 1985, p. 10).

Nesse entendimento, a leitura dos textos literários e a crítica sobre eles,

ainda é o melhor caminho para a aprendizagem da Literatura. O texto literário ao

possibilitar a humanização do leitor e potencializar sua leitura crítica e reflexiva

da sociedade que faz parte, transforma o leitor e a sociedade. Essa é a prática

social da literatura da qual se refere Malard. Portanto, no processo educacional,

a leitura do texto literário proporciona ao leitor reconhecer-se, humanizar-se.

Referente à formação que a literatura proporciona através de seu ensino,

Ourique (2015, p. 200) argumenta:

[...] a significação do ensino de Literatura parece ser muito mais relevante se este for capaz de oportunizar condições à formação das pessoas para sua individualidade e, ao mesmo tempo, para sua atuação na sociedade em que vive. O ensino, dessa forma, não pode estar dissociado da formação e nem a noção de formação se afastar da sociedade e das problemáticas culturais.

Nesse sentido, o ensino de literatura torna-se relevante na medida em

que oportuniza a formação do indivíduo para que como sujeito possa atuar no

46

meio em que vive. Para que a literatura cumpra sua função, o ensino deve estar

atrelado à formação e esta não poderá estar dissociada da sociedade e da

cultura.

Ourique (2015, p. 13) “acredita ser a principal função da literatura

oferecer condições para a formação cultural das pessoas e não essa prática

comum de formar um leitor para algo”. Assim, para o autor, a Literatura tem a

função de formar pessoas e sua apropriação não deve estar relacionada a

nenhuma função com viés utilitário.

Compartilhamos com Porto e Porto (2015, p. 90) aideia de que a

literatura possibilita a ampliação formativa de sujeitos e a compreensão do

mundo do qual fazem parte. A prática da leitura e o contato com textos literários

proporcionam uma emancipação pessoal e condições de intervenção social.

Assim as autoras se posicionam:

Nesse contexto de formação cultural, entendemos que o desenvolvimento da habilidade de leitura é fundamental para a ampliação de horizontes formativos de sujeitos e para a compreensão do mundo de que fazem parte, o que pode acarretar uma emancipação pessoal e condições de intervenção social e ampliação de defesa de si. Além disso, a prática de leitura de textos e o contato intenso com textos literários possibilitam a revelação sobre si mesmo.

Nesse sentido, podemos sintetizar que a Literatura apresenta

potencialidades formativas, como meio de formação cultural e leitora; formadora

de sujeitos críticos, conhecedores da realidade circundante, capazes de alicerçar

a conduta ética no trato social, com o intuito de aperfeiçoarmos as inter-relações

humanas; capazes de desenvolver em cada um a compreensão sobre si mesmo

e seu semelhante, bem como a sensibilidade e a inteligência para habilitarmo-

nos a realizar uma leitura mais abrangente do mundo.

Dentre outras potencialidades formativas reconhecidas da literatura,

podemos ressaltar que pelo fato de dar voz ao leitor, possibilita a emancipação

do sujeito, também pode ser vista como meio de instrução e educação

importante para o equilíbrio humano e social. Por conseguinte, reconhecemos o

valor da Literatura como arte, construtora da experiência humana, como um bem

e um direito para a formação do homem.

No entanto, para que essa possibilidade formativa seja possível, é

preciso que o ensino da Literatura seja centrado no objeto, na leitura de textos

47

para que o processo, visando à formação cultural e de leitores, seja prioritário e

adequado ao perfil exigido no contexto atual. Nesse sentido, cabe-nos pensar

sobre o futuro da literatura e sua contribuição para a formação cultural e humana,

e criar condições para que o acesso aos textos seja mais fácil, a fim de que a

prática da leitura seja recorrente nos dias atuais. Por fim, é preciso reconhecer

que a literatura deve ser tratada como forma de conhecimento sobre o homem e

não como pretexto de teorias e análises.

2.2 Direito e a formação do homem

Nesta seção passaremos a discorrer sobre o Direito e a formação do

homem, por conseguinte, este é o momento em que o Direito passa a ser objeto

de análise desta pesquisa. O Direito que iremos tratar é o “dos juristas” - aqueles

que se dedicam ao estudo do Direito. Dependendo do ponto de partida a

definição de Direito varia. Segundo Ráo (apud SILVA, ALVES [s.d.], p.11) a

palavra Direito

se origina do latim directum, para significar o que está conforme a regra. Assim é que se diz em inglês right, em alemão recht, em holandês regt, em espanhol derecho, em francês droit, em italiano diritto, em romeno dreptu etc. Mas em latim, rectum tem um sentido mais moral do que jurídico e o direito é, propriamente, designado pela palavra jus (v. Planiol, traité Elément., I 1). O termo jus, por sua vez, passou para as línguas latinas como radical de outras expressões, tais como expressões nossas, justo, justiça, jurista, jurisconsulto etc. Bem advertem, a propósito, Correia e Sciascia: o direito como complexo de normas reguladoras da conduta humana, como força coativa, chama-se jus. É justum o conforme ao direito dos romanos; legitimum, o derivado de uma lex, comumente a lex XII tabularum, ou também o que deriva dos mores, isto é, do costume mais antigo.

Assim, a palavra Direito tem mais de um significado está atrelado a estes

aspectos: é uma ciência (conhecimento); é uma norma (ser); e é justiça (valor).

Essa definição de Direito enquanto justiça é a mais importante para o Direito,

pois o valor principal é o homem. Ainda pode ser visto como um sistema de

normas, de regras jurídicas que objetivam regular a vida em sociedade

ordenando-a. Isso confere possibilidades aos homens de agirem de acordo com

a lei, a justiça ou determinadas formas de comportamentos. Dentre os vários

48

conceitos de Direito, acreditamos que a concepção mais aceita é aquela que o

aborda como um fenômeno humano e social. De acordo com Gidi (apud SILVA,

ALVES [s.d.], p.11):

O direito sabe-se, é fenômeno cultural, de criação humana, para viabilizar a vida em sociedade ordenando-a. Não sendo um fim em si mesmo, deve ser concebido como uma técnica posta à disposição do homem para que obtenha o melhor modelo de convivência social em termos de obtenção de satisfação máxima dos integrantes de um determinado grupo social.

Reconhecemos esta conceituação do Direito como fenômeno cultural, já

que de onde está a sociedade está o direito, de criação humana, que viabiliza a

vida em sociedade organizando-a, reguladora da conduta humana para uma

convivência harmônica e saudável entre os homens nas relações sociais.

A finalidade do Direito, segundo Montoro (apud SILVA, ALVES [s.d.],

p.14), ao expor o ponto de vista acerca da importância e da dupla função que o

Direito exerce na sociedade, e assim definida:

A primeira função é conservadora em que o Direito cristaliza e conserva os elementos da ordem social consagrados pelos homens, vida, liberdade, segurança, família, entre outros inúmeros bens. A segunda função, é transformadora dos valores sociais, acompanhando a vida do homem e da sociedade em constante mutação, o que não representa um contra-senso. O Direito, apesar de conservar valores inestimáveis para o homem e para a sociedade, acompanha seu aspecto dinâmico e evolui para melhor atender suas necessidades; caso contrário, seria um instrumento deficiente e ineficaz tendo em vista a sua própria finalidade.

O Direito tem função conservadora de elementos da ordem social que

são consagrados pelos homens, possibilita a garantia de ordem e de justiça. Já

a função transformadora funciona como um instrumento de realização do homem

e da sociedade, pois acompanha as transformações de ambos e evolui para

atender às necessidades, considerando sua finalidade.

Em perspectiva diferenciada, para que serve o Direito? Uma das

finalidades do Direito é a justiça. No livro O que é justiça: Uma abordagem

dialética, de Roberto A. R. de Aguiar (1984) insere a justiça conservadora e a

justiça transformadora, acerca dessa dupla concepção de justiça:

49

A justiça conservadora tem como função não somente justificar a opressão mas segurar as transformações sociais, paralisar a história, enquanto a justiça transformadora somente poderá ser fruto de um saber crítico, de um saber histórico que expresse as contradições. (AGUIAR, 1984, p. 59-60)

Essa dupla concepção de justiça, explica o autor, evidencia que não há

justiça que paire acima dos conflitos, somente há justiça comprometida com os

conflitos ou no sentido de manutenção ou no sentido de transformação. Está

fundamentalmente centrada na percepção do que é justo, à medida que se

concebe uma justiça formal e uma justiça material. Essa visão desnuda o direito

no sentido de que propicia uma reflexão de justiça e como ainda hoje é entendida

e praticada, inclusive no Brasil, que possibilita a ideia de “uma justiça

comprometida que emerge das contradições da História”. Então, faz-se

necessário uma justiça comprometida com os conflitos, com o Bem Comum, já

que o Direito tem a finalidade do justo, ou seja, fazer o justo, o cumprimento do

justo.

Além das funções conservadora e transformadora do Direito

mencionadas anteriormente, o Direito exerce função educativa através de uma

atividade preventiva que de acordo com Silva e Alves ([s.d.], p. 12.):

O direito exerce função educativa que se manifesta através de uma atividade preventiva, com a imposição de regras que prescrevem condutas, consideradas necessárias e convenientes para o exercício da vida social. No exercício da função educativa verificamos a necessidade da atividade orientadora. A função de orientação do Direito se biparte na imperatividade, na diretriz comportamental e na instrumentalização do equilíbrio buscado pelo indivíduo em suas relações sociais.

Nesse sentido, há necessidade de regras, normas com funções de

educação, orientação, conservação e transformação, para que haja uma

coexistência harmônica entre os homens e suas relações sociais. Cabe ao

Direito a imposição de regras que prescrevem condutas, para organizar a vida

em sociedade, bem como instrumentalizar essas funções consideradas

necessárias e convenientes para o exercício da vida social.

Em que sentido o Direito contribui para a vida em sociedade? Para

entendermos em que sentido o Direito contribui para a vida em sociedade,

50

passaremos a conceituar ambos. Segundo Dallari (apud SILVA, ALVES [s.d.], p.

5)

a sociedade como toda forma de coordenação das atividades humanas objetivando um determinado fim e regulada por um conjunto de normas”, e o Direito, “conjunto de normas executáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados [...]

Conforme Gusmão (apud SILVA, ALVES [s.d.], p.5), nesse binômio

sociedade e Direito, reconhecemos os elementos básicos da vida organizada,

bem como a relevância de ambos que dão sustentáculo aos princípios

orientadores das relações sociais, aos valores fundamentais, respaldados

nesses conceitos.

Considerando que o Direito é uma ciência social, neste sentido, só

poderemos imaginá-lo em função do homem em sociedade. O direito serve para

organizar a vida em sociedade. Compartilhando com Silva e Alves ([s.d.], p.14),

o Direito “Ampara o homem desde sua concepção, e acompanha-o durante todo

o seu desenvolvimento conferindo harmonia, liberdade, segurança, e dignidade

à sua existência”. Esse é o fundamento da ordem social.

Em sociedade o homem só pode conviver com a observância de normas

de conduta que regulam sua convivência com os demais. O indivíduo que não

observa as normas de conduta humana ou utiliza-se da liberdade excessiva, está

sujeito à utilização da ferramenta de controle social. Dessa forma, o convívio

social traz-nos uma série de benefícios acrescidos de limitações, visto que

afetam a esfera das liberdades individuais. Ainda assim, o ser humano necessita

viver em sociedade. Esse entendimento pode ser resumido na citação seguinte:

...quando um homem age, desloca-se em relação a outros homens: toma uma posição entre os demais, assume uma dimensão no plano social e histórico, e o faz sempre na dependência de suas circunstâncias. Todo fazer humano se refere a homens. Mesmo quando o fazer humano tem como fim a feitura ou a posse de uma coisa, esta é mera condição de uma relação inter–homines. A conduta, portanto, é sempre um fato social e humano, um acontecer no habitat natural do homem, que é a sociedade [... ] Diz-se muito freqüentemente que a sociedade é um fato natural, mas é preciso entender esta expressão no seu sentido rigoroso. A

51

sociabilidade é tendência natural do homem, mas a sociedade é permanentemente construída, algo que uma geração recebe e transfere a outra, quando mais não seja pelo fato fundamental da linguagem, sendo umas gerações mais felizes por poderem transferir proporcionalmente mais do que receberam. (REALE apud SILVA, ALVES [s.d.], p. 9)

Quando o homem age deslocando-se em direção aos outros

semelhantes, passa a assumir uma dimensão no plano social e histórico e o faz

de acordo com as circunstâncias. Assim, todo fazer do homem é humano, a

conduta, assim sendo, é sempre um fato social e humano. A sociabilidade é

inerente ao homem, no entanto a sociedade é permanentemente construída,

algo que vai passando de geração a geração, através da linguagem.

É na sociedade através da sociabilidade que o homem atinge os fins de

sua existência e desenvolve todo o seu potencial de aperfeiçoamento em vários

campos. Para Ranelletti (apud SILVA, ALVES [s.d.], p. 6-7),

o homem é induzido fundamentalmente por uma necessidade natural, porque o associar-se com outros seres humanos é para ele condição essencial de vida. Só em tais uniões e com o concurso dos outros é que o homem pode conseguir todos os meios necessários para satisfazer as suas necessidades, e, portanto, conservar e melhorar a si mesmo, conseguindo atingir os fins de sua existência. Em suma, só na convivência e com a cooperação dos semelhantes o homem pode beneficiar-se das energias, dos conhecimentos, da produção e da experiência dos outros, acumuladas através de gerações, obtendo assim os meios necessários para que possa atingir os fins de sua existência, desenvolvendo todo o seu potencial de aperfeiçoamento, no campo intelectual, moral ou técnico.

É através da vida em sociedade que o homem cria condições para suas

conquistas. Em consonância com Aristóteles (apud SILVA, ALVES [s.d.], p.6)

que: “Apoia na sociabilidade humana a origem da vida social e sua concepção

tem aceitação majoritária na doutrina jurídica”. É inato do homem ser sociável,

associar-se com os outros seres humanos, somente dessa maneira que o

homem se torna pleno. Para Cícero (apud SILVA, ALVES [s.d.], p.6),

a primeira causa da agregação de uns homens a outros é, menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum

52

Por conseguinte, faz parte da essência humana em sua universalidade

manifestar uma tendência associativa natural do ser humano; o homem não

nasceu para o isolamento. Isso se justifica pelo fato de procurar apoio comum,

mesmo quando sua vida apresenta estabilidade ou abundância de bens.

Justifica-se a razão da vida em sociedade, a qual necessita ser organizada e

normatizada pelo Direito.

Enfim, essa seção pretendeu discorrer sobre o direito e a formação do

homem e para tanto partiu da definição de Direito, dentre as várias acepções a

mais aceita é aquela que menciona o direito como um fenômeno humano e

social, por ordenar e viabilizar a vida em sociedade. Para que haja harmonia

entre os homens e suas relações sociais, surge a necessidade de se estabelecer

regras ou normas com as respectivas funções, expostas acima. No entanto, é

interessante reiterar que a sociabilidade é inerente ao homem e a sociedade é

permanentemente construída, algo que vai passando de geração a geração,

através da linguagem.

