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Psiclogo Judicirio nas Questes de FamliaA tica prpria da Psicologia: mudanas na relao Assistente Tcnico e Perito

CADERNOS TEMTICOS CRP SP

Caderno Temtico vol. 10 Psiclogo Judicirio nas Questes de Famlia DiretoriaPresidente | Andria De Conto Garbin Vice-presidente | Maria Cristina Barros Maciel Pellini Secretria | Carmem Silvia Rotondano Taverna Tesoureira | Lcia Fonseca de Toledo

Conselheiros efetivosAndria De Conto Garbin, Carla Biancha Angelucci, Carmem Silvia Rotondano Taverna, Elda Varanda Dunley Guedes Machado, Jos Roberto Heloani, Lcia Fonseca de Toledo, Maria Cristina Barros Maciel Pellini, Maria de Ftima Nassif, Maria Ermnia Ciliberti, Maria Izabel do Nascimento Marques, Maringela Aoki, Marilene Proena Rebello de Souza, Patrcia Garcia de Souza, Sandra Elena Sposito, Vera Lcia Fasanella Pomplio.

Conselheiros suplentesAdriana Eiko Matsumoto, Beatriz Belluzzo Brando Cunha, Fabio Silvestre da Silva, Fernanda Bastos Lavarello, Leandro Gabarra, Leonardo Lopes da Silva, Lilihan Martins da Silva, Luciana Mattos, Luiz Tadeu Pessutto, Lumena Celi Teixeira, Maria de Lima Salum e Morais, Oliver Zancul Prado, Silvia Maria do Nascimento, Sueli Ferreira Schiavo.

Gerente-geralDigenes Pepe

Organizao dos textosMaria Cristina Barros Maciel Pellini Patrcia Garcia de Souza

Projeto grfico e EditoraoFonte Design | www.fontedesign.com.br

Ficha catalogrficaC744d Conselho Regional de Psicologia da 6 Regio (org). Psiclogo judicirio nas questes de famlia. A tica prpria da psicologia: mudanas na relao assistente tcnico e perito. / Conselho Regional de Psicologia da 6 Regio So Paulo: CRPSP, 2010. 44 p.; 23cm. (Caderno Temtico 10). Bibliografia ISBN: 978-85-60405-15-2

1. Psiclogo 2. Poder Judicirio Direito 3. Perito Assistente Tcnico 4. tica

I.Ttulo CDD 347.962

Ficha Catalogrfica Elaborada por: Vera Lcia Ribeiro dos Santos Bibliotecria - CRB 8 Regio 6198

Cadernos Temticos do CRP SPA XII Plenria do Conselho Regional de Psicologia de So Paulo incluiu, entre as suas aes permanentes de gesto, a continuidade da publicao da srie CADERNOS TEMTICOS do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho em diversos campos de atuao da Psicologia. Essa iniciativa atende a diversos objetivos. O primeiro deles concretizar um dos princpios que orienta as aes do CRP SP o de produzir referncias para o exerccio profissional dos Psiclogos; o segundo o de identificar reas que merecem ateno prioritria, em funo da relevncia social das questes que elas apontam e/ou da necessidade de consolidar prticas inovadoras e/ou reconhecer prticas tradicionais da Psicologia; o terceiro o de, efetivamente, dar voz categoria, para que apresente suas posies e questes, e reflita sobre elas, na direo da construo coletiva de um projeto para a Psicologia que garanta o reconhecimento social de sua importncia como cincia e profisso. Os trs objetivos articulam-se e os Cadernos Temticos apresentam os resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP que permitem contar com a experincia de pesquisadores e especialistas da Psicologia e de reas afins para debater questes sobre as atuaes da Psicologia, as existentes e as possveis ou necessrias, relativamente a reas ou temticas diversas, apontando algumas diretrizes, respostas e desafios que impem a necessidade de investigaes e aes, trocas e reflexes contnuas. A publicao dos Cadernos Temticos , nesse sentido, um convite continuidade dos debates. Sua distribuio dirigida aos Psiclogos e aos parceiros diretamente envolvidos com cada temtica, criando uma oportunidade para que provoque, em diferentes lugares e de diversas maneiras, uma discusso profcua sobre a prtica profissional dos psiclogos. Este o dcimo Caderno da srie. O seu tema o psiclogo judicirio nas questes de famlia. O primeiro Caderno tratou da Psicologia em relao ao preconceito racial. O segundo refletiu o profissional frente a situaes de tortura. O terceiro Caderno discutiu o Sistema de Garantia de Direitos da Criana e do Adolescente. O quarto tratou da insero da Psicologia na Sade Suplementar. O nmero 5 intitulou-se Cidadania ativa na prtica, as contribuies da Psicologia e da animao sociocultural. O sexto Caderno abordou a Psicologia, a relao com a Educao e suas contribuies para a atuao profissional. O stimo teve por tema o Ncleo de Apoio Sade da Famlia. O oitavo tratou da dislexia e os subsdios para polticas pblicas. O nmero 9 colocou em discusso o ensino de Psicologia no nvel mdio. A este, seguir-se-o outros debates que traro, para o espao coletivo de reflexo, crtica e proposio que o CRP SP se dispe a representar, temas relevantes para a Psicologia e a sociedade. Nossa proposta a de que este material seja divulgado e discutido amplamente e que as questes decorrentes desse processo sejam colocadas em debate permanente, para o qual convidamos os psiclogos.Diretoria do CRP 6 Regio (SP) Gesto 2007-2010

SumrioApresentao I Encontro com Psiclogos Peritos e Assistentes TcnicosA insero e o Papel do Psiclogo no Poder Judicirio A Atuao do Psiclogo no Poder Judicirio: Interfaces entre a Psicologia e o Direito

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II Encontro com Psiclogos Peritos e Assistentes TcnicosO percurso histrico da insero da Psicologia no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo

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A Insero do Psiclogo no Poder Judicirio: o Direito e a funo legal do Perito e do Assistente Tcnico A funo do Psiclogo Perito e os limites de sua atuao no mbito do Poder Judicirio

O papel profissional do Assistente Tcnico na relao cliente/perito/ juiz

A tica prpria da psicologia: mudanas na relao Assistente tcnico e peritoOs desafios do Judicirio e a interdisciplinariedade O Comunicado e a construo de uma prtica cooperativa

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Consideraes finais

Anexo 1 Comunicado n 01/2008 ncleo de apoio profissional de servio social e psicologia do TJ/SP Anexo 2 Resoluo CFP n. 08/10

Apresentao

Considerando o nmero crescente de representaes no Conselho Regional de Psicologia de So Paulo referente ao trabalho do Psiclogo no contexto do Poder Judicirio, especificamente nas Questes de Famlia, em 17 de setembro de 2005 realizamos o I Encontro com Psiclogos Peritos e Assistentes Tcnicos, buscando abrir espao para discusses relacionadas a estas questes, e construir subsdios para direcionados a um exerccio profissional de qualidade. No evento, diversas questes foram levantadas, tais como: o papel do profissional Psiclogo, a imparcialidade, a importncia da formao e pesquisa, questes tcnicas da avaliao, relao Assistente Tcnico e Perito e a divergncia de laudos entre profissionais envolvidos, dentre outros. Em maio de 2006, ocorreu o II Encontro com Psiclogos Peritos e Assistentes Tcnicos. Partindo das necessidades delineadas no encontro anterior, foi elaborado um relatrio com situaes-problema e propostas de encaminhamento e indicada a formao de um Grupo de Trabalho (GT) com representantes do Conselho Regional de Psicologia de So Paulo (CRP SP), profissionais e entidades representativas na rea. A constituio inicial do Grupo de Trabalho foi: Maria Cristina Barros Maciel Pellini e Patrcia Garcia de Souza (CRP SP), Lourdes de Ftima Genaro (CRP SP e atuao como Perita no interior do Estado), Dayse Csar Franco Bernardi (Associao dos Assistentes Sociais e Psiclogos do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo AASPTJ e Associao Brasileira de Psicologia - ABPJ), Evani Zambon Marques da Silva (Ncleo de Apoio ao Servio Social e Psicologia do Tribunal de Justia de So Paulo), Giselle Cmara Groeninga (Instituto Brasileiro de Direito de Famlia IBDFAM e atuao como Assistente Tcnica), Ldia Rosalina Folgueira Castro (Setor de Psicologia da Vara de Famlia e Sucesses do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo) e Yara Bastos Corra (atuao como Perita na Capital). O Grupo de Trabalho iniciou em setembro de 2006. Inicialmente, diversos temas foram discutidos. No entanto, decidiu-se focar a questo da relao Perito Assistente Tcnico, entendendo ser esta a dificuldade urgente trazida pela categoria e observada nos processos ticos. Aps quase um ano de debates, fechamos alguns consensos quanto aos procedimentos essenciais para favorecer uma relao de cooperao entre os profissionais Psiclogos que atuam em processo judicial nas Varas de Famlia. Os consensos resultaram na elaborao de uma Minuta de Recomendao para regular a atuao do Psiclogo como Perito e como Assistente Tcnico no Poder Judicirio, com a proposta de ser encaminhada ao Tribunal de Justia de So Paulo solicitando publicao enquanto normatizao daquele rgo. A opo pelo encaminhamento ao Tribunal de Justia de So Paulo deu-se pelo fato da realidade da atuao do Psiclogo Judicirio em So Paulo ser peculiar em relao aos demais Estados, dificultando, a partir deste panorama, a elaborao de

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uma Resoluo a nvel nacional. Outro motivo foi que, desta forma, as diretrizes seriam de conhecimento de todos os envolvidos nos processos, e no somente aos Psiclogos. A proposta foi encaminhada ao Tribunal de Justia de So Paulo em novembro de 2007 e aprovada e publicada no Dirio da Justia em 14 de outubro de 2008, na forma do Comunicado n 01/2008 do Ncleo de Apoio Profissional de Servio Social e Psicologia do Tribunal de Justia de So Paulo (em anexo). A publicao foi relativamente fiel proposta inicial, com poucas alteraes, tais como a extenso da norma ao Assistente Social, que no havia sido objeto de debate no grupo. Em outubro de 2008, o Grupo de Trabalho esteve em reunio com a Assessoria do Presidente do Tribunal de Justia de So Paulo, onde abordou-se a importncia do Comunicado e a necessidade do Assistente Tcnico possuir a mesma formao do Perito. No dia 22 de novembro de 2008 foi realizado outro evento no CRP SP: A tica prpria da Psicologia mudanas na relao Assistente Tcnico e Perito, tendo como objetivo apresentar e promover amplo debate, interdisciplinar e intersetorial, sobre novas diretrizes para o trabalho dos Psiclogos Judicirios frente as questes da famlia,especialmente no que diz respeito interao Perito - Assistente Tcnico e o dilogo entre a tica profissional e legislaes prprias do campo jurdico. Entendemos que o CRP SP cumpriu seu papel ao propiciar um dilogo com o prprio Psiclogo no seu exerccio, e com as demais reas profissionais relacionadas ao Judicirio. Esse dilogo deu-se de forma democrtica e participativa e resultou em compromissos que se materializaram, por sua vez, em orientao e normatizao, importantes referncias para o exerccio profissional. Agradecemos a todos que puderam estar conosco nessa construo coletiva e esperamos que a produo deste Caderno Temtico possa auxiliar a compartilhar alguns dos principais aspectos levantadosMaria Cristina Barros Maciel Pellini e Patrcia Garcia de Souza Conselheiras do CRP SP Gesto 2007/2010 Coordenadoras do GT Psiclogo Judicirio nas Questes de Famlia E-mail: [email protected]

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I Encontro com Psiclogos Peritos e Assistentes Tcnicos 17 de setembro de 2005

A insero e o Papel do Psiclogo no Poder JudicirioDra. Ldia Rosalina Folgueira CastroPsicloga; Dra. em Psicologia Clnica pela USP; Chefe do Setor de Psicologia das Varas da Famlia e Sucesses do Frum Central da capital; Ex-professora e supervisora da Universidade So Marcos, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Sedes Sapientiae e professora e supervisora dos Curso de Especializao Estudos Avanados.

