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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS MARIA FABRÍCIA DE MEDEIROS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma análise da construção da identidade negra da criança nos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de João Pessoa. JOÃO PESSOA 2019

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

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Page 1: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS

MARIA FABRÍCIA DE MEDEIROS

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

análise da construção da identidade negra da criança nos anos

iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de

João Pessoa.

JOÃO PESSOA 2019

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MARIA FABRÍCIA DE MEDEIROS

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

análise da construção da identidade negra da criança nos anos

iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de

João Pessoa.

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação-PPGE, da

Universidade Federal da Paraíba, na Linha de

Pesquisa Políticas Educacionais, submetida à

banca de defesa, como requisito parcial para

obtenção do título de Doutora em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão

JOÃO PESSOA 2019

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M488p Medeiros, Maria Fabrícia de. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-

RACIAIS: uma análise da construção da identidade negra da criança nos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de João Pessoa. / Maria Fabrícia de Medeiros. - João Pessoa, 2019.

270 f. : il. Orientação: Wilson Honorato Aragão. Tese (Doutorado) - UFPB/Educação.

1. Relações étnico-raciais; Construção da identidade. I. Aragão, Wilson Honorato. II. Título.

UFPB/BC

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À minha filha Luana Medeiros, MEU

AMOR.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pois sem Seu consentimento nada nesta vida é iniciado, muito

menos concluído.

À minha filha Luana que divide a mãe com os livros desde tão novinha, é quem me

dá forças para continuar batalhando pelos meus objetivos, que no fim das contas os

busco pensando nela.

À minha mãe Fátima e a meu irmão Marloands por estarem mesmo que de longe

vibrando por minhas conquistas.

Aos amigos que torcem por mim, em especial a Valmíria Paulo, Priscila Almeida,

Priscila Galdino e Douglas Pierre, vocês compreendem minhas ausências, me

escutam, debatem sobre tudo, concordamos, discordamos e ainda assim nos

respeitamos exatamente como somos. Construímos laços de lealdade.

Ao professor Dr. Wilson Honorato Aragão, pela oportunidade e acolhimento, pela

paciência e ensinamentos repletos de experiência, fundamentação e sabedoria,

minha eterna gratidão por me mostrar que na academia ainda existem pessoas que

se preocupam e respeitam a individualidade do outro.

A todas que fazem parte do grupo de pesquisa com quem compartilhei angústias e

conquistas e a quem recorri em vários momentos de dúvidas e indecisões.

As professoras e toda equipe de funcionários, crianças e pais que fazem parte da

escola campo de pesquisa pela recepção, apoio e auxílio em todo tempo que

passamos juntos.

Aos professores do PPGE que contribuíram para meu aprendizado.

Aos funcionários da secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGE

que sempre se colocaram à disposição para orientar quando necessitei.

Aos companheiros de trabalho pelo apoio e organização nos horários para que eu

pudesse realizar a pesquisa de campo.

Page 7: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns como deixar a pobreza,

que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa

sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma

chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e

mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou

comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal

pagos:

Que não são embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não tem cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da

imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

(Eduardo Galeano, 2002, p. 42)

Page 8: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

RESUMO

Esta pesquisa investiga as Práticas Pedagógicas e Relações Étnico-raciais e analisa a construção da identidade negra da criança nos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola pública da cidade de João Pessoa. Tem como objetivo principal analisar as práticas pedagógicas das professoras voltadas para as relações étnico-raciais e suas possíveis influências para a construção da identidade negra das crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma escola pública no município de João Pessoa - PB. Os sujeitos da pesquisa foram duas professoras, crianças que estavam na faixa etária de idade entre 6 e 8, nos dois primeiros anos da escola, sendo: 22 (10 meninas e 12 meninos) em uma sala e 21 (12 meninas e 09 meninos) em outra; Em ambas turmas haviam crianças negras e brancas. A pesquisa foi qualitativa, etnográfica, os instrumentos de coleta de dados foram questionários aplicados com as professoras, observações participantes, videogravação, diário de campo, fotografias e conversas informais com as crianças, a análise dos dados pautou-se na Análise de Conteúdo, técnicas da análise microgenética. Partiu do princípio que a construção da identidade negra das crianças sofre forte e direta influência da prática pedagógica das professoras, uma vez que não se separa o ser profissional do ser pessoal, englobando, portanto, suas aprendizagens adquiridas durante a vida, então, sua própria identidade é/faz parte de suas ações cotidianas dentro da escola. A criança que por sua vez está em processo de construção de sua identidade e esta depende diretamente das primeiras e intensas interações sociais que acontecem basicamente na família e na escola, e sabendo-se que observam os adultos e os imitam, poderão consequentemente negar, afirmar e/ou ressignificar sua identidade negra já iniciada e direcionada no ambiente familiar neste contato diário com suas professoras. Assim, evidencia-se que os resultados da pesquisa indicaram que a formação inicial e continuada dos professores no que concerne o tema em questão ainda é uma formação ineficiente e que privilegia os resultados quantitativos, não consegue dar conta de preparar seus profissionais para lidar com as diversidades e com temas complexos e necessários as reais demandas sociais. Dessa forma é oportuno dizer que encontrei professoras comprometidas e que suas práticas referentes ao tema proposto nesta tese respaldam-se muito mais em suas construções ao longo da vida. Percebeu-se que as crianças ainda tão pequenas em sua maioria já carregavam consigo representações sociais bastante marcantes sobre a representatividade de cor e características físicas das pessoas negras que não foi demonstrado até serem provocadas/confrontadas durante as oficinas interativas, desse modo constatou-se que a construção da identidade das crianças negras já vem sendo elaborada antes mesmo de ingressar na escola, a partir de suas vivências familiares e sociais, e que estas exercem forte influência na formação de uma identidade que nega-se e não se reconhece. Posteriormente através especialmente das práticas pedagógicas das professoras, as crianças passaram do estado de negação para a autoafirmação, ressignificando suas identidades. Palavras-chave: Relações étnico-raciais; Construção da identidade negra da criança; Práticas pedagógicas; Formação continuada.

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ABSTRACT

This research investigates the Pedagogical Practices and Ethnic-Racial Relations and analyzes the construction of the black identity of the child in the early years of elementary school of a public school in the city of João Pessoa. Its main objective is to analyze the pedagogical practices of teachers focused on ethnic-racial relations and their possible influences on the construction of black identity of children in the first years of elementary school in a public school in João Pessoa - PB. The research subjects were two teachers, children aged between 6 and 8, in the first two years of school, being: 22 (10 girls and 12 boys) in a room and 21 (12 girls and 09 boys) in another; In both classes there were black and white children. The research was qualitative, ethnographic, the data collection instruments were questionnaires applied with the teachers, participating observations, video recording, field diary, photographs and informal conversations with the children, the data analysis was based on the Content Analysis, techniques of microgenetic analysis. It was assumed that the construction of the black identity of the children is strongly and directly influenced by the pedagogical practice of the teachers, since the professional being is not separated from the personal being, thus encompassing their own life-acquired learning. Identity is / is part of your daily actions within the school. The child, who is in the process of building his or her identity and directly depends on the first and intense social interactions that happen basically in the family and school, and knowing that they observe and imitate adults, may consequently deny, affirm and / or redefine their black identity already started and directed in the family environment in this daily contact with their teachers. Thus, it is evident that the research results indicated that the initial and continuing education of teachers regarding the subject in question is still an inefficient training and that privileges the quantitative results, unable to prepare their professionals to deal with the issues. Diversities and with complex and necessary themes the real social demands. Thus, it is appropriate to say that I found committed teachers and that their practices related to the theme proposed in this thesis are much more supported in their lifelong constructions. It was noticed that the children, still so young, mostly carried very remarkable social representations about the color representation and physical characteristics of black people that was not shown until provoked / confronted during the interactive workshops. The construction of the identity of black children has been elaborated even before entering school, based on their family and social experiences, and that they have a strong influence on the formation of an identity that is denied and not recognized. Later, especially through the teachers' pedagogical practices, the children moved from denial to self-affirmation, resignifying their identities.

Keywords: Ethnic-racial relations; Construction of the black identity of the child; Pedagogical practices; Continuing Education.

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RESUMEN

Esta investigación investiga las prácticas pedagógicas y las relaciones étnico-raciales y analiza la construcción de la identidad negra del niño en los primeros años de la escuela primaria de una escuela pública en la ciudad de João Pessoa. Su objetivo principal es analizar las prácticas pedagógicas de los docentes centrados en las relaciones étnico-raciales y sus posibles influencias en la construcción de la identidad negra de los niños en los primeros años de la escuela primaria en una escuela pública en João Pessoa - PB. Los sujetos de la investigación fueron dos maestros, niños de entre 6 y 8 años, en los primeros dos años de escuela, siendo: 22 (10 niñas y 12 niños) en una habitación y 21 (12 niñas y 09 niños) en otro En ambas clases había niños blancos y negros. La investigación fue cualitativa, etnográfica, los instrumentos de recolección de datos fueron cuestionarios aplicados con los maestros, observaciones participantes, grabación de video, diario de campo, fotografías y conversaciones informales con los niños, el análisis de datos se basó en el Análisis de Contenido, técnicas de análisis microgenética.Se asumió que la construcción de la identidad negra de los niños está fuertemente y directamente influenciada por la práctica pedagógica de los maestros, ya que el ser profesional no está separado del ser personal, abarcando así su propio aprendizaje adquirido en la vida. La identidad es / es parte de sus acciones diarias dentro de la escuela. El niño, que está en el proceso de construir su identidad y depende directamente de las primeras e intensas interacciones sociales que suceden básicamente en la familia y la escuela, y sabiendo que observan e imitan a los adultos, en consecuencia puede negar, afirmar y / o redefinir su identidad negra ya iniciada y dirigida en el entorno familiar en este contacto diario con sus maestros. Por lo tanto, es evidente que los resultados de la investigación indicaron que la educación inicial y continua de los docentes con respecto al tema en cuestión sigue siendo una capacitación ineficiente y que privilegia los resultados cuantitativos, incapaces de preparar a sus profesionales para enfrentar los problemas. diversidades y con temas complejos y necesarios las verdaderas demandas sociales. Por lo tanto, es apropiado decir que encontré maestros comprometidos y que sus prácticas relacionadas con el tema propuesto en esta tesis tienen mucho más apoyo en sus construcciones de por vida. Se observó que los niños, aún muy pequeños, en su mayoría tenían representaciones sociales muy notables sobre la representación del color y las características físicas de las personas negras que no se mostraban hasta que se provocaban / confrontaban durante los talleres interactivos. La construcción de la identidad de los niños negros se ha elaborado incluso antes de ingresar a la escuela, en función de sus experiencias familiares y sociales, y de que tienen una fuerte influencia en la formación de una identidad que se niega y no se reconoce. Más tarde, especialmente a través de las prácticas pedagógicas de los maestros, los niños pasaron de la negación a la autoafirmación, resignificando sus identidades.

Palabras clave: relaciones étnico-raciales; Construcción de la identidad negra del niño; Prácticas pedagógicas; Educación Continua.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Rota de Comercialização de Pessoas escravizadas ................................ 52

Figura 2: Meta-racismo sendo concretizado ............................................................ 87

Figura 3: Distribuição populacional por cor ou raça no Brasil nos anos de 2012-2016

............................................................................................................................... 172

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LISTA DE FOTOS

Foto 1: Criança contando história para colega surda. ............................................ 187

Foto 2: Criança ajudando outra que falou que não sabia. ..................................... 188

Foto 3: Compartilhando o lanche. .......................................................................... 188

Foto 4: Outro momento de compartilhamentos. ..................................................... 189

Foto 5: Criança emprestando seus lápis de cor a colega que não tinha. ............... 190

Foto 6: “meu cabelo é muito armado dá trabalho”. ................................................ 194

Foto 7: Colega elogiando o cabelo da coleguinha. ................................................ 195

Foto 8: “meu cabelo está ótimo assim”. ................................................................. 195

Foto 9: “Tia, tira uma foto pra senhora guardar de como tô linda”. ........................ 197

Foto 10: Criança e suas bonecas negras. ............................................................. 207

Foto11: Crianças e suas bonecas negras: respeito, compartilhamento e

ressignificação da identidade negra. ...................................................................... 208

Foto 12: Professora Antonieta. .............................................................................. 222

Foto 13: Turmas assistindo o Curta Metragem "Dúdú e o Lápis Cor da Pele" ...... 230

Foto 14: Turmas assistindo teatro de fantoches. ................................................... 230

Foto 15: Turmas assistindo o vídeo “Autoestima da criança negra”. .................... 231

Foto 16: Culminância da Semana da Consciência Negra. ..................................... 231

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LISTA DE DESENHOS

Desenho 1: amiga da mãe. ................................................................................... 213

Desenho 2: minha avó. ......................................................................................... 214

Desenho 3: eu e meu irmão. ................................................................................. 214

Desenho 4: meu avô bem grande. ........................................................................ 215

Desenho 5: minha mãe. ........................................................................................ 215

Desenho 6: eu e minha mãe. ................................................................................ 216

Desenho 7: minha mãe, meu pai e eu. .................................................................. 216

Desenho 8: amigos da sala. .................................................................................. 217

Desenho 9: meu vizinho. ....................................................................................... 218

Desenho 10: pessoas que vi na rua. ..................................................................... 218

Desenho 11: eu e meu irmão. ............................................................................... 220

Desenho 12: meu amigo que tem a cor igual à Tia “B”. ......................................... 221

Desenho 13: meu amigo e eu brincando. .............................................................. 221

Desenho 14: eu, minha mãe e Tia “B”. .................................................................. 222

Desenho 15: eu e Tia “B”. ..................................................................................... 223

Desenho 16: eu e outras crianças negras e outras crianças brancas. ................... 223

Desenho 17: minha família. ................................................................................... 224

Desenho 18: é meu amigo ele é negro.................................................................. 224

Desenho 19: minha irmã e meu irmão................................................................... 225

Desenho 20: meu pai. ........................................................................................... 225

Desenho 21: Tia “B”, minha mãe, meu tio e minha irmã. ....................................... 226

Desenho 22: pessoas negras do vídeo. ................................................................ 227

Page 14: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Levantamento da literatura com temas voltados para as relações étnico-

raciais no Banco de Dissertações e Teses da UFPB. ......................................... 27-28

Page 15: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEE Atendimento Educacional Especializado

CDC

CEP

CME

CNE

DCNs

DSTs

IBGE

IDEB

LDBEN

MEC

ONGs

PCNs

PNADs

PNAIC

PNBE

PNLD

PPGE

PPP

ProUni

SEDEC

SEPPIR

UFPB

UNESCO

Convenção sobre os Direitos da Criança

Comitê de Ética em Pesquisa

Conselho Municipal de Educação

Conselho Nacional de Educação

Diretrizes Curriculares Nacionais

Doenças Sexualmente Transmissíveis

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Ministério da Educação e Cultura

Organizações não Governamentais

Parâmetros Curriculares Nacionais

Pesquisas Nacionais de Amostras de Domicílios

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

Programa Nacional Biblioteca na Escola

Programa Nacional do Livro Didático

Pós-Graduação em Educação

Projeto Político Pedagógico

Programa Universidade para Todos

Secretaria de Educação e Cultura de João Pessoa

Secretária Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial

Universidade Federal da Paraíba

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

Page 16: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

SUMÁRIO

1 TRAJETÓRIA DA PESQUISA: EXPERIÊNCIAS GERADORAS E A

CONSTRUÇÃO DO CAMINHAR TEÓRICO-METODOLÓGICO ............................. 15

1.1 Problematização e Contextualização do Objeto de Pesquisa ................... 23

1.2 Delineamentos Metodológicos: esclarecendo o caminho adotado na

pesquisa .............................................................................................................. 29

2 PERCURSO DE ENTENDIMENTO E REFLEXÕES ACERCA DAS PESSOAS

NEGRAS: ESCRAVIZAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO, DIREITOS, LEIS, CONQUISTAS

E RETROCESSOS. ................................................................................................. 46

2.1 Desmistificando a Democracia Racial ......................................................... 46

2.2 Africanos Escravizam Africanos: territórios africanos .............................. 50

2.3 Tráfico de Seres Humanos a Serem Escravizados para o Brasil .............. 60

2.4 Perspectivas na Educação de Pessoas Negras no Brasil ......................... 66

2.5 Educação Quilombola e o Espaço Escolar ................................................. 70

2.6 Para Além do Preconceito Velado ............................................................... 82

2.6.1 Racismo Científico .................................................................................... 82

2.6.2 Meta-racismo ............................................................................................ 86

3 CURRÍCULO PEDAGÓGICO: COMPONDO UM CONJUNTO ESPECULATIVO 89

3.1 Leis e Diretrizes Educacionais ..................................................................... 91

3.2 A Efetivação da Lei nº 10.639/2003 .............................................................. 97

3.2.1 A Lei Municipal nº 5.227/2004 ................................................................ 103

3.3 Empregos Pedagógico/Didático da Lei nº 10.639/2003 ............................ 104

3.4 A Educação de História da África e Afro-brasileira nos Primeiros Anos do

Ensino Fundamental: uma breve análise ........................................................ 111

3.5 Identidade: breve compreensão e reflexão ............................................... 116

3.6 O Desenvolvimento da Identidade da Criança Negra no Ambiente Escolar

........................................................................................................................... 135

3.6.1 Histórias do Procedimento Educativo da Pessoa Negra ......................... 135

Page 17: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

3.6.2 A Psicologia Escolar na Contemporaneidade ......................................... 141

3.6.3 Psicólogo Escolar e os Temas Presentes no Cotidiano do Aluno Negro . 145

3.7 Discussão Científica Acerca da Ética nos Estudos com Crianças ......... 147

3.7.1 Provocações para uma Ética Necessária na Pesquisa com Crianças .... 155

3.7.2 Hierarquia e a (In) visibilidade Epistemológica das Crianças em Estudos

Científicos ........................................................................................................ 158

3.7.3 Agente Ativo: investigador ou criança ..................................................... 160

4 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, FORMAÇÃO CONTINUADA, PRÁTICA

PEDAGÓGICA, LEI 10.639/2003 E UM OLHAR ATENTO À DIVERSIDADE E

INDIVIDUALIDADE DAS PESSOAS ..................................................................... 163

4.1 Rotina Escolar e a Construção da Identidade Negra das Crianças

Pequenas: práticas, aprendizagens e ressignificações através das relações

interativas no chão da escola .......................................................................... 186

4.2 Práticas Pedagógicas: possibilidade ou realidade para a construção da

identidade negra das crianças?....................................................................... 201

4.2.1 Oficina Interativa: as duas Marias ........................................................... 201

4.2.2 Oficina Interativa: a escravidão desde a África até o Brasil ..................... 209

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE NEGRA DA CRIANÇA PERMEADAS POR UMA FORMAÇÃO

CONTINUADA QUASE INEXISTENTE ................................................................. 233

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 240

APÊNDICES .......................................................................................................... 253

ANEXOS ................................................................................................................ 262

Page 18: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

15

1 TRAJETÓRIA DA PESQUISA: EXPERIÊNCIAS GERADORAS E A

CONSTRUÇÃO DO CAMINHAR TEÓRICO-METODOLÓGICO

A motivação para estudar a temática posta, como materialidade de minha

inserção e experiências na Educação há, aproximadamente, catorze anos quando

fui aprovada em concurso público e nomeada através da Portaria 031/2006 para o

cargo de auxiliar de creche1 na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, Pernambuco.

Em seguida, iniciei a graduação em Pedagogia em uma Faculdade particular como

bolsista, através de um convênio entre a Prefeitura e a Faculdade para os

profissionais efetivos da Educação.

A creche situava-se em um bairro afastado do centro, grande parte das ruas

não eram pavimentadas tornando o acesso precário, principalmente, em tempo

chuvoso, no bairro também existiam alguns terreiros de candomblé, fato este que

nos mantinha em contato direto com uma intensa diversidade cultural local.

A comunidade de grande maioria de pessoas negras possuía baixo poder

aquisitivo e vivia, basicamente, do Programa do Governo Federal, Bolsa Família2,

coleta de material reciclável e confecção de roupas que é a base econômica da

cidade.

Lembro-me do meu primeiro dia de trabalho, um misto de sentimentos tomava

conta de meus pensamentos e ações: ansiedade, insegurança e medo foram alguns

deles. Aos poucos fui tentando me adaptar à rotina. No início passava a manhã,

literalmente, correndo atrás das crianças, limpando, alimentando, auxiliando-as na

higiene pessoal e colocando-as para dormir. Ao passo que já nesse momento,

observava nas outras cuidadoras certa predileção pelas crianças brancas, maior

atenção, maior carinho, maior cuidado. No entanto, as ações limitavam-se aos

aspectos mais técnicos do cuidado, e, muito embora não houvesse direcionamento

consciente, estávamos o tempo inteiro interagindo com as crianças, ensinando em

1 Nomenclatura utilizada pelo município para denominar os profissionais que trabalhavam nas

creches, aos quais não era exigida nenhuma formação específica para desempenhar a profissão. 2 O bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação

de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Fonte: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia

Page 19: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

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uma troca constante de conhecimentos carregados de significados culturais

individuais que interferiam no comportamento do grupo.

A prática era baseada no “olhar” a criança. Essa palavra corriqueiramente era

utilizada no sentido de “vigiar” as crianças para que não se machucassem, já que

batiam constantemente uns nos outros, e, quando isso acontecia, eram colocados

de “bobinho” o famoso castigo, que apenas mudava de nomenclatura, mas, que

constrangia e demonstrava ao menos, temporariamente, nossa incapacidade e/ou

dificuldade como auxiliares de creche em lidar com situações de conflito através do

diálogo e exemplo com as possíveis dificuldades que a(s) criança(s) estivessem

demonstrando. E, hoje, pensando bem, e lembrando desse passado, o “bobinho”

dificilmente era uma criança branca.

Éramos duas auxiliares de creche em cada turma e nenhuma possuía

Magistério ou Graduação em Pedagogia. A coordenadora e diretora também se

enquadravam na mesma situação de escolaridade, muito embora a Lei nº 9.394/96

que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDBEN – apontasse

que:

Art.62- A formação de professoras para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, LDBEN, 1996, p. 35).

E ainda complementa:

Art.64- A formação de profissionais de educação para administração,

planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, LDBEN, 1996, p. 37).

A realidade descrita ainda existiu por longo período, até chegar a proposta da

Secretaria de Educação, em conjunto com a Prefeitura, para que os funcionários

prestassem vestibular e os que passassem receberiam bolsa de estudos durante os

quatro anos. A maioria não aceitou, e dos que realizaram a prova, apenas dois

Page 20: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

17

passaram, sendo eu uma delas. Até então, não se falava na creche que eu atuava

em obrigatoriedade desta formação mínima exigida na citada LDBEN.

Ao conciliar os estudos na graduação em Pedagogia com o trabalho fui

percebendo o abismo que se inseria na minha prática com as demais auxiliares. As

inquietações que antes existiam apenas no campo do imaginário foram tomando

outras proporções já baseadas nas teorias e didáticas estudadas e, gradativamente,

fui aprimorando minha atuação com as crianças, bem como tentando mostrar as

novidades que aprendia às colegas de trabalho. Mas, não foi um momento de fácil

aceitação por dois motivos bem específicos; o primeiro deles, porque eu era a

novata na instituição e também a mais nova em idade e, segundo que por diversas

vezes, ouvi: “para que mudar o que sempre foi assim e funcionou muito bem?”.

Contudo, através da organização da rotina e planejamento que a graduação

me proporcionava construir com um pouco mais de segurança, aos poucos elas

foram constatando as mudanças, a mais forte delas no comportamento das crianças,

onde se notava a redução significativa de violência verbal e física entre elas,

participavam ativamente auxiliando no bom andamento da rotina - muito embora nos

primeiros anos eu não a construísse com a turma - bem como a construção da

autonomia foi sendo incentivada, com isso, agora mais habilitada, percebia o

racismo inclusive entre as crianças. As próprias crianças negras davam

exclusividade às crianças brancas, independente do gênero. Isso acontecia na fila

do lanche, na distribuição do material, nas brincadeiras e em outros diversos

episódios. Isso me chamou atenção, e com o passar do tempo tentei conversar com

os pais das crianças e com os próprios, mas, sem êxito. Por que as crianças negras

tão pequenas pareciam ter a autoestima muito baixa?

Na pesquisa de mestrado no programa de Pós-Graduação em Educação -

PPGE - da Universidade Federal da Paraíba enviesei-me para outra temática que

também gostava e me interessava bastante: A dimensão da afetividade na

construção da autonomia infantil: uma análise das interações entre crianças e

professoras na educação infantil, mas ainda com meu ideal de posteriormente

colocar em prática o meu desejo de estudar a temática das relações étnico-raciais.

Particularmente, algumas ansiedades intensificavam-se e outras surgiam ao

unir as teorias estudadas ao longo de minha formação que sempre foram escassas,

e o cotidiano prático na creche, mas é ao ingressar no Ensino Fundamental, também

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efetivada através de concurso público na cidade de João Pessoa – PB e

participando das reuniões do Grupo de Pesquisa Exclusão, Inclusão e Diversidade

liderado pelo Professor Doutor Wilson Honorato Aragão que bateu mais fortemente a

minha ânsia de pesquisar sobre: as práticas pedagógicas e relações étnico-raciais,

como analisar a construção da identidade negra das crianças nos anos iniciais do

Ensino Fundamental, e, portanto, conseguir aprender mais profundamente estas

vertentes teóricas e práticas que considero tão importantes para a educação, para a

sociedade de modo geral, assim como para aprimorar minha própria prática

professor, mas acima de qualquer outro fator, para meu melhoramento pessoal,

quebra real de paradigmas e qualquer tipo de olhar, fala, ou ação preconceituosa,

errônea e enrijecida pela minha criação e convívio social, os quais considero

indiscutivelmente reais. É uma busca íntima.

Para além das inquietações que dizem respeito a uma cultura histórica

preconceituosa e racista, emerge meu desejo de pesquisadora em estudar o tema

que vai se materializando a partir de meu contato com diversos alunos dentro do

ambiente escolar em tantos anos de profissão, percebendo e sentindo em vários

episódios permeados de preconceito das mais diversas ordens, despertando

sentimentos que tantas vezes não soube lidar, bem como em minha vida pessoal,

mas, o mais vivo e forte deles reside em minha infância, quando do início de minha

vida escolar, faço amizade com uma menina negra, com quem ninguém queria

brincar, vivendo esta criança isolada durante a rotina da escola, mas eu não

entendia os motivos.

Conhecendo-me tão bem, e retomando as falas dos adultos com quem

convivi e cresci ouvindo, sempre fui atrevida - entende-se respondona -,

questionadora e atenta demais a tudo que acontecesse ao meu redor. Creio,

portanto, que me senti incomodada com a situação e lembro, claramente, de me

aproximar da menina negra durante nossa rotina dentro da sala de aula e nos

intervalos/recreio, eu, uma menina branca, cabelos lisos e loiros até às vésperas da

puberdade, imagino que certamente atraíamos olhares desaprovadores. Mas qual

será o problema duas meninas, uma branca e outra negra não poderem brincar

como crianças normais?

Os adultos à minha volta descarregavam falas e atitudes bastante agressivas,

hoje, com entendimento suficiente da crueldade, definiria meu sentimento de

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constrangimento e tristeza diante das situações vividas, uma vez que não sei

descrever o que se passava em minha cabeça de criança em processo de

aprendizagem, de formação da personalidade, de identidade, de entendimento do

mundo e das coisas que nele aconteciam, e menos ainda imagino o que minha

amiguinha sentia ou pensava já que nunca conversávamos sobre nada daquilo,

apenas brincávamos. Entretanto, recordo muito claramente de uma das falas que

passou a ser corriqueira, ordenando que eu me afastasse da minha amiga e

ditavam: “vá brincar com outras crianças senão você vai pegar piolho e vai ter que

cortar esse cabelo lindo”. Eu nem queria saber de piolhos. Eu queria apenas brincar

com a menina da pele brilhosa que achava fascinante. Por que os adultos

interferem? Questionamento que mesmo refletindo tanto, não consigo entender e me

conformar com tais comportamentos da maioria dos adultos.

Ao olhar de muitos, pode parecer história inventada de criança, mas são

memórias fortes guardadas e que por eu ser muito pequena na época e as situações

terem acontecido há tempos, minhas lembranças são vagas, contudo, vívidas. Na

cabeça de uma criança de cinco ou seis anos, tais afirmações racistas devem

causar bastante confusão, já que as crianças muito pequenas ainda não possuem a

dimensão do que se trata as diferenças de cor de pele impostas historicamente e

culturalmente pela sociedade e, estamos falando de meados dos anos 1989/1990,

onde discutir questões voltadas ao racismo não era prática social como tenta-se na

atualidade. Será que hoje a prática contra o racismo mudou nas escolas ou é

apenas escondido, disfarçado, embranquecido?...

Eu não entendia e não aceitava ter que me afastar de minha amiguinha que

trato no diminutivo, não por ser menor, ou por ser pequena como eu era, mas por

ser tão querida de um modo tão puro e, então, passamos a brincar escondido dos

olhares das pessoas e nos divertíamos apesar da situação que não

compreendíamos em sua essência, portanto, passei a mentir para os adultos,

afirmando não mais me aproximar da “menina dos piolhos”, porque era o motivo

inicial pelo qual eu achava que não podia brincar com ela, porém, depois fui

entendendo que algo nela não era bem quisto pelas demais pessoas, e que o motivo

em questão era exatamente sua cor ser diferente da cor das outras crianças e

adultos, do contrário, era o que me chamava atenção, sua cor que brilhava, era

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exatamente isso que eu dizia pra ela: “você brilha e eu queria tanto ser igual você”, e

ela sorria.

Aliás, sempre achei lindo e muito normal às pessoas possuírem

características, gostos, pensamentos diferentes e o comum deveria ser esse tipo de

comportamento. Retroceder à memória a tais acontecimentos faz-me refletir que

parece que as experiências negativas e de impedimentos na infância em conviver

normalmente com outras pessoas de cor diferente da minha, bloquearam-me de

algum modo, pois, mesmo me sentindo bem e confortável ao lado de pessoas

negras, fui casada com um homem negro por anos com o qual vivi diversas

situações causadas por pessoas próximas e não próximas a nós, situações estas,

revoltantes, tristes e constrangedoras, convivi e convivo intimamente com pessoas

negras, e, mesmo gostando de ler sobre sua cultura, admirando sua luta pela

sobrevivência durante tantos anos de um período histórico escravocrata

demasiadamente cruel, suas lutas por direitos e por espaço em uma sociedade

altamente preconceituosa e excludente, eu não tinha coragem e propriedade para

expressar algum tipo de opinião ou sentimentos em qualquer situação que

envolvesse o assunto, poderia optar por assim continuar e seguir minha vida

normalmente enrijecida em meus conceitos criados através de minhas vivências.

Portanto, para além de minhas vivências pessoais, há uma profissional que

tem em suas mãos a responsabilidade de ensinar e provocar reflexões em outras

pessoas que estão em processo de formação humana, crianças e adolescentes que

sem dúvida veem em minhas falas e comportamentos exemplos a seguir, e diante

do compromisso que assumi ao ingressar na área educacional, como poderei

simplesmente me permitir permanecer engessada sem buscar constantemente

evoluir através da pesquisa, do estudo, da formação continuada, os quais são

também de minha responsabilidade?

Não concebo intimamente a possibilidade de permanecer inerte a minhas

aprendizagens sociais e familiares, que são importantes, mas em alguns momentos

passíveis de questionamento, esta professora inquieta e inconformada com meros

sins e nãos, sente a necessidade de evoluir pessoal e profissionalmente, e cá estou

tentando sempre aprender, e quem sabe mesmo sendo uma mulher e professora

branca, consiga ensinar melhor meus alunos sobre a história da população negra,

diferente daquela reducionista, encenada e omissa que é contada pelos

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colonizadores na maioria de nossos livros, é sobre respeito e lugar de valor cultural,

histórico e humano que estamos falando.

É certo, que falhas e lacunas vão existir, não seria ingênua pensar o contrário,

pois sei que não foi dos estudos e da escrita desta tese que consegui o devido e

mais correto entendimento sobre um tema tão extenso e denso, mas me propus a

realizar um trabalho comprometido, em busca de um olhar mais apurado, sensato,

crítico, questionador do que é posto socialmente como verdadeiro, me desvencilhar

de conceitos, nomenclaturas, comportamentos e falas enraizados que estão

diretamente interligados a minha prática pedagógica que não se separa da pessoa

que sou, mas que sente a necessidade de buscar aprimorar-se e desafiar-se.

Com base no exposto, o objetivo geral é: analisar as práticas pedagógicas

das professoras voltadas para as relações étnico-raciais e suas possíveis influências

para a construção da identidade negra das crianças nos primeiros anos do Ensino

Fundamental de uma escola pública no município de João Pessoa - PB.

Essa construção nos levou aos nossos objetivos específicos: identificar como

as crianças negras se constituem como sujeitos nas práticas pedagógicas e

vivências cotidianas em sala de aula com seus pares e suas professoras; identificar

a interferência da formação inicial e continuada nas práticas pedagógicas voltadas

para as relações étnico-raciais em sala de aula; perceber se as professoras

conhecem e põem na prática o conceito de equidade, manifestam senso de justiça,

imparcialidade, respeito à igualdade de direitos; e, averiguar, sempre que houver

oportunidade, de forma discreta, e abordagem ajustada as crianças acerca de seu

dia a dia no ambiente escolar e, fora dele, para ter uma visão micro da relação deles

com a construção de suas identidades.

Nessa configuração, a questão central, consistiu: se e como a prática

pedagógica das professoras dos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma

escola pública no município de João Pessoa - PB pode interferir na formação da

identidade negra das crianças?

E a tese hipotética: A construção da identidade negra das crianças sofre forte

e direta influência da prática pedagógica das professoras, uma vez que não se

separa o ser profissional do ser pessoal, englobando, portanto, suas aprendizagens

adquiridas durante a vida, então, sua própria identidade é/faz parte de suas ações

cotidianas dentro da escola. A criança que por sua vez está em processo de

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construção de sua identidade e esta depende diretamente das primeiras e intensas

interações sociais que acontecem basicamente na família e na escola, e sabendo-se

que observam os adultos e os imitam, poderão consequentemente negar, afirmar

e/ou ressignificar sua identidade negra já iniciada e direcionada no ambiente familiar

neste contato diário com suas professoras.

O primeiro capítulo é composto pela introdução, abordando um retrospecto de

minha vida profissional e acadêmica, ressaltando as inquietações que me levaram a

pesquisar esse tema, evidenciando a busca por aprender e responder as

indagações postas. Apresento os objetivos da pesquisa, questão central, e as tese

hipotética, bem como a problematização e contextualização do objeto de pesquisa,

discorrendo sobre o caminho metodológico adotado.

O capítulo seguinte aborda a história do povo africano, da escravização e

trata também sobre o preconceito racial e as formas que o mesmo se apresenta.

O capítulo três dar-se-á ferramentas para entendimentos curriculares

compostos para população negra, bem como leis que cooperaram e cooperam para

uma vida mais digna da negritude de nosso país. Além de tanto, lidamos aqui com a

identidade e da identidade da criança negra, de uma forma generalista e,

posteriormente, esta mesma identidade no ambiente escolar. Para tanto, na

atualidade, movimentamos com a psicologia escolar na coletividade como também e

os temas presentes no cotidiano do aluno negro.

Finalmente, traremos as análises dos dados coletadas no campo de pesquisa

através de observações da rotina como um todo e questionários aplicados juntos às

professoras, discutindo, portanto, se e como ocorre a construção da identidade

negra da criança e como a prática das professoras pode interferir neste processo de

construção.

Em por fim, apresentaremos as considerações finais, aprendizagens valiosas

no campo de pesquisa com os sujeitos, bem como com os estudiosos de tema tão

denso, enriquecedor, necessário e urgente no que concerne ao aprimoramento tanto

de minha prática como professora, como dos demais profissionais que tiverem

interesse e compromisso consigo e com a sociedade que estamos inseridos

construindo e ressignificando histórias.

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1.1 Problematização e Contextualização do Objeto de Pesquisa

Para entender a importância do objeto de estudo, fez-se essencial fazer um

levantamento minucioso em repositórios digitais, para amparar o entendimento

sobre o caminhar dos estudos e pesquisas relacionados à temática no Brasil, sem

levar em consideração um recorte temporal, visto que pessoalmente tive a

necessidade de entender de forma mais aprofundada como aconteceu ao longo dos

anos os estudos voltados para o contexto de pesquisa escolhido para este tese.

Para tanto utilizei a priori os seguintes indexadores: práticas pedagógicas e relações

étnico-raciais; construção da identidade negra da criança; Construção da identidade

negra nos anos iniciais do ensino fundamental; influência da prática pedagógica na

construção da identidade negra da criança.

Ainda na metade dos anos 1950, o Brasil vivia um momento mascarado pela

democracia racial, tese elaborada pelo antropólogo Gilberto de Mello Freyre e seus

correligionários, que tornou “verdadeiro” um cenário de um país para relações

étnicas sadias, um lugar onde os vínculos entre pessoas brancas e negras eram

compassadas e sem quaisquer formas de segregação.

Embasada nessa premissa e assombrada com as odiosidades da Segunda

Grande Guerra motivados pelo nazismo e pelo segregacionismo, a Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco - agenciou um

conjunto de estudos com o desígnio de “estudar e coletar materiais científicos

relacionados com questões de raça; dar completa difusão para as informações

científicas coletadas; preparar uma campanha educacional baseada nessas

informações” (Mètraux, 1988, p. 384). Contestando as esperanças da Unesco, que

ambicionava usar o nosso país como exemplo de solo sem racismo, determinadas

pesquisas chegaram a remates diferentes, em relação à região do Brasil onde se

objetivou o estudo. Na apresentação de seu livro, Superando o racismo na escola,

Kabengele Munanga (2005), diz-nos:

Alguns dentre nós não receberam na sua educação e formação de cidadão e de professores suficientemente que nos preparasse para lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de discriminação que dela resultam e

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permeiam na nossa vida pessoal e profissional. Essa falta de preparo, que podemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial, compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis [...]. (Kabengele Munanga, 2005, p. 15. Grifo nosso).

Os estudos acerca das associações étnicas realizadas nas Unidades

Federativas mais industrializadas do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro,

despontaram verdades diferentes e descobertas no Nordeste brasileiro. Para os

responsáveis desses artigos, a industrialização e a probabilidade de promoção

social de negros fizeram com que o racismo começasse a se despontar de forma

mais clara nesses ambientes. A tese que apresentou como campo de estudo a

cidade do Rio de Janeiro, proposta pelo sociólogo Luiz Aguiar Costa Pinto, foi

denominada: “O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em

mudança.” (Pinto, 2004). Neste estudo, Pinto (Ibidem) nos fala que, na época

escravocrata, brancos e negros tomavam, respectivamente, as colocações de

senhores e escravos. Desta feita, essas disposições sociais estavam bem

delineadas nesse regime. A discriminação como estrutura de salvaguarda de

arranjos, não tinha motivo de haver. A elevação social do povo negro, instigada pela

industrialização do Estado do Rio de Janeiro, e o desenvolvimento de uma

coletividade de classes sociais abertas fizeram com que o racismo, conforme o

pesquisador decompusesse-se em aparelho para alimentar a condição precária da

vida da população negra, suscitando, desta forma, o racismo de forma voraz.

O racismo e a discriminação atuam fundamentalmente no sentido de reconduzir ao seu lugar o negro que historicamente sai desse lugar, o lugar que tradicionalmente ocupava no sistema de relações sociais, lugar que a ideologia do grupo socialmente dirigente e etnicamente diferenciado considera próprio, natural, biologicamente justificado - tão próprio, natural e biologicamente justificado quanto o seu de grupo dominante. (PINTO, 2004, p. 318).

O estudo que teve como campo de investigação o Estado de São Paulo foi

obra dos sociólogos Bastide e Fernandes (2008) e suscitou o livro: “Brancos e

negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação,

manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade brasileira”. Nesta

pesquisa, os responsáveis nos instruíram que a passagem da sociedade

escravagista para a sociedade de classes não foi suficiente em agenciar

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transformações expressivas que desligassem o aparelho de afinidades sociais

simbólico do período escravocrata. Destarte, não foi plausível fazer com que a cor

da pele abandonasse a simbologia de posição social e alusão à capacidade de

provocar esperanças de conduta ou de promoção de direitos e obrigações mútuos

nas relações sociais. Afora a tenacidade dessas expectativas e de uma conduta

contraditória e prejudicial em relação ao negro, Bastide (2008), apresenta-nos a

negação no nosso país da realidade do racismo.

“[...] brasileiros, dizia-nos um branco, „temos o preconceito de não ter preconceito. E esse simples fato basta para mostrar a que ponto está arraigado no nosso meio social‟. Muitas respostas negativas explicam-se por esse preconceito de ausência de preconceito, por essa fidelidade do Brasil ao seu ideal de democracia racial. [...] É verdade que esse ideal de democracia impede as manifestações demasiado brutais, disfarça a raça sob a classe, limita os perigos de um conflito aberto. Se a isso acrescentarmos certa bondade natural do brasileiro, o hábito adquirido há séculos de viver com os negros e, mesmo, por vezes, uma certa displicência, compreenderemos melhor que o preconceito não se exprima abertamente, mas de um modo [...] encoberto. (BASTIDE, In: BASTIDE & FERNANDES, 2008, p. 155).

Para o autor o racismo era tido como exercício social atribuído à sociedade

escravista, que sumiria com a concretização da sociedade de classes capitalista.

Julgamento idêntico a esse tem Pinto, (2004, op. cit.), ao dizer que, mesmo dentro

do sistema de estratificação e de interesses do período, existia uma branda

ascensão social da raça negra. Entretanto, o autor ajuíza que, dentro das

adversidades que a circunstância conclui, é oportuna a promoção de uma alta

sociedade negra, contudo, a de uma aglomeração de negros na sociedade do Brasil

apenas aconteceria no campo da ascensão social da massa do povo brasileiro, do

qual as pessoas negras se integram. É importante observar que essa opinião foi

muito censurada pelo movimento negro daquela época, que não confiava que

apenas a estabilização da sociedade de classes seria satisfatória para revogar o

racismo.

Outra pesquisa que até os dias atuais é parâmetro nos trabalhos sobre

relações raciais foi realizada pelo sociólogo Nogueira (1985), chamado: “Preconceito

racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência

para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil”.

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O autor fez nessa pesquisa uma ponderação sobre as teses amparadas pela

Unesco. Nogueira (1985) profere que, antagonicamente do que sucedia

precedentemente, existiu uma óbvia constatação da realidade de racismo no Brasil,

entretanto, o autor avalia que essa comprovação não seria aceitável se

desconhecêssemos as disparidades entre a forma das relações entre pessoas

negras e brancas no Brasil e nos Estados Unidos. Dessa forma, ele interroga se as

relações raciais nessas duas regiões são diferentes em veemência ou se existe uma

discussão qualitativa. Partindo desse pressuposto, Nogueira (1985) organiza sua

cogitação dentro do campo limitado do racismo, subdividindo-o em dois modelos:

quando o racismo se contém em relação à exterioridade, aos sinais, à pronúncia, o

autor lembra que esse tipo é de marca, que seria o dominante no Brasil; quando o

preconceito se exerce pelo fato de uma pessoa ser descendente de algum grupo

étnico ou racial, assevera que é de linhagem, que seria a forma de preconceito

dominante nos Estados Unidos. Isso faz com que o tipo de preconceito vigente em

certa sociedade origine a forma como se dão as relações entre os diferentes grupos

étnicos e raciais.

Nos ambientes em que vigora o preconceito de marca, de origem, Nogueira

(Ibidem) alerta que os sujeitos discriminadores e discriminados continuam

severamente apartados, como se fossem duas sociedades completamente

diferentes, e não se misturam. As pesquisas amparadas pela Organização das

Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - Unesco que se apreenderam no

julgamento das relações raciais nas regiões mais industrializadas do Brasil, ao

contrário de abonarem o cenário mundialmente conhecida de que nosso país é um

lugar onde não existe racismo, evidenciaram precisamente o oposto: o racismo e a

discriminação racial são fatos atuais na coletividade brasileira, e a cor da pele,

opostamente do senso comum da ocasião, é discernimento que alicerça a

abordagem heterogênea entre pessoas negras e brancas.

Tais pesquisas foram amplamente apreciadas porque discutiram o movimento

então preponderante de que o nosso país seria uma sociedade liberta de racismo. A

partir delas, começaram a aparecer outras averiguações que foram desdobramentos

destas pesquisas primitivas.

A quantidade de produções referentes à temática étnico-racial vem

aumentando ao longo dos anos, ao fazer um levantamento em repositórios digitais

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percebe-se que não se trata de um montante de pesquisas apenas, mas de um

caminho de estudos e esforços comprometidos com a luta de um povo que vem

conseguindo através de indiscutível capacidade e lutas de grupos muito bem

organizados e fundamentados em prol de uma causa digna, e, portanto, ocupando

os espaços que lhes são devidos socialmente, historicamente, academicamente, e

onde mais desejarem.

Gratificante encontrar uma imensidão de trabalhos e estudos importantes

voltados para temáticas que envolvem a população negra seja estes, elaborados por

pessoas negras ou não, visto que o interesse em aprender, aprofundar e refletir

sobre o assunto parte das mais variadas pessoas com crenças, culturas, religiões

diversas, e, a meu ver ai mora a riqueza das pesquisas encontradas e lidas, que de

certa forma auxiliaram para ampliar minha visão e reflexão consequentemente,

aprimorando a escrita desta tese.

A produção acadêmica da Universidade Federal da Paraíba no que se refere

a temática, merece destaque pela quantidade de trabalhos e pesquisas realizadas

que vem dando importante contribuição. Foi feito um breve levantamento utilizando,

portanto, os indexadores utilizados a priori foram: práticas pedagógicas e relações

étnico-raciais; construção da identidade negra da criança; Construção da identidade

negra nos anos iniciais do ensino fundamental; influência da prática pedagógica na

construção da identidade negra da criança.

A quantidade de pesquisas é imensa, mas levando em conta nosso objetivo,

estas pesquisas de algum modo tem relação com o que propus estudar.

Quadro 1: Levantamento da literatura com temas voltados para as relações étnico-raciais no Banco de Dissertações e Teses da UFPB.

TÍTULO/AUTOR ANO INSTITUIÇÃO

1. Relações étnico-raciais nas

políticas educacionais e nos

projetos político pedagógicos:

desafios - Sawana Araújo Lopes.

2016 UFPB

2. Criança e negra: o direito à

afirmação da identidade negra

2015 UFPB

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na educação infantil - Tárcia

Regina da Silva.

3. Histórias contadas, histórias

vividas: a constituição de

identidades de professores/as

negro/as - Tania Maria Cesar

carneiro.

2014 UFPB

4. Identidade negra e

reconhecimento: interrogando a

lei 10.639/03 nas Escolas do

Município de João Pessoa -

Christiane Soares Carneiro Neri.

2011 UFPB

Fonte: elaboração da autora (2019).

A dissertação intitulada Relações étnico-raciais nas políticas educacionais e

nos projetos político pedagógicos: desafios. Teve como objetivo compreender como

as relações étnico-raciais estão sendo efetivadas nas políticas educacionais e

implementadas nos Projetos Políticos Pedagógicos-PPP e nos Projetos Educativos

das Escolas Municipais de João Pessoa-PB e apontou a importância da inclusão e

implementação das relações étnico-raciais nos PPP e currículo das escolas.

A tese Criança e negra: o direito à afirmação da identidade negra na

educação infantil, “evidencia que o cuidado as estratégias de afirmação positiva do

ser criança e negra estão mais centradas nas meninas. Enquanto elas são

incentivadas através das dimensões do cuidar e do educar das histórias

apresentadas nos livros de literatura infantil a valorizar o seu corpo e o seu cabelo,

para os meninos essas estratégias foram minimamente propostas. Para o corpo do

menino e negro, pouca visibilidade e cuidados. Neles, há o desejo de mudar a sua

cor/raça. Por fim, reconhecemos que as crianças utilizam na sua autoidentificação

racial elementos que se aproximam bastante das categorias utilizadas pelos adultos,

podendo, assim, serem pensadas metodologias que as considerem como sujeitos

capazes de nomearem sua cor/raça nas pesquisas oficiais”. (SILVA, 2016)

A dissertação Histórias contadas, histórias vividas: a constituição de

identidades de professores/as negro/as, analisou a constituição de identidades das

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relações étnico-raciais, bem como de práticas discursivas em narrativas de

professores nefros que atuam no ensino fundamental de escolas públicas dos

municípios de Mamanguape e Rio Tinto-PB, os resultados demonstraram que os

professores ao constituírem duas identidades se munem de tecnologias do eu como

formas de resistência ante as práticas discriminatórias e excludentes.

A dissertação Identidade negra e reconhecimento: interrogando a lei 10.639/03

nas Escolas do Município de João Pessoa objetivou estudar a trajetória da

constituição identitária negra no Brasil a partir do advento polêmico da abolição e da

precária integração do negro na sociedade de classes com base nos estudos de

Florestan Fernandes.

Percebe-se que a temática é bastante pesquisada pelos alunos da UFPB,

pelo acervo de dissertações e teses voltados para o tema, mas quando tratamos do

estudo do tema voltado para os anos iniciais da educação básica, há uma escassez,

portanto, além do tema desta tese ser de grande relevância por si só, temos mais

este dado que corrobora com a relevância do mesmo.

1.2 Delineamentos Metodológicos: esclarecendo o caminho adotado na

pesquisa

Para o provimento desta pesquisa, primeiro houve a busca pela carta de

consentimento da Secretaria Municipal de Educação-SEDEC, em seguida a

pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba,

sendo, portanto, liberada, visto que a pesquisa envolve seres humanos-UFPB. Após

tais procedimentos, ainda em 2017, me apresentei à direção da escola portando a

carta de anuência e explicando como aconteceria o estudo de forma mais detalhada

possível, visto que ainda era um estudo em construção, onde o campo me mostraria

como conduzir a pesquisa. Fui bem recebida pela direção e equipe técnica que se

mostrou disposta a auxiliar no que fosse necessário.

Ainda no mesmo ano me apresentei às duas professoras dos primeiros anos,

expondo a proposta e ambas se dispuseram a participar da pesquisa, só no início do

ano letivo de 2018 sentei com as mesmas e conversei sobre os métodos que seriam

utilizados de forma a conseguirmos responder os questionamentos, as mesmas

debateram um pouco sobre a realidade até então observada de suas turmas e

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apresentaram interesse no estudo disposto, sendo uma das professoras se

autodeclarada negra e ativista no que se refere à temática percebi diante mão um

engajamento importante em nosso estudo, bem como a outra professora que se

autodeclarada branca demonstrou tanto engajamento quanto, visto que trabalham

em parceria de forma bastante afinada.

Em reunião marcada previamente com todos os pais dos alunos a serem

envolvidos na pesquisa, à qual teve um percentual elevado de presença

principalmente por se tratar da primeira reunião escolar, com ausência de três pais

em um total de 43, quantidade total de alunos nos primeiros anos, sabendo-se que o

número máximo permitido por lei é de 25 crianças por turma de primeiros anos, as

turmas estavam com as quantidades dentro do permitido. Expliquei todo o

procedimento do estudo e solicitei autorização por escrito para a participação de

seus filhos, no que fui atendida sem maiores questionamentos, os quais foram

permeados pela preocupação da exposição da imagem dos filhos, expliquei

portanto, que as imagens apenas seriam utilizadas para posteriores análises dos

dados e arquivadas em meus materiais pessoais da pesquisa.

Voltei-me, então, às crianças. Apresentei-me, explicando em linguagem

coloquial o que era a pesquisa e o que iria acontecer, não esquecendo de informar-

lhes que estaria com eles durante todo letivo de 2018, que algumas vezes iria filmar

as aulas das professoras para que eu pudesse fazer minha tarefa de casa assim

como eles fazem as deles. Colhi a assinatura nos termos de assentimento, o que pra

eles foi tudo uma diversão, não se mostraram contrários e cada um a seu modo me

fez sentir que estava conseguindo até então ser bem aceita e compreendida.

As crianças se mostraram abertas a minha presença, o contato inicial foi bem

receptivo. Aos poucos me inseri na rotina da escola e todos os funcionários que nela

trabalham estavam cientes que eu estaria circulando e observando a todos e a

forma como cada um lidava com as crianças, conflitos e as interações. Percebi que

mesmo sendo professora da escola há cinco anos, inicialmente os adultos remontam

a modos teatralizados no sentido de arquitetar comportamentos e até falas, bem

como, reprimir-se diante de minha presença, talvez com receio de algum julgamento

ou mesmo pelo incômodo inicial de saber estar sendo observado. A quebra dessa

barreira foi feita também gradativamente, mas não demorou tanto, pois fui

participando ativamente da rotina, conversando, passando segurança de que não

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estava ali para criticar, mas sim para entender e quem sabe diante das

necessidades ter a possibilidade de auxiliar de algum modo ao final da pesquisa.

As observações foram sistematizadas e acompanhei as duas turmas durante

todo o ano, iniciando, portanto o contato com os sujeitos da pesquisa a partir da

segunda semana de aula, no início do ano letivo, as observações aconteceram em

todo o cotidiano das crianças com suas professoras, desde a acolhida as 7:00 horas

às 11:15 horas, momento que saem para casa, as realizei em minhas aulas vagas,

intervalos, chegada e saída das crianças, comemorações realizadas pela escola, em

todos os momentos eu estava com o olhar atento aos acontecimentos.

As informações adquiridas nesta tese cooperaram para a apreciação dos

entendimentos demonstrados pelos indivíduos correspondentes à pesquisa,

professoras, crianças e demais funcionários da escola. Os sujeitos da pesquisa

foram duas professoras as quais foram chamadas de Professora “Maria Firmina”3 e

Professora “Antonieta”4, de modo homenagear duas figuras de mulheres negras que

contribuíram com a história de resistência das pessoas negras, bem como a

respeitar o sigilo de direito de todos os sujeitos. E as crianças que estavam na faixa

estaria de idade entre 6 e 8, nos dois primeiros anos da escola, sendo 43 alunos: 22

(10 meninas e 12 meninos) em uma sala e 21 (12 meninas e 09 meninos) em outra,

também tiveram seus nomes em sigilo e foram chamadas de Criança A, Criança B e

assim sucessivamente de acordo com as faladas de cada uma delas e com a

necessidade de apresentação destas durante o decorrer das apresentações dos

dados; Em ambas turmas haviam crianças negras e brancas, além de também

serem observadas, passaram por oficinas interativas elaboradas por mim e

3 Maria Firmina dos Reis: Primeira escritora brasileira. Publicou em 1860, no jornal A Moderação, a

obra Úrsula, primeiro romance abolicionista. No texto, ela critica à irracionalidade da escravidão. Foi também a primeira mulher a ser aprovada em um concurso público no Maranhão para o cargo de professora de primário. Fundou a primeira escola mista para meninos e meninas, e fez tudo isso antes da Lei Áurea. Acesso em: https://pt.org.br/mulheres-negras-que-entraram-para-a-historia-do-brasil/ 4 Antonieta de Barros: Jornalista, fundadora e diretora do jornal “A Semana”, foi a primeira mulher

negra eleita deputada federal no Brasil. Nasceu em 1901 e enfrentou inúmeras dificuldades para conquistar espaços que na época não eram ocupados por mulheres, encontrou mais dificuldades ainda por ser negra. Começou a trabalhar como jornalista em 1920, também foi educadora, além de fundadora do Curso Antonieta de Barros, o qual dirigiu até 1952, ano de sua morte. Acesso em: https://pt.org.br/mulheres-negras-que-entraram-para-a-historia-do-brasil/

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32

passadas pelo crivo e alterações à critério das professoras, as aulas tinham

referentes ao racismo.

Feito este levantamento inicial, posteriormente, o aprofundar da pesquisa e

conhecimento de ambas as professoras aconteceu através do contato quase que

diário durante o período de aproximadamente doze meses, dos quais fui bem

acolhida pelas mesmas que fizeram uma ponte interativa entre as crianças e eu

muito boa, facilitando bastante todo o processo de observação, assim como também

se mostraram solícitas todas as vezes que recorri, portanto, consegui averiguar as

percepções das mesmas, suas práticas pedagógicas e os recursos materiais

acessíveis para o exercício de seu trabalho de modo a conseguirem realizar suas

aulas interligando-as nas direções oferecidas pela Lei 10.639/2003.

A escola campo de pesquisa é uma escola pública municipal da cidade de

João Pessoa-PB, que fica situada no maior bairro da cidade, dado este que consta

no site do IBGE (2013), Mangabeira é um bairro com cerca de 76 mil habitantes.

A escola foi fundada em 20 de Março do ano de 2000 e inaugurada

oficialmente no dia 28 de Junho de 2000, na administração do Prefeito Cícero

Lucena Filho e como Secretário de Educação o Professor Neroaldo Pontes de

Oliveira suas modalidades de ensino são: Ensino Fundamental Regular, Educação

Especial e Educação de Jovens e Adultos, funcionando nos três turnos: manhã: 11

turmas de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, tarde: 11 turmas de 6º ao 9º ano do

Ensino Fundamental, noite: 5 turmas da modalidade Educação de Jovens e Adultos

Ciclo Alfa, Ciclo I, Ciclo II, Ciclo III e Ciclo IV.

Atualmente, possui cerca de 730 alunos, destaca-se como Escola referência

no atendimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência que

somam um total de 67 alunos/as distribuídos nos três turnos escolares.

A unidade passou a ser polo de atendimento de alunos surdos da rede

municipal desde 2009 e desde então tem se destacado na modalidade da educação

especial, os profissionais vêm se aperfeiçoando na área e a escola vem recebendo

alunos com deficiência inclusive de outras comunidades.

A estrutura física da escola conta com 11 salas de aula com capacidade para

aproximadamente 40 alunos cada uma, Sala de Recursos Multifuncionais para o

Atendimento Educacional Especializado dos alunos com deficiência matriculados, a

Biblioteca Paula Fancinete que tem o acervo renovado através de doações da

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33

comunidade e do Governo Federal por meio de programas como: Programa

Nacional do Livro Didático PNLD, Programa Nacional Biblioteca na Escola - PNBE,

Programa Nacional Biblioteca na Escola/ Professor - PNBE Professor e Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC. A biblioteca possui livros que

são organizados por disciplina e categoria (paradidáticos, de formação docente,

enciclopédias, etc.) e existe um quantitativo considerável de livros avariados em

virtude da leitura e de má utilização.

A escola possui um espaço acessível para alunos com dificuldade de

locomoção e cadeirantes além de banheiros adaptados. Conta ainda com 1

Laboratório de informática que funciona e tem acesso a internet, 1 Sala de cinema

(CINECO) inaugurado em 2014, cujo material e acervo foi doado por empresa

privada, 1 Sala para o Programa Mais Educação, horta, ginásio poliesportivo,

refeitório, 1 sala de professores, 1 sala de equipe técnica, 1 sala para a direção,

secretaria e amoxarifado. O comércio local tem um aglomerado de pequenas lojas

de artigos diversos (papelaria, farmácia, alimentação e produtos veterinários) e um

supermercado, próximo a escola tem ainda a Unidade de Saúde da Família da

comunidade.5

Inúmeros fatores devem ser considerados para escolha do campo de

pesquisa, principalmente quando tratamos da observação participante na qual o

pesquisador estará interagindo constantemente e por um longo período com as

pessoas estudadas. Angrosino (2009, p. 46-52) afirma que “o melhor equipamento”

com que o pesquisador pode contar é ele mesmo, pois aponta elementos que

orientam esta definição e diz que antes de tudo, o pesquisador deve iniciar

avaliando-se, visto que, se o curso de adaptação ao lócus da pesquisa toma mais

tempo e esforço do que o processo de coletar dados, então a observação

participante simplesmente não está ajudando alcançar seus objetivos.

Para tanto, a escolha do campo de pesquisa deu-se pela curiosidade em

desvendar a temática posta no meu ambiente de trabalho, visto que passo tanto

tempo mergulhada em minha prática/rotina com os alunos que não conseguia

enxergar o trabalho que acontecia na escola com um olhar mais atento, bem como

5 Informações retiradas do Projeto Político Pedagógico da escola, documento este atualizado pela

última vez em 2016, momentos dos quais participei em todo processo de construção e alterações coletivas, no que se refere aos dados de números de alunos são do ano de 2019, solicitados a secretaria da escola.

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nossa escola é também nomeada pela SEDEC e pela comunidade como “escola

referência em inclusão”, portanto, imagina-se que as interações e tratamento entre

as pessoas acontecem de uma forma mais positiva, respeitosa e colaborativa, ao

meu ver pontos não únicos, essenciais para a construção da identidade negra das

crianças, visto que este processo de construção identitária também perpassa e é

melhor construído com um trabalho voltado para autoestima, empoderamento,

aceitação, e, portanto, acontecem nas relações saudáveis e respeitosas entre as

pessoas.

Outro fator que pesou na escolha foi que a opção por fazer uma pesquisa

etnográfica tomaria tempo e exigiria inserção com certa constância no campo de

pesquisa, desta feita, estando em meu local de trabalho conseguiria aperfeiçoar as

observações da maneira que desejava e que a pesquisa demandaria.

Como metodologias fiz uso de questionários, oficinas interativas, diário de

campo e observações, que, como tática metodológica diversificada, beneficiará a

organização de um mundo de dados abundante e autênticos, disponibilizado na

obtenção dos elementos, possibilitando diferentes aspectos de apreciação, com o

benefício de conservar os aspectos atitudinais e comportamentais cotidianos dos

sujeitos estudados.

A pesquisa social é definida por Gil (1999) como:

[...] o processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos. A partir dessa conceituação, pode-se, portanto, definir pesquisa social como o processo que, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social. (GIL, 1999, p. 42).

A observação participante, com constância, emprega um aparelho para

apontamento dos dados: o diário de campo. Pode-se utilizar um caderno para

anotações, uma planilha, ou um aparelho eletrônico que admita tais transcrições.

Podem ser anotadas as observações do dia a dia do investigador, constituído de

maneira escrita ou gravada. Necessita-se anotar comunicações sem cerimônias,

advertências de conduta, alocuções e sensações particulares (as quais geralmente

mudam com o passar do tempo) acerca das camadas ou tópicos a serem

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pesquisados. De acordo com Falkembach (sd), os diários de campo precisam

permitir apontamentos meticulosos. Por exemplo:

1. Definições dos indivíduos (feitio, forma de vestimenta, forma de exprimir-se

e atuar, peculiaridades dos sujeitos);

2. Forma de ver o mundo dos indivíduos (nível de devoção a uma religião,

estimas, dados culturais unidos ao procedimento de trabalho, de saúde e outros.);

3. Discurso dos indivíduos (bate-papos, expressões, sinais, prestar atenção

no rosto e sotaques);

4. Exposição do ambiente físico (aparelhamento, retrato do ambiente,

mobiliário e a disposição dos lugares);

5. Definição de atividades dos indivíduos (descrever minuciosamente o

aspecto corporal e a interação com os objetos utilizados);

6. Descrição de eventos (maneira como incidiram e caráter das atuações);

7. Conduta do pesquisador (feitios que possam intervir na coleta de

informações).