2.3 Diálogo entre Literatura e Direito

Se a Literatura é formativa, como mostramos na seção anterior,

entendemos que, ao pensarmos na formação humana, ela também pode ser

articulada à área de Direito. Ao iniciarmos a presente investigação referente ao

diálogo entre Literatura e Direito, vale salientar que todas as proposições aqui

apresentadas conectam-se com a afirmação da relevância da interação entre

literatura e direito. É nesse diálogo entre Literatura e Direito que a Literatura

surge como opção benéfica, como um instrumento pedagógico capaz de

conscientizar que os homens são detentores de direitos; e a sociedade, da

existência de direitos fundamentais. Nessa perspectiva de diálogo citam os

autores:

53

Quando supomos um possível diálogo entre o discurso jurídico e o discurso literário, e que tal “fenômeno”, por assim dizer, traria para o direito uma série de benefícios no que se refere a sua práxis, não apenas queremos nos referir a uma forma de “(re)construção” benéfica da aplicação da esfera jurídica relativa à seara social, mas também pretendemos, através da lente literária, demonstrar que é possível transformar esta aparente incapacidade de observar a semelhante característica humana presente em cada indivíduo, em cada um de nós. É justamente nesta ponte inacabada que melhor enxergamos o encontro sublime do direito com a literatura. (FACHIN; CORRÊA, 2010, p.380

Esse encontro sublime da Literatura com o Direito permite uma

compreensão maior de vermos o próximo como plenamente humano,

considerando que na prática as narrativas e a imaginação, podem aportar

elementos essenciais que se opõem à argumentação racional: “O direito,

enquanto produto da razão humana, necessita de constante interpretação, e

atualização.” (FACHIN; CORRÊA, 2010, p.385). Destarte, essa ponte entre a

esfera teórica e prática emerge como opção benéfica, ganha-se a possibilidade

de uma compreensão ampla do direito ao apoiá-lo no discurso literário,

proporcionando garantias fundamentais não só para o sujeito, mas para a

sociedade. Portanto,

[...] procuramos objetivar a participação da literatura na emancipação do sujeito e na configuração de sua autonomia, para que o mesmo possa participar da realidade jurídica e compreender de forma básica seus significados, proporcionando um conhecimento acerca de seus direitos fundamentais, apoiados em uma análise da Lei Fundamental que rege as relações da sociedade. (FACHIN; CORRÊA, 2010, p.390)

Essas vantagens propostas pelo discurso literário em diálogo com o

direito inviabilizam a imparcialidade ou uma interpretação única e padronizada.

A crítica literária aplicada à compreensão do direito tornar-se-ia mais palpável.

No entanto, é necessário que a interpretação proveniente do discurso literário

seja orientada doutrinalmente, a fim de que não ocorram desvios relacionados à

interpretação dos princípios fundamentais do direito.

Podemos melhorar nossa compreensão do Direito, comparando a

interpretação jurídica com outro campo de conhecimento: a Literatura. Essas

áreas do conhecimento têm pontos em comum, por exemplo: a palavra (ambas

trabalham com a palavra); o sujeito (o humano); e a narração (através da

contação de histórias). A ideia do imaginário agregada à literatura tem sua

importância na esfera social observável:

54

Este imaginário permeado na sociedade será capaz de “criar” novas resoluções e novas contestações; será através dele que a participação do corpo social em diversos campos do saber (sejam eles o direito, a política, etc.) tornar-se-á mais palpável. Será também através dele que uma diferente visão acerca do direito possuirá mais um sustentáculo. Enfim, o ato de “criar”, proveniente do imaginário, poderá produzir diversas otimizações em nossa realidade. (FACHIN; CORRÊA, 1910, p.397).

A lente imaginária e metafórica é capaz de libertar o saber jurídico no seu

exercício e a sociedade de suas amarras em nome de uma vivência racional. A

literatura tem muito a nos dizer sobre nós mesmos, a sociedade, o mundo, vários

exemplos podem ser mencionados. O discurso literário toca de modo especial

os receptores, por exemplo, durante a leitura de uma narrativa florescem

sentimentos de justiça, de piedade ao sofrimento alheio. De acordo com

(NUSSBAUM apud CÂMARA [s.d.], p. 5): “[...] a capacidade de imaginar

vividamente [...] a dor de outra pessoa, de participar dela e de perguntar sobre

sua significação, é um modo poderoso de aprender acerca da realidade humana

e adquirir motivação para modificá-la”.

A Literatura possibilita desenvolver a capacidade de colocarmo-nos no

lugar do outro ou em seus lugares. Assim, autor e leitor tornam-se parte ativa do

processo de construção e reconstrução do contexto. Em diversos momentos,

aprendemos com as experiências de personagens, pois as obras literárias

possibilitam entender como os fatos poderiam ter acontecido.

Quais são as relações entre Direito e Literatura? As relações entre as

duas áreas do saber? Na Literatura é possível através de uma história narrada

visualizar temáticas humanas, sociais e existenciais que são objetos dos

conflitos que fazem parte do cotidiano jurídico. Ainda podemos identificar

informações que corroboram na compreensão das relações humanas que

compõe determinado meio social, bem como nos conflitos que permeiam a

referida sociedade. Ao Direito, os benefícios proporcionados pela literatura são

claros, pois a imparcialidade radical na observação de um caso concreto, pode

trazer prejuízos na decisão. Dessa forma, Literatura e Direito pode dizer respeito

ao estudo de temas jurídicos na literatura, sendo relevante para o direito o

conteúdo da obra literária, dentre outros exemplos.

55

Em que medida a literatura trabalha temas relacionados ao direito? Na

Revista da Faculdade Mineira de Direito (1998), encontramos estes exemplos:

A concepção de justiça no Grande sertão: veredas; Política de justiça privada

no Brasil retratada na obra Grande sertão: veredas; A Capitu de Dom

Casmurro: vítima ou ré de um libelo?; A literatura e o desocultamento da

identidade da identidade constitucional brasileira em Memórias póstumas de

Brás Cubas; Kafka, Shakespeare e Graciliano: tramando o direito.

Um ponto que aproxima literatura e direito é a interpretação. Levando

esse ponto em consideração, Dworkin (apud. RIBEIRO, 2012, p.302) salienta

que

o ponto que aproxima literatura e direito é a interpretação jurídica como uma questão sui generis, mas, sim, vislumbrando-a como a racionalidade imanente do direito. Dessa forma, os juristas poderiam valer-se da interpretação e do discurso literário, bem como de outras formas de interpretação artística para problematizar e melhor compreender o jurídico, inclusive nos casos mais complexos.

Essa contribuição dos textos literários no auxílio da interpretação dos

fatos é necessária para se aplicar a norma de forma eficaz. Então, a literatura

colabora para uma melhor compreensão do universo jurídico. Neste caso, os

juristas podem se valer da interpretação e do discurso literário e de outras

interpretações artísticas para compreender e problematizar o jurídico.

Ademais, é necessário que o jurista interprete os fatos e a lei dentro de

um contexto histórico, voltado para uma visão humanista. Nessa medida os

textos literários podem ser usados pelo profissional do direito, ou seja, a literatura

como argumento, como forma de uma resposta para a construção de um saber

jurídico, baseado em outros referenciais e, não somente, nos códigos e manuais.

Assim sendo, o imbricamento entre o sistema jurídico e o sistema literário

resgata a humanidade no Direito.

Oliveira (1998) visa a reconstruir a argumentação desenvolvida por

Dworkin acerca de como a interpretação jurídica se assemelha à interpretação

literária, perguntando-se: “De que maneira o direito se assemelha à literatura?”

(DWORKIN, apud OLIVEIRA, 1998, p.90). Diz ele. “... poderemos melhorar

nossa compreensão do Direito comparando-o à interpretação jurídica com a

interpretação em outros campos do conhecimento, especialmente a literatura.”.

56

Ainda pontua que “Nesse sentido, Dworkin considera que seria bom se os

juristas estudassem a interpretação literária e outras formas de interpretação

artística.” (1998, p. 91). Segundo Dworkin (apud OLIVEIRA, 1998, p.92),

para que possamos nos beneficiar de uma comparação entre a interpretação literária e a jurídica, é preciso ver a primeira numa determinada perspectiva. Assim, o que lhe interessa não é tanto o que os estudiosos de literatura chamam de descobrir o significado de um texto, perguntando-se sobre o que um autor quis ou não dizer com o uso de determinada palavra ou expressão, mas as teses que apresentem algum tipo de interpretação do significado de uma obra como um todo. Essas teses podem às vezes assumir a forma de afirmações sobre os personagens e sobre eventos na história por detrás da história. Mais comumente, oferecem hipóteses mais diretas sobre o objeto, o tema, o sentido ou tom do texto como um todo.

Tais afirmações interpretativas dizem respeito ao objeto ou significado

da obra como um todo, não ao sentido de uma palavra ou expressão em

particular. Acrescenta Dworkin que na literatura foram defendidas muito mais

teorias da interpretação que no Direito. Vale salientar que ao longo da história a

literatura serviu de pressuposto para a concretização de teses e teorias, inclusive

sobre o homem.

A partir da leitura dos artigos, podemos usar como exemplo várias obras

e escritores que estabelecem relações entre Literatura e Direito e permitem esse

diálogo de investigação jurídica. Estas obras podem ser usadas na atuação do

profissional do direito, que podem servir para analisar temáticas, elaborar

argumentos, exemplificam essas relações: 1984, de Orwell; Cães da Província,

de Assis Brasil; A trilogia Tebana: Édipo Rei, Antígona e Édipo em Colono,

de Sófocles; Germinal, de Zola; O Grito dos Mudos, de Schneider; Na colônia

penal, de Kafka.

Estas temáticas que poderão ser desenvolvidas a partir dos títulos acima

mencionados. Os autores do artigo “Direito e literatura: uma análise

interdisciplinar do fenômeno jurídico a partir dos textos literários” (2009)

sintetizam:

57

1984 (Orwell), a partir da qual podem ser abordados temas relacionados ao Estado, o poder, a sociedade, os regimes totalitários, a supressão da liberdade e do subjetivismo. Em Cães da Província (Assis Brasil), é possível analisarmos os paradoxos relacionados aos preconceitos com as diferenças (Qorpo-Santo versus sociedade), a influência dos costumes sobre os comportamentos, a marginalidade do mundo em relação à violência, ao adultério, a crueldade, as mentiras e a criminalidade. Outra obra, como A Trilogia Tebana: Édipo Rei, Antígona e Édipo em Colono (Sófocles), com a Trilogia, os alunos são estimulados a discutir o papel do cidadão, o papel da mulher, os riscos da tirania para a democracia, o conflito entre religião e Estado. Já em Germinal (Zola), podemos analisar questões relativas às

relações de trabalho, ao modo de produção capitalista, a super exploração da mão-de-obra. O Grito dos Mudos (Schneider), onde o autor destaca o drama do empregado nas suas relações profissionais e pessoais e o processo de desumanização em virtude do seu contato paradoxal com a máquina, a ameaça constante do desemprego e o sentimento da injustiça e da revolta relacionados com o conformismo. A obra Na Colônia Penal (Kafka) que pode servir de referência para analisar o instituto da pena, os seus limites, a fetichização na relação entre homem e máquina considerando o infalível instrumento de tortura que imprime a pena no corpo do condenado (o corpo como objeto do poder). Outros aspectos consideráveis na obra é a incapacidade do direito de lidar com situações extremas. A lei é abstrata, não pode ser contestada, não pode ser entendida pelo seu destinatário e se corporifica na forma de castigo. (FERNANDES; CAMPOS; MARASCHIN, 2009, p.4-5).

Mencionamos outros exemplos clássicos: Mercador de Veneza, de

William Shakeaspeare; Dom Casmurro, de Machado de Assis. Podemos

analisar como a Literatura expõe os processos judiciais, analisando as questões

de justiça; exemplo é a obra Mercador de Veneza, de William Shakeaspeare,

que tem como tema principal a legitimidade da lei e, principalmente, o abuso de

direito. Finalmente, a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, pode ser vista

como um objeto que se mostra bem elucidativo para demonstrar as relações

entre as duas áreas do saber: Literatura e Direito. Dado o exposto, a

aproximação entre Direito e Literatura pode proporcionar ao profissional do

Direito, ao educador e ao educando a leitura consciente e reflexiva da literatura,

instrumentalizando a integração.

Como destacado anteriormente, há inúmeros clássicos da literatura

brasileira que contêm em seus textos questões importantes relacionadas ao

ponto de vista jurídico. Consideramos importante contextualizar que as

interações entre Literatura e Direito são antigas, os estudos dessas interações,

no entanto, são mais recentes. Nos últimos anos, especialmente na América

58

Latina houve uma considerável evolução. No Brasil, desde 2006 há publicações

sobre o tema.

Todavia, é a partir de 2008 que se verifica um aumento notável da

produção acadêmica e bibliográfica e, a publicação das “primeiras obras

coletivas sobre o assunto: Direito & literatura: reflexões teóricas (Livraria do

Advogado Editora) e Direito & literatura: ensaios críticos (Livraria do Advogado

Editora)” (TRINDADE (Org.), 2010, p. 7). Segundo Godoy (2008, p.24): “O estudo

interdisciplinar entre Direito e Literatura denominado Law and Literature já

apresenta pesquisas consolidadas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.”

(2008, p.24).

Sobre o assunto a doutrina internacional classifica os diálogos entre o

Direito e a Literatura em três formas de abordagem: O Direito na Literatura, o

Direito como Literatura e, por fim, o Direito da Literatura, que abrange os direitos

autorais das obras literárias. Conforme Schwartz (apud FIGUEIREDO, 2010, [p.

5]):

O fato de abarcar abordagens e perspectivas bastante distintas, o Law andLiterature Movement, faz com que esse estudo via de regra, apareça em uma divisão tripla: O Direito na Literatura, O Direito como Literatura e o Direito da Literatura. O Direito na Literatura é o ramo da disciplina através da qual se analisa as formas sob as quais o Direito é representado na Literatura. O Direito como Literatura preocupa-se em analisar os dois campos, sob as perspectivas da retórica, da função da narrativa e da noção de interpretação. O Direito da Literatura é uma linha que se limita a cuidar das leis e das normas jurídicas que protegem a atividade literária, tem pouca relevância para os estudos em questão, vez que já se apresenta codificada, uma observação de segundo grau seria desnecessária.

A relação entre direito e Literatura realiza-se nestas três dimensões. Na

primeira abordagem analisam-se as formas sob as quais o Direito é representado

na Literatura; o Direito como Literatura preocupa-se em analisar os dois campos,

de acordo com as perspectivas da retórica, noção de interpretação e da função

da narrativa. A última, o Direito da Literatura limita-se a cuidar das leis e das

normas jurídicas que protegem a atividade literária.

Esta perspectiva do movimento Law and Literatur: Direito da literatura

analisa, por exemplo: a questão da liberdade de expressão – garantia

constitucionalmente assegurada, políticas de subsídios editoriais, a história

59

jurídica da censura, se pode estudar desde a regulamentação das bibliotecas

públicas até os programas escolares. Segundo Ascensão (1997, p.3).

A criação literária e artística recebe a tutela do Direito do Autor. Corresponde a uma atividade particularmente nobre, a tutela conferida pelo Direito do Autor é a mais extensa e a mais apeteada de todas as tutelas, dentro dos direitos intelectuais. A tutela de criação literária e artística faz-se basicamente pela outorga de um exclusivo.

Essa abordagem se insere na proteção das obras literárias. A criação

literária e artística por corresponder a uma atividade nobre tem sua tutela

conferida pelo Direito do Autor. Dessa maneira, a atividade literária fica protegida

perante a lei.

Ao compararmos Literatura e Direito na perspectiva da representação da

palavra, do ato de escrever, de como a linguagem de ambas se apresenta na

narração dos fatos, das histórias. Para tanto, pretendemos estabelecer algumas

diferenças entre essas duas áreas do conhecimento. Compartilhando com

(ABREU, 210, p.129): “Aparentemente, a obra de literatura e a obra de direito

ocupam-se da mesma massa: homem, sociedade, mundo físico. Mas de jeito

diferente. E com propósitos diversos”. O jurista-escrevente busca a palavra ou

expressão marcada pela denotação, trabalha com a contextualização, o discurso

dispensa figuras de estilo. A obra literária não é avessa à conotação e à

polissemia, dá lugar à ambiguidade, reinventa palavras, frases e construções, o

autor trabalha com os recursos estilísticos.

A obra de Literatura é arte, ficção, livre e possibilita a imaginação, a

subjetividade, a fruição, o deleite, a divagação e a linguagem literária é

conotativa, expressiva. O homem-personagem é concreto, singular, mas

também plural, a sociedade construída por esse perfil de homem apresenta-se

viva, movimentada, transfigurada; o mundo físico aparece com formas, cores,

sons, cheiros, sabores, opressivo, libertador. A ficcionalidade é,

em maior ou menor medida, essencial na literatura. Mais ou menos ligada à realidade, ainda que “realista” ou “neo-realisata”, ela não deixa de ser irrealista: fantasia, sonha, imagina e inventa personagens e enredos, metamorfoseia passado e futuro em presente, ausência em presença, transgride e possibilita o impossível. O “eu”-narrador, ainda quando referido ao autor do texto, é também ficcional. (ABREU, 2010, p.131).