O Cdigo de Processo Civil rege as questes das Varas da Famlia. Nele prevista a figura do perito. O juiz pode determinar o trabalho de um perito em questes tcnicas que esto fora de sua rea do conhecimento e que so importantes para melhor subsidiar sua sentena. Os peritos podem ser de diversas reas do conhecimento: engenheiros, mdicos, psiclogos e assistentes sociais, para citar alguns exemplos. O Cdigo de Processo Civil regido pelo Princpio do Contraditrio. Isto significa que dada a cada uma das partes do processo a possibilidade de discutir todos os documentos produzidos. Significa debater tanto a concluso a que o expert chegou , quanto as operaes realizadas durante a percia. Para auxili-las a debater as questes tcnicas envolvidas, tanto as partes quanto o promotor podem contratar um assistente tcnico com a finalidade de acompanhar o trabalho do perito. Temos observado, enquanto peritos psiclogos nas Varas da Famlia, que muitos psiclogos que atuam como Assistentes Tcnicos esto mais interessados em fazer o seu cliente ganhar a causa do que no debate cientfico e tico das questes psicolgicas envolvidas no processo, mesmo que isto implique em prejuzo para as crianas envolvidas. Os Psiclogos Peritos que atuam na Vara de Famlia e Sucesses em situao de disputa de guarda ou de redefinio de visita devem salvaguardar os o bem-estar da criana.

Somada complexidade dos processos de Vara de Famlia, que, como vimos, precisa ser transparente e garantir o pronunciamento das partes, h, tambm, a complexidade cada vez maior das estruturas familiares. As partes levam, muitas vezes, ao Tribunal de Justia seus conflitos internos no solucionados. Os peritos e assistentes tcnicos correm o risco de reproduzirem entre si os conflitos que originalmente so das partes. No h nada legislado, nacional e internacionalmente, at onde se sabe, sobre como o Perito e o Assistente Tcnico devem atuar conjuntamente, de modo a garantir a tica e o debate cientfico. O trabalho em Vara de Famlia uma especialidade que exige experincia e conhecimento. Na maioria das faculdades nem sequer lecionada a disciplina de Psicologia Jurdica. aconselhvel uma formao especfica para Peritos e Assistentes Tcnicos. O Mestrado profissionalizante e/ou uma especializao seriam imprescindveis. importante, ainda, serem desenvolvidas pesquisas que possam referendar a experincia prtica j existente. O Tribunal de Justia deveria incentivar seus psiclogos a produzir mais intelectualmente: quer financiando e autorizando pesquisas, quer incentivando-os a se especializarem e reciclarem periodicamente.

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A Atuao do Psiclogo no Poder Judicirio: Interfaces entre a Psicologia e o DireitoDr. Sidney ShinePsiclogo; Doutor e Mestre em Psicologia pela USP; Perito em avaliao das famlias no Tribunal de Justia de So Paulo; Professor do curso Sade Mental e Justia do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal da USP

As atividades na Vara de Infncia e Juventude so mais relacionadas s Polticas Pblicas/ Estado, enquanto nas Varas de Famlia e Sucesses atua-se mais na esfera do privado. Mediante as denncias ticas, o Conselho Regional de Psicologia passa a atuar como um segundo Tribunal de Justia, passando o Psiclogo a ser o ru. Pelo fcil acesso a Advogados, no de se estranhar que ocorram mais queixas sobre a atuao dos Psiclogos nesta rea do Judicirio. Os processos em Vara da Infncia e Juventude correm, em sua maioria, sem a representao por meio de Advogados constitudos pelas partes. Em casos de Vara de Famlia, todos so representados legalmente, mesmo que pelos Procuradores do Estado para aqueles que no podem pagar. O Perito auxilia o Juiz em questes tcnicas. H questesproblema a serem respondidas, e o profissional deve formular resposta aos quesitos. Ele tem a funo de examinar as pessoas envolvidas no litgio e formar um juzo sobre o que lhe foi questionado. Os fatos litigiosos nem sempre so simples de forma a permitir sua integral revelao ao juiz, ou sua inteira compreenso por ele, atravs apenas dos meios usuais de prova que so as testemunhas e documentos. Nem admissvel exigir que o juiz disponha de conhecimentos universais a ponto de examinar cientificamente tudo sobre a veracidade e as consequncias de todos os fenmenos possveis de figurar nos pleitos judiciais. No raras vezes, portanto, ter o juiz de se socorrer de auxlio de pessoas especializadas como engenheiros, agrimensores, mdicos, contadores, qumicos etc., para examinar as pessoas, coisas ou documentos envolvidos no litgio e formar sua convico para julgar a causa, com a indispensvel segurana. (THEODORO JR., 2002, p. 428) Diferenas entre a avaliao psicolgica e percia (avaliao psicolgica em contexto forense): I) Em relao ao seu objeto: a questo pertinente que

a avaliao trata de investigar, ou posto de outra forma, trata-se de um problema a resolver (Maloney and Ward (apud Grisso, 1986, p. 105; Cunha, J. A., 2000, p. 19), uma questo a responder. Lembremos que a Psicologia funciona por meio da busca de uma resposta a uma pergunta especfica (Qual a inteligncia do fulano? por exemplo). II) Em relao ao objetivo: ser dado pela demanda que feita ao psiclogo em sua avaliao. Por exemplo, em casos de disputa de guarda em Vara de Famlia, recorrese ao perito psiclogo no intuito de buscar respostas a questes-problemas de origem e natureza psicolgicas, mas cujo objetivo final definir o guardio legal da criana: Quem tem as melhores condies psicolgicas para o exerccio da guarda? A resoluo do problema que a avaliao psicolgica visa sempre recair sobre um sujeito (Shine, 2003). A abordagem da Psicologia se caracteriza, ento, pela dimenso intersubjetiva; em ltima instncia o objeto da Psicologia sempre pertinente ao sujeito. Portanto, toda a questo tcnica implica, necessariamente, em uma posio tica em relao ao sujeito-objeto da avaliao e ao demandante dela. - sujeito-objeto: quem vai ser avaliado. - demandante: quem solicita a avaliao. A partir das distines acima, apresenta exemplos em que se configuram as diferenas entre a atuao do Psiclogo no enquadre clnico e no enquadre jurdico e os tipos de problemas que tendem a surgir neste campo. Exemplo 1: O Psiclogo realizou percia em Vara de Famlia em uma Ao de Disputa de Guarda. Aps entrevistar os adultos em litgio, chamou as crianas de 10 e 13 anos para uma entrevista psicolgica. Na entrevista, soube que o av materno manipulava as reaes das crianas, incentivando-as a escreverem bilhetes

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Toda a questo tcnica implica, necessariamente, em uma posio tica em relao ao sujeito-objeto da avaliao e ao demandante dela.de amor me. No enquadre com as crianas, o Psiclogo garantiu total sigilo para o que falassem como meio de assegurar uma confiana no vnculo profissional-crianas. Ao redigir o laudo, se deparou com quesitos complementares do Advogado da parte contrria da me, em que se perguntava ao profissional se os bilhetes escritos pelas crianas eram autnticos. O profissional se viu confrontado com o dilema de informar o que sabia no desempenho de seu papel e expor as crianas ou proteg-las custa de uma informao que detinha de fato. Aqui houve o manejo equivocado do enquadre no atendimento s crianas, garantindo-se um sigilo que no pode ser respeitado quando o profissional age como auxiliar da Justia e est compromissado a levar ao conhecimento da autoridade judiciria o que for relevante ao processo judicial. Exemplo 2: O presente Parecer trata de solicitao do Mm. Sr. Juiz Dr. ______________________, da _____ Vara de Famlia, da Comarca ____________, sobre a validade de Avaliao Psicolgica. A Avaliao Psicolgica, que se encontra nos Autos do Processo N. ___ de Separao Judicial, pea utilizada por uma das partes como prova alegada de incapacidade emocional da parte que ficou com a guarda dos filhos quando da separao, motivo pelo qual requer do juiz a reviso de guarda. A parte, agora contestando, solicita a invalidao da Avaliao Psicolgica alegando que o documento no tem respaldo tico legal, vez que o psiclogo era muito amigo da parte que est pleiteando a guarda. Diz ainda que aquela avaliao no est isenta da neutralidade necessria, pois o Psiclogo deu informaes baseadas na verso do amigo e que consigo s falou uma vez, apresentando interpretaes pessoais e deturpadas. Requer, portanto, o Mm. Juiz, Parecer sobre a validade da contestada Avaliao Psicolgica. (Modelo de PARECER retirado da Resoluo CFP N. 30/2001- revogada. A Resoluo atualmente vigente a de N. 007/2003) Este um exemplo em que o Juiz da causa est solicitando um parecer sobre um objeto especfico do campo psicolgico o laudo psicolgico em questo. Configura-se um parecer, uma vez que o psiclogo demandado pelo Juiz no ir reproduzir todo o procedimento de avaliao psicolgica com a famlia avaliada (isto seria uma nova percia), mas responder,

pontualmente, sobre a validade tcnica do documento que ora posto sobre dvida. Exemplo 3: O Psiclogo S. recebeu em seu consultrio mais um menino, com cerca de quatro anos de idade, encaminhado pelo colega que se mudaria de cidade. Depois de um rpido diagnstico, comeou a atend-lo, fazendo eventualmente orientaes com a me, que era separada do pai da criana e levava, sozinha, o filho para a psicoterapia. o ex-marido estava em constante briga com a me, de modo que o garoto via o pai somente nos finais de semana, conforme estipulado pelo juiz, no processo de separao. No entanto, ocorria uma disputa judicial, na qual o casal no brigava pela guarda do filho, mas pelo nmero de visitas feitas pelo pai. A me dizia sempre nas sesses de orientao que o pai era agressivo, violento, que no era possvel o dilogo com ele e que era esta a causa de todos os sintomas apresentados pelo menino e da impossibilidade de melhora dos mesmos. O Psiclogo, que cada vez mais sabia das agresses e ameaas do pai via relato da me, pensou ser prudente no se envolver com ele, trabalhando apenas com a me e o menino, de modo que nunca chamou o pai para qualquer tipo de participao neste trabalho. Ao tomar esta deciso, preocupava-se principalmente com o bem-estar da criana e zelava por seu espao de terapia, na qual sempre eram trazidas situaes, referentes ao relacionamento com o pai. Cerca de trs meses depois, a me da criana solicitou ao psiclogo um relatrio sobre o estado de seu filho para que, na disputa com o marido, tivesse dados perante o juiz que sustentassem e justificassem o pedido de reduo do nmero de visitas do pai. O Psiclogo primeiramente hesitou, mas depois, na tentativa de proteger a criana atendida, escreveu o documento, intitulado como Laudo psicolgico e no apresentava endereamento. Iniciava-se com alguns dados da criana e em seguida passava a expor uma anlise psicolgica da mesma, seguida de informaes a respeito de sua relao com a figura paterna, a qual descrita como descontrolada e agressiva. O profissional aponta os prejuzos causados ao menino pelo contato com a figura paterna e pelas disputas desta com a figura materna, cuja relao com a criana avaliada positivamente. Diante da descrio da figura paterna, incluindo hiptese de transtorno psiquitrico, o Psiclogo faz sugestes quanto periodicidade das visitas do pai. No final, sua assinatura, sua inscrio no CRP e a data. (Extrado do Psi Jornal de Psicologia do CRP SP, jan./fev. 2004, p. 09) Aqui o erro do profissional psicoterapeuta de extrapolar a sua competncia e seu campo de atuao. Assumindo o