Finalmente, tem-se que prestar atenção para os episódios dessa ampla

metodologia de observação e estar, na maioria das vezes, atento ao maior número

de informações possíveis.

Conforme Gil (1999), os modelos mais peculiares dessa espécie de pesquisa

são sobre averiguações acerca de sistema de ideias ou aquelas que se sugerem à

apreciação dos diferentes arranjos sobre um problema.

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta. (FONSECA, 2002, p. 32).

E ainda instrui:

A pesquisa documental trilha os mesmos caminhos da pesquisa bibliográfica, não sendo fácil por vezes distingui-las. A pesquisa bibliográfica utiliza fontes constituídas por material já elaborado,

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constituído basicamente por livros e artigos científicos localizados em bibliotecas. A pesquisa documental recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc. (FONSECA, 2002, p. 32).

A pesquisa de campo assinala-se pelas averiguações em que, além da

pesquisa bibliográfica e/ou documental, atinge-se a coleta das informações junto aos

indivíduos, com o expediente de diferentes formas de pesquisa (pesquisa-ação,

pesquisa participante, etc.). (Fonseca, 2002, p.33).

Os obstáculos do modelo qualitativo estão notados, invariavelmente, no

decorrer desta análise, quais sejam: a requisição de muita atenção e tempo para as

tarefas; também atenção com as influências dos sujeitos enredados; o assunto da

legitimidade interna do estudo, no qual o objeto de observação foi provocando

esclarecimentos alternativos; o impedimento da proliferação dos efeitos; a

autenticidade e legitimidade que proporcionaram diferentes feitios de aspectos dos

indivíduos, corroborando que os aspectos do autor não são singulares e que as

probabilidades de influência, aparelhamento e discussão do pesquisador,

posteriormente a organização dos dados alcançados, possam aperfeiçoar outro

estudo empírico peculiar. Outra ponderação que pode causar cuidado no decorrer

do estudo de campo é a domesticação do olhar, assinalado por Oliveira (2004).

Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo esteja na domesticação teórica de seu olhar. Isso porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados para a investigação empírica, o objeto sobre o qual dirigimos nosso olhar já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo. (OLIVEIRA, 2004, p.19).

A pesquisa qualitativa não se atenta com a relevância numérica, entretanto,

com o aperfeiçoamento da apreensão de um conjunto social, de uma instituição,

coletividade, etc. Os estudiosos que seguem a abordagem qualitativa contestam a

hipótese que protege um padrão singular de análise para todas as ciências, já que

as ciências sociais têm sua particularidade, o que implica em um procedimento

adequado. De tal modo, os estudiosos qualitativos abdicam o padrão positivista

justaposto à pesquisa da vida social, uma vez que o estudioso da área não pode

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fazer ajuizamentos nem consentir que suas ideias pré-estabelecidas e credos

corrompam o estudo (Goldenberg, 2007, p. 124). Os estudiosos que empregam as

metodologias qualitativas procuram elucidar o motivo das coisas, demonstrando o

que acorda ser constituído, todavia, não quantificam as estimativas e as permutas

simbólicas nem se sujeitam à prova de fatos, porque os elementos avaliados são

não métricos e se acodem de diferentes tratamentos.

Na avaliação qualitativa, o pesquisador é ao mesmo tempo o sujeito e o

objeto de seus estudos. A ciência do estudioso é fracionária e restrita. O desígnio da

amostra é de elaborar subsídios importantes e esclarecedores, seja pequena ou

grande, o que conta é que seja capacitada a gerar novos elementos. A pesquisa

qualitativa atenta-se, deste modo, com aspectos do fato que não podem ser

quantificados, centralizando-se na apreensão e esclarecimento da eficácia das

relações em sociedade.

A pesquisa qualitativa age com o mundo de significações, pretextos, anseios,

fés, estimas e caráteres, o que obedece a um ambiente mais denso das afinidades,

dos processos e dos acontecimentos que não podem ser diminuídos à mera

instrumentalização. Justaposta, primeiramente, em pesquisas de sociologia e

antropologia, como contraponto o estudo qualitativo predominante, tem dilatado sua

arena de desempenho a campos como a psicologia e a Educação. A pesquisa

qualitativa é analisada por seu modo baseado na experiência, pela parcialidade e

pela implicação afetiva do cientista (Goldenberg, 2007, p. 132).

As propriedades da pesquisa qualitativa são: objetivação do acontecimento;

hierarquização dos atos de delinear, abranger, esclarecer, exatidão das afinidades

entre o integral e o local em determinado fato; observação das discussões entre o

meio social e o meio cultural; deferência à atitude interativa entre os desígnios a

serem alcançados pelos pesquisadores, suas direções investigativas e seus

elementos empíricos; procura por consequências as mais autênticas plausíveis;

aversão a pressupostos que defendem um padrão singular de pesquisa para todas

as ciências.

No entanto, o investigador necessita estar cauteloso para determinadas

demarcações da pesquisa qualitativa, quais sejam: exagerada confiança do

pesquisador como utensílio de coleta de elementos; dedicar-se à pesquisa de modo

que suas notas de campo possam conceber certo exercício de dar conta da

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totalidade do componente pesquisado, além de dominar a autoridade e

conhecimento do pesquisador acerca do objeto de estudo; confiança do próprio

investigador em relação a seus elementos; comprometimento e cuidados do

investigador em toda a pesquisa a ser realizada e com os indivíduos estudados.

A recomendação do modelo qualitativo, ao lado, com a abordagem

etnográfica (Coulon,1995, p. 113), apresentou-se, também, como uma das mais

apropriadas para a assimilação e aperfeiçoamento do elemento desta tese. Para

Coulon, citando Mehan (1995, p. 34-41), a atitude primeira do estudo deve ser o

ambiente, todavia, outras duas características são primordiais neste procedimento

que é a renúncia das hipóteses, antes de ir para o campo, porquanto, a dificuldade

de ouvir e interrogar, diversas vezes, apenas é percebida no transcorrer da

observação e apreciação dos elementos a seguir, só devem ser declarados nesta

ocasião; e, a outra é a definição dos acontecimentos microssociais, segundo

assevera em sua pesquisa.

[...] a sociologia tradicional vê nas situações instituídas o quadro restritivo de nossas práticas sociais, a teoria etnometodológica, fundamentalmente construtivista, valoriza a construção social cotidiana e incessante, das instituições em que vivemos. (COULON, 1995, p.113).

A etnografia é um método conduzido predominantemente pelo tato, intuição,

discernimento e sensatez de argumentar do etnógrafo, que deve “entender que a

etnografia lida com gente no sentido coletivo da palavra, e não apenas com

indivíduos. Assim sendo, é uma maneira de estudar pessoas em grupos

organizados, duradouros...” (Angrosino, 2009, p. 16), portanto, cabe ao pesquisador

inserir-se no ambiente de pesquisa e entre os sujeitos a tal ponto que se misture

entre eles e faça parte desse cotidiano como um deles. Dessa forma, o emprego de

métodos e artifícios etnográficos, não acompanha modelos severos ou pré-

concebidos, porém, faz-se primordial que o etnógrafo sensibilize seu olhar atento e o

aprimore a partir das tarefas de campo no conjunto social do estudo. Esses

métodos, várias vezes, necessitam ser estabelecidos ou originalizados para

satisfazer à busca da verdade nas atividades de campo. Nessa concepção, o

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procedimento da análise será considerado explícita ou implicitamente pelos

assuntos sugeridos pelo explorador.

Como abordagem de averiguação científica acarreta algumas colaborações

para o grupo das pesquisas qualitativas que se importam pela pesquisa das

disparidades e exclusões sociais, por se inquietar com uma apreciação integral ou

dialética da cultura, ou seja, a cultura não é vista como uma simples imagem de

potências fundamentais da coletividade, mas sim, como um aparelho de

significados, mediadores entre as estruturas sociais e a atuação humana; segundo,

por colocar os sujeitos sociais em uma cooperação ativa e eficaz no procedimento

modificador das estruturas sociais; e, terceiro, por despontar as analogias e

interações que acontecem dentro da escola, de maneira que possamos discutir tais

métodos de escolarização, aprimorando-os (Mehan, 1995; Erickson, 1986 In:

Coulon, 1995, Richardson, 1999, 2003, 2011, 2017).

A etnografia, pesquisa principalmente os modelos mais comuns do

pensamento e conduta dos indivíduos aparentes em seus hábitos do dia a dia;

pesquisa, até mesmo, os acontecimentos e episódios menos prováveis ou

despontados, individualmente, em minucioso conjunto participativo entre os sujeitos

ou grupos. Tanto a etnografia mais clássica, quanto a mais atual, sinalizam para

extensos momentos de análise, de um a dois anos, preferivelmente. Este

andamento se faz imperioso para que o estudioso possa apreender e corroborar a

definição dos atos dos indivíduos de maneira que esses equivalham ao mais

significativo aceitável da definição que os próprios sujeitos estudados ofereceriam a

mesma atuação, episódio ou ocasião explanada. Contudo, a pesquisa,

excepcionalmente, terá um período de onze meses de observação, haja vista, o

período do ano letivo, desta feita, um mês a menos, conforme orientação do autor,

não afetará os estudos, uma vez que estarei diariamente no campo de pesquisa, de

maneira assídua, já que leciono no mesmo ambiente, ou seja, a observação será

bem mais intensificada. (COULON, 1995, grifo nosso).

Nesse sentido, elenco que se trata de uma pesquisa de campo, qualitativa e

etnográfica, uma vez que passei longo período - fevereiro a dezembro de 2018 - no

ambiente da pesquisa realizando projetos de intervenção junto às professoras e

observando toda rotina. Para não atrapalhar o andamento das aulas nem o

calendário escolar, elaborei duas oficinas interativas, de modo a introduzir e

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provocar a discussão voltada para a temática, às mesmas foram apresentadas as

professoras que tiveram liberdade para opinar e alterar, visto que elas que aplicaram

suas respectivas aulas e a elaboração foi apenas um modelo para que atendessem

a necessidade da pesquisa, sendo meu maior interesse introduzir e observar suas

práticas durante as aulas e posteriormente se haveriam outros momentos de

abordagem sobre o tema.

As aulas foram aplicadas nos meses de março e junho num intervalo quase

quatro meses entre elas para que os alunos tivessem tempo de absorver e em seu

meio social colocar em prática ou não o que apreendeu com as aulas, trazendo

dados a ser observados, bem como tive todo o cuidado de não interferir

demasiadamente no cronograma/planejamentos das professoras, deixando-as livres

para realizar suas práticas, sendo de interesse maior do estudo observá-las

conduzindo suas rotinas com as crianças.

Neste período entre as oficinas interativas estive em contato com as turmas

observando como as professoras conduziam suas práticas cotidianas nos mais

diversos momentos e situações, assim como horários de entrada, saída, intervalo,

lanche no refeitório da escola, o máximo que consegui das interações cotidianas em

todo o ambiente escolar, mas com foco principal na prática pedagógica das

professoras e os comportamentos individuais e coletivos das crianças.

Como não foi possível filmar sempre todas as situações utilizei o diário de

campo para sistematizar minhas impressões de todos os eventos que considerei

importantes para a pesquisa. As oficinas interativas foram idealizadas de acordo

com os objetivos da pesquisa, mas elaboradas pormenorizadamente junto às

professoras, visto que elas que conheciam a realidade de suas turmas e adequaram

de acordo com suas turmas, de modo que as aulas ocorressem o mais eficazmente

possível envolvendo todas as crianças para evitar possíveis retomadas de toda a

aula em outro momento, então, foram bem pensadas e organizadas. Como as

crianças eram pequenas seria maçante a repetição da mesma coisa por motivo de

alguma falha dos adultos, teria que ser algo lúdico, mas que despertasse a reflexão.

Foram aplicados questionários com as professoras, inicialmente para saber

entender um pouco da história delas, assim como suas visões sobre racismo,

políticas públicas para a população negra, prática pedagógica, construção de

identidade, formação inicial e continuada, entre outros, para conseguir situar o

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pensamento delas sobre os assuntos e comparar com suas práticas no dia a dia. Os

questionários - em anexo - foram respondidos nos primeiros dias de aula para

melhor visualização da prática com a teoria e vivências pessoais que permeiam suas

práticas inevitavelmente, fui sentindo a necessidade e elaborando outros

questionários e aprofundando as discussões para assim conseguir ter uma melhor

dimensão do que realmente pensavam sobre a maior abrangência possível sobre o

tema.

Fiz uso do celular para filmar os momentos das aulas aplicadas pelas

professoras, a videogravação se faz um instrumento excelente, pois facilita a

posterior análise dos dados, como aponta Medeiros (2015, p. 42):

A videogravação auxilia na transcrição, bem como oportuniza a captura de sons, expressões e movimentos sutis ao mesmo tempo, permitindo inclusive que os episódios sejam recortados para que melhor sejam analisados à luz dos estudiosos elencados. Embora a videogravação não consiga capturar todos os acontecimentos em um mesmo ambiente, o fato de viabilizar a gravação do máximo de eventos possíveis em um curto espaço de tempo, por si só já lhe confere relevância no que concerne responder os objetivos apresentados. (MEDEIROS, 2015, p. 42)

Sobre os questionamentos de que a videogravação pode interferir no

comportamento dos sujeitos, autores como Heacock, Souder e Chastain (1996, p.

336-338) lembram que o comportamento pode se modificar, mas apenas por período

de tempo consideravelmente curto, e, apontam que após poucos minutos os

participantes se acostumam com o equipamento e voltam a apresentar seu

comportamento habitual, e foi exatamente isto que aconteceu, as crianças ficaram

curiosas a me ver gravando, questionaram, mas por estarem bastante familiarizadas

também com o celular, não deram tanta importância, mas pediam bastante para se

vir no vídeo, bem como faziam poses solicitando que as fotografasse.

Em vista do que foi mencionado, Meira (1994, p. 61) lembra que não existem

apenas aspectos positivos no uso da videogravação, e lista algumas dificuldades

encontradas no uso desta ferramenta, entre eles podemos destacar que esta

tecnologia possui menor resolução, contraste, foco, percepção, que o olho humano,

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também é menos sensível e seletivo que o olho humano, de modo que registros em

momentos de atividades conjuntas podem ficar confusos.

Além de tudo que o autor menciona, ainda esclarece que a videografia deve

ser combinada com o método de observação participante, visto que permite “maior

acesso ao contexto de uma atividade normalmente não capturada em vídeo”

(MEIRA, 1994, p. 61). Sabendo, portanto, dos pontos positivos e negativos desta

técnica de coleta de dados, elenquei esta como sendo primordial para responder

mais seguramente possível aos questionamentos colocados.

Diante do exposto, fiz uso das técnicas da análise microgenética que como

revela Góes (2000, p. 10) compõe a “análise de micro comportamentos estruturados

nos processos organizacionais da interação social”, Meira (1994, p. 61) corrobora,

portanto, afirmando que a videografia ou registro em vídeo de atividades humanas,

tem como ferramenta primordial a “investigação microgenética de processos

psicológicos complexos, ao resgatar a densidade de ações comunicativas e

gestuais”, e, Branco e Kelman (2004, p. 93) afirmam que “esta análise, apesar de

exigir um longo trabalho com o corpus de dados obtidos através de registro de

observações, é a metodologia que melhor permite identificar e analisar o fenômeno

das interações em sala de aula”.

A utilização das técnicas da análise microgenética sabe-se ser o estudo

detalhado da evolução das relações entre agentes e situações, combina-se para

formar um modelo de coleta e análise de dados que permite uma interpretação

robusta e consistente dos mecanismos psicológicos provenientes à atividade

humana.

Este tipo de análise permite uma análise minuciosa do nosso objeto de

estudo, visto que parti do pressuposto de que os momentos de observações

apresentam certa complexidade já que envolvem um elevado número de sujeitos em

um mesmo ambiente, produzindo freneticamente falas e comportamentos, exigindo

um olhar atento e concentrado na heterogeneidade apresentada pelo ambiente,

permitindo compreender fenômenos psicológicos complexos captando o momento

em que os processos de transformação estão ocorrendo.

Esta análise é demasiadamente detalhada, portanto, não fiz uso dela à risca,

visto que seria inviável utilizá-lo na análise do montante de material coletado numa

pesquisa etnográfica, para tanto, a utilizei suas técnicas o mais rigorosamente que

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consegui dar conta, realizando os cortes em partes dos vídeos que não estavam

dentro dos objetivos e problema da tese, ou seja, de acordo com este, que fui

assistindo os vídeos e analisando o que era relevante para responder tudo que

propus no estudo.

Utilizei também o diário de campo para anotações das observações que

aconteceram corriqueiramente, assim, inserida no cotidiano das crianças e

professoras pude observar a dinâmica interativa entre os sujeitos e como estes

lidam com as questões de racismo, construção de identidade, solução de possíveis

conflitos em seu cotidiano, comportamentos, falas e ações, para tanto diversos

momentos tive conversas com as crianças de modo a indaga-los sobre suas falas,

desenhos, comportamentos que somente nessa inquirição pude entender por

completo o que queriam expressar.

Utilizei também o questionário aberto o qual consente à pessoa pesquisada

contrapor espontaneamente, empregando locução cômoda e dar suas apreciações.

Também, perceber por meio de conversas, observações, análise de documentos e

participando também, uma vez que faço parte do grupo de professores da escola

pesquisada, como se dá a qualificação quando o assunto é a pessoa negra.

Para analisar os questionários a metodologia utilizada foi a análise de

conteúdo (BARDIN, 2009, p. 42) que consiste num conjunto de técnicas de análise

das comunicações dos sujeitos entrevistados com vistas a obter, por meio de

procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, a

inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das

mensagens.

A análise de conteúdo é um método de abordagem de coleta de informações,

que tem por objetivo explanar acerca de material de cunho qualitativo, afiançando

uma definição prática, metódica e com o valor despondo na ocasião da coleta. Esse

método apareceu com essa designação nos Estados Unidos, no período da Primeira

Grande Guerra e, na ocasião, procurava garantir a assertividade para apreciações

qualitativas para nivelá-las aos julgamentos quantitativos.

Essas relações e empregos deste método se sustentaram até a Segunda

Guerra. Nas décadas de 1950 e 1960, a análise de conteúdo surge novamente,

porém, vem com o desígnio de salientar o teor manifestado na mensagem e seus

aspectos, deixando de lado a apreensão com as quantificações, conquanto, até

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hoje, existam controvérsias entre as duas interpelações da técnica. (Bardin, 2009).

Vale destacar a visão de Bardin (2009).

A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e em seguida por reagrupamento segundo o gênero (analogia) com os critérios previamente estabelecidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um conjunto de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento este efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos. O critério de categorização pode ser semântico (por exemplo, todos os temas que significam ansiedade ficam agrupados na categoria ansiedade [...], sintático (os verbos e os adjetivos), léxico (classificação de palavras segundo seu sentido [...]) e expressivo (por exemplo, categorias que classificam as diversas perturbações da linguagem). (BARDIN, 2009, p.117).

Com base no exposto, os objetivos específicos, para chegarmos ao objetivo

geral, são: identificar como as crianças negras se constituem como sujeitos nas

práticas pedagógicas e vivências cotidianas em sala de aula com seus pares e suas

professoras; identificar a interferência da formação inicial e continuada nas práticas

pedagógicas voltadas para as relações étnico-raciais em sala de aula; perceber se

as professoras conhecem e põem na prática o conceito de equidade, manifestam

senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos; e, averiguar,

sempre que houver oportunidade, de forma discreta, e abordagem ajustada as

crianças acerca de seu dia a dia no ambiente escolar e, fora dele, para ter uma visão

micro da relação deles com a construção de suas identidades.

Essa construção nos levou ao nosso objetivo geral: analisar as práticas

pedagógicas das professoras voltadas para as relações étnico-raciais e suas

possíveis influências para a construção da identidade negra das crianças nos

primeiros anos do Ensino Fundamental de uma escola pública no município de João

Pessoa - PB.

Nessa configuração, a questão central, consistiu: se e como a prática

pedagógica das professoras dos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma

escola pública no município de João Pessoa - PB pode interferir na formação da

identidade negra das crianças?

E a tese hipotética: A construção da identidade negra das crianças sofre forte

e direta influência da prática pedagógica das professoras, uma vez que não se

Page 48: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

45

separa o ser profissional do ser pessoal, englobando, portanto, suas aprendizagens

adquiridas durante a vida, então, sua própria identidade é/faz parte de suas ações

cotidianas dentro da escola. A criança que por sua vez está em processo de

construção de sua identidade e esta depende diretamente das primeiras e intensas

interações sociais que acontecem basicamente na família e na escola, e sabendo-se

que observam os adultos e os imitam, poderão consequentemente negar, afirmar

e/ou ressignificar sua identidade negra já iniciada e direcionada no ambiente familiar

neste contato diário com suas professoras.

Esta averiguação se distingue, dessa maneira, como um estudo qualitativo

fundamentado em uma pesquisa social, de cunho bibliográfico, documental (fichas

dos alunos, PPP da escola, regimento escolar, livros didáticos, planos de curso,

planejamentos das professoras, etc.) e de campo.

Sendo assim, o capítulo seguinte abordará toda a fundamentação teórica que

respaldou melhor compreensão da temática proposta.

Page 49: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

46

2 PERCURSO DE ENTENDIMENTO E REFLEXÕES ACERCA DAS PESSOAS

NEGRAS: ESCRAVIZAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO, DIREITOS, LEIS, CONQUISTAS

E RETROCESSOS.

Este capítulo aborda as discussões acerca da temática em questão à luz de

especialistas e estudiosos que possibilitam melhor entendimento e reflexão

auxiliando na busca das respostas para os questionamentos postos.

2.1 Desmistificando a Democracia Racial

As convicções da democracia racial auxiliam a compreender dois dos básicos

atributos das afinidades étnicas no Brasil, a miscigenação e a hipotética afabilidade

nas conexões sociais. Entretanto, estas concepções não devem deixar de lado a

violência e o extermínio que a dominação portuguesa ocasionou. A título de

exemplo, informes do Padre José de Anchieta, quando no Brasil, afiançam que

foram incendiadas cento e sessenta aldeias indígenas e mais de cem mil índios

mortos em nosso país. Diferentes narrações dos jesuítas lembram que, de um grupo

de quarenta mil índios que arriscaram catequizar na Bahia, restaram somente quatro

mil, após uma epidemia de sarampo (Ribeiro, 1988, p. 98). Informações acerca de

maus tratos contra pessoas escravizadas são insuficientes, entretanto, compreende-

se que o tempo de vida médio de uma pessoa escravizada no cultivo de cana-de-

açúcar era de sete anos (Ribeiro, 1988, p. 102). Para, além disso, a mortandade

entre as crianças escravizadas era de noventa por cento na Colônia (Schwarcz,

1993, p. 203).

A face da colonização portuguesa ao lado da miscigenação produziu no

caráter das relações étnico-raciais brasileiras certa imprecisão, acentuada, por um

lado, pelo politicamente incorreto ter preconceito e, por outro, pela segregação

formal aos negros. Não se deve afirmar que esta imprecisão, constituída em Gilberto

Freyre pelo julgamento de democracia racial, não tenha desencadeado em

discriminação violenta contra os negros em nosso país. Pelo contrário, desde o

século XVI, negros, mestiços, cristãos-novos e índios eram impedidos de exercer

cargos de confiança, sob a argumentação de não terem nem tradição católica nem

Page 50: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

47

títulos de nobreza. Como adverte Carneiro (2000, p. 76), para exercer funções como

os de corregedor da justiça, escrivão de juízo, coletor de impostos, juiz-de-fora,

vereador, etc., o aspirante deveria confirmar por meio de um atestado genealógico,

que era higiênico de sangue, isto é, que não tinha na família nenhum elemento das

etnias sujas. Roger Bastide e Florestan Fernandes (2008) foram os precursores a

discutir a democracia racial no Brasil. A pedido da Unesco, realizam um estudo

acerca das circunstâncias das pessoas negras brasileiras. O fundamental arremate

deste estudo foi:

A alteração do status social do negro depois da abolição foi meramente legal. O preconceito racial permaneceu se expressando de forma discreta e branda. Sob 0 manto da igualdade jurídica e política mantinha-se não só a desigualdade econômica e social entre 'brancos' e 'negros', mas ainda a antiga ideologia racial, com todas as ilusões que ela encobria. (BASTIDE E FERNANDES, 2008, p. 13-14).

Florestan Fernandes adiciona também que no Brasil o que de fato se acha

são desigualdade e racismo.

[...] tomou-se a miscigenação como índice de integração social e como sintoma, ao mesmo tempo, de fusão e de igualdades raciais. Ora, as investigações antropológicas, sociológicas e históricas mostraram, em toda parte, que a miscigenação produz tais efeitos quando ela não se combina com nenhuma estratificação social. (Fernandes, 1972, p. 26).

Estas afirmações abstratas obtém extensas contribuições experimentais. Em

diversos campos da vida social brasileira existe bastante destaques de segregação

dos negros. Em analogia à participação política, por exemplo, depois da abolição, as

pessoas negras permaneceram excluídas do processo eleitoral, pela exclusão do

voto dos não alfabetizados. Exclusivamente em 1931 as pessoas negras criaram o

seu partido político, a Frente Negra, que foi dissolvido sete anos depois pelo regime

totalitário de Getúlio Vargas, sem ter elegido nenhum representante negro. Mesmo

após a ditadura militar é inegável a limitada participação negra na câmara e no

Senado Federal brasileiro. Entretanto, como assevera Hanchard (1999), que os

arremates das pesquisas de Bastide e Fernandes (2008) foram silenciados pela

ditadura militar, no momento que abrange os períodos entre 1964 e 1985.

Page 51: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

48

Compete mencionar, também, que, depois da iniquidade motivada pelo

regime nazista, a própria Unesco possuía motivações particulares quando

encarregou as pesquisas aos estudiosos.

[...] a Unesco, em fase de extremo otimismo, munida da razão iluminista, não mediu esforços em encontrar soluções universalistas que cancelassem os efeitos perversos do racionalismo, do nacionalismo xenofóbico e das disparidades socioeconômicas. O Brasil foi escolhido, em perspectiva comparada com a negativa experiência racial norte-americana, para ser um dos polos de problematização, verificação e superação dos grandes dilemas vividos pela humanidade em matéria étnica. (HANCHARD, 1999, p. 17).

Posteriormente ao ano de 1985, com a abertura política, Florestan Fernandes,

adotando a ideologia marxista, vai sugerir, como configuração de superação da

fantasia da democracia racial, a unidade das categorias de etnias e de classes: "a

negação do mito da democracia racial no pIano prático exige uma estratégia de luta

política corajosa, pela qual a fusão da raça e da classe regule a eclosão do povo na

história" (Bastilde e Fernandes, 2008, p. 14). Também numa propensão marxista e

no viés dos contextos desmistificadores da democracia racial, separa-se o trabalho

de Hasenbalg (2005, p. 77). Fundamentalmente Hasenbalg (2005, p. 94) assegura

que a democracia racial foi um artifício ideológico contra as pessoas negras.

Hasenbalg (Ibidem) permanece com sua análise do preconceito no Brasil, afirmando

que, após a abolição, o racismo e a segregação contra as pessoas negras sofreram

alterações e receberam novas definições, relacionando-se de forma funcional com a

sustentação dos benefícios materiais e características alcançadas pelos brancos,

por meio da desqualificação dos antagonistas negros, que assim eram vistos

socialmente.

Hasenbalg (2005, p. 90), por meio de uma apreciação dos dados do Censo do

ano de 1976 no Brasil, averigua um ambiente intenso de segregação das pessoas

negras, muito distante do que mostravam os colaboradores da democracia racial.

Neste ano, 46% das pessoas negras versus 26,7% de pessoas brancas eram

analfabetos em nosso país. Dos 14,5% da população com mais de nove anos de

escolaridade, 11% eram de brancos e somente 3.5% de negros. O mapa da renda

também é calamitoso, enquanto 22% dos negros recebiam, mensalmente, menos de

Page 52: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

49

meio salário mínimo, entre os brancos, eram 11% os que se deparavam nesta

situação. O oposto se constata na faixa mais bem paga da sociedade - mais de

cinco salários mínimos -, 16,4% dos brancos versus 4,2% dos negros arranjam este

grupo. Hasenbalg (2005, p. 93) também exibe dados alusivos à mobilidade social -

emprego do pai versus emprego do filho -, que advertem que quase 60% dos casos

de mobilidade ascendente referem-se a pessoas brancas. O pesquisador finaliza,

assegurando que, de forma generalista, os negros são segregados ao nível do

emprego, da renda e da ascensão social no cotidiano brasileiro, diferentemente o

que sugere a democracia racial.

A biografia do povo negro do Brasil não apresentou sua gênese com o

comércio de pessoas escravizadas. Seus relatos remontam anteriormente à

escravização nas Américas, à vida de prisioneiro em nosso país. É uma narrativa

depreciativa que se enlaça com a ousadia marítima dos escritos europeus,

sobretudo, os portugueses, e com o desenvolvimento do Brasil como nação.

Dominar a história do continente africano ou em sua grande parte é capital para

perceber como foi admissível que milhões e milhões de seres humanos fossem

cativos e levados em situações sub-humanas em navios com destino às Américas.

Assim, para abrangermos o caminho dos povos negros destinados ao Brasil é

necessário ter em mente como e por que a África virou o maior núcleo de

disseminação populacional do mundo moderno. (COSTA, 2012)

No momento em que os europeus, no final do século XV, desembarcaram no

continente africano, deram-se conta de que estavam perante costumes de vida bem

diferentes dos quais estavam acostumados. Dentre os africanos o aparelhamento

social e econômico estava envolta de conexões de consanguinidade em famílias

amplas, da convivência de vários povos num mesmo condado, da opressão

tributária de uma aldeia por outra. O atrelamento por parentesco a um grupo era

uma das mais comuns maneiras de se determinar o parentesco de alguma pessoa.

Desta forma, o espaço social dos indivíduos era ligado por seu nível de laços

de sangue com o patriarca ou a matriarca da genealogia da família. Nesses tipos de

coletividades a conexão estava sujeita, principalmente, pela salvaguarda das

recordações dos ancestrais, da deferência e prerrogativas privadas aos mais velhos

do grupo e do compartilhamento do mesmo credo religioso. (COSTA, 2012)

Page 53: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

50

No continente africano existiam reinos importantes como o Mali, império bem

sólido, como o Kongo - que não é o contemporâneo país do Congo -, mas, também,

poucos povoados interligados por motivos de descendência. Existia ainda as

caravanas nômades de mercadores, chacareiros e pastores, os quais se

deslocavam sempre que as disposições de clima ou as conveniências de interesses

financeiros assim surgissem. Até porque a África assinalava-se pela falta de

proporção entre o assombroso territorial e o acanhado contingente de pessoas.

Todavia, a extensão de impérios, o deslocamento de grupos, a circulação de bandos

de comerciantes, a contenda pelo acesso hídrico, o mando sobre estradas ou rotas

podiam insinuar em batalhas e conquistas.

2.2 Africanos Escravizam Africanos: territórios africanos

Nos conflitos era um hábito cultural que os vencedores arranjassem

determinados servos em meio aos partícipes de uma aldeia derrotada em batalha.

Ocasião que acontecia a escravidão caseira, a qual versava em capturar um

indivíduo para empregar sua seiva de trabalho, comumente, na lavoura doméstica.

Caso a solo seja copioso, contudo, não tinha mão-de-obra, essa forma de servidão

era para acrescentar o número de trabalhadores a serem utilizados na sobrevivência

de uma linhagem ou bando. Finalmente, o solo não valeria coisa nenhuma se não

houvesse pessoas ajudando na lavra da terra.

Os servos eram insuficientes por unidade doméstica, entretanto, a retenção

desses escravos afiançava supremacia e autoridade para seus dominadores, já que

concebiam a aptidão de amparar a estirpe. Não foi à toa que se selecionava para a

escravidão mais mulheres e crianças, uma vez que a fecundidade das mulheres

afiançava o aumento da linhagem. Dessa forma, tornava-se permitido às servas

virarem amantes e terem filhos com os seus dominadores. Os filhos de escravas

quando natos da casa do soberano, não é factível serem comercializados e seus

sucessores invalidavam por sua genealogia a qualidade subjugada e sendo

apropriado à estirpe. De tal modo, a comunidade ampliaria com o nascimento de

servos, revigorando os papéis de consanguinidade e majorando os dígitos de

dependentes do dominador. (REIS, 2011; CANEPA e OLIC, 2004).

Page 54: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

51

Não apenas na guerra que acontecia a escravidão. Em diversas coletividades

do continente africano, a servidão era o castigo para quem fosse amaldiçoado por

furto, homicídio, bruxaria e, até mesmo, prevaricação. O confisco, o sequestro

individual, a permuta e a aquisição eram outras formas de se volver servo. Os

indivíduos podiam ser confiscados como caução para a liquidação de débitos. Nessa

conjuntura, por acaso seus congêneres amortizassem as dívidas, acabaria a

escravidão. Essas maneiras de obtenção de escravos foram frequentes em vários

momentos e espaços no continente africano. O assomo e o assalto a aldeias ficaram

reiteradas quando o comércio de escravos aumentou grandiosamente. (REIS, 2011;

CANEPA e OLIC, 2004)

Em determinadas sociedades, tendo por modelo a nação Sena de

Moçambique, a servidão, igualmente, era uma tática de subsistir quando a falta de

alimentos e a estiagem traziam desastres. A comercialização ou escambo de uma

pessoa da população podia afiançar o amparo vital dos indivíduos daquela

comunidade, até mesmo do ser humano que era escravizado. O escambo de

alguém por alimento era uma maneira de impedir o aniquilamento daquele povo.

Seguramente, está se citando um expediente extraordinário, uma vez que ser

um ser humano escravizado naquelas comunidades tão profundamente embasadas

por laços consanguíneos denotava ser degredado, torna-se um forasteiro, algumas

vezes tendo que seguir outra religião, falar em outra língua, participar de outros

costumes. Condenar uma pessoa à servidão era, eminentemente, desarraigá-la e

desonrá-la. (REIS, 2001; CANEPA e OLIC, 2004).

A busca por ervas aromáticas e materiais preciosos conduzia os navegadores

portugueses. Das abastanças do continente africano eles obtinham informação

desde o início do século XV, quando invadiram Ceuta, enorme núcleo mercantil do

continente. Dir-se-ia que no cerne da África existia pólis de ouro e fluxos de água

que derramavam pedras preciosas. Sendo assim, as naus portuguesas adotaram a

direção que conseguissem guiá-los à costa da África, os qual atingiram sua meta

ainda no século XV. (REIS, 2001; CANEPA e OLIC, 2004).

Os portugueses, desde que começaram o amplo comércio marítimo,

entenderam a acuidade de trazer tradutores na equipe de bordo. Os tripulantes

mauritanos, os marinheiros mouros, malaios e indianos eram tão imprescindíveis

numa excursão quanto os sabedores da direção atmosférica, das correntes

Page 55: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

52

marinhas, da disposição das estrelas e do litoral do continente africano. As iniciais

ligações entre portugueses e afros não foram amigáveis. Dardos intoxicados de um

lado e mosquetes, espécie de espingarda, de outro, com isso, aconteceram algumas

mortes, todavia, competiu aos intérpretes dos portugueses demonstrar

relacionamento complacente com os indivíduos daquele lugar, do reino Jalofo. Em

seguida, os portugueses demonstraram empenho em obter materiais preciosos, já

os imperadores Jalofos ambicionavam os objetos que habituavam contrair com os

comerciantes do deserto: armamentos, têxteis e manufaturados do Marrocos e do

Delta do Nilo, contas de vidro da Itália e, especialmente, bons equinos já

aprovisionados para a montaria, básicos para serem vitoriosos nas batalhas e exibir

influência e fortuna. Os europeus não alcançaram o ouro tão ambicionado, porém,

partiram fartos de seres humanos escravizados, como improvisavam os negociantes

do Saara. Concretizadas as transações iniciais, o interesse ficou, exclusivamente,

sobre o rumo das pessoas escravizadas que entraram nas naus portuguesas, gerou

interesse e curiosidade de seus semelhantes que ficaram na África.6 (REIS, 2001).

Figura 1: Rota de Comercialização de Pessoas escravizadas

Fonte: História da África e escravidão africana, p. 21, 2001.

6 Os relevantes territórios do continente africano implicados na comercialização de seres humanos

escravizados.

Page 56: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

53

O tráfico de pessoas escravizadas no continente africano existia,

anteriormente, ao advento dos portugueses. Nas adjacências do rio Senegal, os

imperadores Jalofos, há muito, participavam do comércio transaariano aprisionando

escravos, materiais preciosos, pimentas, penachos e peles de animais, entretanto,

os acontecimentos mudaram de direção. O embarque das pessoas escravizadas

naqueles navios espantosamente amplos acarretou aflição aos afros. Existia um

crédulo entre os indivíduos da África de que os portugueses eram bestiais

antropófagos, com a capacidade de comer a carne negra e conservar o sangue para

pintar texturas ou preparar vinho e outras bebidas.

Receosos que os portugueses pudessem embaraçar seus interesses, coisa

nenhuma lhes foi promovido. Nenhuma liderança política deu-lhes ingresso às áreas

auríferas interna do continente, nem os mercadores os adentraram nos meios

transaarianas. Mas, os portugueses prosseguiram. Assim, foi selecionada para

convir de empório mercantil. Nesse lugar edificaram a primária administração

europeia segura na África em meados do século XV, para onde ambicionavam

afastar o comércio transaariano. (REIS, 2001; CANEPA e OLIC, 2004).

A tenacidade portuguesa foi bem remunerada. Pouco a pouco, foram sendo

derrotadas suspeitas, ajustados valores aceitáveis, e foram acendendo os interesses

com os africanos que habitavam nas adjacências do rio Gâmbia, povo do importante

reino do Mali. Por volta de meados do século XV, traziam com os africanos

adequadas relações comerciais. Contudo, o fundamental desígnio dos europeus,

que era o de se assenhorar do comércio transaariano, que ainda não tinha sido

obtido. Tampouco tiveram ingresso às minas de materiais preciosos. (REIS, 2001;

MATTOS, 2012) 7

Durante os séculos XVI e XVII, modernas concepções de interesses

apareceram para os portugueses com a comercialização de navegações realizadas

7 Mali e Songai - No século XVI dois grandiosos impérios rivalizavam no Norte da África ocidental,

Mali e o Songai. O império Mali reunia, já no século XIII, vários povos que deviam obediência e tributos ao mansa, [...] dos mandingas. O domínio Mali se estendia do deserto à savana africana, e do litoral atlântico ao interior do continente o que lhe garantia controlar a extração de ouro e os portos caravaneiros. Com a decadência do império Mali dos mandingas, o Songai foi se estruturando como o último grande Estado mercantil do Sudão ocidental. Assim como os mandingas, os songais consolidaram seu poder estreitando os vínculos com o centro religioso muçulmano, Meca. A estrutura administrativa do reino de Songai era bastante complexa [...] exército que chegou a contar com cerca de cinquenta mil escravos. O sucesso do comércio dos portugueses no litoral contribuiu para a decadência do Império Songai [...].

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54

entre portos do continente africano, não muito afastadas, na terra que é

popularmente consagrada como Costa do Ouro. Com intenção de artigos preciosos,

como noz de cola - semente com atributos curativos, que mascada refrigera a boca,

diminui a fadiga, o apetite e a vontade de beber água -, alcançassem bons valores

era necessário andar extensos espaços. Em meio ao produtor e ao consumidor final

existia uma quantidade enorme de mediadores, o que aumentava os valores dos

produtos, apesar de afiançar o dinamismo dos negócios do interior da África. Os

europeus chegaram à conclusão que o andamento dessa organização e da cifra do

ser humano escravizado como peça de barganha, ficaram, então, comprando

africanos para comercializar com diferentes africanos, favorecendo-se da celeridade

das caravelas no deslocamento por toda extensão da costa. (REIS, 2001; MATTOS,

2012).

O êxito mercantilista dos portugueses adveio a relacionar-se com as

adversidades da África. Na costa, a comercialização de seres humanos

escravizados calhou a motivar a fortuna e a ânimo belicoso de alguns e a

desventura de outras tribos africanas. As negociações com os portugueses

robusteceram o domínio dos líderes organizados para batalhar contra aldeias

oponentes com a finalidade de escraviza-los. Para os portugueses, com o sucesso

dos interesses, era imperativa a afirmação de mais locais de administração na costa

da África, fortalezas muradas e resguardadas com canhões que esmorecessem a

aproximação de demais ocidentais e acolhessem os diversos itens, até mesmo,

escravos. (REIS, 2001; MATTOS, 2012)

Anteriormente de os portugueses abrirem as negociações na África, não

existia amplos impérios afros em terras de matagais. A imperiosa floresta tropical

atrapalhava a entrada mercantil nessas regiões. O império do Benim foi uma

ressalva. Nos derradeiros anos do século XV, uma caravana portuguesa foi à capital

do império e encontrou-se com uma ampla urbe com ruas largas e extensas e várias

residências. Entretanto, não houve equívocos de que a dilatação desse império foi

apressada com a sua inclusão ao comércio das pessoas negras nos séculos XVI e

XVII.

No Benim a autoridade mercantil era do imperador que comprava e vendia

sal, peixe seco, noz de cola, couros, tecidos e cobre. Conhecedores de que a

exploração sobre o comércio hipotecava ao imperador do Benim uma grossa força

Page 58: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

55

política, os portugueses arriscaram convertê-lo ao cristianismo. Configuração

adequada de acercar aquele império africano do reino português. Contudo, ao

imperador do Benim não era importante ter acordos apenas com os portugueses,

uma vez que outros europeus ambicionavam fazer parte do projeto mercantil da

África. Ingleses, holandeses e franceses, também fizeram ofertas às combinações

comerciais. O estilo do imperador do Benim deixa claro que as circunstâncias

desses contratos mercantis não dependiam exclusivamente da destreza dos

ocidentais, também estavam no obséquio das relevâncias dos díspares povos do

continente africano. (REIS, 2001; MATTOS, 2012)

Não se pode perceber o sucesso da comercialização de ativos sem levar em

deferência o ajuste de conveniências entre ocidentais e afros. É bem veracidade que

os povos ocidentais apostaram em manter a autoridade sobre as terras produtoras

de cativos, entretanto, a comercialização de pessoas negras era uma coisa intricada

e envolvia o conhecimento e colaboração de uma rede ampla de indivíduos

especializados, os quais compreendia líderes políticos e grandes e pequenos

mercantilistas do continente. Existem cálculos que setenta por cento dos seres

humanos vendidos para as Américas foram vitimados por batalhas entre povos da

África. (THORNTON, 2015, p. 124-132).

A voracidade por cativos recompôs de tal forma a carta geográfica política da

África que determinados impérios conheceram o auge nos séculos XVII e XVIII por

causa da comercialização de cativos. Foi o que aconteceu aos impérios de Oió,

Sadra, Daomé e Achanti. Até o século XVI, o reino de Oió era tão-somente uma

cidade iorubana que tinha na lavoura e na tecelagem as suas fundamentais

ocupações. Aplica-se, de maneira especial, à produção de texturas, os reconhecidos

panos-da-costa que chegariam a ser tão contemplados pelas pessoas negras na

Bahia de todos os Santos. Os serviços na lavoura e artesanais perderam acuidade

perante a comercialização das pessoas negras. No fim do século XVI, as cidades-

estados iorubanas envolviam-se tão avidamente nesse tipo de mercantilismo que a

terra do golfo de Benim veio a ser celebrada como Costa dos Escravos. .

(THORNTON, 2015).

Desenvolveu-se naquela região comércio com muitos concorrentes. Entre os

vendedores de pessoas escravizadas, sobretudo, os iorubás e daomeanos

disputavam pelos artigos ocidentais. Entre os compradores, a aglomeração não era

Page 59: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

56

menos aferrada. Nos portos da Costa dos Escravos, ingleses, holandeses,

franceses, portugueses e brasileiros entupiam as caravelas de pessoas anunciada a

ser exportada para as Américas. De fato, nenhuma grande nação do ocidente

permaneceu por fora deste que era a transação comercial internacional mais

lucrativa do momento. Os seres humanos escravizados, habitantes de pequenas

aldeias cada vez mais afastadas da costa, eram vítimas de roubos e batalhas.

(THORNTON, 2015, p. 124-132).

Amarradas pelo pescoço umas das outras, esses indivíduos eram

encaminhados para os comércios onde esperavam os compradores, às vezes, por

meses em situações extremamente adversas. Eram então cambiados, no século

XVIII, especialmente, pelo fumo de rolo produzido no Brasil, gênero bastante

buscado naquela região e que afiançava a preferência dos brasileiros. Desta feita, a

ascensão mercantil não preveniu que o império iorubá estivesse em perigo. Com o

crescimento do império contíguo, o Daomé, diversos territórios dependentes a Oió

passaram a ser roubados e a ter o seu povo escravizado. Assim, de insensíveis

perseguidores de pessoas para escravizar, os iorubás foram decompostos em

escravos, sobretudo, a partir do fim do século XVIII. (THORNTON, 2015, p. 124-

132).

Final do século XV, quando o navegante Diogo Cão, buscando explorar mais

o litoral da África deparou-se com a foz do rio Zaire, onde estava situado o

importante império do Kongo. A notícia chegada do mar causou agitação. Cria-se

que entre o mundo dos vivos e dos mortos existia uma linha divisória, a Calunga.

Quando alguém expirava a sua alma atravessava a limite entre a vida e a morte

trafegando numa zona efêmera que seria o mar.

Para eles, as pessoas brancas que acompanhavam Diogo Cão podiam ser

almas de ancestrais regressando para o lar. A aceitação aos portugueses foi

entusiástica também pelo mani-sônio, gestor da região litorânea do império. Os

portugueses almejavam conhecer o imperador, para quem traziam benesses. Com

esta finalidade foram mandados alguns portadores à urbe imperial, Mbanza Kongo.

O imperador, o manicongo, ficou muito impressionado com a comparecimento

daqueles brancos que diziam ter atravessado os mares. Quem sabe, por isso, ao

invés de dirigi-los ao regresso de seus navios, os conservou em seu castelo.

(VAINFAS E SOUZA, 2012, p. 164).

Page 60: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

57

Deste modo, os portugueses tiveram a conveniência de saber que o império

do Kongo era um sistema organizado político-administrativo bem difícil e

centralizado. O comando máximo era com o manicongo, selecionado por uma

conferência de ilustres habitantes, os quais ocupavam as responsabilidades de

secretários imperiais, dirigentes provinciais, coletores de tributos, magistrados e

oficiais belicosos. A economia estava firmada na incumbência agronômica e pastoril,

apesar de haver amplos comércios regionais para a comercialização de sal e

produtos de ferro, nos quais a moeda habitual era uma espécie de concha da ilha de

Luanda, cuja angariação era privilégio exclusivo do império. (VAINFAS E SOUZA,

2012).

Ao apreender que os mensageiros enviados ao imperador africano

demoravam a retornar, Diogo Cão decidiu pegar quatro reféns e transportá-los até

perante do rei de Portugal, com o compromisso de devolvê-los após alguns dias.

Quando regressaram para o Kongo os quatro africanos estavam arrumados como

ocidentais e falando parcamente o idioma português. Sôfrego, o manicongo Nzinga

aferiu que era capital manter contratos com aqueles viajantes e, no ano de 1489,

expediu num dos barcos de Diogo Cão diversos regalos e uma embaixada ao rei

português, Dom João II. O desígnio dos embaixadores era requerer licença para que

jovens do império africano pudessem ser instruídos em Portugal, alcançar que a

igreja católica fosse enviada ao Kongo, de tal modo como instrutores na arte da

carpintaria, pedraria e agronomia. O rei português não demorou em acatar as

rogativas. Um consórcio com outro senhor tão importante e preparado a se converter

ao cristianismo parecia à ocasião ideal para encravar os pés de vez naquela parte

do continente africano. (VAINFAS E SOUZA, 2012, p. 175).

O filho do rei africano, Afonso, agora por causa de seu batismo na igreja

católica e sucessor do pai, aos poucos, viu a autonomia dos negócios se esquivando

das mãos imperiais. Ludibriando seus cuidados, gestores provinciais começaram a

comercializar com os portugueses sem qualquer reserva. De forma irônica, quanto

mais às pessoas influentes do Kongo ambicionavam os produtos ocidentais, como

ansiava Dom. Afonso, mais atribulação corria o seu império. Nas derradeiras

décadas do século XVI, começa a desmoronar um dos mais firmes impérios do

continente africano. A procura por produtos portugueses ascendia de tal forma que

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58

bronze já não era satisfatório para amortizar os débitos com os mercantilistas

portugueses. (VAINFAS E SOUZA, 2012, p. 182).

Até então, o processo de servidão no Kongo era de forma doméstico, ainda

que nas cidades-estados fosse normal que um dígito expressivo de cativos de

batalhas estivesse à disposição da realeza. Todavia, pouco a pouco, os prisioneiros

passaram a ser utilizados como forma de câmbio da moeda da localidade para a

moeda portuguesa, sem a intercessão da nobreza ou do imperador. No transcorrer

do século XVII, mais e mais cativos foram enredados nos acordos entre

administradores políticos e mercantilistas africanos com os portugueses, que os

recebiam de bom grado. Aumentaram muito nas terras do Congo as batalhas com o

único objetivo de aprisionar mais indivíduos a serem embarcadas nas naus

portuguesas.

Concomitantemente, os portugueses avivavam as negociações de seres

humanos escravizados com Ndongo - Angola-, subordinados do Kongo, sem a

mediação de Dom Afonso. Eles concebiam que achariam, naquela região, minas de

prata. A ambição dos portugueses era evidente já em final do século XVI, quando os

terrenos diante da ilha de Luanda foram acatados como capitania portuguesa. Em

seguida, os habitadores do lugar perceberam que, ao edificarem casas, igreja e

fortificações, os portugueses propunham-se fixar na região, e resistiram. A cada

abordagem europeia para dentro do continente retribuíam ofensivas de competentes

administradores políticos, a exemplo da rainha Jinga - ou Nzinga8. Ainda havia

outros oponentes bem influentes: as malárias, a falta de comida, os insetos, a falta

de água e a desilusão perante a falta de prata e ouro. (VAINFAS E SOUZA, 2012, p.

199).

Os portugueses decidiram agrupar seus ânimos na comercialização de

pessoas escravizadas, trabalho que certamente prestava-lhes abundantes ganhos e

8 Jinga ou Nzinga Mbandi (1581-1663) foi a rainha que durante treze anos lutou contra os

portugueses em Angola. [...]. Em troca da paz aceitou [...] a conversão ao catolicismo. Ela foi batizada com o nome de Dona Ana de Souza, na igreja matriz de Luanda, em 1622, mas não aceitou pagar tributos [...]. No ano seguinte, empreendeu outra guerra contra os portugueses e mandou uma embaixada ao Papa Alexandre VII pedindo o reconhecimento do seu reino. Esquecendo o padroado, o papa enviou-lhe uma carta com orientações para que seu reino fosse cristão, junto com vários missionários capuchinhos italianos. Mas a rainha foi derrotada à frente de suas tropas, e suas duas irmãs, as princesas Cambe e Funge, foram levadas para Luanda e batizadas com os nomes de Bárbara e Engrácia. [...] A rainha Jinga morreu em 17 de dezembro de 1663, quando teria cerca de 80 anos. [...]

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menos labuta, uma vez que eram os próprios habitantes de Luanda que se

disseminavam a procura de possíveis escravos. Luanda, em passo acelerado,

tornou-se uma imensa feira de corretagem de pessoas. Angola, desde fins do século

XVI, até a primeira metade do século XVIII, foi o maior abastecedor de seres

humanos a serem escravizados nas Américas portuguesa e espanhola. No período

entre 1575 e 1591 foram postos a bordo dessa região de Angola mais de 52 mil

afros para o nosso país. (VAINFAS E SOUZA, 2012, p. 199).

A procura dos portugueses por fortunas e caminhos para o comércio fazia

com que eles percorressem prolongadamente todo litoral da África. Todavia, foi na

parte ocidental da África que o comparecimento lusitano foi mais manifestado.

Contudo, os ocidentais também se arriscaram, em 1487, no litoral da África banhado

pelo oceano Índico, onde se empolgaram com a afinidade daquelas baias, avenidas

e edificações com as que tinham em Portugal e Espanha. Os portugueses se

abismaram perante a arquitetura que lhes eram tão íntimas. Na enseada de

Mombaça, a agitação constante dos navios conduzindo ouro, prata, cristais, pérolas,

tecidos e condimentos os deixava até mais deslumbrados. (VAINFAS E SOUZA,

2012, p. 203). Sofala, Moçambique, Zanzibar e outras cidades da África ficavam no

limite das terras muçulmanas. Eram cidades-estados interligadas às rotas mercantis

do oceano Índico, fiscalizada pelos maometanos que, apesar do entusiasmo dos

portugueses, não avaliavam os recém-vindos com bons olhos. A compleição de

estrangeiros não era bem vista, e isso os lusos depressa compreenderam, haja vista

a antipatia com que foram auferidos. Porém, no século XVI, determinadas dezenas

de portugueses já estavam penetrados nas terras batalhando com os árabes,

lutando contra enfermidades, agenciando com os imperadores africanos,

propagando a religião católica e introduzindo entrepostos comerciais onde era

abundante a quantidade de seres humanos escravizados servidores na lavoura e na

criação de animais. (HERNANDEZ, 2005; CANEPA e OLIC, 2004).

No entanto, era o ouro, a prata e o marfim que mais os impulsionavam a

continuar na região contida pelos islâmicos. Foram muitos os choques entre

portugueses e árabes pela autoridade nos fundamentais núcleos mercantilistas -

Quiloa, Mombaça, Massapa, Melinde e Moçambique. Estas altercações

desestruturaram rotas mercantis milenárias. A exigência de impostos, as pilhagens,

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incêndios e as insurreições contra os portugueses, além das ofensivas dos

holandeses e ingleses, intimidavam a fortuna da celeridade comercial.

Os portugueses arriscaram manter a preeminência nas terras erguendo

fortificações. Levantaram uma na ilha de Moçambique, que era a capital das

instalações portuguesas na África do Leste, e em 1593 foi construída em Mombaça

a maior delas, a fortificação de Jesus. Esta fortaleza suportou ofensivas de

caravanas islâmicas, foi panorama para rebelião de cativos e refugiou coligados e,

embora apresentasse ser conservada sob a mão firme dos portugueses, isto não

lhes afiançou as fortunas que ambicionavam: ouro e prata em larga escala. Foi com

os seres humanos escravizados que os mercantilistas ocidentais alcançaram

riqueza. (HERNANDEZ, 2005; CANEPA e OLIC, 2004).

Os interesses com o comercio de negros agitaram a economia numa

extensão integral, porém, as suas implicações significaram brutalidades para as

coletividades da África. Além das incontáveis aflições motivadas pelo afastamento

forçado das pessoas de seus grupos, esse movimento agenciou a evacuação

demográfica de muitas terras africanas. A compleição dos ocidentais na África

determinou tanto a relação da África negra à ampla esfera mercantil do oceano

Atlântico, quanto originou as direções das sociedades do Novo Mundo, que incluía a

terra que hoje conhecemos por Brasil. (REIS, 2001).

2.3 Tráfico de Seres Humanos a Serem Escravizados para o Brasil

Pertinente à ampla imperatividade de trabalho reduzido estabelecido pelos

cultivos de cana-de-açúcar, afrontadas com as adversidades de tornar escravos os

indígenas e a aversão dos loyolistas à servidão dos índios, a comercialização de

pessoas escravizadas na África para o Brasil cresceu e ativou-se frondosamente em

torno do final do século XVI. Comercializar pessoas para a América portuguesa

tornou-se, em passo acelerado, uma das mais lucrativas formas de fortunas da

ocasião, tanto para os mercadores como para o reino. A coroa capitalizava bastante

com este tráfico, tributando a peça duas vezes, na ocasião do embarque no

continente africano, quanto no seu desembarque no Brasil. (MATTOS, 2012).

Exclusivamente, a partir deste período o trabalho escravo em terras

brasileiras adveio a ser, em sua maioria, derivados deste tráfico. Ao avaliarmos este

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cenário no Brasil dos séculos XVI e XVII até aqui exposto, descobrimos um fato

insigne na qual a compreensão de que o ingresso de pessoas escravizadas da

África no Brasil possa ser abonado exclusivamente como sendo uma singela

implicação administrativa das requisições dos comerciantes de pessoas, insaciáveis

por ganhos, precisa ser ponderado. Percebe-se que a legitimação da escravidão

africana no Brasil foi o que motivou o começo do tráfico de pessoas para terras

brasileiras e não o oposto. Percorramos o que pronuncia um perito na matéria, Celso

Furtado (2009; 1980):

O rápido desenvolvimento da indústria açucareira, malgrado as enormes dificuldades decorrentes do meio físico, da hostilidade do silvícola e do custo dos transportes, indica claramente o esforço do governo português em se concentrar nesse setor. O privilégio, outorgado ao donatário, de só ele fabricar moenda e engenho de água, denota ser a lavoura do açúcar a que se tinha especialmente em mira de introduzir. Favores especiais foram concedidos subsequentemente àqueles que instalassem engenhos: isenções de tributos garantia contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos, etc. As dificuldades maiores, encontradas na etapa inicial, advieram da escassez de mão-de-obra. O aproveitamento do escravo indígena, em que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais, resultou inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande envergadura que eram os engenhos de açúcar. (FURTADO, 1980, p. 139).

Provoquemos ainda que, apesar de o texto citado acima aludir tão-somente à

agricultura canavieira, a seiva de trabalhista dos cativos foi utilizada para contemplar

diversas indigências já postas cá no Brasil. Meramente, carecia de pessoas para

labutar nos campos, na casa-grande, no garimpo e até mesmo na criação de

animais de cultivo de mantimentos para o abastecimento a colônia.

Ao aparecerem em terras brasileiras em meados do século XVI, conduzidos

pelo clérigo Manuel da Nóbrega, os componentes da Companhia de Jesus

trouxeram um desígnio já acentuado de proliferação do cristianismo nas Novas

Terras, movidos pelos princípios da reforma católica. O formato de conversão dos

índios do Brasil à fé católica, por meio da catequese, revelar-se-ia impraticável,

conforme esses próprios índios prosseguissem escravos e, por conseguinte,

aniquilados pelos povoadores portugueses. Tal colocação dos carolas deixava o rei

de Portugal em uma conjuntura frágil, uma vez que as regras de padroado

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62

chancelam um intenso consórcio econômico e político entre o rei e o apostolado,

desta feita, uma asseveração real, de 1570, já assegurava que os índios do Brasil

apenas poderiam ser presos e escravizados por meio de batalhas justas, resolvendo

por hora o embaraço entre beatos catequistas e portugueses caçadores de índios.

(REIS, 2001; MATTOS, 2012).

A mesma igreja católica que afrontava pela nulidade da servidão dos nativos

brasileiros, com relação aos seres humanos negros da África, em diversas vezes,

apenas se proferiam contrariamente às extensas marchas de trabalho e contra as

punições exageradas. Avigorando, sempre, o conceito de que os seres humanos

vindos da África estariam amparando seus espíritos da execração de Deus originada

em suas peles. Por meio do batizado que era alcançado em larga escala nos litorais

da África antes do embarque para as terras brasileiras, e por meio da labuta

extenuante, os consentia serem perdoados, pouco a pouco, suas iniquidades. (Reis,

2001; MATTOS, 2012).

Para os loyolistas, as pessoas vindas da África tinham o dever de ser

agradecidos aos portugueses por trazerem-nos e lhes ofertado tal benevolência de

expurgarem suas almas por meio do catolicismo. Notemos como tal entendimento

está declaradamente manifestado no sermão décimo quarto do Padre Antônio

Vieira.

Oh se a gente preta tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus, e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro, e desgraça, e não é senão milagre, e grande milagre! Dizei-me: vossos pais, que nasceram nas trevas da gentilidade, e nela vivem e acabam a vida sem lume da Fé, nem conhecimento de Deus, aonde vão depois da morte? Todos, como já credes e confessais, vão ao inferno, e lá estão ardendo e arderão por toda a eternidade. E que perecendo todos eles, e sendo sepultados no inferno como Coré, vós, que sois seus filhos, vos salveis, e vades ao Céu? Vede se é grande milagre da Providência e Misericórdia Divina. (VIEIRA, 1907, p. 648).

Conhecedores também da precisão de mão-de-obra, sem a qual o Brasil teria

grandes problemas caso a servidão não fosse conservada, como prontamente na

ocasião, lembrava o jesuíta Antonil (1982, p. 82) “Os escravos são as mãos e pés do

senhor de engenho. Sem eles no Brasil é impossível fazer, conservar e aumentar

fazenda, nem ter engenho”. Os componentes da Companhia de Jesus prontamente

se aproveitaram do conjunto de esplendor ideológico cristão para ampararem a

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escravidão de indivíduos africanos no Brasil. É imaginável termos o tamanho de

como era imprescindível o julgamento da igreja. Lembremos que a Igreja Católica foi

à possuidora do privilégio exclusivo educativo por toda ocasião do Brasil-colônia e

que refletir dessemelhante da igreja era acatado uma blasfêmia. Rocha (2007) ainda

lembra que:

[...] nos relatos bíblicos, desde a Antiguidade, os negros eram vistos como uma “raça maldita”, que havia sido condenada, junto com todos os seus descendentes, à servidão perpétua. Este aspecto, se não foi decisivo para a escravização dos africanos, ao menos, deve ter predisposto os lusos e outros povos europeus a considerá-los como merecedores da escravidão e, por isso, os colonizadores tinham a sua consciência apaziguada quando dominavam os africanos. (ROCHA, 2007, p. 177)

Toda a existência no Brasil-colônia era assim, disposta e administrada, tendo

como referências as doutrinas e dogmas dos jesuítas que sempre se interferiam

diante da precisão social e política, ininterruptamente, avaliando ser necessário, ou

seja, a ideologia religiosa era fator decisivo na vida colonial brasileira. (MATTOS,

2012; HERNANDEZ, 2005).

