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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35401003

 

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Maria Ignez Moreira CostaPsicologia da adolescência. Contribuições para um estado da arte

Interações, vol. V, núm. 10, julho-dezembro, 2000, pp. 25-51,

Universidade São Marcos

Brasil

  Como citar este artigo  Fascículo completo  Mais informações do artigo  Site da revista

Interações,

ISSN (Versão impressa): 1413-2907

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 P P P P P sicologia da adolescência. Contribuições sicologia da adolescência. Contribuições sicologia da adolescência. Contribuições sicologia da adolescência. Contribuições sicologia da adolescência. Contribuições

 para um estado da arte para um estado da arte para um estado da arte para um estado da arte para um estado da arte

Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: Os objetivos deste ensaio são os de mapear e discutir as vertentes teóricas dapsicologia que tratam da adolescência. Este ensaio justifica-se porque desde o surgimentohistórico da adolescência a psicologia tem sido um dos campos de saber que afirma aespecificidade desta etapa da vida.PPPPPalavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave: psicologia da adolescência; teorias sobre adolescência

Psychology of adolescence. Contributions to a state of the artPsychology of adolescence. Contributions to a state of the artPsychology of adolescence. Contributions to a state of the artPsychology of adolescence. Contributions to a state of the artPsychology of adolescence. Contributions to a state of the art

Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: This essay intends to place and discuss the psychological theoretical approches which have as subject the adolescence. This essay is justified because, since the historicalemergence of adolescence, Psychology has been one of the most important disciplines inthis research. In fact, Psychology emphasizes adolescence as a crucial stage in human life.Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Psychology of adolescence; theories of adolescence.

MARIA IGNEZMARIA IGNEZMARIA IGNEZMARIA IGNEZMARIA IGNEZ

COSTCOSTCOSTCOSTCOSTA MOREIRAA MOREIRAA MOREIRAA MOREIRAA MOREIRA

PUC/MG – PUC/SP

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As teorias psicológicas têm tratado a adolescência como um perío-do crucial do desenvolvimento humano explorando tanto os as-

pectos emocionais quanto os cognitivos, bem como buscando a articu-

lação entre ambos os aspectos.A adolescência começa a ser descrita pela puberdade, que é consi-

derada como o conjunto das mudanças hormonais que acarretam ocrescimento físico, o aparecimento de caracteres sexuais secundários eo amadurecimento corporal para o desempenho das funções procriati- vas. Essa “revolução hormonal”, termo bastante utilizado na literaturada psicologia do desenvolvimento, inaugura o surgimento da adoles-cência, marcado, assim, pelas mudanças biológicas às quais se relacio-nam, em parte, os conflitos psíquicos. No entanto, o final da adolescên-cia é identificado por uma adaptação social do adolescente, tendo em

 vista a definição de uma identidade sexual e o desempenho de papéis efunções socialmente reconhecidos, como formação profissional, inser-ção no mercado de trabalho, vivência de relações afetivas adultas, ain-da que sinalizadas como preferencialmente heterossexuais, com fins pro-criativos.

O estudo da adolescência remete à discussão que a psicologia tra- va em torno das teses de filiação organogênica e de filiação sociogênica,em busca de explicação para o comportamento humano. Se as primei-ras advogam a preponderância dos fenômenos biológicos, as segundasdefendem as influências do meio sobre o indivíduo.

No entanto, podemos considerar que os próprios fatos biológicosda condição humana são ressignificados pela cultura. E a adolescênciaé um bom exemplo disso. Ela se inicia com a puberdade, que coloca osujeito humano em condições de viver a genitalidade e de se reprodu-zir, fatos balizados pelas normas da cultura referidas às condições degênero e geração e, nas sociedades complexas, pelo pertencimento auma classe social. Não há, portanto, como separar o biológico do cul-tural. Não se trata de fundir duas teses de princípios opostos, mas dedefender uma terceira, que propõe a superação da dicotomia entre obiológico e o social.

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Embora vários autores em psicologia da adolescência, tais comoRuffino (1981-1982); Rappaport (1982) e Leviksk (1995) entre outros,façam referências em seus textos à origem histórica da especificidade

dessa fase, lembrando e concordando com os argumentos de Áries, se-gundo o qual não havia um conceito ou uma consciência da naturezaparticular da infância e da adolescência antes do século XVII, a adoles-cência tem sido considerada, ainda assim, homogênea, a-histórica euniversal.