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trabalho de psicoterapeuta de um menor a pedido de um dos responsveis, no entrou em contato com o outro responsvel. Alm disto, teceu consideraes sobre esta pessoa que no foi avaliada por si, terminando por se intrometer na regulamentao de visita deste genitor ao filho. H diferentes papis que o psiclogo pode assumir enquanto Perito ou Assistente Tcnico, mas h sempre uma dimenso tica no trabalho tcnico. A TESTEMUNHA (FACTUAL): A testemunha , por definio, aquele que sabe porque viu ou ouviu (Ferreira, 1999). O que geralmente acontece uma confuso entre dois tipos de ao que o profissional pode ter junto justia: a situao em que vai agir como testemunha e a outra em que solicitado a prestar esclarecimentos tcnicos sobre o paciente. A diferena sutil, mas fundamental. Como testemunha o Psiclogo dever prestar informaes sobre fatos concretos que tenha presenciado e que podem auxiliar na resoluo do caso em questo. Essas informaes, portanto, no podem ser baseadas nos depoimentos de seus pacientes ou em inferncias que o profissional possa fazer a partir dos atendimentos que est realizando (Jos Alberto Simes Correa, Conselheiro do CRP 06, na edio do Jornal do Conselho de maro/abril de 1996, p. 16) ASSISTENTE TCNICO: um Perito parcial, porque um perito da parte, mas deve sempre ser isento. Est condicionado ao que pode saber pela sua experincia (parte do problema).

A avaliao do Perito no deve responder questo final do julgamento, j que o Perito auxiliar da justia, e no substituto do juiz. PERITO PISTOLEIRO: aquele que faz um laudo a favor da parte, ressaltando o interessa da pessoa contratante. No existe compromisso com a iseno, apenas em servir ao cliente. Porm, defender a parte omitindo dados incompatvel com a obrigao de dizer a verdade. Se o Psiclogo um pesquisador e um cientista no exerccio de sua profisso tal ao seria incompatvel com o que se esperaria dele. Isto diferente para o advogado. Pela OAB, o Advogado no pode fornecer evidncias contrrias ao cliente. PERITO ADVERSARIAL: escolhe um dos lados do litgio, d laudo conclusivo e vai ao mrito da ao. Quando a questo final a ser concluda colocada (a guarda deve ficar com quem?), o perito adversarial , assim o denominamos (SHINE, 2003), aquele que escolhe algum seja por um motivo ou outro. Em outros termos, o perito que toma a posio de dar um laudo conclusivo, entendendo-se conclusivo no sentido de ir ao mrito mesmo da ao que est sendo julgada. Woody3 (1978) e Gardner4 (1982) so representantes desta forma de pensamento. A proposta destes autores, segundo Berry (1989), proceder a uma avaliao to imparcialmente quanto possvel, mas uma vez concludo, o perito deveria se colocar ativa e abertamente do lado do genitor escolhido como o mais adequado. PERITO IMPARCIAL: neutro, no oferece recomendaes conclusivas, no prope desfecho. Berry (1989) defende a posio de que o profissional deve simplesmente apresentar as descobertas, opinies e previses de forma imparcial e neutra (Berry, 1989, p.140). Segundo essa viso, opinies podem ser emitidas a respeito dos possveis resultados de diferentes arranjos de guarda, mas nunca oferecer recomendaes conclusivas. Rovinski (1998) alerta para o perigo de se incorrer em um julgamento, competncia do juiz. Tal posio , necessariamente, moral, e, requer uma autoridade legal. Grisso5

H diferentes papis que o psiclogo pode assumir enquanto Perito ou Assistente Tcnico, mas h sempre uma dimenso tica no trabalho tcnico.Todo Psiclogo, em um sentido amplo, um expert na sua matria. Ou seja, no que diz respeito sua rea de competncia ele um especialista1. Quando ele contratado pelo Advogado ou pela parte, ele se tornar um perito parcial dentro da arena jurdica. O termo corrente, mais comum, Assistente Tcnico2.

1 Resoluo CFP 013/2007. 2 Alguns preferem a designao assessor da parte, outros ainda se referem a perito particular. O termo perito do contraditrio (referncia ao princpio do contraditrio no Direito pelo qual as partes tm que ter ampla possibilidade de manifestao) usado por Landry (1981).

3 Woody, R. Getting custody: Winning the last batle of the marital war. New York, Basic Books, 1978. 4 Gardner, R. Family evaluations in child custody litigation. Cresskil, N.J., Creative Therapeutics, 1982. 5 Grisso, T. Evaluating competencies. In: Forensic assessments and instruments. 2 ed. New York, Plenum, 1988.

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argumenta, segundo Rovinski (1998), que uma avaliao psicolgica no pode definir operacionalmente um arranjo de guarda especfico. Isto porque, enquanto uma construo hipottica e legal, ela teria um componente que escapa competncia do profissional de sade mental. O autor defende que a funo do psiclogo seria discriminar os fatores psicolgicos em jogo e expor o nvel de congruncia entre o que se faz (do lado dos pais) e do que se necessita (do lado da criana), sem julgar se tal nvel de congruncia suficiente ou no para o deferimento de pleito em favor de um ou de outro. Assim, voltando ao papel do perito na avaliao psicolgica, podemos dizer que sua tarefa descrever, da forma mais clara e precisa possvel, aquilo que o periciado sabe, entende, acredita ou pode fazer. No cabe a ele estabelecer, de forma abreviada, um escore que represente a aceitabilidade ou inaceitabilidade legal do desempenho do sujeito. Quando o perito estiver avaliando incongruncia entre as habilidades de um examinando e as demandas de um contexto particular, no deve tentar estabelecer critrios para definir uma quantidade particular de incongruncia que seja sugestiva de incompetncia legal. Em outras palavras, sua avaliao no pode responder a questo final sobre o julgamento. O examinador deve descrever habilidades pessoais, demandas situacionais e o seu grau de congruncia, de maneira a evitar estabelecer o ltimo julgamento ou a concluso final sobre a competncia legal (Rovinski, 1998, p. 60). A avaliao do Perito no deve responder questo final do julgamento, j que o Perito auxiliar da justia, e no substituto do juiz. O Parecer no sentena, mas fonte de informao ao juiz. Tal entendimento tambm balizado do ponto de vista do operador do Direito por meio de citao do mesmo THEODORO JR. (2002): Valor probante da percia O laudo pericial o relato das impresses captadas pelo tcnico, em torno do fato litigioso, por meio dos conhecimentos especiais de quem o examinou. Vale pelas informaes que contenha, no pela autoridade de quem o subscreveu, razo pela qual deve o perito indicar as razes em que se fundou para chegar s concluses enunciadas no laudo (art. 433 do CPC). O perito apenas um auxiliar da Justia e no um substituto do juiz na apreciao do evento probando. Deve apenas apurar a existncia de fatos cuja certificao dependa de conhecimento tcnico. Seu parecer no uma sentena, mas apenas fonte de informao para o juiz, que no fica adstrito ao laudo e pode formar sua convico de modo contrrio a base de outros elementos ou fatos provados no processo (art. 436). E, realmente, deve ser assim, pois do contrrio, o laudo pericial deixaria de ser simples meio de prova para assumir

o feitio de deciso arbitral6 e o perito se colocaria numa posio superior do prprio juiz, tornando dispensvel at mesmo o pronunciamento jurisdicional. (Theodoro Jr., 2002, p. 434). O psiclogo no pode se descuidar das diversas variaes do enquadre de trabalho para o seu posicionamento tcnico e tico. Referncias bibliogrficas: BERRY, K. K. The mental health specialist as child advocate in court. In: TEXTOR, M. R. (ed.) The divorce and divorce therapy handbook. New Jersey: Jason Aronson Inc., p. 135-147, 1989. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resoluo CFP N 30/2001. Manual de elaborao de documentos produzidos pelo psiclogo, decorrentes de Avaliao Psicolgica. Braslia, 2001. CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA CRP SP. Psi Jornal de Psicologia CRP SP. So Paulo, jan./fev. 2004, p. 09.

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA. Testemunha ou perito? In: Jornal do CRP 06. So Paulo, mar./abr. 1996. p. 16.CUNHA, J. A. Estratgias de avaliao: perspectivas em psicologia clnica. In: CUNHA, J. A. e colaboradores. Psicodiagnstico - V. 5 ed. revisada e ampliada. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2000. GRISSO, T. Psychological assessment in legal contexts. In: CURRAN, W.J.C.; McGARRY, A.L.; SHAH, S.A. Forensic Psychiatry and psychology: perspectives and standards for interdisciplinary practice. Philadelphia: F.A. Davis Company, 1986. LANDRY, M. O psiquiatra no tribunal. O processo da percia psiquitrica em justia penal. So Paulo, Pioneira/Edusp, 1981. ROVINSKI, S. L. R. A percia psicolgica. In: Aletheia, Canoas: Ed. ULBRA/Departamento de Psicologia, n. 7, p. 55-63, jan./jun. 1998. SHINE, S. A espada de Salomo. A Psicologia e a Disputa de Guarda de Filhos. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2003. THEODORO JR., H. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, v. 1, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.

