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MENTES INTERLIGADAS Evidências científicas da telepatia, da clarividência e de outros fenômenos psíquicos Tradução William Lagos EDITORA ALEPH

PSICO- Mentes Interligadas- Evidencias Cientif Clarividencia, Telepatia e Outros Fenom Psiquicos (279 p)

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mentes interligadas, fala sobre dominio da mente, controle, psicologia.

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  • MENTES INTERLIGADAS Evidncias cientficas da telepatia, da clarividncia e de outros fenmenos

    psquicos

    Traduo William Lagos

    EDITORA ALEPH

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    PREFCIO Se voc no se sentir schwindlig [tonto] algumas vezes quando pensar a respeito destas coisas, ento sinal de que no as entendeu realmente [teoria quntica].

    Uma das descobertas mais surpreendentes da fsica moderna que os objetos no so to separados como poderiam parecer. Quando voc penetra no ncleo do material que lhe parea mais slido, a separao se dissolve. Tudo que permanece, como o sorriso do Gato de Cheshire, o personagem de Alice no pas das maravilhas, so relacionamentos que se estendem curiosamente atravs do espao e do tempo. Todas essas conexes foram previstas pela teoria quntica desde seu incio e apelidadas aes fantasmagricas a distncia por Albert Einstein. Um dos fundadores da teoria quntica, Erwin Schrdinger denominou-a entrelaamento, ou emaranhamento e disse: Eu no diria que este um, porm o trao mais caracterstico da mecnica quntica.

    A realidade mais profunda sugerida pela existncia do entrelaamento to diferente do mundo da experincia diria que, at recentemente, muitos fsicos acreditavam tratar-se de fenmenos interessantes somente por razes tericas abstratas. Eles j aceitavam que o mundo microscpico das partculas elementares poderia demonstrar-se entrelaado de uma forma bastante inusitada, mas se presumia que estes estados de entrelaamento fossem temporrios e no apresentassem conseqncias prticas para o mundo tal como o experimentamos. Muito rpido, este ponto de vista se est transformando.

    Hoje, os cientistas esto descobrindo que h vrias razes pelas quais os efeitos dos entrelaamentos microscpicos sobem a escala de magnitudes at alcanarem nosso mundo macroscpico. As conexes entrelaadas entre objetos de tamanho atmico, detectadas por experimentos preparados com cuidado, podem persistir ao longo de muitos quilmetros. H descries tericas mostrando como tarefas podem ser realizadas por grupos de entrelaamento, sem que os participantes do grupo comuniquem-se uns com os outros de qualquer maneira convencional. Alguns cientistas sugerem que o espantoso grau de coerncia apresentado pelos sistemas vivos poderia depender em algum aspecto fundamental de efeitos qunticos, como, por exemplo, o entrelaamento. Outros sugerem que a percepo consciente causada ou relacionada, de alguma forma importante, com as partculas entrelaadas no interior do crebro. Alguns chegam at mesmo a propor que todo o Universo seja um nico objeto

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    totalmente entrelaado consigo mesmo.

    Se essas especulaes forem corretas, como seria a experincia humana dentro de um Universo assim interligado? Sentiramos, de vez em quando, experincias msticas concretas de ligao emocional com pessoas amadas, mesmo a distncia? Essas experincias evocariam uma sensao de assombro diante da percepo de que, na realidade, existe muito mais do que nosso raciocnio e o senso comum implicam? Poderiam mentes entrelaadas estarem envolvidas quando se escuta tocar o telefone e de algum modo j se sabe instantaneamente quem est chamando? Se, de fato, passamos por tais experincias, essas poderiam ser devidas a informaes reais que, de algum modo, passam desapercebidas por nossos costumeiros canais sensoriais ou esses relatrios inexplicados so melhor entendidos como meras coincidncias e iluses?

    So esses os tipos de perguntas que sero explorados no decorrer deste livro. Em suas pginas, iremos descobrir que existem evidncias experimentais substanciais da existncia de alguns tipos de genunos fenmenos psquicos. E ficaremos sabendo porque a cincia, at pouco tempo atrs, ignorou boa parte desses interessantes efeitos. Durante sculos, os cientistas presumiram que tudo poderia ser explicado por mecanismos anlogos aos mecanismos do relgio. Porm, no decorrer do sculo xx, para surpresa de todos, descobrimos que essa pressuposio cientfica corrente, embora aparentemente apoiada pelo senso comum, est incorreta. Quando o tecido da realidade examinado bem de perto, no se encontra nada que, mesmo de longe, se assemelhe aos mecanismos de um relgio. Ao contrrio, a realidade tecida de estranhos filamentos holsticos que no se acham localizados em qualquer ponto determinado nem do espao e nem do tempo. D um puxo, mesmo bem de leve, em uma ponta frouxa deste estofo da realidade e o pano inteiro flutua, instantaneamente, atravs do espao e do tempo.

    A cincia ainda se encontra nos estgios mais iniciais da compreenso do entrelaamento e existe muito para se aprender. No entanto, o que vimos at hoje nos confere uma nova maneira de pensar a respeito dos fenmenos psquicos. As experincias psquicas no so mais consideradas como o resultado de talentos humanos raros, dotes divinos ou poderes que, como num passe de mgica, transcendem os limites fsicos. Em vez disso, os fenmenos psquicos demonstram ser conseqncia inevitvel da existncia de uma realidade fsica interconectada e entrelaada. O psquico reemoldurado do arcabouo de uma anomalia bizarra que no se encaixa no mundo normal motivo pelo qual rotulado paranormal , para o contexto de um fenmeno natural a ser estudado pela fsica.

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    A idia do Universo como um todo interconectado no recente; durante milnios foi uma das suposies centrais ou subjacentes s filosofias orientais. O que sim novo a esse respeito o fato de que a cincia ocidental est passo a passo comeando a perceber que alguns dos elementos daquele conhecimento antigo poderiam estar corretos. Porm, a adoo de uma nova ontologia no algo que se possa fazer com facilidade. Quando tratamos de tpicos srios, como, por exemplo, de nossa viso da realidade, sensato adotar a mxima conservadora: no se meta a consertar o que no est quebrado. Mesmo assim, nos sentimos na obrigao de examinar com muito cuidado as evidncias a fim de verificar se o psquico real ou no. Se a concluso for positiva, as suposies anteriores sobre o relacionamento entre a mente e a matria esto incorretas e precisaremos escolher algumas alternativas.

    Enquanto explorarmos o conceito do psquico como mentes entrelaadas, iremos considerar exemplos de experincias psquicas na vida real e em ambientes de laboratrio; faremos um levantamento das origens das pesquisas psquicas, dos resultados de milhares de testes laboratoriais controlados e demoliremos alguns mitos criados pelo ceticismo. A seguir, iremos explorar o tecido da realidade tal como nos revelado pela fsica moderna, e veremos por que ele est se tornando cada dia mais relevante para a compreenso do como e do porqu existe o psquico. No final, descobriremos que o poeta ingls do sculo XIX, Francis Thompson, pode ter sido quem o descreveu da melhor maneira possvel:

    Todas as coisas, pelo imortal poder, tanto perto como longe, ocultamente, esto umas s outras to ligadas, que no se pode uma s flor mover, sem que as estrelas sejam perturbadas.

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    CAPTULO 1

    No princpio

    A realidade no mais o que costumava ser.

    Os historiadores discordam sobre a data precisa em que a realidade se transformou. Alguns dizem que foi em 1905; outros apontam para eventos-chave transcorridos em 1964 e em 1982. Penso nessa mudana como o lento deslizar de uma geleira que se moveu ao longo da maior parte do sculo xx.

    Essa nova realidade ainda no est totalmente compreendida. Mas aquilo que j atingimos sugere uma espantosa metamorfose do antigo, algo to inesperado que, por muitas dcadas, quase ningum lhe deu ateno: os poucos que a perceberam ficaram, no comeo, emudecidos diante de suas conseqncias. No momento em que foram capazes de se expressar, murmuraram adjetivos como chocante, bizarro, avassalador e fantasmagrico. Essas pessoas no so publicitrios enfeitando produtos comerciais de que no precisamos, mas sim fsicos e filsofos de vidas morigeradas que ainda esto lutando para entender o que significa a nova realidade.

    A nova realidade se refere compreenso moderna do meio interconectado dentro do qual vivemos; o tecido da realidade como revelado pela fsica moderna. O objetivo deste livro explorar uma das conseqncias desta nova realidade sobre o reino familiar da experincia humana. Veremos o que ocorre quando a experincia encarada a partir da perspectiva da teoria quntica e, ao faz-lo, teremos uma surpresa: determinados fenmenos j considerado: como impossveis podero, de fato, existir.

    Estou falando dos fenmenos psquicos como, por exemplo, telepatia, clarividncia. E psicocinese.

    Algumas pessoas podero objetar que a ligao entre a elegncia da teoria quntica e a fantasmagoria dos fenmenos psquicos ilegtima; que um

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    erro alegar que uma conexo existe, apenas porque estes dois domnios esto permeados de efeitos inexplicveis. Essa objeo, sem dvida, compreensvel. A teoria quntica uma descrio matematicamente precisa e muito bem testada do mundo observvel. Os fenmenos psquicos so escorregadios, eventos subjetivos com um passado maculado por falsificaes. No entanto, como agora se observa, o tecido da realidade sugerido pela teoria quntica e as observaes associadas com os fenmenos psquicos demonstram espantosas semelhanas, que so assombrosamente estranhas e precisamente afinadas para sugerir um relacionamento significativo. Esta a conexo que pretendemos explorar aqui: a conexo psquica.

    A palavra psi foi criada como um termo neutro para designar fenmenos psquicos em 1942, pelo psiclogo britnico Robert Thouless. Refere-se 23a letra do alfabeto grego e se pronuncia, em ingls, como sigh [sai, correspondente a suspiro: o som, em portugus mesmo psi]. Psi tambm a primeira letra da palavra grega psych, com o significado de mente ou alma. Thouless escolheu o termo como forma de se referir a experincias psquicas, sem implicar origens ou mecanismos. As experincias psquicas comuns incluem conexes de mente para mente (telepatia), percepo de objetos ou eventos a distncia (clarividncia), percepo da ocorrncia de eventos futuros (precognio) e interaes entre a mente e a matria (psicocinese). A psi tambm pode estar envolvida em palpites intuitivos, em sensao viscerais de agrado ou desagrado sem motivo aparente, em cura a distncia, no poder da inteno e na impresso de que algum est nos olhando.

    H palavras para experincias psquicas em todas as lnguas, do rabe ao zulu, do tcheco ao galico da Ilha de Man [entre a Inglaterra e a Irlanda].1 A universalidade destas palavras reflete o fato de que esses fenmenos pertencem s experincias humanas bsicas. Com certeza, experincias psquicas foram relatadas por pessoas em todas as culturas e ao longo de toda a histria, e pertencem a todas as faixas etrias e nveis educacionais.