Com a abertura e ampliação oceânica portuguesa pelo Atlântico, os braços e

pernas do reino ultramarino lusitano se fizeram presentes em vários territórios da

África. Essas regiões foram às amplas guarnecedoras de mão-de-obra para o reino

português que tanto precisava para despachar aos seus domínios na América. No

ano de 1539, o donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, já solicitava

ao rei de português, Dom João III, que lhe fosse outorgada autorização para

comprar alguns escravos. Rocha (2007) ainda reitera que:

Outro argumento religioso para justificar a captura, a escravização e a evangelização de africanos e de indígenas não-aliados, no século XVI, referia-se à necessidade de libertá-los de sua “ignorância invencível” e iluminá-los com a luz divina, pois, diziam na época: “fora da Igreja [católica] não [havia] salvação”. Por este período, já circulava, também, a ideia de que os portugueses haviam sido eleitos por Deus para difundirem o Cristianismo pelo mundo afora, o que reforçava o caráter expansionista português da época. Os religiosos estavam tão convictos de sua “nobre” missão que poucos chegaram a sentir compaixão pelos africanos. (ROCHA, 2007, p. 177).

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A igreja sempre esteve presente neste processo de escravidão no Brasil, com

a força e poder que exerciam sobre as pessoas naquela época justificava a

escravidão e evangelizava as pessoas negras pela imposição de seus argumentos

em nome de Deus de que fora da igreja não havia salvação, e assim, com essa

ladainha convenciam-se e convenciam as pessoas ignorantes que eram nobres ao

trazer os povos africanos e que estariam salvos só de chegar à terras cristãs, sobre

esta realidade Rocha (2007) apresenta em sua tese de doutorado que o:

[...] jesuíta Antônio Vieira, em seus sermões. Pregava ele que só o fato do indivíduo ser comprado nas feiras da África já significava ser “extraído do paganismo”; ao ser batizado antes da travessia ou no navio negreiro, este ato fazia-o adentrar no universo cristão; ao desembarcar na América portuguesa, então, estava, praticamente, salvo, pois chegavam às terras cristãs e tinham, portanto, meio caminho andado para o paraíso. Concluía, dizendo que a “gente preta tirada das brenhas da sua, Etiópia, e passada ao Brasil, conhecia bem quanto deve a Deus” e “não é senão milagre é o grande milagre! (ROCHA, 2007, p. 177-178)

Em 1559, acatando as solicitações dos senhores de engenhos, o rei de

Portugal, enfim, publicou a autorização que estruturava o ingresso de escravos da

África na colônia da América. O temor das evasões e insurreições dos africanos

recentemente chegados era permanente. Grande arcabouço de domínio, contenção

e coibição sobre a vida dos escravos foi idealizada e o próprio comando colonial

apoiava a prática de punições rigorosas, chegando, até mesmo, à pena de morte

para as pessoas escravizadas mais desregradas. (MATTOS, 2012).

Ao longo dos séculos da história, a sociedade foi desenvolvendo relações raciais complexas, embasadas no complexo de escravização do negro. Porém os escravos negros estiveram presentes desde o início da formação social brasileira, sendo possível afirmar que, suas culturas e, consequentemente (sic), suas religiões contribuíram para forjar as identidades formadas no Brasil. Compreender a escravidão e, de certa maneira, uma tentativa de entendimento da cultura brasileira e das religiões presentes e formadas no Brasil, foi através da contribuição dada pelos quilombos ainda nas senzalas que se deu a formação de uma sociedade de uma sociedade afro-brasileira. (ARAGÃO, 2013b, p. 233).

Com relação à obstinação dos negros a esse aparelho déspota há diversas

reações, como por exemplo: evasões para os quilombos, autoextermínio, homicídios

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de feitores e senhores, não foram os mais singulares nem os mais empregados

meios de resistência seguidos pelos escravos. Apreciações mais atuais mostram ter

sido a comercialização um dos expedientes mais diligentes e, um dos mais utilizados

pelas pessoas negras. Por meio da comercialização conduzida com seus senhores

eram concebidas maneiras que pudessem diminuir as categorias atribuladas à

escravidão por meio de um simples código de lucros e de permissões de obséquios.

Comercializar, naquele panorama, era lutar. É esclarecedor mencionarmos Manuel

da Silva Ferreira em 1789. (MATTOS, 2012; REIS, 2001)

Meu Senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se, meu senhor, também quiser a nossa paz há de ser nessa conformidade, se quiser estar pelo que nós quisermos a saber. Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de sábado para trabalharmos para nós não tirando um destes dias por causa de dia santo. Para podermos viver nos há de dar rede, tarrafa e canoas. Não há de nos obrigar a fazer camboas, nem a mariscar, e quando quiser fazer camboas e mariscar mande os seus pretos Minas.[...] Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com a nossa aprovação.(...) A estar por todos os artigos acima, e conceder-nos estar sempre de posse da ferramenta, estamos prontos para servirmos como dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos demais Engenhos. Poderemos brincar, folgar e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos empeça e nem seja preciso licença. (REIS; SILVA, 1989, p.123-124).

Os cativos do senhor Manuel da Silva Ferreira, como muitos outros no Brasil,

distinguiam do bando daqueles escravos que tinham um jeito indiferente diante à

escravidão e foram diminuídos a legítimos utensílios de trabalho de seus senhores,

dessa forma, não se harmonizam no comentário de Gorender (1980, p. 60) que

percebe que “na sua condição de propriedade, o escravo é uma coisa, um bem

objetivo". (GORENDER, 1980) Entretanto, ainda não se acertavam naquele bando

de escravos que escolheram pela tenacidade atroz, que quase sempre acabava de

forma calamitosa trazendo consigo muitos contratempos para o escravizado

insurgente. A atitude daqueles negros corrobora com a questão de que, o ser

humano escravizado na África, agora em terras brasileiras, deve ser visto como

edificador de sua biografia. Próprio daquela atmosfera social carregada onde

consentimentos e adequações à norma em vigor eram, diversas ocasiões,

imperativas e até mesmo aceitas.

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66

[...] Zumbi, rebelde de tempo integral, herói da resistência e o Pai-João permanentemente resignado ao papel que lhe era reservado no interior do sistema escravista. São estereótipos falsos, criados a partir de concepções teóricas equivocadas. (DE PAULA, 2004, p.124).

A atuação dos mencionados servos do senhor Manuel da Silva Ferreira, no

tempo em que permaneceram erguidos, auxiliar-nos a apreendermos que em cada

lugar da colônia, a convenção da escravatura e suas diferentes configurações de

resistência tiveram suas características apuradas por diversos elementos, como a

agricultura dominante na terra, a ampla ou diminuta oferta de talhadores da região, a

procura interior do cultivo e a obra dos jesuítas.

2.4 Perspectivas na Educação de Pessoas Negras no Brasil

A biografia do povo negro no Brasil foi vastamente documentada por sua

classe de ser humano escravizado. Nos estudos acerca do cárcere, percebe-se a

ascendência da visão do negro, no domínio econômico, como produto, no campo da

cultura, como excêntrico e, no meio político, como classe sem competência e

propostas. De início, com o aparecimento da sociedade industrial e livre, o negro

permaneceu à margem, haja vista a não inclusão dessa população no trabalho livre.

Depois, sua educação conservou-se no campo do anseio, uma vez que as

desvantagens referentes à ocupação - condições de trabalho -, habitação às quais

foram contidos não lhe permitiram o ingresso a ela. Examinando ao longo do tempo

os números que apartavam a população negra da branca - se o distanciamento era

consequência da discriminação de classe ou de raça, chegou-se ao termo de que a

discriminação racial, sob a figura de racialização do experimento do negro, precedeu

a sociedade de classe no Brasil (BRASIL, LDBEN, 2008).

Entretanto, essa apreensão é atual e apenas em meio ao século XX alcançou

importância entre os acadêmicos. A lenda da democracia racial deu apoio à

construção do discurso da coesão entre brancos, negros e índios, disfarçando as

hierarquias e as discriminações das relações entre brancos e não brancos. Em

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seguida à década de 1950, o problema racial surgiu como objeto menor da chamada

questão social, sendo elucidado no conflito social e político entre as classes.

O movimento negro, depois da abolição, no decorrer do século XX e ainda

nos dias atuais, batalha na acepção de desconstruir esse espectro do negro

brasileiro, formada durante o período colonial, atrapalhando o ingresso da população

negra a condições de equidade, sobretudo, a dois campos básicos da vida social, o

mercado de trabalho e a Educação. É presumível expor também que essa cobrança

constava, por exemplo, na declaração final do I Congresso do Negro Brasileiro, que

foi promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1950. Isso representa

uma luta de, logo, que se estende por mais de meio século na captação de direitos

pela igualdade na diversidade (SANTOS, 2005, p. 21-37).

Estes esforços por garantias sociais, pelo ingresso à educação e pela

valorização das diferentes culturas presentes no Brasil, acentuam-se na década de

1990, existindo exigências e propostas do Movimento Negro que assinalaram para a

precisão da declaração de diretrizes à formulação de planos de valorização da

história e cultura afro-brasileiras e dos africanos, de maneira a empenhar-se com a

Educação das relações étnico-raciais. Avaliando as ponderações até então

expostas, preferimos por rememorar feitios do procedimento de reinvindicações do

Movimento Negro para a absorção da compreensão da história e cultura africana e

afro-brasileira a partir do dispositivo de ação afirmativa materializado na Lei nº

10.639, de 9 de janeiro de 2003.

Dia a dia, luta a luta, a conquista da Lei efetivamente, segundo Santos (2005),

as reinvindicações foram demandadas ao Estado brasileiro na primeira metade da

década de noventa do século XX, quando foi efetivado um dos episódios mais

significativos pelas entidades negras do Brasil, a Marcha Zumbi dos Palmares

Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 20 de novembro de 1995, na capital

do país, Brasília. Recebidos pelo presidente da república Fernando Henrique

Cardoso no Palácio do Planalto, as lideranças do movimento negro apontaram a

discriminação racial e culpabilizaram o racismo contra os negros no Brasil. Nessa

reunião foi entregue em mãos ao chefe do Executivo brasileiro o Programa de

Superação do Racismo e da Desigualdade Racial, o qual continha diversas

propostas antirracistas. (SANTOS, 2005, p. 21-37),

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68

No que se refere à Educação podemos mencionar, entre outras a efetivação

da Convenção sobre Eliminação da Discriminação Racial no Ensino; fiscalização

sobre os livros didáticos, manuais escolares e programas educativos ajuizados pela

União e; desenvolvimento de programas permanentes de treinamento de

professores que os capacitasse a tratar acertadamente com a diversidade racial e

identificar as práticas discriminatórias presentes no espaço escolar e o seu choque

na evasão e na repetência dos alunos negros (EXECUTIVA NACIONAL, 1996).

Diversas questões desta histórica exigência dos movimentos sociais negros

foram acatadas pelo governo brasileiro na segunda metade da década de 1990,

como, por exemplo, a revisão de livros didáticos ou mesmo a abolição de diversos

livros didáticos em que a população negra surgia de maneira preconceituosa, isto é,

eram exibidas como servis, racialmente rebaixadas, dentre outras atributos

negativos (SANTOS, 2005, p. 21-37).

Por decorrência, diversos municípios, de vários estados brasileiros,

percebendo como autênticas as exigências dos movimentos sociais negros,

reconheceram a necessidade de reformular os princípios estaduais e municipais;

entre eles a Bahia, o Rio Grande do Sul (Porto Alegre), Minas Gerais (Belo

Horizonte), e outros. Foi por meio destas batalhas e pressões do Movimento Social

Negro por uma Educação não eurocêntrica e antirracista que alcançamos no ano de

2003 a conquista e a sanção da Lei nº 10.639, aprovada pelo então presidente da

República Luiz Inácio Lula da Silva, através da qual se torna imperativo o ensino

acerca da história e cultura africanas e afro-brasileiras nos estabelecimentos de

educação básica, oficiais e particulares (BRASIL, 2003, Alteração da Lei no 9.394). A

Lei 10.639/2003 pode ser apreciada um ponto de chegada de uma luta histórica da

população negra para se ver retratada com o mesmo valor dos outros povos que

para aqui vieram, e um ponto de partida para uma modificação social.

Na política educacional, a prática da Lei 10.639/2003 constitui um tipo de

costume pedagógico que não distingue as diferenças resultantes do nosso processo

de formação nacional. Para além do choque positivo acoplado à população negra,

essa lei deve ser encarada como incitação importante do conjunto das políticas que

visam o avanço da qualidade da Educação brasileira para todas as pessoas

(BRASIL, 2008, Alteração da Lei nº 9.394). É recomendável advertir que essa lei foi

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69

modificada no ano de 2008, pela Lei nº 11.645, que abarcou também a temática

indígena, passando a vigorar com a seguinte redação:

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira (BRASIL, 2008, Alteração da Lei nº 9.394).

Tal legislação é gerida pelo Parecer nº 3/2004 do Conselho Nacional de

Educação (CNE), que institui as diretrizes curriculares para as relações étnico-raciais

e aponta.

Regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros (BRASIL, DCN, 2004).

O parecer tem ainda a desempenho de nortear gestores dos aparelhos de

ensino, secretarias municipal e estadual de educação, professores e pessoas

incumbidas pela preparação, implementação e avaliação de programas de interesse

educativo e de projetos institucionais, pedagógicos e de educação. Ainda se dedica

às famílias dos discentes, a eles mesmos e a todos os cidadãos empenhados com a

educação dos brasileiros, servindo de caminho em circunstâncias de diálogo com os

aparelhos de ensino, escolas e professores, no que se refere às relações étnico-

raciais, à relevância à valorização da história e da cultura das pessoas negras, à

heterogeneidade do Brasil ao igual direito à educação de qualidade, haja vista, não

Page 73: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

70

exclusivamente direito ao discente, mas, ainda, à constituição para a cidadania

dirigente pela edificação de uma sociedade equitativa.

2.5 Educação Quilombola e o Espaço Escolar

Na maior parte das comunidades quilombolas, a perpetuação dos

conhecimentos, das tradições, do “ser quilombola”, dá-se a partir da coexistência e

contemplação dos mais velhos, tendo a tradição oral como o mais respeitável meio

de transferência do conhecimento. É um procedimento extenso de afinidades que

abrange família, elementos da comunidade, afinidades de trabalho, relações com o

sagrado e as experiências até mesmo nos espaços das escolas, nos movimentos

sociais ou em outros aparelhamentos. (CASTILHO, 2008; SILVA, 2005).

Pode-se alegar, assim, que a Educação Quilombola é aquela „original‟,

assinalada pela liberdade de ser de um povo. E aqui a concepção de “Educação”

contrairá uma definição mais extensa e intricada, uma vez que ela refugia

percepções particulares e definidas para os sujeitos implicados na conexão,

(SANTANA, 2005, p.121) colaborando, de tal modo, para o desenvolvimento da

cidadania de um povo.

Por outro lado, a Educação escolar (como instituição, como sistema de

ensino) no seu sentido histórico, no primeiro momento, se posta como negadora do

ser quilombola, pois tende a se vincular a um processo negador da diferencialidade.

Enquanto à Educação Quilombola procura a possibilidade de agregar um

aprendizado associado ao desenvolvimento de valores como solidariedade,

harmonia e afetividade, a escola tradicional, historicamente, traz como possibilidade

um saber alheio ao sujeito e muitas vezes distante do seu cotidiano. (SANTANA,

2005, p.121).

Para compreendermos esta distância entre escola e educação no espaço

quilombola, sem considerar neste momento as possibilidades desta se tornar um

instrumento potencializador para esta sociedade, é importante ter como base a

trajetória desta escola racista e por isso excludente.

Historiadores da educação das pessoas negras, dentre eles Fonseca (2002) e

Cunha (1999), registram que, nos fins do século XIX, esboçaram-se os primeiros

movimentos pela inclusão educacional do negro, no entanto, estas primeiras

Page 74: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

71

iniciativas não passaram de intenção. As limitadas políticas que existiram não foram

pensadas visualizando a inserção do negro na sociedade livre, cujo processo estava

em curso. Mas, como afirma Fonseca (2002, p.183) “no centro das práticas

educativas foram colocados elementos que, ao longo da escravidão, haviam sido

permanentemente acionados como estratégias de dominação sobre os negros: o

trabalho e a religiosidade”.

É importante registrar aqui que sempre houveram movimentos isolados do

próprio negro buscando a sua escolarização no sentido de apropriação da leitura e

da escrita. Inclusive, segundo Cunha (1999), vários destes negros letrados tiveram

um papel importante no movimento abolicionista e pós-abolicionista. Enquanto o

estado permaneceu omisso ao assunto. Passaram-se muitos anos até que passos

mais concretos fossem dados na legislação.

Em 1966, a ONU realizou em Nova York a Convenção Internacional sobre a

Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, estabelecendo formas de

intervenção para a superação do racismo e suas consequências, destacando o

papel da Educação para a garantia do respeito aos direitos, incluindo a análise das

causas e das consequências do racismo (SODRÉ, 1999, p. 21). Esta formulação foi

importante para que os países racistas repensem sua condição e formulem políticas

de superação.

Mais recentemente no Brasil, em 2003, como resultado de luta do Movimento

Negro no geral e quilombola em particular, foi sancionada a Lei Federal 10.639 que

altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, tornando obrigatório o

ensino de história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar da

educação básica. Em consequência, cria as Diretrizes Curriculares Nacionais para

Educação das Relações Étnico-raciais que estabelece a inclusão de conteúdos

sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira no currículo e orienta novas

práticas e atitudes pedagógicas no processo de formação nacional. (SODRÉ, 1999,

p. 22).

Apesar dos avanços, as pesquisas apontam que a escola vem sendo

implementada nas comunidades quilombolas considerando pouco ou quase nada

das suas especificidades. Continua com suas características predominantemente

excludentes, onde seus currículos se baseiam no modo de vida urbano, de classe

média e “branca” (CASTILHO, 2011).

Page 75: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

72

Para que a escola cumpra seu papel de intermediadora dos conhecimentos

nestas comunidades, é imprescindível um novo olhar sobre a inserção do povo

negro, considerando-o como fazedor do conhecimento, na sua tendência natural de

sujeito da construção de saberes, respeitando sua história e suas práticas culturais.

É pressuposto fundamental para uma Educação antirracista, e além, que esta

reafirme a importância de se garantir a criação e recriação física e cultural de

comunidades que passaram séculos relegados às margens da sociedade nacional e

que ainda hoje enfrentam os efeitos deste período.

Para Cavalcante (2011, p. 02) a Lei 10.639/03 se caracteriza como um

instrumento de superação antirracista. No dizer do autor, “essas ações afirmativas

estão servindo como instrumento de superação dessa educação tradicional e

arcaica ainda fortemente presente nas escolas quilombolas”. Tais ações se tornarão

cada vez mais efetivas ao passo que os sujeitos instrumentalizados e

instrumentalizadores, forem às próprias comunidades quilombolas, reconhecidas e

reafirmadas no ser elas mesmas também na definição da escola que querem.

O Ministério da Educação e Cultura - MEC (2010) ressalta que, os

quilombolas têm uma importância significativa no âmbito social, político e cultural e

que se faz necessário a valorização das “terras de preto” dentro de um planejamento

coerente e capaz de estimular experiências que levem a um desenvolvimento local

sustentável. Assumindo este discurso, o Governo Federal, em conjunto com Estados

e Municípios, passaram a contemplar ações como: Parâmetros Curriculares

Nacionais - PCNs, visando à construção de currículos que valorizem a população

negra e a contribuição cultural dos afro-brasileiros; reformulação dos materiais

didáticos, contemplando temas como: A presença afro-brasileira na vida social e

cultural do Brasil de hoje; Os aspectos positivos de uma sociedade pluriétnica e

pluricultural (MEC, 2009; SEDUC, 2010).

Como desdobramento da lei 10.639, o Ministério da Educação, por meio da

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD),

publicaram as Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-raciais no

geral e dedicou um capítulo que apresenta as diretrizes para a Educação

Quilombola. (SECAD, 2006).

Estas políticas demonstram que há avanços em termos de políticas

curriculares, cabem pesquisas mais amplas para verificar como estas vêm sendo

Page 76: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

73

efetivadas para uma Educação que atenda as necessidades das comunidades em

suas especificidades.

Atualmente é expressiva na Paraíba a luta das comunidades Quilombolas por

garantia de seus direitos sociais, acesso e permanência a terra, à Educação, à

saúde e outros. A situação das Comunidades Quilombolas em 2012 no estado era

de, trinta e nove comunidades quilombolas, dentre elas, trinta e seis são

classificadas e três identificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). (SILVA,

2014, p. 28; RODRIGUES, 2014, p. 82)

Neste sentido, que a Escola deve buscar dialogar com a Educação

Quilombola, diminuindo as distâncias entre estas duas instâncias da sociedade,

possibilitando o surgimento de uma nova proposta de ensino. A partir deste diálogo,

entre instituição e comunidade quilombola, podem traçar novos caminhos, novas

estruturas pedagógicas diferenciadas, na busca de sua autoafirmação. Pois é a

partir da escola na e para as comunidades que se começam a discussão da

inserção dos quilombos no cenário político, socioeconômico, antropológico, jurídico,

cultural e espacial.

Analogias entre raça e ensino, não são atuais, uma vez que, desde o princípio

do século XX veem pensando sobre a Educação nessa ótica de insurreição de

crenças racistas. Colocar em destaque perspectivas do elemento a ser estudado

que se delineiam nas contemporâneas análises. Assim sendo, convive sempre a

probabilidade de se falar que a Educação e as Conexões Étnicas têm sido um

assunto reiterado na luta dos negros no Brasil. Logo, busca-se mencionar a

conjuntura de teses elaboradas sobre Conexões Étnicas e Educação, a partir das

décadas de 1980 a 1990, contudo, voltando à década de 1930 em diante, sem a

ambição de edificar um exame histórico, apesar disso, com o desígnio de abranger

como esse procedimento formou-se e foi composto na área da Educação e na

coletividade brasileira em relação ao fator teórico do assunto, Bourdieu (1989; 1996;

2010a; 2010b; 2013) proporciona em suas obras como campo de batalhas, de

domínio, em que os indivíduos acolhem as normas do jogo colocado e almejam

arranjos nas hierarquias estabelecidas que lhes consintam o privilégio exclusivo de

escolha e domínio em temas distintos, que se interligam.

Page 77: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

74

Os campos sociais são, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura. (BOURDIEU, 2013, p. 50).

Abordando-se um campo de força e de contestações de costumes, destaca

Bourdieu a experiência em várias leis em atividade de diversos campos. Um dos

pontos das batalhas que resistem o contíguo dos agentes (Bourdieu, 2010a; 2010b),

surge entre os dominadores e aqueles aspirantes a começo no campo. Logo que

Bourdieu afirma:

O campo, e também o campo científico, é tanto um universo social como os outros, onde se trata, como alhures, de poder, de capital, de relações de força, de lutas para conservar ou transformar essas relações de força, de estratégias de manutenção ou de subversão, de interesses etc., quanto é um mundo à parte, dotado de suas leis próprias de funcionamento [...] ao entrar no jogo, ele aceita tacitamente as limitações e as possibilidades inerentes ao jogo, que se apresentam a ele como a todos aqueles que tenham a percepção desse jogo, como “coisas a fazer”, formas a criar, maneiras a inventar, em resumo, como possíveis dotados de uma maior ou menor “pretensão de existir”. (BOURDIEU, 2013, p. 65 e 88 - grifos do autor).

Entende-se que esse campo de observação consiste em condução de

ininterrupção da representação da abordagem desigual dispensada aos indivíduos

sociais negros nessa coletividade.

Treze anos após esta apreciação sobre a invisibilidade quanto ao tema da

pessoa negra na memória da Educação brasileira, a tese de (Loureiro, 2004; 2006)

corrobora que se conserva o mesmo sentido crucial. Para Fonseca (2002), a década

de 1990 assinalava-se por ser um momento da história em que ter-se-ia principiado

uma investigação acerca dos negros na Educação. Para o autor, naquela ocasião, a

quantidade de estudos era extremamente condensada e existe um intento específico

nestas pesquisas, que, vem sendo, agregada, especialmente, por estudiosos afro-

brasileiros. O autor continua exibindo a sucessiva invisibilidade deste tema, ao

destacar.

Na verdade, encontramos uma relação dúbia com as suas formas de tratamento em relação aos negros. Ao mesmo tempo em que cresce a produção que passou a reinterpretar a relação dos negros

Page 78: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

75

com os processos educacionais, encontramos também a reativação das ideias tradicionais sobre esse segmento da população. Esta atitude mantém vivo um imaginário que pressupõe a escola como espaço ocupado apenas pela população branca. (Müller, 2003, p. 39).

Essas pesquisas delineiam um procedimento intricado em analogias a

maneira pela qual apreendemos o assunto sobre a etnia em conformidade com a

característica brasileira e as versões memoráveis edificadas com o alvo de ponderar

os procedimentos identitários e educativos transcorridos pela visão do patriotismo.

Em diferentes ocasiões das observações educativas acerca da pessoa negra e a

Educação, brotam estudos que advêm a enfocar na instrução de professoras, a título

de exemplo, este modo de comportamento pode ser achado em professoras negras

na primeira república. (Müller, 2003, p. 39).

A autora tem como alvo de egresso o ambiente da etnia nas discussões sobre

o estabelecimento da igualdade pátria e a acuidade que nesse momento se conferia

à Educação. Entre as suas finalizações, a pesquisadora lembra a função

desempenhada pelas professoras das séries iniciais, as quais cooperaram na

edificação da identidade e afeto pátrio (p. 402). Entretanto, as professoras das séries

iniciais verificadas na pesquisa, para Müller elas tinham contraído um aspecto tido

como contemporâneo e moralmente europeu que, modificar-se-ia a partir da década

de 1960 na ocasião em que existiu o crescimento das escolas públicas que expandiu

as probabilidades de aumento do índice escolar da população negra (p.416).

Esta ocasião de crescimento da escola pública, também se depara auxiliado

na pesquisa de Santos (2017, p. 287), com o tema Mulher não branca e Magistério

Primário: uma versão em preto e branco da professorinha de azul e branco, que

aborda a questão das professoras primárias entre os anos de 1963 a 1979, a partir

da escola normal do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG). Este estudo tem

como alvo de partida as pesquisas de Fonseca (2002) e de Müller (2009), que

buscam aferir a frequência de alunos negras na escola normal, em seguida a

década de 1960, pelas modificações ocasionadas no sistema de ensino a partir

desse momento. Segundo nos assinala Santos (2017).

Foi possível perceber um aumento gradativo de alunas não-brancas no curso de magistério do IEMG. Esse aumento, ainda que tímido, se dá [...] a partir da década de 70 e com uma presença de mulheres

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76

consideradas pardas e pretas, no curso noturno [...] O maior acesso das mulheres negras ao magistério significou uma mudança na representação da professora que historicamente se constituiu. Sua presença incomodou, levando à construção de uma nova representação de professora e de magistério. Entretanto, que espaços escolares estariam hoje ocupando as professoras negras? [...] uma breve observação permite afirmar que, para os filhos da elite, a professora branca ainda é a representação mais presente. (SANTOS, 2017, p. 287).

Para a pesquisadora, apesar de essas mulheres negras professoras

apresentarem, de certa maneira, o rompimento com o “destino que a sociedade

brasileira racista lhes impôs” (SANTOS, 2017, p. 206), não apenas a elas, todavia,

toda a população negra, elas também reportaram a manifestação edificada de

identidade pátria ao longo da nossa história e que tem atendido para abonar ou

desconhecer a conjuntura de grande disparidade de exigências e conveniências da

população negra. Desta maneira, a edificação do patriotismo dar-se-á por uma

“mudança na forma das políticas sociais, inclusive as políticas educacionais,

conduzindo a estratégias mais sutis de dominação ou mesmo à absorção de

interpelações populares na formulação de tais políticas” (Germano, 1991, p. 56). As

exposições feitas conjeturam o aforismo desses pesquisadores ao afiançarem que

os trabalhos concernentes à população negra tomam um espaço limítrofe na

história, de acordo com a obstinação em declinar à categoria de agente social para

este grupo racial. Desta feita, todo modo, há que se ponderar que esta carência tem

afinidade com dois motivos correlatos: por um lado, o segregacionismo; por outro, o

episódio de isto não ser uma dificuldade estimado pelo assunto. Conforme este

arranjo, Gomes (2000) nos afirma que.

Ainda encontramos muitos (as) educadores (as) que pensam que discutir sobre relações raciais não é tarefa da educação. É um dever dos militantes políticos, dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento demonstra uma total incompreensão sobre a formação histórica e cultural da sociedade brasileira. E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita a ideia de que não é da competência da escola discutir sobre temáticas que fazem parte do nosso complexo processo de formação humana. Demonstra, também, a crença de que a função da escola está reduzida à transmissão dos conteúdos historicamente acumulados, como se estes pudessem ser trabalhados de maneira desvinculada da realidade social brasileira. (GOMES, 2000, p. 146).

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77

Este acontecimento se aciona, também, nas pesquisas de Pinto (2018) ao

asseverar que a partir da década de 1970 os estudos acerca do assunto advieram a

aparecer de forma mais acentuadas e reiteradas, permitindo aos estudiosos e

participantes do movimento social afro conjuntura para determinarem emergência de

alterações no campo educativo. A pesquisadora corrobora também que a

inquietação com a Educação das pessoas negras brotava de maneira cíclica, tanto

em pesquisas de especialistas brancos quanto na de pesquisadores negros, os

quais averiguaram as analogias entre etnias em indivíduos brasileiros. Desta feita,

percebeu-se que essas semelhanças surgiam em segundo plano, na maioria das

vezes, no conjunto de apreciações mais extensas, sem dar voz e vez à amostra e ao

aspecto educativo.

Da mesma maneira, as pesquisas de Hasenbalg (2005, p. 176) assinalam o

aparecimento de como os prejuízos acompanhados do assunto étnico acontece,

similarmente, no campo educativo e de como “a pesquisa sociológica em educação

têm negligenciado amplamente a dimensão racial e seus efeitos na distribuição de

oportunidades educacionais entre diferentes grupos da população”. Conforme

Negrão (2012), em fins da década de 1970 e início de 1980, vê-se a elaboração de

uma vultosa quantidade de pesquisas sobre o sistema de ideias ligado por artigos

culturais, especialmente, livros didáticos e paradidáticos.

Um destes estudos para o qual a pesquisadora compõe sua crítica é o de

Rosemberg (1999), sobre a ficção infantil e sistema de ideias, concretizado em

1985. O arremate proposto pela estudiosa sobre o assunto é a de que o racismo

abordado pela literatura se descreve “na medida em que tais obras - livros didáticos

e paradidáticos - são produzidas para educar a criança branca” (Rosemberg, 1999,

p. 57). Porém, manifestar o racismo não é tudo. Essa transformação será admissível

a partir “do trabalho com o professor - principal agente na luta contra o racismo na

escola - tanto no momento de sua formação quanto no dia a dia de sua prática”

(Negrão, 2012). No que se refere à pesquisa mais exclusiva na região norte, acerca

de apreciações sobre formação de professores, a pesquisa de Filho (2000) é

importante para o entendimento, por examinar a deficiência do assunto e da

discussão étnica na formação de professores, no estado do Pará.

Seu fundamental desígnio é “refletir sobre como a escola, por meio dos

cursos de formação de professores, contribui para a reprodução da discriminação e

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do preconceito nas formas em que eles se manifestam na sociedade” (FILHO, 2000,

p. 230). Tal hiato deve-se ao acontecimento de que a entidade formadora

pesquisada pela autora “não preparou seus alunos para lidar com uma questão

crucial, como é a questão racial” (FILHO, 2000, p. 231). E, além disso, “só a

intervenção conscienciosa, resultado da constituição de uma massa crítica

relacionada à questão e incorporada à formação, poderá apontar uma luz no fim do

túnel” (FILHO, 2000, p. 232).

De acordo com Filho (2000), no decorrer dos anos de 1970, logo, firmaram-se

as desigualdades raciais. No terreno educativo, elas deveriam ser apreendidas pela

diminuta quantidade de alunos que, tendo começado o 1º grau, chegaram ao seu

término. A pesquisadora afirmou que em Belém esse panorama excludente revolvia-

se ainda mais suscetível, em razão da ausência de estabelecimentos escolares e

professores capacitados para o desempenho da docência nas séries iniciais,

especialmente, como assegura Filho (2000, p. 90), no que atualmente chamamos de

Ensino Médio. Aludindo-se à década de 1970, a pesquisa de Filho (Ibidem) coopera

na percepção do mundo da Educação e de compreender as suas dificuldades,

porquanto.

O contexto político [...] acabou por fazer do aporte tecnicista um elemento adicional no aparato repressivo, na medida em que ele relegava para segundo plano a reflexão sobre os contextos social e político da sociedade brasileira [...] A educação [...] deu vazão a uma geração formada sob a batuta da técnica e da memorização, de forma que o aporte teórico tecnicista não colocou em risco a hierarquia em sala de aula [...] (FILHO, 2000, p. 94).

Cunha (1992) colabora com as ponderações de Filho (2000), porque nos

pronuncia que “a generalização e a consolidação desses processos de

„ajustamentos‟ serão certamente mecanismos de discriminação social” (Cunha,

1992, p. 246). De tal modo, a alocução educacional que rondava a circunstância

social e política fruto do nosso país desde o fim dos anos 1970 e através de toda a

década de 1980 estará caracterizado pelo colapso do padrão social, político e

pedagógico, praticado pelos contínuos governos totalitários nas décadas de 1960 e

1970. Assim, percebemos que os anos de 1970 foram um período bastante peculiar

para os negros de todo o planeta, uma vez que foi um momento de intrínsecas

transformações universais no domínio de conexões étnicas, estimuladas pelo auge

da provocação contra o racista em países como os Estados Unidos e a África do

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Sul. O nosso país não permaneceu isento a essas alterações. Aparecem parâmetros

afro atalhando um ambiente desocupado largado pela Frente Negra, admirável

movimento social dos anos de 1930, selado pelo ditador Getúlio Vargas. Para, além

disso, as medidas de Vargas eram, no mínimo, contraditórias.

Durante a Era Vargas (1930-1945) as ações sociais e assistenciais articularam-se entre o Ministério da Educação e Saúde Pública, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e o Ministério da Justiça. Assim, as políticas públicas de intervenção social pouco ou nada se distinguiam das ações e interesses privados, associando medicina social com criminalização, sistema penal e educação para o trabalho. Os limites entre os interesses públicos e os privados, entre o altruísmo assistencialista e a exploração planejada confundiram-se. Um dos setores mais atingidos por estas ações público-privadas foi a articulação educação-trabalho para crianças e jovens socialmente e economicamente excluídos. O modelo de cidadania excludente, sustentado no autoritarismo, no moralismo, no disciplinamento e na repressão. A ideia de “reeducação pelo trabalho” e, mais precisamente, de que o “trabalho liberta” e “civiliza” foi ideologia autoritária corrente no período. (AGUILAR FILHO, 2005, p. 31).

Para Consorte (2008), contudo, no final da década de 1970 e os anos 1980, o

estudo indicativo aos afro-brasileiros muda, existiu um aumento da compleição da

pessoa negra como pesquisador de sua Problemática e a ascensão de uma atitude

crítica, principalmente, no que se relacionava sobre eles, abraçando para si não só a

ponderação, todavia as maneiras de desempenho adequadas de modificar sua

conjuntura dentro da coletividade brasileira. Desta forma, demonstram as acusações

acerca do racismo que os afrodescendentes eram resignados destacando as avarias

que os vitimavam, notadamente, no interior do aparelho educativo do Brasil.

Segundo Albuquerque Jr. (2017), assevera.

Vítimas, descriminados, injustiçados, marginalizados, marginais, violentados, violentos, ignorantes, ignorados, pobres, explorados, abandonados, excluídos, serviçais, incultos, ingratos, descontrolados, impertinentes, indecentes, domesticáveis, animalizados, alcoolizados, recalcados, preguiçosos, burros, feios, carnavalizados, analfabetos, brutos, primitivos, sujos... Seria cansativa a tarefa de elencar os inúmeros estereótipos imagéticos que identificam, no Brasil, os indivíduos fenotipicamente considerados “negros” ou “afrodescendentes”. As várias formas de discriminação, de todos os tipos, ancoram-se na assertividade, na repetitividade e no acriticismo deste tipo de fala arrogante que se julga apta a dizer o que o “outro”, é economizando palavras. Sua

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eficácia reside, justamente, nesta economia e nesta repetitividade que tendem, inclusive, a promover a subjetivação destes atributos por parte daqueles aos quais se dirigem. (ALBUQUERQUE JR., 2017, p. 15-21).

Nos anos de 1970, de acordo com as pesquisas de Hasenbalg (2005, p. 135)

observou-se o regresso do Movimento Negro Brasileiro, no qual dois deles

constituíram as matérias fundamentais na aliança dos combatentes; a acusação do

racismo no Brasil e, o enaltecimento da cultura afro como linha de compleição de

uma identidade étnica assertiva. Tais assuntos se desenvolveram na década de

1980 e serão caracterizados pelas altercações acerca do centenário da abolição da

escravatura no Brasil e pela importância dada por parte do Estado brasileiro da

realidade sobre o racismo e, também, algumas transformações na área pedagógica.

Nessa totalidade, diferentes performances advieram para expor a fantasia da

democracia étnica e reivindicar contrariamente às celebrações oficiais que, de certa

forma, inflamavam a ansiada consonância étnica no Brasil.

Avaliando o momento concernente à década 1980, pode-se afiançar que o

alvo de partida para a apreensão dessas pesquisas é de que a direção étnica das

disparidades sociais brasileiras não compõe uma simples representação de

desigualdades históricas, uma vez que o estorvamento dos grupos afros permanece

introduzido nas semelhanças sociais, entre as quais se acha o procedimento de

concepção pátrio de diferentes maneiras culturais de história viventes arremessadas

em exemplares identitários que advêm amplamente das pretensões, da verificação

das disparidades étnicas. (Hasenbalg, 2005)

É eminente salientar diferentes pesquisas que focam na tônica em diversas

áreas da Educação. Em pesquisa efetivada sobre a literatura infantil, Rosemberg

(1999) assegura: “os estudos das discriminações contra grupos oprimidos, nos

últimos anos talvez, tenha sido um dos temas mais intensamente discutidos no

campo da literatura infanto-juvenil". Dessa forma, para a pesquisadora, os estudos

com foco na inquietação acerca do racismo na literatura infantil têm registrado a

“relação opressor - oprimido aceita tácita e camufladamente na sociedade”

(Rosemberg, 1999, p. 120).

Todavia, tais caráteres racistas não surgem, meramente, como adaptações

dos dessemelhantes arranjos sociais absorvidos pelas pessoas negras, porém “são

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recriadas de acordo com a linguagem através de modos de expressão que lhe são

próprios” (Rosemberg, 1999, p. 123). Acerca desse assunto, Ianni (1999) em estudo

sobre a Literatura Afro, coopera realçando o que são as diversas e abstrusas

intervenções ideológicas que os autores afros alcançam para acalmar e

esquematizar as ocorrências atuais, restaurar a memória das pessoas negras.

Noutra pesquisa efetivada por meio dos elementos coletados pelas Pesquisas

Nacionais de Amostras de Domicílios - PNADs - nos anos de 1982, 1985 e 1987,

acerca de creches, pré-escolas e as séries iniciais do antigo 1º grau, com

assistência econômica da Fundação Ford, (Rosemberg 2000, p. 95), afirma que “as

pesquisas educacionais produzidas especialmente nos EUA e na Inglaterra, tem

aberto pistas interessantes para se compreender o jogo imbricado de contradições

que constrói as desigualdades educacionais” (Rosemberg, 2000, p. 97). E finaliza

suas declarações destacando: “Cria-se, desde a creche, uma trajetória educacional

dualista onde crianças negras iniciam uma história de experiências educacionais

frustrantes e de segunda mão” (Rosemberg, 2000, p. 99).

Conforme demonstra a Literatura acerca do assunto neste panorama da

análise educativa, aveio a transformação em alguma medida, conforme a ação de

professores e ativistas do Movimento Negro, com o intuito de descobrir e delatar as

teorias racistas propagadas pelo aparelho formal de ensino. Os julgamentos têm se

situado no arcabouço do currículo; o qual abandona tópicos como a História da

África e do Negro no Brasil, e na forma caricaturada e racista com que as pessoas

negras são exibidas nos livros didáticos.

Apenas a partir da década de 1990, determinadas ações surgem, através de

leis municipais e estaduais, para abrangência da História e Cultura afro-brasileira

nos currículos escolares, modificação da LDBEN nº 9.394/96 pela Lei Federal nº

10.639/03 esta transformada pouco tempo antes pela Lei nº 11.645/08, da prática de

ações afirmativas, na categoria de cotas raciais em Universidades brasileiras e da

discussão e admissão envolvendo todo Estatuto da Igualdade Racial. A despeito

dessa atividade, Ribeiro (2005, p. 209) assegura que nos planos de pós-graduação

stricto sensu em Educação ainda é limitada a parcela de estudos acerca dos

vínculos étnico-raciais. Em meios da década de 1990, porém, é próspera a

quantidade de teses e dissertações que vêm problematizando acerca desses

Page 85: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

82

assuntos, expondo os mais diferentes aspectos do racismo a que está sujeita o

público negro nas normas educativas.

As contribuições destas pesquisas estão no fato de denunciarem vigorosamente os prejuízos a que a população negra está sujeita dentro das instituições educacionais em todos os níveis, nas relações interpessoais, recursos e práticas pedagógicas. (RIBEIRO, 2005, p. 209).

Apresentar-se-á pesquisa efetivada nos anos de 1990, os quais são

significativos para esta tese e precisam ser referidas. A pesquisa de Silva (2005),

Diversidade Étnico-Racial e Educação Infantil: três Escolas, Uma Questão, Muitas

Respostas. A pesquisadora decidiu observar o dia a dia da pré-escola e a forma

como se anunciam as afinidades étnicas efetivas entre pessoas negras e brancas na

coletividade brasileira.

Aplicando a compreensão de rotina como ambiente não separado da história,

cuja apreciação se corrobora quando são sobrepujados os limites da consciência ali

edificados. O objeto foi ajustado com olhos de quem observa esta coletividade

forjada no racismo e em luta de classes. São estas duas extensões que conectadas

com a ideia de cultura, apreciação e julgamento da educação infantil consentiu aferir

as probabilidades que existem neste ambiente ilógico para a edificação de

convivências menos hostil.

A pesquisadora privilegiou o emprego de métodos antropológicos e, três

escolas de Campo Grande foram adotadas como local de averiguação. Em seus

arremates assegura ser um procedimento, sem conclusão por sua profusão e por

ser uma pesquisa inédita de onde surgem diversos questionamentos acerca da

abordagem que pode vir a fazer jus à discussão do tema étnico entre crianças de

quatro a seis anos.

2.6 Para Além do Preconceito Velado

2.6.1 Racismo Científico

Em princípio do século XVIII, o cientista europeu Carlos Lineu, principiou o

que se transformaria em seu legado, que foi a classificação da natureza. Lineu

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83

decompôs as estruturas em três reinos. Arquitetou concepções como gêneros e

espécies e, em meados do século XVIII, em seu produto Sistema Natural, separou

os seres humanos em quatro classes, as quais denominou de raças. A inicial

referência às raças humanas foi de Lineu, entretanto, a intolerância que invade o

assunto que somente chegaria a se materializar com o fidalgo francês Joseph-Arthur

Gobineau, no século XIX. Seu fruto Ensaio sobre a Desigualdade das Raças

Humanas instituiu o que é atualmente versado como racismo científico. A atitude em

usar esse termo, fez-se logo expandir para além dos limiares da biologia, instigando

racismos cruéis e convindos à alegação dos mais bárbaros desígnios políticos, como

a escravidão, o nazismo alemão, o fascismo italiano e o apartheid sul-africano.

(SCHWARCZ, 1993; GUIMARÃES, 1999-2002-2004).

Foi necessário aguardar por mais de um século até a década de 1970 para

que a Ciência se incumbisse de desabonar a informação de que as discussões entre

os seres humanos são tão densas a ponto de compor raças. Nos últimos quarenta

anos, a apreciação foi deixada de lado nos laboratórios. Todavia, ele volta a ser

evocado no best-seller A Troublesome Inheritance - Uma Herança Incômoda -, do

jornalista científico londrino Nicholas Wade.

Em seu livro, o pesquisador mescla os mais adiantados estudos em

modificação genética e as remotas classes de Lineu em uma diligência para

reestruturar a fragmentação do gênero humano em raças. Vai, além disso, explora

que a seleção natural dos genes humanos seria encarregada não só pela

disparidade entre os seres humanos, como também, pelo progresso cultural e

econômico das coletividades. Publicado em maio, o livro foi componente da lista dos

mais vendidos do The New York Times e provocou um comportamento

descontrolado da comunidade acadêmica de todos os países, expondo que o

esforço de Wade não tem sopro para ir adiante. Segundo Schwarcz (1993, p. 12), o

Brasil era descrito como “[...] uma nação composta de raças miscigenadas, porém

em transição. Essas, passando por um processo acelerado de cruzamento, e

depuradas mediante uma seleção natural [...], levaria a supor que o Brasil seria, um

dia, branco”.

Da década de 1970 até os dias atuais encontraram-se diversos fatos

inesperados das populações e as atuais pesquisas de genética apontam que existe

alterações entre elas. Entretanto, atualmente, tem-se um entendimento mais amplo

Page 87: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

84

sobre a definição desta disparidade e sabemos que aqueles conjuntos raciais em

que se cria não existem. É imensamente mais atraente pesquisar as alterações

genéticas que discorre acerca de raças, algo que depaupera o debate e do estudo.

(SCHWARCZ, 1993).

Os assuntos ressurgidos pela obra lançada nos Estados Unidos é que a base

biológica seria definida na criação de condutas diferentes em díspares localidades

do planeta. Desta forma, as alterações dos genes, fundamentais para os

comportamentos do homem, apresentariam um papel significativo no incremento das

coletividades e economias, tornando-as dessemelhantes. Determinadas delas

poderiam edificar culturas rebuscadas, enquanto outras ficariam prometidas a

comunidades mais rudimentares. Todas essas classes ou raças seriam acuradas

biologicamente a modos de vidas diversos, o que provoca uma acentuada discussão

moral na comunidade científica. (SCHWARCZ, 1993; GUIMARÃES, 1999-2002-

2004).

A ligação entre discussões de condutas nas desiguais culturas e os debates

entre as instituições sociais com base em genética evolutiva ou comportamental é,

para falar o mínimo, metafórica. Não existe ênfase qualquer dessa trama e ainda

não se admite seu movimento.

Isto incide, pois, os estudiosos desconhecem quais motivos operam na

equação genética dos atributos difíceis. Compreende-se que a genética tem alcance

intenso na conduta. Entretanto, ainda se domina pouquíssimo acerca de seu

desempenho para nos tornar apropriados em afiançar alguma coisa acerca do tema.

A singular convicção que se pode ter é que os genes não são categóricos nos

comportamentos dos seres humanos. Para Guimarães (1999, p. 53), a ideia de

“„embraquecimento‟ [...] foi, antes de tudo uma maneira de racionalizar os

sentimentos de inferioridade racial instalados pelo racismo científico e pelo

determinismo geográfico do século XIX”.

A Ciência como aparelho de inabilidade de certa quantidade da sociedade do

planeta em avaria de políticas “colonialista”. Determinadas conjecturas científicas

acerca da subalternidade de acurados conjuntos humanos eram custeadas, diversas

vezes, pelo Estado. Estas conjecturas apostavam, alcançavam e, desgraçadamente,

ainda conseguem abonar o artifício de escravidão. É bem complicado apreender

estes procedimentos, uma vez que eles se implantam em procedimentos da história

Page 88: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

85

que fariam jus uma pesquisa a parte, contudo, podemos, tão somente, advertir

determinados acontecimentos. (INSTITUTO AMMA PSIQUÉ E NEGRITUDE, 2009,

p. 13).

Na mesma ocasião em que a França, depois da Revolução, foi à primeira

nação a libertar os escravos, em 1794, algo que teria que ser feito, pois colidia com

a Declaração dos Direitos do Homem, contudo, foi à primeira nação e, não se tem

notícias de outra, a escraviza-los novamente em 1802, posteriormente a Declaração

de Independência do Haiti, que feria empenhos econômicos. O término da

escravidão nas leis francesas deu-se, verdadeiramente, em 1848, depois da Grã-

Bretanha (1833) e o Império Otomano (em 1847). Da mesma maneira, vemos, no

século XVIII, filósofos da grandiosidade de Montesquieu, Voltaire, Rousseau

historiarem arrebatados folhetins para o fim da odiosa prática da servidão humana, e

simultaneamente, notamos que rostos não menos admiráveis como Kant, Lineu,

Maupertuis ou Gobineau têm a “certeza” e “demonstração” que a “raça branca” é

anterior e por isto superior às demais, sejam elas amarelas, vermelhas ou negras.

(CRESSONI, 2016, p. 95).

Essa tensão ideológica consentiu em muitos momentos relevar ética, legal e

ideologicamente conjecturas tais como: a eugenia - que quer o avanço genético das

espécies humanas, como se constituíssemos em porcos ou animais de estimação -

da frenologia - hipótese que estuda o caráter e as cátedras cognitivas humanas,

tendo por base a configuração do crânio - de Cesare Lombroso, que abonava em

contextos ardilosos, a superioridade - ou inferioridade, dependendo do ponto de

vista - de uns sobre outros, e que teve um famoso discípulo aqui na Bahia - Nina

Rodrigues - e culminou em um horrível acontecimento da humanidade: o nazismo, o

holocausto, os campos de concentração do Terceiro Reich de Adolf Hitler.

Pode-se proferir, a partir dos subsídios históricos proporcionados, que houve

farsas institucionais em diferentes ocasiões, em diferentes pontos para abonar,

primeiramente, o caso de certos conjuntos humanos serem superiores a outros e,

em seguida, a opressão de força de trabalho barata ou gratuita, originária da África

e, por fim, na atualidade, as diferenças sociais, sejam entre indivíduos, entre nações.

(GUIMARÃES, 1999-2002-2004).

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86

2.6.2 Meta-racismo

Joel Kovel em seu livro White Racism: A Psychohistory (Racismo Branco:

Uma Psico-História) foi bem efusivo no título, apontando ao que ele menciona, para

que não fosse sarcasticamente mal compreendido pelos meta-racistas, exercício

habitual a eles. Publicado em 1970 e republicado em 1984, a obra delineia o meta-

racismo como "o racismo de tecnocracia, isto é, sem mediação psicológica como tal,

no qual a opressão racista é executada diretamente por meios econômicos e

tecnocráticos", ainda de acordo com Kovel.

Como ele incorpora as formas mais avançadas de dominação,

transforma-se em múltiplas configurações como um camaleão (independentemente das formas necessárias para executar a sua missão racista), e é mais eficiente que as formas mais antigas, cheias de ódio, odiosas formas do racismo que levavam a discriminação e violência pública e aberta - META - RACISMO é o modo dominante do racismo no capitalismo pós-moderno. (KOVEL, 1970, p.136-140).

Acontecimento também ressaltado por Zizek (1991).

[...] vivemos um novo tipo de racismo, um racismo pós-moderno, um "meta-racismo", que pode perfeitamente assumir a forma de um combate contra o racismo. Essa resistência cínica pode ser encarada como uma das vicissitudes da atual abertura proposta pelo liberalismo e seu projeto de reinvenção da democracia e do discurso dos direitos humanos. (ZIZEK, 1991, p. 126).

Entretanto, como a contenda entre o meta-racismo e o racismo declarado, de

acordo com a tradição de maneira clara e expressiva, é inexistente, uma vez que

não há metalinguagem, faz com que a insolência com a qual se exibe o meta-

racismo o torne amplamente mais ameaçadora.

Deste modo, como vimos, o meta-racismo é o racismo sarcástico

transformado em benévolo, que recusa ou tornar mínima a essência do racismo e

que em designação da equidade constitucional ou de hipotética consonância

imperante e, para impedir o racismo antagônico, embarra todo e qualquer ato

assertivo concretizado com corte racial que verdadeiramente mude o status quo e

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87

beneficie os tradicionalmente discriminados, operando, prioritariamente, no

embarreiramento socioeconômico das pessoas negras.

[...] o racismo, como construção ideológica incorporada e realizada através de um conjunto de práticas materiais de discriminação racial, é o determinante primário da posição dos não brancos nas relações de produção e distribuição. (Hasenbalg, 2005, p. 114). [...] (a) discriminação e preconceito raciais não são mantidos intactos após a abolição, mas, pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro das novas estruturas e (b) as práticas racistas do grupo dominante branco que perpetuam a subordinação dos negros não são meros arcaísmos do passado, mas estão funcionalmente relacionadas aos benefícios materiais e simbólicos que o grupo branco obtém da desqualificação competitiva dos não brancos. (Hasenbalg, 2005, p. 85).

Figura 2: Meta-racismo sendo concretizado

Fotos de domínio público retiradas da internet

Mais ameaçador que o racismo revelado é o meta-racismo – dissimulado e

disfarçado de luta contra o racismo, entretanto tem como desígnio autêntico

conservar a situação estável -, contudo, mais danoso é quando a letargia e

ignorância dos que desconhecem ou pesquisam com maior veemência o tema

étnico e do racismo, faz com que se coloquem a debater e até mesmo a promover

ações que julgam como antirracistas, entretanto, que de fato não são nada disso,

pois beneficia os empenhos meta-racistas ou mesmo os confessadamente racistas.

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88

Foi precisamente o que aconteceu com a campanha nas redes sociais principiada

pelo jogador de futebol Neymar, #somostodosmacacos.

O elementar episódio teve elevada aderência de não ativistas e, sobretudo,

dos anti-ativistas - o pessoal dos neo-democratas-raciais e anti-cotitas, fiéis da

conexão kameliana e magnoliana9 e dos autores da revista Veja e da mídia perversa

- já convém para corroborar que há determinada coisa censurável com essa

empreitada.

Qualquer pessoa com determinada ciência mais penetrada do assunto,

compreende que juntar pessoas negras, macacos e bananas, tem por cerne

robustecer uma das colunas do racismo, nunca o condenar. Nenhuma das pessoas

brancas que surgem com bananas se assentando como antirracistas pela hastag

#somostodosmacacos, e nenhum racista abandonará a insulto tradicional e tão

somente sobreposto a pessoas negras por causa disso, as pessoas negras também

precisam estar atentas a esses tipos de benevolência e não deixar-se levar nessas

ondas de escrever nas redes sociais seu apoio à campanha sem se dar conta das

implicações. (http://amazonida.orgfree.com/movimentoafro/ metaracismo.htm).

9 Referência a blogueiros representantes da “mídia má”.

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89

3 CURRÍCULO PEDAGÓGICO: COMPONDO UM CONJUNTO ESPECULATIVO

Os métodos educacionais estão profundamente conexos aos assuntos

sociais, os quais se avultam. Como parte da realidade social mais extensa, o

exercício pedagógico dirige-se, edifica-se e contrapõe a desígnios e finalidades de

todo momento e conjunturas sociais. Conforme Freire (2010, p. 98), “como

experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no

mundo”. Assim, a atuação pedagógica se materializa por sua liberdade. O fato

educacional da prática pedagógica se averigua como “ação planejada e

intencionalmente realizada por seus sujeitos” (Silvério, 2003, p. 34).

No evento escolar, ela é intercedida pelo currículo escolar, o qual se abrange

de contorno largo, como afiança Simielli (2015, p. 74): a “materialização de um

projeto que traça um tipo de educação e uma concepção de sujeito, que ganha

significado e traça identidades através dos processos de ensino e de

aprendizagem”. Entretanto, para Gonçalves (2017, p. 315), “ao ser incorporada pela

escola, uma ação por mais ingênua e despretensiosa que possa parecer, tem força

pedagógica”. Analisemos, também, que no domínio da escolarização os métodos de

ensino e aprendizagem não se dão exclusivamente em sala de aula, todavia, em

todos os ambientes escolares, permeando a convivência posta entre todos os

indivíduos que desenvolvem a identidade escolar.

Silvério (2003, p. 91) observa que a tratamento do currículo como estágio

educativo centraliza sua veemência nas “práticas administrativas e pedagógicas que

ocorrem no âmbito escolar e não escolar, além daquelas oriundas da relação

professor-discente”. Nesta concepção, adverte-nos o episódio de que, ao

estabelecer alusão ao estilo educativo do estabelecimento escolar ou mesmo da

Educação, a menção aos atos elaborados pelos professores é quase continuamente

o alvo de consonância. Nas ocasiões vividas em ambiente escolar ou mesmo na

área dos estudos e das análises, a prática educacional surge continuamente conexa,

tão-somente, à área da didática. A escola e a Educação compõem o cerne da

didática (CORDEIRO, 2002), se a apreendermos como determina Libâneo (2007, p.

51), “a teoria da instrução e do ensino”, ainda é bastante periódico a apreensão

comprimida dessa seção de estudos da Pedagogia as metodologias e

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90

procedimentos de instrução e aos problemas da profissão de professor. Nesta

afinidade do vínculo entre didática e exercício pedagógico, tem-se o jeito de existir

também uma redução do entrosamento de prática pedagógica escolar.

Mesmo que ponderemos sobre a importância do desempenho dos

professores como intermediários dos métodos de escolarização, conceder apenas a

estes tamanha responsabilidade nesses procedimentos é eximir os demais

indivíduos - gestores, alunos, família e outros colaboradores do estabelecimento de

ensino- de seus encargos na vinculação dialógica que se faz imperativa a quaisquer

estágios educacionais, analisando o ponto de vista freireano de Educação.

Conforme Libâneo (2007), nas derradeiras décadas os estudiosos da

Educação empregaram a sentença “prática professor” como expressão de sentido

aproximado de “prática pedagógica”. Todavia, conforme este autor, ainda que a

prática pedagógica autentique a dinâmica da atividade dos professores, este estágio

está centrado no cerne de procedimentos intricados para os quais convergem várias

modificáveis e diferentes execuções que aquiescem à formação professor. Isto é,

para Gebran (2015) a prática professor é exclusivamente uma das extensões da

prática pedagógica ligadas com a prática gestora, a prática discente e a prática

epistemológica, o que se concebe impróprio diminuir a prática pedagógica à prática

professor.

A tônica sobre a África na instrução de História estabeleceu-se imperativa nos

currículos das escolas por meio da promulgação da Lei 10.639/03, a qual foi

decorrência da batalha do Movimento Negro no decurso de anos a fio. De acordo

com a história, a coletividade negra ininterruptamente permaneceu na periferia da

sociedade brasileira, e mesmo posteriormente à libertação não auferiu base

compulsória para que fosse compreendida no movimento da cidadania. Esta

coletividade segregada e abandonada era descendida de africanos que, apesar de

terem seus corpos e almas violados e arrebatados de sua terra natal, na ocasião da

escravização, carregaram consigo biografias e costumes que forneceram

abundantemente para o desenvolvimento de nosso país.

Nas lides do Movimento Negro no princípio do século XX a Educação tomava

espaço de proeminência nas exigências e, apesar de arquitetando acepções

díspares, era cenário de uma tática apropriada a harmonizar ensejos análogos entre

pessoas negras e brancas na coletividade. Essa batalha não se assinalou no

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91

decorrer aquela ocasião, desdobrando-se para as décadas vindouras, suscitando

melhorias e aquisições, como, por exemplo, na década de 1980, quando vários

estudos acerca do tema África na Educação brasileira, os quais ocasionaram

esclarecimentos para o insucesso educativo do povo negro, averiguando o desajuste

do currículo escolar ofertado, no qual era predominante circunscrito pelo

eurocentrismo, como destaca Costa (2012).

Essa reprodução dos moldes da vida europeia também é visualizada no panorama das ideias, a partir, principalmente, das doutrinas raciais que se inseriram e foram “acolhidas” pela elite pensante nacional, orientando as produções científicas da época, o que permitiu aos denominados “homens de ciência” envolverem-se por este ideário, em virtude deste os aproximar do sentimento de progresso inspirado no mundo europeu. (COSTA, 2012, p. 37).

No que concerne os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - da

Educação de História; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN; a

Lei 10.639/03 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino da Educação

Étnico-Racial e Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, da mesma

forma realizar-se-á uma análise dos materiais didáticos empregados nos primeiros

anos do Ensino Fundamental em uma escola municipal na cidade de João Pessoa,

capital da Paraíba, no maior bairro da cidade, cujo último senso do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - a população do bairro de Mangabeira

foi de 78.988 mil habitantes com o intuito de averiguar como está sendo concebida a

instrução acerca do mencionado tema no currículo escolar.

3.1 Leis e Diretrizes Educacionais

Em nosso país, está iniciando um período histórico, em que as exigências

relativas ao tema da pessoa negra e seu artifício de segregação na sociedade

brasileira, passam a ser cogitados até mesmo pelo Estado em atos no Sistema

Educativo.

O Ministério da Educação, comprometido com a pauta de políticas afirmativas do governo federal, vem ao longo do tempo instituindo um conjunto de medidas e ações com o objetivo de corrigir injustiças,

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92

eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro. (HADDAD, 2005, p. 5).

Nota-se que no decorrer da história, o Brasil constituiu um padrão de

desenvolvimento segregacionista, evitando que milhões de pessoas negras

apresentassem acesso ao ambiente escolar ou nele continuassem. (HADDAD,

2005). Conforme Ribeiro (2005), o que se procura descrever com essa segregação

aberta e tão perceptível aos nossos olhos, é que o nosso país, desde os momentos

de colônia, passando pela ocasião de Império e atualmente República, apresentou,

de acordo com a história, no âmbito judiciário, uma atitude permissiva perante a

discriminação e do racismo que alcança a população negra brasileira atualmente.

Por esses procedimentos de mudanças do Brasil, diversos decretos foram

evidenciados, e para Ribeiro (Ibidem) convieram para uma procura em apreender,

avaliar e demarcar as disparidades na Educação entre pessoas brancas e negras,

verificando que existe sim, o imperativo de políticas especiais que retrocedam o

mapa atualizado, como no documento que segue.

[...] Decreto nº 1.331, de 17 de Fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não fossem admitidos escravos, e a previsão de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de professores. (RIBEIRO, 2005, p.7).

De acordo com a história, identificamos táticas que impossibilitaram a

escolarização das pessoas negras em nosso país, hoje em dia, o Estado se

respalda em leis que auxiliam nesta inclusão. Nesse conjunto de desigualdade, é

sancionada pelo governo federal em março de 2003, a lei nº 10.639/03, que modifica

a Lei de Diretrizes e Bases - LDB e coloca as Diretrizes Curriculares para

implementação da mesma. De tal modo, para Ribeiro (2005), o racismo, a

segregação e a disparidade no tratamento das pessoas negras começam a ganhar

os bancos escolares e ainda os livros, com desígnio de desconstruir a ideia errônea

que se tem da pessoa negra.