6 JOO MONTEIRO, Programa do Curso de Processo Civil , v. II, 180, p. 322.CADERNOS TEMTICOS CRP SP Psiclogo Judicirio nas Questes de Famlia

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II Encontro com Psiclogos Peritos e Assistentes Tcnicos 6 de maio de 2006

O percurso histrico da insero da Psicologia no Tribunal de Justia do Estado de So PauloDayse Cesar Franco BernardiPsicloga Judiciria da Coordenadoria da Infncia e Juventude do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo; Especialista em Psicologia Jurdica; Mestre em Psicologia Social (PUC/SP); ex-presidente da AASPTJ/SP; Coordenadora do Curso de Especializao em Psicologia Jurdica do Instituto Sedes Sapientiae, colaboradora da Associao dos Pesquisadores de Ncleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criana e o Adolescentes - NECA

Uma breve reviso do percurso histrico da insero da Psicologia no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo nos indica que ela est documentada na dcada de 80, com a implantao das Audincias Interdisciplinares no mbito da Justia da Infncia e Juventude, na poca denominada Justia de Menores1. Os Psiclogos foram contratados na capital, com base em Lei especfica e, passaram a integrar, com os Assistentes Sociais, uma equipe interprofissional, prevista e fundamentada no Cdigo de Menores de 1979 para: Realizao de estudo de cada caso, sempre que possvel; Realizao de estudo ou percia; Apresentao de relatrio do estudo ou percia; Orientao de menores at dez anos, autor de ato infracional. As bases iniciais para a prtica psicolgica no Tribunal de Justia foram fundadas na expectativa de que a equipe tcnica deveria apresentar relatrio para a pronta deciso do caso pelo magistrado contribuindo para a celeridade das decises na rea do Direito do Menor. Deveria tambm, acompanhar os casos para dar cumprimento s medidas judiciais aplicadas aos menores em situao irregular. Assim, previa-se que os profissionais do Servio Social e da Psicologia deveriam participar ativamente das audincias; orientando as medidas dentro de suas respectivas reas e acompanhando os casos para dar cumprimento s medidas de proteo e scio-educativas decididas no estudo de cada caso. Essa perspectiva de atuao na rea do Direito do Menor respondia s intensas mudanas sociais na forma de entender e1 BERNARDI, Dayse Cesar Franco. Histria da Insero do profissional psiclogo no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. In: BRITO, L. (Org.) Temas de Psicologia Jurdica. Rio de Janeiro:Relume-Dumar, 1999, p.103-132.

lidar com a questo social da menoridade no pas. A sociedade exigia do Estado uma reformulao das prticas asilares e filantrpicas com as quais as crianas e jovens pobres eram tratados. Reformulaes legais e doutrinrias acompanharam mudanas nos princpios das polticas nacionais de atendimento questo do Menor - at ento trabalhada sob as orientaes do Cdigo de Menores de Mello Matos e das diretrizes da FUNABEM. Tal enfoque atribuiu ao Psiclogo uma tarefa subsidiria ao exerccio do Direito, baseada no diagnstico das situaesproblema e na execuo das medidas saneadoras, no interior da instituio judiciria. O modelo de atuao ia alm da percia, tratada como equivalente a estudo de caso, base para uma interveno focal realizada pelo mesmo profissional, e na instituio judiciria. Em 1983, os Psiclogos lotados nas Varas de Menores da capital, se organizaram de forma a tornar oficial sua funo judicante. Eles apresentaram na XIII Semana de Estudos do Problema do Menor na Escola de Direito da USP, no Largo So Francisco, trabalhos tericos sobre sua experincia profissional desenvolvida nas Varas de Menores em casos de adoo, guarda, tutela, internao e outros. Em 1985 o Tribunal de Justia realizou o primeiro concurso pblico para Psiclogo na capital, para preenchimento de 65 cargos de Psiclogos e 16 cargos de chefia - criados por Projeto de Lei de 1994, aprovado pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo Governador em exerccio. O trabalho desenvolvido oficialmente desde 1981 na Capital do Estado foi regulamentado por provimento2 do Conselho2 Atualizado em 13 de fevereiro de 2004 pelo PROVIMENTO N 838/04 do CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.

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Superior da Magistratura nesse mesmo ano, disciplinando as funes nas Varas de Menores e nas Varas de Famlia cumulativamente. Tal provimento considerou a atuao do Psiclogo como: Legtima - no atendimento de todos quantos, na expectativa de orientao procuram os rgos do Poder Judicirio, em especial os hipossuficientes; Especializada - convenincia da participao de pessoas que tenham conhecimento especializado nas questes de relacionamento interpessoal; til - a utilidade da contribuio dos estudos tcnicos para o melhor conhecimento dos problemas sociais e psicolgicos que devem ser resolvidos pelos Juizes. As questes relativas s Varas de Famlia passaram ser objeto de trabalho para os Psiclogos contratados pelo Tribunal de Justia de So Paulo de forma paulatina, com nomeaes especficas dos profissionais da Vara de Menores, para atendimento de casos isolados. As indicaes eram feitas pelo Juiz de Menores - a quem os profissionais eram subordinados administrativamente - para aqueles casos de justia gratuita, respondendo a solicitao dos Juizes das Varas de Famlia. A atuao dos Psiclogos nas Varas de Famlia e Sucesses foi ento, agregada quela j desenvolvida nas Varas de Menores, com os mesmos profissionais, para prestao de servios ao Tribunal de Justia, por meio de providncia administrativa da instituio. Tal aglutinao deixou de considerar as idiossincrasias dos ritos jurdicos no Direito do Menor e no Direito da Famlia e, as diferenas de enfoque do profissional psiclogo nessas duas reas do Direito. Pressupostos sobre a prtica psicolgica na interseco com o Direito podem ter auxiliado nessa deciso, atribuindo aos psiclogos a funo bsica de assessoria tcnica para decises judiciais nas questes da infncia e da famlia. A concepo dominante de que a Psicologia uma cincia - reconhecida por seus instrumentos de avaliao e controle da conduta humana, capaz de prever e controlar comportamentos - parece embasar expectativas de que a mesma empreste ao exerccio do Direito uma eficcia e eficincia desejveis na resoluo de conflitos. A busca de certeza para decises complexas no um movimento exclusivo do Judicirio, contudo, nele que podemos observar mais de perto as contradies entre as diversas concepes de Psicologia vigentes no pas, nos diferentes tempos e momentos histricos da profisso. Revendo os movimentos realizados pelos psiclogos no Tribunal de Justia de So Paulo, podemos identificar na Vara Central da Capital o momento em que as atuaes nas Varas de Menores e nas Varas de Famlia comeam a se diferenciar. O aumento gradativo da demanda de casos encaminhados pelas Varas de Famlias e a crescente organizao dos psiclogos da Vara de Menores Central permitiram que os mesmos organizassem setores especializados de atendi-

mento por natureza de casos. Assim, formaram-se equipes para atendimento exclusivo dos casos de adoo, vitimizao e das Varas de Famlia. Com designao de chefias exclusivas para cada uma dessas reas, cada grupo passou a organizar rotinas mais adequadas aos casos atendidos, com sistematizao de instrumentos, tipos de relatrios e acmulo de conhecimentos advindos da experincia no cotidiano institucional. A separao das equipes da Vara da Infncia e Vara da Famlia foi consolidada com a conquista de um espao prprio para atendimento de casos, no mesmo pavimento da sala do Servio Social da Famlia e dos gabinetes dos Juizes das Varas de Famlia. A equipe foi consolidando uma forma de trabalhar os casos conforme as regras do Direito de Famlia, aproximando-se da prtica pericial estrito senso como uma decorrncia da natureza dos casos, das exigncias dos operadores do direito e da experincia dos assistentes sociais, presentes na instituio desde a dcada de 40. Nas demais Varas da Capital a designao de profissionais da Vara da Infncia para atendimento cumulativo das Varas de Famlia permanece at hoje, contudo, observa-se a designao continuada de alguns profissionais da equipe para atenderem de forma exclusiva essa rea. Podemos considerar que, embora nas duas reas do Direito a Psicologia possa emprestar conhecimento acumulado sobre as relaes interpessoais, tendo as mesmas bases tericas para compreender e lidar com os problemas da subjetividade humana, as modalidades de atuao profissional tenderam a se diferenciar por diversos motivos.

As bases iniciais para a prtica psicolgica no Tribunal de Justia foram fundadas na expectativa de que a equipe tcnica deveria apresentar relatrio para a pronta deciso do caso pelo magistrado.Considerando, por exemplo, as legislaes referentes s duas reas distintas do Direito, podemos compreender que, elas tambm foram atualizadas ao longo desse tempo, implantando ou consignando novos parmetros para a atuao profissional no Judicirio. Assim, na rea da Infncia e Juventude, tivemos a promulgao do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) em 1990 que, tornou a implantao das equipes interdisciplinares obrigatrias para todos os Tribunais de Justia do pas.CADERNOS TEMTICOS CRP SP Psiclogo Judicirio nas Questes de Famlia

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Os Psiclogos nas Varas da Infncia e Juventude se dedicam a esmiuar o caso na busca de alternativas para a recomposio do direito violado, com base no estudo interprofissional.Em So Paulo, os Psiclogos passaram a integrar as equipes em todo o Estado na dcada de 90, estendendo suas aes s comarcas do interior do estado. Podemos situar na rea do Direito da Famlia, mudanas recentes quanto s relaes entre o Perito e o Assistente Tcnico e a prpria compreenso do que famlia - considerando que os filhos tidos fora do casamento tm os mesmos direitos dos filhos naturais; que as relaes estveis fixam as mesmas obrigaes e direitos que o casamento; que os pais podem ter a guarda dos filhos tanto quanto as mes. Os Psiclogos nas Varas da Infncia e Juventude se dedicam a esmiuar o caso na busca de alternativas para a recomposio do direito violado, com base no estudo interprofissional. Adotam a perspectiva de proteo e cuidado, prprias Doutrina de Proteo do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA); elaborando relatrios psicolgicos parciais que informam sobre aes por eles desenvolvidas ao longo de um tempo de diagnstico e de interveno, at construir material suficiente para substanciar uma deciso judicial, com a aplicao de uma medida de proteo ou scioeducativa mais compatvel realidade do caso, em estudo. A sentena judicial no esgota a interveno psicolgica que, em alguns casos, permanece com o acompanhamento das pessoas alvo da medida judicial aplicada. O rigor do exame no tem sido a tnica da interveno que prioriza a articulao de uma rede de atendimentos na busca de alternativas problemtica apresentada. Os relatrios informativos no so necessariamente conclusivos, priorizando a descrio de situaes de vulnerabilidade social das famlias e de seus filhos. A natureza do Direito Especializado da Infncia e Juventude favorece uma ao interventiva, contnua, com produo de relatrios frequentes e elaborados a cada interveno. No h a presena do advogado - j que o rito verificatrio - e a lide nem sempre se d entre pessoas, mas, sim, entre cidados e o Estado. O Juiz pode decidir com base apenas nos relatrios de sua equipe tcnica - pois sua ao visa sempre a manuteno do direito da criana e do adolescente, com primazia sobre a famlia, os responsveis legais e o prprio Estado. Nas Varas de Famlia e Varas Cveis, os Psiclogos tm sido predominantemente nomeados para o exerccio de um papel especfico nos autos - o de Perito.