    CINCIA PROIBIDA O pblico, em geral, sempre esteve interessado em fenmenos psquicos. Todavia, dentro da ortodoxia cientfica, esses fenmenos sempre foram considerados ou uma genuna batata quente ou um brinquedo de pessoas que possuam batatas na cabea, em vez de crebro. Muitos cientistas acreditam que os fenmenos psquicos so reais; porm, demasiado desconfortveis para serem tocados, do mesmo modo que uma batata quente; outros, no entanto, acreditam que os fenmenos chamados psi so uma novidade infantil, indigna de uma ateno mais acurada.

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    A maioria dos que acreditam que os fenmenos psquicos sejam reais forada a confrontar o problema dos conhecimentos proibidos, tpicos semelhantes a tabus que restringem a realizao de experincias, a alocao de recursos e a publicao de determinadas idias nas revistas cientficas. Um artigo referente a este assunto, publicado na revista Science em 2005, descreveu os resultados de um levantamento sobre os conhecimentos proibidos entre cientistas de grande prestgio que trabalham em departamentos universitrios dos Estados Unidos. Nesse levantamento, descobriu-se que a maioria sentia que restries informais limitavam o que podiam estudar. Essas restries incluam preocupaes sobre o que acreditavam que a mdia jornalstica, editores de revistas especializadas, ativistas ou colegas poderiam pensar sobre seus interesses. Devido a essas presses sociais e polticas, os cientistas se esquivam de temas controversos, como um deles que respondeu ao levantamento declarou: Tanto quanto me for possvel, gostaria de afastar da minha vida qualquer acusao de ser luntico2

    Esta ainda a situao para a realizao de pesquisas em tpicos; imagine-se a situao para a pesquisa na rea dos fenmenos psquicos. As fontes tradicionais de financiamento sequer consideram tocar em batatas quentes e, como resultado, h menos de 50 cientistas convencionalmente treinados em nvel de doutorado, em todo o mundo, que estejam engajados em pesquisas psquicas. Uma caracterstica comum entre os participantes desse grupo que no so intimidados pela ortodoxia. Eu sou um desses poucos iconoclastas de carteirinha, e quase sempre me perguntam por que me interessei pelas pesquisas psquicas e, mais ainda, por que persisto em uma misso aparentemente to quixotesca. Para responder a essas perguntas, farei um breve resumo de minha formao.

    UMA PERSPECTIVA PESSOAL

    Pelo que consigo recordar, me senti consumido pela questo da existncia pessoal por muito tempo. Ainda na escola primria, quando o recreio do perodo da manh comeava, as crianas saam aos empurres para o ptio para se pisotearem alegremente. Eu ficava para trs, com o intuito de cobrir minha pobre professora, senhorita Platt, de perguntas existenciais. As professoras primrias no ganham nem de longe o suficiente para se darem ao trabalho de fazer as vontades de garotos chatos e perturbados por incertezas filosficas, em especial na hora em que poderiam descansar um pouco.

    Eu me sentia fascinado por perguntas, como: Por que estamos aqui? Isto tudo que podemos fazer? A vida tem algum propsito real ou toda essa nfase em aritmtica e ortografia apenas uma distrao para desviar a

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    ateno de questes mais importantes, como, por exemplo, a futilidade da existncia? Um dia, alguns garotos estavam cuspindo bolinhas de papel mastigado uns nos outros e fazendo uma enorme algazarra na sala de aula. Enquanto olhava a confuso crescente, me lembro de pensar: Mas o que h de errado com esses garotos? Eles se portam como crianas pequenas!... No instante em que este pensamento passou por minha mente, fui atingido por um momento peculiar de esclarecimento mental. Esses pensamentos no poderiam ser meus! Eram os pensamentos exasperados de uma pessoa adulta, encarregada de supervisionar uma tropa de primatas pr-adolescentes e malcomportados. Entretanto, eu estava no meio deles, tambm era um dos macacos arteiros; portanto, o que esse tipo de pensamento fazia dentro de minha cabea? Foi como um raio. De repente, percebi que eu e meus pensamentos no ramos necessariamente a mesma coisa. Em retrospectiva, talvez tivesse apenas simpatia por minha pobre professora, cujo rosto estava congelado naquela mesma expresso de angstia permanente, que se tornou famosa pelo Grito, quadro do pintor Edvard Munch. Foi este episdio que acendeu em minha mente incidentes similares de aguda percepo de mim mesmo e me levou a ponderar questes como: Quem o eu que est vigiando meus pensamentos? E, depois: Quem que est fazendo essa pergunta?

    A curiosidade no era causada por qualquer angstia existencial. Tive uma infncia feliz e fui criado por uma famlia de artistas e alegremente agnstica. Meus interesses eram inerentes: um amigo, uma vez, brincou comigo dizendo que eu deveria ter nascido com um par extra de cromossomos do porqu. No importa qual fosse a causa, meu interesse pela mente humana foi catalisado pela primeira profisso a que me dediquei. Aos cinco anos, comecei a estudar violino e, antes de me dar conta, tinha passado 20 anos tocando em orquestras e quartetos de cordas e at mesmo realizando pequenos trabalhos como solista principiante de msica clssica.

    Durante esses anos formativos, tanto meus pais como meu professor de violino costumavam me incentivar, utilizando uma determinada expresso. Depois que terminava de executar uma pea difcil, diziam: Estava bom, mas voc no est desenvolvendo todo o seu potencial. Este mantra, com certeza, servia como um poderoso estmulo para me exercitar ainda mais. Mas seu efeito real foi me levar a imaginar, com intensidade crescente ao longo dos anos: Qual o meu potencial? Como saberei quando o tiver desenvolvido? Quais so os limites extremos da mente humana?

    Meu envolvimento com tais perguntas me afastou da carreira musical. Sentia-me atrado pela questo das capacidades e potenciais dos seres

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    humanos. Hoje, depois de passar a maior parte de minha carreira investigando esta questo, ainda no sei onde termina o potencial humano. Quanto mais observo, mais descubro o quanto existe ainda por aprender. Passei a concordar com Willis Harman, presidente do Instituto de Cincias Noticas, de 1977 a 1997, que escreveu de maneira intensa sobre esses assuntos. Harman, de forma sucinta, sumarizou a situao, dizendo: Talvez os nicos limites da mente humana sejam aqueles em que acreditamos.

    Entre os muitos tpicos interessantes associados ao potencial humano, houve um que logo me chamou a ateno as experincias psquicas. Comecei a me interessar pelo psquico aos dez anos de idade, depois que descobri aquela maravilhosa prateleira da biblioteca pblica que guardava os contos de fadas, a mitologia, as parbolas e a fico cientfica. Nesses reinos ficcionais, achava-se natural que a mente tivesse poderes e capacidades excepcionais e tudo isso parecia perfeitamente razovel para minha jovem intuio. Foi mais ou menos nessa poca que tambm descobri ter afinidade pelas cincias e pela matemtica. Mas j estava bem claro que a cincia e os contos de fadas compartilhavam de uma nica caracterstica comum a imaginao criativa. Alm desse ponto, no conseguia perceber como as duas reas poderiam, talvez, apresentar qualquer conexo.

    Mesmo assim, fiquei impressionado com a maneira como os poderes psquicos dentro do conhecimento da yoga, os siddhis, eram descritos, em uma linguagem to natural, nos antigos textos, como o Yoga Sutras de Patanjali. Essas habilidades no eram descritas como poderes sobrenaturais, como apareciam nos contos de fadas, mas sim como conseqncias pragmticas e corriqueiras da prtica de meditao e as afirmaes excediam de longe os limites da cincia, mas os autores desses livros pareciam pessoas cuidadosas e inteligentes e davam a impresso de serem bastante habilidosos na investigao do espao interno, ao mesmo tempo que os cientistas ocidentais haviam desenvolvido suas tcnicas para a investigao do espao externo. Mas claro, pensava, essas alegaes so apenas histrias infantis, fantasias imaginativas de povos pr-cientficos. Achei o fato mais natural do mundo adotar uma posio ctica com relao a elas, uma vez que meus interesses no eram motivados por freqentes experincias psquicas, mas, ao contrrio, por uma forte curiosidade e uma disposio natural para a empatia.

    Um dia, depois de ter torrado a pacincia de uma bibliotecria repleta de boa vontade, fazendo perguntas alm da conta, ela me mencionou livros que descreviam a investigao cientfica de fenmenos psquicos. Fiquei

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    viciado. Descobri que, no final das contas, havia uma ligao entre as habilidades psquicas e a cincia habilidades que podiam ser testadas em laboratrio.

    Logo percebi que para cada dois livros que lia, nos quais evidncias cientficas para psi eram apresentadas, descobriria um terceiro livro que as refutava. Lia um livro ctico e sentia o cinismo crescendo dentro de mim, na forma de condescendncia pelas veleidades da estupidez humana; e depois, lia um livro escrito por um cientista, que havia de fato conduzido experincias controladas e me sentia excitado sobre as perspectivas da explorao da mente humana. Ambos os lados da controvrsia pareciam igualmente sensatos; ambos argumentavam seus pontos de vista de maneira convincente. Mas, depois de ler todos esses livros, aprendi que o debate seguia um padro previsvel. Um lado apresentava evidncias experimentais de que alguma coisa interessante se passava; o outro argumentava que as evidncias no eram suficientemente boas para serem levadas a srio. Alguns cticos empurravam a dvida sistemtica ao extremo e insistiam em que as evidncias positivas eram sempre o resultado de erros ou de fraudes intencionais.

    Conforme meu entendimento, dentro dessa dialtica, um lado estava lutando para entender as profundidades do espao interno auscultando a Natureza com questes argutas; o outro estava tentando manter o status quo por meio de uma negao apaixonada e, s vezes, feroz. Os partidrios do primeiro estavam dispostos a correr riscos para avanar no conhecimento humano, enquanto os defensores do outro eram negadores sistmicos, interessados em defender o dogma. Achava os exploradores muito mais interessantes que os cticos e sentia-me impressionado pelo fato de que algumas das maiores mentes dos tempos modernos, pessoas como Wolfgang Pauli, laureado Nobel, e o psicanalista Carl Jung demonstravam interesse pelos fenmenos psquicos.3

    Cerca de 15 anos mais tarde, depois de ter iniciado meu exame da literatura sobre as pesquisas cientficas, j havia conquistado meu mestrado como engenheiro eltrico e um doutorado em psicologia pela Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign. Alm do psquico, estava interessado em ciberntica e em inteligncia artificial. Meu orientador para a dissertao em engenharia eltrica foi Heinz von Foerster, um dos pioneiros e fundadores da ciberntica. Uma das contribuies duradouras de von Foerster foi esclarecer o papel da auto-referncia em domnios complexos, inclusive certas condies causadoras de perplexidade, tais como quando o observador observa a si mesmo. A ciberntica deu origem a tpicos conhecidos hoje como sistemas auto-organizadores e a teoria do caos e

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    mantenho meu interesse nessas disciplinas, porque acredito que a auto-referncia e o psquico esto profundamente relacionados.4 Meu trabalho de graduao envolveu a projeo de modelos computadorizados da cognio e da aplicao da inteligncia artificial e quem me orientou foi Andrew Ortony, conhecido por suas pesquisas sobre cognio e emoo. Um dos membros da minha banca de doutorado foi John Bardeen, um dos quatro cientistas que recebeu dois prmios Nobel.