60

A obra jurídico-doutrinal refere-se ao Direito, que é uma ciência social

aplicada que possui normas, leis, princípios, trabalha com a realidade normativa,

a objetividade, a argumentação e o convencimento. Diferentemente da

linguagem literária, a linguagem jurídica é denotativa, referencial, fria, áspera,

renuncia a todo tom emocional e a toda motivação. Conforme citação a seguir,

a obra de direito visa à realidade:

É obra real ou pretensamente realista. Interroga, interpreta e sistematiza fenómenos jurídicos, normas legislativas, princípios regulativos, decisões judiciais, antecipa ou promove soluções jurisprudências e legais, constrói noções, conceitos e institutos jurídicos. [...] Por sua vez, o “eu”- autor aparece na obra de direito como real. (ABREU, 2010, p.131).

Portanto, Literatura e Direito expressam-se pela palavra. As obras

literárias e jurídicas apresentam-se com estilos tão diferentes, mas ao mesmo

tempo complementares. Nesse sentido, o caráter reflexivo interessa na relação

Literatura e Direito. Para que o Direito seja justo, deverá calcar-se na Literatura.

Dessa forma, estaremos pensando no Direito de um outro modo. Segundo

D’Avila (2010, p. 155-156):

À margem do pretencioso tecnicismo característico de alguns espaços de juridicidade, a literatura continua a dar vida a mundos imaginários, a parir realidades fantásticas, em que o Direito é constantemente (re)inventado, (re)estruturado, (re)fundamentado. O ato de escrever é, em seu seio, sem dúvida, expressão da mais intensa e humana liberdade. De uma liberdade tal que, alheia às objeções científicas do nosso tempo, é capaz de inventar a si própria e, consigo, figuras tão humanas que, em sua realidade ficcional, são capazes, muitas vezes, de arrastar toda a compreensão civilizacional de um tempo. A literatura inventa mundos, inventa sóis e luas, dias e noites, e inventa também homens que, consigo, carregam as imperfeições de sua indissociável humanidade. Nenhum lugar, nem tempo, poderia ser melhor para compreender a complexidade do homem [...] da narrativa literária. Esse por certo, é o espaço ideal para recolocar, incessantemente, as questões perenes do Direito penal [...]

A Literatura, em seu lúdico espaço inventivo, se faz mais próxima do modo

de ser humano e, na sua imperfeição, descomprometida com respostas, se faz

arte de descrever a humanidade dos sujeitos. Um espaço fantástico,

desprendido da realidade nua, no qual se debruça o Direito em sua ciência com

vontade de justiça.

61

Podemos sintetizar que a abordagem da Literatura e Direito até para a

sobrevivência do movimento “Law and literature” - Direito e Literatura deve

basear-se no texto, ou melhor, partir do texto à teoria, considerando que o fato

de que os melhores discernimentos sobre como ler e compreender o mundo

nascem das histórias – histórias sobre justiça, pois as histórias proporcionam o

desempenho da democracia. Por isso, insistimos na necessidade de juízes,

advogados, estudantes de Direito, lerem ao longo de suas carreiras

determinados tipos de romance, contos, textos literários, pois estes expandem

de forma singular sensibilidade ao discurso, às ambições e aos sentimentos

daqueles a quem o trabalho envolve. Segundo Abreu (2010, p. 134) a literatura

contribui:

- Para compreender os homens (princípio e fim do direito), os interesses, valores, contradições, conflitos que legitimam ou reivindicam certo direito; - Para compreender como compreendem e sentem os homens o direito com que vivem; - Para aperfeiçoar a escrita (se a técnica da narrativa se encontra mais na prosa do romance ou da novela, já que a arte do muito a dizer com pouco se encontrará mais na poesia); - Para, sem a sabedoria tecnicista da argumentação jurídica, revelar o que importa revelar.

Dado o exposto, faz bem aos juízes, advogados, estudantes de direito

ler literatura, mesmo aquela que não aborda questões jurídicas. Já que a

literatura contribui para compreender os homens. Ter chamado a atenção para

isso, talvez seja a causa maior desta pesquisa. Ao propormos o diálogo entre

Literatura e Direito, permitimo-nos traçar uma relação entre as duas áreas, pois

cada uma à sua maneira preocupa-se com a interatividade da experiência e com

a ação humana.

62

3 PROPOSTA DE MEDIAÇÃO DE LEITURA

Quando optamos por inserir o quadro abaixo e nele está sistematizado o

roteiro usado nessa proposição, o qual integra um trabalho de prática mediadora

de leitura, objetivamos ressaltar a ideia da importância desse roteiro para a

pesquisa, pois serve de norte para as duas práticas mediadoras de leitura para

o Ensino Superior, mais precisamente para os graduandos da turma do Direito.

QUADRO 1 – Roteiro da Proposição Didática

Item do Roteiro Descrição

Temática

Seleção de um recorte temático para leitura do texto literário, visando ao diálogo entre Literatura e Direito.

Pressupostos

Alusão aos conhecimentos e leituras necessários para a execução de...

Objetivos

Delimitação dos objetivos previstos para proposta, a fim de nortear o trabalho.

Habilidades e Competências

Com base nos objetivos, destacam-se habilidades e competências que podem ser exploradas no processo de mediação de leitura proposto, correlacionando-se

com as Diretrizes Nacionais para o

Curso de Direito

Público-alvo

Escolha de um público-alvo adequado à leitura literária e às atividades

elaboradas, ou seja, estudantes

universitários.

63

Metodologia

Menção dos recursos e materiais básicos para a execução das atividades e o tempo previsto para a aplicação.

Roteiro da prática mediadora de

leitura

Explicação detalhada de cada

atividade que será proposta

Sequência didática

Compõe a proposta, dividida de forma a facilitar o entendimento e desenvolvimento das mesmas.

Avaliação

Proposta de avaliação das atividades de leitura

Adaptado de Ott (2015, p. 93-94)

Em cada proposta, apresenta-se o roteiro de atividades que norteiam o

planejamento e a possibilidade de execução de leitura. Na sequência, são

apresentadas duas propostas de mediação de leitura construídas a partir do

roteiro acima descrito.

Quando pensamos na primeira proposta de mediação de leitura,

precisamos explicitar cada item do roteiro acima descrito, pois esses itens

nortearão a construção das duas propostas de diálogo de execução de prática

mediadora de leitura entre literatura e direito. Dessa forma, esta seção destina-

se à descrição do roteiro-base sistematizado, respectivamente em: temática,

pressupostos, objetivos, habilidades e competências, público-alvo, metodologia,

roteiro da prática mediadora de leitura, proposição didática, e avaliação.

A ideia de partir de um tema surgiu porque temos o intuito de discutir

determinado tema de interesse dos universitários ou de relevância para a

formação dos mesmos. Por conseguinte, ao sugerirmos um texto literário para

abordagem de uma temática como proposição que será apresentada em aula,

estaremos valorizando a Literatura e priorizando o ensino da Literatura como

forma de conhecimento e reflexão, através da leitura do texto. Segundo

Ginzburg:

64

Um ensino de literatura de qualidade, no contexto brasileiro contemporâneo, deveria ser caracterizado por alguns elementos fundamentais. Estudantes poderiam estar sendo preparados para a reflexão crítica, sendo capazes de ler livros dos mais diversos gêneros e realizar atividades de paráfrase, análise e interpretação, incluindo examinar a contextualização, e também indicar relações intertextuais com outros livros. Professores e estudantes poderiam, em escolas e universidades, estar ativamente envolvidos em um permanente debate sobre livros, discutindo não apenas suas opiniões, mas os critérios que as fundamentam e o impacto dos debates que realizam. Comunidades acadêmicas sustentariam com motivação a constante possibilidade de pensar em problemas complexos, e a discussão de perspectivas individuais e coletivas de entendimento desses problemas, articulando relações entre o presente e o conhecimento histórico. (GINZBURG, 2012, p.211).

Segundo o autor, estudantes e professores poderiam estar ativamente,

nas escolas e nas universidades, envolvidos em atividades de leitura de diversos

gêneros e em debates sobre livros, incluindo a reflexão crítica e exercícios de

paráfrase, análise e interpretação, para um ensino de Literatura com qualidade.

Ademais, ao selecionarmos um recorte temático para leitura de texto

literário, visando à interdisciplinaridade, ao diálogo entre Literatura e Direito,

estaremos dando relevância à leitura do estudante do ensino superior, turma do

direito, e, para os Cursos de Letras do Ensino Superior, a fuga do ensino que

prioriza as escolas literárias. Entendemos que a abordagem a partir de eixos

temáticos vai ao encontro ao que Ginzburg (212, p. 214) caracteriza como ensino

fantasmagórico da literatura ao explicar que “A estrutura em vigor hoje, pautada

pela leitura instrumental, pelas pastas de xerox, pelo conhecimento reprodutivo,

por clichês, falta de entusiasmo, trabalhos acadêmicos comprados e copiados,

é uma constituição fantasmagórica”. O conceito de fantasmagoria articula o

contexto abordado, pois existe a hipótese de que problemas referentes às

limitações de leitura dos estudantes estão vinculados às dificuldades na

formação dos universitários de Letras no Brasil.

Ao abordarmos a Literatura como forma de conhecimento e reflexão,

estaremos fazendo alusão ao pressuposto de que o texto literário deve ser o

objeto central, uma vez que a leitura é o melhor caminho para aprender

Literatura, conforme já mencionado por Zilberman (2005). Ainda, compartilhando

com Antonio Candido (apud Porto e Porto, 2014, p.91),

65

Ao desenvolver esta proposta de reflexão, partimos do pressuposto de que a literatura, segundo o que assevera Antonio Candido (1995), é um bem incompreensível e um direito do homem, direito que não pode ser negado a nenhum indivíduo. Portanto, temos todos o dever de viabilizar o acesso dos cidadãos brasileiros à literatura, em suas múltiplas formas, possibilitando não só o contato com autores e obras, mas também o prazer pela leitura e o desenvolvimento da habilidade de interpretação literária. Além de ser um direito, como enfatiza Candido (1995), a literatura é fundamental por desenvolver em cada um de nós a humanidade e a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, compreendendo nossos semelhantes. Essa incitação à humanização provocada pela literatura faz desta arte um meio de formação indispensável à nossa formação, mas a defesa dessa expressão artística ainda se ampara em outros argumentos.

Reconhecemos todas essas potencialidades da Literatura, por isso o

contato do estudante com a leitura, com o texto literário precisa ser viabilizado

como um direito e como um bem e para desenvolver a humanidade e a

capacidade de colocarmo-nos no lugar do outro, como enfatiza o crítico Antonio

Candido.

Partimos do pressuposto de que a Literatura deve ser analisada tanto na

forma quanto no conteúdo. Para tanto, fazemos referência sobre “A configuração

da obra” citando Cândido 2006:

A obra depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam a sua posição. Mas por motivo de clareza preferi relacionar ao artista os aspectos estruturais propriamente ditos. Quanto à obra, focalizemos o influxo exercido pelos valores sociais, ideologias e sistemas de comunicação, que nela se transmudam em conteúdo e forma, discerníveis apenas logicamente, pois na realidade decorrem do impulso criador como unidade inseparável. Aceita, porém, a divisão, lembremos que os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma. (CANDIDO, 2006, p.34)

Conteúdo e forma, essas duas características, numa obra literária,

podem ser analisadas conjuntamente. Refletir sobre a dualidade (conteúdo e

forma) de um mesmo objeto permite analisá-lo de forma mais abrangente. Assim,

um texto literário é forma (entendido aqui como os elementos composicionais –

narrador, tempo, espaço, dentre outros) e conteúdo (ter o que dizer), um

analisado de forma integrada com o outro.

Além de ser o objeto central, o texto literário pode ser objeto para o diálogo

com o Direito. Por isso, é importante entendermos as noções da Literatura

comparada para relacionarmos obras de autores diferentes, contextos

66

diferentes, gêneros diversos, mas que abordem a mesma temática, o mesmo

contexto e podem dialogar entre si. Quando fazemos uma análise desse tipo,

estaremos levando em conta o diálogo o que pressupõe uma perspectiva

interdisciplinar, outro pressuposto que norteia as duas proposições desta

dissertação.

A Literatura torna-se necessária para a formação humana, para o leitor do

ensino superior, para a formação do bacharel em Direito, visto que: “A literatura

desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais

compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.

(CANDIDO, 1995, p. 249). A função humanizadora da Literatura defendida por

Candido implica na formação da personalidade, capaz de proporcionar a reflexão

para a atuação consciente do indivíduo na sociedade.

No entanto, a Literatura precisa ser “lida” com a mediação do professor.

A presença da figura do professor no processo de mediação de leitura é

determinante na vida do leitor, cabe a ele nortear, adaptar, incentivar, mostrar as

sutilezas dos textos escritos e entrelinhas do texto, bem como enriquecer suas

práticas, investindo em formação continuada e profissional como um leitor. A

figura do professor mediador é ponto de referência fundamental para as

abordagens da Literatura inter-relacionada a discussões do Direito, como

apresentaremos aqui.

Assim, no sentido de qualificar a habilidade de leitura discente, do ensino

superior, curso do Direito, as boas práticas de leitura de Literatura dependem da

mediação do professor, por isso, ele precisa pensar e elaborar práticas

condizentes de acesso à leitura do texto literário para os graduandos.

Compartilhando com Porto e Porto (2014), salientamos que

é importante que os professores compreendam a importância da leitura para a formação humana e cultural, a qual prescinde de um hábito diário: a leitura. Sem professores leitores, que sabem apreciar a qualidade estética e estabelecer relações entre textos (literários ou não), não há como formar alunos leitores.(PORTO; PORTO,2014, p.102)

Importa despertar o interesse pelo texto literário e proporcionar a leitura

do texto integral, numa perspectiva de apreciação do objeto literário, de

67

interdisciplinaridade, longe de pretexto para aprendizagem de conteúdos de

outras disciplinas.

Nessa perspectiva, a Literatura, no contexto universitário, deve priorizar

estes aspectos: reflexão crítica, leitura de textos dos mais diversificados

gêneros, estímulo da capacidade de síntese, análise e correlação com outras

obras. Assim, ao partirmos da leitura do texto literário, estaremos oportunizando

um ensino de Literatura de qualidade como forma de conhecimento e reflexão

crítica. Estaremos formando um bom leitor, capaz de criar possibilidades mais

abrangentes de integração, humanização e ação social. Um ensino de Literatura

qualificado, voltado às mudanças e transformações sociais e de formação

cultural, intelectual e letramento.

É imprescindível a delimitação de objetivos para nortear as propostas de

trabalho. As metas que possibilitam nortear as duas propostas de diálogo entre

Literatura e Direito, podem ser definidas, considerando os aspectos valorizados

pela Literatura no contexto superior. O primeiro deles é a reflexão crítica; depois,

a leitura de textos de vários gêneros; por fim, o estímulo da capacidade síntese,

análise e correlação com outras obras, de tal forma a privilegiar competências e

habilidades previstas nas DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais, do curso de

graduação em Direito.

Nesse contexto, um dos objetivos é relacionar textos diferentes, partindo

da leitura literária para sensibilização, humanização e não temos como ter

certeza de que haverá uma transformação do sujeito que lê, mas empiricamente

e na nossa experiência como professora, acreditamos nessa mudança do

comportamento do leitor. Outro objetivo é proporcionar a reflexão sobre

contextos sociais e culturais diferenciados, possibilitando na formação do

bacharel em Direito pensar em questões sociais enfatizadas pela Literatura e

ainda desenvolver habilidades de leitura e produção textual.

Com base nos objetivos, destacamos habilidades e competências que

podem ser exploradas no processo de mediação de leitura, correlacionando-as

com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso do Direito. Por

conseguinte, identificamos nesse documento quais competências e habilidades

se adéquam ao trabalho que propomos.