A adolescência é assim adjetivada quando se considera que todas aspessoas entre 10 e 20 anos (faixa etária proposta pela OMS para a defi-nição de adolescência) têm características comuns, por pertencerem aomesmo grupo de idade. Essa maneira de ver a adolescência traz a falsaidéia de que descrever um indivíduo adolescente é suficiente para des-crever a adolescência e, ainda, que de posse das características da ado-lescência, podemos identificar indivíduos adolescentes. Em conseqüên-cia, se encontrarmos um indivíduo entre 10 e 20 anos que não apresenta ascaracterísticas esperadas, esse indivíduo passa a ser considerado desviante.A adolescência definida por parâmetros etários sustenta tal raciocínio.

Por outro lado, os teóricos da psicologia do desenvolvimento reco-nhecem os estudos antropológicos que mostram que existem culturassem adolescência, isto é, sem a adolescência que a nossa cultura conhecee reconhece. No entanto, há um desconhecimento ou certa desconside-ração dos diversos significados emprestados à adolescência pelos múlti-plos grupos sociais que compõem uma sociedade de classe, o que con-

tribui, a meu ver, para essa concepção a-histórica e idealizada da adoles-cência.

Nesse sentido, as análises históricas do surgimento do sentimentode infância e adolescência, bem como as pesquisas acerca da histórica dafamília, são recursos importantes para desnaturalizar a infância e a ado-lescência e trazê-las para o registro sócio-histórico e cultural.

A categoria analítica de gênero parece estar ausente das definiçõesde adolescência. Percebo que as diferenças sexuais são consideradas doponto de vista biológico, discutindo-se os impactos dos hormônios no

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desenvolvimento de homens e mulheres, mas não as questões relativas àidentidade de gênero. Desconsideram-se as especificidades que a con-dição de gênero impõe a homens e mulheres para a vivência e experiên-

cia de suas potencialidades sexuais, reprodutivas e profissionais.Tal tratamento incorre muitas vezes no risco de naturalizar a ado-

lescência, o que dificulta a sua compreensão como categoria produzidanas relações sociais e articulada a outras categorias, como gênero, classe,raça/etnia e geração, que têm uma contribuição importante ao permitiroperar com as particularidades que compõem o universo da adolescên-cia. Dessa forma, parece-me possível pensar a adolescência enquantocategoria social relacionada a outras categorias.

São diversas as famílias teóricas no interior da psicologia que seocupam da adolescência. Uma delas é a psicanálise. Como sabemos, a

psicanálise, embora tenha nascido da prática clínica de Freud, não seocupou somente da psicopatologia, mas propôs uma teoria acerca dofuncionamento do psiquismo humano. O sujeito freudiano é o sujeitodo inconsciente. Essencialmente, o inconsciente é caracterizado por seusconteúdos, que são representantes das pulsões. Esses conteúdos são re-calcados, especialmente os desejos infantis, que, por ação da censura,são deformados e não retornam à consciência.

O sujeito do inconsciente é universal. Para sustentar a tese da uni- versalidade, Freud procurou ancorar-se em três analogias: a primeiradiz respeito à semelhança entre o funcionamento do inconsciente e aorganização das culturas primitivas. A idéia central é a de que a ontogê-

nese repete a filogênese, ou seja, a constituição do sujeito pela vivênciae superação da trama edipiana reedita a constituição da cultura pelopacto de proibição do incesto e do parricídio. A segunda analogia dizrespeito ao limite tênue entre a patologia e a normalidade revelado nasmanifestações do inconsciente, como os sintomas, os chistes, os atos fa-lhos e os sonhos. A terceira analogia diz respeito à sexualidade infantil.O conceito de sexualidade é ampliado para além do sentido de genitali-dade. As manifestações da sexualidade não começam na puberdade,mas no nascimento do bebê. Freud trabalha com a noção de energiasexual, denominada libido, e propõe que o sujeito humano desenvolve,

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ao longo da vida, formas progressivas de organização libidinal, supor-tada por uma organização biológica necessária a cada uma das etapas dodesenvolvimento. A organização libinal está sustentada nas zonas eró-

genas corporais. Para o modelo psicanalítico, desenvolvimento signifi-ca a organização da libido em torno de uma zona erógena, de umafantasia básica e de uma modalidade de relação de objeto.