A lei nº 10.639/03 estabelece a obrigatoriedade do ensino da História da

África e dos africanos no currículo escolar de Ensino Fundamental e médio. Ribeiro

(Ribeiro, 2005) diz que essa disposição desempenha de acordo com a história o

apoio das pessoas negras na edificação e desenvolvimento da coletividade

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93

brasileira, o que lhe dá um valor diferente do que possui nos dias de hoje. Mesmo

com a promulgação desta lei, indicando a direção aonde precisaria marchar para o

arrefecimento da ausência de notícia, como também, a segregação da pessoa negra

na coletividade, foi elaborada em 21 de março de 2003, a Secretária Especial de

Políticas e Promoção da Igualdade Racial - Seppir 10, que conforme (Ribeiro, 2005),

estabeleceu a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. De acordo com

Ribeiro (2005), de tal modo, reconduz-se o tema racial no panorama nacional,

advertindo a acuidade de serem abraçadas políticas públicas assertivas de modo

popular, descentralizada e oblíqua. Tendencionando como fundamental desígnio

proporcionar mudanças otimistas na vida real da população negra e andar em

direção a uma coletividade verdadeiramente popular, reta e isonômica. Querendo

retroceder as cruéis sequelas de séculos de racismo e segregação.

Estes aparelhos judiciais, como também, exigências e alvitres do Movimento

Negro no decorrer do século XX, consoante o Conselho Nacional de Educação -

CNE assinalam para a precisão de direções que guiem a concepção de planos

compelidos na valoração da história e cultura das pessoas negras e, do mesmo

modo, enredados com o ensino de relações étnico-raciais assertivas, e que tais

substâncias carecem de dirigir políticas e ações assertivas. Para o Conselho

Nacional de Educação (2004):

O que se deve salientar é que tais políticas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias a sua realidade e seu passado. Manifestando com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. Que tais políticas têm como meta o direito dos negros, assim como de todos os cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimento. (BRASIL, DCN, 2004, p.10).

10

Entre as políticas pela igualdade racial de maior destaque sob a existência da Seppir, destacam-se a inclusão da obrigatoriedade da temática afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, o Plano de Enfrentamento à Violência contra a Juventude Negra, o Programa Brasil Quilombola (PBQ) e o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir). http://www.generonumero.media/futuro-da-secretaria-nacional-de-politicas-de-promocao-da-igualdade-racial-preocupa-movimento-negro/

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94

Refletindo na habilitação de especialistas para que cada vez mais se tornem

competentes para verdadeiramente apresentarem atuações pedagógicas coesas

com o acordo de remição da parcialidade do sujeito, o Conselho Nacional de

Educação assinala:

Segundo o CNE (2005), teremos profissionais com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, europeus, asiáticos e povos indígenas. Essas condições materiais das escolas e de formação dos professores se tornam indispensáveis para que haja uma educação de qualidade, para todos, assim como o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos descendentes africanos. (BRASIL, DCN, 2004, p.13).

O essencial aparelho para isso é a condução de diretrizes para prática de

ações assertivas no campo da Gestão Pública Federal. Assim, conforme Ribeiro

(2005) é forçoso procurar conjunturas com estados, municípios, Organizações não

Governamentais - ONGS e setor privado. Ainda de acordo com a autora, adverte-se

que a Seppir na execução de sua incumbência, tem parceria com o Ministério da

Educação - MEC por meio das suas secretarias e órgãos que estão insuflados da

mesma meta, isto é, edificar as categorias autênticas para as modificações

imperiosas do sistema de Educação. (Ribeiro, 2005).

Portanto, essa cooperação vira componente de um grande estímulo, para que

decididamente a batalha contra o racismo e a favor da promoção da igualdade de

oportunidades entre os diferentes conjuntos raciais que compreende o Brasil, seja

capaz de se concretizar. A alteração de compreensão da pessoa negra na

coletividade brasileira é uma consequência processual de diversos elementos, quais

sejam: sujeitos, entidades, meios de comunicação social, para que se possa

verdadeiramente opor as alocuções e referir-se com paridade o não igual. Preservar

a identidade por meio de atos educacionais guiados: uma atividade em campos

característicos do conhecimento.

[...] o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, evitando-se distorções, envolverá articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiência, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias realidades do povo negro. É um meio

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privilegiado para a educação das relações étnico-raciais e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura afro-brasileiras, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias e asiáticas. Ainda assim, ações educativas de combate ao racismo e as discriminações, passam também por alguns pontos e princípios, que serve de conexão para objetivos e estratégias traçadas para melhor compreensão e inserção do negro em nossa sociedade de forma igualitária. (BRASIL, DCN, 2004, p. 20).

Ribeiro (Ibidem) lembra determinados tópicos para a preparação de novas

ferramentas para a sala de aula sob o prisma do assunto abordado:

1. O atrelamento dos desígnios, táticas de ensino e trabalhos com o

conhecimento de vida dos alunos e professores, aquilatando aprendizagens ligadas

a seus vínculos com pessoas negras, brancas, mestiças, etc., bem como, entre

negros, indígenas e brancos na coletividade;

2. Enaltecimento da palavra falada, dos gestos e da arte, como a dança,

marcas da cultura da raiz da África, ladeada pela escrita e leitura;

3. A cautela para que se ofereça uma acepção realística à participação dos

dessemelhantes conjuntos sociais, étnico-raciais na constituição do Brasil, às

ligações e alianças raciais e,

4. A atuação de todos em movimentos negros, como também, da comunidade

em que se introduz na escola, com a organização dos professores na preparação de

formação da ideia que apreciem a disparidade racial.

Esses planos podem e precisam se desdobrar fora dos portões da escola, até

adjacências, localidades, municípios, regiões - agregações por pessoas negras

lúdica, culturais, educacionais, artísticas, de assistência, científica, centros de

candomblé. De tal modo, constituirá a mais perfeita evidência aos eventos e

efetivações próprias de cada região e paragem. (CNE, 2004, p. 21). Ainda conforme

o Conselho Nacional de Educação (CNE, 2004), épocas expressivas para cada

região e localidade equivalerão a exatamente ao combate ao racismo. No dia treze

de maio, dia nacional de denúncia contra o racismo, será também para conjeturar

acerca da história da pessoa negra e os períodos de batalhas.

Compor num aspecto de recolocação da pessoa negra na cultura do Brasil

sugere o fortalecimento de combates particulares dos movimentos que levantam

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96

essas ideias, o dia vinte de novembro, conforme o CNE (2004) será notabilizado o

Dia Nacional da Consciência Negra e ainda, a admissão dos vinte e um de março,

Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação. Para as datas

expressivas, ainda vale lembrar, dentre diferentes períodos de significação histórica

e político, ainda neste campo de instrução da cultura negra, harmonizando os

tempos que foram os que aqui estão e aqueles que virão.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana estão unidas

com a Seppir, que faz parte do Ministério da Educação e tem como cátedra agenciar

a mudança afirmativa no fato vivenciado pelas pessoas negras. Os órgãos

normativos como a Seppir, CNE e a Lei de Diretrizes Curriculares têm o trabalho de

ajustar o indicado nos pareceres à realidade dos sistemas de ensino e, a partir das

aptidões dos órgãos executores, gestores de cada ensino das escolas, deliberarem

táticas que, quando colocadas em ato, darão visibilidade à deliberação concreta da

Lei de Diretrizes e Bases que põe a formação básica comum.

O respeito aos valores culturais, como princípios constitucionais da educação tanto quanto da dignidade da pessoa humana (inciso III do art.1º), garantindo-se a promoção do bem de todos, sem preconceitos (inciso IV do art.3º), a prevalência dos direitos humanos (inciso II do art.4º) e repúdio ao racismo (inciso VIII do art.4º). Cumprir a lei é, pois responsabilidade de todos e não apenas do professor em sala de aula ou de parte da sociedade. Exige-se, assim, um comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro, tendo-se como ponto de partida o presente parecer, que junto com outras diretrizes e pareceres e resoluções, possuem o papel articulador e coordenador da organização da educação nacional. (BRASIL, DCN, 2004, p. 26).

Implica-se dizer que as medidas e políticas afirmativas quando arquitetadas e

acentuadas como lei, têm uma abonação ainda que pequena de aplicabilidade no

ambiente escolar. Estes competentes legais surgem com certa melhoria no sistema

educativo, em refletir e agir na temática da pessoa negra, como também, recomenda

uma nova afinidade com a coletividade da pessoa negra, por meio da ingerência do

estatal.

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97

3.2 A Efetivação da Lei nº 10.639/2003

O reconhecimento da História como matéria essencial no método de

desenvolvimento da identidade a partir dos anos de 1980 derivou no aumento de

vários estudos acerca da tônica da África na Educação brasileira. Conforme

Munanga (2005, p.144), a instrução acerca da História africana no Brasil, até meios

dos anos de 1990, deve ser constatado medíocre, uma vez que a África foi

continuamente pintada de modo inferior, ligada ao momento sofrimento dos séculos

XV e XVI, ao comércio de pessoas escravizadas. A partir de 1996 a instrução de

História passa por uma aberta mudança com a promulgação da nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Ldben, de 1996 - Lei nº 9394/96 - e pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, no campo da História, em 1998, que

recomendavam uma harmonização, mesmo que delicada, com os ensinos

relevantes à África.

No PCN de História (BRASIL, PCN, 1997, p.5), um dos desígnios genéricos

do Ensino Fundamental é que os alunos se apropriem do “conhecer e valorizar a

pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais

de outros povos e nações, posicionando- se contra qualquer discriminação baseada

em diferenças culturais (...)”. No artigo 26, § 4º, a Ldben, afirma que a instrução de

História do Brasil nos ambientes escolares poderia “levar em conta as contribuições

das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente

das matrizes indígena, africana e europeia". Em meio a esses propósitos

característicos desta matéria, um dos mais proeminentes é o que se pauta com a

compleição do conhecimento da própria identidade. De tal modo, é indispensável

que o ensino de História constitua analogias entre identidades particulares, sociais e

grupais e, consequentemente, pátrias. (BRASIL, LDBEN,1996, p.26).

Para reafirmar esse, em janeiro de 2003, o então presidente da República

Luiz Inácio Lula da Silva, ratificou a Lei nº 10.639, que volveu imperativa a

abrangência de instrução da História do continente africano e da Cultura afro-

brasileira nos currículos de instituições públicas e particulares da educação básica.

Esta lei aborda uma modificação da Lei 9.394/96, e necessita ser assimilada como

uma conquista das batalhas do Movimento Negro em favor da Educação (GOMES,

2008, p.67).

Page 101: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

98

Desta feita, desde 2003, a Ldben adveio a tonificar com a consequente

modificação.

Art. 26-A - Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. (BRASIL, LDBEN, 1996, p. 23).

E não foi apenas isso. Para que fique confirmado, pois faz parte da história,

sem autoria partidária, mas, sim, autoria humana, de sensibilidade, de quem sabe

proteger as minorias. O que essas pessoas fizeram tem que ficar registrado para

posteridade.

No Censo 2010 houve algo para admirar. Pela primeira na ocasião, cidadãos

e cidadãs que se autodeclararam pardos e pretos surgiram como maior parte:

50,7%. No censo anterior- de 2000-, a generalidade dos habitantes do Brasil (53,7%)

se assumia branca. Distante de um casual acréscimo do percentual de nascimento,

o esclarecimento para o fato está no aumento da autoestima dos indivíduos negros,

amparados pelas políticas assertivas principiadas no Governo Lula e expandidas por

Dilma. “Muitos que se autodeclaravam brancos agora se dizem pardos, e muitos que

se classificavam como pardos agora se dizem pretos. Isso se deve a um processo

de valorização da raça negra e ao aumento da autoestima dessa população”,

elucidou Jefferson Mariano, analista econômico do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística.

Entre os anos de 2003 e 2013, com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma

Rousseff, a renda da população negra e parda aumentou 51,4%, ao passo que da

população branca elevou 27,8%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE. Não obstante, a renda das pessoas negras, do crescimento,

condiz a apenas 57,4% da dos brancos, indicação de que necessitamos das

políticas assertivas cada vez mais.

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“O Brasil exige e necessita de políticas afirmativas para superar de vez o

preconceito e a discriminação racial, e as desigualdades sociais que ainda marcam

nossa sociedade”, fortaleceu a presidenta Dilma Rousseff, no cerimonial de entrega

da 19ª Edição do Prêmio Direitos Humanos, em dezembro de 2013.

As políticas assertivas surgiram no decorrer do Governo Lula, com a sanção

da Lei nº 10.639, que tornou fundamental a instrução de história e cultura afro-

brasileiras nas unidades educacionais de todo o Brasil. Sem demora, veio a Lei nº

12.519, aprovada pela câmara de deputados e senadores e sancionada por Dilma

em 2011, estabelecendo o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência

Negra. A data homenageia o grande homem negro Zumbi, chefe do Quilombo dos

Palmares, morto pelas tropas portuguesas em 20 de novembro de 1695.

Caberia a Dilma Rousseff a aprovação de duas leis ainda mais arrojadas,

colocando cotas para pessoas negras nos concursos públicos federais e no ensino

superior, cujas leis respectivamente descrevem:

Lei n° 12.990/2014: reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.11 A Lei nº 12.711/2012: sancionada em agosto deste ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. 12

Os ex-presidentes Lula e Dilma triplicaram as cifras de alunos negros no

ensino superior. No ano de 2001, tão-somente 10,2% deles encontravam-se na

universidade. Em 2012, a percentagem chegou a 37,4%, por causa das ações como

o ProUni, que dá bolsas de estudo em faculdades e universidade privadas, à

11

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm Acesso em 27 de Julho de 2019 12

http://portal.mec.gov.br Acesso em 27 de Julho de 2019

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dilatação da rede federal de ensino superior, e a acréscimo do número de vagas nas

universidades já presentes- Reuni.

As pessoas negras ainda são minoria no ensino superior, todavia a disposição

é de retorno deste panorama, especialmente pela Lei 12.711. Aprovada pela

presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2012. A lei estabelece que as

universidades federais dediquem 50% de suas vagas para alunos autodeclarados

negros, pardos, indígenas - conforme definições usadas pelo IBGE-, com renda

familiar igual ou inferior a um e meio salário mínimo por pessoa, e que tenham

cursado totalmente o ensino médio em escolas públicas.

A cifra de cotas para pessoas negras, pardas e indígenas é estabelecida de

acordo coma dimensão dessas populações em cada Estado, segundo o Censo 2010

do IBGE. Anteriormente de a lei ser sancionada, dezoito das cinquenta e oito

universidades federais do Brasil ainda lutavam em aplicar determinada política de

cotas. Desde o vestibular de 2013, por força da lei, todas as universidades aderiram

às cotas, expandindo o número acessível de matrículas cotistas de 140 mil para 188

mil em todo país.

A partir de muitas lutas organizadas dos movimentos negros, em junho de

2014, Dilma Rousseff aprovou uma das mais importantes ações assertivas que foi a

lei que reserva às pessoas negras 20% das vagas ofertadas nos concursos públicos

federais. A aprovação do plano, ação assertiva estratégica para apressar a

locomobilidade da população negra nos próximos dez anos, foi uma conquista na

batalha pela uniformidade étnico-racial em nosso país que não pode ser deixado de

certificar os movimentos negros em conquistas importantes para as pessoas negras.

Quatro estados já fazem uso de cotas raciais em concursos públicos: Mato Grosso,

Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Outras quarenta e quatro cidades já

têm aprovadas leis correspondentes.

A lei nº 10.639/03 compreendeu, além disso, na Ldben o artigo 79-b, no qual

designa que "o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia Nacional

da Consciência Negra‟ (BRASIL, LDBEN, 1996, p. 45,), a data foi escolhida para

homenagear Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes negros do Brasil, que

lutou contra a sociedade escravista e pela liberdade de seu povo. De acordo com

Oliva (2009, p. 154), os teores acompanhados aos estudos da África advindos

previamente até a data da promulgação da Lei 10.639/03, padeceram de aberto

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enfrentamento com a promulgação da Lei Federal que modificou a Lei 9394/1996 e,

mormente, com o parecer do Conselho Nacional de Educação CNE- (CNE/CP 03,

2004, de 10. 03. 2004), decomposto na resolução 1, de 17 de junho de 2004.

Em 2004, existiu a caracterização das Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana - DCN -, quando o Conselho Nacional de Educação abonou o

parecer formulado pela conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves Silva, demudado

em Resolução no período do Parecer mencionado anteriormente.

Os autores desta DCN aconselham que a compulsoriedade da introdução da

História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos escolares da Educação

Básica é de resolução política e com intensas consequências educacionais. Para a

execução da Lei 10.639/03 no exercício pedagógico é imprescindível ter nitidez que

o Art. 26-a acrescentado à Lei 9.394/1996, vai além da incorporação de novas

matérias, estabelece que se reorganizem os vínculos raciais, sociais e pedagógicos,

nas metodologias da didática e na qualidade ofertada para a aprendizagem. Com

essas atuações, perfilha-se que, além de afiançar vagas nas instituições de ensino

para a população de origem afro, é imperioso estimar da devida forma a História e a

Cultura Afro-brasileira e africana, aperfeiçoando agravos por motivados a direitos e

identidade dessa coletividade por meio milênio. (BRASIL, DCN, 2004, p.17).

Assim, a Diretriz Curricular Nacional - DCN para a educação em História e

Cultura afro-brasileira e da África apresenta certas direções acerca do que as

instituições de ensino de todas as parcelas, até mesmo do Ensino Fundamental,

necessitam aprovisionar o que compreende a utilização de instrumentos didáticos

em que estejam adequados o "registro da História não contada dos negros

brasileiros, tais como em remanescentes de quilombos, comunidades e territórios

negros urbanos e rurais" (BRASIL, DCN, 2004, p.23).

Nesse ínterim, para poder fortalecer a sugestão de instrução antevista na Lei

10.639/03 é imperativo equipar.

Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer, em cumprimento ao disposto no Art. 26 A da LDB, e, para tanto, abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico- racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afrodescendentes, sob o

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incentivo e supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do MEC - Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE). (BRASIL, DCN, 2004, p. 25).

Nas palavras de Gebran; Luvizitto; Ponciano. (2015), o Ministério da

Educação e Cultura - MEC -, os professores e gestores das escolas públicas

precisam estar prevenidos a determinadas exposições e ponderações acerca da

relevância de um olhar criterioso e mais zeloso em associação às matérias, ligados a

grupos historicamente segregacionados, especialmente, a coletividade negra,

contida em vários materiais didáticos. E não é só isso. Conforme nos apresenta

Aragão (2013a).

A introdução de novas tecnologias e equipamentos na estrutura da sociedade, desenvolvidos pela ciência e a técnica, destacada pelo autor, ao abordar a realidade europeia (sic) do início da década de 90, também se deu na sociedade brasileira no fim do milênio, porém de forma desigual, de acordo com o desenvolvimento socioeconômico e cultural de cada região geográfica, e, como evidenciou Schaff, provocou mudanças concretas nas práticas sociais. Lamentavelmente, a escola, em sua grande maioria, não tem condições materiais e humanas de acompanhar esse processo, deixando de cumprir o seu papel, que é de transmitir, de maneira lógica, os conhecimentos científicos, tecnológicos, filosóficos e culturais acumulados historicamente pelo ser humano. (ARAGÃO, 2013a, p. 26).

Indo na contramão das conquistas dos movimentos negros junto aos ex-

presidentes Lula e Dilma, houve uma crítica pesada dos movimentos ao que

nomearam de morte “branca” da Seppir, quando Dilma rebaixou o seu status de

ministério e a incorpora o Ministério de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos

Humanos, e, no governo Michel Temer, passou a ser vinculada à pasta dos Direitos

Humanos, já no governo do atual presidente Jair Bolsonaro, cogitou-se a

possibilidade de extinguir a Seppir, recuando, e, soltando nota à imprensa através

da Ministra Damares Alves:

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do Governo de transição informa que a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Seppir – será mantida e permanecerá com a mesma nomenclatura, com foco na dignidade da pessoa humana. Informamos ainda que o objetivo da Secretaria será

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o de ampliar as ações de acesso às políticas públicas, para a população negra, indígena, quilombola, cigana, moradores do semiárido, comunidades ribeirinhas e comunidades tradicionais. (Ministra Damares Alves) 13

Na nota ela informa que pretendem "ampliar as ações de acesso às políticas

públicas" para as seguintes populações: negros, indígenas, quilombolas, ciganos,

moradores do semiárido, comunidades ribeirinhas e comunidades tradicionais.

Então percebe-se o quanto é árdua e corriqueira a luta dos movimentos negros,

estes precisam estar em constante alerta e organização em defesa de seus direitos

que já não são respeitados e as conquistas que adquirem são continuamente alvo

de retiradas e cortes pelos governos.

3.2.1 A Lei Municipal nº 5.227/2004

Nosso país tem um legado de fazer as leis e não pô-las em prática, para isso

o município de João Pessoa, para corroborar com a lei federal nº 10.638/03, apenas

um ano após sua promulgação, estabelece a lei 5.227/2004 para ratificar tal lei.

Com o propósito de determinar a todos os estabelecimentos de ensino do aparelho

municipal de educação de João Pessoa a compulsoriedade do aumento da carga

horária da disciplina de história para quatro horas semanais, com o intuito de

atender a lei nº 10.639/03.

Contudo, parece, ainda, que não foi suficiente, uma vez que o Conselho

Municipal de Educação - CME - lança duas Resoluções que acompanharemos ipsis

litteris.

RESOLUÇÃO: Nº 002/2007 IMPLEMENTA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICOS-RACIAIS E O ENSINO DA TEMÁTICA DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO. O Conselho Municipal de Educação do Município de João Pessoa, no uso de suas atribuições, fundamentado no atrigo 210 da Constituição Federal de 1988 e considerando a alteração da Lei 9394/96, com acréscimo dos artigos 26-A, 79-A, 79-B. a fim de contemplar a lei 10.639 de janeiro de 2003, regulamentada pelo Parecer CNE/CP nº de marco de 2004 e Resolução do CNE/CP nº 1

13

Notícia publicada no site: https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/12/17/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-sera-mantida-informa-futura-ministra.ghtml

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de 17 de junho de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; bem como, baseados nos artigos 186, 188 e 194, incisos I e V, da Lei Orgânica do Município de João Pessoa; no artigo 4º da Lei 8.996/99 que cria o Sistema de Ensino Municipal e amparado em tratados internacionais de combate ao racismo em todas as suas formas. RESOLUÇÃO: Nº 003/2007 O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES, COMO ESTABELECE O ARTIGO 96 DA LEI 5.227/2004. RESOLVE: Art. 1º - Estabelece a todas as instituições de Ensino do Sistema Municipal de Educação de João Pessoa, a obrigatoriedade da Ampliação da carga horária de Português para seis horas e de História para quatro horas semanais. Parágrafo 1º - As instituições (sic) de Ensino integrante (sic) do Sistema Municipal de Ensino Selecionar os conteúdos conforme legislação. Parágrafo 2º - O processo de implantação do ensino da temática de

Ampliação da carga horária em cumprimento as (sic) Leis 10.639/99 e 9.394/96, caso haja descumprimento, distorção ou omissão destas diretrizes será punido conforme a lei. Art. 2º - Os órgãos do Sistema Municipal de Ensino devem promover

e orientar os professores da rede Municipal na seleção dos conteúdos. Art. 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

3.3 Empregos Pedagógico/Didático da Lei nº 10.639/2003

A Lei nº 10.639 (BRASIL, 2003) é um dispositivo legal que procura adequar

uma resposta, entre outras na esfera da Educação à demanda da população negra,

no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações e de

reconhecimento e importância de sua história, cultura e identidade. Com ela,

também se quer agregar o cultivo de conhecimentos, do incremento de atitudes,

atitudes e valores que desenvolvam cidadãos altivos de sua gênese étnico-racial.

Vimos de povos de africanos, indígenas, europeus e asiáticos para atuarem na

construção de uma nação imparcial em que todos, igualmente, tenham seus direitos

garantidos e sua identidade apreciada.

Por esta causa, esta lei não pode ser apenas um instrumento burocrático,

devendo desempenhar, institucionalmente, com desempenho de estruturadora

curricular. Imediatamente, aconselham-se determinados desafios a seu

estabelecimento: idealizações de atitudes, maneiras e valores que eduquem

cidadãos orgulhosos do sua raiz étnico-racial; diferenciar a diversidade não apenas

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no seu aspecto regional e local, igualmente, em sua exposição enquanto construção

histórica, cultural e social que marca o caminho da humanidade; romper com o mito

da democracia racial na sociedade do Brasil; e, o aspecto político, pormenorizar

novos exercícios pedagógicos e curriculares. Assim, alterações de exemplos

culturais e educativos, avaliando que o reconhecimento à diversidade se torna a

fundamental adversidade no ambiente da escola. A dinâmica também presente no

conhecimento acondicionada em uma só cultura - eurocêntrica - necessita oferecer

espaço à inclusão de novas percepções, colocando a diversidade como uma das

principais metodologias pedagógica, nos currículos e na relação com professores,

familiares e demais profissionais do estabelecimento escolar.

A diversidade é um componente do desenvolvimento biológico e cultural da humanidade. Ela se faz presente na produção de práticas, saberes, valores, linguagens, técnicas artísticas, científicas, representações do mundo, experiências de sociabilidade e de aprendizagem (GOMES, 2007, p. 20).

Portanto, para mais perfeito entendimento da definição do currículo e como

ele pode contribuir no significado da diversidade, trataremos a pesquisa em Candau

e Moreira (2007). Para a pesquisa é oportuno distinguir vários entendimentos de

currículo, incorporados com maior ou menor ênfase aos debates sobre os dados

escolares, aos procedimentos pedagógicos, às relações em sociedade, aos valores

e às identidades dos nossos alunos. Em suma, os temas curriculares são marcados

pelas discussões sobre o conhecimento, verdade, poder e identidade. O currículo

não está emaranhado em um simples método de transferência de conhecimentos e

conteúdos, todavia existe uma postura política e histórica e também constitui uma

relação social, no sentido da produção de conhecimento nele compreendida, o qual

se materializa por meio de uma relação entre os indivíduos. Silva (1995, p. 195),

indica.

As narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualquer representação. Elas, além disso, representam os diferentes grupos sociais de forma diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns grupos são valorizadas e instituídas como cânon, as de outros são desvalorizadas e proscritas. Assim as narrativas do currículo contam histórias que fixam noções particulares de gênero, raça e classe –

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noções que acabam também nos fixando em posições muito particulares ao longo desses eixos. (SILVA, 1995, p. 195).

Legitimando as palavras de Silva (1995, p. 198), entende-se que, para

transformar a prática educacional, é forçoso um desempenho eficaz dos professores

e de toda a comunidade escolar, que necessitam estar envolvidos na inserção da

temática nas recomendações pedagógicas da no ambiente escolar, portanto, como

nos planos de ensino de professores e na avaliação e na supervisão periódica do

desenvolvimento do trabalho acerca do assunto em sala de aula. A legislação

incorpora o papel de aconselhar maneiras de estímulo à pluralidade étnico-cultural,

imperativa ao processo de desenvolvimento inicial e continuado de professores,

afinadas com as políticas públicas referentes ao campo de conhecimento.

De tal modo, o acompanhamento e o incremento da efetividade pedagógica

na escola unida aos professores são basilares para que se compreenda se esse

trabalho é concretizado na prática. É apropriado acentuar que qualificar de maneira

abrangente os professores de Ensino Fundamental e Médio para ministrarem

disciplinas de história e cultura afro-brasileira e africana, por si só, não chega. Tem

de se compor professores habilitados para uma educação antirracista e não

eurocêntrica, função que compete às universidades. Para isso, deve existir uma

modificação intensa nos planejamentos ou currículos das licenciaturas, uma vez

que, ultimamente, eles não são adequados de exercer as finalidades da Lei nº

10.639/03 (SILVA, 1995, p. 201).

Da mesma forma, Oliveira (2003) corrobora que foi instituído, em 1995, na

Universidade Federal Fluminense (UFF), antes mesmo da publicação da lei, o

Programa de Educação acerca do Negro na Sociedade Brasileira (NEABS), em sua

pluralidade criada por determinação de professores, discentes e ativistas do

movimento negro. Ele serve ao desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa

e extensão que possam auxiliar a caracterização e a implementação de políticas

públicas de ascensão da igualdade racial, ao estudo e à exposição da realidade dos

negros na sociedade brasileira, com motivos a criar estruturas de combate ao

racismo e às discriminações, ao assentamento da memória social afro-brasileira e à

habilitação de educadores em geral para que estes proporcionem maneiras de

respeito às culturas dos grupos étnico-raciais e sociais no ambiente escolar,

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107

estabelecendo planejamentos e materiais de educação que apontem o diálogo entre

tais culturas.

Há conhecimento, ainda, da inclusão nos currículos dos cursos de licenciatura

em universidades públicas, do estudo da cultura e história africana e afro-brasileira

nos projetos político-pedagógicos organizacionais e, por expansão, nos projetos

pedagógicos dos cursos e nos planos de ensino de cursos de licenciaturas. De outra

forma, é essencial aos professores em atuação o conhecimento das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

As diretrizes curriculares (BRASIL, 2004) estão moderadas em sete

perspectivas: a) políticas de desagravos, de reconhecimento e valorização de atos

afirmativos; b) educação das relações étnico-raciais; C) história e cultura afro-

brasileira da África; d) consciência política e histórica da diversidade; e)

engajamento de identidades e de direitos; f) obras educacionais de rejeição ao

racismo e às discriminações, e; g) compulsoriedade do ensino de história e cultura

afro-brasileiras da educação das relações étnico-raciais e dos conselhos de

educação. A Lei nº 10.639/03 é produto do combate antirracista do Movimento

Negro em estimar a escola e a aprendizagem escolar como um benefício soberano

da sociedade contemporânea.

O ambiente escolar vem a ser socialmente determinada por esse grupo como

probabilidade de promoção social, de acordo com estudo efetivado por Florestan

Fernandes em 1951 (SANTOS, 2005, p. 21-37). Desta feita, a cogitação alusiva à

obtenção dos desígnios da Educação para as relações étnico-raciais se apoiando na

lei na Lei nº 11.645/2008, que transformam dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), cooperou ao atendimento às

Diretrizes Curriculares Nacionais à Educação das Relações Étnico-Raciais (Parecer

nº 003/2004), com evidência ao ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e

indígena no currículo. Salienta-se que a legislação recomenda serem os conteúdos

indicativos à história e à cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros

ministrados no domínio de todo o currículo escolar, em particular nas áreas de

educação artística, literatura e história brasileira.

A Lei nº 10.639 (BRASIL, 2003) adverte e estimula o respeito à pluralidade

étnico-cultural, imperiosa no processo de formação inicial e continuada de

Page 111: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

108

professores e coerentes às políticas públicas referentes ao campo de conhecimento

aqui exibidas. Tal lei se compõe em uma significativa ferramenta de valorização da

cultura africana, afro-brasileira e indígena no procedimento de escolarização dos

discentes dos ensinos fundamental e médio das escolas públicas e privadas,

trabalhando ainda como ferramenta de inserção que se implanta no cerne da escola

a partir de uma política de governo cujas implicações ainda não conseguimos

determinar.

A participação dos professores e alunos no processo de execução desse

aparelho e as implicações que aparecem a partir dele são assuntos que acarretam

curiosidade. Nós, os brasileiros, vivemos numa sociedade complexa, plural, distinta

e desigual. A diversidade brasileira e pluralidade, entretanto, não se expõem apenas

por meio das diversas culturas representadas na população. Assim, assimilar a

diversidade e respeitar as identidades na escola passa pelo entrosamento de que

ensinar e aprender vai mais a frente dos conteúdos, da avaliação e dos métodos

disciplinares. É necessário perceber que os professores são indivíduos culturais que

possuem uma identidade e valores próprios e que seu estilo de ver e de se

relacionar com a sociedade intervém no seu fazer pedagógico e no seu olhar com

relação ao outro. Tal discussão vem sendo congregada na esfera Educação, mais,

ultimamente, entretanto, ela se faz presente nas ponderações e nos movimentos

negros de muitos anos. Gomes (2000, p. 156) averigua em suas pesquisas.

Muito se discute que a formação dos/as professores/as é mais do que passagem por um Curso de magistério, pedagogia e licenciatura. Envolve diversas dimensões e campos da vida pessoal e profissional dos sujeitos: relações familiares, influência dos amigos, de antigos mestres, leituras, atividades em movimento sociais, políticos, religiosos, culturais entre outros. Dessas múltiplas relações e trajetória, pode resultar um/a profissional mais aberto/a ou mais fechado/a para lidar com a diversidade cultural. (GOMES, 2000, p. 156)

As ocorrências de discriminação e de racismo contra índios, negros e outros

indivíduos considerados diferentes na escola ainda são corriqueiros. Comumente, os

episódios são emudecidos, tratados com omissão pela maioria dos integrantes da

comunidade escolar. Observamos que a discriminação não se dá exclusivamente

pelo caráter hostil, porém ainda se apresenta pela falta de visibilidade pela

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109

estereotipização e até mesmo pelo silêncio com que são abordados os considerados

diferentes no espaço escolar.

Não está apreciado, não se ver admitido cultural e etnicamente controle na

edificação de identidade das crianças. Gomes (2007) destaca que o sentimento de

pertencimento e a escolha por um ou outro grupo social, cultural ou étnico incidem

por meio da sustentação, ou seja, de se apreender valorizado e conseguir

visibilidade no grupo. No caso dos afro-brasileiros, busca-se a conservação de uma

identidade étnica positiva, partindo das histórias de resistência do povo negro,

contrapostas à história oficial dos “vitoriosos”.

Nesta relação, são reafirmadas as contestações interiores do grupo e, com

elas, a exigência por direitos, de maneira a se edificar um indivíduo político. A

percepção da diferença é sentida pela criança mesmo antes de falar, entretanto, o

ambiente é que lhe proporcionará a formação como indivíduo que lhe auxiliará a

entender como ela é. O perceber-se é facilitado pela família, pelo grupo étnico, pelos

colegas, pelos professores e pelos demais complementares da escola, por isso, a

importância do papel do professor na relação com a diferença. Saber reconhecer o

outro e desguarnecer-se de preconceitos colabora para a ocupação de lecionar, na

medida em que difunde no desenvolvimento da identidade do discente.

Caso o professor não esteja acostumado a lidar com estas ocasiões que

abarcam o pertencimento e a exclusão, podem acontecer implicações na edificação

da autoestima do sujeito, seja ele negro ou de outro grupo étnico, diferente do grupo

eleito pela escola como o ideal, apropriado, admirável (GOMES, 2007). Dentro

dessa cultura de enaltecimento e de reconhecimento da diversidade, espera-se que

a escola coligue a história e a cultura do povo negro e indígena no seu currículo,

segundo decide a legislação, discutindo a questão racial de maneira interdisciplinar.

O trabalho pedagógico deve ir muito além da folclorização ou das datas

comemorativas, uma vez que sua finalidade maior mira a modificação de

mentalidades, beneficiando o respeito às diferenças. Dialogar com o dia a dia dos

discentes e com sua condição familiar, comunitária e sociopolítica deve ser, assim,

algo constante e sucessivo.

Dos educadores, aguarda-se que estes coliguem seu discurso pedagógico à

prática; pondo-se como aprendizes, refletindo acerca do tema, complementando sua

formação profissional e acadêmica, preparando-se ética e pedagogicamente,

Page 113: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

110

dominando os conteúdos indicados e as aptidões necessárias para tal, adaptando os

instrumentos didático-pedagógicos para uma interferência adequada e refletindo

acerca da conjuntura de marginalização dos afrodescendentes, porque se for

esperar pelos órgãos governamentais competentes que disponibilizem oportunidade

de formação adequada e realmente eficiente resultará em uma prática ineficiente

que não dará conta das demandas de diversidade encontradas dentro da escola.

Acredita-se que o professor consolide uma proposta de currículo não

eurocêntrico, entendendo que o saber escolar é fruto de uma multiplicidade de

determinações. Vivemos em uma nação com grande diversidade étnico-racial e

podemos analisar que há muitos espaços nos conteúdos escolares, assinalando

para a falta de referências históricas, culturais, geográficas, linguísticas e científicas

que deem fundamento e esclarecimentos a favor da edificação do conhecimento e

da elaboração de conceitos mais complexos e amplos, contribuindo para a formação

e para o fortalecimento da autoestima de nossos jovens e dos professores.

Pensar sobre a escola e sobre a diversidade cultural denota reconhecer as

diferenças, respeitá-las, aceitá-las e colocá-las na pauta das nossas reivindicações,

no centro do processo educativo. Esta consideração não é algo simples e lírico. Para

Ribeiro e Gonçalves, (2012, p. 6), “entender que existem culturas produzidas pelos

afro-brasileiros têm um sentido político. Elas são espaços de sociabilidade, o lugar

de compartilhamento de evidências, de construção de identidade e saberes, do

fortalecimento da autoestima de grupos desprestigiados socialmente”.

De acordo com essa expectativa, estamos perante de uma nova maneira do

sistema de ensino, que considera a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial

como temas transversais a se fazerem presentes no cotidiano escolar do ensino

básico; para tanto, nasceu um campo particular da educação, designado educação

das relações étnico-raciais, que conversa com as noções de raça, etnia, preconceito,

discriminação e racismo. Teóricas como Gomes (2007), Ribeiro e Gonçalves (2012)

asseguram que no Brasil em se discutindo sobre negros, a raça é vista pelo próprio

grupo e também pelos demais como um delimitador das fronteiras entre os afro-

brasileiros e os outros. As autoras aquiescem que, nesse caso, pensar a educação

das relações étnico-raciais não pode abstrair do entrosamento dos conceitos de

raça, gênero e etnicidade. Sobre esse assunto, Ribeiro e Gonçalves (2012, p. 15)

advertem.

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111

Raça difere de outras noções, como gênero, por exemplo. Raça não se refere a nenhuma característica física, inequívoca, enquanto gênero vincula-se à noção biológica de sexo. O termo racismo refere-se ao conjunto de crenças que classificam a humanidade em coletividades distintas, definidas em função de atributos naturais e/ou culturais. Esses atributos são organizados em uma hierarquia de superioridade e inferioridade, que pode ser descrita como racista. Etnia é o termo empregado, em geral, para designar um grupo social que se diferencia de outros grupos por sua especificidade cultural. E etnicidade é um neologismo que surgiu no âmbito dos estudos sobre relações interétinicas inseparáveis do conceito de grupo étnico, podendo significar a condição de permanecer a um grupo étnico, os grupos étnicos necessitam de etnicidade para estabelecer a distinção. (RIBEIRO E GONÇALVES, 2012, p. 15)

Para o entendimento desse parecer da função da administração escolar,

refletimos que ela é uma reforço importante, no que se refere à estruturação e à

institucionalização da temática, colocando-se como forçosa a regulamentação das

leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 no espaço escolar. Parece-nos essencial, ainda,

que o gestor deva adequar uma atmosfera escolar em que seja admitida a

manifestação da diversidade de maneira criativa e transformadora, excedendo-se

preconceitos e discriminações. Mais admirável ainda, em relação à função dos

gestores, é a estimativa e o acompanhamento desses procedimentos, apontando

para a edificação de indicadores que comportam o monitoramento da

implementação das referidas leis.

3.4 A Educação de História da África e Afro-brasileira nos Primeiros Anos do

Ensino Fundamental: uma breve análise

Nesta esfera de apreciação, buscou-se analisar como é concretizada a

interpelação dos assuntos pertinentes à instrução da História da África e afro-

brasileira nas ferramentas pedagógicas que são empregadas nos anos iniciais do

Ensino Fundamental nos estabelecimentos de educação pública do município de

João Pessoa, capital da Paraíba. No município, os livros são enviados pelo

Ministério da Educação à Secretaria Municipal de Educação a qual distribui para as

escolas.

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112

Os livros que serão avaliados são correlatos aos anos letivos de 2016, 2017 e

2018 - Programa Nacional do Livro Didático - PNLD -, remetemo-nos aos volumes

adequados ao 1º ano, das disciplinas: História, Geografia, Ciências; Matemática e,

Letramento e alfabetização. Por meio da apreciação do material do 1º ano no

primeiro livro - excetuando-se o livro de matemática - Descobrir o mundo - História,

Geografia, Ciências -, logo na capa, percebe-se que entre sete crianças, só há uma

negra, isso nos faz perceber o intuito forçoso de incluir um representante afro para

que não haja comentários racistas. Contudo, apenas, somente, uma criança negra

em meio a várias brancas, não deixa de ser um exílio cultural, uma vez que essa

criança não tem como fazer trocas culturais com seus pares. Em seu interior, o livro

já começa bem. Na página dez tem um poema sobre a diversidade humana “[...] um

de pele escura um, fala branda, o outro, dura olho redondo olho puxado [...] bem

diferente [...] todos são gente. (Belinky, 1999, p.10). Contudo, na página catorze, em

uma atividade sobre certidão de nascimento, aparecem duas mulheres negras

gêmeas muito bonitas sendo extremamente observadas por um homem, lembrando

o estereótipo da “mulata gostosa”. Lidar com isso no 1º ano do Ensino Fundamental

não é saudável para a construção da identidade de ninguém.

Novamente, o livro traz em sua página dezoito, outro poema “as diferenças

devem ser respeitadas”, o qual merece ser descrito em sua íntegra:

Lá na minha escola Ninguém é diferente Cada um tem seu jeito O que importa é ir para frente Tem criança gorda, magra, Alta, baixa, rica e pobre Mas todos são importantes Como prata, ouro e cobre. Tem nordestino, sulista, Carioca, mineiro, Amazonense, goiano, Tem paulista e estrangeiro Que bom se todo mundo Pudesse entender direito Que tudo fica mais fácil Sem o tal do preconceito [...] (RAMOS, 2008, p. 18).

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113

Já na página sessenta, há uma atividade de geografia sobre lateralidade, para

tanto é usado uma pintura antiga do Largo do Paço, no Rio de Janeiro e, em

destaque, um homem escravizado, logo são feitas as perguntas: quem está atrás do

homem? Quem está na frente do homem? Etc. E eu pergunto: Onde está a

interdisciplinaridade para questionar fatores sociais e culturais daquele homem e

começar um debate em sala de aula? Na página cento e nove, em uma atividade de

ciências sobre o desenvolvimento do ser humano, de bebê a idosa, são seis

imagens de mulheres demonstrando as fases da vida do ser humano, seis imagens

de mulheres negras. Parabéns a quem criou a atividade. Outro dado interessante no

livro é que podemos observar que dentre duzentas e oito páginas, apenas em vinte

e oito aparecem menções a pessoas negras e, mesmo sendo alunos do 1º ano,

como mencionado anteriormente nessa tese, a partir de 2003 a Lei nº 9394/96

passou a prevalecer acrescentada do artigo 79-b, que abarcou no calendário escolar

o dia 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra (BRASIL, LDBEN,

1996).

Essa questão é apresentada nas Diretrizes Curriculares na seguinte

orientação:

O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Será dado destaque a acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade. (BRASIL, DCN,

2004, p.21).

Neste sentido não houve a menor menção acerca do tema, e se as

professores forem depender apenas do material didático, nada se refere ao tema.

No livro Letramento e alfabetização há de início, o mesmo problema na capa

do anterior. Nas páginas trinta e quatro e trinta e cinco do livro tem uma figura

grande - de duas páginas - que diz “conheça uma sala de aula parecida com a sua”

Na figura há: sete loiros (as), quatro ruivos, doze de pele branca e cabelos escuros;

quatro negros e a professora é branca de olhos verdes. Por ser professora e saber

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114

que essa figura não chega nem perto da aparência das salas de aula que conheço,

e muito menos as salas pesquisadas, decidi mostrar a figura ao coordenador da

escola que é do Rio Grande do Sul-RS, onde a colonização alemã e italiana é muito

presente. Numa conversa informal, o mesmo disse que quando atuava no RS,

também sua sala de aula não parecia com aquela figura, conforme ele “aqui acolá

tinha um loirinho ou loirinha, 50% era de brancos de cabelos pretos e os outros 50%

de „escurinhos‟”, pois dão uma clareada na cor e os desenhos tem feições sempre

afiladas.

Assim, o material parece fugir da realidade e dessa forma fica bem

complicado firmar uma identidade racial entre as crianças baseada nos livros que

são utilizados por eles durante todo ano letivo. Na página sessenta e sete, chama

atenção de uma atividade de leitura da capa de um livro. É escolhido um

personagem para fazer parte dessa atividade no livro, neste caso é Ulisses, um

garoto negro com um binóculo nas mãos a capa de livro escolhida para ler é Dr.

Urubu de Ferreira Gullar (2005). No mínimo é dispensável esta capa para a

atividade, haja vista, os estigmas negativos que as pessoas sofrem em seu dia a dia,

inadequado para o ambiente escolar. Outra atividade, na página vinte e três

apresenta para conhecimento dos alunos placas com nomes de ruas para que eles

conheçam endereços, em umas dessas placas estava escrito Rua Nelson Mandela,

ou seja, ponto importante para atuar com a interdisciplinaridade e currículo oculto.

Em suma, por vezes os livros são antagônicos. Ao passo que estigmatizam a

figura da pessoa negra em assuntos importantes a serem abordados em sala de

aula. Contudo, pelo plano de curso das professoras não se sabia se esses exemplos

eram bem aproveitados, assim como ponto voltado para a temática só existia em

Novembro, os planos de curso geralmente são constituídos basicamente pelos

temas gerais das aulas que serão ministradas o ano inteiro, então são

consideravelmente resumidos em termos de nos dar subsídios para perceber a

temática nos conteúdos práticos que iriam ser ministrados durante o ano, então não

nos possibilitou a partir deste pensar as práticas voltadas para a temática do estudo

apenas pelo plano de curso, enfatizo, portanto, a necessidade e importância de um

acompanhamento assíduo das práticas pedagógicas das professoras de modo que

foi nessas observações e convívio mais aproximado que pude entender e analisar

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115

mais profundamente a completude ou não entre livros didáticos, plano de curso e

prática pedagógica.

Em relação ao Projeto Político Pedagógico- PPP, os objetivos gerais para o

Ensino Fundamental, que cabem a esta tese, enfatizo, em todo PPP.

•Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país; •Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; •Perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente [...] (PPP, escola foco de estudo).

Podemos perceber que em um PPP de 148 páginas, apenas três tópicos são

relevantes no que concernem as características socioculturais dos alunos e da

sociedade escolar. Obviamente não é o necessário para um tema tão abrangente e

importante. Sabe-se que o documento foi revisado e reformulado pelos

componentes da escola, em alguns encontros, dos quais, considero escassos

quando pensamos na magnitude, amplitude e relevância do PPP para uma escola,

ainda assim houve todo o empenho e esforço de inúmeros componentes da escola

para que o documento fosse revisitado, refeito e finalizado com êxito de modo que

houvesse participação mais ativamente possível de todos que compõem a escola,

bem como a comunidade escolar que foi informada e convidada para participar do

processo, ainda que não comparecesse. Visto que, em minha experiência

educacional sempre presenciei que a construção deste na grande maioria das vezes

torna-se um exercício de copiar e colar, sem discussões, sem debates, sem

inovações, sem vontades, então a escola tem neste aspecto um ponto positivo, pois

a equipe se mostra ativamente interessada e participativa em tudo que envolve a

escola, cada um dentro de suas condições.

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116

3.5 Identidade: breve compreensão e reflexão

Neste tópico aborda-se a construção da identidade à partir de diversos

autores, assim, o pensamento reflexivo que mais se alia ao que acredito é de que o

desenvolvimento da identidade da criança negra pode ser construído entre seus

pais, familiares, sociedade, e também está unida ao ambiente escolar e aos

profissionais que fazem parte da mesma. Estudiosos da psicologia social

apresentam assuntos característicos acerca da identidade perpetuada

espontaneamente ao conjunto social, entre eles Campos (2002), Silva (2005e),

Sawaia (2006), os quais exibem a metodologia de como saber lidar com as

diferentes emoções destas crianças e suas perspectivas, quanto ao preconceito e

racismo vivenciados por meio da discriminação e de seus rótulos sociais. Por meio

dessa ponderação, acreditamos colaborar com uma Educação não racista,

permeada pela psicologia social, uma vez que sem a colaboração dessa, não

podemos promover uma tese madura e segura acerca da identidade negra da

criança que respeite e contemple as demandas sociais, que se ajuste perante

condutas e caráteres de desqualificação do ser humano negro, e opere de maneira

crítica no contexto ao qual está inserida.

Para tanto, não é só necessário guiar o enfrentamento da discriminação tão-

somente no ambiente escolar, nem apenas promulgar leis e diretrizes para que uma

“minoria” seja acolhida pela remanescente sociedade, temos que nos fazer

compreender em meio à formação da identidade da criança negra, procurar a

relação dentro da sua totalidade na escola e de que maneira nessa formação de

constituição da identidade, a escola tem cooperado e compartilhado

verdadeiramente. De acordo com Munanga (2005), os negros e negras, ao longo da

história brasileira, têm sido ao lado dos índios e índias, os mais vitimizados. Na

escola esse tema deve ser acometido, compreendido, explicitamente, no currículo,

de tal feitio que o aluno possa conjeturar os acontecimentos e condenar o racismo,

fazendo com que juntos sejam e se sintam cidadãos em semelhança de condições.

Nestes interesses entre a criança negra e em sua atmosfera escolar aparece, então,

a pessoa do psicólogo escolar, que por meio de suas pesquisas adapta projetos

sociais ao lado de outros atores, ações afirmativas procurando consolidar no

ambiente educativo uma batalha ao racismo e aos preconceitos de forma geral,

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117

participando avidamente desse processo de inclusão e deferência às diferenças.

(Munanga, 2005).

Há o conceito de que empregar um autor como apoio investigativo não

constitui mencioná-lo ou ao menos usar suas descobertas como exemplo de

subsídios - exibe os sujeitos e a coletividade a partir das afinidades que o indivíduo

tem com o coletivo nos diversos momentos cotidianos nas suas relações que não

deixam de estar envoltas de sentimentos, conflitos e domínio.

Por meio do método de sociogênese - interpela as mudanças sociais que vão

vislumbrar nas estruturas psicológicas dos sujeitos, de forma a instigar e alterar os

mesmos - e, a psicogênese - as modificações da conduta dos sujeitos dos

arcabouços de personalidade dos seres humanos-, o sujeito sente a coação social

que começa a se coligar virando-se em autocontrole, o que atrapalha a influência

direta e delineada, particularmente, nas associações de exceção e diferença social e

racial. Mesmo para um conjunto de indivíduos, intervir na maneira como a

coletividade se exibe é uma empreitada complexa. (Elias e Scotson, 2000).

Contudo, é plausível domar estas incoerências, inquietudes e desordens

sociais a partir das mudanças que podem acontecer no decorrer do tempo, a partir

da maneira como a própria coletividade é assimilada e como os indivíduos que a

formam entendam a si mesmos por meio de sua autoimagem e do conjunto social de

pessoas: seu ambiente social, como aquilo que é comum entre os sujeitos fazerem

parte de determinado grupo. É pelo hábito que o sujeito contrai os predicados, as

condutas, os anseios comuns de comunidade que podem ser compreendidos ou

agrupados. Dependendo da forma social em que o hábito esteja, pode ser bem-

conceituado ou abandonado. (Elias e Scotson, 2000).

A autoimagem, edificada no vínculo, é obra do conjunto em que o indivíduo

pode modificar a partir do afastamento, do autocontrole e das conformações sociais

ao qual compete. São essas condições que deliberarão a identidade individual a

partir da ocasião que cada um busca distinguir-se do coletivo.

A abrangência da identidade coletiva está conectada à concepção de hábitos

sociais de cada sujeito, que tem sua constituição particular, que é dividida em

conjunto e que “fornece um solo em que podem florescer as diferenças pessoais e

individuais” (Elias e Scotson, 2000, p. 172). A corrente da junção entre os indivíduos

se constitui por meio dos anseios de identidades individuais, as quais se cultivam na

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118

identidade coletiva. É plausível entender que os pontos característicos de alguma

pessoa, que a distinguem, constituem-se por meio de uma edificação social.

Portanto, para apreender o procedimento de edificação da identidade de um ser

humano é necessário perceber o adiantamento deste indivíduo como um artifício

que se fixa na lembrança de cada um, a partir dos exercícios pessoais e coletivos,

que em ocasiões diferentes comprometem no lado em que pese às oscilações do

individual para o coletivo.

Os autores citados, afirmam que é o autocontrole que auxilia a harmonizar as

oscilações. A identidade individual é aquilo que cada pessoa tem de distinto dos

demais: sua autonomia. A identidade coletiva é aquilo que é comum entre o grupo

de pessoas. A identidade individual é mais apreciada na sociedade corrente,

irregular, que a identidade coletiva, uma vez que naquela, a individualidade, a

concorrência e a automação estão cada vez mais sendo estimadas. Todavia,

existem sempre variações e oscilações nas identidades. A identidade coletiva, como

vida em conjunto, já foi mais aperfeiçoada que a individualização, que o afastamento

das pessoas. Em eras anteriores, não se imaginava um sujeito fora do conjunto,

“sem referência do „nós‟” (Elias e Scotson, 2000, p. 130).

O conceito de cada indivíduo estava conectado e apreciado a partir do

conjunto. Na República Romana existia deferência por aqueles que se envolviam

socialmente sem desmerecer a identidade individual. Não se pode denegar esta

relação identidade individual/coletiva estar atrelada a cada coletividade. Com todas

as transformações e as inconstâncias sociais, entendemos que não é de súbito que

se arquiteta a identidade, pois esta edificação é um procedimento das oscilações

das identidades individual e coletiva que se movem em direções opostas, estando

sujeito à estrutura social, do adiantamento, da conjuntura, do trato social, político,

econômico e educacional diante das disparidades. Todavia, é necessário aquilatar a

estabilização para admitir as identidades a partir do conjunto de menção da

identidade coletiva dos indivíduos, avaliando que “a existência da pessoa como ser

individual é indissociável de sua existência como ser social”. (Elias e Scotson 2000,

p. 151).

Analisando tais semelhanças desiguais, perseveramos que é admissível

existir modificações na sociedade quando os indivíduos se conectam e desenvolvem

táticas qualificadas de mobilização, uma vez que “a identidade eu-nós é parte

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119

integrante do ambiente social de uma pessoa” (Elias e Scotson 2000, p. 151) e a

partir da ocasião em que um indivíduo faz a escolha de penetrar em uma minuciosa

forma, a teia de interdependência começa a entusiasmar no procedimento de

edificação da identidade deste sujeito. A identidade individual torna-se identidade

coletiva materializando a identidade individual/coletiva.

Ao debater acerca da identidade, apreendemos que seu desenvolvimento é

obra das relações de interdependências atribuídas pela coletividade de domínio, de

discussões e de exceção. São as diferenças entre os múltiplos conjuntos sociais que

assinalam e incitam a constituição da identidade de um apurado conjunto. Essas

disparidades que permanecem a partir deste procedimento de exceção e

abrangência da coletividade brasileira se abonam nas relações entre estabelecidos e

estranhos, ou opressores e oprimidos, dominantes e dominados.

Para apreender o que chamamos de identidade e como se estabelece em

uma pessoa, é necessário perceber a trama de relações sociais em que este

indivíduo está inserido. Seu procedimento tem ascendência no controle externo

desempenhado pela coletividade e, também, pelo autocontrole saturado em cada

pessoa que o distingue do outro. Os sujeitos, a partir de suas contestações, cresce

na coletividade e, por isso, se fortalece e consequentemente colabora o processo de

edificação de diversas identidades. (Silva, 2005)

Elas ainda fazem parte da coletividade a partir de seus vínculos com os

outros indivíduos e com o ambiente que o cerca, carecendo de alcançar os mesmos

privilégios, direitos sociais, políticos, econômicos, dentre outros. Percebemos que a

coletividade moderna tem instigado e decretado, a partir de seu procedimento

dessemelhante, diversas altercações sociais e, por isso, o aparecimento e a

obrigação de edificações e exigências de diferentes instituições. Destarte, “[...] a

afirmação da identidade só faz sentido por causa das diferenças” (Silva, 2005, p.

75).

Para os homens negros, por exemplo, concernente ao conjunto de homens,

nasce à obrigação da edificação da identidade de homens negros, carecido às

peculiaridades que este conjunto tem na coletividade do Brasil e que a distingue do

conjunto de homens brancos. A identidade vai se constituindo, processualmente,

composta num apurado indivíduo a partir da aquisição de conhecimento que cada

um contrai ao fazer parte de uma conformação social. O sujeito começa a se

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120

perfilhar realisticamente e apreender as contestações por meio das diversas

exceções mantidas pela coletividade e dos vínculos de dependência mútua que se

cultivam nesta astúcia.

De acordo com Elias e Scotson (2000), a identidade que um indivíduo pode

compor incide coletivamente, por meio do domínio de sentimentos, no qual os

vínculos expressam precisões emocionais do individual e coletivo. O autor diz que “o

sentido que cada um tem de sua identidade está, estreitamente, relacionado com as

relações de „nós‟ e de „eles‟ no nosso próprio grupo e com a nossa posição dentro

dessas unidades que designamos „nós‟ e „eles‟” (p. 139). É por meio dos arranjos de

dependência mútua que as pessoas se instruem e concretizam seus entendimentos

acerca da ética, sobre si próprio e sobre os outros.

Abrangemos, aqui, o domínio das emoções que cada sujeito tem de maneira

particular, todavia, faz parte do artifício socializador. Por isso que algumas condutas

e atos dos indivíduos acerca das pessoas negras necessitam ser considerados a

partir de sua imaterialidade e de sua conformação. Se procurássemos analisar tais

procedimentos, por fora da coletividade, permaneceríamos recusando e arquitetando

um infiel juízo da identidade individual que não há sem a identidade coletiva.

Enquanto habituamo-nos com nossos exercícios nos múltiplos desenhos sociais que

coubemos (família, escola, igreja, trabalho, hospital, etc.), não apreendemos o

quanto isso auxiliou a edificar nossa identidade.

Apenas com o afastamento do acontecimento pode-se sopesá-lo e alcançar

sua influência em nossa biografia. Atualmente, contamos com o autocomando dos

sentimentos. O domínio das emoções é alcançado quando podemos nos afastar de

um acontecimento emocional. Quão grandemente os indivíduos submergem

sentimentalmente com os episódios, que, advêm das disparidades sociais,

segregação e racismo, tanto mais se tornam, gradualmente, delicadas. Assim sendo,

é necessário o afastamento para desconstruir estas crises.

Elias e Scotson (2000), incomodado com o acontecimento das coletividades

lutarem mais que a natureza à intervenção humana, debate como se amplifica o

artifício de implicação e de demência dos indivíduos perante dos episódios, para se

apropinquar à ciência das coletividades humanas. Tal autor abrange que a ciência,

apreendida como um artifício de acumulação de conhecimentos vividos por cada

conjunto de pessoas, entusiasmado por seus vínculos, tempo e espaço, é cheio de

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121

contradições e que vive em constante mudança diante das implicações sociais. Esta

oscilação tanto leva os indivíduos a se envolverem e se comprometerem, quão

intensamente a se alienarem, apartando-se dos acontecimentos.

Ainda conforme o autor, a alienação é algo positivo na vida dos indivíduos.

Com o afastamento dos episódios, aliena-se para posteriormente, apreciá-lo melhor

e se submergir em outro nível de ciência. Quando se está muito enredado com os

acontecimentos, não se para refletir acerca dele. A implicação direta pode cooperar

para que não incida a autonomia pessoal, além de induzir os indivíduos a não se

distanciarem dos acontecimentos, dos sentimentos e, assim, atuarem sem a noção

conscienciosa do procedimento.

O elemento emocional é de grande autoridade na perpetuação das lides. O

ajuntamento dos indivíduos aos conjuntos, exibida por Elias e Scotson como a

identidade coletiva, apreendida aqui ainda como pertencimento, colabora para lançar

a autoestima dos indivíduos dos conjuntos, sendo factível apreender emoções de

identidade e de participação. Quando o amor-próprio de um determinado conjunto -

que, além disso, apresentara emprego intensamente integrador - atenuou, isso pode

ser decomposto em auto aversão. Na percepção brasileira, a alienação auxiliaria

este conjunto a sobrepujar a baixa autoestima. É necessário ver-se a si e o outro

sem rancor de sua vivência, mesmo distinguindo e entendendo essa história, sem

negá-la. Quando se denega a história, fica difícil reconhecer a identidade coletiva.

De tal modo, aumentamos os conceitos de Elias e Scotson (2000), acerca dos

procedimentos sociais vividos por dois conjuntos numa determinada comunidade.

Os autores exibem que um dos conjuntos, ao abarcar os ensejos de poder,

marginaliza o outro, apartando a discussão e a desigualdade social. Portanto, o

conjunto mais elevado socialmente, os estabelecidos, fazem com que o outro, os

estranhos, adote sua inferioridade e se rebaixe, tratando-o como de “menor valor

humano”. A conjuntura vivida na união entre os estabelecidos e os estranhos era um

artefato que proporcionava a edificação da identidade de cada um desses conjuntos

que passavam por anuência e arranjo da sua própria imagem e da imagem que o

outro conjunto apresentava acerca deles e que se estabelecia pelo valor individual e

coletivo apreendido e incorporado.

Apreende-se que não se faz precisamente o que particularmente se almeja,

porém, o que o conjunto quer, por meio do seu poder, preordena, delibera, propõe.

Page 125: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

122

Arduamente um indivíduo alcança a liberação sem o auxílio do seu conjunto. Toda

atuação é pertinente a este tecido de interdependência e é somente nesta trama que

se alcança modificar a imagem social e individual a partir do vínculo entre a

identidade coletiva e individual. Desta forma, Elias e Scotson (2000) aumentam a

imperatividade de lidar com as diferenças como uma dificuldade que necessita ser

percebido no conjunto da coletividade, procurando o entrosamento da conexão de

poder entre aqueles que se reconhecem no conjunto dos estabelecidos e os que

estão entre os estranhos. Um conjunto, ao censurar o outro, coloca-se no cerne do

poder. Sua tática é classificar o outro conjunto como rebaixado para, desta maneira,

nutrir a superioridade social.

O conjunto estigmatizado ergue uma imagem própria inferiorizada, ou como

optamos por denominar, autoimagem acrítica. Ao longo do tempo, suportando a

inferioridade, literalmente, na pele e na vida, este conjunto vai criando marcas e até

chega a confiar que é mesmo ele o que não presta na coletividade. É plausível que

uma criança negra, que foi estigmatizada, incorpore a inferioridade. Tal criança se

diminui entendendo e experimentando na pele o peso que a sociedade a família,

escola, sociedade, podem colocar sobre ela.