As DCNs do Direito, em seu inciso IV do Artigo 2º, parágrafo 1º

contemplam: IV – formas de realização da interdisciplinaridade, o que nos leva

68

à conclusão de que nossas propostas inserem-se adequadamente nessa

perspectiva porque priorizam um diálogo entre Literatura e Direito. Não obstante,

é o Artigo 4º que trata das habilidades e competências, contempladas na citação:

Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências: I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas; II - interpretação e aplicação do Direito; III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito; IV –adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos; V –correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito; VI –utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica; VII - julgamento e tomada de decisões; e, VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.(CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 17)

Portanto, considerando as habilidades e competências acima expostas,

poderemos estabelecer relações entre Literatura e Direito, pois elas possibilitam

sua aplicação às propostas de mediação de leitura. Ainda podemos estabelecer

relações entre o texto literário e o texto jurídico, relacionar temas e produzir

novas propostas, que enfoquem valores sociais e humanos, situando aspectos

do contexto histórico, social e cultural. Também podemos fazer uso das

diferentes tecnologias da comunicação e informação no processo de mediação

de leitura literária.

Estudantes universitários compõem o público-alvo das nossas propostas

tendo-se como referência aqueles que estão matriculados no Curso de Direito,

embora as proposições não se limitem apenas a esse perfil discente.

Quanto à metodologia faremos menção dos recursos e materiais básicos

para a execução das atividades previstas em cada proposta, bem como do

tempo para executá-las. Dado o exposto, a metodologia das duas propostas está

alicerçada em recursos humanos (professor e alunos) e recursos matérias

(textos literários, não literários – Leis, Constituição Federal, quadro, pincéis,

projetor, áudio). O tempo para execução de cada proposta está previsto em 4h;

69

dois dias letivos, podendo variar, conforme a necessidade, acolhida, recepção

às propostas de mediação de leitura.

Esses recursos de ordem humana, material e tecnológica são necessários

para o desenvolvimento das propostas. Os métodos interativos de leitura e

produção textual contam com a colaboração dos alunos e da mediação do

professor para a leitura, reflexão, construção dos sentidos atribuídos aos textos

lidos e a posição frente às temáticas abordadas. Nessa metodologia, o aluno é

considerado sujeito da construção da leitura e do processo de interação com o

texto.

É válido ressaltar que ambas as propostas com as respectivas atividades,

embora flexíveis, estão alicerçadas na metodologia, discussões que embasam o

primeiro e o segundo capítulos desta dissertação, e visam, a partir do texto

literário, tornando o trabalho prazeroso.

Nessa perspectiva, (PORTO e PORTO, 2015, p.141) citam o crítico

Antonio Candido (2004), o qual menciona “que a literatura através de sua fruição

estética, pode conduzir seu interlocutor a avaliar temas e problemas sociais que

interferem direta ou indiretamente na vida social coletiva. Pelo fato de a literatura

dispor desse poder de reflexão e leitura da sociedade (...)”. Assim, seguindo

Candido (2004), propomos pensar nesse potencial da literatura de estimular a

reflexão e aprofundarmo-nos nos “problemas da vida”.

Para as propostas mediadoras de leitura orientamo-nos no Roteiro de

prática mediadora de leitura. Assim sendo, pensamos em três momentos que

são apresentados no quadro com o Roteiro que passamos a explicitá-los

respectivamente: mobilização, análise, comparação e apreciação crítica:

a) Mobilização: Ativar o conhecimento prévio dos universitários com o intuito de

motivá-los para a leitura proposta e para a temática que será abordada, através

de questionamentos, vídeo.

b) Análise: Leitura oral e expressiva de um texto literário (conto) selecionado;

discussão mediada pelo professor. Abordagem da Lei que trata da temática.

c) Comparação e Apreciação Crítica: Leitura comparada entre o texto literário e

o texto não literário. Levantamento das semelhanças e diferenças entre ambos,

através do cotejo.

Esses três momentos fazem parte da Sequência de Leitura que norteia as

propostas, e a divisão foi pensada de forma a facilitar o entendimento das

70

mesmas. Dessa forma, nesses momentos serão explicitadas as diversas

atividades que compõem a sequência de leitura, de acordo com as leituras

selecionadas e a temática.

O sistema de avaliação a ser observado pelas Instituições de Ensino

Superior, do Curso de Graduação em Direito, Bacharelado, está previsto nas

Diretrizes Curriculares Nacionais e prevê as formas de avaliação do ensino e da

aprendizagem, inclusive incluindo a prática de estudos e atividades

interdisciplinares.

Dado o exposto, as DCNs de Direito possibilitam a avaliação de

habilidades, conhecimento e competência do aluno em interface com a

Literatura. Esse diálogo embasa a construção do conhecimento. O processo

ensino/aprendizagem necessita de avaliações para oportunizar a imediata ação

do professor como mediador na construção da aprendizagem, considerando a

construção do conhecimento do aluno como um todo, coerente e significativo.

Dessa forma, adotar abordagens temáticas de interesse do grupo ou de

relevância para sua formação possibilita uma prática de avaliação mais

formativa. Partindo da leitura do texto integral, promovendo o entusiasmo, a

participação, o envolvimento do grupo na tempestade de ideias e na realidade

vivenciada ou do contexto social, na interface entre as duas áreas do

conhecimento: Literatura e Direito, no texto e na Lei – no literário e não literário,

acreditamos que pela mediação do professor é possível contemplar o processo

de construção do conhecimento, da aprendizagem do estudante de forma

prazerosa, crítica, tornando-o mais humano, comprometido, cidadão. O

mediador de letras teria o perfil ideal para desenvolver as duas propostas, pelo

duplo alcance da pesquisa para Letras e Direito, considerando a bagagem de

leitura literária e ter recebido formação, ou seja, desenvolvido habilidades para

trabalhar com o texto literário e não literário em sala de aula,...

3.1. Primeira proposta: Aborto é direito ou crime?

Nesta seção, passaremos a apresentar a primeira proposição a partir

desta temática: O aborto na perspectiva teórico-crítica no Direito e na Literatura.

Salientamos que esta temática, que inter-relaciona as duas áreas do

71

conhecimento, é relevante para a formação do leitor, pois o tema do aborto

aparece na literatura, contribui para a reflexão dos problemas e humanização do

futuro bacharel em Direito, além de abordar os direitos humanos. Citando

Candido (2004) (apud PORTO; PORTO, 2015, p. 144), destacamos que “Uma

sociedade justa pressupõe o respeito aos direitos humanos, e a fruição da arte

e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito

inalienável”.

Ainda, consideramos que é importante relacionar leitura, leitura teórico-

crítica e formação literária no Ensino Superior, Curso de Direito. A literatura

precisa ser explorada porque possibilita entre outras habilidades, criar

realidades, refletir sobre o mundo, ampliar horizontes e humanizar as pessoas.

Amparados na literatura comparatista que possibilita o cotejo entre textos

produzidos em uma mesma língua, mas de natureza diversa, de gêneros

diferentes, ou de outras áreas de expressão humana.

Para tanto, partiremos de um curta-metragem “Aborto: direito ou crime?”

– Parte 1 (2010), visualizado no You tube e um vídeo do médico Drauzio Varella

(2009), que abordam o tema, seguindo com a apresentação do conto “O feto”,

do livro Filhos da Pátria, de João Melo, publicado em 2001;também será

contemplado um artigo de opinião intitulado “A ´safada´ que ´abandonou´ seu

bebê (2015), da escritora e jornalista Eliane Brum e a discussão referente à

Constituição Federal, Art. 5º., caput, da Lei Maior de 1988, que preconiza a

garantir a inviolabilidade do direito à vida, bem como o artigo 124 do Código

Penal que dispõe: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho

provoque”. Ainda, considere-se que não há consentimento quando (art. 126,

§único) a gestante é menor de quatorze anos.

Os vídeos selecionados objetivam introduzir a temática do conto “O feto”

acerca do aborto e mobilizar para a leitura do conto selecionado, o qual é tomado

como ponto central de reflexão. O curta-metragem “Aborto: direito ou crime?”

(2010) apresenta em oito minutos métodos e as consequências do aborto, e

poderá ser acessado neste

link: https://www.youtube.com/watch?v=M6vRRL8xouI. Esse curta-metragem

salienta que, segundo pesquisa da ONU feita recentemente no Brasil, o aborto

legal tem como consequência uma taxa de mortalidade menor do que de abortos

praticados clandestinamente. Ademais calcula-se que a cada ano 70 mil

72

mulheres morrem em consequência de abortos seguros e clandestinos, sendo a

maioria das mulheres com idade entre 15 e 19 anos. Ainda faz uma abordagem

sobre os tipos de abortos, a prática e as consequências do aborto e cenas do

filme: “O Aborto dos outros” que apresenta depoimentos acerca de pessoas que

praticaram o aborto.

O médico Drauzio Varella apresenta, em vídeo de 2009, disponibilizado

em https://www.youtube.com/watch?v=vkZyXlSfMT0, a situação do aborto no

Brasil e aponta que é a quinta causa de mortalidade materna no Brasil.

Exemplifica que, em estudo feito pela Universidade de Brasília (UB), 20% das

mulheres acima de 40 anos fizeram aborto. Ainda questiona: se a legislação

fosse aplicada, quantas pessoas estariam presas ou na cadeia em função da

prática ilegal?

A escritora, repórter e documentarista Eliane Brum”, em texto

publicado no seguinte endereço eletrônico

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/12/opinion/1444657013_446672.html,

apresenta artigo de opinião “A ´safada´ que ´abandonou´ seu bebê (2015). Nele

a escritora discorre acerca de Sandra Maria dos Santos Queiroz, 37 anos,

nordestina da Bahia que migrou para São Paulo, onde trabalha como empregada

doméstica, engravidara e escondera da família até que parira um filho sozinha,

cortara o cordão umbilical, vestira e colocara numa sacola que depositara

debaixo de uma árvore, nas proximidades de um prédio e ficara na “espreita” até

que alguém “adotasse” a criança. No entanto, fora denunciada por um zelador

paraibano que chamou a polícia e ela fora detida.

No Brasil a punição para quem abandonar um bebê é pena de três anos

de reclusão. Sandra fora liberada para aguardar a sentença e o bebê

encaminhado para a adoção legal. A escritora salienta: “Como o mito da

maternidade demoniza as mulheres ainda hoje e as reduz a mães desnaturadas

ou criminosas, só toleradas se forem consideradas ‘loucas’”. Ainda: “O lugar

mitificado dado à maternidade por uma série de razões históricas reduz mulheres

como Sandra a ‘safadas’, no jargão popular, a criminosas no Código Penal”. A

história de Sandra tem a ver com essa atribuição cultural dadas às mulheres e

finaliza: “Para alcançarmos a dignidade, precisamos dizer o mais difícil. O muito

mais difícil: # Somos todas Sandra. Eu sou.”.

73

A narrativa do conto “O feto” inicia-se com a fala da narradora-

personagem que em primeira pessoa conta a história, da qual participa. Trata-

se de uma menina que desde os 13 anos de idade, teve de se prostituir para o

sustento da família, e essa condição fora imposta pela mãe, como forma de

sobrevivência de ambas. A menina deseja romper com essa violência sexual que

se impõe todos os dias. No entanto, acaba por conceber um feto que é abortado

e jogado no lixo. Na perspectiva de Ana Paula Teixeira Porto (2014, p. 6):

A personagem, uma anônima, conta em detalhes como sofrera após ter tido sua primeira relação sexual e o desejo de não ter que se submeter àquela situação e ter uma outra vida diferente da sua. Esse sofrimento passa a ser intensificado pelas sucessivas repetições de relatos sobre os mesmos fatos, como se a personagem precisasse exteriorizar sua vida indigna. Esse sofrimento e repúdio ao que vive são a motivação para o aborto, pois a menina não quer que mais um sujeito tenha uma vida tão ordinária, dolorosa e infeliz quanto a dela, prefere então a morte a ter de dar à luz a uma criança que poderá repetir a sua sina.

Constatamos que a narradora não demonstra ter sentimento de culpa

pela prática do aborto em si mesma. A motivação para o aborto da personagem

é justificada pelo sofrimento e repúdio que vivencia para sobreviver e por não

vislumbrar possibilidade de alterar sua condição. Devido a essa violência social,

justifica que não quer que uma outra vida possa viver em condição de objeto, de

mercadoria, como sujeito sem oportunidade de alterar essa história de dor e

sofrimento.

Salientamos que as ponderações serão analisadas a partir da forma e

da temática do aborto do conto, ou seja, o aborto na perspectiva jurídica

brasileira e teórico-crítico em literatura.

O aborto, na abordagem jurídica que ampara a discussão temática, deve

refletir o que está estabelecido no documento da Constituição Federal,

promulgado em 1988, que poderá ser acessado em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Essa

legislação vigente nega agressão à vida humana de modo incondicional, sem

distinção entre vida uterina ou não, interligada à aplicação da Lei Penal previstas

nos Artigos 124 a 128 do Código Penal que normatizam os casos de aborto:

74

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124. - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125. - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos. Art. 126. - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada Art. 127. - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

No primeiro caso, a gestante é o sujeito ativo do crime de aborto

provocado ou consentido, previsto no artigo 124. Noutro caso, previsto nos

artigos 125 e126, o provocador do aborto é o sujeito ativo do aborto sofrido ou

consentido. Nesse sentido, a gestante será punida em conformidade com o

artigo 124 do Código Penal, enquanto que o provocador sofrerá pena do artigo

126 do mesmo código. O artigo 128 dispõe da autorização pela lei para salvar a

vida da gestante quando não houver outro recurso e para interromper a gravidez

resultante de estupro. Essas duas hipóteses previstas na legislação são casos

de aborto legal. Esses artigos do Código Penal podem ser visualizados e

consultados dependendo do caso de aborto no seguinte endereço eletrônico:

http://www.oas.org/juridico/mla/pt/bra/pt_bra-int-text-cp.pdf.

Podemos salientar que os objetos selecionados, ou seja, curta-metragem,

vídeo de Drauzio Varella, artigo de opinião, de Eliane Brum e a Constituição

Federal, são do Brasil, enquanto que o conto, “o feto”, da África, será analisado

à luz da legislação brasileira. Além disso, integram os recursos materiais da aula:

projetor multimídia, textos impressos, caixa de som, quadro, pincéis, fragmento

da Constituição como suportes para embasar e nortear esta proposição que põe

em diálogo Literatura e Direito.

75

O cotejo entre esses objetos de gêneros diferentes, literários e não

literários, além de possibilitar o enriquecimento, a discussão referente à temática

do aborto, propicia a construção de uma argumentação convincente para o

acadêmico pensar em propostas de reformulação da legislação brasileira e

readequação da lei, bem como desenvolver habilidades e competências de

acordo com as DCNs do Direito e despertá-lo para a leitura do texto literário, a

fim de humanizar as práticas do futuro bacharel.

Passaremos a elencar os pressupostos para a execução desta proposta

que inter-relaciona Literatura e Direito, fazendo alusão aos conhecimentos e

leituras necessárias para tal, segundo o roteiro previamente apresentado e

explicitado na seção anterior.

Esta proposta apresenta uma reflexão sobre leitura com base na seleção

de um elemento temático que é atual e imprescindível para a formação humana

do profissional do Direito: o aborto. Para a discussão dessa temática,

aproximamos duas áreas do saber, literatura e direito, com o objetivo de instigar

uma leitura de caráter comparatista e interdisciplinar,

(...) para responder a alguns questionamentos que são comuns tanto aos estudos literários quanto aos jurídicos e que podem ampliar a compreensão do fenômeno jurídico através da leitura literária, por um lado e, por outro, fortalecer a interpretação da literatura à luz dos direitos fundamentais, nos quais se incluem os direitos humanos. (FENSTERSEIFER; PORTO; ARAUJO, 2015, p 253.)

Assim, essa leitura de caráter comparatista e interdisciplinar possibilita

responder questionamentos das duas áreas do conhecimento através da leitura

literária, bem como ampliar a compreensão de ordem jurídica e fortalecer a

interpretação da literatura numa perspectiva que vislumbra os direitos

fundamentais e os direitos humanos.