A primeira etapa de organização libidinal é conhecida como faseoral, que coincide com o processo de amamentação. A segunda etapa éa fase anal, que ocorre no momento em que a criança começa a andar einicia a educação esfincteriana. Em seguida, a vivência da fase fálica,quando a criança começa a perceber as diferenças sexuais, mas, segun-do Freud, a valorizar somente o órgão sexual masculino. É também omomento da vivência edipiana. Terminada a fase fálica, cuja herança éo superego, a criança vive um período de latência, quando seu investi-

mento libinal não é mais auto-erótico, mas posto em novas conquistassociais e na aprendizagem. Na cultura ocidental, esse é o momento emque se inicia o processo de escolarização formal. A latência termina coma puberdade, que inicia a fase genital. A vivência da genitalidade ple-na, no sentido da vivência heterossexual e da reprodução, é o destino dasexualidade adulta do ponto de vista psicanalítico.

A partir de Freud, podemos pontuar três grandes correntes no inte-rior dessa tendência. Cada uma, a seu modo, promove um retorno euma reelaboração das propostas do fundador da psicanálise. Uma cor-rente é nomeada de psicanálise culturalista, cujo grande expoente é E.Erikson; outra corrente, reconhecida como teoria das relações objetais,parte das proposições de M. Klein; finalmente, a psicanálise estrutura-lista, representada pelas produções de J. Lacan e seus seguidores.

E. Erikson é um autor filiado à corrente psicanalítica, mas colocamais ênfase nos processos do ego – os processos da consciência – do quenos processos inconscientes. Ele organiza o desenvolvimento humanoem estágios psicossociais, ou seja, interessa-se mais pelas demandas cul-turais e sociais dirigidas ao ser humano nas diversas fases de seu desen- volvimento do que na organização libidinal ou nos estágios psicossexu-ais de constituição do sujeito tal qual proposto por Freud.

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Em sua teoria, o autor defende três argumentos básicos. O primei-ro é que, durante todo o ciclo vital, cada indivíduo passa por oito estági-os e em cada um há uma tarefa própria a ser cumprida. O segundo

argumento é de que cada um dos estágios é em parte definido pelasociedade na qual a pessoa cresce. Quando E. Erikson associa a cadaestágio uma faixa etária, ele o faz considerando as exigências e expecta-tivas que a nossa cultura dirige aos indivíduos naquele momento da vida. Por exemplo, supõe-se que aos sete anos de idade as criançasbrasileiras iniciem a escolarização formal. Em conseqüência, espera-sedelas a aprendizagem da língua escrita e de outras habilidades que lhespermitam o acesso e a compreensão das produções culturais. A exigên-cia externa provoca a organização emocional.

O terceiro e último argumento é o de que, quando a tarefa básicade um estágio não é completada satisfatoriamente, a tarefa do estágio

subseqüente fica comprometida. Assim, se no estágio vivido entre os13 e 18 anos o adolescente não consegue definir sua identidade sexual,profissional e ideológica, terá comprometido a realização dos demaisestágios. E quando chegar ao último estágio proposto, no qual deveriaintegrar os demais e aceitar-se como é, poderá, ao contrário, lamentar-se de suas frustrações passadas.

E. Erikson trabalha com o conceito de epigênese da identidade,epigênese da identidade,epigênese da identidade,epigênese da identidade,epigênese da identidade,termo tomado de empréstimo à fisiologia1. O autor justifica a analogiada seguinte forma:

“Sempre que tentamos compreender o crescimento, vale a pena recordar

o princípio epigenéticoprincípio epigenéticoprincípio epigenéticoprincípio epigenéticoprincípio epigenético que é derivado do crescimento de indivíduos  in utero.Algo generalizado, esse princípio afirma que tudo o que cresce tem um planobásico e é a partir desse plano básico que se erguem as partes ou peças compo-nentes, tendo cada uma delas o seu tempo de ascensão especial, até que todastenham sido levantadas para formar então um todo em funcionamento” (Erik-son, 1987, p. 91).

A identidade é entendida como processo de construção, que con-serva e transforma aquisições da etapa anterior. As fases do desenvolvi-mento da identidade são marcadas por etapas que se sucedem até quecompletem o ciclo vital.