O conceito negativo acerca de algum conjunto desvia seus membros a serem

avaliados e acertados negativamente. Inclusive eles próprios podem se ajuizar

inferiorizados e impossibilitados, uma vez que o envilecimento adjudicado ao

conjunto que é inferiorizado abrange todos os indivíduos que se identificam nesse

conjunto, acometendo a baixa autoestima. Os estranhos que não se conhecem, não

se acham, não se fortalecem e não se identificam são, invariavelmente, segregados.

Os empreendimentos de concepção de conjuntos é uma marca de coesão entre os

menos favorecidos, como as pessoas negras do Brasil, dando-lhes alentos para

conectar as descrições da solidariedade e, assim, fortalecer o método de construção

de identidade de um conjunto. Isso auxilia os iguais a deliberarem ou amortecerem

as suas dificuldades e a se juntarem em favor de ideais comuns. (JOAQUIM, 2001).

Em procura de fortalecer o procedimento de construção de sua identidade, os

conjuntos menos beneficiados economicamente, politicamente, educacionalmente e

socialmente, resistem por políticas públicas para que possam ser acolhidos,

apreciados e capazes de alcançar os mesmos privilégios sociais, educacionais,

econômicos e políticos e não serem completamente alquebrados pelo processo

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123

civilizador. Ante do publicado, observamos que o termo identidade satisfaz a um

contíguo de feitios políticos e sociais, individuais e coletivos, admitido por um

indivíduo. Cada indivíduo vai sendo identificado, de forma distinta, a partir do seu

conjunto de alusão e, desta forma, vai arquitetando e admitindo uma identidade e

pertencimento neste conjunto. A identidade vai sendo erigida e se calhando aos

conjuntos, aos espaços, às culturas, às alternativas escolhidas por cada um de nós

e, ainda, como um método dialético vai, aos poucos, decompondo e intervindo nos

conjuntos.

Seguindo os passos de Munanga (2008), ao debater acerca da miscigenação,

a identidade racial e a identidade negra no Brasil, despontam que as altercações

acerca da concepção e história da miscigenação, ao lado a democracia racial,

surgem para robustecer a paralização e o embranquecimento corporal e psicológico

da pessoa negra na coletividade do Brasil. O autor adverte que este experimento

corporal não deu certo, uma vez que nosso país é de muitas tonalidades. Entretanto,

a experiência psíquica dá certo até hoje em dia, por isso, releva-se a impedimento

que os indivíduos do Brasil têm de determinar uma identidade racial, porquanto,

torna-se mais admirável ser mestiço para que se torne ainda mais simples a vida

social, econômica, cultural e política das pessoas negras, já que o ideal social e

elevado é ser branco.

Atualmente, os mestiços são vistos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística- IBGE como pardos e estes podem “por decisão política ou ideológica se

considerarem negros ou afrodescendente” (MUNANGA In BRANDÃO, 2000, p. 21-

55). A discussão acerca da mestiçagem na história da humanidade é exibida por

Munanga (2008) desde o Egito Antigo, Grécia Clássica e Grécia Antiga, onde o

procedimento de mestiçagem não indicava dificuldades, porquanto, no episódio dos

gregos, o significativo era se livrar do Império Romano, que também não cunhou

intolerância perante dos mestiços, onde o relevante era a conjuntura social. Na era

das luzes, diversos pensadores viam a mestiçagem como uma aberração e uma

maneira de perverter as pessoas brancas. Para expurgar a cor seriam necessárias

algumas gerações de cruzamento para que as pessoas negras fossem eliminadas.

Até mesmo no século XX, ainda vimos à censura da mestiçagem na Alemanha, com

Hitler, e na França, com a ideia de aculturação.

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124

Os conceitos europeus e norte-americanos acerca da mestiçagem, como

deterioração da etnia ou como passagem para recambiar as descrições oriundas da

chamada raça pura, ressoaram no pensamento racista brasileiro através das

produções da elite intelectual que via problemas na identidade nacional do Brasil,

devido à diversidade étnica de sua coletividade. Diversos pensadores, confiando na

superioridade da etnia branca, procuram uma identidade racial singular para o país

por meio de suas “elaborações especulativas e ideológicas vestidas de cientificismo”

(MUNANGA, 2008, p. 48).

Munanga (2008) menciona determinados intelectuais brasileiros que

colaboraram com esta discussão e articula que:

1. Para Silvio Romero a mestiçagem extinguiria a etnia que não constituísse

branca;

2. Raimundo Nina Rodrigues articula que as pessoas negras e índias são

castas ignorantes e precisariam ser tratados diferente de todas as formas do branco;

3. Para Francisco José de Oliveira Viana a mestiçagem cooperou para o

regresso das propriedades da etnia original inferior ou superior, porquanto,

dependendo do cruzamento, os mestiços eram considerados como rasos e altos;

4. Desde 1930, ocasião em que o Brasil se atentava com o adiantamento

social, Gilberto Freyre, “encobrindo os conflitos raciais” (Ibidem, p. 77), apresenta

que as três etnias ofereceram subsídios extraordinários ao Brasil, que a mestiçagem

era uma condição benéfica e que todos viviam de comum acordo numa democracia

racial;

5. Darcy Ribeiro resguardou uma cultura brasileira mestiça, confiando que o

negro de alma branca constituiria aquele que alcançasse elevar-se socialmente e

economicamente, advindo a unificar o convívio com o branco (Ibidem, p. 97). Obra

da imprecisão cor/classe, diversos sujeitos preservam ainda hoje que o racismo no

em nosso país é social e que não existe racismo com as pessoas negras,

meramente por seus predicados físicos.

Tendo como ponto de partida as altercações exploradas pelas cabeças

pensantes de nosso país citados por Munanga (Ibidem), a mestiçagem no Brasil não

era apreciada como uma probabilidade de diversidade étnica, porém, como uma

possibilidade de aliança da raça brasileira, ponderando que a miscigenação

deliberaria o problema de identidade nacional, uma vez que a pessoa negra

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125

desvaneceria. A Frente Negra, movimento social, designado em 1931, põe-se a

delatar os estágios de discriminação com as pessoas negras, entretanto, como

outros movimentos da ocasião, procurava por meio da Educação a conexão da

pessoa negra, com anseios de inferioridade. Isso ocorre, pois, de acordo com

Munanga (Ibidem).

[...] a política e a ideologia do branqueamento exerceram uma pressão psicológica muito forte sobre os africanos e seus descendentes. [...] pela coação, forçados a alienar sua identidade, transformando-se, cultural e fisicamente brancos [...] (MUNANGA, 2008, p. 89).

Durante um momento, na servidão brasileira, em que os indivíduos,

obviamente, puramente negras, eram continuamente mais aprisionados que as

pessoas negras filhas dos brancos. Desta forma, os negros e as negras, nas suas

personalidades, aprendiam que no casamento com o sujeito branco um ensejo para

que seus descendentes apresentassem uma vida melhor. Existia no imaginário

branco a perspectiva de se acautelar da discriminação.

O autor adverte que Abdias Nascimento, em 1970, principia a discrepar das

possibilidades proporcionadas pelos pensadores que o antecederam e, pela primeira

vez, pensa o Brasil como uma coletividade democrática, plurirracial e pluriétnica.

Munanga (2008) chama atenção que os maiores obstáculos para superar do sistema

de ideias do embranquecimento estão sinalizados ao incógnito, à ausência de

autodefinição, onde os indivíduos não compreendem quem são e de que lado se

encontram. Esses sujeitos não têm noção ao admitirem em suas próprias

identidades, no entanto, debelam-se a ser o que o outro é e motiva. É desse modo

que diversas pessoas negras desistem de ser negros para serem mestiços, pardos,

mulatos, ou mesmo nomeiam uma cor para sua assimilação e disfarce da cor negra.

A partir da ocasião que a pessoa negra se autocognomina, aceita e se

representa com outras pessoas negras que compõem um conjunto. A partir de

dados como: biografia, resistência, crença, cultura e cor da pele, inicia, então, a

constatação do procedimento de edificação de sua identidade e ainda de resistência,

ponderando que nem sempre esta assimilação é corroborada pelos conjuntos

postos, porque, em nosso país, a arranjo racial é pela cor da pele e não pela

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126

ascendência, como no Norte da América e na África do Sul, onde a pessoa branca

permanentemente se conserva distinto e não crê que o mestiço é dessemelhante do

negro.

No Brasil, não se pode exclusivamente arquitetar uma identidade mestiça,

uma vez que preponderam identidades múltiplas. Existem indivíduos de cor da pele

escura que são logo identificadas como pessoas negras, sem equívoco algum, e

outras que, por apresentarem a cor da pele mais clara, são acatadas como pardas.

Munanga e Gomes (2006) advertem que a aparição que se tem da pessoa negra no

tempo da escravização, como apático, indolente e conformista, afeta, na conjuntura

hodierna, na autoestima e na constituição da identidade de negros e de brancos.

Isso ainda persiste em advier, pois, de acordo com pesquisadores, existe também a

essência do racismo que difunde uma abantesma negativa sobre a pessoa negra; os

sujeitos ignoram a apropriada vida de lutas e os aferros da coletividade negra;

ausência de divulgação de estudos que apareçam outros fatos; e, a crendice que, no

Brasil, não existe racismo.

Seu passado histórico como herdeiros dos escravizados africanos, sua situação como membros de grupo estigmatizado, racializado e excluído das posições de comando na sociedade cuja construção contou com seu trabalho gratuito, como membros de grupo étnico-racial que teve sua humanidade negada e a cultura inferiorizada. Essa identidade passa por sua cor, ou seja, pela recuperação de sua negritude, física e culturalmente. (MUNANGA, 2008, p. 14).

Ainda não foi admissível difundir e ver se alastrar esta constituição de

identidade perante a maioria das pessoas negras do nosso país. Diversas delas não

conseguem se enxergar por meio de uma identidade grupal. Isso é implicação

automática da identidade mestiça postas em suas mentes, como vimos a partir das

altercações sobre os alvitres de Munanga expostos nessa tese. Atualmente, a

batalha da coletividade negra militante segue na procura da probidade social, onde

juntos e individualmente possam ser apreendidos e acordos como iguais em suas

diferenças e, que a remanejamento de toda cultivo social seja dividida

equitativamente entre todos os indivíduos que arranjam esta coletividade brasileira,

independentemente da cor de sua pele.

Aproveita-se para exprimir que esta batalha não é de hoje. Politicamente,

esse calibre de aferro pode ser examinado no decorrer da história brasileira, descrita

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127

por Munanga (2006), como: na Revolta da Chibata em 1910, na organização da

Frente Negra Brasileira em 1931, no surgimento do Teatro Experimental do Negro

em 1944 e na fundação do Movimento Negro Unificado em 1978. Estes movimentos

sociais nascem com o desígnio, dentre outros, de arquitetar e concretizar a

identidade negra e para resistir contra o racismo e a segregação social suportados

por esta coletividade. Faz-se necessário ainda distinguir que esta batalha não está

ligada diretamente apenas à coletividade negra, uma vez que é uma luta de diversos

movimentos sociais que arriscam transformar o decurso da história de discriminação

e preconceitos contraídos pelo procedimento colonizador, diversas vezes, atribuídos,

de maneira perspicaz, pela fina flor brasileira que domina o sistema de ideias, as

tradições e a concretização de concepções.

A sentença “negro” é uma destas opiniões materializadas pelo procedimento

colonizador europeu, que difundiu ascendência por meio de sua biografia.

Ponderando que é esta a concepção que mais identifica a coletividade de cor preta e

parda e que, para esta tese, já é componente de sua identidade, sem desvalorizar a

acuidade de novas definições, como afro-brasileiro e afrodescendente, impressos e

empregados por militantes e estudiosos dos assuntos étnico-raciais, persistimos em

empregar o termo negro ou negra. (Elias e Scotson, 2000).

Motivado por seus atributos físicos e sua história, os povos afros foram,

concomitantemente, vistos como inferiores na coletividade, o que produz as

conexões de racismo conduzido a eles. Todavia, é admissível regressar e resgatar a

identidade negra no andamento em que a coletividade abre ambientes para a

efetivação humana do ser, da Educação, da tradição, dos princípios e das crenças

de um povo, que por muito tempo foi vedado de se manifestar, uma vez que seus

sentimentos foram ordenados com a determinação de um procedimento colonizador.

(Elias e Scotson, 2000).

Os sujeitos que adotam a sua identidade negra, que se autorreconhecem e

têm altivez de si, podem ter mais entendimento para formar sua autoimagem crítica

e estabelecer este pertencimento e certeza. Contudo, sem se reconhecerem, podem

vir a desconhecer o significado histórico exilado aos negros e a acepção das

descrições e batalhas atuais no pertencimento a esse conjunto. Sopesando que o

ignorado é um dos elementos que suscita o racismo, é necessário se cominar e se

despontar, sem precisão da batalha por domínio entre os diferentes.

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128

Avigorando estes conceitos, Joaquim (2001, p. 54) elucida o conceito de

identidade, pronunciando que “consiste num fenômeno derivado da dialética entre

um indivíduo e a sociedade” e que os tipos de identidade são alvitres coletivamente

decretado. Esta identidade social é apresentada como alguma coisa que está

conexo àquilo que o sujeito julga de maneira positiva, a um conjunto de referência,

com o qual divide de maneira satisfatória, princípios e memórias. Joaquim (2001)

explana a probabilidade dessa edificação e mostra da identidade a partir de uma

razão construtiva e mobilizadora de predileções.

[...] manifestações de identidade social é a identidade étnica, que permite apreender a própria etnicidade e constitui a principal característica do grupo étnico. […] O principal significado emocional de pertinência a um grupo étnico é um princípio organizador e mobilizador de interesse de grupos específicos, [...] podendo possuir uma conotação positiva. Grupos étnicos são grupos cujos membros possuem uma identidade distinta e atribuída e, ao mesmo tempo, têm, basicamente, cultura, origem e história comuns [...] (JOAQUIM, 2001, p. 52).

Ainda conforme o autor, a identidade da coletividade negra, no decurso da

ocasião de escravização, foi-lhes retirada, e, por conseguinte, nula a partir da época

em que tanto a sua denominação, quanto a sua qualidade natural de ser humano lhe

foram tiradas para se transformar em, simplesmente, escravo. Resgatar essa

identidade há muito lhes arrancada à força tem sido uma batalha incessante da

coletividade negra. Conforme Joaquim (2001, p. 56), “essa identidade daí emergente

é necessária, por ser, historicamente, formada em uma sociedade ambígua e

multifacetada. Uma identidade, ao mesmo tempo, étnica e política, não somente

individual, mas também coletiva”.

A maneira de exteriorização da pessoa negra colabora para sustentar a

cultura afro-brasileira como manifestação de tenacidade para que o negro e a negra

ratifiquem seu pertencimento e sua identidade negra. Ao ponderarmos acerca dos

estilos e os sentidos que vêm sendo atribuídos, ao longo da história, ao assunto

negritude, Munanga (2008) destaca o quanto a edificação da identidade negra tem

uma diversidade contextual e que existe obstáculos de deliberar sobre tal

procedimento de constituição ponderando a objetividade e a subjetividade desse

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129

método. A identidade objetiva se exibe por meio dos atributos culturais, linguísticas e

a estilo como um conjunto se determina ou é definido por outro conjunto.

Essa identidade é debatida e adjudicada por pesquisadores dessa tônica por

meio de parâmetros objetivos, aumentando as classes de autodefinição ou

autoatribuição (Munanga, 2008, p. 11). Avaliando que o procedimento de edificação

da identidade surge a partir da aceitação das diferenças entre os diferentes, ele

acredita que este entendimento não se aprimora em todas as pessoas negras de

múltiplos contextos socioculturais. O procedimento de constituição da identidade

negra não está, fundamentalmente, conectado aos genes, mesmo que a cor da pele

negra seja bastante atuante neste processo. Todavia, tem a ver, nomeadamente,

com a história de inferioridade humana e cultural que baliza as discussões sociais e

étnicas na coletividade do Brasil. Cada conjunto tem predicados próprios e não será

apenas por apresentar a cor da pele negra que edificará esta identidade.

Ao tomar noção, arquitetar e asseverar esta identidade, o indivíduo que se

assume participante deste conjunto adota também a convenção e o amparo com os

sujeitos que padecem de preconceito. A identidade negra não está no entendimento

da cor da pele, mas, sim, na história em comum convivida e padecida pelos sujeitos

de atributos físicos negroides (Munanga, 2008, p. 20).

Munanga (2008) exibe três elementos que podem ser acatados para a

tomada de discernimento de identidade negra no conjunto ou do sujeito: linguístico,

psicológico e histórico. Esses elementos são peculiares e podem se exibir de

maneira distinta, uns mais abertamente outros não, para esta constituição da

identidade.

Ainda mencionando o autor, ele inicia proferindo que cada coletividade, para

se constituir, necessita perceber seus antepassados, mesmo que estejam em um

passado distante. Cada período da história faz parte da memória coletiva, por

conseguinte, necessita ser vivida novamente, descrita, divulgada para que esta

coletividade permaneça existindo. É exatamente isso que vemos advir em diversas

coletividades quilombolas que, por meio de sua história, avigoram-se politicamente e

procuram meios de sobreviver dignamente. Entretanto, percebemos que desde o

momento da escravização, a história da coletividade negra vem sendo aniquilada,

como se tivesse finalidade de revogar com a memória coletiva das pessoas negras.

O que será de uma coletividade sem sua história? Não existirão práticas para

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130

descrever aos seus e, esses, não apreciarão os conhecimentos de seus ancestrais.

Assim sendo, poderá ser a partir do elemento histórico que a coletividade negra

abrirá seus olhos e perceberá a escassez de edificação e assertividade de sua

identidade para reafirmar a sua nação.

Outro elemento em foco na obra do autor, e que pode instigar na edificação

da identidade é a resistência linguística da coletividade negra, que se sustenta viva

nos grupos religiosos a partir de conversação profunda com os orixás e, ainda, na

década de 1950 conjuntos urbanos e quilombolas se fazendo presentes no decorar

dos cabelos, no vestuário usado, composições de músicas, forma de cantar, dentre

tantas diferentes manifestações culturais de asseveração da identidade desta

coletividade, que procura tal força e correspondência nos seus antepassados da

África.

O elemento psicológico no procedimento de constituição da identidade negra,

afirmado por Munanga (2008), nos envia a conceitos próprios do nosso país ao

debater o vínculo entre os estabelecidos e os estranhos. Não há caráter distinto

entre uma pessoa negra e branca, tão-somente diferenças genéticas, mas, talvez,

não se pode proferir o mesmo por meio das disparidades sociológicas, na qual as

diferenças são muito acentuadas, podendo interferir na individualidade e na

autoestima dos indivíduos, seja de um conjunto ou de outro. É assim que a

edificação da identidade negra acompanha se aperfeiçoando no conjunto desses

elementos exibidos, além dos elementos culturais, políticos, ideológicos e raciais da

coletividade do Brasil.

Conforme Munanga (2008) pode acontecer de um grupo adotar sua

identidade de maneira ideológica para demonstrar à consolidação a solidariedade

entre os seus pares ou, também, para se estabelecer e solidificar perante outros

grupos contrários. Não é tão-somente por sofrer de segregação que se edifica a

identidade negra, como ainda não é pelo estereótipo da pessoa negra. Ser negro é

se entender e se descobrir em sua natureza ampla, sua cultura, seus antepassados,

a história de luta de seu povo, as inúmeras e importantes contribuições dadas por

esta cultura e crenças de uma riqueza infindáveis, portanto, não falamos de cor de

pele, biótipo, mas de pessoas como quaisquer outras que possuem história e uma

essencial história que construiu e constrói a história desse país. Que tenhamos,

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131

portanto, compostura e respeito por esse povo que tanto sofreram nas mãos cruéis

de um povo ignorante e que mostram resistência incomparável ao longo dos anos.

Mesmo acercando-se da concepção de raça, ineficiente para a genética,

como mencionado antes, política e sociologicamente, tal apreciação é

abundantemente expressiva, porque foi a tal superioridade das raças que fez advir

elementos históricos tão acentuados na história da pessoa negra de todas as

regiões do planeta, como extermínios, apartheid e escravização, e que, atualmente,

refletem, coletivamente, por meio do racismo, da segregação e do preconceito no

dia a dia político e social.

Em relação a isto, Munanga (2008, p. 15) pronuncia “se cientificamente a

realidade da raça é contestada, política e ideologicamente esse conceito é muito

significativo, pois, funciona como uma categoria de dominação e exclusão nas

sociedades multirraciais contemporâneas”. Possivelmente quando as disparidades

entre pessoas brancas e pessoas negras, realmente, abolirem em nosso país, será

admissível extinguir, política e socialmente, a concepção de raça, como já fez a

genética. Para esta utópica realidade, conforme o autor, a coletividade negra

necessita se alforriar

[...] alienação do seu corpo, de sua cor, de sua cultura e de sua história e consequentemente sua “inferiorização” e baixa estima, da falta de conscientização histórica e política [...]. A recuperação dessa identidade começa pela aceitação dos atributos físicos e de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais, intelectuais, morais e psicológicos [...] o corpo constitui a sede material de todos os aspectos da identidade. (MUNANGA, 2008, p. 19).

De acordo com Munanga (2005), é necessário persistir sucessivamente que a

coletividade do Brasil é racista e age com segregação com relação à população

negra. Assim, o exemplo de Educação tem todos os moldes de não ser inclusiva,

mesmo consentindo a abertura da escola para todas as pessoas. Entretanto nem

todos saem apropriadamente escolarizados. Vários não saem capazes para encarar

a sociedade como “exatos cidadãos”.

O que se percebe, no decorrer dos séculos de segregacionismos são as

adversidades que os descentes de africanos têm como associação aos assuntos

positivos na sua inclusão na escola, no meio social, acarretando com isso a

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132

ausência de confiança e autoestima imperativas para um adequado

desenvolvimento. Ao sair do ambiente familiar, a criança frequenta seu inicial

contato fora desse grupo; a escola é sua primeira alusão a outras circunstâncias

sociais, brota um mundo novo de diferentes pessoas, no qual a criança procura se

adaptar e apreciar diferentes histórias para, assim, também, poder edificar a sua

identidade. Balbino (2008); Costa (2012) e Erikson (1999).

A tônica mais debatida na Psicologia é sobre do fenômeno de

desenvolvimento da identidade no ser humano. De acordo com Erickson (1999), a

formação da identidade advém porque os progenitores começam a determinar a

alcunha, delinear o sexo, deliberar profissão e muitas alternativas do porvir do

indivíduo. Desta forma, a identidade não se principia nem se finaliza na infância ou

juventude, entretanto é um cíclico procedimento de desenvolvimento. Conforme

Erickson (Ibidem), a abrangência da identidade vem da pressuposição de que a

pessoa enxerga a si próprio apartado e desigual, tendo a precisão de auto

consistência e de um anseio de plenitude. Erickson (Ibidem), ainda nos diz da

gravidade da integridade do eu, para que se tenha objetiva, o afastamento dos

outros quão à unidade do eu. A pessoa carrega consigo exterioridades já vividas no

decorrer da infância e aquilo que ambiciona se transformar no porvindouro, isto é, é

a somatória de diversos dados. Um elemento admirável de uma identidade não é

exclusivamente a pessoa ou o interior, mas, sim como essa pessoa apreende como

os outros o veem, a coletividade, o exterior. Logo a identidade não é tão-somente

pessoal, porém também socialmente constituída.

As palavras de Sawaia (2006) assenta que a identidade nada mais é do que a

edificação do eu sujeito singular e idêntico a si mesmo, e que essa edificação

provoca libertação, condição de cidadão, alegria, colaborando para as afinidades

entre as pessoas e coletividades. A concepção de identidade está sendo retificado.

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, sendo visto como um sujeito unificado. Desta forma pode-se ver um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas [...] abalam alguns quadros de referência que davam aos indivíduos um porto seguro e estável no mundo social. (HALL, 2001, p.7).

Page 136: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

133

Portanto, para o estudioso, arriscar esquematizar a biografia da consciência

de sujeito moderno por meio de sua identidade é um treinamento assaz difícil. O

conceito de que identidades eram inteiramente padronizadas e coesas e que

atualmente se revolveram completamente desarticuladas é uma configuração

eminentemente simplória de descrever a vida do indivíduo atual.

Hall (2001, p. 30) assevera que determinadas transformações enfatizam a

declaração fundamental de que as concepções dos indivíduos variam e, assim

sendo, têm uma biografia. O indivíduo moderno insurgiu numa ocasião particular e

tem uma vida, acompanhar-se que ele também pode se transformar e, deveras,

determinadas ocasiões por certas conjunturas, podemos mesmo observar a

destruição de identidade.

É comum dizer que a época moderna fez surgir uma forma nova e decisiva de individualismo, no centro da qual se emergiu uma nova concepção do sujeito individual e sua identidade. Isto não significa dizer que nos tempos pré-modernos as pessoas não eram indivíduos, mas que a individualidade era tanto “vivida” quanto “conceitualizada” de forma diferente. Emergiu [...] uma concepção mais social do sujeito [...] indivíduo passou a ser visto como mais localizado e “definido” no interior dessas grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna. (HALL, 2001, p.30).

Esta compreensão social ocasiona consigo a consistência do sujeito na

sociedade, todavia, em compensação aparece a inquietação do eu deste indivíduo

estar sendo exibido em diferentes circunstâncias sociais, com isto gere desordens

entre múltiplos papéis sociais que o sujeito tem internalizado dessa organização

social. Por isso, Hall (2001, p. 35) considera que aparece uma intenção em erguer

uma dificuldade com essa analogia entre mim e a sociedade prontamente edificada

por este mesmo eu, uma ligação de dois entes integrados, porém, apartadas. Ainda

conforme Hall (2001, p. 37), esta disposição que brota é uma harmonia entre o

interior e o exterior, quando se procura o anseio de possuir uma identidade pautada

por meio da influência mútua com a sociedade - exterior -, e não se distinguindo

nesse procedimento isso vai provocando desordens para o sujeito, em sua essência

procurando uma apreciação de identidade que junte estes dois vínculos sem feitios

revezes.

Page 137: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

134

Tais relações entre estas duas camadas são assinaladas pelas altercações e

não se têm como impedir desordens. Diversas vezes, estas disparidades são

visualizadas exclusivamente como adversidade e são exibidas e esclarecidas ao

sujeito que está procurando desenvolver sua identidade, mas, quando existe

afastamento entre o eu e os padrões sociais, diversas vezes são amparadas pela

eliminação, segundo Silva (2002c, p. 40). No entanto, para o pesquisador são

nessas distinções que se deparam a formação da identidade do sujeito e seu

ajustamento e conexão entre o seu eu e a sociedade que a individualidade de cada

um se desponta. De tal modo, a edificação da identidade passa por feitios sociais,

financeiros, políticos, culturais, religiosos..., por exemplo, conforme a conjuntura

histórica em que o sujeito vai encontrar-se estabelecido, sendo alterável ao longo

dos anos em que o mesmo habita.

Silva (2002, p.42) afirma que a identidade se torna variável a partir da ocasião

em que o sujeito abre a história de sua vida, todas as experimentações do sujeito.

Isto é, o acontecido e o que acontece desempenham um formidável papel nestes

acontecimentos de transformação da identidade. A discussão, diversas vezes no

presente, procura explicação no passado para a concepção de novas e futuras

identidades deste sujeito. Hall (Ibidem) assegura que a identidade do sujeito não

está determinada, padronizada, essa identidade é um método de edificação nos

mais variados elementos.

A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. [...] existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. Não devemos falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. (HALL, 2001, p.38).

Nessa definição a identidade é determinada como uma analogia inseparável

do indivíduo de feitios internos e externos, acarretados da nossa vivência com a

coletividade, como também, do aspecto que arquitetamos consequente desta

conexão. O ser humano não tem exclusivamente uma identidade padronizada,

porém, diversas, que se exibem conflitantes, no conceito de Hall (Ibidem).

Page 138: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

135

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. [...] na medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cabível de muitas identidades, com cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente ou enquanto nos for útil e convier; ou seja, nossa identidade é diluída em diferentes papeis que executamos em diferentes momentos da nossa vida. (HALL, 2001, p.12).

A existência de uma identidade singular e constante é alguma coisa ilusória e

imaginada, em cada etapa de nossas vidas nos anunciamos dentro de um contíguo

de papéis que são nossas feições sociais, como também, vamos abandonando

aqueles feitios que não se conectam aos ambientes os quais circundamos. Estamos

sempre na procura de uma nova identidade por meio de novas inter-relações que

experimentamos em nosso cotidiano por meio de novas pessoas e circunstâncias, a

qual o autor elenca como recomposição da estrutura. (HALL, 2001). A correta

estabilização se descobre na combinação de quem somos e a constatação disto

pelos grupos sociais nos quais estamos incluídos, permitindo a cada um conhecer

uma emoção de inserção, reconhecimento, inclusão, integração informações assaz

extraordinárias para o arcabouço emotivo de todo ser humano.

Uma ponderação realizada por Munanga (2005) com alicerce nos materiais

apanhado em determinadas comunidades rurais brasileiras, em estados como Rio

Grande do Sul, Maranhão, Minas Gerais, onde o jeito e a cultura afro-brasileira estão

sendo empregadas por meio da dinâmica de recreação e criação, conjeturando os

reforços das festas e celebrações culturais como ligação para a concepção das

identidades de cada partícipe. Nessas comunidades, a prática da identidade e a

cultura são afligidas por meio da oposição. A pesquisa procurou apreender como as

festas dos quilombos cooperam para a concepção e a recomposição da identidade,

como apoio para poder transmitir e internalizar os valores, permitindo ressaltar as

diferenças e a inclusão das comunidades rurais negras.

3.6 O Desenvolvimento da Identidade da Criança Negra no Ambiente Escolar

3.6.1 Histórias do Procedimento Educativo da Pessoa Negra

Conforme Gonçalves (2005), quando se remonta ao tópico da Educação,

pode-se fazer um paradigma da discussão das pessoas negras mais jovens entre

Page 139: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

136

vinte e quarenta anos e das pessoas negras mais idosas de sessenta a oitenta anos,

inerentes ao século XX. Percebe-se que existe um identificador bastante amplo de

analfabetismo. Estudos efetivados sustentam que se existir uma população de três

milhões de afrodescendentes, 70% é analfabeto de modo geral, e para as mulheres

negras esse identificador é ainda mais amplo, 90%. O pesquisador quer demonstrar

que a conjuntura educativa da pessoa negra é, extremamente, difícil, porque as

alterações das possibilidades das gerações assinalam que quanto menor a idade, o

coeficiente de escolarização é mais abrangente. Os coeficientes de escolarização

entre os afro-brasileiros que pertencem a diferentes proles - netos, filhos, pais e

avós - é, categoricamente, distinto um do outro. Logo, é plausível advertir que avôs

analfabetos precariamente incitaram a escolarização de seus filhos, porém, os filhos

com grau de instrução mais baixo incitam suas gerações futuras a apresentarem

sucesso também no ambiente escolar. (Gonçalves, 2005).

Ainda conforme o autor, Gonçalves (Ibidem), a família tem um papel essencial

no desempenho escolar das crianças e adolescentes, todavia, pode-se salientar as

significativas mudanças que aconteceram para as faixas etárias, nos anos de 1990,

entre os vinte e quarenta anos. Os seres humanos que vieram ao mundo neste

momento acompanhavam dilatações das políticas públicas educativas no Brasil. A

acuidade das famílias incitando-as é de fundamental gravidade, contudo, é

necessário salientar também, o Estado, que ocasionou dilatação com a escola

pública universal e gratuita. Gonçalves (Ibidem) discorre um retrospecto para

descobrir uma réplica a estes assuntos pertinentes à renúncia que as pessoas

negras foram proscritas; quem teria tomado o espaço da pessoa negra na Educação

na época colonial ou, até mesmo, posteriormente a abolição da escravatura... Se

abordando ainda o século XIX, existiu ações voltadas à Educação para adultos,

designando-se cursos noturnos, conforme a Lei 7.031 de 6 de setembro de 1878. No

ano imediato aconteceu a modificação na Reforma do Ensino Primário e Secundário

indicado por Leôncio Carvalho com o projeto educativo do império, no qual era

imperativo o ensino dos sete aos catorze anos de idade, e extinguia o impedimento

de pessoas escravizadas cursarem as escolas públicas. Essa lei para determinadas

comarcas de pessoas escravizadas deu certo, uma vez que existem arquivos que de

fato os mesmos cursavam a escola.

Page 140: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

137

[...] apesar dessas iniciativas criadas pelos poderes públicos ou particulares, tendo a inclusão dos escravos e dos negros livres em cursos de instrução primária e profissional não foi uma experiência universal. O autor destaca que em uma determinada província existiam certas escolas que não admitiam matricular escravos e nem aceitavam os negros livres e libertos. Os cursos que tinham algum registro de presença dos negros eram aqueles encabeçados por “abolicionistas”, republicanos ou críticos da igreja católica e defensores de instrução para o povo. [...] esses registros sobre a participação do negro não traziam dados concretos para a veracidade das informações quanto a quem era negro ou não. (GONÇALVES, 2005, p.369).

Diversas destas formações prosseguiram, todavia, posteriormente à abolição,

era de se aguardar que os empecilhos adviessem com sujeitos com pensamento

escravocrata, atrapalhando a assiduidade das pessoas negras nos cursos noturnos,

arranjando com que amainassem ou sumissem das aulas. A República não

colaborou para o incremento e a promoção de todos à Educação por muitos e

muitos anos, e depois a Lei Áurea dificultou a circunstância, uma vez que as

pessoas negras foram espalhadas sem rumo. Afiança Gonçalves (Ibidem) que a

Educação não se reduz exclusivamente à escrita ou outros assuntos pedagógicos,

todavia, a cidadania, visto que foi por meio da dela que as pessoas negras

souberam a resistir contra o racismo e a segregação, pleiteando os seus apanágios,

mirando ensejos análogos de trabalho e Educação.

Com a popularização da Educação e tantas outras modificações do aparelho

educacional do Brasil, Munanga (2005), necessita-se reconsiderar na

contemporaneidade o papel da escola como coadjuvante de identidades, uma vez

que é um incitamento fazer progredir o ambiente escolar novos espaços

pedagógicos que visem à valorização das diversas identidades que integram o povo

brasileiro, por meio de metodologias didáticas que levem o aluno a ter conhecimento

de sua ascendência e a perfilhar-se como brasileiro. Diversos brasileiros recusam

sua identidade, porquanto, a escola não os consentiu apreciar sua história e, desta

forma, saberem quem são. Informações do último censo, efetivado pelo IBGE,

Munanga (2005), assinala que 45% da população brasileira é mestiça e estão na

camada dos menos beneficiados, tendo a escola o papel basal em transformar essa

esquematização do povo brasileiro e ser um parâmetro no desenvolvimento na

capacidade aquisitiva da pessoa negra.

Page 141: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

138

Avistou-se que as crianças estão envolvidas em todas os trabalhos da

comunidade, ao lado dos adultos, contribuindo na elaboração dos festejos

quilombolas. Nesta ocasião, ressaltam o que é preparado ou auxiliam realmente

para que essa dedicação se transforme numa edificação da sabedoria da sua

identidade cultural, e absorvam as modificações que os grupos rurais negros toleram

para se ajustarem ao contexto contemporâneo social.

Desta feita, a escola traz como posição social favorecer a criança a dilatação

de sua bagagem pessoal, viabilizando ao aluno penetrar em seu processo de

obtenção de conhecimentos, não esquecendo o respeito aos assuntos culturais que

cada um carrega em si, a partir da qual se arquiteta a identidade dos alunos, tendo a

cautela imprescindível na recuperação de suas origens e história, acatando os

Direitos Humanos e requerendo a coexistência saudável com a diferença.

Para Munanga (2005), no Brasil a identidade da pessoa negra jamais está

completa, uma vez que o mesmo não se familiariza com a concepção autêntica de

sua história e, com isso, não consegue ter subsídios satisfatórios e condições de

amoldar-se consigo mesmo. O aparelho de ensino, por diversas vezes, não privilegia

ao aluno as informações da história real alegando tão-somente variantes unilaterais,

interpelando a história sob a perspectiva dos conquistadores e das camadas

econômicas. “Os livros didáticos usados em salas de aula nos dão a percepção que

não há um relato quanto aos fatos históricos relevantes do desenvolvimento

histórico-cultural do negro”, nos diz MUNANGA (2005, p.23)

Mesmo quando um livro exibe determinado assunto pertinente a um caminho

que implante alguma personalidade negra, este mesmo tópico surge de maneira

concisa e sem muito esclarecimento, por vezes, trazendo determinados elementos

mentirosos, carregados de preconcepções e discriminação. Assim, se não existir

materiais didáticos apropriados, explicando com maiores detalhes, a história destes

personagens, os livros didáticos podem acabar causando na criança negra, uma

opinião contraproducente e de inferioridade sobre sua biografia e de si mesmo,

conjeturando na recusa em se pronunciar como negro, ou caber a este grupo, bem

como, uma rebaixa da autoestima.

É imprescindível salientar o personagem do professor neste procedimento,

que conforme Munanga (2005), por diferentes ocasiões, inconscientemente, o

professor traz para a sala de aula modelos já postos e acordados em sociedade.

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139

Pelo método que se tem exibido nos ambientes pedagógicos, não existe táticas

apropriadas para que a pessoa negra possa se aceitar, e isto pode suscitar em

determinadas ocasiões, um autodesprezo e o desprezo ao outro de sua raça,

apontados pela coletividade como racismo do negro.

As preconcepções já pré-constituídas da realidade de uma sociedade

saturada de hibridismo racial, podem acarretar para um autodesprezo ou provocar a

constituição de uma baixa autoestima. Como também, induzir o sujeito a procurar

novos princípios apresentados como universais, na utopia de trocar sua efígie por

outra adequada coletivamente, apostando, assim, escapar da hegemonia do outro e

insignificância dele (a), suscitando em diversas ocasiões conflito de identidade. De

acordo com Munanga (Ibidem) e que se pode ressaltar em estudos, é que a vida da

pessoa negra descrita exclusivamente na circunstância do ser humano escravizado,

não desempenhando de maneira positiva a batalha da pessoa negra para sua

liberdade. Assim, a Educação poderia ser mais destacada ocasionando para a

contemporaneidade, personalidades negras importantes ao longo da história, em

sua plenitude, como por exemplo, Zumbi dos Palmares, para que os alunos negros,

e por sua vez, os brancos, apreciem a obra de outras pessoas negras.

Igualmente, um trabalho em sala de aula voltado para o tema da pessoa

negra poderá atenuar essa invisibilidade e a amortização do surgimento do

afrodescendente no livro didático, ou ainda, revelar a constituição da fantasia de não

vivência ou de categoria de minoria na coletividade, mesmo em terras onde a raça é

maior parte.

Nas muitas ilustrações de grupos e multidões o elemento negro é tratado como minoritário. [...] é importante e vale a pena ressaltar que o professor pode estabelecer a comparação entre a ilustração e a realidade do aluno, solicitando que este redesenhe, por exemplo, a ilustração em um livro ou apostila de acordo com a realidade da sala de aula, do pátio da escola, do bairro, da cidade, da rua onde mora, etc. (MUNANGA, 2005, p.79).

Detectar e ajustar o sistema de ideias ramificado ao longo do tempo é instruir

que o diferente pode ser admirável, que a heterogeneidade é engrandecedora e não

é sinônimo de desarmonia, é um dos passos para a reedificação da autoestima, da

auto opinião, da cidadania e do desimpedimento para o amparo dos princípios dos

diferentes costumes atuais na coletividade.

Page 143: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

140

De tal modo, começa-se a conceber que desfazer esse estigma da distinção

submetida às diferenças se compõe em ocupação de todos e já são abundantes os

que cooperam para chegar a esse desígnio, como a constituição de ONGs que

tratam sobre a negritude, por exemplo. A esses assuntos memoráveis e ideológicos

é que se apresenta atualmente e ao longo das décadas em nossa coletividade, a

disseminação a aversão ao outro que não se constitua da mesma etnia que uma

destinada maioria da sociedade, exemplificando, e o denominamos de

racismo/segregacionismo. Isso abala emocionalmente o sujeito segregacionado que

não pode transformar seus predicados étnicos que a vida lhe ofereceu, para ser

acolhido em uma sociedade que tem modelos diferentes de seu ser externo.

O racismo, não nasceu de uma hora para outra. Ele é fruto de um longo processo de amadurecimento, que objetivou a mão-de-obra barata através da exploração dos povos colonizados. Exploração que gerava riqueza e poder, sem nenhum custo-extra para o branco colonizador e opressor. Aos poucos o racismo foi surgindo e se consolidando, assim como toda cultura popular [...] sobrevive aos tempos porque ela é transmitida através de gerações, aconteceu e acontece também com o racismo muitas vezes. E sendo o racismo um fenômeno ideológico, ele se consolida através dos preconceitos, discriminações e estereótipos. Desta base ideológica de sobrevivência é que podemos perceber que o racismo tem sobrevivido e foi se fortalecendo através das épocas, alcançando, comunidades, escolas, salas de aula e tantos outros lugares. (MUNANGA, 2005, p.42).

Entende-se que o racismo é um arcabouço alimentado por dessemelhantes

aparelhos dentro da sociedade, abertamente ou tenuemente, os recados auferidos

no dia a dia são anexados do desprezo às pessoas negras e de seu papel na

sociedade do Brasil. Quando expandimos esses recados para o ambiente escolar,

encontramo-nos com um fato mesmo mais difícil, uma vez que também é cargo da

escola a incitação à forma de se expressar e à deferência à diversidade racial e

cultural. Não se pode esquecer e aceitar que o racismo que é reforçado por meio de

atuações públicas ou do campo particular e que influenciam desfavoravelmente a

pessoa negra, infligindo modelos para que o mesmo seja benquisto na sociedade.

O racismo à pessoa negra está profundamente conexo à cor de sua pele -

enquanto mais escura o tom da pele pare ser maior o preconceito - e a seu passado

histórico com descendência de seres humanos escravizados, que passa a imagem

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141

para uma coletividade de ser uma etnia rasa ou não capaz a certas tarefas ou

colocações. Na conjuntura exibida, essa convicção presente, é vivente, pois se

comete na escola uma concepção de inferiorização da pessoa negra e que é

fortificada por meio do material didático e, diversas vezes, por professores e pela

gestão da escola, sob preconceitos velados. Mesmo que isso aconteça de maneira

consciente ou inconsciente, tal inferiorização é presente com muita frequência.

(WOODWARD, 2014).

Averiguar, então, que o professor e toda a associação escolar têm contornos

admiráveis na Educação do aluno não seria qualquer excesso, contudo,

determinados profissionais da Educação ainda não acordaram para este grande

problema. Permanece a necessidade imprescindível de transformar a escola e torna-

la mais emparelhada da existência sociocultural e histórica de seus alunos, levando

em conta os princípios culturais locais num ponto de vista global.

3.6.2 A Psicologia Escolar na Contemporaneidade

A psicologia atual assinala-se com um tratamento mais voltado para as ações

sociais, e de acordo com Balbino (2008) a desempenho adequado e disposições

modernas têm aparecido em todos os campos da psicologia. Segundo o estudioso,

informações adquiridas em análises, palestras e conferências do Conselho Federal

de Psicologia assinalam para essa precisão, existindo, até mesmo, certa

semelhança de sugestões entre os especialistas dos diferentes espaços. Isso se

demonstra em formação fundamental generalista concreta, além da formação

tecnicista tão vigorante ainda atualmente nos cursos e da moral afetada com as

dificuldades sociais. Averígua-se um grande número de pesquisas que sugerem

abranger e debater os encalços da psicologia e da estruturação dos psicólogos.

Baseando-se nestas análises e discussões sobre a psicologia, conjecturam

transformações palpáveis de atuação.

Do ponto de vista de Balbino (2008), a ciência gerada na psicologia, a cada

passo, é centralizada abundantemente no feitio particular, recusando um exame

mais penetrado nas aparências políticas e socioeconômicas e, colaborando para a

ausência de conjuntura do saber psicológico ao longo dos anos. Essa maneira de

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142

direção e análise também eram seguidas nas orientações teórico-práticas no campo

da psicologia escolar.

Diante disso, Balbino (Ibidem), cooperar para um amoldamento integral da

criança, buscando descobrir dissoluções apropriadas para as variadas

circunstâncias ou problemas apresentados pelos alunos por meio do diagnóstico,

orientação e encaminhamento dos episódios, além do estudo metódico de todos os

alunos dos primeiros aos últimos anos escolares. Conforme o autor, o psicólogo

escolar não deve se recostar no papel do psicólogo da dinâmica em grupo com os

alunos, todavia, avaliando a sua existência histórica, cultural e social. Para

sobrepujar seu desempenho individualista, especialmente, no que se refere à

solução de episódios de alunos mais rebeldes, o pesquisador aconselha uma

atividade preventiva com os familiares e professores.

Ao ponderar as conexões entre sociedade, Educação e psicologia escolar, é

importante idealizar a probabilidade de penetrar na leitura criteriosa quanto aos

conhecimentos empregados nesse campo e ao personagem admitido pelo psicólogo

escolar na coletividade. Medindo, nomeadamente, o desenvolvimento dos

psicólogos, salvaguardando a formação em psicologia clínica, em seu sentido mais

limitado em avaria, diversas vezes, às outras áreas. Balbino (Ibidem) lembra das

práticas voltadas para o diagnóstico e o tratamento de distúrbios da personalidade,

como também, enfatiza que os bacharelados não têm dado a necessitado zelo à

formação do psicólogo de modo a instigá-lo e aprontá-lo para a destreza de uma

colocação preventiva e emancipatória, ligados às classes segregadas da sociedade.

Desta forma, ainda tente mudar seu papel social e dar prioridade à psicologia

escolar nas faculdades, apreende-se que a figura do psicólogo clínico é proeminente

na formação e na prática anímica.

Conforme Almeida (2003), na ação escolar, a psicologia escolar, por diversas

vezes, avigora a culpa que incide sobre o aluno e desobriga os fatores

interescolares e os assuntos sociais da elevação do insucesso escolar. Estes

julgamentos mostram-se extremamente conexos para o exercício do psicólogo

escolar, porquanto, tendo sua performance diretamente voltada para a escola esse

especialista desempenha muito prestígio na compreensão dos especialistas em

Educação. A psicologia sobreposta à Educação é motor de amplas transformações

na escola, consoante Almeida (Ibidem), contudo, espaço de escassas aquisições

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143

nos cursos de bacharelado na disciplina psicologia escolar e problemas de

aprendizagem.

[...] o curso deve preparar o profissional dando-lhe instrumentos para resolvê-los, mas com concepções que excluem a ideia (sic) de que é na interação com o meio e na apropriação dos símbolos e instrumentos já desenvolvidos que se constrói o ser humano. (ALMEIDA, 2003, p.26).

O exemplo de desempenho regulado em diagnósticos vem medindo diversos

julgamentos, principalmente, por aqueles que asseveram ser essa forma de

acolhimento uma adaptação sem apreciação dos métodos da psicologia clínica para

a Educação, todavia, os especialistas ansiando domar o método clínico, afastavam-

se de uma abordagem clínica, o que, sem equívoco, colaborou para o adensamento

do colapso de identidade do psicólogo escolar. De acordo com Almeida (2003), as

vertentes críticas parecem não ter oferecido métodos baseados na teoria que

pudessem auxiliar diferentes aprendizados profissionais dos psicólogos escolares, e

as apreciações psicológicas passaram a ser aceitas como retrógradas. Nessa

inovação do papel do psicólogo escolar, uma nova identidade procura ser

apresentada, uma obra que recupere a atenção individual do sujeito na escola, mas,

que seja expandida para as conjunturas dos assuntos sociais que atravessam esta

atmosfera. Mover-se entre atuações que se amparam no aspecto clínico e

implementar na escola a investigação das elaborações da psicologia social, quem

sabe isso se exiba como a maior provocação do psicólogo escolar: debater o

desenvolvimento do ser humano sua psique e sua analogia e inclusão no meio

social.

Conforme Lane e Sawaia (1995), perceber o motivo deste procedimento

social, cultural e histórico é uma provocação para conhecimentos do ser humano. A

psicologia social ocasiona amplo apoio nas suas produções, entendendo por que o

ser humano, que é um ser social, que compreende que sem o outro não existe

sociedade e, ainda assim, convive em permanente hostilidade interpessoal. Sawaia

(Ibidem) dizem que são várias as pesquisas as quais assinalam para a essência

social do ser humano, necessitando ser desmembrado com o meio o procedimento

de edificação de cada pessoa.

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144

Desvelar os vários níveis de opressão e exclusão seja em que âmbito for [...] no qual o indivíduo está sujeito, e como ele resiste e aguenta submeter-se ás certas condições humilhantes. É preciso pesquisar, para conhecer a maneira como esse processo se objetiva no cotidiano deste indivíduo e como ele vivencia este momento de sua vida, buscando onde a motivação, emoção, pensamento, sonho, desejo, fantasia, representações nestes diferentes agentes sociais. (LANE e SAWAIA, 1995, p.165).

Para que todos esses feitios inseparáveis à formação do ser humano e

presentes, além disso, no ambiente escolar possam ser identificados de maneira

lógica o psicólogo escolar tem que adotar um lugar tático, alcançando todas as

gradações que passam pelas relações, as falas, os comportamentos na escola,

assim, contribuindo com seu desempenho para a eficácia desse procedimento.

[...] utilizando-se dos conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia da Educação e da Psicologia Escolar. Nos estudos para a elaboração dos conteúdos básicos de cada série [...] (COSTA, 2006, p. 23).

Para o pesquisador, esse desempenho pode estar presente ainda na

execução das semanas de planejamento, cursos de aperfeiçoamento e atualização

dos profissionais nos currículos escolares. Nas reuniões necessita participar com

sugestões palpáveis e bem organizadas para que toda a equipe técnico-pedagógica

chegue a seus desígnios. Na perspectiva de Costa (2012, p. 36), para um

desempenho direto, precisa-se esquematizar atos que designem ajudar o corpo

professor, ampara-o na solução de dificuldades educacionais, nomeadamente,

naquilo que intervém ou atrasa o procedimento de comunicação e assimilação do

conhecimento. Prontamente, de uma maneira indireta.

Para uma atuação indireta deve inteirar-se do planejamento elaborado pelo Supervisor Escolar [...] às ações que este profissional desenvolve junto aos professores e, procurando perceber como os diversos setores da escola concebem o professor, ou seja, que importância lhe é atribuída. (COSTA, 2006, p.38).

O pesquisador adverte como finalidade da aprendizagem a modificação

universal do aluno para que esse chegue à evolução regular das suas pujanças.

Revolve-se, logo, imperativo que o psicólogo escolar tenha uma densa ciência da

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145

vivência escolar, do procedimento educacional e dos problemas que os

especialistas, especialmente os professores encaram, aprovisionando auxilio teórico

e prático para tal superação. Qualquer sujeito, em na sociedade tem uma

incumbência para com a Educação e, por isso, compete ao psicólogo escolar o ato

de mediar e proporcionar a elucidação e ponderação sobre do papel de cada um no

grupo pedagógico. O meio de ingerência do psicólogo é muito extenso e intricado.

Balbino (2008) apreende que é forçoso repensar a fantasia da psicologia clínica nas

escolas, bastante vezes também vista como solução de dificuldades.

Adverte-se da acuidade de comprometer-se com uma ciência e fazer

psicológicos na escola, conectados à modificação da coletividade do Brasil. Para

Balbino (2008, p. 27), o psicólogo é visto como um “agente social ativo, discutindo e

redefinindo seu papel profissional na busca de uma maior contribuição na solução

dos inúmeros problemas da educação no Brasil.” Estas dificuldades aludidas pelo

pesquisador são: desajustamento do ensino, desqualificação dos professores,

gravidez precoce, anticoncepção e Doenças Sexualmente Transmissíveis- DSTs,

alto indicador de analfabetismo, alunos evadidos e reprovados, violência, drogas,

prostituição infantil.

3.6.3 Psicólogo Escolar e os Temas Presentes no Cotidiano do Aluno Negro

No conjunto de temas proporcionados pela psicologia, averiguar-se por meio

das complexidades que a psicologia tem demonstrado insuficiente atenção acerca

da causa da diversidade racial. Destacamos aqui o estudo de Campos (2002) que

faz uma classificação com cerca de cinco mil estudos da psicologia do Brasil, destes,

apenas onze que abordam de alguma maneira o racismo e de dados vinculados ao

mote da raça negra. Conforme Campos (Ibidem), a psicologia não vem abordando o

assunto, uma vez que se entende que das três linhas étnicas fundamentais que

formaram o Brasil, os índios e os afrodescendentes conservaram-se quase que

incólumes de serem elementos de estudo e investigação por parte dos psicólogos.

Camuflar o assunto da discriminação e não a admitir importa a um conjunto

que visa à conservação da segregação étnica no Brasil. A verdade brasileira é que a

discriminação se arma a partir do desconhecimento da adversidade. De tal modo, o

racismo no Brasil é o que manifesta uma iniquidade mais cruel, uma vez que temos

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146

a gênese do sistema de ideias social na fábula de um democratismo racial. Assim,

deve-se concluir que a psicologia de certa maneira, desponta-se comparsa dessa

fábula. De acordo com Volpi (2008), esse hiato origina consigo danos para os

sujeitos que padecem de hostilidade em sociedade e para a própria ciência da

mente. O principal ponto a ser analisado é que a psicologia não perfilhando o

infortúnio do racismo, abandona a contribuição para elucidar um tirocínio social

assaz proeminente: a desqualificação a que o sujeito está exposto na coletividade.

Esta correlação suscita muitos assuntos em relação à identidade nas quais

essas pessoas desprezadas não podem, com comodidade e calma, ver a si, ou, de

outra maneira, ele se distingue como alguém impresumível e declinado. Diferente

ponto de vista é que além desse acontecimento de reconhecimento nocivo, a ciência

psicológica não tem cooperado para aceitar mais a própria edificação individual do

ser negro e deixa de colaborar para impedir ou abrandar as implicações

catastróficas da discriminação (COELHO, 2009). O que se entende, de acordo com

Crochík (2017), é que nesta constituição e transformações sociais no dia a dia, é o

preconceito de chancela, que é o preconceito de acordo com as feições físicas, por

intermédio desse preconceito é bastante intrincado os indivíduos verem as pessoas

negras de uma maneira positiva.

Estes escritos, quem sabe, convenham para abonar a diferenças étnicas

persistentes ou a ambição de atenuá-la de determinada maneira, porquanto a

discriminação declaradamente está encravada no preconceito. Se a discriminação

não acontece, o preconceito pode estar introduzido, por exemplo, sobre alguma

pessoa, por meio de sua feição, neste caso, deve-se enfrentar ele antes que se vire

confessado e despontado. Ao se lidar tão-somente com a discriminação e não o

preconceito desiste-se de uma intenção que pode deflagrar em outra ocasião.

Conforme Cardoso (1999) torna-se imprescindível a ciência e apreensão acerca dos

direitos humanos nas políticas públicas, uma vez que são por meio desses

mecanismos que são apresentadas execuções e táticas para vitórias nesses

contextos.

Igualdade: os direitos humanos são intitulados por todos os indivíduos pelo mero fato de serem seres humanos; e dignidade esta concepção permite que junto ao conceito de igualdade haja o reconhecimento da diferença, tais como aquelas relacionadas ao gênero, à raça, à idade, [...], mas a igualdade de dignidade concede

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147

a qualquer ser humano o caráter de fim em si mesmo e não de mero meio para outros fins. (CARDOSO, 1999, p.29).

Os Direitos Humanos são princípios edificados pela humanidade que visam

ser adequados invariavelmente nas diferentes coletividades que integram o planeta

Terra. Compete, então, à psicologia, enquanto ciência e profissão envolverem-se

com essa edificação, uma vez que quaisquer formas de exercícios que não debata a

decência e a moral do ser humano deve ser abandonada e destruída. A psicologia

tem grandes subsídios e um papel importante no auxílio dos sujeitos e dos grupos

sociais na superação e constituição das relações humanas.

Cardoso (1999) menciona outra apreciação a ser debatida pela psicologia que

é o de exclusão e inclusão, adicionando a partir destes dados, outros assuntos,

como: abuso, superioridade, opressão, dependência. A inclusão vem sendo

empregada no procedimento pelo qual os indivíduos que precisam de condições

específicas possam aproveitar dos direitos igualmente aos demais sujeitos ou

desempenharem a sua cidadania. (Cardoso, 1999).

No amplo meio conceitual da psicologia, compete a essa ciência identificar e

tratar o racismo, arquitetando meios de treinamento da cidadania, ao lado das

políticas públicas, empregando ferramentas de cautela, recuperação e correlação de

oportunidades para a ascensão do respeito e convívio harmônico com a diversidade

independentemente de quais sejam os predicados das pessoas, o essencial é

respeitar.

3.7 Discussão Científica Acerca da Ética nos Estudos com Crianças

A averiguação na infância, ponderando procedimentos em que as crianças

são consideradas indivíduos, com um papel mais ou menos ativo, porém,

consecutivamente, significativo na sabedoria que se arquiteta sobre elas, há uma

história moderadamente atual. Também, assim, é a história da ética no estudo com

crianças. Em primeiro lugar, é forçoso designar ambiente para a infância no discurso

sociológico e em seguida ter que afrontar o crescente enredamento e imprecisões

da infância durante acontecimento contemporâneo e mutável e capaz de ser

pesquisado em si mesmo, preservando um conjunto de pressuposições éticas.

Page 151: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

148

Como o vínculo entre ética e ciência tem sido consecutivamente reconstruído

e reformado, quer sopesando os valores epistemológicos que guiam o olhar dos

observadores quer ponderando as categorias concretas, que em cada conjuntura se

vão exibindo e atribuindo complexidades diferenciadas ao processo de edificação de

conhecimento, como também, as discussões acerca da ética na pesquisa com

crianças tem sido uma construção complexa, como aponta Gallacher (2008).

Com referência aos valores epistemológicos, é incontestável a contribuição

que dados reguladores da ética em estudos têm dado, como é o caso do Código de

Nuremberg de 1947, ou a Declaração de Helsinque de 1964, os quais difundiram a

discussão e a ponderação sobre a proteção dos direitos dos cidadãos em geral em

estudos científicos. Apesar disso, esses documentos são mensageiros de algumas

barreiras que implica enfatizar, quando justapostos à ocorrência palpável da

infância.

A inicial barreira diz respeito aos espaços científicos a que se faz apelo

nesses documentos, principalmente, no primeiro. Defende-se, especialmente, a

partir das ciências médicas e do rigor ético que se deve proteger, ininterruptamente,

que os indivíduos são submetidos a tratamentos médicos. Perder-se, de tal modo, o

rigor ético que ainda deve ser sensibilizado quando se fazem estudos em outros

campos, designadamente na esfera das ciências sociais, sendo a deficiência ainda

maior no que se refere a estudos com crianças.

O debate sobre ética e estudo com crianças não tinha muita clareza, sendo

quase ausente, bem como no que se referia aos instrumentos reguladores dessa

relação e no tocante a publicações acadêmicas. Esse fato começa a ser modificado

a partir do instante em que se assinalam alterações no modelo com alicerce no qual

se compreende a criança e a infância, disseminando-se, assim, as bases para um

aperfeiçoamento ético-metodológico nas relações de estudo com crianças.

Os primeiros escritos que debateram ética no estudo com crianças, em

ciências sociais, datam de meados da década de 1990. São pesquisas de Alderson

(1995) que põem o ponto ao começo de uma discussão que ao longo desse trajeto

se foi energizando e encarando uma invisibilidade que se tinha alcançado conservar

até então, amparada, essencialmente, por dois contextos. O primeiro defendia o

crédito de que informações contraídas com crianças não eram garantidas, uma vez

que estas eram necessariamente definidas a partir de registros de déficits e

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149

inaptidões, tal como se refere Sarmento (2000, p. 157): “a criança é considerada

como o não adulto, e este olhar adultocêntrico sobre a infância regista

especialmente a ausência, a incompletude ou a negação das características de um

ser humano „completo‟”. Eram deste modo, desnecessárias as apreciações das

crianças na constituição de conhecimento sobre seus pontos de vistas, com o

ardiloso assunto de que elas não tinham capacidades apropriadas para produzir

falas ressaltantes sobre as matérias que lhe diziam respeito.

O segundo contexto sustentava um viés paternalista, ao defender que as

crianças não careceriam participar dos estudos por causa de sua delicadeza e a

probabilidade de poderem ser abusadas de algum modo pelos estudiosos.

Quaisquer uns dos argumentos indica o afugentamento da criança do procedimento

do estudo, na carência de uma precisão de pensar eticamente algo que não tinha

qualquer estatuto científico, reflexivo e epistemológico.

E é esta invisibilidade que queremos interrogar para poder ressaltar

conjunturas fundamentais de inclusão das crianças no estudo e impedir aquilo que

Santos e Meneses (2009) indicam como danos importantes do conhecimento,

quando se mencionam ao procedimento de aniquilamento da riqueza das aparências

do saber local, da diversidade cultural e das híbridas visões de mundo

protagonizadas por elas, que ficam subordinadas e sufocadas pela maneira como a

sabedoria predominante tem vindo a ser arquitetada. No caso atual, reapropriamos

essa apreciação para proteger que, no caso da infância, assemelha registrar-se um

conhecimento, uma vez que desprestigiam a edificação do ser, os seus pontos de

vistas, a sua autoria e autoria social.

Sem proteger essas categorias no estudo, todo o método de edificação de

conhecimento fica, decisivamente, afetado, como também, o regulamento conferido

às crianças nesse procedimento, inferiorizando-se as concepções das crianças em

detrimento dos adultos, tornando invisível, dessa forma, a riqueza que viria das suas

contribuições e heterogêneas visões e conjunturas.

Este dano da ética pode admitir várias formas, tal como defende Alderson e

Morrow (2004), quando identifica três conceitos no estatuto ético das crianças na

averiguação. O primeiro conceito refere-se a sujeitos desconhecidos de pesquisa, os

quais estão desinformados sobre o acontecimento de estarem sendo pesquisados,

não lhes sendo sequer requerida anuência. O segundo faz referência aos sujeitos

Page 153: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

150

prevenidos, aos quais é solicitada acessão ciente de que estão sendo observados e

examinados, porém, dentro de um desenho adulto rigoroso, em que tudo é

determinado e monitorado pelo adulto. O terceiro conceito, aquele que estabelece

renovadas configurações de eticamente enfadar as crianças no estudo, que é

denominada pela autora de participantes ativos, e dá conta de ações éticas nas

quais a criança é avisada sobre os desígnios e dinâmicas do estudo, sendo-lhe

solicitada a anuência ciente e tendo a probabilidade de influenciar à maneira como

transcorre a sua atuação.