Para introduzir o tema do aborto na perspectiva jurídica brasileira e

teórico-crítica em literatura, sugerimos que o professor e alunos assistam ao

curta-metragem e ao vídeo já mencionados. Visando ao desenvolvimento desta

aula é necessária a leitura do conto “O feto”, de João Melo, embora esse conto

representa um contexto africano que na perspectiva de Ana Paula Porto (2014,

p. 5):

76

Numa fala contínua, com diversas frases que acenam para uma fala sufocante, o conto de João Melo exterioriza um dos fatos mais dolorosos do processo colonizatório de Angola: a violência imposta à mulher. Marginalizada e com poucas condições para reagir a um sistema opressor e violento comandando por homens, a mulher via-se vítima da fúria sexual masculina, sendo conduzida à prostituição como forma de sobrevivência, como aponta o enredo do conto “O feto”.

Esse contexto de Angola repleto de sofrimento e repúdio que a narradora

vivencia a induz à prática do aborto que será analisado numa situação brasileira

à luz da legislação brasileira, com o intuito de que o universitário do Direito

estabeleça inter-relações entre o texto literário angolano e a Lei brasileira, de

acordo com os objetivos elencados, nesta proposição.

Esse comparatismo como estratégia de ensino proporciona o diálogo

entre o texto e o leitor, também estimula no aluno o conhecimento, a ser um leitor

autônomo e ao professor um mediador de atividades com múltiplas

possibilidades que o texto literário oferece com intuito de promover a leitura

literária na universidade, a reflexão, análise crítica e tratá-la como prática social.

Outro pressuposto é o de que a literatura tem uma “força humanizadora”

que se exprime usando como matéria-prima o homem e depois “atua na própria

formação do homem”. (CANDIDO, 1972, p. 163). Essa possibilidade de ação

dupla do texto com temática sobre o aborto, por exemplo, poderá contribuir para

a formação do sujeito e para a fruição da literatura.

Nossa pretensão com esta proposição que inter-relaciona Literatura e

Direito está alicerçada nestes objetivos: Estimular a reflexão crítica que

correlaciona Literatura e Direito. Ampliar através da leitura do texto literário o

horizonte e o repertório de leitura dos universitários; Fundamentar uma leitura

crítica de textos produzidos em diferentes linguagens, estabelecendo um diálogo

acerca dos Direitos Humanos; Refletir criticamente, a partir da leitura

comparatista das narrativas, se a literatura apresentou poder humanizador

diante da temática do aborto na sociedade; Abordar questões éticas e legais

envolvidas na problemática do aborto em conformidade com a Constituição

Federal; Produzir um texto a partir da leitura crítica comparativa associada à

produção de um artigo de opinião, no qual pressupomos que os alunos já saibam

o que é um artigo de opinião e como se estrutura.

77

Em se tratando de habilidades e competências, selecionamos das

Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNS) do Curso de Direito as seguintes

habilidades e competências que se adéquam ao trabalho que propomos

identificadas nesse documento, Art. 4º.:

I– leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas; II –interpretação e aplicação do Direito; VI – utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica; VII - julgamento e tomada de decisões;(CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 17)

Norteiam a proposta os incisos I, II, VI e VII das competências e

habilidades das DCNS do Direito interligados ao Eixo de Formação Fundamental

do Art. 5º, incisos I, II e III a seguir:

I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia. (CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 17)

O Eixo de Formação Fundamental objetiva integrar os conteúdos

essenciais na formação do bacharel em Direito a outras áreas do conhecimento,

a fim de estudar conteúdos importantes para sua formação, dentre eles citamos

Ética, Ciência Política, Filosofia, Sociologia. Esse eixo aliado aos eixos: Eixo de

Formação Profissional e o Eixo de Formação Prática, integrados possibilitam

uma formação integral, voltada às mudanças sociais necessárias para o bem

comum e que podem ser exploradas no processo de mediação de leitura

proposto.

Ao elegermos essas metas, pensamos num público-alvo adequado à

leitura literária e às atividades elaboradas, ou seja, estudantes universitários de

instituições comunitárias. Observando empiricamente o perfil desses estudantes,

constatamos que são jovens egressos de escola pública, ensino noturno,

apresentam uma série de dificuldades de escrita e compreensão das ideias e

ainda são pouco afeitos a leituras literárias aprofundadas e frequentes. Portanto,

78

não são leitores proficientes, tendo-se como parâmetro os dados dessa pesquisa

sobre leitura e o ensino de literatura nas escolas já apontados nos dois primeiros

capítulos desta dissertação.

Ademais, a pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2012) define leitor

como “aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três

meses” e “não-leitor é aquele que não leu nenhum livro nos últimos três meses,

mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses” (FAILLA, 2012, p. 254). Por

conseguinte, o conceito de leitor e não-leitor atrelado à pesquisa acima, permite

concluir que uma pessoa que não lê um livro inteiro em três meses não seja

considerada leitora.

Dado o exposto, consideramos que o letramento crítico é uma

competência imprescindível no ensino superior. Por isso, deve ser

proporcionada a leitura do texto literário como forma de ampliação dos horizontes

culturais, maior capacidade interpretativa da realidade. Nessa perspectiva,

professores universitários de Literatura e Direito em artigo constatam:

Ler e compreender textos são consideradas por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, dentre elas Letras e Educação, habilidades básicas no processo formativo desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Contudo, neste último nível de ensino não é incomum, pelo menos no contexto brasileiro, identificar estudantes de graduação que pouco leem ou quase nunca têm contato com livro e que demonstram sérias dificuldades em compreender textos e produzir leituras sobre o que leem, apesar de pesquisa recente indicar que é no ensino universitário que se encontra a maior média da relação entre livro e escolaridade4, o que implica reconhecer que o contato com a leitura em níveis mais elementares de formação é ainda menor, fato que, em tese, poderia justificar deficiências em leitura no ensino superior.(FENSTERSEIFER; PORTO; ARAUJO, 2015, p 253.)

Essas lacunas constatadas no processo formativo dos acadêmicos

diminuem as chances dos alunos de atribuírem significado ao que leem e

posicionarem-se de forma crítica frente aos textos e à vida social. Por isso,

propomos uma reflexão sobre leitura com base na delimitação de um elemento

temático, tendo em vista essa possibilidade que inter-relaciona diferentes áreas

do saber, desenvolvendo uma abordagem crítica que aproxima Literatura e

Direito.

A metodologia faz menção aos recursos e materiais básicos para a

execução das atividades e o tempo previsto para aplicação. São os seguintes os

79

recursos materiais que serão disponibilizados ao estudante para o

desenvolvimento da aula: Conto impresso “O feto” do livro Filhos da Pátria, de

João Mello; Fragmento da Constituição Federal; Artigo de opinião sobre o aborto:

A “safada” que “abandonou” seu bebê (2015), da escritora e jornalista Eliane

Brum, O artigo pode ser lido neste Link:

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/12/opinion/1444657013_446672.html.

Vídeo do médico Drauzio Varella, de 2015. Que poderá ser acessado em:

https://www.youtube.com/watch?v=vkZyXlSfMT0; O curta-metragem

“Aborto:direito ou crime?” (2010).

Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=M6vRRL8xouI; “Apostila” com

atividades de leitura; G) Projetor; caixa de som, computador.

Professor e aluno são os recursos humanos que integram esta prática

mediadora de leitura que inter-relaciona Literatura e Direito, nos métodos de

Literatura Comparada. Como objeto de análise central, da contística de João

Melo, da literatura angolana de expressão portuguesa é selecionado o conto “O

feto” do livro Filhos da Pátria.

O tempo previsto para aplicação das atividades é de quatro horas, ou seja,

um dia letivo. No entanto, é um tempo flexível, podendo variar, de acordo com o

desempenho da turma.

Passaremos a explicitar o Roteiro da prática mediadora de leitura com

explicação detalhada de cada atividade (o passo a passo do que será realizado

na aula) que será proposto nestes três momentos: A) Mobilização; B) Análise;

C) Comparação e Apreciação Crítica. Essa sequência que compõe a proposta

está dividida de forma a facilitar o entendimento e possível aplicação dessa

prática de leitura.

A atividade de mobilização objetiva motivar o aluno para a leitura do texto

literário e introduzir a discussão referente à temática do aborto proposta. Nesse

sentido iniciamos com um curta-metragem e um vídeo que abordam sobre o

assunto. A seguir, elencamos um roteiro de perguntas para serem respondidas

oralmente se os estudantes quiserem participar.

Salientamos que o questionamento que segue visa a abordar questões

éticas e legais envolvidas na problemática do aborto em conformidade com a

Constituição Federal.

80

1) Os vídeos contemplaram a sua expectativa em relação à temática do

aborto proposta?

2) Seria ético o direito de a mulher decidir sobre seu próprio corpo, abortando

o feto?

3) O que seria “moral” em termos de aborto para nossa sociedade?

4) O que está explícito na Constituição Federal?

5) Conhece algum texto literário que aborda a questão do aborto?

Nesse momento, propomos a leitura coletiva, como exercício de leitura

oral do conto “O feto”, de João Melo. Após a leitura é importante que o professor

teça alguns comentários sobre o enredo, motivando a participação dos alunos

que se sentirem à vontade para expor opiniões sobre o texto, o gênero conto,

impressões. Algumas questões poderão nortear a discussão sobre a temática, o

contexto, o enredo. Por exemplo:

1) Quem narra? Comprovar quem é o narrador com citações!

2) O que acontece na história?

3) Em que tempo e em que lugar se passa a história narrada?

Estas questões demandam respostas individuais discursivas que

posteriormente passam a ser discutidas em grupo e, socializadas ao grande

grupo:

1) Como o narrador do conto se configura?

2) Qual o posicionamento crítico do conto na abordagem do aborto?

3) Em que aspectos a temática angolana se aproxima da realidade

brasileira?

4) Que relações de contato podem ser identificadas entre Literatura e

Direito?

5) Considerando o caminho dos Direitos Humanos e formas de materializá-

lo para superar este cenário. Você, como advogado de defesa da vítima,

que parecer apresentaria defendendo a tese de que sua cliente não pode

ser indiciada e/ou condenada à prisão pela prática ilegal do aborto?

6) Do Banco de Redações do ENEM, selecionamos os fragmentos como

textos- base para a produção de parágrafo. Tendo como base as ideias

81

apresentadas nos textos abaixo, redija um parágrafo jurídico com tópico

frasal, desenvolvimento e conclusão sobre o tema: O aborto deve ou não

ser legalizado?

I - “(...). No Brasil, o aborto só é permitido em casos de estupro ou de alto risco

para a mãe. A interrupção da gravidez de bebês anencéfalos continua proibida,

mas muitas mães têm conseguido autorização judicial para fazer o aborto”

[Folha de S. Paulo, 08/02/200].

II – Uma história brasileira

Após desafiar a medicina e sobreviver por um ano, oito meses e doze dias, a

menina Marcela de Jesus Ferreira morreu na sexta-feira. Ela nasceu sem

cérebro, no dia 20 de novembro de 2006, em Patrocínio Paulista, a 413

quilômetros de São Paulo. [...] A maioria dos bebês que nascem com anencefalia

(sem cérebro) consegue sobreviver por apenas algumas horas. Marcela, porém,

não só viveu por mais de um ano, como vinha se desenvolvendo e até ganhou

peso bem recentemente. [...]. Quando completou nove meses de vida, Marcela

passou a receber benefício assistencial do INSS de um salário-mínimo. [...].

Passou a chamar a atenção do país sobretudo quando fez três meses,

desafiando a ciência [...]. A menina acabou virando ícone do movimento

antiaborto. “Minha decisão foi bastante clara. Jamais pensei em fazer isso”, disse

a mãe, Cacilda Galante Ferreira. [Diário de S.Paulo, 03/08/2008]

III - Outra história brasileira

Eu tinha 18 anos e um corpinho lindo, sobrancelhas grandes, cabelos compridos

e escuros. Na minha primeira relação sexual fiquei grávida. Meus pais sempre

foram muito severos (...). Contei para uma amiga, uma vizinha. Ela soube de um

local onde uma mulher fazia aborto. Numa sala pequena, sem anestesia, sem

medicamento nenhum, fiz a curetagem. A dor era tão intensa que ameacei gritar.

Jamais vou esquecer-me daquela voz falando em tom alto e áspero para eu calar

a boca. Voltei para casa e tive hemorragia por vários dias. Acabei em um

hospital. Estava muito doente. Minha família nunca soube disso e foi ruim ter de

esconder. Para ser mãe a gente tem de desejar ter um filho. Ele tem direito à

vida, é verdade. Mas com amor dos pais, com condições para crescer com saúde

e boa educação. Hoje tenho o Marcelo, a melhor coisa que me aconteceu.

Estava casada e preparada para ter um filho.

[Hebe Camargo, apresentadora de TV, revista Veja, 17-09-1997]

82

Disponível em:

http://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/o-aborto-deve-ou-nao-deve-ser-

legalizado-por-que.jhtm

Ao realizarmos a leitura coletiva do artigo de opinião sobre o aborto - A

“safada” que “abandonou” seu bebê (2015), da escritora e jornalista Eliane Brum

-, destacamos a importância do gênero textual enquanto instrumento de

mobilização de leitura e prática da escrita para quem tem na argumentação um

dos elementos-chave para exercício profissional. Ao produzir um artigo de

opinião, o estudante universitário deverá fazê-lo de acordo com o gênero,

estrutura, associando à sua produção a leitura crítica comparativa, bem como

apresentando coesão, coerência, argumentação convincente na apresentação

de um ponto de vista.

Após a leitura, professor e alunos poderão apontar o diálogo existente

entre o conto e o artigo de opinião, ou seja, no quadro pode-se elencar as

semelhanças e/ou diferenças entre a forma e o conteúdo. Ainda, em que sentido

os textos apresentam temáticas semelhantes e que denúncia social ambos

fazem, se o fazem e responder ao questionamento que segue.

1) Como compreender a problematização do aborto a partir da leitura de

diferentes objetos que abordam o tema?

2) O Art. 133 da Constituição Federal (1988), em sua seção III da Advocacia,

Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014, prevê: “O

Advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por

seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A) Suponha que a personagem do conto “O feto” fosse uma mulher

brasileira, a acusada, MARIA DOS ANJOS, que fosse denunciada ao

Tribunal do Júri, para ser julgada, como incursa nas penas do art. 124,

caput, do Código Penal, em razão de constar que produziu aborto em

si mesma, ao introduzir dois comprimidos do medicamento Citotec,

causando o óbito, por inviabilidade fetal, do concepto de seis meses

que gestava, fato ocorrido no dia 03 de junho de 2016, na Rua Ijuí, 111

em Frederico Westphaplen - RS.

83

Pergunta-se: você, como advogado de defesa da vítima, que

estratégia de defesa usaria, haja vista que, via de regra, o advogado

em ações penais defende seu cliente a partir da denúncia do Ministério

Público, quais argumentos arrolaria na sua preleção em favor de sua

cliente para persuadir o corpo de jurados de que a Ré, deva ser

absolvida pela sentença do Tribunal do Júri?

Considere que a Ré, ao ser questionada do porquê praticara tal ato,

salientou em sua defesa que o fizera motivada por ser um caso de

estupro, forte pressão familiar, insegurança, idade.

B) A narradora do conto “O feto”, ao ser solicitada a dar explicações sobre

o feto que fora encontrado no meio do lixo, fica com medo de ser presa

pela polícia. Então deseja voltar ao útero da mãe para sentir-se

protegida, pois provocara o aborto por livre arbítrio e ajuda da mãe.

Suponha que tenha sido decretada a prisão provisória da menor.

Então, é dever do advogado esgotar todas as possibilidades de defesa

de sua cliente, ainda que não concorde com o ato praticado por ela.

Neste caso, sugere-se que você, com a ajuda de um professor de

Direito Processual Penal e baseado no Artigo 126 do Código Penal

(Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena –

reclusão, de um a quatro anos), deverá impetrar a um Procurador de

Justiça o pedido de Habeas Corpus Liberatório para personagem do

conto, com a seguinte ementa:

- HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR

- ARTIGO 126 DO CÓDIGO PENAL – CONSTRANGIMENTO ILEGAL

O Art. 126 poderá ser acessado neste site: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10624935/artigo-126-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940

C) O advogado de Direito Penal, para montar a defesa de um cliente, tem

acesso aos autos do processo, provas ofertadas bem como do

inquérito do Ministério Público. Pergunta-se: Você, como acadêmico

de Direito, considerou difícil montar uma defesa para as questões A e

B? Demonstra vocação para atuar no Direito Penal ou pretende

especializar-se ou atuar em outra área do Direito?