    No decorrer de meus anos na universidade, desenvolvi experincias psquicas simples, mas depois de ingressar no quadro de funcionrios da AT&T Laboratrios Bells5 comecei a freqentar a conferncia anual da Associao Parapsicolgica, que a uma organizao profissional internacional formada por cientistas e eruditos interessados em fenmenos psquicos e est afiliada American Association for the Advancement of Science AAAS [Associao Americana para o Progresso das Cincias] desde 1969.6 Mais tarde, trabalhei para o SRI International (conhecido como Instituto de Pesquisas de Stanford), em um programa classificado, isto , de acesso restrito, que investigava fenmenos psquicos para o governo dos Estados Unidos7. Depois, ocupei posies na Universidade de Princeton, na Universidade de Edimburgo e na Universidade de Nevada, alm de trabalhar em dois laboratrios de pesquisas no Vale do Silcio. Em 2001, fui convidado para participar do quadro de funcionrios do Instituto de Cincias Noticas.

    Em meu trabalho, passo a maior parte do tempo analisando dados, escrevendo artigos e preparando ou dirigindo experincias no laboratrio. Algumas vezes, podem me encontrar simplesmente olhando para fora, atravs das vidraas, tentando entender o sentido dos efeitos intrigantes que observamos em nossas experincias ou meditando sobre um problema difcil, enquanto toco msica country do tipo bluegrass em meu banjo de cinco cordas. Durante um desses vos, descobri que estava ponderando sobre uma inquietao que fervilhava nas cincias.

    PRESSUPOSIES ABALADAS Descobertas inesperadas em muitas disciplinas esto abalando as suposies anteriormente defendidas por elas. Um fator comum entre elas que as observaes previamente consideradas como anomalias sem sentido vm sendo reconsideradas. Nesse processo, novas revelaes em torno da natureza da realidade esto vindo superfcie.

    Os cosmlogos descobriram que podemos ter acidentalmente negligenciado o estudo de 96% sobre o Universo. Esta maioria do contedo universal foi apelidada energia e matria escuras. No

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    sabemos quase nada a seu respeito, mas est gerando conceitos totalmente novos a respeito da estrutura e da evoluo do Universo.8 Na medida em que as teorias cosmolgicas esto sendo reconsideradas, novas luzes vm sendo focalizadas sobre anomalias astronmicas observadas pela primeira vez h dcadas.9

    Os bilogos moleculares, que at h pouco tempo consideravam grandes sees do genoma como DNA-lixo, porque ningum sabia qual era a sua utilidade, comearam a ficar espantadssimos ao descobrirem fortes caractersticas comuns entre os pares cromossmicos de DNA humano e os de galinhas, ces e peixes. Segundo parece, alguns aspectos do DNA vm sendo ultraconservados h centenas de milhes de anos e todas as pressuposies anteriores sobre o que era importante no DNA estavam equivocadas.10

    Durante um sculo, os neurocientistas acreditaram que os neurnios do crebro no se regeneram e que a partir do momento em que ocorreu um dano cerebral ou enquanto os neurnios vo morrendo durante o processo de envelhecimento, as funes mentais normais se deterioram. Agora aprendemos que este dogma estava incorreto os neurnios, de fato, se regeneram. A plasticidade do crebro muito maior do que era estimado11, lanando uma nova luz sobre observaes anteriores que haviam sido ignoradas porque no pareciam fazer sentido. Em um estudo de caso, relatado em 1980 pela revista Science, durante um exame de rotina para diagnosticar uma pequena condio mdica, descobriu-se que um estudante da Universidade de Sheffield, na Gr-Bretanha, virtualmente no tinha crebro12, mas isso no o impediu de manifestar um quociente de inteligncia de 126 e de se graduar com louvores em matemtica.

    Uma reviso cientfica, subsidiada pelo governo dos Estados Unidos, fez ressurgir o interesse sobre a fuso a frio, depois de um hiato de 15 anos, durante o qual fora deixada em total esquecimento pela comunidade cientfica.13 Replicaes sucessivas de fenmenos causados pela fuso a frio em laboratrios em todo o mundo continuam a sugerir que efeitos inesperados acontecem. A compreenso do que est acontecendo poder requerer a criao de uma nova disciplina cientfica que inclua elementos de fsica nuclear e eletroqumica.

    Os cosmlogos, que trabalham com modelos matemticos de

    buracos negros se surpreenderam ao descobrir que todo o Universo pode ser descrito como um tipo de holograma, ou seja, com padres de interferncia no espao e no tempo. Como escreveu o fsico Raphael Bousso, da Universidade de Stanford, na revista Scientific American, a coisa mais espantosa a respeito disso que o princpio

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    hologrfico funciona para todas as reas, em todos os contnuos de espao-tempo. Encontramos este espantoso padro ali e descobrimos que muito mais geral do que o quadro de buracos negros, a partir do qual havamos comeado. E no fazemos a menor idia de como funciona.14

    ENTRELAAMENTO Talvez a descoberta mais significativa de todas seja o entrelaamento, uma previso da teoria quntica em que Einstein no conseguia crer inteiramente e que denominou ao fantasmagrica a distncia. Erwin Schrdinger, um dos fundadores da teoria quntica, utilizou a palavra entrelaamento como referncia s conexes entre partculas separadas, mas que persistiam apesar da distncia. Essas conexes so instantneas e operam por fora do fluxo usual do tempo15 e implicam, em nveis muito profundos, separaes que vemos entre os objetos isolados que so, em certo sentido, iluses criadas pelos limites de nossas percepes. O resultado final que a realidade fsica se encontra interconectada de maneiras que apenas comeamos a entender.

    O entrelaamento foi previsto tomando por base a fundamentao matemtica da teoria quntica. No princpio, se pensava que fosse to frgil que, segundo a estimativa de um fsico proeminente, qualquer coisa, mesmo a passagem de um raio csmico na sala ao lado, perturbaria as correlaes qunticas o suficiente para destruir-lhes os efeitos.16 Hoje sabemos que o entrelaamento no somente um conceito terico abstrato, nem um soluo quntico, que aparece durante instantes infinitesimais dentro do reino dos tomos. Foi inmeras vezes demonstrado como factual por meio de experincias realizadas em laboratrios de fsica em todo o mundo, a partir de 1972. A medida que as pesquisas sobre essa surpreendente caracterstica da Natureza se aceleram, as conexes entrelaadas demonstram-se mais pervasivas e robustas do que qualquer pessoa tenha imaginado.17 Uma reviso do desenvolvimento da pesquisa sobre entrelaamentos, realizada em maro de 2004 pelo escritor Michael Brooks e publicada pela revista especializada New Scientist, concluiu que os fsicos agora acreditam que o entrelaamento entre partculas exista por toda a parte, durante todo o tempo e, alm disso, encontraram recentemente evidncias chocantes de que afeta o mundo mais amplo e macroscpico que habitamos.18

    UM CENRIO FANTSTICO Acredito que do entrelaamento surgir um cenrio que possibilite, em ltima anlise, conduzir a uma compreenso bastante melhorada do

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    psquico. O cenrio comea com a exploso do emprego de sistemas de informaes digitalizadas em cada setor da vida moderna. A necessidade de manter seguras essas informaes originou uma presso macia sobre as indstrias da comunicao e da computao e gerou a necessidade de computadores capazes de processar informaes milhares de vezes mais rpido que os supercomputadores mais velozes de que dispomos nos dias atuais. Uma possvel soluo a computao quntica. Foi estimado que um nico computador quntico poderia, pelo menos em teoria, realizar mais operaes do que estariam ao alcance de um computador digital clssico que tivesse o tamanho do Universo inteiro.19 Esses pronunciamentos eletrizantes atraram um substancial apoio financeiro e, como resultado, a pesquisa sobre comunicaes e processamento de informaes em nvel quntico encontra-se em rpido avano.

    Artigos relatando novos desenvolvimentos na teoria e aplicaes do entrelaamento aparecem agora regularmente nas revistas cientficas especializadas. No incio, as demonstraes do entrelaamento se embasavam em mensuraes muito sensveis dentro de condies exticas, como frio extremo ou perodos de tempo muito curtos, mas hoje os pesquisadores esto relatando formas de entrelaamento cada vez mais complexas e que duram por perodos muito mais longos e dentro de temperaturas bem mais elevadas. Para usos prticos, como computadores qunticos, provvel que propostas como purificao de entrelaamentos ou repetidores de coerncia que indicam maneiras particulares de estender os estados qunticos especiais requeridos para a sustentao do entrelaamento, sero refinadas ainda mais, visando permitir que objetos cada vez maiores permaneam entrelaados a temperaturas ambientes e por extenses indefinidas de tempo.20

    Os fsicos se demonstraram capazes de entrelaar conjuntos de trilhes de tomos em forma gasosa e o entrelaamento tambm j foi identificado em condies naturais entre os tomos de amplas quantidades de sal (um centmetro quadrado).21 Ftons entrelaados, projetados atravs de chapas metlicas, permaneceram entrelaados depois de perfurar o obstculo e surgirem do lado oposto.22 Os ftons tambm permanecem entrelaados depois de serem transmitidos por 50 quilmetros de fibras ticas ou mesmo quando so projetados por meio da atmosfera, em estado de total liberdade. Conjuntos de quatro ftons entrelaados, como se comprovou, tornaram de forma significativa a computao quntica mais fcil de realizar do que antes se calculava.23 E molculas orgnicas, como a da tetrafenilporfirina (C44H30N4), foram submetidas a entrelaamento com amplo sucesso.24

    Apesar do fato de que dificuldades prticas devem ser superadas antes que

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    o entrelaamento possa ser demonstrado nos vrus, protenas e sistemas vivos, no existe mais limite terico para o tamanho que um objeto entrelaado pode atingir. claro que os fsicos se apressam a observar que, quando objetos em escala atmica cuidadosamente preparados interagem com o ambiente, digamos, colidindo com as molculas do ar ou atravessando campos eletromagnticos, estes tambm se entrelaam com tais objetos. De pronto, essas interpretaes tendem a embaar o estado especial de coerncia quntica dentro do qual formas mais simples de entrelaamento podem ser observadas com maior facilidade. Esta perda de coerncia, apropriadamente denominada decoerncia a razo (entre outras) de percebermos os objetos presentes em nosso cotidiano como entidades separadas e no ligadas umas s outras de maneira confusa. No entanto, a decoerncia no faz com que os efeitos qunticos desapaream como num passe de mgica. Ainda assim, todos ns estamos totalmente permeados por partculas entrelaadas. A questo apresentada aqui se estes estados de profundo entrelaamento so relacionados de maneira significativa com as experincias humanas da vida diria e, caso isso seja verdadeiro, se esto da mesma forma relacionados com os fenmenos psquicos. Proponho que as soluo para essas alternativas sejam sim e sim, como veremos nas pginas a seguir.