Esse modelo de atuao est baseado numa tica de que a Psicologia - assim como outras Cincias como a Medicina, a Engenharia, a Antropologia - detm um conhecimento especfico, capaz de oferecer aos Operadores do Direito, elementos para uma deciso justa, abalizada por verdades competentes construdas na perspectiva do mtodo cientfico. As tcnicas de exame e investigao da Psicologia emprestariam, assim, s decises judiciais um aval cientfico, calcado no modelo dominante das Cincias Naturais. Esse modelo tem se adequado aos ritos contraditrios - em que h uma lide entre pessoas ou instituies, representadas por advogados nos autos judiciais. Os Cdigos de Processo Civil e Penal regulam os atos processuais, ditando as regras, prazos e intervenes esperadas na resoluo do conflito. A situao conflitiva, entre pessoas ou instituies, lidada pelo Direito para ser saneada com base na garantia dos direitos individuais, cuja sntese simplificada seria a de dar a cada um, o que seu. Todos so iguais perante a lei e tm, portanto, os mesmos direitos. Ento como mensurar e decidir casos relativos s questes familiares, tais como a guarda de filhos? Tal enfoque alimenta a prtica da percia, como um modelo de atuao, em que se busca a verdade dos fatos objetivos, mensurveis e previsveis. Contudo, como esse modelo lida com as questes subjetivas que, traam tantas possibilidades de interpretao e entendimento dos dramas humanos, expressos nas lides judiciais? Parece que essa especificidade tem contribudo para opor as funes de Perito e de Assistente Tcnico, quando os profissionais da mesma rea de saber e, com os mesmos instrumentos de avaliao, podem chegar a concluses diferentes sobre o mesmo caso, deixando de responder com a certeza esperada s questes formuladas pelos juizes e demais operadores do Direito. A histria da Psicologia no Tribunal de Justia de So Paulo vem sendo construda no embate desta e outras questes, prprias a um campo de conhecimento recente, cujo estatuto est em frequente ebulio. A delimitao de fronteiras entre a prestao de servios ao Magistrado e ao usurio do Poder Judicirio vem sendo discutida pelos Psiclogos Jurdicos, como uma das vertentes para definir essa prtica profissional como sendo de garantia de direitos. O tempo histrico das mudanas de enfoque das funes da Psicologia na sociedade brasileira tem trazido tona as demandas do judicirio. O psiclogo judicirio - atuando como perito ou como mediador de conflitos; como auxiliar do magistrado ou da Justia; como um profissional que defende os interesses de crianas ou, que se coloca como um elemento neutro - tem, contudo, sido capaz de opinar sobre destinos das pessoas com base em avaliaes circunstanciadas, situacionais, contextualizadas pela instituio judiciria.

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As questes ticas e tcnicas dessa prtica tm sido abordadas em processos ticos no Conselho Regional de Psicologia - uma das razes desse encontro. A competncia profissional pode ser mensurada por extratos de laudos desentranhados dos autos e das situaes especficas de sua construo? Rever a histria dessa prtica no Tribunal de Justia de So Paulo nos remete a conhecer como se deu e se d a construo social da profisso. Os debates em torno das relaes entre o Perito e o Assistente Tcnico servem de lupa para essa prtica profissional.3

3 Para melhor conhecer a histria da Psicologia Jurdica, consulte o vdeo Entre o Direito e a Lei: uma histria da Psicologia Jurdica em So Paulo. Comisso de Histria e Memria da Psicologia em So Paulo:CRP_06, 2004.

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A Insero do Psiclogo no Poder Judicirio: O Direito e a funo legal do Perito e do Assistente TcnicoDr. Lus Francisco Aguilar CortezMestre em Cincias Jurdicas e Polticas pela Universidade de Lisboa; Doutor em Direito pela USP; Juiz Substituto em 2 Grau; Professor de Direito da PUCCAMP; Professor de Ps-Graduao na Escola Paulista de Magistratura.

O Judicirio tem como principais funes a soluo de conflitos e a pacificao social, cumprindo, ainda, relevante funo poltica no equilbrio do exerccio dos Poderes. Para realizar tais funes, deve buscar a concretizao da justia, nos limites da sua atividade, e a valorizao de todas as formas de vida e da dignidade da pessoa, objetivos do Direito e do Judicirio. O processo judicial impe procedimentos formais que, embora burocrticos, cumprem relevante papel para a segurana jurdica, inserindo-se a participao do perito neste contexto formal. A atuao dos Psiclogos perante o Judicirio pode ocorrer nas diversas aes em curso nas Varas de Famlia e Sucesses, nas Varas da Infncia e Juventude, por exemplo, nos procedimentos relativos guarda, adoo, visitas e aplicao do Estatuto da Criana e do Adolescente, e nas Varas Criminais, em exames criminolgicos, para avaliao das condies iniciais no cumprimento da pena, e na elaborao de laudos para progresso no regime de cumprimento das penas. No Estado de So Paulo existe deciso normativa do Tribunal de Justia reconhecendo que seus psiclogos no atuam na rea de execuo das penas, o que compete a profissionais vinculados Administrao Penitenciria (Executivo Estadual), de modo que ainda pendente de efetiva implementao os denominados laudos de exame criminolgico. Nas aes civis, o Cdigo de Processo Civil (CPC) disciplina a realizao das percias tcnicas, referidas como um dos meios de prova, juntamente com o depoimento pessoal, confisso, documentos, inspeo judicial e testemunhas. O Perito , em regra, o douto, instrudo, versado, o expert em determinada arte ou cincia, e para o exerccio da funo requerido o nvel universitrio e o registro no respectivo rgo de classe, sendo escolhida pessoa de confiana do Juiz. Assim, podem ser nomeados Peritos Engenheiros, Mdicos,

Psiclogos etc., em funo da rea de conhecimento exigida para cada ao. O artigo 145 do CPC refere-se a necessidade da percia quando a prova depender de conhecimento tcnico ou cientfico, sendo limitada a percia ao objeto da ao (matria em discusso). Alm do Juiz tambm as partes envolvidas na ao podem constituir seus peritos, denominados assistentes tcnicos; a lei processual idealizou a atuao conjunta de perito e assistentes, o que em geral no ocorre. Assim, podemos ter no mesmo processo laudos divergentes, do perito e assistentes, que podem expressar no apenas interesses diversos mas tambm pontos de vista diferentes a respeito da mesma questo. O Perito deve ser diligente e o laudo deve ser entregue no prazo fixado, o que, no mbito da avaliao psicolgica, pode gerar problemas, uma vez que o tempo do processo nem sempre corresponde ao tempo necessrio para uma avaliao segura. Pode haver recusa do Perito por motivo legtimo, em geral relacionado a casos de impedimentos (previstos no artigo 134 do CPC, por exemplo, relaes de amizade ou parentesco com as partes), como tambm as partes podem arguir a suspeio do Perito, pedindo sua substituio nas hipteses do artigo 135 do CPC. O Cdigo de tica dos Psiclogos igualmente contempla situaes nas quais a atuao do profissional no deve ocorrer, bem como esclarece situaes em que est envolvido o sigilo profissional, a ser observado em conjunto com o princpio do menor prejuzo. A conduta irregular do Perito pode gerar a responsabilizao civil - expressa no dever de indenizar-, a responsabilidade penal - tipificada no Cdigo Penal (art. 342), e a responsabilidade funcional - Estatuto do Servidor, no caso de servidor

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pblico, ou Cdigo de tica, cuja observncia acompanhada pelo Conselho Regional de Psicologia. No caso dos Psiclogos que atuam na rea forense, existem aqueles que integram o servio pblico, concursados para o exerccio daquelas funes, e tambm possvel o cadastramento de profissionais para atuao em casos especficos, preenchidos os requisitos exigidos. Em regra, o laudo apresentado por escrito, mas tambm possvel que se realize a exposio oral, em audincia, complementando o laudo ou avaliao, por deciso do Juiz ou a requerimento da parte. A organizao dos trabalhos na Capital, especialmente no Frum Central, resultou na criao do Setor de Psicologia, para o qual so encaminhadas as solicitaes de acompanhamento e elaborao de laudos; assim, no h nomeao especfica de um profissional, sendo o trabalho distribudo internamente para melhor aproveitamento no Setor. A realizao ou no da percia opo do Juiz, estabelecendo o artigo 420 do CPC que o Juiz pode dispensar a percia : quando a prova no depende de conhecimento especial, quando desnecessria a percia diante de outras provas ou quando a verificao a ser realizada for impraticvel. Tambm possvel a substituio do perito (art. 424 do CPC), a complementao ou determinao de nova percia para o mesmo caso, sempre por meio de deciso fundamentada. Havendo mais de um laudo pericial, eles sero considerados em conjunto. A percia tcnica de extrema relevncia para a soluo das questes judiciais, porque nela o julgador encontra o conhecimento e o referencial tcnico especfico para embasar sua concluso. Nas Varas de Famlia, o laudo psicolgico pode fornecer, ainda, ao Juiz a sensibilidade que, muitas vezes, no aflora no procedimento formal da ao ou no curto tempo de uma audincia. Sua valorao como meio de prova muito forte, o que aumenta a responsabilidade dos profissionais quanto ao comprometimento tico e embasamento tcnico dos seus trabalhos. Evidentemente, muito ainda pode ser feito para aperfeioamento da sistemtica atual, alm da alterao das formas de atuao dos Peritos. Interessante iniciativa vem ocorrendo a partir de 2004, quando foi autorizada a instalao de setores de conciliao e/ou mediao nas Comarcas do Estado de So Paulo, j existindo aproximadamente quarenta setores instalados (2008). Nestes setores pode haver interveno pr-processual, ou seja, antes de iniciada a ao, ou no curso do processo, com a atuao de profissionais de diversas reas, inclusive psiclogos, compondo ou no o quadro de servidores, o que possibilita participao mais ativa dos profissionais. No Direito de Famlia, a inteno oferecer tratamento diferenciado, notadamente diante das novas configuraes

No Direito de Famlia, a inteno oferecer tratamento diferenciado, notadamente diante das novas configuraes familiares e instabilidade dos vnculosfamiliares e instabilidade dos vnculos, permitindo acompanhamento e composio do litgio sem a imposio da deciso judicial, que nem sempre desejvel ou mesmo possvel. Esta implementao est sendo realizada, em parte, de forma emprica, a recomendar melhor estruturao. Notadamente, porque o modelo adotado de recrutamento dos magistrados implica no ingresso de pessoas bastante jovens, as quais sero socializadas ao longo da carreira, o que exige o aprimoramento institucional, para estimular as boas prticas profissionais, e evitar a mera reproduo de perfil de atuao nem sempre adequado s novas exigncias sociais. A participao dos psiclogos nos temas relacionados s famlias, infncia e adolescentes, adquire, ento, maior importncia, fornecendo ao julgador, especialmente quele que se inicia na carreira, bases mais slidas e completas, alm das questes exclusivamente jurdicas, para a tomada de decises. A imprescindvel disposio do magistrado para aceitar modificaes encontra acolhida entre os jovens e pode ensejar aos profissionais que colaboram com a prestao jurisdicional, dentre eles os psiclogos, importante funo na conduo destas transformaes, buscando a melhor realizao da Justia. Tais condies indicam, ainda, o reconhecimento da importncia das relaes interdisciplinares para soluo ou composio dos conflitos familiares e dos problemas sociais, permitindo a valorizao e maior participao de todos os profissionais que colaboram com a atividade jurisdicional.

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A funo do Psiclogo Perito e os limites de sua atuao no mbito do Poder JudicirioDra. Evani Zambon Marques da SilvaPsicloga; Doutora em Psicologia Clnica (PUC/SP); Especialista em Psicologia Jurdica; Especialista no Mtodo de Rorschach; Ex-Diretora do Ncleo de Apoio Profissional de Servio Social e Psicologia do Tribunal de Justia de So Paulo; Professora Universitria e do Instituto Sedes Sapientiae.