84

A comparação e a apreciação crítica entre os textos mencionados e a

pesquisa e utilização da legislação - consulta à Constituição Federal darão

suporte para que, a partir da análise, da discussão e, de acordo com as

habilidades e competências expressas nas DCNs do Direito, o aluno redija um

texto (Artigo de Opinião), apresentando uma proposta de reformulação da

legislação brasileira e readequação da Lei ou não, a respeito do aborto.

Tendo em vista a leitura do conto e as reflexões acerca da literatura e

suas relações com direitos humanos e sociedade e o direito, sugerimos a

produção de um artigo de opinião, no qual o acadêmico se posicione claramente,

ressaltando seu ponto de vista selecionado, com argumentos convincentes.

Assim, é importante o conhecimento da realidade, saber interpretar as leis e

recorrer a textos literários para ilustrar a discussão proposta com argumentos

convincentes.

A proposta de avaliação das atividades de leitura prioriza a qualidade em

cada momento da aula, através do instrumento de produção escrita dos alunos,

da observação da participação na leitura coletiva, nas questões orais e escritas

e as discussões, de acordo com os objetivos elencados. A avaliação está

amparada nas DCNs do Direito, o Art. 9ºprevê:

As Instituições de Educação Superior deverão adotar formas específicas e alternativas de avaliação, interna e externa, sistemáticas, envolvendo todos quantos se contenham no processo do curso, centradas em aspectos considerados fundamentais para a identificação do perfil do formando. (CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 17)

A avaliação será considerada satisfatória se o aluno entender a

importância da leitura do texto literário para sua formação e inter-relacionar o seu

conhecimento às diferentes áreas do conhecimento. Ainda, o processo avaliativo

do rendimento do universitário pode ser realizado mediante análise da

participação nas atividades de leitura propostas e na correção do artigo de

opinião considerando os critérios estabelecidos no roteiro abaixo segundo Porto

e Porto (2015, p. 150):

85

QUADRO 2 – Critérios avaliativos para produção de artigo

Dimensões Critérios para avaliação de ARTIGO DE OPINIÃO

Pontuação

1. Adequação à estrutura global do

gênero

1.1 O texto apresenta os estágios composicionais típicos: título; contextualização ou apresentação da questão discutida; tomada de posição quanto à questão; argumentação que sustenta a posição assumida; conclusão com reforço do posicionamento defendido.

1.0

1.2As marcas linguísticas presentes no texto permitem distinguir a voz do articulista de outra (s) voz (es).

1.0

2. Adequação ao propósito e ao conteúdo

2.1 A questão proposta para discussão (tema) é contextualizada e abordada com unidade e progressão ao longo do texto.

1.0

2.2 A tese resume o ponto de vista do articulista, é compatível com o tema proposto e regula as inter-relações textuais.

1.0

2.3Os argumentos apoiam-se em outras vozes e/ou em evidências dos fatos que corroboram a validade da tese, para fazer ponderações e/ou refutar coerentemente argumentos contrários.

1.0

2.4 A conclusão reforça o ponto de vista do articulista e/ou propõe alternativas para a questão analisada.

1.0

3. Articulação escrita

3.1 A seleção lexical está apropriada ao campo semântico do tema, à tese e à(s) estratégia(s) argumentativa(s) utilizada(s) no texto.

1.0

3.2 São usados adequadamente recursos linguísticos para estabelecimento de relações entre constituintes do texto (coesão referencial e sequencial).

1.0

3.3 O registro linguístico é formal, respeita as normas de urbanidade e apresenta adequação sintática e ortográfica.

1.0

3.4 São utilizadas adequadamente marcas de segmentação em função do gênero: paragrafação e pontuação apropriadas à organização textual e à argumentação.

1.0

Conforme PORTO; PORTO (2015, p.150)

Essa seção pretendeu apresentar a primeira proposição que enfocou a

temática do aborto na perspectiva teórico-crítica na Literatura e no Direito Foi

relevante desenvolvê-la, considerando que este tema aparece na literatura e

86

poderá contribuir para a formação do leitor do Ensino Superior com ênfase

especial na graduação do Direito.

Dando continuidade, apresentaremos a segunda proposta que nos

possibilita compreender a cultura indígena e valorizá-la, já que,o respeito às

diferenças nos faz seres humanos mais tolerantes e mais civilizados, e atender

o que está indicado na Lei da Educação das Relações Étnico-Raciais, vigente

no Brasil com maior ênfase desde os últimos anos.

3.2. Segunda Proposta: Educação Antirracista no Ensino Superior

Nesta seção passaremos a apresentar a segunda proposição para o

ensino da literatura e cultura indígena em sala de aula, em consonância com a

Lei que determina a obrigatoriedade deste enfoque na formação de graduandos.

Em outros termos, pensamos no diálogo entre Literatura Indígena na perspectiva

teórico-crítica no Direito e na Literatura. Essa temática inter-relaciona Literatura

e Direito a partir da leitura da Literatura Indígena de um conto contextualizada à

Legislação Brasileira. Pensamos nesta temática pela relevância social e por

proporcionar o debate acerca da literatura brasileira contemporânea e os direitos

humanos, importante para a formação do leitor crítico do Ensino Superior, Curso

do Direito e por ser uma determinação da Lei 11.645, de 2008, que trata do

ensino da história e da cultura indígena no currículo oficial das escolas

brasileiras.

Além disso, questões atinentes a minorias culturais, sociais e

econômicas motivam essa proposição especialmente porque, compartilhando

com Ginzburg (2012, p 214), existe

a ideia de que a exclusão social e as assim chamadas minorias sejam relevantes no campo da literatura brasileira contemporânea merece atenção. Cabe pensar como articular a ideia de um lugar de enunciação do excluído, em termos de Teoria da Literatura, tendo em vista a história dos debates em narratologia, estudos subalternos, estudos de testemunho e debates sobre direitos humanos. O debate sobre literatura brasileira contemporânea é prioritário e, para continuar de modo sólido, deve ser sustentado em análise e interpretação de textos continuada e contextualizada.

87

Nesse sentido, merecem nossa atenção os estudos que envolvem a

exclusão social e as chamadas minorias no campo da literatura brasileira

contemporânea. Para tanto, abordaremos além do conto da Literatura Indígena,

outros gêneros que enfatizem sobre questões étnico-raciais, amparados em

Pareceres e Resoluções sobre Educação das Relações Étnico-Raciais. Para a

implementação dessa lei, poderemos relacionar temáticas através do cotejo de

diferentes gêneros textuais na educação interdisciplinar, a fim de que a

diversidade cultural possa ser enfatizada.

Assim, em consonância com a Lei, que pode ser acessada neste link:

http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf, estaremos utilizando

material de acordo com as políticas públicas para uma educação antirracista.

Ressaltamos a importância dessa lei para os alunos que são preparados para

serem cidadãos e respeitarem a diversidade cultural do nosso país. Para a

prática dessa lei, os próprios professores e acadêmicos podem preparar uma

ponte entre a cultura indígena e a educação escolar indígena e a regular.

Nesse sentido, independente da lei que regulamenta a Educação das

Relações Étnico-Raciais a ser cumprida no Ensino, vale ressaltar o que aborda

Ginzburg (2012), para quem lidar com temáticas sociais é sem dúvida um

desafio, considerando que a historiografia e a crítica literária, desde a década de

1960, valorizam a periodização e a canonização. Desafio também no sentido de

estar convencido de que, lidando com temáticas, o mediador orientará de

verdade a partir daquilo que acredita, no caso, demonstrando o valor da literatura

indígena, a riqueza da cultura desse povo, além de que os indígenas no Brasil

devem ser aceitos em suas especificidades, respeitados em suas diferenças.

Inicialmente iremos propor assistir ao premiado documentário brasileiro

As Hiper Mulheres, Brasil, PE, 2011, o qual mostra um famoso ritual de canto

feito apenas por mulheres da tribo indígena Kuikuro, isto é, um ritual indígena

brasileiro, que pode ser visualizado neste link:

https://www.youtube.com/watch?v=tX3z40savxk. O filme é um longa-metragem

que faz parte do projeto Vídeo nas Aldeias, criado por Vincent Carelli, com o

intuito de introduzir a produção cinematográfica nas aldeias indígenas brasileira.

Foi filmado pelos Kuikuros, com direção dos cineastas Takumã Kuikuro,

Leonardo Sette e do antropólogo Carlos Fausto.

88

No enredo do filme, conhecemos a história de um velho índio da tribo

Kuikuro que, prevendo a morte da esposa, conta com a comunidade para um

ritual (o Jamurikumalu) de canto realizado apenas pelas mulheres. Elas

encontram dificuldades durante os ensaios, pois a cantora que sabe todas as

músicas está de fato doente. No desenrolar da trama, há uma mistura de ficção

e realidade dos índios: as relações de gênero, bem como o cotidiano, a cultura,

dentre outros costumes dessa tribo de Mato Grosso, localizada no Alto do Xingu.

Esse documentário serve de motivação para a leitura do conto “Roubaram

o Gravador do Juruna”, de Olívio Jekupe, que é escritor, membro do Núcleo dos

Escritores e Artistas Índigenas (Nearin), ele é um dos fundadores da Associação

Guarani Nae'en Porã), também é uma figura importante na divulgação da

literatura de autoria indígena, bem como destaca-se na luta pelos direitos dos

povos indígenas no Brasil. Sobre o seu processo de criação, afirma:

Eu gosto de pegar histórias antigas e criar um acontecimento. Porque tem aquela história que é história contada. História contada é a que alguém conta e você vai passando para outro e outro. Então, toda a aldeia sabe a mesma história. A história criada, eu gosto de criar em cima de um pensamento. Como a história do Saci, tem a história do saci. Tem a história do saci também contada. Depois você pode fazer as duas coisas. (CUNHA; GOLDEMBERG, 210, p.130)

O conto do autor guarani pode ser acessado neste link:

http://pt.slideshare.net/Tupari/roubaram-o-gravador-do-juruna.Nesse conto, o

escritor mostra como o protagonista representa o primeiro deputado indígena do

Brasil, bem como o trabalho que fazia na prática com um gravador que adquirira

para gravar conversas no congresso. Na época era ridicularizado, por andar e

agir com um gravador nas mãos, tecnologia disponível na ocasião. No entanto,

se analisarmos a atual conjuntura, copiam-no empregando a tecnologia

disponível em forma de grampos, gravações em celulares. O personagem seria

a “lava jato” da época?

Outro texto não literário que será objeto de análise, foi publicado na

Revista Época (2002), na seção notícia, disponível neste endereço eletrônico:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG49129-6014,00-

JURUNA+UM+GRAVADOR+NA+MAO+EM+DEFESA+DA+CAUSA+INDIGENA

.html

89

Com o título: “Juruna, um gravador na mão em defesa da causa indígena”,

a notícia comenta sobre a origem, vida pessoal do deputado Juruna que se

tornou famoso, pois “jamais era visto sem seu gravador”, segundo ele “para

registrar tudo o que o branco diz”. Fora eleito deputado federal em 1982 pelo

partido PDT. Sendo o único representante da comunidade indígena eleito no

Congresso, sua presença na política teve grande repercussão no Brasil e no

mundo, e, conforme reportagem citada acima, “Ele foi responsável pela criação

da Comissão Permanente do Índio, o que significou a elevação do problema

indígena ao reconhecimento formal”.

Também informa a reportagem que no ano de 1983, Juruna publicou o

livro O gravador do Juruna, “no qual listou as muitas promessas feitas – e não

cumpridas – aos índios por dirigentes da Funai e pelos próprios parlamentares”.

Ao receber proposta de compra de voto na campanha presidencial de 1985,

denunciou o que revela que era incorruptível. Ademais, merece respaldo a

abordagem referente aos dos Direitos Humanos, na voz da professora de Direito

Fernanda Bragato em entrevista realizada por e-mail para a IHU On-Line, que

pode ser conferida neste endereço:

www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article.Com o

tema “A diversidade cultural negada pela modernidade”, destaca a professora

que relaciona povos indígenas e Direitos Humanos:

A figura humana encarnada no colonizado é a antítese do protótipo do sujeito de direitos da modernidade. Essa concepção fica explícita nos relatos do início da colonização hispânica na América, em que os povos indígenas recém-descobertos eram descritos como primitivos, brutos, irracionais, infantis, canibais, justificando, por isso, a dominação, a escravização e a guerra. No entanto, é justamente essa lógica destrutiva da colonialidade que coloca em xeque a racionalidade moderna. (BRAGATO, Fernanda, 2014)

Com efeito, podemos relacionar o acima exposto com a questão de

pertencer a algum grupo para ser reconhecido como ser humano. Em outras

palavras, incontroverso que o índio ainda é visto como ser de terceira ordem,

pois o estereótipo ainda é do ser proprietário. O preconceito por diversos

motivos, dentre eles de cor, etnia, religião, raça, procedência nacional,

materializa-se por meio de opiniões depreciativas sobre essa identidade. Isso

induz as pessoas a não gostarem, por exemplo, de índio, de negros, que, na

90

perspectiva da autora, “... é justamente essa lógica destrutiva da colonialidade

que coloca em xeque a racionalidade moderna.”.

Salientamos que os seguintes objetos mencionados: conto, Lei –

Pareceres e Resoluções das Relações Étnico-Racias, documentário, notícia,

entrevista são leituras importantes que permitem um olhar comparatista, que

amparam esta proposição de prática leitora que põe em diálogo Literatura e

Direito. Destacamos que os objetos literário e não literário centrais desta

pesquisa são o conto “O gravador do Juruna”, de Olívio Jekupe e a Lei que

ampara o ensino das Relações Étnico-Raciais no Ensino Superior, enquanto que

os demais objetos possibilitam ampliar a discussão da segunda proposição que

aborda a temática das relações étnico-raciais, mais precisamente, a literatura

indígena na perspectiva teórico-crítica na Literatura e no Direito, bem como

analisar as medidas necessárias à implementação de uma educação adequada

às relações étnico-raciais no ensino brasileiro.

Quando pensamos nos pressupostos, não podemos esquecer de fazer

alusão aos conhecimentos e leituras necessários para a execução dessa

proposta que aproxima as duas áreas do conhecimento Literatura e Direito. A

proposta objetiva apresentar uma reflexão sobre leitura de forma comparatista e

interdisciplinar com base na seleção de um elemento temático que está

amparado em Lei pelos Pareceres e Resoluções sobre Educação das Relações

Étnico-Raciais, visando a cumprir o estabelecido pela Constituição Federal e

pela Lei394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que asseguram, “o

direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem

igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do

direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros”.

Além disso, o parecer CNE/CEB nº 5/2011, que institui:

Todos os sistemas de ensino (União, Estados, Municípios e Distrito Federal são orientados, ainda, pelo Plano Nacional das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, aprovado em 13 de maio de 2009, o qual apresenta atribuições, elencadas por ente federativo, aos sistemas educacionais e instituições envolvidas, necessárias à implementação de uma educação adequada às relações étnico-raciais.

91

Essa Legislação Brasileira traz a proposta geral para a Educação da

Relações Étnico-Raciais e possibilita discutir a herança cultural indígena e afro-

brasileira nos estabelecimentos de ensino, apresentando ao estudante, ao leitor

possibilidades de leitura de textos de autores representantes dessas etnias para

a abordagem da história, da cultura e literatura indígena e africana no contexto

da sala de aula nos níveis de ensino.

No entanto, compartilhando com Veloso (2015, p. 10):

Que se cumpra a Lei, sim, mas não somente por obediência subserviente à sua letra fria. Que se a cumpra, antes e essencialmente, pela vivência do sentimento de pertença a uma só comunidade, aquela dos que se reconhecem iguais em dignidade enquanto seres de consciência, vontade e liberdade.

Essa perspectiva tem um novo olhar, ousa ir mais adiante das

circunstâncias sócio-históricas. O cumprimento da Lei não pode estar atrelado

somente à subserviência, mas que “se transforme em práticas cotidianas de

resgate e respeito, de reconhecimento e vivência de valores existenciais de que

essas duas vertentes étnicas - a negra e a indígena – são repositórios de

inestimável grandeza espiritual e sociocultural”. (VELOSO, 2015, p.10).

