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ARP 47 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVI, nº 62, pág. 47-50, Abr.-Jun., 2004 Recebido a 09/11/2004 Aceite a 22/11/2004 Casos Clínicos / Radiological Case Reports Caso Clínico Doente do sexo feminino, 66 anos de idade, raça caucasiana, refere em Janeiro de 2003 queixas de desconforto pré-cordial e cansaço fácil. Realiza uma coronariografia que revela doença coronária de 1 vaso e lesão intermédia da circunflexa proximal, tendo sido deferida a angioplastia. Como complicação imediata deste exame registou-se um hematoma no local da punção femural. Em Abril de 2003 a doente refere dores abdominais localizadas à fossa ilíaca direita e obstipação. Realiza em ambulatório uma tomografia computorizada abdomino- pélvica sem administração de contraste endovenoso, que revelou a presença de "...volumosa massa sólida na fossa Pseudoaneurisma da Artéria Ilíaca Externa Direita Pseudoaneurysm of The Right External Iliac Artery Sara Pereira 1 , Nuno Neves 1 , Miguel Lima 2 , Ana Ferreira 3 , Manuel Otero dos Santos 1 1 Serviço de Imagiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) Directora: Dra. Marta Ferreira 2 Serviço de Imagiologia, Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) Director: Dr. Aragão Machado 3 Serviço de Imagiologia, Hospital Infante D. Pedro – Aveiro Director: Dr. Fernando Figueiredo Resumo Os autores descrevem um caso de pseudoaneurisma da artéria ilíaca externa direita, numa paciente do sexo feminino, de 66 anos de idade, com queixas de dor abdominal na fossa ilíaca direita após coronariografia, procedendo a este propósito a uma revisão da literatura. Palavras-chave Pseudoaneurisma; Artéria Ilíaca Externa Direita; Ecografia; Tomografia Computorizada; Angiografia; Stent Coberto. Abstract The authors report a case of a pseudoaneurysm of the right external iliac artery on a 66 years old female patient, with abdominal pain at the right iliac fossa after coronariography. A review of the literature on this regard is performed. Key-words Pseudoaneurysm; Right External Iliac Artery; Ultrasound; Computed Tomography; Angiography; Covered Stent. ilíaca direita..." e que foi interpretada como podendo corresponder a uma neoplasia do cego. Em Maio de 2003 a doente é internada nos Hospitais da Universidade de Coimbra para estudo da referida massa abdominal. Mantinha as mesmas queixas de dor na fossa ilíaca direita e obstipação, sem outros sintomas clínicos associados. Dos antecedentes pessoais destacava-se insuficiência renal crónica em hemodiálise, doença coronária, hipertensão arterial, dislipidémia e bócio multinodular com hipotiroidismo. Os antecedentes familiares eram irrelevantes. Ao exame objectivo palpava-se uma massa na fossa ilíaca direita, com cerca de 8 cm, não pulsátil, de consistência duro-elástica, dolorosa à palpação profunda. Laboratorialmente apresentava uma anemia normocrómica normocítica (hemoglobina: 8-10gr/dl) e elevação da creatinina (6mg/dl).

Pseudoaneurisma da Artéria Ilíaca Externa Direita - sprmn.pt · Massa quistica complexa (a) comunicando com a artéria iliaca externa direita por um colo estreito, apresentando

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ARP 47

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVI, nº 62, pág. 47-50, Abr.-Jun., 2004

Recebido a 09/11/2004Aceite a 22/11/2004

Casos Clínicos / Radiological Case Reports

Caso Clínico

Doente do sexo feminino, 66 anos de idade, raçacaucasiana, refere em Janeiro de 2003 queixas dedesconforto pré-cordial e cansaço fácil. Realiza umacoronariografia que revela doença coronária de 1 vaso elesão intermédia da circunflexa proximal, tendo sidodeferida a angioplastia. Como complicação imediata desteexame registou-se um hematoma no local da punçãofemural.Em Abril de 2003 a doente refere dores abdominaislocalizadas à fossa ilíaca direita e obstipação. Realiza emambulatório uma tomografia computorizada abdomino-pélvica sem administração de contraste endovenoso, querevelou a presença de "...volumosa massa sólida na fossa

Pseudoaneurisma da Artéria Ilíaca Externa Direita

Pseudoaneurysm of The Right External Iliac Artery

Sara Pereira1, Nuno Neves1, Miguel Lima2, Ana Ferreira3, Manuel Otero dos Santos1

1Serviço de Imagiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) Directora: Dra. Marta Ferreira 2Serviço de Imagiologia, Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) Director: Dr. Aragão Machado 3Serviço de Imagiologia, Hospital Infante D. Pedro – Aveiro Director: Dr. Fernando Figueiredo

Resumo

Os autores descrevem um caso de pseudoaneurisma da artéria ilíaca externa direita, numa paciente do sexo feminino, de 66 anosde idade, com queixas de dor abdominal na fossa ilíaca direita após coronariografia, procedendo a este propósito a uma revisão daliteratura.