O tema importante e est em movimento e crescimento. Gostaria de falar tambm dos alcances, e no s dos limites de atuao do Psiclogo Judicirio. Os limites de atuao precisam ser trabalhados, entendidos e co-construdos. O profissional deve ter um idealismo ao abraar uma funo, qualquer que seja ela, mas, tambm no deve distanciar-se da realidade, do que esperado e pedido a ele. O Psiclogo um profissional que representa uma minoria no Tribunal de Justia e sua importncia foi crescendo tanto numericamente quanto em termos de atribuies . A funo do Psiclogo na Vara de Famlia pericial, mais relacionada a processos de regulamentao de visitas e guarda de filhos. Parte da atuao do Psiclogo exercendo a funo de fiscalizao e zelo pelo desenvolvimento da criana.O princpio do melhor interesse da criana deve sempre prevalecer na prtica profissional. Na atualidade, vemos que cada vez mais as instituies pblicas entram nas questes privadas, ainda que limitadas legalmente pelos artigos 139,145 a 147, 430 a 439 do Cdigo de Processo Civil e Cdigo de tica Profissional dos Psiclogos Arts. 2, alneas k,l,m e n e Arts. 10,11 e 12. Enquanto dirigimos o Ncleo de Apoio Profissional de Servio Social e Psicologia do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo (2005-2008), recebemos questionamentos sobre a atuao do profissional psiclogo em audincias, participando como testemunhas. O CRP no possua um Parecer sobre isso, mas adiantamos que h o Art. 435 do Cdigo de Processo Civil e um Parecer do CFESS (que pode muito bem nos servir como modelo) que diz que o Assistente Social somente deve fazer explicaes sobre o que consta no seu laudo. Como se tornar Perito Psiclogo? necessrio apenas a formao e o registro, mas no h necessidade de formao especfica no Brasil, o que requerido em alguns pases. O fundamental ter um modelo terico, conhecer e comprome-

ter-se com parmetros essenciais para o desenvolvimento da criana, valorizar a subjetividade e a individualidade. No que se refere ao laudo, este deve ser de argumento claro, lgico, fundamentado. H as orientaes da Resoluo do CFP sobre documentos escritos produzidos por Psiclogos que deve sempre ser consultada e seguida rigorosamente. Retomando a discusso se o laudo deve ser conclusivo, penso que SIM e NO. Na Espanha, h resistncia dos juizes em laudos com recomendaes ou sugestes. Na Itlia e Brasil o laudo um aparato tcnico, podendo ou no haver recomendaes, sendo que o Juiz no est a ele adstrito. Na Inglaterra, se o Juiz no seguir a recomendao tcnica, deve argumentar por que no o fez. Em Portugal, os Psiclogos no atuam diretamente nos Tribunais No existe uma verdade nica. importante valorizar as novas configuraes familiares, para no tax-las como disfuncionais. H um curto espao de tempo na Percia para que a famlia possa reconhecer suas funes e responsabilidades. O tempo limita que se trabalhe a conscincia da inabilidade e o compromisso em relao prole. Via de regra, trabalhamos com uma possibilidade de 60 a 90 dias para a entrega dos laudos, tempo que pode variar conforme a exigncia do caso, mas nunca deve se afastar da realidade. sabido que o conflito deveria ter sido trabalhado antes de ir para a Justia. Em muitos casos verifica-se crianas e adolescentes em situaes de risco e preciso exercer os mecanismos de proteo. Costumamos dizer que quando outros aparatos falharam, o Poder Judicirio tem que fazer algo para evitar o risco. Com a ampliao de garantias e direitos individuais, verifica-se ainda um aumento da procura pelo Poder Judicirio. a verdadeira judicializao dos conflitos e das mazelas que ocorrem no espao privado.No entanto, o aparato pblico no foi ampliado e a instituio acaba se utilizando da cincia

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psicolgica para garantia desses direitos e dar a cobertura necessria principalmente para a evitao do risco. OBS: A palestra referiu-se a dados exclusivos da atuao do Psiclogo dos quadros do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo

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O papel profissional do Assistente Tcnico na relao cliente/Perito/ juizGiselle Cmara GroeningaPsicloga; Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientae e Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo; Mestre e Doutoranda em Direito Civil pela USP; Mediadora Interdisciplinar; Membro do Conselho Tcnico do Instituto da Famlia (IFA); Diretora Nacional da Comisso de Relaes Interdisciplinares do IBDFAM; Membro do Conselho Executivo da International Society of Family Law (ISFL)

De grande valia tem sido sua experincia e formao para a abordagem destas questes, sobretudo como Assistente Tcnica em processos judiciais. Agradeo aos Peritos com quem teve oportunidade de trabalhar e que muito me ensinaram e ensinam a partir de suas prticas e funes. Felizmente assistimos atualmente a uma mudana de paradigmas em que ganham espao as cincias humanas. O paradigma anterior da disjuno entre sujeito/objeto, mente/corpo, objetivo/subjetivo, est sendo substitudo pelo paradigma da integrao. Neste sentido nos interessa, sobremaneira, o valor que tem sido dado subjetividade e intersubjetividade, antes excludas da moldura legal na qual so interpretados os conflitos. Tambm como resultado desta modificao na relao entre as cincias, temos atualmente uma grande difuso da interdisciplina - o equivalente democracia no campo do conhecimento. No campo do Direito, a mudana de paradigma e a influncia interdisciplinar trouxe o que se pode denominar de humanizao do Direito ou, dito de outra forma, repersonalizao do Direito. De uma anterior objetividade positivista que imitava as cincias exatas, de forma quase mecanicista, passou-se a valorizar a subjetividade, o afeto, as emoes, a dignidade da pessoa humana. Com esta mudana, houve uma valorizao do papel da Psicologia, que ascendeu a um lugar de poder. Poder no sentido de potncia, e que necessita ser bem utilizado. Este poder/potncia traz grande responsabilidade aos Peritos e Assistentes Tcnicos na abordagem dos conflitos que chegam ao Judicirio. H uma diferena entre a viso do que o conflito para o Direito e para a Psicologia: enquanto para o primeiro refere-se pretenso resistida, se resolvendo ao

final do processo, para a segunda o conflito no se resolve porque faz parte da vida, mas sim se transforma. Quando o conflito se transforma num impasse, pode acabar sendo encaminhado ao Judicirio sob a forma de lide. O conflito que chega ao Judicirio sofre um tipo de abordagem que muitas vezes o cronifica. A dinmica que o processo judicial imprime a um conflito requer um olhar crtico da Psicologia para que os Peritos e Assistentes tcnicos, quando nomeados, no repitam a dinmica adversarial que estranha sua formao e mesmo tica profissional. Pelo contrrio, o importante que estes profissionais possam imprimir uma outra dinmica abordagem dos conflitos. Vemos hoje uma desordem no s nas relaes familiares, mas na sociedade. Isso pede uma abordagem interdisciplinar e demanda que eticamente repensemos nossas funes. Embora a interdisciplina, num primeiro momento cause certa insegurana, a consequncia que o encontro com o diferente acaba por fortalecer a identidade de cada disciplina. Isto no quer dizer que o encontro entre disciplinas se d livre de conflitos, pelo contrrio. Mas sabemos todos que nos conhecemos e reconhecemos no contato com o outro, com o diferente. Este processo, do encontro com as semelhanas e diferenas, faz parte no somente do desenvolvimento da identidade do sujeito, mas tambm da construo da identidade das disciplinas. A Psicologia Jurdica um ramo da psicologia ainda em construo. Tendo em mente que na grande maioria dos processos no h possibilidade de serem nomeados Assistentes Tcnicos, quer pelas condies econmicas, quer pela desvalorizao dos advogados destes profissionais ou pelo medo da ameaa de esclarecimento que estes possam trazer, maior se torna a responsabilidade do Perito Judicial.

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Com relao aos Assistentes Tcnicos, as diferenas e conflitos no ocorrem somente entre as disciplinas, mas tambm intra as disciplinas. Da a importncia em discutir as funes do Perito e do Assistente Tcnico. fundamental que os conflitos naturais entre profissionais que exercem papis diversos, como o caso dos Assistentes Tcnicos e Peritos Judiciais, no se transformem em impasses, pondo em risco os avanos obtidos quanto ao valor dos profissionais da Psicologia. Vejo a relao entre o Assistente Tcnico e o Perito como sendo de colaborao, e a nomeao dos Assistentes Tcnicos pode, na realidade, em muito colaborar para o fortalecimento e devida considerao dos pareceres e laudos dos profissionais da Psicologia nos processos judiciais. A relao entre o Assistente Tcnico e o Perito deve ser de colaborao, pautada na tica e no conhecimento tcnico, o que no quer dizer que eles devam necessariamente concordar. No devemos esquecer que em nossa rea tratamos de questes altamente subjetivas, em que vrios olhares devem somar compreenso da dinmica familiar. Dada sua posio privilegiada em termos de carga de trabalho e acesso s partes, o Assistente Tcnico pode ter condies de aportar dados que Perito no tenha acesso. Ou ainda, esse pode na discusso do caso contribuir com uma interpretao que some quela do Perito; esta tem sido em muitos casos a minha experincia. Assim, acredito que fundamental que se imprima uma dinmica de colaborao entre os profissionais da Psicologia. Lamentavelmente, muitas vezes, se observa quase que uma imitao caricata da dinmica entre os Advogados e o Juiz. Penso ser fundamental que o Perito, que ocupa uma posio de poder legitimada pelo sistema, possa colaborar de maneira aberta com o trabalho do Assistente Tcnico, e cabe refletir no s a respeito da postura do Assistente Tcnico como tambm de que forma poderia este pode ser acolhido pelo Perito Judicial quando presente no processo. Do meu ponto de vista, a funo do Assistente Tcnico a de assistir as partes, dentro da mais estrita tica profissional. No entendo a funo do Assistente Tcnico como a de um fiscal do Perito. A competio, e mesmo destrutividade, que assistimos nos processos judiciais no pode repetir-se na equipe de profissionais da Psicologia, e permear a dinmica entre estes profissionais. O papel do Psiclogo Perito e do Assistente Tcnico no s a de fornecer subsdios ao Juiz, como tambm a de uma interveno teraputica no sistema, a de transformao dos conflitos e resoluo do impasse, e no a de fomentar sua repetio ou mesmo fazer eco s partes de suas situaes no resolvidas. Em alguns casos, a dinmica processual pode contaminar as funes profissionais ao ponto de os Assistentes Tcnicos repetirem, at inconscientemente, o papel de advogados e o Perito o de Juiz. Se alguns Juizes podem sofrer de juizite, Peritos tambm podem sofrer de peritite e Assistentes Tcnicos de advocatitie.