    Uma razo que alguns cientistas agora acreditam que o entrelaamento biolgico as conexes qunticas dentro e entre sistemas vivos , ser til para explicar as propriedades holsticas da prpria vida. Numerosos cientistas, incluindo o fsico Brian Josephson, laureado com um prmio Nobel, tambm propuseram que os sistemas biolgicos podem encontrar maneiras de utilizar o entrelaamento em formas exclusivas.25 Em 2005, Johann Summhammer, fsico da Universidade de Tecnologia de Viena, ustria, props que, uma vez que entrelaamento encontrvel em qualquer parte da Natureza, concebvel que a evoluo tenha aproveitado esses fenmenos para vantagem prpria. Em particular, props que:

    O entrelaamento conduziria consecuo de vantagens darwinianas e poderia coordenar reaes bioqumicas em diferentes partes da mesma clula ou de um rgo. Poderia tambm correlacionar o acionamento de neurnios distantes entre si. E [...] coordenar o comportamento dos membros de uma espcie, uma vez que independente da distncia e no requer nenhum liame fsico. Tambm concebvel que o entrelaamento correlacione processos entre membros de diferentes espcies e at mesmo entre sistemas vivos e o mundo inanimado.26

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    Alguns fsicos chegaram a especular que o entrelaamento se estenderia todas as coisas que formam o Universo porque, pelo que sabemos, toda a energia e toda a matria emergiram de um nico Big Bang primordial. Desse modo, tudo o que existe j saiu da exploso em estado de entrelaamento. Alguns especulam ainda mais alm, ou seja, que o espao vazio, o prprio vcuo quntico, pode estar repleto de partculas entrelaadas.27 Essas propostas sugerem que, a despeito das aparncias do nosso cotidiano, podemos estar vivendo dentro de uma realidade holstica e profundamente interconectada.28 Para deixarmos as coisas bem claras, essas especulaes esto sendo propostas em artigos e livros de fsicos tradicionais e no por msticos de olhos brilhantes e arregalados, envolvidos com as filosofias da Nova Era.

    O FUTURO

    Em um futuro prximo, quando o conceito de entrelaamento estiver melhor compreendido, Espero que algum tenha uma idia brilhante e indague: O que sucederia, caso dois seres humanos se entrelaassem? Talvez demonstrassem comportamentos correlacionados tambm a distncia, do mesmo modo que o faz a matria entrelaada. Estudos de caso de gmeos idnticos sero utilizados para justificar essa especulao. Por exemplo, considere o caso verdadeiro em que meninos gmeos, porm criados isolados, fossem independentemente chamados de Jim por seus pais adotivos. Cada Jim casaria com uma mulher chamada Betty. Se divorciaria e, depois, se casaria com uma mulher chamada Linda. Ambos os Jims se tornariam bombeiros e cada um resolveria construir um banco circular, pintado de branco, ao redor de uma das rvores de seu quintal.29

    Ser que tantas coincidncias poderiam surgir de genes comuns que ainda programassem as tendncias para se casarem com mulheres chamadas Betty e, depois, com mulheres chamadas Linda e ainda levassem os dois a se tornarem bombeiros? Ou seria este caso um reflexo de que os dois Jims estavam de algum modo entrelaados?

    Intrigada por tais histrias e por outras demonstraes de entrelaamento biolgico (ou bioentrelaamento), alguma cientista empreendedora se decidiria a realizar uma experincia. Ela isolaria os dois gmeos idnticos em cmaras escuras, prova de som e isoladas por escudos eletromagnticos. Ela pediria aos dois que conservassem a imagem um do outro em seu consciente, ao mesmo tempo em que ela, de forma aleatria, acendesse e apagasse uma luz sobre um deles. previsvel que cada uma dessas centelhas luminosas geraria uma resposta neural no crebro desse gmeo. Depois de confirmar a presena dessas respostas automticas, ela examinaria a atividade mental do outro gmeo, que no fora assim

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    estimulado, para ver se ocorriam respostas correspondentes ao mesmo tempo. Essa experincia por eletroencefalografia, ou correlao EEG, demonstraria com sucesso uma correlao positiva entre os dois crebros e seria saudada como um avano cientfico de propores assombrosas.

    Mas, algum diria calmamente: Eu s imagino como que eu me sentiria quando meu crebro estivesse entrelaado com o crebro de outra pessoa. Seria assim que a panplia dos fenmenos psquicos seria redescoberta pela ensima vez, mas desta e pela primeira vez, seria acompanhada por uma fundamentao terica slida.

    Por quanto tempo teremos de esperar antes que este cenrio fantasioso seja montado? Por tempo algum. Os experimentos dos crebros entrelaados j foram realizados mais de uma dzia de vezes durante os ltimos 40 anos e por grupos independentes.30 E todos funcionam. Uma das pioneiras dessas experincias foi publicada em 1965 na revista Science. Esse estudo relatava que os eletroencefalogramas (EEGS) de alguns pares separados de gmeos idnticos (dois pares em um conjunto de 15 pares testados) demonstravam correspondncias inesperadas. Quando era pedido a um gmeo ou gmea que fechasse os olhos, o que faz com que os ritmos alpha do crebro aumentem, os ritmos alpha do gmeo correspondente, distante daquele, tambm aumentaram, segundo os registros.31 O mesmo efeito no foi observado em pares de pessoas no relacionadas dessa forma.

    Hoje, relatos de resultados positivos sobre essas experincias de correlao continuam. Um avano notvel foi publicado em 2003 por Leanna Standish e suas colegas da Universidade Bastyr. Durante essa experincia no mais se usou, o EEG, mas sim a nova tecnologia de varredura cerebral conhecida como imagem por ressonncia magntica funcional (fMRI) Standish descobriu em um dos pares de participantes selecionados que o crtex visual do crebro da pessoa receptora se tornava ativado quando seu par distante era exposto a lampejos de luz intermitente. Esse resultado no apenas foi consistente com os j relatados pelos estudos que haviam utilizado a correlao EEG como localizou, de maneira precisa, em que parte do crebro esses efeitos ocorrem. Em 2004, o psicofisiologista Jifi Wackermann publicou uma reviso geral dos estudos realizados segundo essa classe de experincias em Mind and Mattter, uma nova revista erudita voltada a pesquisas interdisciplinares sobre os problemas da interao entre a mente humana e a matria. Wackermann concluiu que parece haver efeitos reais e reproduzveis e encorajador que, com a utilizao de projetos experimentais cada vez mais sofisticados, esses efeitos continuem a ser observados e repetidos por investigadores independentes.32

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    MENTES INTERLIGADAS

    Este livro sugere que encaremos com seriedade a possibilidade de que nossas mentes se achem fisicamente interligadas com o Universo e que a teoria quntica seja relevante para a compreenso dos fenmenos psquicos. Dito isso, devemos evitar um salto para concluses prematuras. No estou alegando que magicamente o entrelaamento quntico explique todas as coisas fantasmagricas. Em vez disso, proponho que o tecido da realidade composto por fibras entrelaadas que se demonstram consistentes com o ncleo das experincias psquicas. claro que a experincia humana constituda por muito mais do que um conjunto de barbantes. Nossos corpos so tapearias construdas por variaes incontveis do tecido da realidade e possas experincias subjetivas (buscando estender uma metfora) so colchas de retalhos formadas por tapearias costuradas umas s outras em mirades de formas deliciosas. A compreenso da Natureza desta colcha e seus relacionamentos com o psquico ir exigir alm do que a simples identificao da natureza dos fios que tecem o estofo da realidade. Mas este primeiro passo importante, pois nos fornece uma nova perspectiva, a partir da qual poderemos apresentar questes que, por sua vez, podero conduzir a respostas inesperadas sobre os fenmenos psquicos.

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    CAPTULO 2

    A psi desnuda

    Como que voc no sabe que cada pssaro que cortar os caminhos areos um imenso mundo de delcias, inacessveis a seus cinco sentidos?

    WILLIAM BLAKE

    Era uma vez, em uma sonolenta aldeia muito, mas muito longe daqui, um rapaz introspectivo, cujo nome era Hans.1 Hans estava mais interessado nos poemas de seu av e em ficar olhando para as estrelas do que em se tornar um mdico, para seguir a carreira de seu pai, como este desejava. Aps completar o ensino mdio, ele decidiu partir para a cidade para freqentar a universidade, com a inteno de se tornar astrnomo. Mas o ritmo da grande cidade era discordante com sua maneira tranqila de ser e, depois de certo tempo, ele abandonou a escola superior. Era um tempo de paz e, desse modo, decidiu alistar-se para um ano de servio militar na cavalaria, esperando passar um ano passeando a cavalo e gozando o ar livre com relativa serenidade.

    Em uma manh, enquanto ele montava durante um exerccio de treinamento, seu cavalo empinou de repente. Hans foi jogado no ar e caiu no leito da estrada, bem na frente de um canho montado sobre rodas e puxado por vrios cavalos, que se aproximava com velocidade. Ele percebeu, horrorizado, que estava a ponto de ser esmagado, porm, como por milagre, o condutor da bateria de artilharia conseguiu frear os cavalos. O acidente deixou Hans muito abalado, mas sem qualquer ferimento grave.

    Exatamente nesse momento a muitos quilmetros de distncia, na casa de seus pais, a irm mais velha de Hans sentiu-se subitamente assoberbada por uma certeza nefasta de que alguma coisa ruim havia acontecido com Hans. Ela ficou ansiosa e insistiu com seu pai para que entrasse em contato com ele, sendo-lhe ento enviado um telegrama.

    Nessa noite, quando o telegrama chegou s mos de Hans... percebeu que seus sentimentos provocados por um medo intenso nessa manh haviam, de algum modo, atingido sua irm. Muitos anos depois, escreveu: este um

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    caso de telepatia espontnea no qual, em uma ocasio de perigo mortal, enquanto contemplava a morte, transmiti meus pensamentos, ao mesmo tempo em que minha irm, que era em particular muito unida a mim, agia como a receptora.2

    Esta experincia transformou de forma profunda os interesses de Hans... retomou universidade, centrando-se no estudo da medicina, determinado a entender como a energia psquica como ele a chamava, poderia carregar uma mensagem teleptica at a mente de sua irm, que estava a mais de 150 quilmetros de distncia.

    Depois de muitos anos de esforos concentrados, trabalhando na solido de laboratrio na universidade, Hans finalmente desenvolveu um mtodo registrar as ondas do crebro humano. Durante algum tempo, foram chamados ritmos de Berger, consoante o sobrenome de Hans. Agora chamamos a estes sinais de eletroencefalograma, ou EEG. Por meio desta inveno, estabeleceu pela primeira vez que a atividade eltrica do crebro humano estava correlacionada a diferentes estados subjetivos da mente. Mas Hans no se esqueceu de sua paixo original: tambm desenvolveu um programa experimental, envolvendo 200 sujeitos, cada um dos quais teve suas habilidades telepticas testadas durante um transe hipntico.