Essas três imagens podem, na atualidade, conviver, o que nos reproduz para

algo híbrido expressiva no estilo como eticamente os pesquisadores se implicam, ou

não, com as crianças, na maneira como salvaguardam uma conexão de respeito, ou

não, com as crianças no estudo, na maneira, afinal, como as tratam enquanto

indivíduos de direito. As modificações a que temos vindo a assistir, dão-nos conta de

distintas maneiras de encarar cientificamente, reflexivamente e epistemologicamente

a criança, e de diferentes maneiras nas conexões do estudo e no espaço de

visibilidade e legalidade que as crianças podem e passam a adotar. (Morrow, 2004).

Com a urgência de aspectos teóricos sobre a infância que defendem que a

criança é um sujeito social, com uma ação socialmente proeminente (Corsaro, 2011;

Ferreira, 2004; Prout, 2016; Sarmento, 2004a/b; Pinto 2017, Albuquerque Jr. 2017 e

Gonçalves 2017), um indivíduo com direitos e um ser ajustado em seus mundos a

que pertencem, nos quais, organizações e relações sociais indispensáveis de

ordens sociais infantis (Fernandes, 2016) constroem-se as qualidades para que as

crianças sejam vistas enquanto pessoas significativas com as quais se pode edificar

conhecimento científico proeminente.

Movimentam-se a partir deste ponto novos aspectos metodológicos no que se

refere ao estudo com crianças, de forma que possa exceder aquilo que Woodhead

(2004; 2013) chamou de “versões estreitas” sobre a criança que, até então, tinham

sido ofertadas pelos discursos acadêmicos e procedimentos de averiguação

predominantes, indicando em escolha aspectos interdisciplinares que amparem

abordagens conexas de inquirição que distingam, determinem e especifiquem as

diversas maneiras em que a infância é socialmente construída e reconstruída.

Estes pontos de vistas mobilizam-nos a refletir que desenvolver estudos

eticamente cientes com crianças refere-se deixar vir à tona uma vertente mais

Page 154: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

151

intricada no qual o pesquisador é afrontado com novos problemas éticos e novos

encargos (Farrell, 2012). Tal não constitui uma rejeição do conhecimento clássico e

dos procedimentos empregados em estudos ao longo dos tempos, mas, sim, que se

considerem novas probabilidades de anuir metodologicamente às crianças, como

informantes, o que indica movimentar novos posicionamentos metodológicos e

éticos que respeitem as peculiaridades que existem na pesquisa com crianças.

Constitui ponderar que não existe uma infância uniforme, mas, sim, uma

diversidade de infâncias; que não existe procedimentos de averiguação

indiferenciados à espera de serem justapostos às crianças, porém, que há uma

heterogeneidade de probabilidades metodológicas na inquirição com crianças.

Constitui, por fim, que não há uma ética a ser seguida passível de ser

replicada em cada argumento, mas que as relações éticas são carregadoras de

diversidade e complexidade e estabelecem um cuidado ontológico constante de

constituição e reconstrução, porque a ética está diretamente ligada à edificação ativa

de relações de inquérito e não pode ser fundamentada em conjecturas ou

estereótipos sobre as crianças e da infância.

Distinto análogo nesse trajeto admite uma natureza mútua, porém,

complementar da anterior. Estamos falando do movimento de consolidação de

direitos para as crianças, que alcança a sua maturidade no começo da década de

1990, com a publicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, a partir da qual

fica corroborado convencionalmente um conceito da criança como pessoa ativa de

direitos, o que é fundamental analisar sua voz e participação, bem como, a

preservação do seu interesse maior, direitos estes que se necessitam exprimir em

éticas viáveis (Bell, 2008, p. 7-20), sustenta ainda que tal ética existente motiva um

direito capital para todas as crianças que é o direito a ser averiguado corretamente,

que tem como requisito extrapolar uma adversidade clássica acadêmica, de

produção do conhecimento desvinculado da vida das crianças. O direito a ser

pesquisado corretamente, de acordo com as autoras, promove uma cautela no

estudo que debate “temas, padrões, diferenças, experiências dos mundos de vida

das crianças através dos tempos, espaços e culturas” (Idem, p. 369). Para tanto,

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152

elas sugerem que se movimente um olhar cauteloso para o texto da Convenção

sobre os Direitos da Criança14, em concreto para os seus artigos 3º, 12º, 13º e 36º.

O artigo 3º, alusivo a um dos valores mestres da salvaguarda e respeito dos

direitos da criança, a sua veemência maior, consente-nos amparar de maneira sólida

que em quaisquer processos de pesquisa o que precisa sobressair, sobre qualquer

outra convicção, é o respeito pela criança e pelas particularidades que a assinalam.

No artigo 12º da referida Convenção deve ser mobilizado no alvo de considerar as

apreciações e aspectos das crianças em estudos que as envolvam e que lhes digam

respeito, atrelado ao artigo 13º, que consente amparar a cobrança de mobilizar

procedimentos que admitam à criança comunicar seus pontos de vista.

Estes dois artigos são, necessariamente, admiráveis para dar conta de uma

das condições éticas mais evocadas, que é o consentimento informado. Por fim, de

mencionar, também, o artigo 36º, no desígnio de precaver-se com amparo da

criança contra o abuso, ou seja, resguardar que as crianças não devem ser lesadas

ou oprimidas por sua participação em quaisquer estudos científicos.

Uma das primeiras contribuições neste debate foi, sem sombra de dúvida, a

oferecida por Alderson e Morrow (2004), com a sugestão de um percurso ético na

pesquisa com crianças, ao perceberem pareceres importantes a ser respeitados

nesse procedimento, especificamente, a forma como são acentuados os desígnios

da pesquisa, como são protegidos os custos e benefícios de sua efetivação, ou

ainda, como são acatados os assuntos da seleção, confidencialidade e anonimato,

para além da forma como é adquirido o consentimento informado, entre outros.

Discutir-se-á, posteriormente, alguns deles.

O primeiro elemento identificado pelas autoras tem a ver com a maneira como

os desígnios da pesquisa são acentuados. Assim, quando o observador define a sua

pesquisa, deverá interrogar-se relativamente à conveniência que a pesquisa afiança,

bem como os interesses que são estimados no estudo.

O segundo elemento tem a ver com os custos e benefícios referentes ao

estudo. Nesse sentido, deve-se interrogar se as crianças poderão correr

determinadas temeridades ou tolerar custos, principalmente, no que se refere ao

tempo, inconveniência ou acanhamento. É necessário garantir se o estudo

14

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm

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153

resguarda a possibilidade de as crianças poderem beneficiar-se com a sua

participação no estudo, designadamente, com contentamento, aumento de confiança

ou conhecimento, dentre outros. Um terceiro elemento tem a ver com os assuntos

referentes à privacidade e confidencialidade. Esses pontos envolvem diferentes

ocasiões do estudo. Desde seu início, protegendo a maneira como se arranja o

acesso às crianças e como se preserva que elas possam escolher abandonar o

estudo, ou então, de que forma se proteger no estudo de engenhos de desistência

que não sejam usurpados. Devem também se resguardar os espaços onde os dados

são guardados, de modo que não haja possibilidade de outras pessoas externas à

pesquisa acessem informações sigilosas sem o tratamento prévio dos dados

obtidos, visto que tais dados devem ser resguardados pelo pesquisador. Alderson e

Morrow (2004).

Tem-se que considerar nesse aspecto uma questão com alguma

complexidade, que deverá equacionar a probabilidade de serem publicados

acontecimentos reveladores de risco para as crianças e a maneira como os

estudiosos trabalham com os dados recolhidos. São complexas as soluções, mas

elas devem contemplar, por um lado, a relação de confiança estabelecida entre

pesquisador e crianças e, por outro lado, a cobrança que qualquer adulto tem no

sentido de resguardar a criança. É, também, importante analisar nesse aspecto

assuntos conexos com o emprego fornecido pelos dados recolhidos durante o

processo de investigação, sejam notas, gravações, filmagens do estudo ou outros

materiais para proteger o anonimato e a confidencialidade dos informantes.

Um quarto elemento analisa a maneira como são selecionados os

participantes para o estudo. Como proteger o princípio da não exclusão nesse

procedimento é a maior questão. Como se abona a inclusão de uns e a exclusão de

outros é um aspeto que o pesquisador deve proteger, de forma que seja respeitoso

com todas as crianças. Um quinto elemento tem a ver com o consentimento

informado.

De acordo com Morrow (2005), o consentimento é um procedimento pelo qual

alguém, de forma voluntária, aceita participar de um projeto de investigação

fundamentado na análise de dados relevantes. O consentimento informado tem sido

um dos ares éticos mais profundamente debatido nos últimos anos. Conforme

Dingwall (1980, p.872), a esta finalidade, defende que é essencial ponderar uma

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154

hierarquia de anuências, uma complexidade de opções e de introversões

situacionais e um conjunto de códigos de comportamento que envolve certas

perspectivas recíprocas, o que estabelece um procedimento progressivo de

ponderação para protegê-los. De acordo com Ferreira (2010) o tema da anuência é

de uma maneira prudente e atenciosa para as crianças quando argumenta.

A análise de algumas configurações que o assentimento e as recusas por parte destas crianças podem assumir ao longo da pesquisa procura evidenciá-los como um processo contingente, heterogêneo e dependente da relação social de investigação que vai sendo construída, bem como das interpretações que as crianças tecem acerca da pessoa da investigadora. (Ferreira, 2010, p. 1).

Este é um elemento que estabelece uma incessante ponderação, refletindo

sempre sobre os protocolos, tal como os procedimentos, não são estáveis, mas, sim,

ininterruptamente ativos e renegociáveis, necessitam ponderar os atributos das

crianças e dos adultos implicados, bem como as características que descrevem os

seus mundos em seu dia a dia. Carecem, nesse procedimento, avaliar as

apreciações “ação” e “competência” e agrupar outros como a inabilidade, a

dependência, a imaturidade e a incompletude - adultos e crianças -, os quais são

elementos inseparáveis à ambiguidade dos indivíduos envolvidos, quer sejam

adultos, quer sejam crianças é imperativo para assimilar determinadas

intranquilidades que se reservam nos estudos.

A obediência e respeito por todas essas questões admite-se como um desafio

acrescentado se ponderarmos que existem outras extensões que têm de serem

tratados concomitantemente, especificamente os temas etários, que não sendo

decisivos e estáticos no que diz respeito às aptidões das crianças, determinam um

olhar cauteloso que saiba respeitar e apreciar as diferentes competências de cada

criança neste procedimento. Essas capacidades estão densamente ligadas com os

primeiros aprendizados das crianças, com o seu aparato socioeconômico, bem

como com os assuntos de gênero, de fé, com os próprios temas da pesquisa, da

totalidade do estudo e ainda das metodologias de investigação empregadas.

As discussões acerca dos modos como esses e outros elementos éticos

estão sendo - ou não - respeitados no estudo com crianças têm sido objeto de

ponderação na academia, em que se proporcionam argumentos e contra-

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155

argumentos a esse fim, tendo, no entanto, sempre como denominador comum à

defesa de que proteção e segurança são capitais no aperfeiçoamento de uma

relação de respeito com a criança, na qual seja blindado, em quaisquer momentos, o

interesse maior.

3.7.1 Provocações para uma Ética Necessária na Pesquisa com Crianças

Do esclarecido até este momento, apreende-se um trajeto importante na

superação do fracasso ético a que estabelecíamos alusão no item inicial do escrito.

De fato, no decorrer das últimas décadas, viu-se um investimento acadêmico,

especialmente, auxiliado pelas pesquisas da infância ou da criança, que pôs nos

registros dos estudos as crianças e os elementos éticos que lhe são intrínsecos,

devolvendo-as como pessoas ontologicamente significativas e metodologicamente

proeminentes, procedimento esse ciente eticamente por um contíguo de conjecturas

a que já fizemos alusão.

O argumento que presentemente alçamo-nos motiva a refletir em maneiras

mais contemplativas de considerar não apenas as valiosas normas éticas, que

começam a fazer parte das expressões predominantes nos estudos, como também,

alcançar que tais normas se solidifiquem em uma ética duradoura e expressiva para

as crianças. A esta finalidade, identifica-se três elementos que gostaríamos de

debater mais detalhadamente: os casos de poder e a maneira como eles necessitam

ser motivados nesse procedimento; as hierarquias protocolares e a (in) visibilidade

epistemológica das crianças nos estudos; e, por fim, tratar acerca de elementos da

produção das crianças e dos adultos nos escritos de estudos, isto é, debater de que

maneira a ética é ainda valorizada nas ocasiões de apreciação e interpretação do

material coletado. (FRANCISCHINI; FERNANDES, 2016).

Nas conexões de investigação que se constituem com as crianças, para além

dos impasses éticos que assentam, estabelecem uma atitude diligente

comparativamente aos casos de poder que aí se arremessam, nas quais crianças e

adultos adotam papéis e espaços que não precisam tornar-se algo natural, mas, sim,

interrogados. Como sabemos, um dos elementos que mais repetidamente

assinalam-se os vínculos entre adultos e crianças é a questão hierárquica, na qual o

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156

adulto destaca-se como o possuidor de mais conhecimento, mais experiência e, por

isso, tem ainda o poder de deliberar, de comandar.

O adulto é, nesse encadeamento, a forma do poder. Quando o poder é visto

como uma forma de autoridade, quando os pesquisadores empregam o seu poder

enquanto adultos, não se abstraindo dele, nem o resguardando no convívio da

investigação que constroem com as crianças, para chegarem a alguns desígnios

científicos, as diligências de pesquisa que daí deriva arduamente poderão ser

acatadas como diligências cientes eticamente.

A sociologia da infância tem debatido esse feitio há muitos anos, com

interesse de não se admitir, de maneira implícita, esse vínculo hierárquico e se

ajuizar em maneiras reveses de arquitetar conexões de estudos com as crianças,

que sejam mais horizontais e respeitáveis com relação à criança enquanto sujeito

social ativo. Christensen (2004) afirma a esta finalidade que é basal ponderar as

questões de poder como intrínsecos ao processo de pesquisa, uma vez que “a

pesquisa é uma prática que faz parte da vida social. Tal requer que o pesquisador

preste atenção a assuntos mais abrangentes da vida social e cultural, que são, ou

podem ser, sensíveis à questão do poder” (Christensen 2004, p. 166).

A autora assevera ainda, que é significativo extrapolar o conceito de que o

poder está acomodado em divisões, nesse caso, de adulto e de criança, para passar

a avaliar que ele está especialmente subordinado aos aspectos sociais que cada um

tem sobre a autoridade do outro, o que tem alusões diretas na maneira como se faz,

negocia-se, pesquisa-se, finalmente.

Expedindo-nos, desta forma, para o veemente conceito que Foucault (2002)

proclama de que o poder inexiste, o que existem são relações de poder, precisando,

assim sendo, interrogar-se de modo flexível à forma como nós, enquanto adultos

pesquisadores edificamos o vínculo de pesquisa com a criança para proteger sua

participação no estudo para que possa ser desempenhada pela criança de uma

maneira livre. Anuímos, também assim, com Morrow e Richards (2005, p. 98)

quando afirmam que “[...] o maior desafio ético para os investigadores que trabalham

com crianças é a disparidade de poder e estatuto entre adultos e crianças”. Existe a

persuasão de que a maneira como o adulto toma a autoridade dos processos nas

relações com as crianças e jovens é, ainda, reveladora de relações de poderes

desiguais; há, ainda, a convicção de que estas relações de poder desiguais são

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157

replicadas se não duplicadas nos procedimentos de pesquisa (Harden et al., 2000;

Morrow 2005; Prout, 2016).

De acordo com, Volpi (2008) elenca determinados elementos que poderão ser

guias de alguma alteração a esse respeito, especificamente, a precisão de interrogar

até que ponto as crianças se sentem livres para desistir de participar de uma

pesquisa, livres para abdicar o estudo e, ainda, até que ponto dá as suas próprias

apreciações e dividem estágios com os investigadores sem se sentirem obrigadas e

sugestionadas na maneira como produzem com a autoria de seus desempenhos.

Também Fernandes (2016) exibe um contíguo de táticas para encarar

metodologicamente os assuntos de poder nas relações de investigação, passando

pelo uso de metodologias que consentem às crianças conhecer que fazem parte do

procedimento da pesquisa, na qual tem possibilidade de oferecer seus pontos de

vista; com investigadores que sejam compassivos aos compromissos das crianças;

que estejam atentos relativamente à disponibilidade das crianças para participarem

em todo procedimento do estudo, sendo capital experimentar com elas as

possibilidades acerca de como abandonar a participação no procedimento da

investigação.

Para além desses pareceres mais prescritivos, faz-se necessário rematar

essa abordagem às questões do poder nos vínculos do estudo com crianças com

alvitre de Lee (2001) e Horton (2001) acerca da reabilitação crítica da ideia de

precocidade metodológica na investigação com crianças. Tais autores defendem

que, tal como “tornar-se”, “precocidade” tem sido muito destacada no novo modelo

da pesquisa sobre a infância e infância, vista como um produto inútil na

hierarquização do conjugado adulto-criança. Se analisarmos que todos os sujeitos

são seres em construção, também todos são, nesse sentido, imaturos, o que não

precisa ser visto de maneira negativa, mas, sim, como uma potencialidade. Ao

realçar dependência, inaptidão, incompletude e vulnerabilidade, a ideia de

imaturidade tenta exibir a averiguação social como um procedimento essencialmente

difícil, inacabado e ambíguo. Essa atitude tem a potencialidade de encarar os

elementos dualistas dos investigadores importantes e dos participantes vulneráveis,

dos adultos competentes e das crianças inábeis.

Se os investigadores fossem completamente maduros, eles alcançariam

todas as respostas; se eles admitissem todas as respostas, não precisariam fazer

Page 161: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

158

estudos. O nosso posicionamento enquanto pesquisadores adultos necessitarão

ponderar que as crianças têm conhecimentos importantes, que não será crível

conseguir de outra forma que não seja por meio de sua voz e atuações, sendo

fundamental criar espaços e tempos para que tal possa acontecer. Logo, refletir

sobre uma subjetividade emergente, que realce mais os procedimentos que os

produtos, que não os diminua as regras e técnicas antecipadamente e estritamente

colocadas pelo adulto investigador, mas que agencie procedimentos dialógicos que

aludam crianças e adultos na edificação do procedimento poderá ser uma

contribuição viável para extrapolar essa provocação ética.

3.7.2 Hierarquia e a (In) visibilidade Epistemológica das Crianças em Estudos

Científicos

A argumentação sobre a ética expede-nos para duas diretrizes. Uma analisa

a relevância da presença de normas e códigos éticos ou, mais discretamente, a

caracterização de adventos éticos. A outra diretriz destaca a incumbência particular

e as aptidões pessoais do pesquisador por meio de um aspecto de sucessiva

reflexão sobre sua própria prática. As normas e códigos éticos são bastante

relevantes, mas não são satisfatórios para compreender os enredamentos com que

o pesquisador se conecta no texto em estudo.

Uma provocação que insurge da organização e codificação da ética em

normas e institutos que gerem o instituído tem a ver com os críveis resultados

alusivos à (in) visibilidade das crianças no estudo. Conforme Allen (2005 apud

Freud, 2002).

Para muitas instituições, e também para muitas entidades reguladoras, a ética na pesquisa tornou-se, tão somente, em um processo cauteloso de gestão do risco. Como consequência, os comitês de pesquisa podem assumir posições extremamente conservadoras nas propostas de pesquisa, especialmente quando os designs da pesquisa são mais inovadores. (ALLEN, 2005 apud FREUD, 2002, p. 112).

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159

A este designio, acena, ainda, que tem sido crescente a indagação sobre o

reducionismo que pode acontecer por meio da segurança ética do estudo,

estabelecer-se a proteção de confinantes princípios reunidos. Desta feita pode

derivar a impossibilidade de desenvolver pesquisas empíricas significativas e

imprescindíveis, contendo orientações imperativas de resguardo do indivíduo, nesse

caso a criança, aguçando as suas vulnerabilidades e sustentando, assim, a

invisibilidade de sua voz. Allen (2005, p. 112) expõe-nos um aspecto mais extensivo

do que se necessita ser estimado em um procedimento de estudo eticamente

informado. Defende o autor que, para tal, não se pode diminuir o procedimento a

simples ação de preenchimento de relatórios ou do precaver e administrar perigos.

Em sua apreciação, ponderarão três planos na administração do procedimento ético

no estudo: o plano regulatório, o plano institucional e o plano pessoal.

No plano regulatório estão apreciados os códigos e normas éticos.

Neste plano houve, nos últimos anos, de direções acentuadas por determinados

pesquisadores para códigos de conduta mais diretivos que pronunciam ainda

incumbências institucionais. Esses códigos têm, progressivamente, vindos a ser

empregados e deliberam apreciações bem abalizadas o que constitui em acréscimo

para o estudo nesses campos.

No plano institucional, regista-se o desempenho que tomam as instituições e

a crescente visibilidade de comissões éticas, com a decorrente burocratização do

procedimento, nos quais os campos administrativos e políticos ostentam uma

abundante relevância nas maneiras como a cultura ética é arquitetada em cada

instituição. Existem, entretanto, determinados autores nesse paulatino empenho

institucional sobre as normas éticas, havendo episódios em que o estudo pode ficar

dependente, especificamente, em acontecimentos em que é bancada uma

administração desequilibrada dos autores beneficiados. Ao apreciar a administração

do risco de exibição em avaria de elementos mais substantivos, como é, por

exemplo, a veemência das contribuições ocorridas da participação das crianças para

a informação que é lançada sobre si.

No plano pessoal, é significativo ponderar o desempenho fundamental que o

pesquisador que tem nesse assunto, uma vez que amplas partes dos argumentos

éticos advêm no andamento da relação do que está sendo analisado, durante a qual

o pesquisador é afrontado com provocações éticas que estabelecem tomadas de

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160

decisão no momento, intensamente subordinadas às subjetividades que cada um

põe na proteção dos campos éticos. É deste modo, que se joga a ética na inquirição

com crianças. Uma administração intricada, em que determinados planos podem

afetar outros e, dessa forma, comprometer a própria edificação de conhecimento.

É essencial proteger no procedimento de investigação que as hierarquias

protocolares não impeçam epistemologicamente as crianças, aspecto que em nosso

ponto de vista depende, em grande parte, da maneira como os três planos sugeridos

por Allen (2005) interagem entre si. Versa-se, em nossa apreciação, da requisição

de avaliar em cada um desses três planos uma imagem de infância partilhada, que

considere as crianças como indivíduos, e não como simples artefatos, que avalie

que o procedimento de investigação com crianças não deve ficar refém,

simplesmente, do que está institucionalizado, sob pena de não progredirmos no

procedimento de edificação de conhecimento, sob pena, finalmente, de nutrir uma

invisibilidade epistemológica da criança.

3.7.3 Agente Ativo: investigador ou criança

No debate acerca da ética no estudo com crianças, essa é, indubitavelmente,

o campo menos estimado e debatido. Raros são os escritos que tratam os meios

como devemos resguardar eticamente na análise, na interpretação e produção dos

textos acadêmicos a partir daquilo que as crianças nos dizem durante a fase da

coleta de dados. A esse respeito, Kramer (2002) afirma.

Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância como categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da história, pessoas que produzem cultura, a ideia central é a de que as crianças são autoras, mas sabemos que precisam de cuidado e atenção. (Kramer, 2002, p. 42).

Alerta-nos, ainda, no sentido de resguardar o acontecimento, de que dar voz

às crianças não constitui puramente admitir que elas falem, aventando-se antes de

explorar a contribuição única que tal fato dá à compreensão e teorização sobre o

mundo social. Conforme a autora, a adversidade da representação é essencial no

que se refere à voz, o que estabelece da parte dos investigadores um aparato crítico

Page 164: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

161

sobre o seu desempenho no procedimento de representarem, protegendo que “[...]

refletir acerca das complexidades que enquadram o que as crianças dizem, em vez

de simplesmente defender que registar e gravar a sua voz é suficiente, poderá ser

uma estratégia para que as vozes das crianças possam ser realmente

compreendidas” (idem, p. 270).

Outra autora, Komulainen (2007, p. 11-28), falando sobre a ambiguidade que

a voz da criança pode adotar no estudo social, defende uma desconstrução da ideia

de voz, abrangido como uma edificação social multidimensional sujeita a

modificações, pois a voz é reveladora ao mesmo tempo dos discursos, das práticas

e contextos onde ocorre. Komulainen, baseando-se em Bakhtin (1990), afirma que

as vozes são sempre sociais, sendo basilar colocar em discussão, no conhecimento

que brota do desenvolvimento de inquirição com crianças, quer a autoridade, quer a

autoria.

A autora chama atenção para o fato de que, apesar das palavras das

crianças, que surgem nos documentos, poderem ser exibidas como legítimas,

coloca-se o episódio delas poderem ser selecionadas pelo averiguador e poderem

ser alocadas no escrito para ilustrar um contexto ou sublinhar um ponto de vista,

sendo assim, o ponto de vista do pesquisador e não o da criança. Os adultos que

escrevem os textos são eles que apreendem o poder acerca das vozes das

crianças.

Alça-se, assim, com muito discernimento uma cobrança ética, da parte do

investigador, no sentido de ser mais cuidadoso e cônscio sobre a maneira como, por

um lado, mobiliza as vozes das crianças e, por outro, como resguardar que essas

mesmas vozes poderão ser acuadas e adaptadas por diversos fatores, tais como as

aprovações que temos acerca das crianças, a maneira como empregamos a

linguagem, os contextos institucionais em que nos movemos etc. Isto é, para

Komulainen (2007, p. 11-28), o uso das vozes das crianças como destaca necessita

ser considerada com cuidado, atendendo aos contextos culturais da sua produção,

devendo ser compreendidas em suas individualidades, devendo a sua autenticidade

ser questionada e contextualizada, a sua autoria não desvirtuada, sob pena de

ficarem mascaradas e o conhecimento que daí derivar divulgar mais autoria do

adulto que da própria criança.

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162

Outro autor que colaborou para esse debate é Spyrou (2011, p. 151). Ao

enunciar que tendo as pesquisas com criança arquitetada sua razão de ser a volta

da concepção de voz da criança, afirma que “essa preocupação, bem recebida, quer

em termos metodológicos, quer em termos éticos, falhou fundamentalmente em

considerar de uma forma crítica as questões da representação”. O autor levanta, a

partir dessa afirmação, algumas questões que nos parecem muito úteis para,

criticamente, analisar o assunto da autoria no texto científico. Uma delas argui a

forma de enquadramentos e categorias que o investigador aplica na análise das

vozes das crianças, isto é, “se os pesquisadores tentam enquadrar dentro de suas

categorias semânticas os dados recolhidos para atribuir sentido ao que as crianças

lhes contam, ou se, pelo contrário, há espaço para que a semântica da criança

emerja” (Spyrou, 2011, p. 151).

Se isso não acontecer, se a semântica do adulto se superpuser à semântica

da criança, tudo aquilo que a criança pronuncia pode ser empregado a serviço do

que o adulto apreende ser o que a criança quis proferir. Spyrou (2011), ainda nos

alerta para a precisão de ponderar intensamente a sinalização das vozes, como

cuidado único para torná-las visíveis nos escritos que forem produzidos. Conforme o

autor, é capital identificar as vozes, entretanto, é ao mesmo tempo fundamental

situá-las devidamente nos campos discursivos de poder em que são produzidas.

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163

4 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, FORMAÇÃO CONTINUADA, PRÁTICA

PEDAGÓGICA, LEI 10.639/2003 E UM OLHAR ATENTO À DIVERSIDADE E

INDIVIDUALIDADE DAS PESSOAS

Neste capítulo tratou-se da análise dos dados da pesquisa através de

questionários e observações, realizada em uma escola pública municipal da cidade

de João Pessoa-PB, detalhadamente descrita no item 1.2 referente à metodologia

desta tese.

Foram elaborados alguns questionários que foram sendo respondidos e à

medida que fui sentindo a necessidade e falta de alguns posicionamentos das

professoras fui aplicando mais algumas questões necessárias visando responder os

objetivos, problema de pesquisa e tese. As mesmas sempre se dispuseram a

responder, bem como a participar na construção do que nomeamos por oficinas

interativas voltadas para apresentação e provocações sobre o tema. Os

questionários versam sobre assuntos referentes à prática pedagógica, formação,

conhecimentos históricos sobre a escravização na África e no Brasil, Lei 10.639,

cotidiano escolar, relação com os alunos e entre os alunos, construção da

identidade, equidade, ou seja, um apanhado geral que permitiram entender um

pouco dos conceitos, crenças, postura pessoal, bem como sobre o que pensam

sobre suas respectivas práticas, possibilitando consequentemente uma análise

indispensável sobre o que foi dito e o que é feito cotidianamente.

Não houve em momento algum durante as análises intenção de julgar,

apontar falhas, lacunas, ou pretensão de ensinar algo relegando as experiências de

vida, acadêmicas e/ou profissionais das professoras, mas sim, o propósito de

aprender, entender e refletir sobre questões importantes colocadas neste estudo,

portanto, tentou-se responder os objetivos, problema e confirmar ou refutar as

hipóteses de teses através da utilização de instrumentos e procedimentos

investigativos (observações, questionários, conversas informais, diário de campo,

videogravação, fotografias, conversas dirigidas com as crianças) considerados

essenciais para tanto e técnicas de análises (análise de conteúdo e técnicas da

análise microgenética) que contemplassem a densidade do tema e dinamismo do

ambiente e sujeitos desta investigação.

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164

Os sujeitos da pesquisa foram duas professoras, as quais foram chamadas de

Professora “Amaria Firmina” e Professora “Amália”, de modo homenagear duas

figuras de mulheres negras que contribuíram com a história de resistência das

pessoas negras, bem como a respeitar o sigilo de direito de todos os sujeitos.

Participaram da pesquisa também 43 alunos dos primeiros anos desta escola, com

as idades entre 6 e 8, sendo: 22 (10 meninas e 12 meninos) em uma sala e 21 (12

meninas e 09 meninos) em outra, também terão seus nomes em sigilo e foram

chamados de Criança A, Criança B e assim sucessivamente de acordo com as

faladas de cada uma delas e com a necessidade de apresentação destas durante o

decorrer das apresentações dos dados.

A Professora “Maria Firmina” estava com 36 anos de idade no período da

pesquisa campo, define sua cor como sendo branca, cabelos lisos e loiros, formada

em Pedagogia, possui especialização, atua na educação há 3 anos e todo o tempo

pelo município, afirmou que sua religião sempre foi a católica, já a Professora

“Antonieta”, estava com 30 anos, se denomina negra, cristã não praticante de uma

religião apenas, segundo ela: “visito todas que for chamada, já fui para várias

diferentes, as amigos chamarem eu vou (risos)”, cabelos cacheados e pretos,

também licenciada em Pedagogia, possui especialização, atua na educação há 6

anos, destes, 3 anos são pelo município de João Pessoa, ambas efetivas.

Lembrando que a classificação étnico-racial foi realizada de acordo com a

autodeclaração das professoras.

Questionadas sobre a existência de alunos negros em suas salas de aula, a

resposta foi sim. Já, quando indagadas sobre o tratamento igualitário de ambas

tanto aos alunos negros quanto aos brancos, a Professora Maria Firmina respondeu

que os trata igual: “para mim não há diferença de cor, branco, negro ou índio”. Sobre

o mesmo quesito, a Professora Antonieta disse que os trata igual:

[...] porém os alunos negros tendem não se identificarem como negros e negras, neste caso, busco enaltecer as conquistas de alguns personagens negros para que os mesmos sintam-se valorizados, e, à partir de então se reconhecem como negros e negras, ou seja, busco elevar a autoestima dos mesmos. (PROFESSORA ANTONIETA, Março de 2018)

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165

Desse modo, ressaltar e fundamentar esta colocação da Professora Antonieta

com uma reflexão pertinente de Silva (2010a) faz-se primordial, visto que há uma

discussão intensa e coerente sobre pertencimento. A autora afirma:

Ser negro no Brasil constitui uma complexa diversidade. Somos negros: pretos, pardos, mestiços, indígenas etc.; alguns de nos conseguimos ascender socialmente, a maioria permanece nas camadas populares; alguns de nós se autoidentificam como negros, uma grande parcela é identificada, mas não nomeada. Os que possuem maiores características negroides (cabelo crespo, pele escura) estão mais expostos ao preconceito e à discriminação étnico-racial. Os que possuem a pele mais clara experimentam maiores dificuldades para perceberem seu pertencimento. E por esse emaranhado de fios se tecem as redes que têm fundamentado o racismo no Brasil. (SILVA, 2010a, p. 258)

Pode-se entender as inúmeras dúvidas, contrariedades e atribulações que

uma pessoa negra vive constantemente neste país, no entanto, quando tratamos da

criança pequena em processo de formação de sua identidade, autoestima,

construção humana, torna-se infinitamente mais complexa esta autoidentificação

que perpassa pelo entendimento do por que estar sendo excluída, segregada,

olhada de lado, entre tantos outros episódios que sabemos comuns nesta

sociedade, então, como aceitar reconhecer-se em um corpo que lhe causa todas

essas adversidades? Woodward (2014, p. 15) aponta que “o corpo é um dos locais

envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos,

servindo de fundamento para a identidade”. Consequentemente, as características

físicas reconhecidas pelas crianças como prováveis motivos de exclusão social, ou

de determinado grupo ao qual a criança deseje se inserir, serão arbitrariamente

negadas.

Ainda nesta linha reflexiva, quando indagadas sobre o racismo, a Professora

Maria Firmina disse: “eu acredito que o racismo não deveria existir tento em vista a

mistura de etnias que temos em nosso país”. A Professora Antonieta opina: “ele

simplesmente existe, porém só quem já vivenciou sabe o quanto é doloroso”. Sobre

o que entendem por identidade e se acham que a construção da identidade da

criança negra e a identidade das crianças brancas se constroem da mesma forma

responderam praticamente unânimes que identidade são características próprias de

um indivíduo e concordam que as identidades das crianças negras e brancas são

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166

construídas de forma bastante distintas, “as crianças negras já nascem envoltas em

um história de preconceitos de cor de séculos atrás, enquanto as brancas serão

crianças sem estigmas” (Professora Antonieta, Março de 2018), “crianças negras

vão sofrer infinitamente mais que asa brancas, pois o preconceito é enraizado nas

pessoas” (Professora Maria Firmina, Março de 2018).

Em suma, as professoras respondem suas ideias de forma explícita, percebe-

se já inicialmente que há uma distinção entre as falas, transparecendo o

pertencimento da Professora Antonieta como pessoa negra, externando suas

vivências, a outra professora se refere a algo distante de sua realidade de vida,

então, sempre remete suas reflexões de forma mais exteriorizada e que se resume a

vivências de outros, o que era de se esperar, pois quanto a este fato de uma ser

negra e outra branca não há como contra argumentarmos que as aprendizagens ao

longo da vida se façam apartadas da prática das mesmas. Sobre isto, Silva (2010a,

p. 257) aponta que “[...] a intervenção pedagógica de cada professora está

intrinsecamente associada ao seu próprio processo de construção identitária...”.

Desta forma, lembramos que para a sociologia toda identidade é construída, a

questão é como acontecerá esse processo de construção, que de acordo com

Castells:

A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que organizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão tempo/espaço. (CASTELLS, 2000, p. 23)

Como se pode analisar, as falas das professoras estão diretamente voltadas

para suas histórias de vida, sua cultura, suas crenças, sua religiosidade, seus

antepassados, e como cita o autor, suas “memórias coletivas”, desse modo, suas

práticas, falas, comportamentos, se fazem e misturam-se com suas individualidades

construídas ao longo de suas interações e experiências.

Em relação à questão sobre a escola poder contribuir para a construção da

identidade, afirmam substancialmente que a escola tem papel primordial e analisam

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167

suas práticas como de modo geral sendo “boa” e “ótima” (Professora Maria Firmina e

B respectivamente) e quando tratamos das suas práticas voltadas para a temática

étnico-racial e consequentemente a construção da identidade negra das crianças

voltam a repetir na mesma ordem citada acima “boa” e “ótima”, mas analisam

detalhando: “minha prática é comprometida, tento fazer meu melhor, mas a verdade

é que não tive formação que auxilie no entendimento desse tema e sobre as

crianças eu vejo que elas já chegam de casa e da creche com alguma coisa de

identidade bem formada e eu estou ajudando melhorar o que não é legal e reforçar o

que é positivo” (Professora Maria Firmina, Março de 2018). A outra professora afirma

que sua prática

[...] envolve sempre que posso o tema étnico-racial, conheço o assunto e gosto de entender sobre meu povo, muito embora seja uma necessidade íntima e não que tenhamos formação para melhorar nossa prática a respeito do assunto. Sobre a construção da identidade dos meus alunos sinto que eles já vem de casa com sua personalidade e identidade meio que bem encaminhada, mas aqui eu consigo, introduzir outros pontos importantes, ajudo eles a refletir e assim vou tentando ajudar nessa construção da identidade das crianças negras, bem como as crianças brancas também a aprender sobre respeito e aceitação as diferenças de todos e dos coleguinhas negros. (PROFESSORA ANTONIETA, Março de 2018)

As assertivas das professoras se mostram positivas quanto à análise que

fazem de suas práticas, a Professora Maria Firmina por vezes se mostra mais

contida, um pouco insegura em algumas falas e posturas, mas que talvez esteja

totalmente atrelado ao pouco tempo de prática na educação e ao insuficiente

conhecimento e segurança sobre a temática, ainda assim, se mostra atenta às

necessidades e comportamentos de seus alunos quando cita que os mesmos já

trazem consigo uma carga de vivências que já os fazem demonstrarem

preconceitos, trazidos possivelmente de seus primeiros contatos interacionais mais

intensos, família e creche, etapa educacional que grande maioria deles frequenta no

ano anterior ao ingresso na escola.

Também neste ponto a Professora Antonieta reforça que “os alunos já

chegam à escola com sua personalidade e identidade bem encaminhados”, termos

utilizados por ela, portanto as duas, acreditam que seus alunos já chegam para elas

na escola com suas identidades em processo de formação já adiantado e elas

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168

estarão junto auxiliando-os, seja reforçando aspectos positivos, refletindo sobre os

negativos e introduzindo outros aspectos que considerem importantes, a Professora

Antonieta completa seu pensamento apontando ainda que as crianças brancas

também são alvo de sua prática no sentido de ensinar sobre respeito e aceitação as

diferenças.

As professoras são atentas aos alunos, aos comportamentos e demandas

apresentados, percebi durante inúmeros momentos nas observações o

compromisso em suas práticas que condizem com suas respostas aos

questionários, mesmo havendo algumas lacunas, parecem ser diminutas quando

comparadas as relações estabelecidas por estas com os alunos, conduzindo, no

entanto, suas premissas a um ponto relevante em que assumem seus pensamentos

de que a construção da identidade da criança negra vem acontecendo antes mesmo

das crianças entrarem na escola, e, logo, elas continuam auxiliando esse processo

diariamente em sala de aula.

As discussões sobre identidade são profundas e consideravelmente

complexas, aqui tomamos como base a abordagem trazida por Woodward (2014, p.

30-31) baseando-se nos estudos de Bourdieu e Hall, quando explicita que:

Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, que constituem o que Pierre Bourdieu chama de “campos sociais”, tais como as famílias, os grupos de colegas, as instituições educacionais, os grupos de trabalho ou partidos políticos. Nós participamos dessas instituições ou “campos sociais”, exercendo graus variados de escolha de autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos. [...] embora possamos nos ver, seguindo o censo comum, como sendo a “mesma pessoa” em todos os nossos diferentes encontros e interações, não é difícil perceber que somos, em diferentes momentos e em diferentes lugares, de acordo com os diferentes papéis sociais que estamos exercendo (HALL, 1997). Diferentes contextos sociais fazem com que nos envolvamos em diferentes significados sociais. Consideremos as diferentes “identidades” envolvidas em diferentes ocasiões [...]. (WOODWARD, 2014, p. 30-31).

A autora define de um modo singular e preciso que os indivíduos embora

sintam-se literalmente a mesma pessoa nas mais diversas situações, somos

diferentemente posicionados de acordo com as diferentes expectativas e restrições

sociais, no entanto, representamo-nos de formas diferentes diante dos outros

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169

nesses contextos diversos. Completa que “em certo sentido, somos posicionados -

e também posicionamos a nós mesmos - de acordo com os “campos sociais” nos

quais estamos atuando”. (p.31)

Ao fomentar essa discussão acerca da formação identitária, tomamos parte e

assumimos um posicionamento sobre a construção da identidade das pessoas de

modo geral, sabendo que aqui abordaremos mais especificamente sobre a

construção da identidade da criança negra, não há como dividir totalmente a

primeira em detrimento da segunda, visto que falamos de pessoas, assim

considerando que já segregaríamos, e o que queremos é abordar as

especificidades, unindo e ressaltando que tanto as crianças negras, quanto as

crianças brancas, e suas professoras pertencentes aos dois grupos étnicos, podem

juntos explorar, refletir, aprender e ensinar sobre e com suas construções íntimas de

identidade e as conexões diretas que estas construções possuem com as relações e

interações entre os mais variados grupos aos quais estiverem inseridos.

Neste sentido, as professoras foram indagadas sobre o que entendem por

equidade e se é difícil aplicar a mesma em sala de aula, a Professora Maria Firmina

disse que “seria aceitar e diferenciar a igualdade entre todos os homens” e que “é

complicado sim colocar em prática na sala de aula porque é uma questão cultural do

“cada um por si e Deus por todos”, mas que tenta na medida de suas condições

fazer sempre o melhor para os alunos que são seu compromisso primeiro” e a

Professora Antonieta destaca que é “garantir oportunidades de acordo com a

necessidade de cada indivíduo, visando o mesmo objetivo” e sobre colocar em

prática em sala de aula reflete que:

Não é consideravelmente simples as crianças compreenderem sobre equidade, mas quando tem um adulto orientando com uma visão sensível, dócil, flexível, aberto ao diálogo, não tentando diminuir a capacidade de entendimento das crianças, o que é bem comum ao comportamento adulto, pode ter certeza que se consegue resultados incríveis junto às crianças que ainda possuem uma inocência e amor diferente de nós adultos, resumindo é apenas uma questão de atenção e doação de tempo que está cada dia mais escasso e como professora certamente me dedico para dar meu melhor e seguir uma prática baseada no respeito a todos. (PROFESSORA ANTONIETA, Março de 2018)

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170

Em um país de desigualdades sociais, falar em equidade e em equidade

dentro da escola é algo desafiador, a escola precisa atender suas demandas sociais

e é imperioso compreender que justiça social e equidade devem fazer parte desse

movimento que se busque reconhecer os direitos de cada um sem privilégios,

segregações ou exclusões. As professoras mostraram que é possível mesmo com

todas as dificuldades acima citadas, trabalhar a equidade dentro do ambiente

escolar e ensinar as crianças pequenas conceitos tão primordiais para a vida.

Percebeu-se que as professoras cada uma a seu modo procuravam

conversar a todo instante com os alunos, não vi divisão de poder das professoras

para com as crianças, sempre os envolviam nas construções e decisões em sala,

bem como instigavam a reflexão deles, ensinavam sobre autoridade e respeito com

postura atenciosa, respeitosa e olhar sensível. Interessante que o comportamento

de ambas sempre foi de abaixar para olhar os alunos de perto, principalmente em

situações de algum tipo de conflito, dúvida, insegurança, choro, etc, sempre justas e

imparciais ouvindo as partes e tratando-os com respeito e ensinado que o respeito

às diferenças como sendo essencial.

Citações das professoras em inúmeros momentos da rotina que foram

anotadas no diário de campo cabem ser colocadas: “seu direito começa onde

termina o do coleguinha”, “vamos respeitar e ouvir o outro pra você ser ouvido e

respeitado também”, “espere sua vez e de preferência ajude também o coleguinha”,

“por favor, obrigada, com licença e desculpa devem ser usados sempre”, “resolva na

conversa e não batendo ou gritando”, “só vou ouvir você quando você se acalmar e

me tratar com respeito, do contrário não vamos conversar agora”, “se não

concordou, não aceitou, fale sua opinião e vamos entrar em comum acordo”, entre

tantas outras frases que eram colocadas em prática e as crianças foram se

adaptando a executá-las.

Demonstravam destreza e sabedoria para lidar com as demandas cotidianas

que não eram poucas, mas nunca referente ao preconceito étnico-racial, muito

embora nas oficinas interativas que serão descritas posteriormente as crianças

mostraram não se reconhecer negras e tanto as crianças brancas quanto as negras

não quiseram de início a boneca negra, os demais conflitos comuns as crianças

pequenas as professoras resolviam sempre de modo seguro. Segundo a Professora

Maria Firmina “só a vivência de sala vai ensinando”, e a Professora Antonieta lembra

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171

“é um trabalho árduo e muito solitário, que você tem que tomar decisões muitas

vezes rápidas e com cuidado porque vai ser questionado e cobrado depois,

principalmente pela família que tem relegado a escola a educação dos filhos, mas na

hora do “vamo vê” é o professor e o problema”.

Dessa forma, ressaltamos que o ambiente escolar é também um local de

silenciamento em inúmeros aspectos e temas que por ventura causem desconforto

ou algum tipo de transtorno aos profissionais e principalmente e inegavelmente à

sociedade e às famílias, quando falamos no tocante as relações étnico-raciais, há

uma prática contida, que se resume à sala de aula, quando acontece, ou quando

temos “as comemorações” do Dia da Consciência Negra. Praticar equidade como

citam as professoras já não é algo simples e em um ambiente silenciador dos temas

considerados áridos, torna-se escasso, pois não haverá espaço para ações que

promovam a igualdade racial, a construção da identidade negra que são questões

primordiais neste estudo, reduzindo-se a um ou outro momento em que aconteça

alguma situação extremamente específica que necessite de intervenção mais

dirigida ao caso.

A autora Silva (2010a) discute sabiamente sobre as dificuldades que a escola

ainda perpassa no que tange a reprodução de fenômenos sociais voltados ao

preconceito racial,

A sociedade brasileira e suas instituições, inclusive a escola, vão se constituir em sintonia com esse projeto colonial que institui o racismo e as práticas racistas em suas instituições. Dessa forma, a sociedade em geral e a educação em particular assimilam e reproduzem o imaginário brasileiro a respeito da população negra, como sendo uma população inferior. (SILVA, 2010, p. 259)

Tal afirmativa apenas reafirma o que consegui captar em todo o percurso

etnográfico desta pesquisa, onde observei momentos escassos de discussão sobre

o tema, que aconteceram nas oficinas interativas e ainda assim indicação minha

para promover uma provocação ao tema e as professoras e dia da Consciência

Negra, os demais foram esporádicos e observados partindo da Professora

Antonieta, sem dúvida por sua autoidentificação como pessoa negra e sua formação

cultural e vivências pessoais.

A escola deveria assumir sua importância perante o contexto social e se

mostrar mais ativa, demandando sua autoridade de produtora de conhecimento,

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172

história, reflexão e lutar por mais voz ativa e menos aceitação das imposições que

se mostram cada dia mais esmagadoras da autonomia profissional, o esforço é de ir

à contramão e reproduzir novos paradigmas, progredindo e ultrapassando as

barreiras do engessamento imposto socialmente a esta instituição que deveria

caminhar com as próprias regras visando, portanto, melhorias e reflexões sociais

pertinentes a temas de extrema importância e urgência, a exemplo do preconceito

racial perpetuado ao longo da história até os dias atuais. Levam-se em conta alguns

importantes avanços, mas diante das demandas do país, ainda progride a passos

lentos comparando-se a magnitude histórica e cultural e expansão populacional do

povo negro.

De acordo com o IBGE15 em sua última pesquisa no texto escrito por Adriana

Saraiva:

Entre 2012 e 2016, enquanto a população brasileira cresceu 3,4%, chegando a 205,5 milhões, o número dos que se declaravam brancos teve uma redução de 1,8%, totalizando 90,9 milhões. Já o número de pardos autodeclarados cresceu 6,6% e o de pretos, 14,9%, chegando a 95,9 milhões e 16,8 milhões, respectivamente. É o que mostram os dados sobre moradores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016, divulgados hoje pelo IBGE. Nas pesquisas domiciliares do IBGE, a cor dos moradores é definida por auto declaração, ou seja, o próprio entrevistado escolhe uma das cinco opções do questionário: branco, pardo, preto, amarelo ou indígena. (IBGE, 2012)

Abaixo segue o gráfico referente a descrição acima realizada que mostra

ilustrativamente o panorama da distribuição de cor ou raça no Brasil.

Figura 3: Distribuição populacional por cor ou raça no Brasil nos anos de 2012-2016

Fonte: Site IBGE, Foto: Tânia Rêgo - Agência Brasil, Arte: Helga Szpiz.

15

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos Acesso em 05 de Agosto de 2019

Page 176: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

173

Configura-se desta maneira nosso cenário populacional brasileiro, no qual a

escola pesquisada se insere perfeitamente, com um contingente de alunos negros

considerável, que inicialmente demonstram não reconhecerem-se como tal, quando

nos momentos de uma das oficinas interativas “as duas Marias” as crianças não

aceitam brincar com a boneca negra e demonstram preferência pela boneca branca.

Quando as professoras foram questionadas sobre o conhecimento delas

sobre a história das pessoas negras escravizadas em territórios africanos e no

Brasil, tanto a Professora Maria Firmina quanto a Professora Antonieta afirmam

respectivamente saber “pouco sobre a escravidão na África” e “desconhecer o

processo de escravidão na África. Mas em se tratando do Brasil, apontam: “os

brancos sempre se acharam superiores aos negros, tratando os mesmos com

inferioridade, como bichos” (Professora Maria Firmina), a outra professora diz que “a

nível de Brasil os negros não tinham autonomia e viviam em total submissão, além

da forma desumana”.

O condensado entendimento das professoras sobre algo básico que é sobre a

história dos povos escravizados, basicamente por onde tudo se inicia, pois quando

pensamos na propagação da história desse povo, ela é inicialmente contada a partir

da escravidão, portanto, base para toda compreensão mais aprofundada sobre tema

tão essencial, este contexto de entendimento das professoras pode estar interligado

imediatamente ao que (Gomes e Silva, 2011) discutem sobre o complexo processo

da formação dos professores baseando-se em Miguel Arroyo, e afirmam que esta

acontece geralmente:

[...] concentrada nas análises e estudos que dizem respeito á elevação da qualidade da escola e do/a professor/a, requalificando-o/a como profissional, tornado-o/a mais eficiente no domínio dos conteúdos curriculares, das metodologias de ensino e nos mecanismos de avaliação até torna-lo/a mais competente na gestão da escola e de seus poucos recursos. Para atingir esses objetivos, remodelam-se os cursos de magistério, pedagogia e licenciatura e investe-se a requalificação em serviço. (GOMES e SILVA, 2011, p. 16).

Uma formação ineficiente e que objetiva resultados numéricos, não consegue

dar conta de preparar seus profissionais para lidar com as diversidades e com temas

Page 177: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

174

complexos e necessários, com as demandas sociais, pois o intuito desta formação é

de certa forma mecanizar e enquadrar o profissional as demandas do governo.

Na reflexão elaborada diante dos questionamentos feitos as professoras

sobre sua formação e sobre a formação do município, podemos constatar a fala da

autora desta realidade lamentável. Ainda sobre a formação de professores e a

educação básica, Aguiar e Dourado (2019, p. 37) fazem uma análise sobre o cenário

atual no país e apontam:

Nossa expectativa é de que estas análises contribuam para a discussão sobre as concepções e desdobramentos político-pedagógicos da BNCC na educação básica e para a apreensão dos seus limites e interfaces com a política de formação dos professores, sobretudo no contexto atual brasileiro, demarcado pelo neoliberalismo e por uma visão conservadora de mundo, sociedade e educação, em que as políticas e gestão para a educação básica caminham para um retrocesso sem precedentes. Este cenário, que se expressa por políticas de ajuste fiscal, pela centralidade conferida ao “movimento escola sem partido” e pela secundarização do Plano Nacional de Educação 2014-2024, requer discussões e lutas em prol da defesa dos marcos constitucionais, visando garantir o Estado Democrático de Direito e a defesa histórica da educação básica, pública, laica, gratuita, democrática e de qualidade social para todos e todas. (AGUIAR e DOURADO, 2019, p. 37).

Há uma preocupação no que refere-se aos retrocessos que a educação

brasileira vem sofrendo, então, analiso que um cenário de formação de professores

que já não era o ideal, apresentado e discutido durante o percurso de pesquisa e

análises dos dados encontrados no campo de pesquisa, que, poderá ficar ainda pior

diante das contravenções que a educação vem sofrendo.

Condensando as perguntas de mesma linha de pensamento indagamos sobre

como acontece à formação continuada do município, como elas a analisam, se o

município ou em algum outro momento durante a vida acadêmica e/ou profissional já

foi oferecida formação que abordasse a temática história e cultura afro-brasileira ou

algum tema voltado para tais questões, as mesmas explanaram assim:

A formação continuada acontece em poucos encontros, no caso de professores do ciclo de alfabetização através do PNAIC, com atividades voltadas para alfabetização. Desde que iniciei o trabalho no município não tive formação voltada para a temática da cultura afro-brasileira. Seria interessante que houvesse essa formação que

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175

nos orientasse a lidar com o preconceito racial. Na vida acadêmica tive algumas aulas onde foi trabalhado o preconceito, a cultura afro-brasileira, me ajudou a abrir os horizontes, ver que em tudo há um pouco da cultura afro-brasileira. De modo geral a formação do município auxilia em nossa prática nas partes que lhes favorece, mas sobre a temática que foi mencionada, nem em tantas outras importantes deixam a desejar, estão preocupados apenas com as notas das provas, e as crianças do primeiro ano já fazem provas do Programa Mais Alfabetização, é bem estressante e deixa eles ansiosos e agitados. (PROFESSORA MARIA FIRMINA, Maio de 2018) Estamos inseridas em ciclos de alfabetização com formação anual e presencial para os professores de 1º à 3º ano, onde teoricamente a mesmo e para acontecer a cada 15 dias, porém desde 2017 que está irregular, quanto aos temas geralmente são géneros textuais e representação numérica, nos permitindo ampliar as estratégias de ensino. O município não ofereceu até o momento formação para o tema questionado, sem dúvidas, eu apontaria e indicaria a estética negra, visando a valorização na negritude na construção da identidade de nossas crianças negras, assim como apontaria a beleza da estética negra e o quanto está presente no dia-a-dia entre negros e brancos, voltando o olhar para o respeito às diferenças. A formação do município ainda deixa muito a desejar, já que noto que visa bastante às avaliações que as crianças precisarão fazer neste ano e em preparação para o segundo ano como fala corriqueira, já que os segundos anos participam da avaliação que resultará no do município. Nasci dentro do movimento negro, onde formei parte da minha identidade. Com 18 anos fui desafiada a ministrar curso de balé na Comunidade Quilombola, onde o grupo existe até hoje, o que me deixa muito orgulhosa. A Comunidade Quilombola fica localizada em São Raimundo Nonato-PI. Com 22 anos assumi a coordenação da juventude do Grupo Afro cultural Coisa de Negro-Teresina-PI, onde tinha como função promover ações de inclusão para a juventude. Enfim... (PROFESSORA ANTONIETA, Maio de 2018)

As professoras concordam que a formação continuada contribui para a prática

pedagógica, mas apenas no que se propõe que é alfabetizar voltando-se para as

disciplinas de português e matemática, já no que se refere a outras temáticas não há

formação que as contemple e segundo elas fica por conta dos professores “se virar

para aprender e aplicar em sala” (Professora Maria Firmina, maio de 2018), “temos

que procurar estudar e dar conta sozinhas das mais diversas realidades, conflitos e

dificuldades trazidas pelos alunos, no dia-a-dia é cada um por si, me incomoda muito

a falta de tempo de conhecer o trabalho dos colegas, a troca de experiências, no

sentido de aprender e melhorar a prática” (Professora Antonieta, maio de 2018).

Page 179: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

176

Algumas das observações nas salas dos primeiros anos tive a oportunidade

de acompanhar aplicações destas avaliações e corroborando com as falas das

professoras, afirmo que trata-se de momentos de ansiedade, agitação, conflitos, as

crianças são muito pequenas e não ficam muito tempo concentradas em uma

mesma atividade, estas precisam ser curtas e interessantes, as avaliações são

exatamente o contrário, causando estresse em todos e ao final da aplicação as

professoras se mostram esgotadas fisicamente e psicologicamente, robustecendo as

angústias colocadas pelas professoras, reafirmo utilizando uma colocação de Nóvoa

(2000) “a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos,

ou técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as

práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal [...]”

As professoras demonstram em seus posicionamentos que tanto entendem e

refletem sobre suas práticas e seu percurso de formação inicial e continuada, bem

como sobre as lacunas existentes nelas, referindo-se principalmente ao atual

ambiente de trabalho ao qual estão inseridas. Demarcam que a formação

continuada apesar de ajudar na melhoria da prática, o município que contrata

empresas para ministrar as formações, não se preocupa apenas em apresentar algo

que consideram aspectos importantes para a construção de cidadãos de críticos e

reflexivos, e profissionais capacitados e seguros para trabalhar com as demandas

reais, o que se vê é o contrário, formações cada vez mais em torno do que lhes

convém em termos de resultados, deixando lacunas quando se trata de abordar

temas pertinentes a sociedade que vivemos temas que estão a todo instante

evidentes no cotidiano escolar, mas que tantas vezes a falta de reflexão teórica, de

trocas de experiências com outros profissionais e com os profissionais da própria

escola que poderiam acontecer com certa frequência nas formações e não

acontecem.

As formações estão cada dia mais mecanizadas, como dito pelas professoras,

embasadas em resultados, então, os profissionais são altamente cobrados e torna a

prática também mecanizada, e porque não cronometrada como há formações que

indicam que este tipo de ação deve ser inserido na rotina. Há todo um contexto mais

importante na formação das crianças, como exemplo da construção da identidade,

as interações, as resoluções de conflitos, o respeito às diferenças, a construção da

autonomia, como se vê, uma gama de pontos extremamente importantes, que

Page 180: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

177

gerariam resultados mais eficazes quando pensamos na formação humana para a

vida de modo geral, bem como para a aprendizagem significativa das crianças.

Investir em formações mais críticas e reflexivas não parece ser a prioridade,

sobre tantas falhas e dificuldades com a formação de professores no país, Coêlho

(2016) faz reflexões baseada em estudos de Tardif e lembra que quando se

compreende a existência de uma estreita relação entre identidade e formação do

professor, quando há parceria e respeito pela voz do professor e suas experiências

e capacidade formadora, os resultados acontecem normalmente, aponta ainda que:

[...] os professores deveriam ter o direito de dizer algo sobre a própria formação. Apesar de se reconhecer a competência dos professores em formar pessoas, não se acredita na capacidade de esses atuarem na própria formação. Destaca que, na formação de professores, as teorias sociológicas, psicológicas, filosóficas, históricas, pedagógicas etc., são ensinadas sem fazer relação com o ensino nem com as realidades cotidianas dos professores. Reflete ainda, sobrea organização das disciplinas na formação que funciona de forma fragmentada, dificultando, assim, a relação entre elas. (COÊLHO, 2016, p. 145).

Identificamos, portanto, que a formação inicial e a formação continuada

interferem consideravelmente nas práticas pedagógicas dos professores, constata-

se nas falas das professoras sujeitos da pesquisa, em seus comportamentos,

inseguranças em determinados temas que são exigências mantidas em leis

educacionais como exemplo da Lei 10.639/2003 que embasa forte política pública

de nosso tema de estudo e as professoras não possuem a devida formação em

nenhum dos âmbitos, seja inicial ou continuada que as auxilie nas dificuldades

enfrentadas no chão da escola.

Apontam que as formações apesar de auxiliar, não a criticam

veementemente, mas deixam a desejar, então pelas respostas aos questionários e

práticas cotidianas observadas entende-se que no que se refere a temática posta a

Professora Maria Firmina exteriorizou em suas falas, ações durante a rotina, aulas

ministradas nas oficinas interativas e demais momentos durante o ano a dificuldade

que possui referente ao tema posto, ainda assim, percebeu-se o comprometimento

em levar sempre o melhor para os alunos, desta feita, sabemos que não apenas do

Page 181: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

178

professor é a responsabilidade por capacitar-se, por estudar, há que se oferecer

meios adequados de formação.

A Professora Antonieta compartilhou maior segurança em todos os quesitos,

bem como auxiliou consideravelmente a Professora Maria Firmina, já que

trabalhavam sempre em parceria, atribui-se tal situação de facilidade com o tema

pelo seu percurso histórico, cultural e de vida, afinal sua formação foi dentro do

movimento negro, então a formação inicial e continuada repleta de lacunas que seria

um complemento a formação de sua identidade dentro dos movimentos, tornou-se

no caso dela, coadjuvante.

Não estou aqui querendo dizer que a formação não é necessária, pelo

contrário, ela é primordial, apenas confirma-se na realidade das professoras, o

quanto esta formação ainda é falha e precisa ser repensada, bem como

reafirmamos, com base em Gomes e Silva (2011, p. 14) que “à identidade do

professor e da professora, enquanto agentes pedagógicos e políticos, com direitos e

deveres não só de executar políticas educacionais, mas de participar de sua

concepção e avaliação”. Acrescentando esta reflexão Coêlho (2016, p. 144)

confirma que:

A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Dessa forma, compreende-se que a identidade dá-se a partir desse olhar da possibilidade de construção da maneira como cada um se sente e se diz professor, ou melhor, como cada professor, com sua maneira de ser e de estar na profissão, consegue organizar e estruturar seu

processo identitário, em uma estreita relação entre o eu profissional e o eu pessoal. (COÊLHO, 2016, p. 145)

Assim sendo, constatam-se alguns itens relevantes: que a formação pode

interferir positivamente ou negativamente nas práticas dos professores dependendo

de como esta vai ser pensada e ministrada, mas que ainda não acontece

devidamente; que há uma estreita relação entre o profissional e o pessoal e tentar

separar ambos não haverá êxito algum; e, por fim que o professor deveria ser ouvido

sobre a formação voltada para suas necessidades diárias na escola, já que são eles

os agentes multiplicadores na formação de pessoas e deve ser bem cuidado e

observado com mais respeito, do contrário, de tudo supracitado, como estes

profissionais conseguirão formar pessoas críticas, reflexivas, que construirão sua

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179

autonomia e identidade, bem como a identidade negra se nem a sua própria

identidade pessoal e profissional é muitas vezes reconhecida e respeitada e se a

formação ainda é repleta de lacunas?