H, por outro lado, a necessidade dos profissionais que atuam nesta rea, de um certo conhecimento da legislao e dinmica processual, para que possam ter claras as possibilidades e limites de sua atuao. Por exemplo, quando se apresenta um impasse relativo guarda e visitas, necessrio o conhecimento no s da dinmica familiar e das necessidades da criana e dos pais ou cuidadores, como tambm do significado que atribudo guarda, visitas e poder familiar, e das consequncias a nvel prtico que estas decises podem ter na vida dos envolvidos. Nestes casos cabe, ainda, por exemplo, o conhecimento das modificaes legislativas, dos avanos que existem em outras codificaes e o significado do que a guarda compartilhada, ainda no presente em nossa codificao. O Assistente Tcnico no pode ter como cliente o Advogado, mas os indivduos, as relaes familiares, considerando, ainda, o Sistema Judicial. Deve mostrar ao cliente o que est observando, resgatar sua responsabilidade e ampliar a conscincia do significado das demandas e suas consequncias. Muito embora, nas questes relativas guarda, que cito como um dos claros exemplos de casos que exigem o concurso dos profissionais da Psicologia, sendo a criana aquela que est em situao de vulnerabilidade, devem ser observadas as necessidades de todos os envolvidos. Numa famlia, as relaes so de complementaridade e todos sofrem, sendo que o bem-estar de um significa o bem-estar dos demais. Do ponto de vista da Psicologia, cabe levar aos operadores jurdicos o conhecimento de que a famlia um sistema de relaes interdependentes, e que estas tm aspectos conscientes e inconscientes. No tocante aos aspectos inconscientes, fundamental que se tenha o limite tico de que as interpretaes destes aspectos no cabem no enquadre judicial, mas sim cabe somente uma abertura para que as partes possam ampliar sua capacidade de pensar. Compete aos profissionais da Psicologia ter a conscincia do limite de suas interpretaes, bem como alertarem os operadores jurdicos para tais limites. O lugar que ocupam no o de uma demanda por terapia, e a sobreposio de funes representa, muitas vezes, uma violncia s partes, vulnerveis por definio, a extrapolao da funo para a qual os profissionais da Psicologia foram nomeados. Ainda como outro exemplo da importncia do conhecimento da dinmica das relaes, sabemos que para o Direito, o vnculo conjugal se dissolve com o divrcio. J para a Psicologia sabemos que ele no acaba, e que as aes tomadas tero reflexos posteriori, sendo necessria uma elaborao das transformaes que se ritualizam nos processos. A criana de hoje, de uma famlia que se transforma, ser o adulto de amanh e poder repetir as pautas relacionais que aprendeu com a famlia e com o sistema judicial em que se insere a demanda. Muitas vezes a dinmica processual repete a situao traumtica vivida pela famlia e no sentido da quebra de um padro, a interveno dos profissionais da Psicologia pode ter alto valor preventivo.CADERNOS TEMTICOS CRP SP Psiclogo Judicirio nas Questes de Famlia

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No entanto, cabe reiterar que no devemos nos esquecer que h limites para a atuao do Psiclogo nos processos judiciais. Uma outra oportunidade que tem surgido para a atuao dos profissionais da Psicologia a Mediao Interdisciplinar. Fundamental distinguir a atividade de Conciliao e Mediao: a Conciliao tem como finalidade o acordo, a resoluo de um impasse. A Mediao no tem como finalidade o acordo e sim o estabelecimento ou restabelecimento da comunicao e a ampliao da responsabilidade na tomada de decises. Deve-se tomar cuidado com a confuso entre Conciliao e Mediao, em que pode se fazer crer que o trabalho est sendo realizado num nvel mais profundo de uma Mediao, quando, na verdade, est se colocando a sujeira embaixo do tapete se no houver uma conscientizao do significado deste conflito. O resultado desta confuso que o conflito retornar com igual ou maior fora. A Conciliao um instituto que tem seu grande valor desde que diferenciado do da Mediao Interdisciplinar. A Mediao e Conciliao no podem ser mal utilizadas, visando somente desafogar o Judicirio. Atualmente vemos um movimento em que so recrutados Mediadores voluntrios, que esto na verdade fazendo Conciliaes, como forma de diminuir as demandas ao Poder Judicirio. No cabe aqui um posicionamento contra a finalidade destas empreitadas, mas alertar para a confuso e o tratamento indevido que est sendo dado aos conflitos. Questiono se, com isto, no estaria havendo uma banalizao e uso indevido dos conhecimentos e prticas prprias Psicologia. Finalmente, cabe mencionar que a relao entre o Assistente Tcnico e o Juiz indireta. Espera-se que o Juiz considere suas colocaes, no mnimo com a mesma ateno que deve dar aos outros elementos trazidos ao processo, no entanto, diferenciando as funes profissionais. O trabalho do Assistente Tcnico no pode ser tomado como o do advogado que, por definio, obedece a outra lgica e tica. H um aumento alarmante de denncias e falsas denncias de abuso sexual, que trazem enormes estragos para a famlia. O Judicirio no apresenta condies para compreender a dinmica que est presente nestas situaes, e que exigem a interpretao dos fatos e falas, o que requer a escuta qualificada do profissional da Psicologia com os aportes da Psicanlise. O risco imenso quando estes casos so abordados sem a devida crtica, tomados na concretude das denncias. Lamentavelmente se tem visto muitos laudos emitidos por Psiclogos que no tm a cincia das consequncias que um trabalho superficial, por mais bem intencionado que possa ser, pode causar. Uma dificuldade que se potencializa nestes casos a de que o Judicirio funciona com a lgica binria: vtima e algoz, culpado e inocente, no tendo condies antes do oferecimento de uma denncia, de avaliar devidamente a questo, e no levando em conta que a famlia um sistema e que quando h

uma denncia h sempre algum tipo de violncia, seja aquela que objeto da acusao, seja a prpria acusao. Nestes casos, mais delicado ainda e cuidadoso deve ser o trabalho do profissional da Psicologia. H necessidade de que o prprio processo, as motivaes, conscientes e inconscientes, e a dinmica presente, possam ser interpretados utilizando-se o instrumental da Psicologia e mesmo da Psicanlise.

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A tica prpria da psicologia: mudanas na relao Assistente tcnico e perito 22 de novembro de 2008

os desafios do Judicirio e a interdisciplinariedadeDra. Evani Zambon Marques da SilvaCoordenadora da mesa; Psicloga; Doutora em Psicologia Clnica (PUC/SP); Especialista em Psicologia Jurdica; Especialista no Mtodo de Rorschach; Ex-Diretora do Ncleo de Apoio Profissional de Servio Social e Psicologia do Tribunal de Justia de So Paulo; Professora Universitria e do Instituto Sedes Sapientiae.

Em tempos de interdisciplinaridade, pensamos em contemplar os tempos de ps-modernidade, onde no existe apenas uma verdade absoluta, mas diversas que possam somar. Significa fazer interdisciplinaridade, no borrar fronteiras, mas ter bem claro quais so os limites, os alcances deste trabalho, e a sim, podermos trabalhar conjuntamente.

Dra. Andria Maciel PachaConselheira do Conselho Nacional de Justia (CNJ), Juza Titular da 1 Vara de Famlia de Petrpolis no Rio de Janeiro, coordenadora da implantao do Cadastro Nacional de Adoo, da Lei Maria da Penha, e estudo do projeto do Depoimento Sem Dano.

Andria De Conto GarbinConselheira do Conselho Regional de Psicologia de So Paulo

O CRP SP organizou um GT com profissionais referendados por colegas da profisso, pela sua atuao na rea do judicirio ou em entidades. Estes apresentaram diversos olhares sobre o exerccio profissional do Psiclogo no Judicirio. Entendemos que cumprimos nosso papel ao estabelecer um dilogo com a rea judiciria. Por um lado amplia o dilogo com o prprio psiclogo no seu exerccio, e por outro com outras reas profissionais. O trabalho do GT e a discusso culminaram com o Comunicado do Ncleo de Apoio Profissional de Servio Social e Psicologia do Judicirio, de orientao ao exerccio profissional dos Psiclogos e dos Assistentes Sociais (em anexo). As orientaes, as normatizaes, so importantes referncias para o exerccio profissional. A discusso que tem sido feita em So Paulo, tem sido encaminhada ao Conselho Federal de Psicologia, e desencadeado outras discusses no mbito do Sistema Conselhos. Esse trabalho se coloca na pauta do Conselho como um todo. A orientao ao trabalho dos Psiclogos muito importante para quem est atuando no dia-a-dia, na rea.

O Judicirio tem sido cada dia mais demandado, por questes de natureza eminentemente afetivas, por conflito de natureza de convivncia social, de integrao, e que requerem no s uma formao mais adequada do magistrado, como uma preparao mais profunda dos profissionais que trabalham nessa rea. O que ns estamos vivenciando hoje, a judicializao do afeto. Semana passada duas notcias veiculadas no mesmo jornal me deixaram muito impressionada. Numa delas, aparecia a depredao de uma escola por adolescentes. Na matria seguinte, uma violncia sexual cometida contra uma menina de 16 anos numa festa de classe mdia alta. E o final dessas matrias, eram as entrevistas das pessoas e dos atores que de alguma forma participaram daqueles conflitos. E todos diziam a mesma coisa: A expectativa que se faa justia. Que tipo de justia se espera num quadro dessa natureza? Que tipo de justia uma sociedade espera no momento em que transfere para o Poder Judicirio a educao e as regras bsicas de valorao e convvio social? Que tipo de juzes se espera que enfrentem esse tipo de conflito para uma sociedade doente que tem a expectativa de ter juzes sos para enfrentar a doena, se os juzes so recrutados nesse mesmo tecido social que padece dessa crise valorativa que ns vivenciamos nesse momento?

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Se at aqui os problemas que surgiram entre os Psiclogos Peritos e Assistentes Tcnicos so com relao ao mbito familiar, guarda de filho e violncia sexual, vocs podem se preparar porque o leque ser ampliado. A tendncia que se chegue no judicirio demandas de conflitos muito mais sofisticados e que possivelmente, nem ns Juzes, nem a equipe tcnica que nos assiste e nem os Peritos, que eventualmente trabalham nos processos, vo conseguir responder com a urgncia que a sociedade espera um momento de aumento da demanda, de vivenciar um novo ciclo que se desenha no cenrio do Judicirio, mas tambm um momento muito rico para se aprofundar a discusso, buscar caminhos e tentar encontrar atalhos que possam transformar o convvio social e o processo civilizatrio numa relao menos conflituosa e mais prazerosa. No livro Ensaio sobre o dever da felicidade, Bruckner fala que o problema no s buscarmos a felicidade, que quando no se feliz, se sofre o fracasso da infelicidade. Podemos indicar a possibilidade de um convvio melhor por meio desses Fruns e da busca por solues pontuais. Alm do Cadastro de Adoo e da efetividade da Lei Maria da Penha, temos um projeto que tem funcionado muito bem que o Movimento Nacional pela Conciliao. A experincia que possvel a composio de conflitos sem o antagonismo acirrado, sem que ningum vena ou perca uma demanda. Quando vejo um processo onde h conflitos entre o Assistente Tcnico e o Perito, dificilmente enxergo como se pudesse existir um lado bom e um mau. Talvez o caminho inicial para enfrentar as representaes seja desarmar o esprito, porque no posso acreditar que nem o perito, nem o assistente tcnico considerem ter o monoplio do que est acontecendo. Isso um trabalho e os objetivos so distintos. Um Perito que designado para realizar um laudo em um processo, possivelmente um profissional que tenha um envolvimento com a parte e que tenha responsabilidade pelo tratamento dessa parte, por acompanhamento teraputico e que o desdobramento continua para alm do processo. O processo, quando chega para ser decidido, tem tempo razovel de durao e a cobrana que se faz do juiz que ele responda aquele conflito em tempo que. s vezes, parece demorado, mas muitas das vezes o tempo necessrio para que aquilo ali seja vivenciado, em luta, articulado. E tem um tempo diferente do tempo do processo teraputico. O Perito que integra a equipe multidisciplinar do juiz o que mais sofre porque cobrado para que produza um laudo tcnico, d suporte ao juiz na formao da convico. O mesmo volume de processo que o juiz recebe para trabalhar, o Perito recebe para atuar, e muitas vezes ele no tem relao com a parte que o procura. Ele vai conhecer a parte naquele momento e o que ele vai fazer no um laudo, como ser um laudo do assistente tcnico que conhece a parte, mas um laudo pontual do conflito e isso trazido para o Juiz.