Outro pressuposto é de que esta proposição convide à reflexão para um

novo olhar acadêmico, no qual a literatura venha acenar para a inclusão social e

resgate da cidadania plena, no sistema educacional brasileiro, contribuindo para

um ensino sobre o humano, considerando que:

Na apresentação das DCNs para Educação das Relações Étnico-Raciais, o então Ministro da Educação, Tarso Genro, salientava que o objetivo desse conjunto de medidas era “corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro”, motivado pelo reconhecimento da injustiça dos sistemas educacionais do país, no qual um modelo de desenvolvimento excludente, desenvolvido ao longo da história, impediu, para milhões de brasileiros, o acesso à escola e/ou à escolaridade plena. (SILVA, 2015, p.24)

Por outro lado, questiona-se: por que seriam necessárias Leis para

motivar o estudo das Relações Étnico-Raciais? Seria possível a leitura de textos

92

por prazer antes que por obrigação? Face às exigências e acreditando que ao

discutir a literatura indígena no ambiente escolar, estaremos abordando a

etnicidade na perspectiva da educação cultural e da formação de estudantes

leitores de literatura do ensino superior, objetivamos com esta segunda proposta

que inter-relaciona literatura e direito.

Com esta proposição que inter-relaciona Literatura e Direito, objetivamos:

Estimular a reflexão crítica que correlaciona Literatura e Direito.

Refletir acerca de leituras da história, da cultura indígena, construídas

na narrativa de Olívio Jekupe.

Focalizar a literatura indígena no contexto do Ensino Superior, turma do

Direito, segundo semestre, especificamente na disciplina de Língua Portuguesa

I-A.

Ampliar, através da leitura do texto literário, o conhecimento da Literatura

Indígena, os horizontes culturais e o repertório de leitura dos universitários.

Conhecer parte da Legislação Brasileira que normatiza o ensino da

literatura, história, cultura indígena em sala de aula.

Compartilhar conhecimentos necessários ao cumprimento da legislação

sobre a obrigatoriedade do ensino da cultura indígena, através desta proposição.

Reforçar a visibilidade da brasilidade da literatura indígena e da cultura

de um grupo excluído.

Fundamentar uma leitura crítica de textos produzidos em diferentes

linguagens, estabelecendo um diálogo acerca dos Direitos Humanos.

Refletir criticamente, a partir da leitura comparatista dos textos, se a

literatura proporcionou maior capacidade interpretativa da realidade.

Qualificar a formação de leitores, desenvolvendo a habilidade de leitura

crítica e promovendo a produção argumentativa a partir da elaboração de um

Parecer.

Com base nos objetivos, destacamos habilidades e competências que

podem ser exploradas no processo de mediação de leitura proposto,

correlacionando-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Direito.

Para tanto, norteiam a proposta os incisos I, II, VI e VII das competências

e habilidades mencionados na primeira proposição, das DCNs do Direito,

93

interligados ao Eixo de Formação Fundamental do Art. 5º, incisos I, II e III, que

se adéquam ao trabalho que propomos.

A proposição de atividades destina-se aos discentes do segundo

semestre do Curso de Direito da URI, de Frederico Westphalen, disciplina de

Língua Portuguesa I-A. O tempo de duração das atividades, desde a mobilização

inicial até o momento de produção de texto deve contemplar quatro horas-aula.

Ressaltamos que a duração das atividades previstas tem um tempo flexível,

podendo estender-se.

Como referência metodológica para o desenvolvimento da proposta de

mediação de leitura, atividades de leitura incluindo a produção textual, segue a

perspectiva sociointeracionista, considerando que a relação entre alunos e

professor é dialógica. Os discentes são estimulados a interagir constantemente

com os colegas e com o texto literário, textos críticos de apoio de outros gêneros,

com a lei, estabelecendo inter-relações entre o contexto indígena representado

no conto, na realidade e sociedade indígena.

O processo metodológico desta proposição didática que aborda literatura

e direito e direitos humanos dá-se de forma comparatista e interdisciplinar

através das inter-relações entre as respectivas áreas do conhecimento o que

implica recursos humanos e matérias para aplicação e execução, os quais

podemos elencar a seguir: professor e alunos; bibliografia indicada; vídeo; textos

impressos; quadro, pincéis; internet, computador, data show, caixa de som.

O Roteiro da Prática Mediadora de Leitura para o desenvolvimento da aula

compreende o seguinte roteiro: Mobilização; Análise; Comparação e Apreciação

Crítica.

A mobilização para a aula inicia com o vídeo do documentário As Hiper

Mulheres (2011), que pode ser visualizado no link

https://www.youtube.com/watch?v=tX3z40savxk. O tempo previsto para

assistir ao documentário é de 1h19min. A seguir abriremos um espaço para

ampliar e nortear o debate, propondo as seguintes questões sobre o

documentário:

Como é a visão, a perspectiva das mulheres indígenas apresentadas no

documentário? Quais são os principais rituais das mulheres?

Em que medida você respeita as diferenças, compreende e valoriza a

cultura indígena?

94

Quando ouvimos falar em “Demarcação de terras indígenas”,

questionamos: Mas os indígenas não foram os primeiros habitantes da

América? As terras brasileiras não eram todas deles? Não nos parece

paradoxal isso?

Neste momento, acreditamos ser necessário apresentar algumas

considerações que atendam aos nossos objetivos com foco na temática da

proposta, ou seja, educação das relações étnico-raciais para o Ensino Superior,

Curso do Direito, visando a fortalecer os elos entre Literatura e Direito que nos

propusemos, que servirão de base para as atividades relacionadas ao trabalho

com a literatura indígena e a pesquisa à Legislação, ou seja, ao ensino

(obrigatório) da literatura e cultura indígena.

Vale salientar que as pesquisas acadêmicas em torno desse tema são

recentes, há muito que refletir, estudar e construir em torno desta temática,

considerando que há conceitos pré-estabelecidos, perspectivas defasadas,

metodologias inadequadas a serem substituídas no ensino. Por isso, neste

trabalho, propomo-nos a apresentar algumas atividades básicas para o

desenvolvimento eficiente de ensino de literatura e cultura indígena no Ensino

Superior, visando resultados melhores na formação dos acadêmicos.

São muitas as narrativas de origem indígena que abordam a história do

universo indígena na perspectiva de autores não indígenas. Destarte, é a

literatura de autoria indígena, escrita pelo autor indígena, que passa a ser objeto

de nosso estudo, porque acreditamos que o escritor indígena é que pode ter

mais propriedade para falar de suas crenças, de seus costumes, enfim, do

universo indígena. Também estaremos abordando a temática de forma a cumprir

o que está prescrito na Constituição Federal (1988), na Lei de Diretrizes e Bases

(LDB/2015), nos Pareceres e Resoluções sobre Educação das Relações Étnico-

Raciais (2011), na Lei Nº 7.716, (1989) que define os crimes resultantes de

preconceito de raça ou de cor. Nesse contexto, estaremos estimulando a

habilidade de leitura comparativa e o estabelecimento de relações entre textos.

Assim sendo, selecionamos o conto “Roubaram o Gravador do Juruna”,

de Olívio Jekupe que pode ser acessado neste link:

http://pt.slideshare.net/Tupari/roubaram-o-gravador-do-juruna, e, após a leitura

coletiva, poderemos propor a análise global da narrativa, oportunizando a

95

reflexão sobre a produção literária indígena brasileira a partir de um roteiro de

questões norteadoras:

Pela linguagem do conto, é possível identificar a voz do escritor Olívio

Jekupe como escritor indígena?

Ao representar a sociedade, o conto “Roubaram o gravador do Juruna”

pode ser lido como uma memória de um tempo sócio-histórico?

Ao ler o conto de Olívio Jekupe, escritor indígena, conhecemos uma

narrativa contada na versão de um índio. É interessante conhecermos

esta versão? Em que ela difere de outros textos?

Ao analisá-lo, estamos contemplando a Lei que determina a Educação

das Relações Étnico-Raciais no sentido de conhecermos e respeitarmos

essa a cultura indígena?

Pode-se pensar a literatura indígena como produto da sociedade, da

cultura brasileira?

A partir da leitura do conto de Olívio Jekupe, podemos ter outras

perspectivas de compreensão da cultura indígena?

Neste momento, é importante que o professor estimule a participação dos

que se sentirem à vontade poderão expor manifestações e/ou pontos de vista,

opiniões sobrecomo veem a temática e o gênero textual, a contística do autor,

bem como sobre contexto de produção. É importante também pesquisar sobre o

escritor Olívio Jekupe, identificando-o como escritor de literatura Indígena e

possibilitar a discussão para a Lei da Educação das Relações Étnico Raciais,

disponível em:

http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf, que ampara e torna

obrigatória a Educação para as Relações Étnico-Raciais no Ensino. Dessa

maneira, estaremos relacionando Literatura e Direito, de acordo com os objetivos

desta segunda proposta de prática mediadora de leitura, no Ensino Superior,

Curso do Direito.

Para ampliar o debate, os outros gêneros elencados anteriormente como

entrevista e notícia servem apenas de suporte para ampliar a discussão e nortear

as atividades de comparação e apreciação crítica. Assim, passaremos à

explicação detalhada de cada atividade que será proposta, ou seja, o roteiro

96

(sequência) da Prática Mediadora de Leitura. Nesta etapa, é importante o

mediador estar entusiasmado em desenvolver atividades que despertem no

estudante a vontade de conhecer mais, pesquisar mais, aprender mais acerca

da literatura de autoria indígena, publicada no Brasil. Além de transmitir

conhecimentos, precisa demonstrar sua forma respeitosa de ver o outro, o

indígena, voltando-se para a questão da educação étnico-racial, no Ensino

Superior.

Antes, porém, é imprescindível, mobilizamos os alunos para a reflexão

do quanto a literatura “pode registrar traços essenciais da humanidade e alertar

para a desatenção aos direitos humanos, estimulando uma leitura crítica da

realidade social e contribuindo para uma formação sólida” (PORTO; PORTO,

2015, p.145).

1. Considere os seguintes fragmentos:

I. “Juruna era um índio xavante que foi eleito o primeiro deputado do

Brasil. Ao ser eleito toda a imprensa corriam atrás dele sempre

fazendo uma matéria, fazendo muitas perguntas e nisso o povo

brasileiro começou a comentar sobre ele e achavam engraçado um

índio ser deputado, e a cada vez que falava na imprensa, mais

conhecido ficava. E para o povo era engraçado, ver um índio cabeludo,

falava um português arrastado, e que no começo não queria usar

gravata, pois tinha um costume diferente, tinha vivido a vida toda no

cerrado de uma aldeia. Só que como agora se tornou um deputado

então foi obrigado a usar o terno do chamado homem branco.”

(JEKUPE, Olívio, 2010, p. 225)

II. “Os desafios à aplicação dos Direitos Humanos, baseados na

Declaração Universal dos Direitos Humanos, legislação que conta 66

anos, não está no nível formal, senão no prático. Ocorre que, nesse

sentido, há uma construção e produção de sentidos permanente, que

não se esgota e que é mais veloz que os processos de

institucionalização”. (Entrevista por e-mail IHU On-Linepro Fernanda

Bragato, 2014)

A. Adaptado de Porto e Porto (2015, p.149). Considerando que o

acesso à cultura e, portanto, à literatura é um direito humano e que a

97

literatura pode ser lida/ compreendida como um instrumento de

defesa dos direitos humanos, no sentido político-jurídico, discuta: de

que forma a representação da vida social de grupos minoritários

através da literatura, como o do indígena retratado no conto, pode se

constituir em um meio de aproximar a sociedade da literatura e da

luta pelos direitos humanos?

B. Pelo viés da temática dos direitos humanos, reflita qual imagem da

sociedade brasileira está representada no texto do conto de Olívio

Jekupe.

2. Leia o que segue:

I. “O tempo foi passando e ele começou a perceber que muitos

políticos muitas vezes falavam algo e não cumpria e outras vezes

achava que muitos mentiam, não era sincero no que dizia e nisso

certo dia Mario Juruna pensou em algo estranho para a época,

resolveu gravar o que eles falavam para que usasse como prova.

E que não tinha como mentir, dizer que não tinha falado. E depois

que comprou o gravador, falou consigo mesmo:

_ Amanhã será o dia serei um fiscal do povo e dos índios porque

gravarei tudo o que os deputados falarem.” (JEKUPE, Olívio. 2010,

p. 225)

Considerando o excerto, estabeleça uma comparação com a narrativa de

Olívio Jekupe, apontando:

A) Perspectiva crítica na defesa dos direitos humanos.

B) Até que ponto é ético gravar? Não seria uma forma de violação dos

direitos humanos?

C) Você faria isso em nome da democracia? Como vê esse paradoxo?

98

Propomos como atividade um debate com o objetivo de exercitar a

oratória5 dos acadêmicos. Entendemos que, através de estudo e prática,

podemos aperfeiçoar a arte de falar bem e de saber argumentar, pois são

quesitos fundamentais para os futuros profissionais do Direito. Então, com o

intuito de desenvolver as habilidades argumentativas dos graduandos para que

profissionalmente possam garantir boas relações, evitando conflitos em função

da forma de se expressarem, propomos alguns passos: Inicialmente que a turma

seja dividida em dois grupos: Lado1 e Lado 2, e cada grupo dentre os pares

poderá escolher um ou mais oradores para representá-los, inclusive um relator

para as perguntas escritas.

Dando continuidade, o professor, o mediador do debate, que será o

proponente do tema e o avaliador da proposta, faz o sorteio mediante

representantes dos dois grupos, de qual lado irá posicionar-se favoravelmente

ou contrariamente ao tema referente à Educação das Relações Étnico-Raciais

no Ensino Superior, em consonância com a Lei11.645/08, que estabelece as

diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede

de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e

Indígena” que precisa ser implementada.

A seguir, passa-se à organização do ambiente da sala de aula.

Reiteramos que essa proposição visa à discussão entre os pares e oponentes e

objetiva fortalecer as relações entre Literatura, Direito, sociedade e direitos

humanos. Além, de agregar conhecimentos, desenvolver habilidades que

demonstrem capacidade de compreender, exemplificar com clareza e segurança

opiniões e argumentos convincentes, bem como, domínio de conteúdo, postura

na apresentação das ideias. Atender ao objetivo que visa a ampliar através da

leitura do texto literário o conhecimento da Literatura Indígena, os horizontes

culturais e o repertório de leitura dos discentes.

5 A oratória surgiu na Sicília no século V a.C., e foi criada para os advogados na época que agiam tentando rever os bens e as propriedades de seus clientes tomadas pelos tiranos. Compöem a oratória: - a forma como o orador se apresenta; - sua postura; - sua imagem; e sobretudo o poder de argumentação. Tudo isso contribui para convencer ou não o interlocutor. Disponível em. http://www.falarempublico.com.br/oratoria-e-argumentacao/

99

Assim, a Literatura como manifestação cultural e de formação de

identidade nacional está sendo contemplada, além de oportunizar formação

multicultural aos acadêmicos, possibilita pensar no futuro profissional que

estamos formando. Estaremos lançando um desafio para os acadêmicos do

Direito. Por fim, justificamos a importância da temática para o debate pela

relevância social, já que pode despertar a sensibilidade do aluno para sua

qualificação e uma formação mais humana, porque entendemos a prática da

leitura como parte fundamental da constituição e da vivência de uma cidadania

plena do indivíduo.

Importante destacarmos que a seleção prévia e análise dos objetos

norteiam o debate e possibilitam que o aluno reflita sobre a cultura indígena e

despertem nele a valorização, o respeito e o reconhecimento de uma identidade

nacional e construção da identidade própria.

Seguem três excertos motivadores para ampliar ou nortear o debate:

I - § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos

aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população

brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da

África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a

cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade

nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e

política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos

indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em

especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.”