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O autor considera que “a personalidade se desenvolve de acordocom uma escala predeterminada na prontidão do organismo humanopara ser impelido na direção de um círculo cada vez mais amplo de

indivíduos e instituições significantes, ao mesmo tempo que está côns-cio da existência desse círculo e pronto para a interação com ele” (Eri-kson, 1987, p. 92).

Erikson (1971) considera que cada fase do desenvolvimento hu-mano tem suas próprias crises. Do seu ponto de vista, a puberdadeencerra a infância e traz o sujeito humano para a próxima fase, a ado-lescência, que se desenvolve em torno da definição da identidade. Seuconflito instala-se entre “identidade versus confusão de papéis”. A ado-lescência termina na fase seguinte, chamada de “idade adulta jovem”, aque o sujeito humano chega com uma definição de identidade compos-ta de três elementos: a identidade sexual, a identidade profissional e a

identidade ideológica.

A identidade sexual significa a definição do papel genital do ado-lescente, cujas bases já foram estabelecidas anteriormente, na fase fáli-ca, caracterizada por uma unificação das pulsões parciais sob o prima-do dos órgãos genitais. Na infância, a criança reconheceria somente oórgão sexual masculino. Na puberdade, ao contrário, reconhece a dife-rença sexual e a existência do pênis e da vagina.

Quanto à identidade ideológica, diz Erikson: “A adolescência é,pois, um regenerador vital no processo de evolução social, pois a ju- ventude pode oferecer suas lealdades e energias tanto à conservação

daquilo que continua achando verdadeiro, como à correção revolucioná-ria do que perdeu seu significado regenerador”. (Erikson, 1976, p. 134).

A identidade profissional é outro pólo da identidade. A escolha deuma profissão é fundamental para o adolescente. Também aqui a ênfa-se recai sobre a possibilidade de o adolescente escolher uma profissãoque no futuro signifique uma fonte de renda e que o inclua no mundodos adultos.

A profissão é considerada com um dos pilares da construção deidentidade: “sou o que faço”. A escolha profissional, o envolvimento

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com o trabalho, além de garantir o status no grupo social, o sentimentode pertinência e a sobrevivência física, é também uma maneira de ela-borar as questões internas, a realidade psíquica.

Erikson considera que o adolescente precisa responder à pergunta:“quem sou eu?”, cuja resposta significa a segurança para viver as etapasposteriores. A confusão de papéis é um grande perigo que o adolescen-te precisa vencer, pois a indefinição o deixará imobilizado nas dúvidas eem prejuízo para a realização de sua capacidade de realização genital nosentido freudiano.

 Já as teorias que trabalham sob o prisma das relações de objetocolocam a ênfase sobre a influência da experiência concreta da criançacom as figuras parentais. As marcas que essas experiências produzemno inconsciente dos sujeitos podem tornar-se conscientes pelo trabalho

da análise. Esses fatos, suscetíveis de compreensão consciente, podemresultar em mudança no comportamento dos indivíduos. Do ponto de vista da estrutura psíquica, o foco de atenção dessa corrente é posto nasatividades do ego.

Knobel e Aberastury consideram que a grande tarefa da adoles-cência é a realização do luto pela perda da estrutura infantil, o quesignifica o luto pela bissexualidade perdida e pelos pais da infância.

As transformações impostas pela puberdade são vividas como umaperda do próprio corpo. No lugar do corpo conhecido da criança, sur-ge um corpo com proporções e funções ainda desconhecidas. Além de

se despedir do corpo da criança, o adolescente também precisa despe-dir-se de suas fantasias infantis acerca do corpo.

Aqui tem lugar o luto pela bissexualidade perdida. Considera-se,nessa perspectiva, que na vivência da criança não há o feminino e omasculino separados. As crianças têm a fantasia da onipotência sexual.A diferença sexual não é reconhecida e muito menos a função da dife-rença sexual no que se refere a ter filhos ou satisfazer-se afetivamente.

A revivência edipiana, na adolescência, traz o luto pelos pais dainfância. Os pais, heróis da infância, são postos em xeque. Já não são

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fonte só de segurança, mas também de conflitos, dos quais o adolescen-te precisa afastar-se.