    A paixo cheia de empolgao de Hans para entender a energia psquica no obteve sucesso em explicar a experincia teleptica de sua irm; no entanto, estabeleceu a fundamentao da neurocincia moderna. Devemos a Hans no apenas a inveno do EEG mas tambm a revelao dos mecanismos cerebrais bsicos utilizados at hoje em dispositivos de imagens mdicas como, por exemplo, a tomografia por emisso de psitrons PET [positron emission tomography] ou a imagem por ressonncia magntica funcional fMRI [functional magnetic resonance imaging] .3

    Tragicamente, como to comum aos grandes avanos cientficos, Hans no viveu o suficiente para gozar de um reconhecimento merecido. A maioria de seus colegas cientistas contemporneos acreditou que seus registros eram devidos a algum tipo de artifcio eltrico ou mecnico. Mesmo seus colegas de universidade o consideravam um amador ingnuo e sua atitude sempre solitria despertava suspeitas. Depois de uma longa doena, deprimido e sofrendo de uma dolorosa infeco drmica, Hans suicidou-se em 1941.

    Esta a histria verdadeira de Hans Berger, psiquiatra alemo e criador do eletroencefalograma. Sua inveno provocou o desenvolvimento de formas vez mais sofisticadas de mensurao da atividade cerebral. H pouca

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    dvida de que Hans teria ficado muito satisfeito se tivesse podido saber que, apenas um quarto de sculo aps sua morte*, sua descoberta iniciaria um novo captulo na busca da compreenso da energia psquica que ele procurara localizar durante a maior parte de sua vida.4

    Do mesmo modo que ocorre com esta histria pouco conhecida sobre a inveno do EEG, a maioria dos livros escolares apresenta as principais descobertas cientficas com origens socialmente aceitveis e pasteurizadas. Na verdade, a real origem das idias , de longe, muito mais repleta de meandros e perplexidades. Hoje, a maioria dos neurocientistas desconhece que sua disciplina foi inspirada por uma experincia teleptica ou que as funes do crtex cerebral, do corpo caloso e do corpo estriado foram todas acuradamente descritas 200 anos antes do surgimento da neurocincia moderna.5 A maioria dos cientistas mdicos no percebe que seu padro-ouro, o projeto da experincia aleatoriamente controlada, utilizado por todos hoje para a realizao de pesquisas clnicas, foi, a princpio, desenvolvido para investigar fenmenos psquicos, o que ocorreu tambm com relao aos desenvolvimentos-chave da psicologia clnica, medicina psicossomtica, psicofisiologia e psicologia experimental. Inclusive, a descoberta dos istopos, um avano que pavimentou o caminho at a construo da bomba atmica, pode ser retraada chegando ao estudo de um caso clarividncia.

    A cincia moderna pode ter sido gerada por uma srie de sonhos, provocados por um estado febril, durante a noite de 10 de novembro de 1619, de um jovem francs de 24 anos, chamado Ren Descartes. Ele teve trs sonhos nessa noite envolvendo fantasmas aterrorizantes, redemoinhos assustadores, centelhas incandescentes e livros de sabedoria simblica. Segundo se afirma, foram esses sonhos, por meio do estudo de suas cartas e anotaes, que inspiraram Descartes a descobrir os princpios do empirismo racional.6 Coincidentemente, essa noite, de novembro, era a vspera do Dia de So Martim e, entre as diversas cerimnias celebradas, existe uma procisso com crios e velas, realizada para simbolizar o aporte da luz espiritual para desfazer as trevas da escurido, atribudo ao santo. Enquanto Descartes sonhava em banir a escurido da ignorncia, por toda a Europa eram celebrados rituais em busca de um objetivo semelhante.

    QUANDO A FICO SE TRANSFORMA EM FATO O escritor de fico cientfica Philip K. Dick, em particular, era dotado de uma mente imaginativa. Ele publicou 112 contos e mais de 30 romances.

    * Johann Berger nasceu em 1873 em Neusen an der Eichen, na Baviera, e morreu em 1941, em Jena. [N.

    do T.]

  • 22

    Muitas suas histrias foram transformadas em filmes populares de fico cientfica, incluindo o clssico Blade Runner, que se tornou um objeto de culto entre os cinfilos, alm de, mais tarde, Total Recall [lanado no Brasil como O Vingador Futuro] e Minority Report. Seu interesse pela natureza da realidade e do tempo foi motivado por muitas experincias pessoais fora do comum, associadas com suas histrias. Ele descreve um desses episdios da seguinte maneira:

    Em 1970, escrevi um romance denominado Flow my tears, the policeman said. Um dos personagens uma garota de 19 anos, chamada Kathy. O nome de seu marido Jack. Kathy parece trabalhar para o submundo do crime; porm, mais adiante, quando nos aprofundamos no romance, descobrimos que, de fato, uma agente da polcia disfarada. Ela mantm um relacionamento permanente com um inspetor da polcia. A personagem fictcia. Ou, pelo menos, eu pensava que fosse.

    Seja como for, no Natal de 1970, conheci uma garota chamada Kathy entendam que isso aconteceu depois que eu j havia concludo o livro. Ela tinha 19 anos. O nome de seu namorado era Jack. A seguir, fiquei sabendo que Kathy era traficante de drogas. Passei meses conversando com ela, para conseguir que abandonasse a venda de drogas: preveni-a inmeras vezes de que, mais cedo ou mais tarde, acabaria sendo presa pela polcia. Ento, uma noite em que amos a um restaurante juntos, Kathy parou e disse: No posso entrar a. Sentado em uma das mesas do restaurante estava um inspetor da polcia que conhecia. Tenho de lhe contar a verdade, disse-me Kathy. Eu tenho um relacionamento com aquele inspetor.

    Sem dvida, este um conjunto de estranhas coincidncias. Talvez eu tenha precognio.7

    PREMONIES DO ONZE DE SETEMBRO A descrio a seguir um trecho de um relato de premonio envolvendo o desabamento das Torres Gmeas do World Trade Center na cidade de Nova York, durante os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A mdica Betsy MacGregor e seu marido, Charles, se encontravam em um avio, voltando para sua casa, localizada em uma ilha do estreito de Puget, perto de Seattle, no noroeste dos Estados Unidos, depois de terem visitado amigos na cidade de Nova York. Era o dia 10 de setembro de 2001; no aeroplano, o relgio marcava meia-noite. Conforme escreve a dra. MacGregor,

    Havia poucas pessoas no avio e muitas poltronas estavam vazias. [...] Percebendo que havia uma fila de assentos vazios do outro lado do corredor, decidi passar para l, para

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    me esticar um pouco. Ajeitei-me com relativo conforto na outra fila, sentindo-me grata por poder me deitar. Estava muito cansada e esperava cair imediatamente no sono. Mas algo parecia me impedir. Peguei mais dois travesseiros que estavam sobrando, com o intuito de amaciar as protuberncias dos assentos, mas algo me impedia de relaxar. [...] Esvaziei a mente de todos os pensamentos, focalizei minha ateno no rudo suave dos motores e fiquei bem quietinha s que mais acordada do que antes.

    No comeo, era quase imperceptvel aquela estranha sensao que comeou a me dominar. Principiou quando tomei conscincia de como meu corpo estava absolutamente imvel. Imaginei vagamente por que estava to imvel e senti uma necessidade premente de me movimentar; mas, quando procurei pr em prtica minha inteno de mover-me, para minha surpresa, meus membros inferiores pareciam no responder. Imaginei se estava adormecida e passando por alguma espcie de sonho bizarro, no qual imaginava estar acordada, porm no estava. Quanto mais tentava me mover tanto mais detectava uma espcie de resistncia. Algo duro e inamovvel cercava meu corpo e o imobilizava. Sim, agora eu sentia tudo com muita clareza: era como se estivesse coberta por inteiro e firmemente presa por um invlucro de concreto...

    A sensao de me achar presa em concreto se intensificou agora acompanhada de pnico. Eu no conseguia girar a cabea, mover braos e pernas ou sequer respirar com mais profundidade. Estava inerme em uma armadilha e a ponto de mergulhar em um terror claustrofbico.

    E, ento, comeou a dor. Leve, a princpio, rapidamente se foi tornando mais forte, at que tomou conta de todo o meu corpo, pois o concreto estava se movimentando e me pressionando por todos os lados, cada vez mais forte, apertando-me com uma fora insuportvel. Meu corpo estava quase sendo esmagado.

    Uma voz dentro de mim comeou a gritar: No! No possvel! Como isso pode estar acontecendo? Por um segundo minha mente girou desesperadamente em todas as direes, recusando-se a crer, buscando uma sada. Mas estava absoluta, perfeitamente claro: no havia como escapar. No havia nada em que eu pudesse me agarrar, nenhum lugar para onde pudesse correr. Dentro de mais um instante, minha vida teria terminado. Eu via isso. Eu via a morte minha frente...

    Mas como pode ser isso...? Eu no fazia a menor idia de quanto tempo se havia passado: poderiam ter sido minutos, poderiam ter sido horas. Fiquei deitada ali por muito tempo, completamente mistificada... [...] Foi uma longa viagem do aeroporto de Seattle at a balsa e depois pelo estreito de Puget at a ilha em que Charles e eu moramos. Estvamos exaustos quando, um pouco antes das seis da manh, pela hora da costa americana do Pacfico, chegamos em casa. Enquanto a plida luz da aurora se espalhava no cu oriental, cambaleamos escadas acima e nos jogamos na cama, cheios de gratido. A quase 5 mil quilmetros de distncia, a torre norte do World Trade Center estava explodindo em chamas. Pouco depois, um segundo avio explodia, rugindo, a torre sul. Enquanto Charles e eu dormamos, os nova-iorquinos apavorados entre eles, muitos de nossos amigos , olhavam boquiabertos e horrorizados, sem querer acreditar, quando as torres desabavam e se transformavam em um amontoado de poeira. Milhares de vidas terminaram aquela manh, esmagadas pelo concreto.8

  • 24

    Eis uma experincia semelhante, relatada algumas semanas antes dos ataques terroristas de Onze de Setembro, por uma mulher chamada Marie. Esta apenas mais uma histria entre uma compilao de mais de 14 mil casos de experincias psquicas espontneas coletadas pelo Centro de Pesquisas do Instituto Rhine ao longo de muitos anos.9

    Quando samos da cidade, meu marido estava dirigindo o automvel. Eu sentada a seu lado e tentava fechar os olhos, para descansar por um minuto. Ento, ele me disse: Quando fizermos essa curva, voc ter uma boa viso do Pentgono, porque nossa estrada passa bem ao lado dele. Ele me dizia isso porque era uma das coisas que havamos comentado que gostaramos de fazer quando visitssemos Washington. Assim, abri os olhos para dar uma espiada e, quando olhei para meu lado direito, vi o Pentgono. Mas imensas nuvens de fumaa negra e espessa brotavam dele, imensas nuvens de fumaa. No vi fogo, apenas a fumaa, como se uma bomba tivesse explodido: nuvens e nuvens de fumaa negra subindo lentamente para o cu.

    Comecei a gritar e a bater com as mos no painel de instrumentos. Meu marido no fazia a menor idia do que se estava passando comigo. Realmente, eu berrava. Seu primeiro pensamento foi de que estava para suceder um acidente conosco e que eu o estava advertindo. Mas a estrada estava livre nossa frente e ningum estava tentando nos ultrapassar e fechar nesse momento.