Temos uma formação precária que sequer nos anos que as professoras

fazem parte do quadro de profissionais da educação do município houve formação

voltada para o tema étnico-racial, mesmo diante da lei 10.639/2003 de imensurável

importância, de tantas outras conquistas dos movimentos negros, das demandas

nas escolas existirem, dos dados de cor e raça do IBGE no país, não se mostrarem

suficientes para que se pense e se cumpra a Lei 10.639/2003 dentro das escolas

com formação voltada para esta área.

Temos marcos importantes conquistados pela população negra e dentre elas

a Lei educacional 10.639/2003 que incluiu o estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na

formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas

áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil16, ainda assim, na

prática funciona diferente. Questionamos as professoras os conhecimentos delas

sobre leis educacionais e o que pensam sobre a Lei 10.639 e se consideram que as

esferas, municipal, escolar e os professores a colocam em prática e como elas

avaliavam a prática delas voltada para o cumprimento da lei?

A Professora Maria Firmina respondeu que:

A Lei 10.639/2003 alerta para a necessidade de inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto em cursos de licenciatura para educação infantil, aos iniciais e finais da educação fundamental, média e Jovens e Adultos. Considero que a escola que trabalho a questão cultural e discussões raciais são abordados, assim como a questão do preconceito. O município trabalha a lei através de projetos. (PROFESSORA MARIA FIRMINA, Junho, 2018).

Sobre as mesmas questões a Professora Antonieta respondeu que:

Digamos que estou em construção quanto as leis educacionais, já sobre a lei 10.639/2003 sei que a lei tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira no ensino fundamental e médio.

16

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm Acesso em 10 de Agosto de 2019

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180

Acredito que a lei veio para somar com o movimento negro permitindo apontar a riqueza cultural da comunidade negra consequentemente elevando a autoestima dos alunos negros. Em um olhar superficial sobre as esferas municipal, escolar e os professores, acredito que não se coloca em prática pois a História Afro-Brasileira está voltada somente para o dia 20 de Novembro Dia Nacional da Consciência Negra e equivocadamente para o dia 13 de maio Dia da Abolição da Escravatura quando o Brasil homenageia a Lei Áurea. Quanto a minha prática, estou inserida em um sistema de alfabetização que muitas vezes não me permite trabalhar a lei como gostaria, embora eu venha tentando, entretanto faço valer a lei sempre em nossos diálogos em sala. Vale mencionar que, se o professor/a for militante do movimento, a lei sempre vai aparecer. (PROFESSORA ANTONIETA, Junho de 2018).

A Professora Maria Firmina demonstra entender basicamente do que se trata

a lei, mas não analisa sua prática e sobre as esferas municipal, escola e professores

colocarem em prática a lei 10.639, sua resposta foi equivocada, visto que não é

posta em prática a lei como deveria, nem pelo município, com formações escassas

voltadas para a área, neste momento, exponho com conhecimento, por ser

professora do município, que em quase cinco anos participei de uma formação

voltada para o tema na abertura do ano letivo de 2018 intitulada: I Seminário

Municipal de Educação Étnico-Racial para Efetivação da Lei 10.639/2003 Por uma

Diversidade Étnico-racial17, mas esta foi ministrada apenas para os professores de

quartos e quintos anos, pois de primeiro a terceiro participavam das formações do

PNAIC. Cabe frisar que se o seminário foi nomeado como primeiro, até então não

havia sido ministrado outro, e até o momento que faço estas análises de dados, ano

de 2019, nunca ouvi sequer falar de outra formação voltada para o tema, portanto,

contradizendo a fala da Professora Maria Firmina no que compete este quesito.

A Professora Antonieta cita que está construindo seus conhecimentos sobre

as leis educacionais de modo geral, mas que sobre a Lei 10.639/2003, ela entende

forma mais explícita, mas aponta que não consegue trabalha-la como gostaria por

causa do sistema de alfabetização que sua turma está inserida, que presenciei as

diversas cobranças e exigências a serem cumpridas, tomando todo tempo das

professoras, assim, como as demandas exacerbadas de projetos requisitados pela

SEDEC e consequentemente a escola cobra de seus professores, que obviamente

requer muito tempo e energia dos professores.

17

Nos anexos encontra-se o folder do evento que aconteceu em um dia.

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181

A Professora Antonieta finaliza a análise de sua prática enfatizando que

embora não tenha tanto tempo para trabalhar a lei como gostaria, ela sempre insere-

a em seus diálogos, sua menção deque na prática de professor militante a lei

sempre vai aparecer, corrobora com o que já evidenciamos sobre a postura da

professora em sala de aula durante sua prática com os alunos e todas as mudanças

e avanços que conseguiu perante eles e com a colega de trabalho a Professora

Maria Firmina que também mencionou que aprendia bastante com a prática de sua

companheira de trabalho

Desse modo, Gomes (2003) afirma:

[...] quando pensamos a articulação entre educação, cultura e identidade negra, falamos de processos densos, movediços e plurais, construídos pelos sujeitos sociais no decorrer da história, nas relações sociais e culturais. Processos que estão imersos na articulação entre o individual e o social, entre o passado e o presente, entre a memória e a história. Nessa perspectiva, quando pensamos a escola como um espaço específico de formação, inserida num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do que currículos, disciplinas escolares, regimentos, normas, projetos, provas, testes e conteúdos. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. É importante lembrar que a identidade construída pelo negro se dá não só por oposição ao branco mas, também, pela negociação, pelo conflito e pelo diálogo com este. As diferenças implicam processos de aproximação e distanciamento. Nesse jogo complexo, vamos aprendendo, aos poucos, que as diferenças são imprescindíveis na construção da nossa identidade. Sendo entendida como um processo contínuo, construído pelos negros nos vários espaços - institucionais ou não - nos quais circulam, podemos concluir que a identidade negra também é construída durante a trajetória escolar desses sujeitos. (GOMES, 2003, p. 171-171).

Portanto, evidenciamos que diante de tamanha responsabilidade da escola

neste processo de formação da identidade negra como estes profissionais podem

ser apenas cobrados, sem que também não lhes seja dado subsídios adequados

para aperfeiçoamento de sua prática? O trabalho deve ser conjunto, não é realizado

apenas pelo professor, há todo um arsenal de pessoas envolvidas e se todas

pensam juntas e ouvem umas as outras independente do cargo que ocupam, a

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182

educação obterá melhores resultados perante o agente principal desse processo

que é o aluno.

Não analiso a prática de uma professora em detrimento a prática da outra, ou

que uma professora por ser branca não saberá ou deverá ministrar aulas sobre a

temática étnico-racial, nem que um professor por ser negro será o que ministrará a

melhor aula, se o fizesse estaria destoando de como penso e ajo nas esferas

profissional e pessoal, não há comparações no sentido de enaltecer uma e

desprestigiar a outra, jamais, este estudo comprometido com o respeito as

diferenças, se colocaria nesta posição, bem como me coloco inclusive na posição de

aprendiz a todo instante, na tentativa de suplantar minhas próprias dificuldades e

indagações referentes ao tema, aprendi com todos os sujeitos, mas não há como

deixar de mencionar e porque não dizer comparar as práticas de modo positivo

apenas com o intuito de mostrar como a identidade do professor está totalmente

interligada a sua prática e o quanto uma formação adequada que esteja realmente

voltada para as necessidades dos alunos faz-se urgente na educação.

É importante frisar que a pesquisa teve como escolha primeira os alunos dos

primeiros anos da escola, por se tratar das crianças menores, que estavam vindo

das creches e em idade aflorada de construção da identidade, sobre isso, Pessoa e

Costa (2014, p. 502-503) baseando-se nos estudos de Wallon e Vygotsky assinalam

que:

[...] é por meio das interações da criança com o adulto e com os seus pares que ocorre a diferenciação do eu e do outro e assim se configura o eu infantil. Desta forma, são ampliadas as possibilidades da criança para afirmar e desenvolver cada vez mais a sua individualidade e para compreender melhor as relações sociais da cultura à qual pertence. É assim que a criança se constitui como uma pessoa distinta do outro e forma a sua identidade. Neste sentido encontramos também a escola e a família como corresponsáveis pela construção deste processo. (PESSOA e COSTA, 2014, p. 502-503).

E, portanto, a escolha dos sujeitos não se iniciou pelas professoras, ou

propositalmente por uma ser negra e a outra branca, aconteceu de elas estarem

como professoras dos primeiros anos. A Professora Antonieta demonstrava sempre

sua autoidentificação, deixando-a explícita em sua prática e postura a todo tempo, a

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183

mesma era sempre bastante observada pelos alunos nas mais diversas situações

cotidianas, visto que utilizava técnicas que chamavam atenção, geralmente

envolvendo músicas, e mesmo em se tratando de turmas demasiadamente

inquietas, comum à faixa etária, concentravam-se por curtos espaços de tempo nas

atividades e estavam a todo instante ou de pé, ou conversando com os colegas, ou

solicitando ida ao banheiro ou para beber água, entre tantas outras situações

incluindo os conflitos esporádicos entre eles, sempre mais concentrados em

algumas crianças, tais demandas eram vistas nas duas salas de aula bem como o

domínio das situações pelas professoras, que procuravam dialogar, ensinando e

ouvindo as partes, elas também tinham o auxílio da equipe técnica (psicóloga,

assistente social e coordenador) da escola.

Neste sentido, indagamos as professoras sobre como analisavam as

interações entre os alunos e como eles lidavam com questões ligadas ao

preconceito étnico-racial e respeito às diferenças, e se houve alguma situação que

precisou de interferência das mesmas e como foi feita esta intervenção?

Completando este bloco de questões ainda perguntou-se se já haviam notado

preconceito dentro da escola e como lidam? E com relação aos pais como lidam

com o tema preconceito étnico-racial? Há algum caso que lhe marcou e queiram

citar?

A Professora Maria Firmina respondeu basicamente que as interações em

sala entre os alunos e com os funcionários da escola é boa, muito embora

houvessem alguns alunos mais difíceis em termos de comportamento que precisava

acionar a equipe técnica da escola e solicitar a presença de pais ou responsáveis

para tentar ajudar nas questões comportamentais, e dos casos em questão, não

obtiveram os resultados esperados, visto que os problemas familiares afetavam

profundamente.

Não tivemos nenhum problema com as crianças envolvendo questões étnico-raciais, eles respeitam uns aos outros na maioria das vezes, mas criança pequena precisa de orientação, então quando há algum problema resolvo logo, caso precisasse, desnaturalizar a opressão e as desigualdades é a melhor forma de combater o racismo na sala de aula. Sobre preconceito dentro da escola ainda não vi nada, mas se visse não interferiria diretamente, pois essa conscientização é um trabalho longo, porém daria minha opinião se tivesse abertura para isso. E com os pais não tive

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184

nenhuma experiência que possa mencionar. (PROFESSORA MARIA FIRMINA, Setembro, 2018)

A Professora Antonieta salientou que as interações entre seus alunos é

consideravelmente positiva e que sobre como as crianças lidam com as questões

étnico-raciais não há muito o que falar visto que não presenciou momentos de

desrespeito ou exclusão, portanto, não houve necessidade de intervenção, mas “eu

acredito no diálogo, porém busco mostrar o lado negativo do racismo e as

consequências e se precisar interferir em alguma situação, provavelmente farei”.

Sobre ter notado preconceito dentro da escola falou que até então se existe não

conseguiu detectar, e mesmo “sendo negra percebo e recebo tratamento normal, e

olha que parece que de tanto sofrer preconceito se cria uma antena detectora

deles”, quanto aos pais ela menciona que “assim como trabalho com os meus

alunos com diálogo o mesmo faço com a família, apontando as consequências”,

conta ainda um momento vivido que a marcou:

Um fato que me marcou foi a falta de posicionamento de uma diretora que apenas observou uma mãe me chamando de negra macaca e veio me dizer sorrindo, pois naquele momento, não cabia a estagiária (eu) ensinar a gestão como lida com a situação. (PROFESSORA ANTONIETA, Setembro, 2018).

Há fatores importantes para análise nestas falas, visto que em se tratando de

um tema tão relevante socialmente ainda é tão silenciado dentro do ambiente

escolar. Não se discute não se expõe não se pratica a menos que por ventura

aconteça algum fato isolado de preconceito étnico-racial? Infelizmente foi o que

constatei nas observações. Nesta escola, representada por uma gama de sujeitos

que dela fazem parte, e constroem sua história não há preconceito étnico-racial?

Seria essa a realidade deste micro-ambiente inserido em um país de extremos

preconceitos com a cor da pele e feições das pessoas negras, constatado em

pesquisas importantes citadas nesta tese?

Questionamentos que refleti demasiadamente, já que sou professora da

escola e não podia nem queria emitir uma análise baseada em minhas vivências

neste local, procurei ser mais criteriosa e imparcial possível, levando em conta que a

neutralidade do pesquisador em observação já foi amplamente discutida que não há

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185

como existir, Minayo (2001, 2013, grifo nosso) já afirma que quando o pesquisador

adentra no campo de pesquisa interfere no mesmo, assim como as observações

deste pesquisador serão influenciadas pelas leituras, experiências, sociais, culturais

e históricas, portanto, para garantir o rigor metodológico ela assevera que é

necessário assumir a não neutralidade.

Em vista disso, os dados observados na pesquisa no que se refere

principalmente aos comportamentos interativos entre as pessoas deste ambiente

não demonstrou em momento algum qualquer problema que se referisse ao

preconceito étnico-racial, não significando que intimamente as pessoas não possam

ter seus preconceitos, mas que convivendo neste ambiente por um longo período

como pesquisadora, mantendo o olhar apurado em todos os momentos inclusive

quando na minha posição de professora pois não tinha como dividir, afirmo que há

visivelmente respeito entre todos e um clima de cooperação.

Não estou afirmando que não há problemas de ordem geral, que não há

discordâncias, até porque é um ambiente de aprendizagem, onde se compartilha

informações e vivências diversas, mas percebi o diálogo e o respeito em todas as

esferas (gestão, equipe técnica, professores, funcionários, professoras da sala de

AEE- Atendimento Educacional Especializado, alunos, familiares).

Muito do diferencial dessa escola detalhadamente elucidado atribui-se por se

tratar de um espaço considerado por todos (comunidade, SEDEC, professores,

equipe técnica, equipe gestora, funcionários, outras escolas aos arredores, etc),

inclusive demandas recebidas com recomendação do Ministério Público e Conselho

Tutelar, “escola referência em inclusão” atualmente com média de 70 alunos com

deficiências variadas distribuídos nos três turnos. Portanto, há um ambiente focado

na inclusão e esta inclusão funciona para todos. Há questões a ser melhoradas, pois

não se trata de um processo simples, mas com avanços consideráveis que

beneficiam não apenas os alunos portadores de deficiência, mas como se costuma

falar na escola, beneficia muito mais as pessoas “normais”.

Page 189: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

186

4.1 Rotina Escolar e a Construção da Identidade Negra das Crianças

Pequenas: práticas, aprendizagens e ressignificações através das relações

interativas no chão da escola

Considerando-se a realidade descrita da escola campo de pesquisa na

atuação empenhada e intensa na vida dos alunos, cabe enfatizar a importância

desta na constituição do eu dos sujeitos, e, consequentemente seu papel para a

transformação social, visto que forma os indivíduos que atuarão socialmente

construindo e reconstruindo a história. Gomes (2002) reflete, embasando-se também

em outros estudiosos sobre a escola e seu papel para a construção da identidade

social e afirma:

Muito se tem discutido sobre a importância da escola como instituição formadora não só de saberes escolares como, também, sociais e culturais. Tendo isso em vista, alguns estudiosos do campo da educação e da cultura têm destacado o peso da cultura escolar no processo de construção das identidades sociais, enfatizando a escola como mais um espaço presente na construção do complexo processo de humanização (Arroyo, 2000; Bruner, 2001). Por essa perspectiva, a instituição escolar é vista como um espaço em que aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes escolares, mas também valores, crenças, hábitos e preconceitos raciais, de gênero, de classe e de idade. (GOMES, 2002, p. 40).

Em vista disso, quero enaltecer que este ambiente inclusivo da escola que

respeita bastante as diferenças e limitações das pessoas, um ambiente colaborativo,

é propiciador das construções da identidade negra das crianças, de modo que são

aceitas, estão em contato com todos sem sofrer qualquer tipo de represália, situação

desconfortante, segregação, exclusão, que dificulte ou impeça a construção e/ou

ressignificação da identidade negra das crianças, neste aspecto, então temos um

fator positivo no sentido que se percebe o tratamento igualitário independente das

diferenças que cada um carrega e por si só este é um comportamento saudável dos

indivíduos desta escola que auxilia na construção da identidade negra das crianças,

então é realmente uma atmosfera acolhedora apesar de todas as lacunas e

progressos que ainda necessitam acontecer, dentre os quais aponto principalmente

no tocante à formação dos profissionais que fazem parte da escola.

Era comum presenciarmos crianças e adultos auxiliando nas demandas dos

alunos especiais, e estes comportamentos proliferavam entre todas as outras

Page 190: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

187

pessoas, colaboração era algo comum na escola. Esta foto tirada no mês de maio

em uma das observações, quando as crianças brincavam enquanto esperavam o

início do intervalo, e em destaque vê-se uma menina segurando um livro, contando a

história em libras da maneira que sabe, sua colega surda presta atenção

extremamente concentrada e quando outra colega tentou se aproximar e tentou

interromper, a criança surda se mostrou brava, a criança que contava a história

chamou a outra pra ver também, ficaram as três juntas e a acriança surda abriu um

sorriso e encostou-se à mesa pra voltar a contação da colega. 18

Foto 1: Criança contando história para colega surda.

Foto: registro da pesquisadora na sala da Professora Antonieta.

Nesta foto 2 tirada no mês de Maio, a criança falou que não sabia fazer a

atividade e antes mesmo da professora falar, o aluno levanta pega na mão do

colega, o leva até o quadro, pega o lápis da professora e vai explicar, “olhe é assim

que Tia “A” falou que é, veja bem que você vai entender”.

18

Todas as fotos tiveram os rostos das pessoas desfocados, bem como os desenhos retirados os nomes das pessoas de modo a resguardar a identidade dos sujeitos da pesquisa. Edição das fotos e desenhos realizadas pela colaboradora Luana de Medeiros Pontes sob minha orientação.

Page 191: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

188

Foto 2: Criança ajudando outra que falou que não sabia.

Foto: registro da pesquisadora na sala da Professora Maria Firmina.

Neste momento, que aconteceu no mês de Abril, era o intervalo, e era de

costume alunos das duas turmas se juntarem durante este momento e formavam

seus grupos, na foto, consegue-se ver duas meninas em destaque, a aluna branca

da Professora Maria Firmina e a aluna negra da Professora Antonieta, as duas

sorriem quando perguntei o que estavam fazendo, a resposta da aluna branca foi:

“ha tia não está vendo que é o lanche de todo mundo junto?” com ênfase na fala,

como se quisesse falar, que é algo tão simples de eu ver e ainda fui perguntar.

Enquanto a colega ao lado completou: “a gente junta todo mundo as comidas e

quem não traz o lanche aproveita e come também pra não ficar com fome, porque a

gente gosta de fazer assim que as tias dizem pra se ajudar”, ao fundo outra criança

confirma: “é as tias dizem que é pra brincar junto sem brigas que é ruim”. Perguntei

se não comiam o lanche servido no refeitório da escola, respondem

simultaneamente: sim e não, dependendo do que é o lanche do dia, se gostassem

comiam.

Foto 3: Compartilhando o lanche.

Foto: registro da pesquisadora durante o intervalo.

Page 192: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

189

A foto 4 tirada no mês de Outubro, mostra outro momento durante o intervalo,

alunas das duas turmas juntas compartilhando seus lanches e conversavam sobre a

apresentação de dança que fariam para as demais turmas da escola e aos familiares

que viriam vê-las. E comentavam ansiosas se seus pais iam até a escola ou não,

quando uma delas perguntou: “tia você quer lanchar aqui com a gente?”, respondi

que não queria que não costumava comer algumas coisas que elas estavam

comendo porque não eram saudáveis, uma delas fala: “tenho maçã que é saudável

que a Tia “A” explicou”, logo em seguida as duas que estão mais à frente na foto

levantam as mãos me chamando pra sentar com elas, elas abriram espaço, sentei, e

quando achei que já haviam acabado as lições tão singelas e sábias, uma delas me

fala: “Tia “A” senhora não pode comer com esse celular na mão”, com toda certeza

afirmei que ela estava muito correta e de parabéns. Quanto à maçã saudável, a

aluna queria me dar ela inteira, agradeci e falei que estava já feliz demais em ter

sido convidada para sentar com elas e que havia trazido meu lanche que ia lanchar

na hora do intervalo de meus alunos que seria após o delas, e se não teria problema

nisso. Responderam que não, a maçã foi comida pela criança e continuamos

conversando da apresentação que seria após o intervalo dos maiores.

Foto 4: Outro momento de compartilhamentos.

Foto: registro da pesquisadora durante o intervalo.

Na foto 5 tirada no mês de Junho, as crianças estão fazendo atividade

solicitada pela professora, quando uma criança fala que não tinha lápis de cor, a

Professora Maria Firmina responde: “vou pegar aqui pra você, espere aí”, a colega

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190

diz: “não Tia “A”, eu empresto, deixa ela vir fazer junto comigo aqui que tenho meus

lápis que mamãe comprou”, a professora permite e as crianças dividem os lápis de

pintar, a mesa e conversas sobre a atividade.

Foto 5: Criança emprestando seus lápis de cor a colega que não tinha.

Foto: registro da pesquisadora na sala de aula da Professora Maria Firmina.

Esses foram apenas alguns poucos exemplos de tudo que presenciei, e,

minhas impressões, observações, anotações, jamais conseguirão explicar a

realidade, não tenho a pretensão de ser ou parecer defensora de uma causa, ou da

escola, ou das crianças e seus profissionais, apenas porque dela faço parte, o que

quero é quem sabe com tudo que aprendi com todos, possa contagiar mais e mais

pessoas e assim propagarmos ações boas que promovam o respeito às diferenças,

a cooperação ao próximo, aprendendo, portanto, com a inocência, simplicidade e

noção de empatia e respeito que as crianças possuem e demonstraram durante as

observações.

Não presenciei em momento algum apontamentos sobre cor de pele, cabelo,

diferenças físicas (gordo, magro, alto, baixo,), só vi crianças interagindo com outras

crianças de forma singela, natural, espontânea, com seus conflitos sempre

mediados de forma consciente pelas professoras e no mais, eu vi uma escola que

ainda não tinha tido a oportunidade de enxergar, vi práticas comprometidas, sábias e

afetivas de meus colegas de profissão e ressignifiquei a minha prática. O campo de

observações - a escola -, o contato com aqueles sujeitos pesquisados me fez

Page 194: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

191

repensar minhas ações como profissional e como pessoa, há alguns anos não

trabalhava com crianças pequenas e havia esquecido como são dotados de empatia

e como podem ensinar aos adultos, tanto quanto nós a eles.

As professoras pesquisadas analisam que as interações entre os sujeitos

ocorrem de forma positiva, e apontam que não presenciaram acontecimentos que

envolvessem algum tipo de preconceito, bem como não houve nenhum momento de

diálogo sobre o tema com nenhum familiar. Analiso e indago, portanto, pelo

pensamento de que consciente ou inconscientemente os sujeitos envolvidos na

educação imaginam e se comportam de forma que, se nenhum acontecimento

negativo sobre o tema se deu em nenhuma esfera ou momento, não há necessidade

da escola discutir sobre, nem com familiares, nem com alunos, nem entre os

profissionais? Dessa forma, Gomes (2003) aponta aspectos importantes no que se

referem a formação inicial e continuada dos professores que interferem diretamente

nestes aspectos citados, bem como na ausência de colocar em pauta as questões

étnico-raciais:

A formação de professores/ras tem sido uma preocupação constante do campo da educação. O MEC, a universidade, os centros de formação de professores, as escolas, enfim, todos se preocupam e concordam que é preciso hoje formá-los mais adequadamente tanto em seu percurso inicial quanto em serviço. Mas apenas investir numa melhor formação não é o suficiente. A formação de professores/ras, sobretudo a que visa a diversidade, deveria considerar outras questões, tais como: como os/as professores/ras se formam no cotidiano escolar? Atualmente, quais são as principais necessidades formadoras dos/das docentes? Que outros espaços formadores interferem na sua competência profissional e pedagógica? Que temas os/as professores/ras gostariam de discutir e de debater no seu percurso de formação e no dia-a-dia da sala de aula? E que temáticas sociais e culturais são omitidas, não são discutidas ou simplesmente não são consideradas importantes para a sua formação profissional e para o processo educacional dos seus alunos? Será que a questão racial está incluída nessas temáticas omitidas ou silenciadas? (GOMES, 2003, p. 169).

A postura do professor no que diz respeito a escassez de abordagem sobre o

tema em sala de aula, não quer dizer negligenciamento, pois não se pode

responsabilizar e/ou cobrar apenas o professor para que tome este papel de agente

provocador de reflexões sozinho, a escola se faz em um grupo grande e em nenhum

momento além das aulas interativas aplicadas nas salas, ou dia da Consciência

Page 195: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

192

Negra tivemos qualquer outro momento voltado para a discussão do tema. Apenas

apontamentos esporádicos em termos de conteúdos programáticos da Professora

Antonieta que mencionava o assunto enaltecendo a beleza negra, claro que usando

sua trajetória de vida como exemplo de conquistas, bem como sua autoidentificação

e autoestima que foi construindo visivelmente moldada pelos acontecimentos bons e

ruins de sua vida, e, portanto, sua figura que alicerça sua prática que por si só

sempre foi baseada em sua história de vida, e era algo tão marcante que presenciei

inúmeros momentos emocionantes que se explicam exclusivamente pela prática e

postura da mesma.

Quando as crianças passaram a demonstrar se reconhecer negras e se

autoidentificar pelo exemplo de sua professora, bem como os alunos da Professora

Maria Firmina que tinham contato com a Professora Antonieta por elas trabalharem

em parceria, o que foi modificando também a postura e prática da Professora Maria

Firmina, então, começaram demonstrar autoidenticação, e, portanto, inicia-se o

processo afirmação, e ressignificação da identidade negra dessas crianças,

modificando uma postura de negação quase generalizada das crianças demonstrada

na oficina interativa das bonecas branca e negra denominada “as duas Marias”

(descrita e analisada no item 4.1.1) que foi aplicada pelas professoras no mês de

março, logo início do ano letivo.

As crianças tiveram reações, por exemplo, de não quer pegar a boneca

negra, não a achar bonita, faziam expressões faciais de desprezo e optavam pela

boneca branca, estou falando do comportamento de todas as crianças naquele

momento, crianças brancas e negras das duas salas de aula. A Professora Maria

Firmina também apontou indícios de comportamento em sua prática e na forma de

lidar com os alunos de que tinha um pouco de dificuldade em lidar com questões

voltadas ao tema e afirmou: “eu tenho aprendido muito com a Professora Antonieta,

ela tem sido uma parceira e tanto, para que eu possa lidar com essas questões

étnico-raciais de uma maneira muito melhor” e sua postura foi sendo modificada,

constatando-se tal afirmação diretamente nos comportamentos dos alunos, alguns

acima antes demonstrados nas fotos e falas das crianças.

Nas duas salas pude perceber a diminuição considerável de conflitos que

acontecia em porcentagem maior entre os meninos, as meninas em sua maioria

eram mais contidas neste aspecto. E algo bonito e marcante que não precisou de

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193

falas, mas apenas de um olhar atento, e foi tão perceptível que outros adultos na

escola passaram a comentar e elogiar. As meninas começaram vir pra escola com

os cabelos arrumados igual o da Professora Antonieta, passamos a ver muito mais

laços, fitas, cabelos e cachos soltos, de forma segura e empoderada. Sabe-se

historicamente que a relação da população negra com o corpo e o cabelo é motivo

de intensos conflitos, visto que são parte importante da construção de sua

identidade, mas também motivo de intensos preconceitos sofridos.

Gomes (2002) ao desenvolver sua pesquisa para realização do doutorado em

antropologia social Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da

identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte, observa:

[...] várias depoentes, ao reportarem-se ao corpo, relembraram momentos significativos da sua história de vida, dando um destaque especial à trajetória escolar. Para essas pessoas, na sua maioria mulheres negras jovens e adultas, na faixa dos 20 aos 60 anos, a experiência com o corpo negro e o cabelo crespo não se reduz ao espaço da família, das amizades, da militância ou dos relacionamentos afetivos. A trajetória escolar aparece em todos os depoimentos como um importante momento no processo de construção da identidade negra e, lamentavelmente, reforçando estereótipos e representações negativas sobre esse segmento étnico/racial e o seu padrão estético. (GOMES, 2002)

Partindo das ponderações e apontamentos da autora assevero que a prática

das professoras foram essenciais para a construção, afirmação e ressignificação da

identidade das crianças negras.

A sequência de fotos abaixo mostram brevemente alguns dos inúmeros

eventos semelhantes que aconteceram ao longo do ano e reafirma minha fala à

medida que se consegue enxergar as mudanças comportamentais das crianças.

Na foto 6, logo no início do ano em conversa com a aluna sobre cabelo

iniciada por ela que me perguntou: “tia seu cabelo é enorme mas nem dá trabalho

porque é liso né, eu venho com o meu amarrado porque minha mãe diz que ele é

armado e dá trabalho demais”, respondi que cada pessoa nasce com um cabelo

diferente e que cada um tem sua beleza e devemos ter os cuidados específicos para

cada tipo de cabelo, e que o meu por ser grande e eu gostar dele grande dava um

“tantão” de trabalho para cuidar, mas que o principal é gostarmos dele como ele é.

Ela reforçou: “é, mas o meu é bem rebelde sim tia” e deu um sorriso de canto de

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194

boca, demonstrando não concordar ou desacreditar de minha fala de quem tem

cabelo liso, na visão dela não trabalhoso.

Foto 6: “meu cabelo é muito armado dá trabalho”.

Foto: registro da pesquisadora no mês de março na sala da Professora Maria

Firmina.

Os registros das fotos 7 e 8 foram feitos no mesmo dia, e são da mesma

criança da foto 6 com diferença de dois meses entre os acontecimentos. Na foto 7 a

menina está de pé próxima à porta da sala e à sua frente um menino, conversavam

algo que não dava pra eu ouvir e não quis me aproximar para não interromper o

momento interativo, por já estabelecer uma boa aproximação e diálogo com eles,

sabia que quando perguntasse depois eles me diriam. Chamou-me atenção porque

ela estava chateada neste dia, quando cheguei à sala para realizar a observação,

perguntei o motivo daquele rostinho triste e emburrado, pois ela sempre é

comunicativa e me recebia com abraço e um monte de perguntas e falas sobre

acontecimentos da vida dela.

Ela respondeu que estava chateada com “uma coisa que aconteceu em

casa”, perguntei se queria conversar comigo, ou se havia conversado com a

professora, balançou a cabeça negativamente e disse “não quero falar não”.

Portanto, quando vi o sorriso dela para o coleguinha, após pelo menos uma

hora de minha permanência na sala e ela de rostinho emburrado, sentada no lugar

dela, fiquei curiosa para saber o que ele tinha dito para fazê-la sorrir.

Fiquei observando depois quando percebi que ela se distanciou do colega, e,

portanto, aquele momento já estava encerrado por eles, chamei-a, perguntei se já se

sentia melhor e se ela poderia me contar como o colega a fez sorrir porque eu queria

Page 198: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

195

fazer igual para vê-la sorrindo. De fato ela já sorriu com minha colocação, já se

encostou em mim e disse: “tia, ele falou que meu cabelo tava bonito desse jeito solto

assim e que eu tava bem diferente, que tava legal demais”, ao repetir a frase dita

pelo colega o tom da voz era de orgulho dos cabelos e sorriso no rosto.

Concordei com o menino e reafirmei que ela estava linda mesmo e que os

cabelos dela são lindo daquele jeitinho e que mesmo que alguém algum dia

dissesse o contrário, o que importa é como ela se sente, o que ela gosta, e que nem

tudo que as pessoas vão falar serão coisas boas que vão nos agradar, mas que se

foram elas que falaram coisa ruim criticando a forma que o outro é e nasceu, o

problema é delas que são mal educadas. Perguntei se ela concordava comigo, ela

disse: “concordo, é isso mesmo tia, e Deus não gosta de coisas ruins que fazemos

com os outros”.

Foto 7: Colega elogiando o cabelo da coleguinha.

Foto: registro da pesquisadora no mês de maio na sala da Professora Maria Firmina.

Foto 8: “meu cabelo está ótimo assim”.

Foto: registro da pesquisadora no mês de maio na sala da Professora Maria Firmina.

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196

Sobre estes acontecimentos e mudança de comportamento da criança citada

nos exemplos, o que aconteceu também com outras meninas e meninos que

passaram elogiar a beleza do cabelo, este, que sabemos ser tão importante e com

forte representação na constituição da identidade feminina, em especial das

mulheres negras, Gomes (2002) nos remete a uma reflexão importante quando

aponta que:

Na instituição escolar, assim como na sociedade, nós comunicamos-nos por meio do corpo. Um corpo que é construído biologicamente e simbolicamente na cultura e na história. A antropologia mostra-nos que as singularidades culturais são dadas não somente pelas dimensões invisíveis das relações humanas. São dadas, também, pelas posturas, pelas predisposições, pelos humores e pela manipulação de diferentes partes do corpo. O corpo fala a respeito do nosso estar no mundo, pois a nossa localização na sociedade dá-se pela sua mediação no espaço e no tempo. Estamos diante de uma realidade dupla e dialética: ao mesmo tempo que é natural, o corpo é também simbólico. (GOMES, 2002, p. 41).

A foto a seguir é um exemplo de uma criança com autoestima baixa, retraída,

com problemas sérios de aprendizagem, bem como problemas familiares, que

também apresentava dificuldades de concentração e interação, para além das

intervenções e medidas que foram tomadas pela escola, houve um trabalho intenso

da Professora Antonieta para conseguir alcançar essa criança.

A foto foi tirada no mês de Julho, eu estava sentada na sala dos professores,

a criança passa para ir ao banheiro, na volta, entra na sala, se dirige a mim com

sorriso no rosto e fala:

Criança: “tia, tira uma foto pra senhora guardar de como tô linda”.

Eu: “você é linda e hoje está muito mais, faça uma pose para tia tirar a foto”.

Criança: “não tia, não é foto sozinha é com a senhora”.

Eu: “mas fico lisonjeada em você querer tirar uma foto comigo, venha cá perto”.

Tiramos a foto, sorrisos no rosto e o coração dessa aprendiz de pesquisadora

saltitante em ser testemunha daquela cena. Ela continua.

Criança: “deixa eu ver a foto tia”

Eu: mostrando a foto, “gostou?”.

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197

Criança: “estamos lindas”, “sabe tia, eu tô assim linda hoje porque pedi pra minha

mãe ajeitar meu cabelo desse jeito igual o da Tia “B”, e olhe como é bonita a tiara

que ela colocou”.

Eu: “com certeza sua tiara é linda, seu cabelo está lindo, sua mamãe está de

parabéns porque caprichou no seu cabelo e Tia “B” está de parabéns também que

ensinou você que seu cabelo é lindo do jeito que ele é”.

Criança: “e tia, a Tia “B” gostou viu, sabe o que ela falou?”.

Eu: “não faço ideia, falou o quê?”.

Criança: “falou que eu estava a coisa mais linda e que o cabelo tava igual o dela, aí

pediu pra todo mundo bater palma pra mim”.

Eu: pois eu fico feliz com Tia “B” e com você, as duas são duas lindas e os outros

coleguinhas também, né?”.

Criança: “é tia, agora eu vou pra sala pra Tia “B” não reclamar que demorei”.

Eu: “vá meu anjo e você está de parabéns mesmo e obrigada por tirar uma foto

comigo e me contar tudo isso, me deixou muito feliz viu”.

Criança: sorrindo fala “tá certo tia”.

Foto 9: “Tia, tira uma foto pra senhora guardar de como tô linda”.

Foto: registro da pesquisadora na sala dos professores.

Portanto, diante dessas demandas encontradas, voltamos à reflexão base

deste estudo, que buscou entender e analisar as práticas pedagógicas das

professoras voltadas para as relações étnico-raciais e suas possíveis influências

para a construção da identidade negra das crianças nos primeiros anos do Ensino

Fundamental de uma escola pública no município de João Pessoa?

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198

Não posso afirmar que esta escola possui essa atmosfera colaborativa porque

temos uma demanda considerável de pessoas portadoras de deficiência, mas que

trabalhar com outras pessoas que possuem dificuldades tão extremas na maioria

das vezes e estão lá todos os dias dando exemplo de superação é sem dúvida

estimulador, não estou afirmando que isto seja pressuposto para boas ações,

empatia e respeito, mas que estar próximo de pessoas exemplo de superação, com

boas vibrações, que respeitam as diferenças nos faz querer no mínimo seguir o

exemplo e sabemos que as crianças em processo de formação da identidade

observam e imitam os adultos muitos mais nos exemplos dados do que

propriamente discursos.

O documento Rcnei (1998) legitima nossa fala quando explica:

A imitação é resultado da capacidade de a criança observar e aprender com os outros e de seu desejo de se identificar com eles, ser aceita e de diferenciar-se. É entendida aqui como reconstrução interna e não meramente uma cópia ou repetição mecânica. As crianças tendem a observar, de início, as ações mais simples e mais próximas à sua compreensão, especialmente aquelas apresentadas por gestos ou cenas atrativas ou por pessoas de seu círculo afetivo. A observação é uma das capacidades humanas que auxiliam as crianças a construírem um processo de diferenciação dos outros e consequentemente sua identidade (BRASIL, RCNEI, 1998, v. 2, p. 21).

Diante do exposto, analisamos a responsabilidade que os adultos que estão

dentro do ambiente escolar que são nossos sujeitos observados, possuem na

formação dessas crianças pequenas, confirma-se em inúmeros momentos, falas,

comportamentos principalmente que as práticas das professoras são fortes

influenciadoras na construção da identidade, assim como as relações interativas

entre os pares (criança-criança) que acontece a todo instante e independe da

intervenção ou incentivo dos adultos. Esta relação direta e constante das

professoras com seus alunos tornam-se tão importantes e cruciais na construção da

identidade quanto às interações que estabelecem com as famílias e/ou outro

ambientes que as crianças frequentem. Dito isso, Laevers (2004) nos instiga a

refletir sobre:

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199

No momento em que começamos a observar a maneira como os adultos interagem com as crianças, percebemos como estas dimensões são poderosas. Para atingir altos níveis de bem-estar e envolvimento, a pessoa do professor é ainda mais importante do que outras dimensões do contexto, como espaço, material e atividades oferecidos (LAEVERS, 2004, p. 64).

Dessa forma, cabe ponderar sobre a construção da identidade negra das

crianças que fui constatando ser afirmada e ressignificada ao longo das

observações, foi acontecendo intensamente neste contato diário com as

professoras, que muito embora não estivessem dando aulas com conteúdos

voltados para a temática das relações étnico-raciais, e cada uma com suas

particularidades, dificuldades, subjetividades e vivências apresentavam sua postura

perante os alunos, e ensinavam sobre respeito a si e ao próximo, sobre resolver

conflitos conversando, sobre não praticar falas ou ações que deixassem o colega

triste e não permitisse também o contrário, ensinavam conteúdos obrigatórios e

ensinavam sobre relações humanas, valores, autoestima, perseverança, foi uma

imensidão de momentos de aprendizagens para todos, e trabalhar com as crianças

pequenas apesar de ser desgastante e complexo, causa também no professor uma

sensibilidade maior.

Gomes (2002) aponta exatamente o que o campo de pesquisa em questão

mostrou que as práticas das professoras foram acontecendo sem que tivessem

discussão sobre o tema da questão étnico-racial, para além das oficinas interativas

propostas, ainda assim aconteceram práticas voltadas para a humanização que

fortaleceram vínculos, construção da identidade negra das crianças, respeito,

portanto, a autora pondera que:

[...] um dos caminhos para a ampliação do estudo da questão racial no campo da educação, na tentativa de compreender a sua relação com o universo simbólico, pode ser a construção de um olhar mais alargado sobre a educação como processo de humanização, que inclua e incorpore os processos educativos não-escolares. (GOMES, 2002, p. 40).

Por consequência, cabe considerar, que devemos como adultos e

professores, refletir sobre sermos pessoas que respeitam outras pessoas, seus

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200

limites, seus espaços, seus pensamentos, comportamentos, crenças, cor, raça,

credo, sexualidade, e a consequência de ações desse porte serão aprendizagens

significativas através das ações que devem perpassar meros discursos vazios,

interações que garantam realmente a construção da identidade das crianças,

autoestima, autonomia e sem dúvida alguma os resultados quantitativos que a

sociedade capitalista exige, serão apenas consequência.

À face de tudo que foi exposto, as crianças negras se constituem, afirmam e

ressignificam-se como sujeitos nas práticas pedagógicas e vivências cotidianas em

sala de aula com seus pares e suas professoras, ficou nítido que estas relações

estabelecidas dentro da escola podem superar o estado de negação silenciosa que

a maioria das crianças negras enfrentam durante a infância que pode perpetuar por

toda a vida e atrapalhar e/ou dificultar seu desenvolvimento como um ser humano

que possui direitos como quaisquer outro, já passou da hora de termos ações

positivas, políticas educacionais que não saem do papel de nada servem, assim

como leis educacionais que seriam eficientes se fossem aplicadas por todos que

fazem parte da educação e não apenas cobradas do professor como se este fosse o

redentor de toda educação.

Gomes (2003) nos remete a mais um apontamento sobre a escola e seu

importante papel na vida das pessoas que nela passam longos anos em formação:

A escola é vista, como uma instituição em que aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes escolares mas, também, valores, crenças e hábitos, assim como preconceitos raciais, de gênero, de classe e de idade. É essa visão do processo educativo escolar e sua relação com a cultura e a educação - vista de uma maneira mais ampla - que nos permite aproximar e tentar compreender melhor os caminhos complexos que envolvem a construção da identidade negra e sua articulação com os processos formativos dos professores e das professoras. É também essa visão que nos possibilita compreender a presença da dimensão educativa em diferentes espaços sociais e não somente no interior da escola. (GOMES, 2003, p. 170-171)

A escola tem importantes atribuições no que refere-se a formação do ser

humano, a sua constituição de identidade acontece também neste local articulada

nas interações entre os sujeitos e seus professores como agentes mais intensos

nesta relação mais próxima dentro da escola, desta feita, analisamos sua relevante

Page 204: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

201

função na vida de seus alunos, sejam em que etapa educacional estiverem, mas de

modo particular as crianças pequenas recebem mais intensamente esta influência

por estarem em pleno processo de desenvolvimento e construção do eu identitário

diretamente interligado e dependente destas relações entre os pares e os adultos ao

seu redor. No entanto, vale salientar que de certo modo não apenas falhas

encontramos na educação e na formação desses profissionais, há fatores positivos e

professores comprometidos indo na contramão da desvalorização profissional,

silenciamento imposto ou que resulta de um cansaço que se instala nesses

profissionais da educação básica pelas inúmeras cobranças e dificuldades

enfrentadas no dia-a-dia das escolas. Há que se voltar com urgência para estes

profissionais de extrema importância, mas desgastados pelo sistema que só fala,

cobra, às vezes finge ouvir quando na verdade não passam de discursos vazios que

negligenciam e desrespeitam á certo modo estes profissionais.

4.2 Práticas Pedagógicas: possibilidade ou realidade para a construção da

identidade negra das crianças?

Nos itens posteriores teremos a descrição e análises das oficinas interativas

aplicadas respectivamente nos meses de março e junho, nas duas turmas das

Professoras A e B.

4.2.1 Oficina Interativa: as duas Marias

Esta oficina foi aplicada no mês de março, bem no início do ano letivo, os

materiais utilizados foram duas bonecas estilo bebê, uma negra e outra banca. Foi

basicamente composta: a professora de cada sala de aula, em momentos diferentes,

pediam para as crianças formassem um círculo, facilitando, portanto, a filmagem e

anotações durante a observação. Entregavam a boneca branca para um deles, de

preferência indiquei que iniciassem com o aluno mais participativo para que a aula

fluísse, elas explicavam, primeiro com a boneca branca: “Essa é Maria, você pode

dizer o que quiser e fazer o que quiser com ela e depois passe para o colega que

está ao seu lado”. Depois as professoras repetiam o mesmo processo com a “Maria”

negra. Por fim, dispuseram as duas bonecas em uma mesa e pediram para que

Page 205: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

202

cada criança, uma por vez apontasse qual das bonecas achavam mais bonita e que

gostaria de brincar com ela.

Tratou-se de uma oficina básica e dinâmica que mesmo com a utilização de

poucos recursos, as crianças participaram ativamente, tinha como objetivos analisar

através da brincadeira o processo de comunicação verbal, corporal, facial,

comportamental, como as crianças dos dois primeiros anos da escola lidavam, com

as duas bonecas, branca e negra, que possibilitou uma reflexão sobre o que

pensavam e sentiam, mostrou-se latente a reprodução de comportamentos vistos

anteriormente e/ ou sentimentos sobre eles mesmos.

A descrição do referido momento na sala de aula da Professora Maria Firmina

aconteceu assim: a mesma sentiu um pouco de dificuldade ao ministrar a aula, no

sentido de conseguir conter a turma que ainda no início do ano era bastante agitada,

mas conseguimos resultados satisfatórios, pois mesmo com toda agitação as

crianças queriam participar. Quando a professora explicou a brincadeira e entregou

a boneca branca, demonstraram reações bastante comuns, como se estivessem

diante de algo corriqueiro, constatei pelas fisionomias e gesticulações, bem como

pelas falas de algumas meninas informando que tinham bonecas parecidas com

aquela.

Os comportamentos foram desde abraçar, beijar, ninar, alisar a cabeça,

cabelos e corpinho da boneca, fingir contar um segredo no ouvido, dizer que é linda

e cheirosa. Quando a boneca passa por todas as crianças que não se recusaram

fazer algum gesto ou falar algo para a boneca branca, então a Professora Maria

Firmina recolhe e apresenta a boneca negra, quando isso aconteceu, junto, para

minha surpresa, vi fisionomias de desaprovação, susto, caretas demonstrando

aparência de nojo, algumas crianças recuavam quando a boneca era entregue a

elas, outras se recusaram veementemente sequer pegar na boneca, algumas

crianças entre elas brancas e negras começaram jogar a boneca para as outras,

neste momento a Professora fala “vocês estão machucando ela”, logo no mesmo

instante a próxima criança a pegou, abraçou e beijou-a e cuidadosamente passou

para a próxima, então esperei para ver se a reação deles tinha sido apenas por

conta que a professora falou, ou se as demais crianças continuariam reagindo com

repulsa como vinha acontecendo.

Page 206: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

203

As duas crianças brancas seguintes a beijaram, mas com fisionomia de

vergonha, pois não demonstravam estarem gostando da situação, as próximas

crianças permaneceram mantendo os comportamentos iniciais dos colegas, uma

delas beijou, limpou a boca logo em seguida e disse: “tá suada” e entrega para a

colega que logo passa para outro sem demorar muito, este, começa dando

pequenos murros na boneca e depois bate ela em sua própria cabeça e todos os

colegas riem alto, enquanto do outro lado se ouve a fala: “parece com meu cachorro

filhote”.

Quando a professora dispõe as duas bonecas e pergunta qual delas as

crianças escolheriam, a grande maioria das crianças negras e brancas apontam

para a boneca branca e justificam a escolha citando: “é mais bonita e fofinha”, “

porque é mais bonita”, “ a cor é branca”, “o cabelo é mais bonito”, “ela é da minha

cor e o cabelo é mais bonito”, “a cor é igualzin a mim, o cabelos dela é igualzin a

mim”.

Apenas dois alunos escolhem a boneca negra e apontam para ela

extremamente acanhados, e quando o fazem, alguns colegas gritam alto: “porque

parece com ela”, “porque a cor é igualzinha a dela”, “porque é mais gordinha do que

ela”, sequer esperaram os dois colegas justificarem seus porquês. As duas crianças

que escolheram a boneca negra, um era menino que não soube ou não quis

justificar o porquê da escolha, já que demonstrava em seu semblante que estava

constrangido e a menina após muito custo, conseguiu falar que havia escolhido a

boneca negra porque ela “é da minha cor” e assim que terminou de falar baixou a

cabeça.

Na sala de aula da Professora Antonieta houve um momento de organização,

ela utiliza técnicas para tentar acalmar e chamar atenção das crianças, uma delas é

cantar uma música quando estão inquietos e conversando muito: “atenção,

concentração, a regra é, prestar atenção” e no mesmo instante eles param e cantam

junto com ela e voltam à atividade, a outra é despertar a curiosidade deles e ela faz

isso todo tempo. Nesta idade as crianças são inquietas e se concentram curtos

espaços de tempo nas atividades e ela usa isso ministrando o que é proposto de

forma breve e atrativa.

Sentada no chão com os alunos, inicia explicando que tem uma surpresa, o

que causa curiosidade e eles prestam atenção nela e na bolsa que está em seu

Page 207: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

204

colo. Explica para as crianças como vai funcionar a brincadeira e as crianças

recebem a boneca branca de forma bastante comum assim como as crianças da

outra turma reagiram: “ela é linda”, “o cabelo dela é bonito”, “bonitinha e fofinha”,

fazem carinho na boneca, abraçam, beijam, balançam, ainda completam, “o cabelo

dela é macio”, “ela é bonita e cheirosa”.

Logo após apresenta a boneca negra e quando a mostra, literalmente em

coro as crianças dão risadas, alguns apontam os dedos e continuam rindo, mas

aparenta um tom de deboche, como quando alguém rir do infortúnio de outra

pessoa. As crianças ao contrário da outra turma, não a jogam ou batem, apenas

falam: “parece um menino”, “a boneca preta parece com meu cachorro”, “Ela tem a

cara feia, parece da maldade, toda preta, eu acho feio”, a comparam com os colegas

negros da turma e dizem que eles têm a mesma cor da boneca. Quando apontam

para uma das coleguinhas afirmando que a boneca parece com ela, a criança diz

que não parece com ela por que “eu sou morena”.

Após este momento a professora colocou as duas bonecas juntas e pede que

escolham a que mais gostaram e pergunta o motivo. A maioria das crianças

escolhem a boneca branca e afirmam que é porque “é mais bonita”, “porque é

branca”, “porque é clara e parece comigo”, inclusive as crianças negras escolheram

a boneca branca com as mesmas justificativas. Duas crianças escolheram a boneca

negra, uma delas falou que “achou ela bonita”, mas os colegas no momento

disseram que ele escolheu porque “ela parece com a cor dele, morena” e a outra

criança apontou: “escolhi porque ela é morena, ela é marronzinha clara e parece

comigo”.

Percebe-se que as crianças ainda tão pequenas em sua maioria já carregam

consigo representações sociais bastante marcantes sobre a representatividade de

cor e características das pessoas negras quem ainda não haviam demonstrado, até

o momento da provocação para o tema, vale salientar que estavam no início do ano

letivo e, portanto, com pouco mais de um mês de aulas, as professoras não haviam

falado sobre o tema em nenhum momento, apenas no momento de apresentar a

pesquisa para a coleta das assinaturas a explanei de forma breve, então, estes

comportamentos marcantes demonstrados pelas crianças são as representações

que já construíram nos ambientes que convivem externos à escola.

Ferreira e Camargo (2011) fomentam a discussão quando afirmam:

Page 208: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

205

O negro brasileiro tem sido exposto diariamente a situações de humilhação. Aprende, desde cedo, através de mecanismos eficazes de reprodução ideológica, que as características identitárias valorizadas positivamente são as do branco e que lhe cabe não mais que a reprodução do ideal branco-europeu para poder ser socialmente aceito. (FERREIRA e CAMARGO, 2011, p. 375)

Uma parcela pequena delas escolheu a boneca negra e ainda assim

acanhados e/ou culpados por fazê-lo, mesmo sabendo que a boneca possuía sua

mesma cor e tanto eles próprios quanto os colegas brancos e os demais colegas

negros que não escolheram a boneca negra, já sinalizaram esta autoidentificação,

ainda assim, percebeu-se nessas crianças um sentimento de vergonha e

deslocamento, onde a maioria dos colegas inclusive os colegas negros escolheram

a boneca branca e a boneca negra recebeu todo tipo de fala negativa e ações

repulsivas dos colegas.

Nas duas salas as crianças expuseram em suas falas e gestos, sentimentos

negativos, de rejeição e recusa pela boneca negra, quando questionados pelas

professoras sobre o porquê daqueles comportamentos, os mesmos repetiam as

justificativas dadas para não escolher a boneca negra e reforçavam os motivos pela

escolha da boneca branca. As professoras fizeram suas intervenções após a

aplicação da oficina e estabeleceram uma conversa com as crianças e basicamente

explicaram as reações que não devem ser cometidas para outras pessoas pelo

simples fato de serem negras e possuírem características diferentes das suas,

enalteceram a importância do respeito colocando situações práticas para as crianças

refletirem sobre seus comportamentos, foi um momento bastante rico onde as

professoras expuseram suas experiências adquiridas ao longo da vida.

Já em casa, fui rever os vídeos e a partir do que revi selecionei algumas

crianças e posteriormente de forma sutil, com permissão das professoras fui

chamando em dias alternados, pois não queria chamar atenção deles, era para ser

algo tranquilo e natural, assim o fiz, e fui mostrando partes do vídeo e questionando

suas falas e comportamentos. Percebi que para além daqueles comportamentos e

falas, as crianças foram contando à seu modo percepções de momentos vistos,

ouvidos ou vividos em seus cotidianos fora da escola que se não as questionasse

jamais iam relatar, portanto, estes momentos possibilitaram entender a dimensão

Page 209: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

206

das vivências anteriores das crianças e posso afirmar categoricamente que já

influenciam na construção de sua identidade, da percepção que tem do outro e de si.

Algumas falas das crianças durante as conversas, descritas tal qual foram ditas, por

se tratar de muitas crianças e vídeos longos, torna-se inviável transcrever toda

conversa, portanto, destaco comente as falas que auxiliam responder aos objetivos

e problema proposto nesta pesquisa:

“Minha mãe falou que sou moreninha clara, negra não, sou clarinha”.

“O vizinho lá da rua é bem negro tia e as pessoas não gostam dele porque ele

é ladrão aí eu bati na boneca por isso”.

“Todo dia minha mãe reclama de pentear meu cabelo, diz que ele é armado

demais e dá trabalho, eu queria o cabelo da boneca que escolhi e foi por isso

que eu disse que o cabelo dela é lindo tia”.

“Fiz cara feia pra ela porque ela não é cheirosa e parecia tá suada, eu não

gostei de pegar nela, ela é igualzin (compara ao colega de sala que é negro)

que chega do intervalo fedorento e suado”.

“Eu vi um vídeo na internet do homem que mataram porque era negro, e o

policial achou que ele que tava roubando aí eu não gostou da boneca negra,

ela é da mesma cor do homem morto”.

“O namorado de minha mãe é bem escuro sabe tia e meu pai que não tá mais

com minha mãe porque eles brigavam sem parar não gosta dele, sempre tem

briga e ele diz pra mim que ele é um macaco safado e que não é meu pai pra

eu não querer papo com ele”.

“Um dia eu tava brincando na rua aí minha vizinha reclamou comigo e disse

vá pra casa seu neguinho fedorento e deixe de fazer barulho aí os outros

pirraia fica tudinho me chamando de neguinho fedorento agora”.

Como se pode constatar em alguns relatos das vivências das crianças

cotidianamente, estas já bastante pequenas carregam consigo o peso de

comportamentos sociais que influenciam diretamente na formação humana e

identidade dessas crianças. Não se pode afirmar que estas crianças têm

preconceitos, seria irresponsável e prematuro, mas se pode afirmar que ao longo do

ano, as professoras conseguem modificar tais comportamentos demonstrados nas

análises anteriores, em que as crianças que antes negavam sua identidade, a

Page 210: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

207

ressignificam através dessas interações com suas professoras e suas práticas

voltadas para equidade. Bem como as crianças brancas passam por esse processo

de aceitação do outro, respeito e ressignificação a respeito das pessoas negras.

Nas fotos 10 e 11 podemos constatar um exemplo de aquisição da

aprendizagem sobre respeito ao próximo e ressignificação identitária de si e do

outro. As fotos foram tiradas na sala de aula da Professora Maria Firmina no mês de

Abril e se vê a criança com duas bonecas negras que trouxe de casa. Esta criança

durante a oficina interativa intitulada “as duas Marias” recusou-se com fisionomia no

rosto de repulsa e não quis pegar na boneca negra e optou pela branca com a

justificativa que “é linda e se parece com minha cor”.

Ao entrar na sala de aula a professora já aponta e diz: “olha mesmo essa

cena, para quem não quis nem pegar na boneca negra durante aquela aula, hoje ela

chega com duas bonecas negras”, pedi permissão para conversar com a criança e a

professora continuou sua aula. Curiosa para saber o contexto daquela mudança de

comportamento, me aproximei da criança perguntando de quem eram aquelas

bonecas tão lindas? Imediatamente ela responde “são minhas pedi a minha mãe pra

comprar elas pra mim porque eu acho elas muito bonitas”. De forma leve relembrei o

dia da aplicação da oficina interativa quando ela não quis pegar na boneca com

feições de repulsa, então falei, se você acha elas bonitas porque naquele dia da aula

da Professora Maria Firmina com as duas bonequinhas você não quis nem pegar na

bonequinha negra? Nem ao menos titubeou para dar a resposta: “porque eu achava

aquela cor feia, aí a Tia “A” explicou que a gente deve respeitar as diferenças das

pessoas, aí agora eu gosto e pedi pra minha mãe comprar pra mim”.

Foto 10: Criança e suas bonecas negras.

Foto: registro da pesquisadora na sala da Professora Maria Firmina

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208

Na foto 11 foi o momento quando a coleguinha de laço branco na cabeça se

aproxima e pede para olhar as bonecas, ela permite e ficam as duas brincando um

pouco, durante a breve conversa das duas a dona das bonecas diz: “elas são da sua

cor”, a coleguinha olha para elas, olha para o próprio braço, aparentemente

comparando, e responde: “é sim, bem igual e até a cor do cabelo né?”, a outra

responde: “é mesmo” e com aparente sorriso de satisfação no rosto devolve a

boneca e volta ao seu lugar.

Foto 11: Crianças e suas bonecas negras: respeito, compartilhamento e

ressignificação da identidade negra.

Foto: registro da pesquisadora na sala da Professora Maria Firmina

A mudança de pensamento, ações e comportamento de algumas crianças

em curto espaço de tempo neste convívio com as professoras já era aparente, nesta

faixa etária, percebe-se uma preocupação e demanda de tempo grandes das

professoras no que diz respeito a mesclar o ensino voltado para comportamento,

valores, respeito, aprendizagem do diálogo nas mais diversas situações, aquisição

da autonomia, autoestima, construção da identidade, fortalecimento das relações

entre as crianças e os adultos e entre os pares e conteúdos e projetos exigidos que

visam em grande escala os resultados quantitativos.

Não se pode minimizar o sofrimento que as pessoas negras enfrentam na

sociedade brasileira que promove um mito de democracia racial, que muitos

pesquisadores já questionam e o coloca em questão para promover discussões e

possivelmente desfazer um mito que se promoveu através de discursos bonitos

quando a realidade exposta pelas crianças no início deste estudo ainda é outra.

Sobre isso, Fernandes (1972) afirma:

Page 212: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

209

Essa crença que, com certeza, marca as subjetividades das pessoas e favorece o encobrimento do preconceito racial em relação à população negra, alimenta um discurso que propaga a existência de uma relação harmoniosa e igualitária entre brancos e negros, o que não corresponde às situações concretas que a população negra vivencia. (FERNANDES, 1972, grifo nosso).

Neste contexto histórico e social do Brasil em que o padrão ideal é o da

brancura, as pessoas negras e em espacial as crianças negras inevitavelmente

negarão suas origens em busca um ideal inatingível e de se enquadrar em uma

sociedade que não a aceita como ela é, e ainda lhe coloca numa posição de

inferioridade. Ferreira e Camargo (2011, p. 378) salientam: “criança assimila, em seu

mundo simbólico, valores, crenças e padrões de comportamento estigmatizados

através das relações sociais”. Diante do exposto, analisa-se que as assimilações

trazidas pelas crianças para a escola de suas vivências externas, apontam apenas a

realidade enfrentada pela população negra e que muitas vezes é reforçada dentro

do ambiente escolar. Ferreira e Camargo (2011) lembram que “um dos lugares

fundamentais para a construção da identidade do indivíduo desde a infância é a

escola. Infelizmente, é também um dos lugares em que o preconceito e a

discriminação são também desenvolvidos e alimentados, pois reflete os processos

sociais da sociedade em que o indivíduo está inserido. (p. 378).

Diante disso, vale ressaltar o esforço das professoras pesquisadas na

tentativa de irem à contramão da realidade posta inicialmente pelas crianças,

superar as próprias dificuldades relacionadas a temática, ainda suplantar uma

formação continuada precária e escassa no que refere-se ao tema étnico-racial e um

sistema educacional mecanizado que busca resultados quantitativos com um

discurso vazio de que se preocupa com a formação individual dos sujeitos e bem

estar dos mesmos.

4.2.2 Oficina Interativa: a escravidão desde a África até o Brasil

A segunda oficina interativa aplicada pelas professoras no mês de junho teve

como tema “a escravidão desde a África até o Brasil”, os materiais utilizados foram

data show, computador, caixa de som, papéis e lápis. Teve como objetivos levantar

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210

a autoestima dos alunos; perguntar quem descendia de pessoas que foram

escravizadas, neste caso se algum familiar já havia falado sobre o assunto com eles;

fazer com que os alunos debatessem acerca do tema e oportunizar uma análise dos

fatores socioculturais e econômicos com seus descendentes atuais.

Após indicação e diálogo com as professoras elencamos alguns conteúdos

que seriam abordados na oficina, que foram:

A vida dos negros na África

Por que e por quem eles foram dominados

A vinda para o Brasil (a situação no navio negreiro)

A vida no Brasil

Depois da abolição

Heranças culturais

Ao final da aula foram distribuídos folhas e lápis de pintar para que as crianças

desenhassem e falassem um pouco sobre uma pessoa de sua família, vizinho,

colega, ou qualquer outra pessoa que já tenha visto em algum lugar que mais se

pareça com aquelas pessoas que foram escravizadas, de modo que a professora foi

questionando cada um deles sobre quem se tratavam as pessoas desenhadas e foi

elaborando questões baseadas nas respostas das crianças.

As professoras fizeram uso do mesmo planejamento e instrumentos durante a

oficina, posto isto. A Professora Maria Firmina inicia sua aula com as crianças

sentadas em suas cadeiras, coloca o vídeo “Os Africanos - Raízes do Brasil” 19 que

tem 6 minutos e 25 segundos de duração, durante este momento as crianças se

mostram atentas e concentradas, algo não muito corriqueiro, ficaram em silêncio

todo o tempo, alguns encostam na mesa e ficam como se fosse deitados, outros

chupam os dedinhos, ações que sinalizam que estão confortáveis e mais calmos.