Palavras-chave

Pseudoaneurisma; Artéria Ilíaca Externa Direita; Ecografia; Tomografia Computorizada; Angiografia; Stent Coberto.

Abstract

The authors report a case of a pseudoaneurysm of the right external iliac artery on a 66 years old female patient, with abdominalpain at the right iliac fossa after coronariography. A review of the literature on this regard is performed.

Key-words

Pseudoaneurysm; Right External Iliac Artery; Ultrasound; Computed Tomography; Angiography; Covered Stent.

ilíaca direita..." e que foi interpretada como podendocorresponder a uma neoplasia do cego.Em Maio de 2003 a doente é internada nos Hospitais daUniversidade de Coimbra para estudo da referida massaabdominal.Mantinha as mesmas queixas de dor na fossa ilíaca direitae obstipação, sem outros sintomas clínicos associados.Dos antecedentes pessoais destacava-se insuficiência renalcrónica em hemodiálise, doença coronária, hipertensãoarterial, dislipidémia e bócio multinodular comhipotiroidismo. Os antecedentes familiares eramirrelevantes.Ao exame objectivo palpava-se uma massa na fossa ilíacadireita, com cerca de 8 cm, não pulsátil, de consistênciaduro-elástica, dolorosa à palpação profunda.Laboratorialmente apresentava uma anemia normocrómicanormocítica (hemoglobina: 8-10gr/dl) e elevação dacreatinina (6mg/dl).

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Quanto aos exames complementares de diagnóstico porimagem, começa por efectuar uma colonoscopia, na qualse observa a nível do cólon ascendente, acima da válvulaileo-cecal, um abaulamento recoberto por mucosa normal,em provável relação com compressão extrínseca (Fig. 1).

organizado cujo centro se encontra em continuidade como lúmen vascular, e para onde o sangue continua a circular.Designa-se falso aneurisma porque ao contrário dosverdadeiros aneurismas não está limitado por todas ascamadas da parede arterial, mas sim, e apenas, pelaadventícia, sangue organizado e tecido conjuntivoperivascular [1,2,3].A maioria resulta de procedimentos endovascularesinvasivos, seguidos duma inadequada hemostase, mas

O polo cecal encontrava-se íntegro.A ecografia abdomino-pélvica identificava uma massaquistica complexa na fossa ilíaca direita, com cerca de 8cm de maior diâmetro, adjacente à artéria ileo-femuraldireita, aparentemente comunicando com a mesma por umcanal estreito com cerca de 1 cm de calibre.O estudo Eco-Doppler colorido e pulsado confirmou anatureza vascular da lesão, com características compatíveiscom um pseudoaneurisma, pelo fluxo turbulento e oespectro bidireccional a nível do canal comunicante(Fig. 2).A tomografia computorizada abdomino-pélvica antes eapós administração de contraste endovenoso, confirmou apresença de volumoso pseudoaneurisma da artéria femuraldireita, que se estendia proximalmente até à ilíaca por cercade 9 cm, com um diâmetro máximo de 8 cm e com umtrombo parietal circunferencial de 2 cm de espessura(Fig. 3).A angiografia mostrou claramente o volumosopseudoaneurisma na dependência da artéria ilíaca externadireita e permitiu a sua exclusão total através da colocaçãode stent coberto (Jostent) (Fig. 4), não se tendo registadocomplicações imediatas (Fig. 5).Aos 18 meses de evolução a doente encontra-seassintomática e mantém-se a permeabilidade do stent, bemcomo a exclusão do pseudoaneurisma ao estudo Eco-Doppler.

Discussão

Um pseudoaneurisma ou falso aneurisma ocorre quandouma solução de continuidade na parede arterial permite afuga de sangue, formando-se um hematoma para-vascular

Fig. 1) – Colonoscopia: No cólon ascendente, acima da válvula ileo-cecal, observava-se um abaulamento recoberto por mucosa normal, emprovável relação com compressão extrínseca

Fig. 2 a,b e c) – Ecografia modo B, Eco-Doppler colorido e pulsado:Massa quistica complexa (a) comunicando com a artéria iliaca externadireita por um colo estreito, apresentando fluxo sanguíneo turbulentoao Eco-Doppler colorido (b) e espectro bidireccional ao Eco-Dopplerpulsado (c).