    Eu me sentia como se estivssemos em perigo, mesmo que nos encontrssemos na estrada, a mais de trs quilmetros de distncia do Pentgono. Pensei que ocorrido um incndio. Mas meu marido disse que no havia fogo de espcie alguma no Pentgono e foi s a que percebi que, de fato, no havia nada. To depressa como havia comeado, minha viso se interrompeu. Tudo acontecera em alguns segundos.

    Foram relatadas muitas premonies semelhantes sobre os acontecimentos de onze de Setembro. Foram realmente premonies, coincidncias pungentes ou se devem a fraquezas psicolgicas, como memria seletiva ou a criao auto-ilusria de alguma coisa que se deseja ou que se teme muito? Considerando que os bilhes de sonhos vividos todas as noites por pessoas em todo o mundo seria de esperar que se ouvisse falar a respeito de coincidncias miraculosas ocasionais. Como poderemos dizer se uma premonio real ou ilusria? E por que, devido s circunstncias terrveis de Onze de Setembro ou a colossal tragdia do tsunami de dezembro de 2004, os relatos dessas premonies no so ainda mais freqentes? A partir de um ponto de vista cientfico bsico, o que gostaramos de saber se tais premonies so possveis, mesmo a princpio.

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    HOUVE PREMONIES INCONSCIENTES DO ONZE DE SETEMBRO?

    A maior parte deste livro se preocupa com questes a princpio. Antes de iniciarmos essa jornada, vamos fazer uma pausa para considerar uma nova abordagem ao estudo do tema das premonies. Em setembro de 2000, projetei um conjunto de jogos baseados na web, localizada no site www.GotPsi.org, que hospedado pelo Boundary Institute, um centro de criao de idias localizado no Vale do Silcio, Califrnia, do qual sou co-fundador em conjunto com o cientista de computao Richard Shoup. Este local da rede permite aos usurios testar on-line suas habilidades psquicas. Todos os dados contribudos Pelos usurios so gravados para propsitos de pesquisa e, no final de 2005, a base de dados consistia de mais de 60 milhes de experincias individuais, contribudas por quase um quarto de milho de pessoas residentes por todo o mundo.

    Um dos testes includos nesse site avalia a habilidade precognitiva e testa at que ponto um usurio capaz de descrever uma fotografia que o computador selecionar aleatoriamente, depois que o usurio tiver digitado a descrio da fotografia que ainda no viu. A descrio pode ter entrada na forma de palavras individuais ou por meio da marcao de quadrados que indicam se o usurio pensa que a fotografia ser uma cena interior ou exterior, se haver presena de pessoas, se mostrar gua e assim por diante. Uma vez que este teste pede para as pessoas que visualizem uma cena antes de chegarem a v-la, pensei que poderia ser interessante investigar se premonies do Onze de Setembro poderiam ter introduzido espontaneamente nas tentativas das pessoas para descrever uma imagem que o computador em breve apresentaria. Assim, procurei as palavras que diversas pessoas usaram para descrever suas imagens entre 9 de setembro e a manh do dia 11 de setembro de 2001. Isso incluiu um conjunto de aproximadamente 900 tentativas e pouco mais de 2.500 palavras.

    No domingo 9 de setembro de 2001, entre 8h48 e 8h57 da manh, segundo o horrio da costa leste dos Estados Unidos, um usurio, utilizando o nome fictcio Sean, escreveu as seguintes impresses, em uma srie de trs tentativas sucessivas:

    Aeroplano (visto de trs pela esquerda) contra um fundo negro e tempestuoso, vises rpidas de nuvens estriadas, ovides, duas pessoas.

    primeira vista seria uma liblula? Depois um tronco (ou galho) sugerindo os Everglades, depois uma cena rpida e dinmica de queda entre dois altos edifcios passando por padres de janelas abertas ou fechadas, como em um tabuleiro de damas.

  • 26

    Primeiro uma estrutura elevada, como uma chamin industrial; depois, vises rpidas de formas arredondadas e providas de ameias, como um castelo um cocar de penas de pavo de uma ndia norte-americana? A seguir, algo veio superfcie, como um cogumelo de cinzas vulcnicas ou uma couve-flor.

    As descries precognitivas de Sean falharam todas as trs vezes na correspondncia com as fotografias subseqentemente selecionadas de forma aleatria pelo computador; no entanto, provm de uma sensao espantosamente impressionista do caos, associado com os eventos de Onze de Setembro na cidade de Nova York. No dia seguinte, 10 de setembro de 2001, comeando s cinco horas da tarde, segundo o horrio da costa leste, o usurio Shakey escreveu as mesmas palavras em duas tentativas sucessivas:

    Vai aparecer algo caindo; ser uma cena catica.

    De novo, descries nebulosas dos alvos selecionados, porm significativas dentro do contexto de Onze de Setembro. Meia hora mais tarde, um usurio, sob o pseudnimo de Justatest, escreveu as mesmas palavras em quatro testes sucessivos:

    intenso ... Quente demais para se tocar; exploses: a costa est limpa? Eles estavam vigiando a costa!

    Na manh seguinte, tera-feira, 11 de setembro de 2001, cerca de uma hora antes que o primeiro avio batesse contra a torre do World Trade Center, o usurio Xixi escreveu as seguintes palavras, que conservou durante uma srie de 11 tentativas:

    Casa Branca; desapareceu em um piscar de olhos; escaldante; a loucura humana; faixa vermelha; subindo; palcio; no facilmente enganado; base do poder dos Estados Unidos; flexionando os msculos; surpresa.

    So estas genunas premonies do Onze de Setembro? As idias sugeridas por estas palavras eram incomuns dentro do contexto dessa experincia de precognio on-line, uma vez que a maioria das fotografias usadas no teste eram de paisagens tranqilas, pessoas alegres, animais e outras cenas

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    agradveis e de contedo neutro. Todavia, este apenas um punhado de correspondncias interessantes dentre 900 tentativas; e argumentos baseados exclusivamente em avaliaes subjetivas tm pouco ingresso na comunidade cientfica. Assim, concebi uma forma de julgar se as palavras utilizadas nesse teste de precognio anterior a Onze de Setembro eram de fato incomuns.

    HOUVE PREMONIES EM MASSA SOBRE ONZE DE SETEMBRO? Devo enfatizar que a seo seguinte especulativa e no representa o tipo de trabalho laboratorial controlado com que costumamos trabalhar e que ser discutido mais adiante. No entanto, a apresento porque ilustrativa a respeito da forma como as experincias baseadas na rede esto oferecendo novas maneiras de se estudar efeitos psquicos coletivos. Com esta advertncia, examinei primeiro os dados de todas as experincias digitais de precognio coletadas desde 2 de setembro de 2000 at 30 de junho de 2003.10 Durante esse perodo foram registradas mais ou menos 428 mil tentativas a partir de contribuies de mais ou menos 25 mil pessoas. A partir desses dados, selecionei apenas as tentativas que incluram descries verbais que resultaram em um nmero de cerca de 256 mil e em torno de 841 mil palavras.

    Para cada uma dessas tentativas, fiz corresponder as palavras digitadas a um, conjunto de nove conceitos que capturaram o contexto catico associado com o Onze de Setembro: aeroplano, queda, explodir, fogo, ataque, terror, desastre, Pentgono e fumaa. A idia era descobrir com que aproximao as palavras oferecidas correspondiam a esses conceitos. Contar apenas correspondncias exatas de palavras no seria justo, porque algum poderia ter usado um sinnimo ou uma palavra associada que uma correspondncia exata deixaria passar. Assim, desenvolvi uma tcnica baseada em informtica para fazer corresponder conceitos, buscando criar um resultado total dirio de imaginao de terrorismo.11

    Para minha surpresa esta anlise demonstrou que em 11 de setembro, a curva caiu para seu menor ponto de correspondncia ao longo de trs anos de coleta de dados (Figura 2-1). Em vez de aumentar de valor, como poderia ser predito, caso grande nmero de pessoas estivesse de repente sentindo premonies espontneas de desastre e sem querer relatando essas impresses neste teste on-line, os resultados caram significativamente medida que o 11 de setembro se aproximava.

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    Figura 2-1. Flutuao em totais de ideao diria de terrorismo a partir de setembro de 2000 at junho de 2003. A flecha aponta para o dia 11 de setembro de 2001. O mergulho de Onze de Setembro sugere que os participantes deste teste on-line de viso remota estavam evitando de maneira ativa conceitos relacionados com o terrorismo logo antes desta data.

    Um teste estatstico comparado com conjuntos de dados aleatrios, e depois embaralhados, construdos de forma semelhante, demonstrou que as possibilidades de se obter um total de ideao de terrorismo to baixo como o do mnimo observado, chegando ao ponto mais profundo justamente em 11 de setembro, era de 3.300 contra uma.12 Desse modo, os dados no indicaram que a premonio se introduziu fortuitamente nos pensamentos das pessoas antes de 11 de setembro. Ao contrrio, sugerem que, em mdia, esses pensamentos foram evitados de forma significativa pelos usurios.

    Se isso no foi uma coincidncia, ento o que podia causar tal efeito? Uma possibilidade a de que, durante os dias que precederam o Onze de Setembro, muitas pessoas perceberam que algum problema se aproximava, mas no encontravam qualquer contexto para tais sentimentos e assim reprimiam essas percepes. A represso um mecanismo psicolgico inconsciente que utilizamos para evitar emoes ou imagens perturbadoras. Ningum tem vontade de andar por a com imagens perturbadoras de desastres chocalhando em suas cabeas; portanto, um determinado grau de represso pode ser esperado. Apenas pessoas raras podem evitar uma identificao pessoal com pensamentos negativos que no se decidem de

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    maneira inconsciente a reprimir e menos ainda esto dispostas a admitir em pblico esse tipo de pensamentos. Talvez seja por isso que premonies verificadas sobre grandes desastres, que tenham sido registradas antes e do fato, sejam quase sempre raras.

    MAIS PREMONIES DO ONZE DE SETEMBRO? Caso a idia da represso apresente algum mrito, podemos esperar que aparea em outros testes de desempenho psquico. Acontece que eu tambm estive examinando dados de um outro teste on-line includo no site www.GotP-si.org um teste bem simples de adivinhao de cartas. Nesse teste, o computador mostra cinco cartas com smbolos diferentes na tela, e pede para voc escolher uma delas, a que voc pensa que o computador ir mostrar logo a seguir. Voc escolhe e registra sua escolha e, ento, o computador, programado para escolher aleatoriamente, seleciona sua prpria carta ao acaso e a mostra. Por sorte, espera-se que voc, a longo prazo, adivinhe, ou melhor, acerte em cada cinco, ou 20% das cartas. Entre agosto de 2000 e junho de 2004 este teste on-line registrou um pouco mais de 17 milhes de tentativas. Para cada um desses dias podemos registrar um valor total, refletindo o desempenho da contribuio de centenas de usurios por dia, e fazer sua comparao com as expectativas de pura sorte.