Ao final do vídeo a professora questiona sobre o que falava nele, uma das

crianças responde “da escravidão”, outra fala “a escravidão foi antes da gente”,

“Dom Pedro escravizou os negros”. A professora questiona o que é ser escravizado?

Um dos meninos responde “ganhavam dinheiro e ficavam ricos trabalhando”, no

mesmo instante a professora indaga novamente “ganhavam dinheiro?”, outra

19

https://www.youtube.com/watch?v=fGUFwFYx46s

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211

menina responde “não ganhavam dinheiro, não recebiam era nada só chicotada nas

costas que eu vi na novela”.

A professora informa que trabalho escravo era “trabalhar e não receber nada

em troca, então eles trabalhavam para os brancos e não recebiam nada em troca”, e

completa indagando as crianças de eles “acham que tem diferença entre ser branca

e morena”, diante desse questionamento as crianças começam respondendo que

“não tem diferença”, que “são todos pessoas”, “são todos humanos tia”, “somente a

cor da pele que é bonita igual a branca minha”, “mas tia eles não são morenos, Tia

“B” disse que são negros, que é negro o jeito certo!”, estavam todos falando ao

mesmo tempo e no instante que foi dita essa fala a professora que estava mais

distante parece parar no tempo, aquele segundo que paramos diante de algo ou que

nos choca, ou achamos interessante, ou mesmo não sabemos e buscamos

entender, o instante que buscamos compreender o que foi dito, então ela se

aproxima e pede que a criança “repita por favor”.

A criança repete “você disse moreno tia, e a cor certa é negro que Tia “B”

disse”, a Professora Maria Firmina ainda se mostra surpresa e fala “como você é

inteligente, muito obrigada por lembrar tia e me ensinar, agora tia sabe falar certinho

graças a você e Tia “B”” e, explica para toda turma exatamente o que a criança

havia acabado de falar, e as crianças disseram quase quer unanimemente que já

sabiam. A professora sorriu, olha pra mim e diz “eu quase não estou aprendendo

com esses meninos, Tia “B” e graças a sua pesquisa que veio me tirar da zona de

conforto”, sorrimos e ela continuou ministrando a oficina falando sobre a importância

do povo negro para a cultura, culinária, danças, artesanato, religião e construção

histórica do país que “não foi só coisas ruins, só crueldades feitas pelos brancos

com os negros, mas esse povo foi quem construiu esse país com tanta riqueza

cultural como temos hoje”. Sobre essa discussão sobre cor Ferreira e Camargo

(2011) apontam:

É comum uma pessoa, principalmente no caso do mestiço com características negroides leves e com posição social elevada, ser considerada branca. Outra pessoa, em função de condições socioeconômicas adversas, com características físicas semelhantes, pode ser considerada negra. Fatores ideológicos, como a busca de afirmação da negritude, um modo de valorizar uma determinada especificidade cultural, também podem interferir na definição das

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212

características raciais. Pessoas com características fenotípicas brancas, por exemplo, em função de seu envolvimento com a cultura negra, podem considerar-se negras. Dessa forma, a ausência de unanimidade cria dificuldades adicionais para a construção da identidade do afrodescendente. (FERREIRA E CAMARGO, 2011, P. 376)

Trata-se de uma realidade posta, a intensidade da cor da pele negra define

quanto de preconceito a pessoa sofrerá, esse tipo de comportamento social só

fortalece uma das dificuldades que deve ser motivo de preocupação por tudo que foi

visto nestas observações que é a construção da identidade negra fortemente

atacada por comportamentos estabelecidos e perpetuados por uma sociedade que

tem uma população negra elevada como já constatamos nos dados do IBGE antes

citado, mas ainda permanece estagnada em termos de evolução de moralidade e

respeito às diferenças que são preceitos básicos para uma possível e desejada

evolução da nação.

Dessa forma, continuando, a professora coloca outro vídeo “cultura

afrobrasileira” 20 que aponta pontos importantes da cultura negra que fazem parte de

nossa vida, as crianças gostaram do ritmo, batem com as mãos na mesa, tentam

cantar, alguns levantam e começam dançando, ao final, pedem para colocar a

música outra vez, a professora repete como solicitam e mais crianças levantam para

danças, algumas dançam soltas, outras pegaram nas mãos de formaram duplas e

trios e continuaram dançando, quando a música acabou, eles disseram “eu gostei

tia”, “essa música é bonita”, “é bem boinha de dançar”, “essa é uma música que os

negros trouxeram da África né tia”.

Finalizando as explanações a professora pergunta se conheciam alguém que

tinham vivido situação parecida de escravidão, ou que tivesse alguém na família nos

antepassados que tivesse passado por situação de ser escravizado e entregando

folha em branco pediu que desenhassem. Quando as crianças iam terminando a

atividade ela ia perguntando quem eram as pessoas do desenho para ir escrevendo

os nomes ditos pelas crianças, posteriormente fui indagando as crianças mais à

fundo sobre seus desenhos.

A quantidade de crianças em ambas as turmas estava reduzida, pois estavam

próximo ao recesso escolar, entoa, começam faltando, mas como a oficina já estava

20

https://www.youtube.com/watch?v=tJ1pJvdJMUc

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213

programada para aquele dia há mais de um mês elas preferiram e solicitaram que

fosse aplicada assim mesmo, como a quantidade não estava reduzida ao ponto de

atrapalhar os resultados, a oficina foi aplicada com esse quantitativo de alunos.

Das dez crianças que estavam na escola naquele dia, apenas duas

desenharam pessoas que não faziam parte de seu convívio familiar, os demais

desenharam a si mesmos, ou amigos da família, colegas da própria sala de aula,

avós, pai e mãe.

Posteriormente estarão à mostra os desenhos das crianças e suas falas a

respeito dos mesmos, de caneta foi escrito pelas professoras ou por mim

exatamente quem as crianças afirmaram ter desenhado e as falas abaixo dos

desenhos foram ditas pelas crianças a partir dos questionamentos também das

professoras ou meu como expliquei antes. Fui indagando de um por um sobre o

porquê de terem desenhado aquela determinada pessoa ou a si mesmos, fui

anotando no diário de campo e as respostas foram:

Desenho 1: amiga da mãe.

“Desenhei a amiga de minha mãe porque ela é negra, mas ela não foi escrava

porque escravo é lá antigo, e eu não queria que ela sofresse porque ela é muito

legal e nem as outras pessoas negras”.

A criança fala com certa tristeza e de cabeça baixa, demonstrando não achar

legal esse momento de escravidão demonstrado no vídeo e fala complementar de

sua professora. Explicita que gosta da pessoa negra desenhada, pois faz parte de

seu convívio e nutre sentimentos por ela, reconhecendo-a como negra, mas não

quer que ela sofra, entendeu, portanto, que foi um momento histórico de sofrimento,

bem como demonstra que compreendeu a identidade das pessoas negras e não as

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214

quer sofrendo, independente se faz parte de seu círculo emocional ou não. Tamanha

importância tem a fala dessa criança.

Desenho 2: minha avó.

“Desenhei minha avó, porque ela é negra e eu sou também, sou só um pouquinho

mais claro, mas sou negro também”.

A criança reconhece sua identidade negra, bem como de sua avó, mostra que

a questão de mais claro e mais escuro, o degradê da pele negra, já é observado,

mas que para a criança não a faz menos negra que as demais ser um pouco “mais

clara”, pois finaliza afirmando que é negro também, reafirmando sua identidade junto

a todas as pessoas vistas no vídeo, bem como junto à sua avó.

Desenho 3: eu e meu irmão.

“Desenhei eu e meu irmão porque a gente é bem parecido com as pessoas do

vídeo, mas a gente não sofre”.

Mais uma criança que reconhece sua identidade e de um familiar

comparando-se as pessoas vistas no vídeo, e ressalta que não sofrem, remetendo-

se ao visto e falado por sua professora.

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215

Desenho 4: meu avô bem grande.

“Foi meu avô porque ele é dessa cor igual a mim e é bem grande, forte e eu até fiz

ele construindo uma casa e trabalhando, mas ele ganha dinheiro”.

A criança reconhece sua identidade negra, bem como remete-se a pessoa de

seu avô que trata-se de alguém por quem nutre sentimento e explicita que é uma

pessoa “grande e forte” que trabalha mas ganha seu próprio dinheiro, ao contrário

do que é mostrado no vídeo sobre a exploração da força trabalhadora das pessoas

negras, então, a criança faz um comparativo sobre sua realidade de vida com a

realidade das pessoas que assistiu, ressaltando quando diz “mas ele ganha

dinheiro”, que as coisas hoje são diferentes, que mesmo o avô sendo negro ele

ganha seu sustento com seu trabalhando dignamente e não é como as pessoas que

eram escravizadas, trabalhavam duro e não ganhavam seu dinheiro que seria o

justo.

Desenho 5: minha mãe.

“É minha mãe que eu fiz porque ela trabalha muito e recebe pouco que ela diz. Ela

tem só uma cor clara de branca, mas ela sofre também igualzinho as pessoas que

tava passando”.

A criança desenha sua mãe e remete este desenho ao fato dela trabalhar

muito e ganhar pouco, reconhece também que a cor de sua mãe é branca, mas que

ainda assim “recebe pouco”, comparando esta realidade vivida pela mãe nos dias

atuais com o sofrimento que assistiu no vídeo, pois completa que a mãe sofre

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216

bastante igual às pessoas do vídeo, é como se no pensamento da criança, fossem

na verdade um grupo de pessoas sem distinção de cor que sofrem pelos desajustes

de uma sociedade desigual e muitas vezes cruel.

Desenho 6: eu e minha mãe.

“Sou eu e minha mãe, mas minha família todinha é dessa minha cor aqui tia, bem

escuro tá vendo?, mas ninguém é escravo, nem leva chicotada igual na novela”

A criança cita o exemplo que a coleguinha de turma falou antes sobre as

chicotadas que viu em uma novela. Ele reconhece sua identidade negra, junto com

toda família apontando para sua cor de pele que é “bem escuro”, ainda ressalta que

ninguém é escravo, o semblante dele ao falar me chama atenção porque ele faz

esse comparativo com um quê de revolta nas feições e a voz se altera um pouco.

Fiz uma fala no sentido de explicitar as conquistas das pessoas negras e que ele

não precisava ficar chateado pelo que aconteceu antes mas precisava entender tudo

que aconteceu para lutar pela dignidade e espaço de seu “povo lindo” na sociedade,

ele sorriu e disse “não estou mais com raiva tia”.

Desenho 7: minha mãe, meu pai e eu.

“Minha mãe, meu pai e eu, a gente não é negro, mas se a gente fosse não tinha

nada por isso eu fiz esse desenho assim”. (no desenho onde está escrito eu se

refere à própria criança).

Page 220: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

217

A criança desenha ela mesmo e sua família que é toda branca, quando na

verdade foi pedido que desenhasse alguém que conhecesse parecido às pessoas

vistas no vídeo, mas ele desenha as pessoas de sua família e ainda afirma que não

teria problema algum se fossem negras, reconhece sua identidade e respeita a

identidade negra, e quando o questiono se não teria problema mesmo se fossem

sofrer preconceito das pessoas, ele afirma que “não tem problema mesmo assim tia,

porque quem faz isso são pessoas ruins como aqueles homens que batiam nos

escravos e eu gosto dos meus colegas negros que a gente brinca e se diverte no

recreio e na educação física”. Portanto, deixou nítido que para ele as diferenças não

fazem parte de seus sentimentos e pensamentos, pois mesmo se fossem sofrer

como perguntei, ele sustentou que permaneceria com o pensamento de que ele e

sua família poderiam ser negros e não haveria problema, pelo simples fato que não

há diferença entre as pessoas de cor pra ele, mas ele diferencia as pessoas boas

das pessoas ruins que cometem estes tipos de comportamentos desaprováveis.

Desenho 8: amigos da sala.

“São meus dois amigos aqui da sala (cita os nomes deles) porque eles são negros e

eu gosto deles porque a gente brinca muito no recreio”.

Reconhece a identidade negra dos amigos bem como especifica que gosta

deles e brinca com eles, fala isso de um modo bem natural, pois é comum pra ele

brincar com seus amigos sejam eles negros ou não, todos estão juntos.

As duas crianças que desenharam pessoas que não fazem parte de seu convívio

disseram:

Page 221: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

218

Desenho 9: meu vizinho.

“É meu vizinho que é igual a cor das pessoas que eu vi no vídeo porque na minha

família só tem gente branca mesmo, mas tia, ele é uma pessoa bem legal que as

pessoas conversam e dão sorriso com ele”.

Desenho 10: pessoas que vi na rua.

“Foram umas pessoas que eu vi na rua, na minha casa não tem nenhuma gente

negra, mas não quero que as pessoas sejam escravas”.

As crianças dos dois últimos desenhos da sala de aula da Professora Maria

Firmina não desenham pessoas próximas, mas demonstram reconhecer suas

identidades e de seus familiares, ainda assim expressam que não querem que as

pessoas negras sofram e um deles ainda cita que o vizinho é negro e é legal porque

as pessoas conversam e dão sorriso, portanto para ele demonstra que as interações

que acontecem das pessoas e do vizinho negro demonstram que ele é uma pessoa

legal, remetendo-nos a pensar que ele atribui o valor das relações de conversa e

sorriso a algo legal, a algo que vai acontecer entre pessoas que se gostam e/ou se

respeitam.

Já na sala de aula da Professora Antonieta ela organizou as mesas e

cadeiras em um semicírculo, iniciou a aula cantando uma música em outra língua, as

crianças riem um pouco, mas se concentram para ouvir, ficam muito silenciosas

ouvindo. Ao finalizar, perguntou se entenderam algo, “o que vocês acham que eu

Page 222: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

219

estava dizendo?” e respondem que não sabiam, ela continua, “vocês sabem de onde

vem essa música?” continuam respondendo que não, então ela explica: “esse é um

hino africano, cantado na língua iorubá que é falada em alguns poucos países

africanos, e agora nós vamos entender um pouquinho da história da África, a vinda

dos africanos para o Brasil”.

Colocou o mesmo vídeo “Os Africanos - Raízes do Brasil para os alunos

assistirem, eles ficam bastante concentrados, ela pergunta aos alunos de que fala o

filme e eles respondem: “da África”, “dos negros”, “da escravidão”, “dos homens que

ficam presos porque são escravos”, “eles apanhavam, eles levavam chicotada”,

“eles trabalhavam pros brancos”. A professora foi questionando e os alunos

interagindo com ela, em um dos momentos uma criança aponta para mim e diz “ela

é branca e você Tia “B” é negra, eu sou branca e o colega ao lado é negro”, outra

criança diz “tia você é morena”, ela responde “não, eu sou negona, negra mesmo”,

outras crianças repetem, que a tia é negra e vão nomeando-se como negros ou

brancos, sem que ninguém pedisse que o fizessem.

A professora explicou como os negros eram trazidos para o Brasil nos navios

negreiros, e as condições precárias que eram transportados, e que vinham nos

porões, sem higiene, acorrentados e morriam uma grande quantidade deles durante

a viagem por causa da falta de higiene e alimentação. As crianças demonstram

fazem expressão de espanto e tristeza. Ela ainda explana o que acontecia com os

negros quando chegavam ao Brasil, a forma como eram escravizados, e como

aconteceu a abolição da escravatura, que mesmo não sendo mais escravos, não

foram dadas condições para eles sobrevivessem podendo se sustentar e ainda

continuaram escravos sofrendo por longo período porque “o Brasil não os acolheu

em momento algum, só os maltratou”.

Ela coloca o outro vídeo “cultura afrobrasileira” e vai explicando toda

importância do povo negro em nossa cultura, fala sobre a culinária, artesanato,

religião, danças, ela explica tudo com uma expressividade corporal marcante, já que

é bailarina profissional e ensaia um pouco da capoeira animando os alunos, uns

levantam e dançam, outros cantam, batem com as mãos nas mesas. A professora

finaliza este primeiro momento explicando como surgiu a capoeira, “que começaram

enganar os senhores donos dos escravos, dizendo que era só uma brincadeira e

uma dança e os senhores acharam bonito e não proibiram como todas as outras

Page 223: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

220

coisas que eram proibidas, por exemplo, expressar a religiosidade deles e a cultura,

só que na verdade eles estavam treinando luta para se fortalecer e poder se

defender dos capatazes que os caçavam quando tentavam fugir”.

Ela pede que os alunos levantem, peguem nas mãos uns dos outros e façam

um círculo, para que aprendam dançar um pouquinho o coco de roda que acredita-

se ser um ritmo originário dos povos negros nos quilombos. A professora dança e

ensina as crianças que a imitam e se divertem, ao final, pedem para que ela coloque

novamente e não queriam mais parar.

Por fim, ela fala como será realizada a atividade que poderão desenhar

alguém que conheçam que se pareça com as pessoas vistas no vídeo, e ao

finalizarem o desenho ela vai questionando um por um sobre quem representaram

no desenho e por que e anotando no desenho. Deixou tocando baixinho músicas

relacionadas ao tema enquanto as crianças desenhavam e vez ou outra se via eles

dançavam, ou balançando a cabeça, ou os braços e assim nesse clima, foram sendo

indagados pela Professora Antonieta sobre seus desenhos. Posteriormente

estabeleci algumas conversas informais com as crianças, mostrei novamente o

desenho feito de modo a esclarecer dúvidas que ficaram ao assistir o vídeo.

Dos doze alunos que estavam neste dia, apenas um desenhou pessoas

aleatórias que não fazem parte de seu convívio, todos os demais representaram

alguém próximo ou eles mesmos e as justificativas foram:

Desenho 11: eu e meu irmão.

“É eu e meu irmão, ele tem o cabelo enorme bem pra cima que eu gosto bem muito

e queria tanto o meu igual”.

A criança reconhece sua identidade negra e aponta que seu irmão tem cabelo

enorme pra cima e que gosta muito, ressalta, portanto, que considera bonito o que é

motivo de tanto preconceito social que é o cabelo das pessoas negras, afirmando

Page 224: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

221

ainda que queria ter cabelo igual, ou seja, seu irmão que provavelmente se aceita e

assume sua identidade negra, pois assume seu cabelo crespo, é exemplo para sua

irmã pequena que demonstra orgulho dele ao falar sobre o assunto.

Desenho 12: meu amigo que tem a cor igual à Tia “B”.

“Fiz meu amigo que tem a cor igual à Tia “B” e fiz eu também que tenho cor branca,

mas, eu tô brincando com meu amigo”.

A criança reconhece a identidade negra do amigo que gosta de brincar e o

compara a professora que também é negra, afirmando que os dois são iguais e

desenha os dois brincando, que vem a ser um momento de diversão e muito

mencionado pelas crianças, as brincadeiras.

Desenho 13: meu amigo e eu brincando.

“Esse é meu amigo e esse outro sou eu e a gente tá brincando na rua de casa, nós

dois se parece com o povo que Tia “B” falou”.

Mais uma criança que tem definida sua identidade negra, bem como de outra

pessoa com quem convive, compara ambos a cor das pessoas negras vistas no

vídeo e expressa que os dois brincam juntos na rua de sua casa, remetendo-se a

momentos prazerosos que vive com seu amigo, e de forma natural em sua fala e

Page 225: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

222

feições ele explicita que está confortável com sua cor e seu reconhecimento a sua

identidade negra.

Desenho 14: eu, minha mãe e Tia “B”.

“Desenhei eu, minha mãe e Tia “B”. Minha mãe e eu a gente tem a cor parecida a de

Tia “B”, mas o cabelo dela é mais bonito”.

Reconhece sua identidade negra e de pessoas que convive e gosta, ainda

elogia o cabelo da professora, que é sempre motivo do olhar e elogios dos alunos,

basta ela ir com ele diferente, pois costuma usar ele solto, que os alunos

inevitavelmente vão comentar sobre a diferença, expressando o que acham da

determinada forma diferente dela usar seus cabelos em algum dia.

Certo dia ela chegou com o cabelo amarrado, por exemplo, então ouviu falas sobre

gostarem mais dela de cabelo solto. Como segue a foto abaixo contendo fala dela

de um dos momentos ao qual me referi e postada em uma rede social pela própria

professora.

Foto 12: Professora Antonieta.

Foto retirada de uma rede social da Professora Antonieta, cedida por ela.

Page 226: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

223

A professora reconhece sua identidade negra, é militante do movimento negro

e propagou de forma leve e convicta, sua identidade, o fortalecimento da identidade

de seus alunos que foi demonstrado durante toda a pesquisa, ressaltando a beleza

negra, oportunizando momentos de reflexão essenciais à construção desse trabalho.

Desenho 15: eu e Tia “B”.

“Foi eu e Tia “B” que eu fiz. Porque eu gosto muito dela mesmo a gente sendo

diferente de tudo”.

A criança se reconhece e define tanto sua identidade quanto a de sua

professora, a quem representa como a pessoa negra que conhece e convive, aponta

que são diferentes em tudo, e esse tudo se referiu a cor da pele e ao cabelo,

explicitando que gosta da Tia “B” e, portanto, foi o referencial negro a quem a

criança remeteu seu desenho.

Desenho 16: eu e outras crianças negras e outras crianças brancas.

“Essa sou eu e outras crianças negras e outras crianças brancas, todo mundo junto

brincando lá na rua de casa e ninguém briga porque isso é feio Deus não gosta”.

A criança se desenha e várias crianças que segundo ela são negras e

brancas e todas juntas brincam, portanto, percebe-se que para ela todos brincam

Page 227: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

224

juntos sem diferenciação de cor, e ainda frisa que ninguém briga que Deus não

gosta, apontando, que um entendimento sobre não haver necessidade de brigas que

todos podem ficar juntos, o que é algo bem natural entre as crianças, que vão sendo

moldadas pelo mundo dos adultos e estereotipando as pessoas.

Desenho 17: minha família.

“É a minha família, minha mãe, eu e meus primos. A gente é diferente das pessoas

do vídeo e desenhei minha família porque a gente gosta de todo mundo também e

eles gostam da gente e eu sei porque tem o pessoal negro que vai lá na minha

casa”.

A criança reconhece sua identidade e de sua família como pessoa brancas

diferentes das pessoas do vídeo e aponta que ela e as pessoas de sua família

gostam de todo mundo e que as pessoas negras que frequentam sua casa também

gostam da família dela, assim sendo é natural para esta criança as pessoas

independente de cor se gostarem e socializarem-se, a partir das relações que a

família demonstra com as outras pessoas, a criança estabeleceu um parâmetro de

análise que é construtor da sua identidade e de como enxerga as outras pessoas.

Desenho 18: é meu amigo ele é negro.

“É meu amigo ele é negro, mas não tem nada que a gente é diferente porque a

gente joga bola juntos e não briga”.

Page 228: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

225

A criança se desenha e ao amigo e define bem a identidade de cada um

deles, assim como demonstra que não se importa com as diferenças de cor entre

eles e que brincam juntos sem brigas, retratando seu pensamento sobre o que

pensa e sente a respeito das pessoas com diferença de cor interagir, indicando que

para ele é muito natural.

Desenho 19: minha irmã e meu irmão.

“Minha irmã e meu irmão, pode ver no desenho que o cabelo deles é igual o meu e o

de Tia “B””.

A criança desenha sua mãe e irmão e destaca o cabelo deles comparando ao

dela e ao de sua professora, assim, consegue-se perceber que a mesma assume

sua identidade e envolve as pessoas que gosta reconhecendo-as também como

negras, enaltecendo que esse reconhecimento também se deu pelos cabelos que

são crespos e cacheados, marca forte das pessoas negras e um dos motivos de

preconceito, exclusão e segregação dessas pessoas e foi exatamente o que chama

atenção da criança que citou o cabelo com fonte de orgulho de demarcação de sua

identidade e dos seus.

Desenho 20: meu pai.

“Eu fiz meu pai sozinho, ele é igual o povo que veio da África e eu sou igual a eles

também, meu pai nunca foi escravo igual aqueles que sofreu”.

Page 229: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

226

A criança desenhou seu pai reconhecendo-o e reconhecendo-se como iguais

as pessoas que foram escravizadas trazidas da África, salientando que o pai nunca

foi escravo remetendo-se a este momento histórico como sendo um momento de

sofrimento e que a pessoa que ele nutre sentimentos que é negra não passou por

algo tão sofrido. Outra criança que consegue ressignificar sua identidade negra, bem

como visualiza-se no desenho que este retrata seu pai com o cabelo black power e

quando questiono ele diz que é porque é assim mesmo o cabelo de “pessoas negras

não sabe não!”, e fala isso com a maior naturalidade na voz e em seu semblante

confiante.

Desenho 21: Tia “B”, minha mãe, meu tio e minha irmã.

“Desenhei primeiro Tia “B” aí depois foi minha mãe que tem cabelo preto e liso e ela

é branca, aí depois foi meu tio que é irmão de minha mãe e mora com a gente, ele é

branco também e desenhei minha irmã que é igual a mim e a minha mãe. Botei todo

mundo com Tia “B” porque eu gosto muito dela e acho ela bonita”.

A criança desenha sua professora junto com sua família, destaca a identidade

branca e negra das pessoas desenhadas e enfatiza que estão todos juntos da

professora que é negra porque gosta muito dela e acha ela bonita, então retrata as

pessoas de seu convívio familiar que são brancos junto à sua professora, pessoas

por quem nutre sentimentos e que as une independente da cor da pele ou outras

características.

Page 230: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

227

Desenho 22: pessoas negras do vídeo.

A única criança que desenhou pessoas que não fazem parte de seu convívio

disse: “É um africano do vídeo, um senhor do vídeo também e outro africano, aí eu

fiz eles trabalhando e ali do lado é um chicote mas não bateram neles nesse

desenho não”.

A criança não desenhou ninguém de seu convívio ou que conhecesse,

retratou as pessoas que viu no vídeo, desenhou também um chicote mas afirma

veementemente e com firmeza que nesse desenho que pertence a ele, não bateram

nas pessoas que ele desenhou, pareceu que ele quis dizer que o desenho é dele e

ali não vão bater em ninguém, determinando seu respeito e aversão aos impropérios

que foram cometidos com as pessoas escravizadas, visto que foi a feição expressa

dele ao falar sobre seu desenho.

Durante toda a descrição sobre as práticas das professoras podemos

perceber o empenho das duas, cada uma com suas particularidades conseguiu

ministrar de forma dinâmica, atrativa e que causou aprendizagens significativas para

as crianças.

Há que ser ressaltada a diferença de comportamento das crianças das duas

turmas do início do ano letivo nas análises da oficina interativa “as duas Marias” para

esta oficina, em média há uma diferença de quatro meses entre um momento e

outro, bem como todos progressos significativos no que refere-se ao tema, a

construção e ressignificação da identidade negra, bem como constatou-se que o

respeito entre eles todos desenvolveu-se e avançou consideravelmente.

As relações observadas entre as crianças sempre aconteceram dentro de

uma normalidade infantil, com alguns embates, mas nenhum deles referente a

Page 231: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

228

distinção de cor, ou preconceito contra os colegas, de modo que observou-se que a

maioria das crianças negavam sua cor mas apontavam a cor negra de outros

colegas, episódios que cessaram veementemente ao longo dos meses como citado

antes, este fato se deu primordialmente pela prática pedagógica das professoras.

Já nessa oficina em questão as crianças negras afirmam sua identidade e as

crianças brancas demonstram sentimentos de respeito pelas pessoas negras que

conhecem e convivem com elas, ressaltando em algumas falas o entendimento que

tiveram sobre a escravidão das pessoas negras quando afirmam que as pessoas

desenhadas pelas quais nutrem sentimentos não são escravos, ou não querem que

eles apanhem, ou sofram, e até mesmo afirmar que “Minha mãe, meu pai e eu, a

gente não é negro, mas se a gente fosse não tinha nada por isso eu fiz esse

desenho assim”.

Assim sendo, consegue-se entender que para estas crianças a diferença de

cor não tinha espaço ou sentido, que as negações identitárias de antes também

passaram a não ter espaço ou sentido. Sobre essa discussão da dimensão das

relações das identidades raciais Piza e Rosemberg (2002) afirmam que a

“incessante troca entre o olhar de si e o olhar do outro que (in) forma o campo da

identidade racial” (p. 93). É dessa troca que acontece nas relações entre as pessoas

que falamos impreterivelmente desde o início ser responsável por formar e

ressignificar com certa frequência a construção do eu individual e do eu coletivo das

pessoas, é no olhar o outro, e olhar a si mesmo, e, portanto, é também sobre este

cuidado com estas relações, principalmente na infância que estão em pleno

desenvolvimento que frisamos a responsabilidade da escola e da prática dos

professores.

Consoante ao que foi observado em todo processo de construção desta

pesquisa junto aos sujeitos, inserida neste contexto pude comprovar que naquele

ambiente escolar e nas salas de aulas dos primeiros anos as relações se

estabeleciam baseadas no respeito e na aprendizagem em grupo, estas relações

foram sendo construídas e sendo fortalecidas com a convivência.

Cabe frisar que para além das duas oficinas interativas indicadas com o

intuito de introduzir e provocar os sujeitos sobre o tema, assim oportunizando

obtenção de melhores resultados e análises, aconteceram momentos esporádicos

em que o tema era citado, principalmente pela Professora Antonieta, e, portanto,

Page 232: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

229

teve apenas as “comemorações” do Dia da Consciência Negra em que toda escola

participou realizando alguma apresentação21 no ginásio da escola todas as turma

reunidas.

Tratou-se um momento previamente ensaiado e organizado por todas as

turmas, todos se dedicam, portanto, durante uma média de quinze dias antes da

data marcada, em cada sala de aula os professores e alunos estão se preparando

para a culminância. As professoras dos primeiros anos apresentaram e discutiram a

data com as crianças durante vários dias com atividades diferentes e também

ensaiavam diariamente para a apresentação que fariam juntas que seria sobre as

comidas típicas do Brasil trazidas pelos africanos, onde as crianças explicariam para

os demais alunos da escola.

Aconteceu um desfile da beleza negra com o objetivo de fortalecer a

autoestima e afirmação da identidade negra das crianças, e elas quiseram participar

e a identificação se transformou em orgulho de tudo que estavam vivendo a partir

dos elementos positivos da cultura negra que foram enaltecidos e estavam vendo

uma escola inteira junta em prol daquele momento junto com eles em um ambiente

que lhes permitiu ser negras, assim como foram momentos de aprendizagens

significativas para as crianças brancas. Partindo de um princípio básico de que o

fortalecimento da criança negra para que tenha orgulho de si, de sua cultura, de

seus ancestrais, de toda uma história de luta, elas não aceitarão qualquer tipo de

tratamento oferecido a elas, assim como, uma pessoa que tem orgulho e conhece

sua história ensina o outro a entender e respeitar, o que você passa para a outra

pessoa é importante.

A luta permanece no sentido de fortificar e garantir que esses momentos

explicitados de tamanha importância se tornem comum dentro da escola, pois estas

crianças passam uma boa parte de seu dia e de sua vida dentro da escola e este

ambiente tem que garantir seus direitos como seres humanos que são como

quaisquer outro, sem que precisem lutar por um espaço social que os pertence por

direito ou se esconder negando quem são para poder se enquadrar em uma

sociedade segregacionista e excludente.

21

Programação deste acontecimento em anexo.

Page 233: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

230

Foram momentos realmente enriquecedores que fortaleceram a

aprendizagem das crianças que se mostravam empenhadas, orgulhosas e seguras

das atividades que desempenhavam em grupo. As turmas trabalharam juntas e as

crianças atestavam com suas ações e falar o entrosamento e respeito entre eles.

A seguir, algumas fotos dos momentos citados acima:

Foto 13: Turmas assistindo o Curta Metragem "Dúdú e o Lápis Cor da Pele" 22

Foto: registro da pesquisadora.

Foto 14: Turmas assistindo teatro de fantoches.

Foto: registro da pesquisadora.

22

https://www.youtube.com/watch?v=-VGpB_8b77U

Page 234: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

231

Foto 15: Turmas assistindo o vídeo “Autoestima da criança negra”. 23

Foto: registro da pesquisadora.

Foto 16: Culminância da Semana da Consciência Negra.

Foto: registro da pesquisadora.

Eram dois grupos grandes e quando se uniam se tornavam um grupo de

quarenta e três crianças pequenas, só de imaginar a cena, com certeza pensa-se na

quantidade de conflitos para serem mediados pelas professoras, e indo de encontro

ao pensamento comum, afirmo que nenhuma vez durante aquele período aconteceu

conflito algum, o que em outros momentos era praticamente escasso, tudo sempre

mediado pelas professoras que foram agentes importantes nesse comportamento

adquirido pelas crianças.

Presenciei crianças brincando e trabalhando nas atividades juntas, se

respeitando, se divertindo, interagindo e, ali, em momento algum, existiam

diferenças de cor, ou seja, quaisquer que fossem as diferenças que por ventura

23

https://www.youtube.com/watch?v=vuyznxQnWAQ

Page 235: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

232

pudessem ser causadoras de preconceitos, julgamento, exclusão, segregação, ou

algum outro tipo de sentimento negativo tão comum ao mundo dos adultos, não

eram demonstrados por elas, construíram relações que as diferenças não as

impediam de se respeitar, e, simplesmente eram crianças interagindo com outras

crianças e suas professoras!

Page 236: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

233

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE NEGRA DA CRIANÇA PERMEADAS POR UMA FORMAÇÃO

CONTINUADA QUASE INEXISTENTE

Refletindo sobre todo o percurso de estudos e pesquisas que compõem os

escritos desta tese, me deparo pensando nas dúvidas, inseguranças,

questionamentos e do meu desejo de aprender e ressignificar minhas aprendizagens

e construções sociais adquiridas ao longo de minhas vivências que formam quem

sou, que busca melhoramentos como pessoa e como profissional, que são

interligados. Desafiei-me a pesquisar um tema que nunca havia estudado tão

profundamente, e, sequer escrito nada referente a ele. E ressalto que inúmeras

vezes me identifiquei com a Professora Maria Firmina que expôs suas dificuldades

com a temática, mas sempre esteve aberta a aprender, e foi o que aconteceu, houve

uma troca mútua de aprendizagens, afirmação e ressignificações de identidades,

superação das negações demonstradas no início do ano letivo pelas crianças.

Quis tentar entender um mundo que não é intimamente e particularmente

meu, que não faz parte da cor de minha pele, do meu cabelo, nem traços físicos,

assim sendo, mencionando características externas/físicas, e, portanto, nunca vivi

sem senti na pele este tipo de preconceito, mas trata-se do mundo de grande

parcela dos meus alunos, meus familiares, alguns amigos, das pessoas com quem

já convivi e das que irei conviver e de todas as demais que não conheço mas fazem

parte da imensa maioria desse país e ainda sofrem com o preconceito velado da

sociedade.

Para além do que contam os livros didáticos, em uma história mascarada,

consegui enxergar uma história de um povo que foi, e a certa medida ainda é

massacrado por uma sociedade por carregar consigo a cor de pele, as feições, o

cabelo, colocados socialmente como feio, indesejado, fora dos padrões, oposto do

que é bom e desejado.

Não é simples entender uma imensidão histórica que compõe as narrativas e

memórias do povo negro e se desfazer do construto social e cultural que foi-te

apresentado toda uma vida, me peguei inúmeras vezes em embates fervorosos

comigo mesma que me travavam o entendimento, a evolução dos escritos da tese,

pelo simples fato, de resistir, me frustrar, ficar em choque com a capacidade humana

Page 237: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

234

de massacrar outro ser humano e depois de tudo que foi feito ainda contar essa

história à seu modo amenizando as crueldades praticadas com a população negra,

interferindo absolutamente toda existência do povo negro e de todas gerações que

se seguiram depois dos primeiros povos escravizados, portanto, o povo negro

carrega e ainda não se sabe infelizmente por quanto tempo mais carregarão marcas

históricas da escravidão vergonhosa.

Destacam-se as imensuráveis conquistas da população negra, através dos

movimentos negros organizados, há avanços inegáveis, muito embora a população

negra ainda esteja em situação desfavorável, conseguiram algumas realizações

importantes, diversas ações afirmativas de combate à discriminação racial por meio

de transformações culturais e políticas de representatividade.

Um exemplo é a criação do Dia da Consciência Negra (20 de novembro),

infelizmente é notável que temas voltados para as relações étnico-raciais são

tratados praticamente apenas nesta data, mas é uma das discussões trazidas nesta

tese, que este cenário só será modificado quando para além das leis, as pessoas

comecem entendendo que a população negra não está pedindo favores, que são

sujeitos de direitos e deveres como todos os demais, ainda caminhamos à passos

lentos no sentido da conscientização da sociedade, visto quer se os investimentos

em educação são precários, temos uma sociedade reflexo dos investimentos em

educação do país.

Dentre outras conquistas temos a Lei 10.639/2013, que inclui a comemoração

do Dia da Consciência Negra no calendário escolar, trazendo a discussão da história

e da cultura afro-brasileiras, além da valorização dos africanos e afro-brasileiros nos

currículos escolares da rede pública de ensino; criação da Secretaria Especial de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial - Seppir, em março de 2013; Lei

12.711/2012, que criou as cotas para ingresso em cursos superiores, difundidas nas

maiores universidades do país, sejam elas Federais, Estaduais ou até mesmo

privadas.

A construção teórica desse estudo pautou-se no levantamento para

reconhecer as discussões que vinham sendo feitas voltadas para o tema, bem como

afunilando para os estudos realizados que englobassem práticas pedagógicas

voltadas para a construção da identidade negra de crianças pequenas dos anos

iniciais do ensino fundamental, constatou-se que há uma imensidão de pesquisas

Page 238: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

235

envolvendo o tema de modo geral, mas especificamente voltadas para o tema desta

tese eram exceções.

Esta tese partiu do princípio que a construção da identidade negra das

crianças sofre forte e direta influência da prática pedagógica das professoras, uma

vez que não se separa o ser profissional do ser pessoal, englobando, portanto, suas

aprendizagens adquiridas durante a vida, então, sua própria identidade é/faz parte

de suas ações cotidianas dentro da escola. A criança que por sua vez está em

processo de construção de sua identidade e esta depende diretamente das

primeiras e intensas interações sociais que acontecem basicamente na família e na

escola, e sabendo-se que observam os adultos e os imitam, poderão

consequentemente negar, afirmar e/ou ressignificar sua identidade negra já iniciada

e direcionada no ambiente familiar neste contato diário com suas professoras.

Para evidenciar tal fato, recorri a minha inserção por prolongado período no

campo de pesquisa, utilizando assim, a etnografia, de modo a facilitar a

compreensão dessas construções identitárias das crianças negras, tratando-se, no

entanto de um tema denso, que exigiu construção de relação de confiança mútua

entre os sujeitos da pesquisa e a pesquisadora, as técnicas utilizadas causam

sempre inicialmente certo desconforto nos sujeitos e fui quebrando aos poucos. As

filmagens e abordagens perante as crianças de modo a questioná-las se faziam

essenciais, dito isto, explicito que tais técnicas metodológicas foram primordiais na

compreensão do tema, assim como os sujeitos da pesquisa foram acolhedores,

pacientes e comprometidos com minhas propostas.

Neste contexto, questionávamos: como a prática pedagógica das professoras

dos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma escola pública no município de

João Pessoa - PB poderia interferir na formação da identidade negra das crianças.

Para isso buscamos identificar como as crianças negras se constituem como sujeitos

nas práticas pedagógicas e vivências cotidianas em sala de aula com seus pares e

suas professoras; identificar a interferência da formação inicial e continuada nas

práticas pedagógicas voltadas para as relações étnico-raciais em sala de aula;

perceber se as professoras conhecem e põem na prática o conceito de equidade,

manifestam senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos; e,

averiguar, sempre que houver oportunidade, de forma discreta, e abordagem

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236

ajustada as crianças acerca de seu dia a dia no ambiente escolar e, fora dele, para

ter uma visão micro da relação deles com a construção de suas identidades.

Diante do contexto de indagações desta tese, reflete-se sobre que o papel da

escola que é de imensurável importância para a formação humana e

consequentemente constituição da identidade social e individual das pessoas, nem

todas as escolas conseguem cumprir seu principal objetivo perante seus alunos, o

que não se pode ser dito da escola pesquisada, que como foi constatado tem um

ambiente acolhedor e colaborativo, por inúmeros fatores, mas talvez o principal

deles por ser amplamente conhecida como uma “escola modelo em inclusão”.

Portanto, propiciador das construções da identidade negra das crianças, de

modo que estas são aceitas exatamente como são, sem sofrer qualquer tipo de

situação desconfortante, segregação, exclusão, que dificulte ou impeça a construção

e/ou ressignificação da identidade negra das crianças, neste aspecto, a escola

demonstrou um aspecto altamente positivo no sentido que se percebia o tratamento

igualitário independente das diferenças de cada um e por si só este é um

comportamento favorável à construção da identidade negra das crianças, então é

realmente uma atmosfera acolhedora apesar de todas as lacunas e progressos que

ainda necessitam acontecer, dentre os quais aponto principalmente no tocante à

formação dos profissionais que fazem parte da escola.

Identificamos, portanto, que a formação inicial e a formação continuada

interferem consideravelmente nas práticas pedagógicas dos professores, constata-

se nas falas das professoras sujeitos da pesquisa, em seus comportamentos,

inseguranças em determinados temas que são exigências mantidas em leis

educacionais como exemplo da Lei 10.639/2003 que embasa forte política pública

de nosso tema de estudo e as professoras não possuem a devida formação em

nenhum dos âmbitos, seja inicial ou continuada que as auxilie nas dificuldades

enfrentadas no chão da escola.

Os resultados da pesquisa indicaram que a formação inicial e continuada dos

professores no que concerne o tema em voga ainda é uma formação ineficiente e

que privilegia os resultados quantitativos, não consegue dar conta de preparar seus

profissionais para lidar com as diversidades e com temas complexos e necessários,

com as demandas sociais, pois o intuito desta formação é de certa forma mecanizar

e enquadrar o profissional as demandas do governo. Evidenciando que o professor é

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237

antes de tudo um ser humano que tem virtudes, defeitos, necessidades,

inseguranças, desejos, e carecem de investimentos não que não se reduzam ao

financeiro, mas a um conjunto de ações formativas que contemplem as

necessidades destes profissionais tão importantes e essenciais para nossa

sociedade.

No entanto, embora saibamos que esta formação pode interferir

positivamente ou negativamente na prática dos professores, as duas professoras

que participaram da pesquisa iam sempre à contramão do que estava posto, e,

apesar das dificuldades, fossem em lidar com o tema, ou mesmo da falta de

formação escassa e/ou inadequada que não considera as necessidades do dia-a-dia

escolar e não ouvem seus professores, ou pela rotina ser bastante preenchida já

que estavam inseridas no sistema de alfabetização exigente e repleto de atribuições,

elas ainda conseguiram superar tais obstáculos e reverter um quadro de negação da

identidade negra e de desrespeito entre as crianças para um quadro de afirmação,

ressignificação das identidades das crianças negras e respeito às diferenças entre

todos, desse modo relembramos a máxima de que ninguém nasce preconceituoso,

mas torna-se reprodutor dos preconceitos existentes no mundo social ao qual está

inserido, confirmação observada durante as observações junto às crianças.

Portanto, a construção da identidade negra das crianças muito embora tenha

acontecido nestas relações, cabe ressaltar que apesar dos esforços e

comprometimento ainda existe uma insuficiência e silenciamento sobre os temas

étnico-raciais dentro da escola, frisamos que para além das oficinas interativas

orientadas e apresentadas pela pesquisadora, a escola teve apenas o Dia da

Consciência Negra como fonte de apresentação e discussão da cultura negra dentro

do ambiente escolar, ainda assim, diante das dificuldades que fazem-se presentes

na prática dos professores no que concerne ao entendimento sobre o tema expondo

e acentuando uma formação ineficaz que negligencia e ignora a Lei 10.639 marco

na luta dos movimentos negros no país.

Percebeu-se que as crianças ainda tão pequenas em sua maioria já

carregavam consigo representações sociais bastante marcantes sobre a

representatividade de cor e características físicas das pessoas negras que não foi

demonstrado até serem provocadas/confrontadas durante as oficinas interativas,

desse modo constatou-se que a construção da identidade das crianças negras já

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vem sendo elaborada antes mesmo de ingressar na escola, a partir de suas

vivências familiares e sociais, e que estas exercem forte influência na formação de

uma identidade que nega-se e não se reconhece.

Dessa forma, constatou-se que a construção da identidade das crianças

negras já vem sendo elaborada antes mesmo de ingressar na escola, a partir de

suas vivências familiares e sociais, e que estas exercem fortemente a formação de

uma identidade que nega-se, não se reconhece. Posteriormente através

especialmente das práticas pedagógicas das professoras, as crianças passaram da

negação para a autoafirmação, ressignificando suas identidades.

As crianças passaram demonstrar comportamentos de aceitação, autoestima,

confiança e o incômodo que antes manifestavam ao ser mencionado o tema, foi se

esvaindo, portanto, cabe salientar que os comportamentos sociais influenciam

diretamente nessa formação humana e identidade dessas crianças, assim como a

escola e as pessoas que dela fazem parte, faz-se urgente discussões para que

sejam postos em prática os sentimentos de igualdade e respeito sem demagogias.

Assim, sendo considerei pertinente o estudo e aquisições de conhecimentos

que tanto me auxiliarão quanto espero ter sido compreendida e que tudo que foi

posto com a colaboração dos sujeitos da pesquisa que sem eles não existiriam

resultados que dessem conta de responder as questões base desta tese. Dessa

forma é oportuno dizer que encontrei um ambiente colaborativo, com progressos

ainda a serem alcançados, mas com professoras comprometidas que superam

diariamente as dificuldades existentes na educação e no que refere-se à formação e

fazem um trabalho bem feito proporcionador da construção da identidade negra das

crianças, bem como pautado na equidade, senso de justiça, imparcialidade e

respeito as diferenças.

Inclusive consegui entender a escola que trabalho com outro olhar que

ultrapassou minha prática em meu ambiente de sala de aula, ao qual

permanecemos tão entrelaçados, voltados para toda uma rotina consideravelmente

rigorosa e dinâmica que impossibilita este olhar que só consegui ter ao assumir o

papel de observadora/pesquisadora. Consciente de que toda aprendizagem é

constante, sei que dei um pontapé inicial na compreensão de temática para minha

vida tão estimada de modo pessoal, e que sem dúvida, este estudo me trouxe

ressignificações incalculáveis nos âmbitos pessoal e profissional que só vieram

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239

somar e contribuir para minha busca íntima de ser uma melhor pessoa comigo e

com os outros, e o fortalecimento como professora da educação básica onde atuo

com muito orgulho e também no enfrentamento dos inúmeros obstáculos existentes

nesse nível de ensino, portanto, espero ser multiplicadora de tudo que aprendi nesta

pesquisa, em todo o seu processo, mas consideravelmente mais durante as

interações com os sujeitos atores principais deste estudo.

Na sociedade atual que se mostra cada dia mais distante e solitária, onde o

respeito e os valores foram quase relegados ao esquecimento, e quando há alguém

que pratica o bem em seu formato mais simples que deveria ser o comum, é

elogiado e posto em lugar de herói, os papéis estão sendo invertidos, as pessoas

correndo mais pela conquista do material, um crescente número de crianças estão

sendo “criadas” pelos celulares, computadores e TVs, e, portanto, se não

caminharmos juntos em busca de mais respeito as diferenças, onde cada um pode

ser quem é sem precisar se esconder, onde o humano de sobrepõe ao capital

material, os avanços desejados e urgentes à essa geração demorarão, ou não

acontecerão. Há que darmos as mãos em prol de um propósito maior, pessoas que

respeitam pessoas independente de suas escolhas, de sua aparência física, de suas

crenças, religião, afinal somos todos uma só raça, a humana!

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253

APÊNDICES

Page 257: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

254

APÊNDICE A

OFICINA INTERATIVA 1: AS DUAS MARIAS

- Participantes: alunos dos dois primeiros anos

- Tempo Estimado: 30 minutos

- Modalidade: comunicação verbal e comunicação visual

- Objetivo: analisar através do processo de comunicação verbal, corporal, facial,

comportamental, como as crianças dos dois primeiros anos da escola lidam, na sala,

com uma boneca de cor branca e a outra de cor negra.

- Material: duas bonecas estilo bebê, uma negra e outra banca.

- Descrição: a professora de cada sala de aula, em momentos diferentes, pede para

as crianças façam um círculo, facilitando, portanto, a filmagem e anotações durante

a observação. Entrega a boneca branca para um deles (ao aluno mais participativo

para que a aula flua), explicando, primeiro com a boneca branca: “Essa é Maria,

você pode dizer o que quiser e fazer o que quiser com ela e depois passa para o

colega que está ao seu lado”. Depois repete o mesmo processo com a “Maria”

negra. Por fim, dispõem as duas bonecas em uma mesa e pede para que cada

criança, uma por vez aponte qual das bonecas é mais bonita e gostaria de brincar

com ela.

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255

APÊNDICE B

OFICINA INTERATIVA 2: TEMA DA AULA: a escravidão desde a África até o Brasil - Participantes: alunos dos dois primeiros anos

- Tempo estimado: a critério das professoras

- Material: data show e computador.

- Objetivos: levantar a autoestima dos alunos; perguntar quem descendia de

pessoas que foram escravizadas, neste caso se algum familiar já havia falado sobre

o assunto com eles; fazer com que os alunos debatessem acerca do tema e

oportunizar uma análise dos fatores socioculturais e econômicos com seus

descendentes atuais.

- Conteúdos:

A vida dos negros na África

Por que e por quem eles foram dominados

A vinda para o Brasil (a situação no navio negreiro)

A vida no Brasil

Depois da abolição

Heranças culturais

- Duração: aproximadamente 30 minutos

- Recursos: a critério das professoras

- Metodologia: a critério das professoras

- Avaliação: ao final da aula, serão distribuídos folhas e lápis de pintar para que os

alunos desenhem e falem um pouco sobre uma pessoa de sua família, vizinho,

colega, ou qualquer outra que já tenha visto em algum lugar que mais se pareça

com aquelas pessoas que foram escravizadas.

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256

APÊNDICE C

___________________________________________________________________

QUESTIONÁRIO 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

EDUCAÇÃO DOUTORADO EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS

QUESTIONÁRIO PARA AS PROFESSORAS

1. Qual sua idade?

_____________________________________________________________

2. Qual sua religião?

_____________________________________________________________

3. Qual sua cor?

4. Qual sua formação

_____________________________________________________________

5. Há quanto tempo atua na educação? E nesta escola?

_____________________________________________________________

6.Em sua sala de aula tem alunos negros?

_____________________________________________________________

7.Você trata seus alunos negros igualmente aos brancos? Por favor,

comente.

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

8.O que pode nos dizer sobre o racismo?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

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257

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

9.O que entende por identidade?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

10. Você acha que a construção da identidade da criança negra acontece da

mesma forma que a construção da identidade da criança branca? Comente.

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

11. Como a escola pode contribuir para a construção da identidade?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

12. Como você analisa sua prática pedagógica de forma geral? E sua prática

pedagógica voltada para a temática étnico-racial e consequentemente

construção da identidade negra das crianças?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

13. O que entende por equidade? Acha difícil aplicar a equidade em sala de

aula? Comente.

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258

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

14. O que você sabe sobre a história das pessoas negras que foram

escravizadas nos territórios africanos? E no Brasil?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

Obrigada!

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259

APÊNDICE D

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

EDUCAÇÃO DOUTORADO EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS

QUESTIONÁRIO PARA AS PROFESSORAS

1. Como você analisa as interações de seus alunos?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

2. De modo geral como você percebe que seus alunos lidam cotidianamente

nos mais variados momentos com questões ligadas ao preconceito étnico-

racial, e ao respeito às diferenças? Você já observou alguma situação que

poderia relatar? Como tentou solucionar?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

3. Você já notou algum preconceito dentro da escola? Como você lida?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

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260

4. Como é lidar com os pais de seus alunos acerca do preconceito étnico-

racial? Por favor, discorra o mais detalhadamente possível, se necessário

citar algum caso que lhe marcou.

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

5. Quais seus conhecimentos sobre as leis educacionais? O que você sabe

sobre a Lei 10.639/2003 e o que pensa sobre a mesma?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

6. Partindo do pressuposto que a Lei 10.639/2003 trata-se de um marco

importante para a educação e para o povo negro. Você considera que as

esferas, municipal, escolar e os professores tem colocado a mesma em

prática cada um dentro do quer lhe cabe? Explique. E você como avalia sua

prática voltada para o cumprimento do que diz a lei?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

7. Como acontece a formação continuada em seu município? Descreva um

pouco sobre (periodicidade, temas abordados, relevância e contribuição para

sua prática...). Como você analisa a formação continuada do município?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

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261

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

8. O município já ofereceu formação que abordasse a temática sobre história

e cultura afro-brasileira, ou algum outro tema voltado para estas questões?

Se sim, relate um pouco deste(s) encontro(s). Se não, o que você indicaria

como tema para estudo voltado para a necessidade de sua sala de aula ou

escola?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

9. Já participou de alguma formação sobre o tema em algum momento

durante sua vida acadêmica e/ou profissional? Comente um pouco como foi

à experiência.

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

10. A formação continuada contribui para sua prática pedagógica? E no que

refere-se à sua prática pedagógica sobre as temáticas citadas na questão

anterior?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

Obrigada!

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262

ANEXOS

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263

ANEXO 1

CARTA DE ANUÊNCIA

Declaramos para os devidos fins que concordamos que a pesquisadora Maria

Fabrícia de Medeiros, CPF 052.179.214-20, RG 6232775 SDS-PE, Matrícula UFPB

20171007338, desenvolva o seu projeto de pesquisa, nível de Doutorado, intitulado:

“PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma análise da

construção da identidade negra das crianças nos anos iniciais do Ensino

Fundamental” em uma escola municipal da cidade de João Pessoa-PB sob a

orientação do Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão, pelo Programa de Pós-Graduação

em Educação - PPGE da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, cujo objetivo

geral do estudo é: analisar as práticas pedagógicas das professoras voltadas para

as relações étnico-raciais e suas possíveis influências para a construção da

identidade negra das crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma

escola pública no município de João Pessoa - PB. E os objetivos específicos são:

Identificar como as crianças negras se constituem como sujeitos nas práticas

pedagógicas e vivências cotidianas em sala de aula com seus pares e suas

professoras; Identificar a interferência da formação inicial e continuada nas práticas

pedagógicas voltadas para as relações étnico-raciais em sala de aula; Perceber se

as professoras conhecem e põem na prática o conceito de equidade, manifestam

senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos; e, Averiguar,

sempre que houver oportunidade, de forma discreta, e abordagem ajustada às

crianças acerca de seu dia a dia no ambiente escolar e, fora dele, para ter uma visão

micro da relação deles com a construção de suas identidades.

A aceitação está condicionada ao cumprimento da pesquisadora aos

requisitos da Resolução 196/96 e suas complementares, comprometendo-se a

utilizar os dados e materiais coletados exclusivamente para os fins da pesquisa.

Local, ________________________

Em ____/____/_______.

______________________________________________________

Nome/Assinatura e carimbo do responsável pela Instituição

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264

ANEXO 2

TERMO DE ASSENTIMENTO

Eu _____________________________________________ aceito participar

da pesquisa sobre PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:

uma análise da construção da identidade negra das crianças nos anos iniciais

do Ensino Fundamental, e está sendo desenvolvida pela pesquisadora Maria

Fabrícia de Medeiros aluna do Doutorado do Curso de Pós Graduação em

Educação - PPGE da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, que tem como

objetivo geral: analisar as práticas pedagógicas das professoras voltadas para as

relações étnico-raciais e suas possíveis influências para a construção da identidade

negra das crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma escola

pública no município de João Pessoa - PB. E os objetivos específicos são: Identificar

como as crianças negras se constituem como sujeitos nas práticas pedagógicas e

vivências cotidianas em sala de aula com seus pares e suas professoras; Identificar

a interferência da formação inicial e continuada nas práticas pedagógicas voltadas

para as relações étnico-raciais em sala de aula; Perceber se as professoras

conhecem e põem na prática o conceito de equidade, manifestam senso de justiça,

imparcialidade, respeito à igualdade de direitos; e, Averiguar, sempre que houver

oportunidade, de forma discreta, e abordagem ajustada às crianças acerca de seu

dia a dia no ambiente escolar e, fora dele, para ter uma visão micro da relação deles

com a construção de suas identidades. Entendi que posso dizer “sim” e participar,

mas que, a qualquer momento, posso dizer “não” e desistir que ninguém vai ficar

reclamar, bem como ficou claro que posso correr riscos decorrentes da pesquisa,

mas que estes são mínimos e foram detalhados e explicados pela pesquisadora. A

mesma tirou minhas dúvidas e conversou com os meus responsáveis. Recebi uma

cópia deste termo de assentimento e li e concordo em participar da pesquisa, sei

que possa ser necessário responder questionários e entrevistas, bem como me

deixar observar, fotografar e videogravar (gravar vídeos na periodicidade que a

pesquisa exigir) em meu cotidiano na escola, como também autorizo mostrar minhas

imagens que foram videogravadas, ouvir áudios gravados nas entrevistas e

apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de educação e publicar

em revista científica (se for o caso). Sei também que por ocasião da publicação dos

resultados, meu nome será mantido em sigilo.

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265

ANEXO 3

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) Senhor (a)

Esta pesquisa é sobre PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-

RACIAIS: uma análise da construção da identidade negra das crianças nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, e está sendo desenvolvida pela

pesquisadora Maria Fabrícia de Medeiros aluna do Doutorado do Curso de Pós

Graduação em Educação - PPGE da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, que

tem como objetivo geral: analisar as práticas pedagógicas das professoras voltadas

para as relações étnico-raciais e suas possíveis influências para a construção da

identidade negra das crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental de uma

escola pública no município de João Pessoa - PB. E os objetivos específicos são:

Identificar como as crianças negras se constituem como sujeitos nas práticas

pedagógicas e vivências cotidianas em sala de aula com seus pares e suas

professoras; Identificar a interferência da formação inicial e continuada nas práticas

pedagógicas voltadas para as relações étnico-raciais em sala de aula; Perceber se

as professoras conhecem e põem na prática o conceito de equidade, manifestam

senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos; e, Averiguar,

sempre que houver oportunidade, de forma discreta, e abordagem ajustada às

crianças acerca de seu dia a dia no ambiente escolar e, fora dele, para ter uma visão

micro da relação deles com a construção de suas identidades.

A finalidade deste trabalho é contribuir para a conscientização de todos

envolvidos direta ou indiretamente com a educação das crianças pequenas sobre a

importância do respeito as individualidades e etapas do desenvolvimento,

acompanhamento adequado buscando suprir as necessidades sejam físicas,

motoras e/ou psicológicas das crianças, comprometimento e sensibilidade dos

adultos no que diz respeito a construção do eu com foco na identidade negra das

crianças, bem como da autonomia, dando aos pequenos voz e vez ativos de modo

que sua autoestima esteja voltada para aceitação do eu e do outro exatamente da

forma que são sem seguir os estereótipos impostos pela sociedade. Solicitamos a

Page 269: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

266

sua colaboração para responder caso necessário, questionários e entrevistas, bem

como deixar-se observar, fotografar e videogravar (gravar vídeos na periodicidade

que a pesquisa exigir) em seu cotidiano de trabalho, como também autorizo mostrar

minhas imagens que foram videogravadas, ouvir áudios gravados nas entrevistas e

apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de educação e publicar

em revista científica (se for o caso). Por ocasião da publicação dos resultados, seu

nome será mantido em sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece riscos,

previsíveis, para a sua saúde. Esclarecemos que sua participação no estudo é

voluntária e, portanto, o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações

e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela Pesquisadora. Caso decida não

participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá

nenhum dano, nem haverá modificação na assistência que vem recebendo na

Instituição (se for o caso). A pesquisadora estará a sua disposição para qualquer

esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa. Diante do

exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento

para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que

receberei uma cópia desse documento.

____________________________________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa

ou Responsável Legal

___________________________________________

Assinatura da Pesquisadora Responsável

Contato da pesquisadora responsável:

Maria Fabrícia de Medeiros

João Pessoa - PB

Email: [email protected]

Contato do Comitê de Ética:

Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde - CCS da

Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Campus I, Cidade Universitária. Bloco

Arnaldo Tavares, sala 812. CEP: 58051-900 João Pessoa - PB

Telefone: (83) 32167791

Email: [email protected]

Page 270: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

267

ANEXO 4

Lado 1 do folder do evento de

formação continuada.

Page 271: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

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ANEXO 5

Lado 2 do folder do evento de

formação continuada.

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ANEXO 6

Primeira parte da programação

PROGRAMAÇÃO CONSCIÊNCIA NEGRA 2018 – FUNDAMENTAL I INÍCIO PREVISTO: 10 horas – LOCAL: Ginásio da Escola

ORDEM QUEM? APRESENTAÇÃO

TEMPO? (PREVISÃO)

** ALUNA DO 5º ANO

ABERTURA

INÍCIO: 10h

APRESENTAÇÕES ARTÍSITICAS

1º 4º ANO A TEATRO

“RACISMO NO AVIÃO”

4º ANO A POESIA

“HOMEM DE COR”

2º 4º ANO A e B MÚSICA

“WAKA WAKA, SHAKIRA”

3º 1º ANO A e B APRESENTAÇÃO DE COMIDAS TÍPICAS

4º 2º ANO A e B POEMA “SER NEGRO É”

5º 3º ANO A HISTÓRIA SOBRE A CANTIGA ESCRAVOS DE JÓ ALUNA JAMILLY CARDOSO

6º 5º ANO A e B TEATRO “RETRATANDO A ESCRAVIDÃO”

Page 273: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: uma

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ANEXO 7

Primeira parte da programação

PROGRAMAÇÃO CONSCIÊNCIA NEGRA 2018 – FUNDAMENTAL I INÍCIO PREVISTO: 10 horas – LOCAL: Ginásio da Escola

DESFILE “BELEZA NEGRA”

ORDEM

QUEM? APRESENTAÇÃO TEMPO?

(PREVISÃO)

1º 1º ANO A Um menino e uma menina de cada turma escolhidos por votação pela turma. 24

2º 1º ANO B

3º 2º ANO A

4º 2º ANO B

5º 3º ANO A

6º 3º ANO B

7º 4º ANO A

8º 4º ANO B

9º 5º ANO A

10º 5º ANO B

24

No quadro constava os nomes dos alunos que foram retirados, pois não fazem parte da pesquisa e seus nomes não seriam expostos.