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podem também ser secundários a traumatismo ou ocorrerna anastomose dum enxerto sintético[1,2,3,5,6].Quanto aos aspectos imagiológicos e na ecografia modoB, o pseudoaneurisma surge como uma massa quística naproximidade das artérias, com um colo estreito como canalcomunicante entre a artéria e a massa quística[2].O estudo por Eco-Doppler colorido mostra fluxo sanguíneoturbulento numa massa quística contígua a uma artéria[2,3].O Eco-Doppler pulsado detecta caracteristicamente umespectro bidireccional ou em “vai-vem” ou ainda “to andfro”, no canal comunicante do pseudoaneurisma[2,3]. Ocomponente “to” deve-se a sangue que entra durante asístole à medida que ocorre expansão no pseudoaneurisma.O componente “fro” é visto durante a diástole quando osangue armazenado na cavidade é lançado dentro daartéria[2,3].Na tomografia computorizada o pseudoaneurisma surgecomo uma massa arredondada, bem definida, de densidadesemelhante ou mais baixa que os vasos envolventes, antesde contraste endovenoso. Após administração de contrasteendovenoso o lúmen do falso aneurisma, assim como asua comunicação com o vaso, realçam, apresentando amesma densidade dos vasos envolventes[4].A angiografia é o exame de escolha para diferenciar entrepseudoaneurismas e outras lesões vasculares, e paraplanear a terapêutica[1,5,6].Existem várias opções terapêuticas para ospseudoaneurismas periféricos nomeadamente a cirurgia,

Fig. 3 a e b) – Tomografia Computorizada antes e após C.I.V: Volumosopseudoaneurisma da artéria ileo-femural direita com cerca de 8 cm dediâmetro máximo e com trombo parietal circunferencial de 2 cm deespessura.

Fig. 4 a e b) – Angiografia: Volumoso pseudoaneurisma na dependênciada artéria ilíaca externa direita (a). Exclusão total do pseudoaneurismaapós colocação de stent coberto (Jostent) (b).

Fig. 5) – Eco-Doppler de controlo após colocação de stent coberto:Verifica-se boa permeabilidade do stent e exclusão do pseudoaneurisma.

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a utilização de stents cobertos, a compressão eco-guiada ea injecção eco-guiada de trombina[6].O tratamento de aneurismas e pseudoaneurismas tem sidoclassicamente cirúrgico, quer através de ressecção (comanastomose topo a topo, ou com enxerto venoso), suturaou by-pass[6,7].Em 1994 surge o primeiro estudo sobre a utilização destents cobertos em pseudoaneurismas por Marin et al.[9].A utilização de stents cobertos surge como uma alternativaà terapêutica cirúrgica, sendo um método menos invasivo,condicionando menor incapacidade e dor após aintervenção, com menor tempo de recuperação[10].Apresenta também menor morbilidade e mortalidade, commenores custos e uma taxa de sucesso técnico elevada (90-96%)[7,8]. É particularmente útil em doentes de alto riscocirúrgico e em artérias cujo acesso cirúrgico sejadifícil[7,8,10].No entanto este método apresenta algumas limitações,como seja no caso de artérias com excessiva tortuosidadeou lesões próximas das bifurcações, dado o risco de oclusãode outros ramos[8,10].Quanto às complicações da colocação de stents, temos aconsiderar complicações precoces, raras, nomeadamentea falha na exclusão do aneurisma, trombose e hemorragiano local de punção, dissecção da íntima e embolizaçãodistal[7,8,11].As complicações tardias incluem estenoses, tromboses efugas[7,8].A compressão eco-guiada tem elevada taxa de sucesso (80-95%), sendo contudo mais difícil em pacientes requerendoanticoagulação contínua e/ou com grandes hematomasdolorosos[12,13].Surgiram recentemente vários artigos[12,13,14] sobre ainjecção eco-guiada de trombina, revelando excelentesresultados, com taxas de sucesso entre os 93% e 100%,melhores que os resultados obtidos com compressão eco-guiada, colocando este método terapêutico como o deprimeira escolha. Há contudo complicações, como aembolização arterial distal ou a reacção alérgica à trombinabovina.No caso de pseudoaneurismas inacessíveis, antecedentesalérgicos a derivados bovinos, ou no caso de não haverexperiência no método atrás referido, a utilização de stentscobertos surge como alternativa terapêutica.

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Correspondência

Sara PereiraAvenida Elisio de Moura, 397-6ºC3030-183 Coimbra