(NR) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm

II - As origens de nossa identidade nacional ocuparam as discussões de muitos

dos nossos intelectuais e literários do século XIX até o alvorecer do século XX,

cobrindo um percurso que vai do Romantismo até o Modernismo. Surgiram aí,

sem dúvida as grandes figuras e as grandes obras que constituem as bases da

Literatura Brasileira. Do Indianismo Romântico de José de Alencar até os

Modernistas, as discussões sobre nossas feições psicológicas, culturais,

100

mentais e ideológicas, marcaram o embate sobre o caráter nacional brasileiro e

possibilitam o reconhecimento da literatura como manifestação cultural e de

formação de identidade.

www.revistas.univerciencia.org/index.php/anagrama/article/viewFile/7525/7009

III – O Ofício nº 041761.2010-00,de 30/6/2010, relativo ao processo

nº00041.000379/ -51e enviado pela Ouvidoria da Secretaria de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)ao CNE, apresenta, no seu conjunto,

correspondência da chefia dedo Ministro da Educação, encaminhada à referida

Ouvidoria, com a resposta da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização

e Diversidade - SECAD/MEC, por meio do Ofício nº 1552-2010-

GAB/SECAD/MEC, de 4/6/2010, acompanhado pela Nota Técnica044/2010,

subscrita pela técnica Maria Auxiliadora Lopes e aprovada pelo Diretor de

Educação para a Diversidade, Sr. Armênio Bello Schmidt. De acordo com a Nota

Técnica, “as colocações instadas pelo solicitante da consulta, Senhor Antônio,

são coerentes”. A nota ainda adverte:

“Sendo assim, é necessária a indução dessa política pública, pelo Governo do

Distrito Federal, junto às instituições de ensino superior, com vistas a formarem

professores que sejam capazes de lidar com esse tipo de situação no cotidiano

escolar.”

Parecer CNE/CEB nº 6/2011, aprovado em 1º de junho de 2011

Para finalizar o debate, propomos aos graduandos repensar o país

através de suas manifestações literárias, literatura e identidade nacional, ao

sugerirmos que compartilhamos com Zilá Bernd (1992), que, no livro Literatura

e Identidade Nacional, analisa as Obras de José de Alencar, Cruz e Souza,

Euclides da Cunha, Lima Barreto, Raul Bopp, Mário de Andrade, Darcy Ribeiro,

Josué Montello e João Ubaldo Ribeiro, porque essas obras representam a fala

dos excluídos, e, principalmente giram em torno da temática do índio e

constituem o verdadeiro núcleo da autora.

A avaliação proposta é contínua e formativa durante o processo de

desenvolvimento de competências leitoras, além da reflexão e discussão,

visando à interação dos acadêmicos nas atividades propostas. Ademais, o

101

rendimento do discente será analisado mediante análise da participação nas

atividades de leitura propostas, e do debate.

Ao finalizarmos o terceiro capítulo, ressaltamos que expusemos duas

propostas temáticas de mediação de leitura para o Ensino Superior, Turma do

Direito, segundo semestre, disciplina de Língua Portuguesa – I A. A primeira

proposta trata sobre a temática do aborto e faz referência a respectiva lei que

ampara ou não tal prática; a segunda proposta apresenta a temática das

Relações Étnico-Raciais no Ensino Superior. Tendo essa organização das

propostas em vista e as principais questões norteadoras, passamos ao momento

mais “difícil” e “prazeroso” desta pesquisa: as considerações finais.

102

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa, na área de Literatura Comparada, linha de pesquisa

“Leitura, Linguagens e Ensino”, do Mestrado em Letras da URI – Frederico

Westphalen – Rio Grande do Sul, teve como propósito central apresentar

propostas de mediação de leitura de narrativas para o ensino superior, com foco

no Curso do Direito, a partir de um enfoque que estabelece diálogo entre

Literatura e Direito. Por conseguinte, primeiramente investigamos acerca da

Literatura na formação do leitor, levando-se em conta a concepção de leitor e

leitura de Literatura para tentar buscar soluções para a problemática encontrada

na questão: É possível formar leitor no Ensino Superior? Não, pois no Ensino

Superior amplia-se a competência da habilidade leitora dos graduandos, já que

a formação do leitor deve se dar na Educação Básica.

Constatamos que, ao nos depararmos com uma possibilidade de

resposta, surgiram outros questionamentos e ao elencarmos algumas

possibilidades de desenvolver um diálogo entre Literatura e Direito, deparamo-

nos com outros questionamentos, tais como: por que incentivar a leitura literária,

formando leitores críticos, a partir de um enfoque que põe em diálogo Literatura

e Direito? Que propostas de mediação de leituras de narrativas literárias podem

ser implementadas no Ensino Superior, Curso do Direito de forma a contribuir na

formação do leitor nessa etapa? Ao encontrarmos algumas respostas, pensamos

em objetivos para que essa pesquisa fosse melhor atendida. Então, o caminho

encontrado no capítulo III para o desenvolvimento das proposições, após

explicitarmos o roteiro das proposições, foi delimitar um recorte temático para

leitura de texto literário, visando à interdisciplinaridade.

Assim, compartilhamos novamente a reflexão: “Estudantes poderiam estar

sendo preparados para a reflexão crítica, sendo capazes de ler livros dos mais

diversos gêneros e realizar atividades de paráfrase, análise e interpretação,

incluindo examinar a contextualização, e também indicar relações intertextuais

com outros livros.” (GINZBURG, 2012, p. 211).

Nesse sentido, a primeira proposição enfocou a temática do aborto na

perspectiva teórico-crítica no Direito e na Literatura. Salientamos que esta

103

temática que inter-relaciona as duas áreas do conhecimento é relevante para a

formação do leitor, pois o tema do aborto aparece representado na Literatura,

contribui para a reflexão dos problemas e humanização do futuro bacharel em

Direito.

Já na segunda proposição ao consideramos que o texto literário surge a

partir de uma determinada cultura que expressa os valores cultuados por uma

comunidade, foi importante pensarmos que o discurso literário possibilita o

diálogo com substratos culturais, sociais dos quais se origina e em consonância

com a Lei que determina a obrigatoriedade do enfoque na formação dos

graduandos. Destarte, propomo-nos a pensar no diálogo entre Literatura

Indígena na perspectiva teórico-crítica no Direito e na Literatura. Por

conseguinte, delimitamos essa temática a partir de um conto indígena

contextualizado à Legislação Brasileira, pela relevância social e pela pertinência.

Ademais, é fato que as duas disciplinas apresentam inclinação para uma

visão humanista associada ao contexto histórico para análise de seus objetos.

Nessa perspectiva de raciocínio, professores das disciplinas discorrem que:

“Nessa linha de raciocínio, tanto a Literatura quanto o Direito têm se mostrado

interessadas em identificar e discutir problemas humanos, procurando

compreendê-los de acordo com os momentos históricos de sua presença”

(ARAÚJO; FENSTERSEFER; PORTO, 2015, p. 259). Ainda, apropriamo-nos

das seguintes citações dos autores que comprovam o diálogo entre as duas

áreas Candido e Talavera (2008, p.50 apud ARAUJO; FENSTERSEFER;

PORTO, 2015, p. 259-260):

A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1995, p. 249)

A literatura apresenta-se como um rico manancial de fontes para a reflexão crítica do direito com as quais o positivismo normativista cega incessantemente os juristas, na medida em que o estudo do direito através da literatura permite, justamente, o desvelamento do sentido do direito e de sua conexão com a justiça.

Ao pensarmos nisso, este trabalho objetivou desenvolver propostas

mediadoras de leitura literária no Ensino Superior, Curso do Direito voltado a

práticas interativas, para a leitura prazerosa do texto literário, bem como,

104

priorizar a prática social da Literatura, direito defendido por Candido (2002), ao

afirmar que o contato como o texto literário é indispensável ao homem, pois atua

na formação da sua humanidade.

Objetivamos propor atividades de mediação de leitura que contribuíssem

para formar leitores proficientes e críticos através de uma interface entre

Literatura e Direito, defendendo o ensino de leitura através da leitura literária,

tendo essa perspectiva de Literatura como prática social de interação e formação

do ser humano. Nesse sentido, propomos questões relevantes que pudessem

ajudar o acadêmico a refletir sobre o contexto, sua realidade, aguçando à

reflexão da função social da Literatura.

A seleção dos contos para análise resultou da prioridade para leitura de

narrativas de forma integral do texto literário e não fragmentada, a fim de que se

estabeleça uma melhor compreensão do texto segundo (MALARD, 2005). Com

a leitura integral do texto estimulada nas duas propostas, foi possível a escolha

das temáticas de cada proposição, também possibilitou a comparação entre

textos e textos de outros gêneros e associação às leis do Direito e o contexto de

produção textual.

Ler e compreender textos são habilidades básicas no processo formativo

nos três níveis da educação. Entretanto, neste último nível, no Ensino Superior,

é comum identificarmos estudantes de graduação que pouco leem e que têm

pouco contato com textos literários. Destarte, demonstram dificuldades em

compreender o que leem e produzir textos.

Observamos empiricamente lacunas na vida formativa de acadêmicos em

compreender textos, realizar exercícios interpretativos que mobilizem o diálogo

entre autor, texto e leitor, fato que diminui as chances de o estudante produzir

significado para o que lê e posicionar-se de forma crítica entre conteúdo textual

e vida social, pois essa competência é imprescindível na vida acadêmica. Então,

quando não há leitores, é preciso encontrarmos alternativas para que essa

competência leitora seja ampliada na vida acadêmica. Compartilhamos com os

autores quando destacam que

ter a competência de ler o mundo através dos textos é um meio para exercício da cidadania e da intervenção social, e, por extensão, do combate às diversas formas de injustiça, violência e discriminação social que a própria falta de leitura impõe àqueles afastados do letramento.(ARAUJO; FENSTERSEFER; PORTO, 2016, p. 255)

105

Por isso, acreditamos nas contribuições da presente pesquisa de prática

mediadora de leitura no Ensino Superior, as quais possibilitam interagir no

processo formativo dos acadêmicos do Direito, enfocando a importância da

Literatura para a formação dos mesmos, pois eles precisam conhecer a

realidade, saber interpretar corretamente as leis, ter argumentos convincentes

com ilustrações de textos literários em sua prática profissional, além da

ampliação dos horizontes culturais.

Outrossim, dada sua importância do enfoque ”... ter a competência de

ler o mundo através dos textos é um meio para exercício da cidadania e da

intervenção social...” (ARAUJO; FENSTERSEFER; PORTO, 2015, p. 255),

despertou o interesse de se pensar em outras práticas mediadoras de leitura

literária que inter-relaciona Literatura e Direito com foco no Ensino Superior.

Todavia, encontramos limitações ao desenvolver o presente estudo, além

das limitações pessoais, bem como em lidar e acessar leis que deram suporte à

pesquisa, constatamos que há pouca disponibilidade de material teórico em

bibliotecas e nas livrarias sobre o tema em questão, principalmente, em se

tratando da leitura no Ensino Superior. Destarte, a pesquisa foi possível através

das referências indicadas pela orientadora, disponíveis através de acesso à

livraria virtual, como a da Estante Virtual; já o acesso a documentos como Leis,

Constituição Federal, DCNs do Direito, e artigos acadêmicos, dissertações, etc.,

foram possíveis por estarem disponibilizados via internet, conforme referências

desta dissertação.

Finalmente, queremos ressaltar que houve esforço de mostrar a ótica

comparatista do trabalho e de justificar a inserção do estudo na linha de

pesquisa: Leitura, Linguagens e ensino, bem como em mostrar a importância da

leitura através da recuperação de estudos críticos sobre leitura e ensino de

Literatura. Tentativa de aproximação de Literatura e Direito, fazendo alusão às

DCNs e à leitura crítica no ensino superior e abordagem do professor mediador

de leitura.

Em suma, chamamos a atenção, nessas considerações finais, para a

relevância desta pesquisa por ser inovadora no sentido de pensar o ensino de

leitura e propor práticas mediadoras para o Ensino Superior, com ênfase especial

106

na graduação em Direito. Sentimo-nos lisonjeadas ao ouvirmos da Banca que

nos qualificou que este trabalho é inovador por pensar proposições de prática

leitora, comparatista e interdisciplinar para o Ensino Superior, fato que ampliou

a responsabilidade, a inquietude para continuar o desafio, especialmente por não

termos formação na Área do Direito. Inclusive o tema sinaliza um dos

compromissos da universidade na proposição de pesquisa que assuma

relevância social, bem como é inovador no PPGL por propor alternativas

didáticas e pensar o ensino de leitura no Ensino Superior. Além da valorização

de estudos de professores do PPGL que aparecem referenciados.

Quando pensamos na leitura do Ensino Superior, entendemos que há

um processo de ampliação de competências e habilidades de leitura,

considerando que a formação do leitor se dá na Educação Básica. Entretanto,

quando observamos empiricamente o desenvolvimento de habilidades de leitura

constatamos lacunas. Diante disso, nossa inquietude sempre presente

mobilizou-nos para a construção desta dissertação que mostra relevância por

contribuir para a diminuição de analfabetos funcionais e iletrados no ensino

superior e enriquecer as pesquisas de quem possa se interessar por estudos

sobre mediação de leitura e formação de leitor na graduação. Ademais, abre

possibilidades de outras pesquisas na área, dando sequência ao que aqui foi

proposto.

Quanto às potencialidades das propostas apresentadas, além de

defendermos o ensino através de temáticas, estaremos adequando a presente

pesquisa aos modelos de ensino defendidos por Ginzburg (2012) e Zilberman

(2005), nos quais não se deve partir da periodização literária ou de fatos

históricos, mas da leitura literária. Então, a partir das temáticas elencadas para

análise e reflexão, poderemos resgatar aspectos históricos pertinentes para o

entendimento do contexto social. Bem como oferecer o contato com o texto

literário, especialmente para os que não tiveram este contato no Ensino Básico

ou na família.

Nesse sentido, parece-nos oportuno pensarmos em que medida a

literatura pode trazer algo a mais para os alunos do Curso de Direito. Embora

incipiente no contexto local, esta “Prática leitora no ensino superior: proposta de

diálogo entre Literatura e Direito” apresenta uma proposta como um instrumento

para ampliação do mundo do graduando e da competência do leitor do ensino

107

superior. Destarte, defendemos um trabalho comprometido com a formação

cultural e o letramento no ensino superior, demonstrando esforço em ressaltar a

Literatura Comparada, focando a experiência humana nas proposições para uma

Educação humanizada.

Para o graduando fica o desafio de refletir acerca dos impedimentos e

as impossibilidades que impedem que a Lei maior e da Educação das Relações

Étnico-Raciais se concretizem em sala de aula. Para a pesquisadora fica a

questão: Como qualificar o leitor no Ensino Superior? Então, urge pensarmos em

outras práticas mediadoras que inter-relacionam Literatura e Direito, por

exemplo, a partir da leitura de poesias pelas múltiplas possibilidades de enfoque

ou abordagem, que implicaria ampliar a reflexão sobre o estudo interdisciplinar

entre Literatura e Direito denominado Law andLiterature Movement6na busca por

uma proposta mais integradora e sensibilizadora e a construção de uma

sociedade mais justa, empática, humana.

Encerramos com palavras de Ruy Barbosa (1942, p.110), patrono dos

advogados: “... considero-me a honrar a minha profissão como um órgão

subsidiário da justiça, como um instrumento espontâneo das grandes

reivindicações do direito, quando os atentados contra ele ferirem diretamente,

através do indivíduo, os interesses gerais da coletividade”. Oxalá que destas

surjam novas propostas de mediação de leitura com foco nos graduandos, em

especial, do Direito, visando a contribuir a ampliar a habilidade leitora e diminuir

o número de analfabetos funcionais no Ensino Superior das universidades do

Brasil.

6“O encontro intertextual entre a Literatura e o Direito surgiu no meio jurídico universitário norte-americano assumindo a forma deLaw and Literature Movement. A fundamentação teórica encontra-se em construção desde a segunda metade do século XX. TheLaw and Literature Movement, iniciado com a publicação de um texto de James Boyd White. The Legal Imagination, em 1993, expandiu-se no meio académico e cresceu no sentido de promover o regresso a uma noção de Direito enquanto disciplina das Humanidades, reação ao Positivismo dominante na jurisprudência até a década de 60. Tendo começado por uma perspectiva hermenêutica, os estudos prosseguiram o seu curso no sentido de aproximar o sistema jurídico de uma dimensão ética literária”. (2010, p.05). Disponível em: 150.162.138.7/documents/download/4592;jsessionid...

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