Numa percia de natureza psicolgica ou feita pela assistncia social, cada olhar enxergar um conflito. E quanto maior o leque de informaes que o juiz tiver disponvel na hora de decidir, tanto melhor. Ele no se vincula a nenhum laudo ou concluso, mas tem ali elementos seguros que o levem a uma deciso mais oportuna e adequada. Deveria ser uma recomendao para que, em todos os processos, alm da equipe multidisciplinar, houvesse a indicao de Assistentes Tcnicos. O CNJ um rgo que tem possibilidades de recomendar e, por meio de resolues, estabelecer polticas nacionais para serem implantadas. S que todos os comandos que saem encontram resistncia. Se isso uma demanda necessria das equipes multidisciplinares, da famlia, das partes que se submetem ao crivo do Judicirio, o Conselho tem condies de recomendar a indicao de profissionais para que esse leque se amplie. Para melhorar ou reduzir esse tipo de conflito, as pessoas devem ter mais bom senso na hora de enfrent-los. H conflitos reais e conflitos fabricados. Vivemos num momento de grande conflituosidade real, ento no precisamos inventar conflito para alm do que j existe. possvel, cada um no seu quadrado estabelecer uma forma de comunicao mais eficiente e o objetivo ser comum para todos esses segmentos.

Dayse Cesar Franco BernardiPsicloga Judiciria da Coordenadoria da Infncia e Juventude do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo; Especialista em Psicologia Jurdica; Mestre em Psicologia Social (PUC/SP); ex-presidente da AASPTJ/SP; Coordenadora do Curso de Especializao em Psicologia Jurdica do Instituto Sedes Sapientiae, colaboradora da Associao dos Pesquisadores de Ncleos de Estudos e Pesquisas sobre Crianas e Adolescentes NECA.

Quero parabenizar o Conselho Regional de Psicologia de So Paulo pela iniciativa em reunir psiclogos jurdicos para que sua prtica possa ser discutida e organizada, enquanto uma rea emergente de especialidade da Psicologia1. Tais profissionais trabalham entre outras frentes, no cotidiano das Varas da Infncia e Juventude e das Varas de Famlia do Tribunal de Justia no Estado de So Paulo, consolidando um conhecimento prprio sobre as interaes entre as demandas do Direito e da Psicologia, nas questes tratadas no mbito do Poder Judicirio. O Conselho Regional de Psicologia de So Paulo constituiu um grupo de trabalho com psiclogos jurdicos, cuja prtica profissional estava prioritariamente voltada para as questes das Varas de Famlia. Tal iniciativa buscou responder a uma crescente demanda de consultas dos profissionais sobre problemas advindos do relacionamento entre psiclogos, quando1 Resoluo CFP n. 014/2000, alterada pela Resoluo CFP n. 02/2001 reconhecimento da Psicologia Jurdica como uma especialidade da Psicologia.

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do exerccio das funes processuais de Perito e Assistente Tcnico, em aes judiciais, mais expressamente naquelas prprias ao Direito de Famlia. O GT analisou as questes do cotidiano profissional e como se d a atuao interdisciplinar nas questes tratadas no mbito da justia da famlia na capital e no interior, considerando as atribuies definidas pelo tribunal de Justia do Estado de So Paulo para o Psiclogo Judicirio2, a lei que regulamenta a profisso e as Resolues do CFP. Buscou discutir e analisar as dificuldades encontradas na prtica profissional e, quais seus impactos nos casos atendidos. Este exerccio permitiu ao grupo se deparar com a necessidade de uma recomendao que pudesse responder a crescente demanda de questes e de processos ticos, envolvendo psiclogos, quando no exerccio das funes de Perito e de Assistente Tcnico. A anlise das situaes, aliada aos debates e indicativos de eventos anteriores, nos permitiu elaborar parmetros que procuraram redefinir as bases da relao entre profissionais psiclogos envolvidos no atendimento de casos das Varas de Famlia. Elaborou-se um documento com diretrizes para a prtica do Perito e do Assistente Tcnico, buscando salientar os princpios ticos que regem as relaes entre psiclogos no exerccio de sua profisso. Tal documento foi encaminhado ao Tribunal de Justia de So Paulo que, o publicou na forma de comunicado3, no Dirio Oficial do Poder Judicirio Estadual. O Comunicado tem uma funo indicativa , recomendando aos profissionais da Psicologia cuidados especiais quando do exerccio das funes de Perito e Assistente Tcnico em processos judiciais no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. Ele procura responder a uma demanda local que, pode ou no antecipar a situao de outras localidades do pas. Do mesmo modo, o Tribunal de Justia do Rio de Janeiro publicou em maro de 2002 o Aviso n. 14 em que recomenda aos Assistentes Tcnicos de qualquer das partes, profissional de Servio Social e/ou Psicologia, como agir em relao aos procedimentos metodolgicos realizados pelo perito do Juzo. O Comunicado de So Paulo, parte do princpio de que cabe aos Psiclogos, no exerccio de suas funes, resguardar os pressupostos ticos de sua profisso a servio da garantia de direitos e da sade mental das pessoas atendidas em quaisquer circunstncias, principalmente naquelas em que se lida com perdas, sofrimento e significativas mudanas do mundo relacional. Nossa sociedade ocidental contempornea tem constitudo a famlia como um ncleo de proteo e cuidado dos filhos. As funes e responsabilidades parentais so definidas na

Constituio Brasileira e, estendidas em leis especficas que ampliam seu significado para alm do ncleo familiar. Assim, a famlia vem sendo redefinida e redesenhada a partir de profundas mudanas no mundo do trabalho, da educao e da propriedade. A leitura de processos judiciais de diferentes tempos pode documentar o quanto os valores sociais dominantes perpassam as prticas e as decises judiciais. Desse modo, uma breve retrospectiva de julgamentos relacionados s questes de famlia pode clarear o quanto o judicirio documenta os processos histricos de transformao da organizao familiar no Brasil. Da famlia patriarcal famlia conjugal moderna, os costumes e valores ligados ao exerccio da conjugalidade e da parentalidade, se expressam nos processos judiciais arquivados e andamento pelos Fruns do pas. A justia da famlia abarca as questes relacionadas diviso de bens e de responsabilidades com a prole no exerccio dos papis parentais, aps a dissoluo do casamento ou da unio estvel entre homens e mulheres4. Nessa demanda especfica, psiclogos tem sido chamados a colaborar para que as decises judiciais deem conta da complexidade das questes envoltas na disputa de interesses dos ex-cnjuges e na garantia do direito da convivncia familiar dos filhos, e por vezes, avs e pais. Muitos colegas Psiclogos que atuam no Tribunal de Justia diferenciam suas aes no judicirio de acordo com a matria jurdica dos processos em que atuam: Varas de Infncia e Juventude, Varas de Famlia, Varas Criminais, Juizados Especiais de Conciliao, Idoso e Mulheres. Faz-se necessrio salientar que, questes de conjugalidade e de parentalidade, esto presentes nos diferentes mbitos judicirios, e que independem da nomeao da natureza da matria jurdica ou do local em que se exerce a profisso. Cabe ao Psiclogo desenvolver as intervenes possveis para garantir clareza na anlise das relaes de cuidado e de scioeducao e, tambm, na promoo de medidas saneadoras das dificuldades encontradas. Contudo, tem sido nas Varas de Famlia que os psiclogos jurdicos participam predominantemente na condio de Peritos e Assistentes Tcnicos. Segundo RODRIGUES, COUTO E HUNGRIA (2005, pg. 22): O perito psiclogo no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo atua por determinao judicial, analisando os litgios que lhes so apresentados para o parecer tcnico, utilizando para tanto seu conhecimento tcnico ou cientfico. O modelo preponderante de ao em So Paulo tem sido a realizao de percias, compreendidas como estudo espe4 A legislao nacional no reconhece as relaes homoafetivas, embora na jurisprudncia j exista o reconhecimento de responsabilidades mtuas, por parte de companheiros (as), quanto as funes educativas da prole.CADERNOS TEMTICOS CRP SP Psiclogo Judicirio nas Questes de Famlia

2 Comunicado n. 345/2004 DRH, publicado no Dirio Oficial do Poder Judicirio em 26 de maio de 2004 define as atribuies do Psiclogo Judicirio. 3 Comunicado N. 1 de 2008 do Ncleo de Apoio profissional de Servio Social e Psicologia do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, publicado DJE de 16/12/2008, p.11.

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cializado das questes psicolgicas envolvidas na demanda jurdica. Segundo Theodoro Junior (2002, pg. 428): a percia, destarte, meio probatrio que, de certa forma, se aproxima da prova testemunhal e no direito antigo os peritos foram, mesmo, considerados como testemunhas, mas, na verdade, h uma profunda diferena entre esses instrumentos de convencimento judicial (grifos meus). O fim da prova testemunhal apenas reconstituir o fato, tal qual existiu no passado; a percia, ao contrrio, descreve o estado atual dos fatos; das testemunhas, no dizer de Lessona, invoca-se a memria dos peritos, a cincia. A funo pericial e do Assistente Tcnico so regulamentadas pelo Cdigo de Processo Civil5. O Perito assiste ao juiz quando a prova do fato depender de conhecimento tcnico ou cientfico6. Como profissional especializado na matria a ser julgada, o perito dever opinar empregando toda a sua diligncia no prazo legal, prestando informaes verdicas na qualidade de auxiliar de juzo. A percia funciona como uma prova pericial e consiste em exame, vistoria ou avaliao do fato que dependa de conhecimento tcnico especial. O resultado do estudo pericial apresentado em um laudo psicolgico que funciona no processo como uma prova tcnica. Ela, somada s demais provas7 dos autos, auxilia o magistrado na deciso do caso. Entretanto, a tcnica processual, disposta no Cdigo de Processo Civil, a mesma para qualquer matria, seja ela engenharia, antropologia, sociologia, medicina, servio social ou psicologia. Trata-se de uma estratgia de conhecimento para oferecer ao julgador elementos de convico. importante salientar que o juz da causa no est adstrito ao laudo pericial e pode utilizar-se dos vrios meios de prova para tomar sua deciso8. Contudo, quando a percia trata de questes subjetivas, ligadas aos conflitos familiares, comum dar ao estudo pericial um valor substancial. Neste sentido, pesquisa sobre a influncia do laudo pericial sobre a sentena judicial foi realizada em 52 processos judiciais das Varas de Famlia e Sucesses do Frum Joo Mendes Jnior da capital de So Paulo9. O estudo indicou que 94,23% dos laudos contribuiu para a deciso dos magistrados, que concordaram com as concluses periciais e, em 13,46% dos casos se utilizaram de trechos de laudos periciais elaborados por

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Lei n. 5869 de 1973 Artigo 420 do Cdigo de Process