    Os resultados demonstraram uma imensa queda de desempenho nas observaes logo anteriores ao Onze de Setembro (Figura 2-2). As probabilidades contra a verificao de uma queda to profunda e prxima a este dia, como foram observadas, so de 2.700 contra uma, significando que os usurios estavam evitando acertar a carta correta antes de 11 de setembro.

    Esses resultados so consistentes com o possvel efeito da represso que observamos no teste de precognio. Em conjunto, sugerem que, nos dias precedentes ao Onze de Setembro, muitas pessoas estavam inconscientemente evitando suas impresses psquicas para suprimir a conscincia de um desastre que ainda no ocorrera. Ainda que isso seja especulativo, a probabilidade de que dois testes on-line independentes apresentassem fortes tendncias negativas antes da mesma data significativa est associada com 1,8 milho de probabilidades contra uma de serem o resultado de um simples acaso.15 Isso parece eliminar a possibilidade de estarmos lidando com uma mera coincidncia.

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    Figura 2-2. Flutuao em testes on-line de desempenho com cartas de percepo extrasensorial realizados diariamente a partir de setembro de 2000 at junho de 2004. A queda pronunciada antes da data de 11 de setembro, indicada pela linha vertical pontilhada, sugere que os participantes deste teste on-line evitaram inconscientemente a seleo das cartas corretas.

    Entretanto, os relatrios espontneos de experincias psquicas so devidos a coincidncias? Talvez a ampla crena em fenmenos psquicos apenas reflita a ignorncia de princpios e mtodos cientficos ou, quem sabe, seja devido ao peneiramento de montanhas de dados na crena de que algo misterioso possa estar escondido ali! Ao explorar o desconhecido, devemos estar preparados para todas as possibilidades. Assim, vamos continuar examinando a questo das crenas.

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    CAPTULO 3

    Quem acredita?

    Quando uma crena mantida, mesmo enfrentando esmagadoras evidncias em contrrio, ns a chamamos superstio. Segundo esse critrio, a superstio mais egrgia dos tempos modernos, talvez de todos os tempos, a crena cientfica da no-existncia dos fenmenos psquicos.

    THOMAS ETTER1

    O ideal cientfico permitir que nossas experincias, na forma de observaes e medidas formais, moldem nossas crenas de forma racional, o que realizado por meio de experimentos controlados. Na prtica, no podemos experimentar tudo pessoalmente e, assim, somos obrigados a depositar nossa f nos resultados que outros relatam. Quando a f colide com os experimentos, quase sempre surgem discordncias. Em geral, pensamos nesse conflito em termos de religio versus cincia. Mas, algumas vezes, as discordncias ocorrem porque a f na cincia entra em conflito com experincias humanas repetidas e, quando esse fato acontece, as emoes se demonstram mais fortes do que a razo. Vamos examinar uma dessas disputas.

    Se formos acreditar nas asseres da maioria dos cientistas, a maioria, em geral, encara o pblico como caipiras estpidos e mascadores de fumo, que no leram os livros em que deveriam ter aprendido. Por que isso ocorre? Porque a grande massa trabalhadora acredita em coisas que a prpria cincia considera como estando fora do mbito do discurso racional, ou que cheiram superstio ou que so simplesmente impossveis.

    Esse esteretipo um pouco exagerado. E tenho certeza de que os caipiras dos Montes Apalaches norte-americanos, que gostam de mascar fumo, no apreciam esses julgamentos. Todavia, de acordo com um documento-chave, publicado pela Fundao Nacional de Cincia NSF (National Science Foundation) do governo dos Estados Unidos, voc descobrir que esta declarao no est distante do que foi dito anteriormente. A NSF acredita que a maioria da populao dos Estados Unidos estpida porque acredita

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    nos fenmenos psquicos e em outros ramos da pseudocincia.2 Neste captulo, iremos investigar quem se encontra mais prximo da verdade: se a NSF ou os montanheses caipiras (os hillbillies).

    Vamos considerar dois sabores de estupidez: Simplesmente Estpido e Deficiente Mental. Por amor cincia, vamos dignificar Simplesmente Estpido e nomear por algo que soe de modo mais oficial, como, por exemplo, de hiptese da ignorncia. Esta hiptese prope que as pessoas crem no paranormal apenas porque no receberam uma educao correta. A pressuposio que, se as pessoas prestassem mais ateno no que a cincia ensina a respeito de como o mundo funciona, elas deixariam de acreditar em iluses como, por exemplo, a telepatia. E prossegue: todo mundo sabe que conceitos como psi violam as leis bsicas da fsica e, desse modo, qualquer um que no conhecer leis to elementares deve ser ignorante e, portanto, ter maior probabilidade de acreditar em qualquer coisa ou em qualquer pessoa que lhe aparea. Isso, por sua vez, ameaa o tecido conjuntivo de uma sociedade civilizada e racional e deve, por conseguinte, ser esmagado. Uma predio que pode ser testada desta hiptese seria a de que nveis mais baixos de educao formal devem estar associados a nveis mais altos de crena em fenmenos psquicos.

    Chamaremos a segunda forma de estupidez, Deficiente Mental: de hiptese da deficincia mental. Essa hiptese assevera que as crenas supersticiosas surgem em algumas pessoas porque elas so retardadas ou mentalmente doentes. Como a hiptese da ignorncia, a hiptese da deficincia mental aceita sem exame experimental por alguns dos membros da ortodoxia mdica. Por exemplo, na edio de 1994 do Diagnostic and statistical manual of mental disorders ou DSM-IV, publicado pela Associao Americana de Psiquiatria, um trecho da descrio do transtorno de personalidade esquizide diz o seguinte:

    Um padro pervasivo de deficincias sociais e interpessoais marcado tanto por um agudo desconforto com relaes de intimidade e capacidade reduzida para mant-las como por distores cognitivas ou perceptivas e excentricidades de comportamento, comeando no princpio da vida adulta e persistindo em uma variedade de contextos, conforme indicados por cinco (ou mais) dos seguintes critrios:

    Idias de referncia (com excluso de iluses de referncia), crenas singulares ou pensamento mgico que influencia seu comportamento e que se demonstra inconsistente com as normas subculturais (por exemplo, tendncia a crenas supersticiosas, crenas em clarividncia, telepatia, sexto sentido [...]) .

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    Em outras palavras, se voc for um introvertido excntrico e acreditar em clarividncia ou telepatia, pode ser oficialmente portador de um distrbio psiquitrico oficial. Por sorte, h um grande suprimento de excelentes drogas que podem aliviar suas excentricidades e ajud-lo a se conformar com as normas ideais, em que fantasias infantis, tais como o sexto sentido no so mais defendidas. Uma bela prescrio de tratamento com alguns neurolpticos (drogas antipsicticas) de baixa potncia iro ajud-lo a livrar-se dessas crenas perturbadoras. Voc poder passar a ter uma certa dificuldade para urinar e ficar com a viso embaada durante algum tempo, mas vale a pena, se voc puder livrar-se dessas crenas irritantes na existncia de um sexto sentido.

    Para sermos justos, em algumas formas de doenas mentais, a habilidade de distinguir entre a realidade e a fantasia fica to comprometida que o funcionamento normal se torna muito prejudicado. Um sintoma-chave da esquizofrenia escutar vozes e ver coisas que ningum mais consegue ouvir ou enxergar. Tais experincias podem levar os sofredores a acreditar que so telepatas desenvolvidos ao extremo ou os maiores clarividentes do mundo ou, ainda, que a CIA ou o FBI esto controlando seus crebros. De repente, essas crenas podem desembocar em compulses ou em parania destrutiva porque as percepes so descontroladas e intrusivas. Na realidade, essas situaes no constituem em absoluto objeto de ridculo e, nesses casos, interveno e tratamentos mdicos so totalmente justificados.

    EVIDNCIA A NSF periodicamente publica um relatrio intitulado Science and Technology Indicator, que sumariza o estado atual da cincia e tecnologia.3 Um captulo desse relatrio revisa a compreenso do pblico a respeito da cincia e da tecnologia e uma seo desse captulo discute o que a NSF chama o problema amplo e crescente das crenas em pseudocincias. So pensamentos ou alegaes que, de modo superficial, imitam a cincia, mas no seguem os princpios cientficos padronizados ou suas regras de coleta de evidncias.

    Uma pesquisa de opinio realizada em 2001 por todo o territrio norte-americano e que citada no relatrio da NSF inclua a questo: Algumas pessoas possuem poderes psquicos ou percepo extra-sensorial (PES). Voc concorda totalmente, concorda, discorda ou discorda totalmente? Este levantamento, patrocinado pela NSF, demonstrou que 60% dos norte-americanos concordavam ou concordavam totalmente com essa assertiva.4 Pesquisas anteriores do Instituto Gallup, realizadas em 1990, 1996 e 2001, demonstravam que esta percentagem vinha crescendo.5 Esses algarismos

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    foram apresentados no contexto para demonstrar o deplorvel estado da educao cientfica nos Estados Unidos.

    Sem dvida, seria desencorajador, exceto que o relatrio pisa em ovos para no chamar a ateno sobre um fato interessante: quando os participantes do levantamento foram separados por nvel educacional, 46% com educao inferior at nvel mdio concordavam que algumas pessoas possuem PES, mas espantosos 62% dos que tinham educao de nvel mdio ou superior igualmente concordavam. Entre o pblico atento aqueles que eram definidos como muito interessados em um determinado tpico, muito bem informados a respeito e que regularmente liam os jornais dirios ou revistas de relevncia nacional, uma saudvel maioria de 59% tambm concordava. Desse modo, o levantamento revelou que a crena em percepo extra-sensorial no podia ser explicada como uma questo de educao deficiente.

    Para verificar os resultados da NSF, examinei dados coletados pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinio Pblica, que afiliado Universidade de Chicago.6 Este centro, um dos mais antigos grupos de pesquisa acadmica sobre levantamentos nos Estados Unidos, coleta, por meio da Pesquisa Social Geral, dados sobre uma ampla variedade de questes, os quais so empregados para compor um instantneo das opinies correntes nesse pas em um tempo especfico. Uma das questes que vm sendo apresentadas no decorrer dos anos refere-se ao psquico. A questo especfica em que me achava interessado, indaga: Com que freqncia sentiu que estava em contato com algum quando essa pessoa ou pessoas estava[m] longe de voc? O leque de opes das possveis respostas abrangia de nunca em minha vida at freqentemente. Comparei essas respostas a questes sobre nveis de instruo ou desempenho educacional que compreendiam de 0 a 20 anos de educao formal. A hiptese da ignorncia previa uma relao inversamente proporcional quanto mais elevado seu nvel de instruo, menos voc deveria acreditar em percepo extra-sensorial. Os resultados reais, baseados em 3.880 respostas entregues pesquisa, no foram negativos. De fato, foram muito positivos, com possibilidades de ser apenas obra do acaso de 80 para 1. Este no o caso exclusivo dos Estados Unidos. As mesmas tendncias foram observadas na Austrlia, na Frana e, virtualmente, em qualquer outro pas que tenha relatado resultados de levantamentos semelhantes. Esta descoberta tambm reconhecida pelos cticos, que rangem os dentes ao tomarem contato com esses resultados.7

    Isso no quer dizer que o aumento do nvel educacional no apresente efeitos sobre crenas em fenmenos paranormais. Sabe-se que uma educao superior tende a reduzir as crenas em conceitos paranormais

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    religiosos, como cu e inferno, diabo ou o criacionismo. Um amplo levantamento realizado no sul dos Estados Unidos, publicado em 2003 pelo cientista poltico Tom Rice na Journal for the Scientific Study of Religion8 comparou as crenas no paranormal religioso versus as crenas no psquico. Este levantamento, que obteve 1.200 respostas, adotou a hiptese experimental de que crenas paranormais de ambos os tipos so basicamente um mecanismo psicolgico de enfrentamento da vida adotado por pessoas de condies sociais, econmicas e educacionais desvantajosas. Esperava-se que o aumento do nvel de escolaridade estivesse correlacionado de maneira positiva com nveis decrescentes de crena nos dois tipos de paranormalidade: o religioso e o psquico. Os resultados demonstraram que as pessoas com um maior nvel de educao estavam, conforme fora predito, menos predispostas a acreditar em fenmenos paranormais religiosos. Porm, ao contrrio da previso, estavam significativamente mais predispostas a acreditar em fenmenos psquicos. Esses resultados foram confirmados por uma Pesquisa Harris de 2003.9

    Na Sucia, nao que tem uma das mais elevadas taxas de alfabetizao do mundo, os pesquisadores descobriram que a maioria da populao acredita no paranormal e que essas crenas vm aumentando no decorrer das dcadas mais recentes.10 Essas crenas no se demonstraram associadas a quaisquer organizaes ou movimentos sociais em particular, demonstrando, ao mesmo tempo, que a maioria dos suecos no est interessada em religies institucionalizadas. As mulheres tendem a aceitar essas crenas mais do que os homens e o grau de crena independente das realizaes de escolaridade. O pesquisador Ulf Sjdin, escrevendo para a Journal of Contemporary Religion, em 2001, declarou: No mais possvel negligenciar o paranormal como um ingrediente potencial das ideologias adotadas pelo homem moderno. O levantamento demonstra claramente que este o caso entre os adultos, assim como na populao mais jovem. Por enquanto, este parece ser um campo negligenciado pela pesquisa sueca de ideologias e acredito que tambm seja descurado por pesquisas semelhantes na maioria dos outros pases europeus.11 Sjdin pondera se ainda razovel considerar tais valores como um desvio, baseado em que esta crena no paranormal persistente na Sucia contraria a hiptese da ignorncia.

    Em 1999, o psiclogo britnico Chris Roe publicou um estudo na British Journal of Psychology, em que testava a hiptese de que as pessoas que acreditavam no paranormal eram pobres de esprito ou no dispunham de habilidades de pensamento crtico.12 Baseado nas respostas de 117 estudantes, no encontrou quaisquer evidncias para uma diferenciao em

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    habilidade de pensamento crtico entre os crentes e os no-crentes. Outros estudos confirmaram que os crentes so dotados da mesma habilidade de pensamento crtico que os no-crentes.13

    Um estudo de 1997 sobre crenas no paranormal, realizado pelo psiclogo alemo Uwe Wolfradt e publicado na revista Personality and Individual Differences, focalizou o papel das experincias dissociativas e da ansiedade sobre as crenas no paranormal.14 O estudo determinou que uma crena elevada em supersties estava associada com o comportamento dissociativo, mas nenhuma associao desse tipo foi identificada com relao s crenas no psquico. Um alto nvel de crena no psquico estava associado com caractersticas como a absoro, ou seja, o grau com que podemos nos separar do restante do mundo enquanto focalizados em algo em particular interessante. Anlises posteriores sugeriram que a crena em supersties refletia um sentimento de perda de controle sobre a prpria vida, mas a crena no psquico estava associada justamente ao oposto, ao sentimento de que conservamos o controle. Em outras palavras, a crena nos fenmenos psquicos no depende de tendncias dissociativas ou de predisposio para a fantasia ou de qualquer sentimento de se estar perdendo o controle de nossa vida.

    Um estudo, realizado com 249 estudantes turcos, pelo psiclogo I. Dag e publicado na revista Personality and Individual Differences, confirmou que a crena no psquico no era um previsor significativo de possveis psicopatologias, mas que a crena em supersties o era. As crenas na religio tradicional e em bruxaria se achavam associadas a um sentimento de falta de controle, mas a crena nos fenmenos psquicos no considerava de nenhum modo a hiptese da deficincia mental.15

    Em 2004, a psicloga Anneli Goulding, da Universidade de Gteborg, na Sucia, relatou outro estudo na revista Personality and Individual Differences, baseado em entrevistas com 129 voluntrios que relatavam fortes fenmenos paranormais. Eles preencheram trs questionrios para fornecer medidas individuais de esquizotipia (predisposio a comportamento esquizofrnico), coerncia mental (em uma escala de sade mental) e crenas e experincias a respeito de fenmenos psquicos.16 Goulding concluiu que, dentro desta populao de pessoas que sustentavam firmes crenas, as medidas de esquizotipia no estavam associadas a uma sade psicolgica ruim, o que contrrio s implicaes da definio do DSM-IV sobre o transtorno de personalidade esquizide.

    Em resumo, a despeito de evidncias em contrrio, alguns cticos continuam a asseverar que a crena no paranormal melhor explicada pela ignorncia ou por deficincia mental. Michael Shermer, editor da revista

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    Skeptic, lamenta o fato de que os estudos da psicologia social continuem a demonstrar a falta de correlao entre o conhecimento cientfico [fatos reais a respeito do mundo] e as crenas paranormais. Shermer citou um estudo publicado em sua prpria revista, no qual os autores concluram que:

    Os estudantes que obtiveram bons resultados nestes testes de conhecimento cientfico no eram mais nem menos cticos a respeito de alegaes pseudocientficas do que os estudantes que tiraram notas baixas. Aparentemente, os estudantes no eram capazes de aplicar seus conhecimentos cientficos avaliao destas alegaes pseudocientficas. Sugerimos que essa inabilidade surge de modo parcial da maneira como a cincia tradicionalmente apresentada aos estudantes: ensina-se aos alunos o que devem pensar, mas no como devem pensar.17

    Mas, talvez Shermer no tenha interpretado corretamente esses resultados. Uma perspectiva alternativa seria a de que os estudantes esto mais abertos s suas experincias do que seus professores, j que os ltimos esto defendendo uma f cientfica que no suportada pelas evidncias!

    Como as crenas podem de uma maneira to fcil distorcer o senso comum? Considere alguma coisa bvia, como o propsito do corao humano. No princpio do sculo XVII, as pessoas achavam que tudo quanto era importante saber a respeito de anatomia j era conhecido: o anatomista grego Cludio Galeno j havia escrito tudo que era necessrio muitos sculos antes. Todos sabiam que o corao servia como aquecedor do sangue, enquanto o crebro o refrigerava.18 Mas, quando o mdico britnico William Harvey observou o corao em 1628, ele viu uma coisa nova.19 Para ele, o corao se parecia mais com uma bomba hidrulica, localizada no centro de um sistema circulatrio fechado.

    Agora, aceitamos a descrio de Harvey como uma demonstrao de bom senso e consideramos o conceito anterior de Galeno como pitorescamente ingnuo. Mas, quando Harvey props sua idia pela primeira vez, foi considerado motivo de riso para seus colegas no continente europeu: eles no podiam escutar as batidas do corao, conforme Harvey alegava ouvir e, assim, no viam a menor razo para dar apoio sua proposta. Um dos mdicos mais respeitados de seu tempo, Emilio Parisano, de Veneza, escreveu o seguinte a respeito da idia de Harvey:

    Que uma pulsao possa surgir do peito e que possa ser escutada quando o sangue transportado das veias para as artrias algo que com certeza no podemos perceber e no acreditamos que possa ser jamais detectado, a no ser que Harvey nos empreste a sua corneta de ouvido para amplificar esse som. [...] Ele tambm afirma que este movimento produz uma pulsao e, alm disso, um som: esse som, todavia, ns, que somos surdos, no podemos escutar e no

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    existe ningum em Veneza que o possa.20

    Poderamos pensar que nos tempos atuais ningum poderia cometer um erro to bvio. Infelizmente, no este o caso. As crenas podem nos tornar cegos para o bvio. Recentes pesquisas sobre cegueira inatencional demonstraram que at pequenas variedades com relao a nossas expectativas podem causar uma forma de cegueira. Uma experincia simples, desenvolvida pelo psiclogo Daniel Simons, da Universidade de Illinois, prov uma demonstrao dramtica desse efeito. J vi pessoas se submeterem experincia de Simons e literalmente perderem a respirao quando descobrem que haviam deixado passar o bvio.21

    A experincia de Simons consiste na apresentao de um videoclipe de 25 segundos de durao, mostrando seis pessoas jogando basquetebol. Trs delas usam camisetas brancas de mangas curtas e outras trs usam camisetas pretas. O time de camisetas brancas est passando uma bola de basquete para os outros, enquanto o time de preto faz a mesma coisa. Durante o jogo, uma pessoa vestida com uma fantasia de gorila negro entra calmamente na quadra onde se realiza a partida, bem no meio do jogo, d socos no peito e depois sai. O gorila no escondido, nem camuflado est visvel. Todavia, a maioria das pessoas que assistem ao clipe no v o gorila, caso receba uma instruo simples: conte o nmero de lanamentos da bola de basquete entre os membros do time branco. Esta pequena deflexo da ateno suficiente para causar uma cegueira completa para um ser to bvio como um gorila. O poder de defletir a ateno bem conhecido pelos mgicos de palco, que se especializam em criar esse tipo de ilusionismo.

    Se podemos descurar da presena de um gorila na frente de nossos olhos, o que mais poderemos estar perdendo? Quando a Fundao Nacional de Cincia lamenta a crena do pblico em tpicos que os membros dessa fundao no acreditam, quem est sendo cego?

    CARACTERSTICAS DOS CRENTES Em uma conferncia do Instituto de Cincias Noticas, realizada em 2003, fizemos perguntas a 465 pessoas sobre educao, alergias, sensibilidades corporais, prticas mentais e experincias incomuns.22 O ltimo item se referia a experincias abrangendo desde a telepatia e a precognio at encontros com anjos e aliengenas. A partir de suas respostas, fomos capazes de discernir que tipos de pessoas tinham maior ou menor probabilidade de relatar experincias.

    Descobrimos fortes diferenas entre os homens (131 participantes) e as

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    mulheres (331). Em concordncia com os resultados de outras pesquisas, as mulheres eram menos cticas que os homens e relatavam um nmero maior de experincias incomuuns (Figura 3-1). Em todos os tipos de experincias incomuns, da telepatia viso do povo pequeno, as mulheres relataram nveis de crena mais elevados.23

    Figura 3-1. Mdias das respostas a questes sobre crenas em experincias incomuns entre mulheres (crculos brancos) e homens (quadrados negros), com barras de erro indicando a amplitude provvel dos ver