Embora se refira ao modelo psicossocial proposto por E. Erikson,o autor busca explicar a construção da identidade do adolescente anco-rando-se na organização da fantasia. Ele levará em conta o desenvolvi-mento das relações objetais, a construção da imagem e do esquema cor-poral, as defesas e fantasias, e, sobretudo, o luto pela perda da infânciae definição da genitalidade.

Knobel considera que o adolescente exibe múltiplas identidades, oque seria patológico na idade adulta, mas nessa fase da vida é entendidocomo “síndrome normal”. O autor chama essas identidades de: transitó-rias – são aquelas assumidas pelo adolescente por ocasião de uma aqui-sição ou conquista, por exemplo, de uma competição esportiva ou de

um momento de valorização de um atributo corporal; ocasionais – di-ante de situações novas, o adolescente assume o estereótipo do novopapel, por exemplo, o de universitário; circunstanciais – o adolescenteprocura mostrar a identidade mais adequada a cada grupo de pertenci-mento: pode ser agressivo em casa e submisso frente ao grupo de ami-gos. Tais identidades podem alternar-se e coexistir.

Essas oscilações refletem tanto a tentativa de assumir uma novaidentidade quanto o retorno a modelos passados, vivências necessáriasnesse momento de luto pela perda da infância.

Essa corrente identifica a tendência grupal nos adolescentes. O

grupo uniforme e homogêneo – falando as mesmas gírias, usando asmesmas roupas – lhes dá segurança. Cada membro espelha e se identi-fica com o outro. Pertencer ao grupo, ser aceito pelo grupo traz aoadolescente segurança emocional.

A dependência em relação ao grupo de amigos significa, por outrolado, a transferência da dependência infantil em relação ao grupo fami-liar. O grupo cumpre, nesse sentido, a função de ajudar o adolescente arealizar a passagem do mundo doméstico ao mundo público. O líderdo grupo substitui a autoridade paterna, e se o adolescente deixa de

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se submeter ao pai para submeter-se ao líder do grupo, também exercitacom ambos a possibilidade da confrontação e do desafio.

O grupo possibilita ao adolescente externar e experimentar a vio-lência e crueldade, uma vez que a culpa fica diluída no grupo. Este oajuda, portanto, a distinguir e internalizar o bem e o mal. Com o gru-po, ele aprende comportamentos eticamente aceitáveis. Os comporta-mentos destrutivos em grupo costumam ser passageiros e ajudam oadolescente a conhecer e dominar suas fantasias destrutivas.

O adolescente manifesta necessidade de intelectualizar e fantasiar.Knobel associa essa necessidade ao processo psicodinâmico de elabora-ção do luto pelo corpo e vivências infantis. A crise que o adolescente vive por não ser mais criança e não ser ainda adulto só pode ser resol- vida na fantasia. Ele cria teorias e projetos que o ajudam a superar as

angústias das perdas que sofre nesse momento e, assim, estabilizar-se.Por outro lado, ele procura estar presente a manifestações artísticas eculturais, que também ancoram suas fantasias.

Crises religiosas acontecem, com uma oscilação entre períodos deprofunda fé ou de profundo ateísmo. Knobel explica as relações doadolescente com a religião pela necessidade de encontrar algo dura-douro e imutável quando seu corpo e sua vida estão em plena revolu-ção. Além disso, o adolescente “começa a enfrentar a separação defini-tiva dos pais e a possível morte dos mesmos” (Knobel, 1992, p. 66).

Outro aspecto enfatizado é a desestruturação temporal vivida peloadolescente – o passado (infância); o presente (conturbado nas trans-

formações); o futuro (o mundo adulto ainda não alcançado). Knobelpropõe que uma das aquisições da adolescência é a elaboração do tem-po, decorrência da elaboração dos lutos pela infância, pelo corpo infan-til e pelos pais da infância.

Para o adolescente, o tempo vivido é mais importante que o tempocronológico, daí a desorganização do seu dia, quando o tempo “dá prafazer tudo” ou “não dá prá fazer nada”.

Quanto à questão sexual, Knobel, apoiado em Arminda Aberas-tury e M. Klein, entende que a organização da sexualidade adoles-

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cente é uma retomada evolutiva das etapas sexuais anteriores, tanto da vivência edípica precoce, na segunda metade do primeiro ano de vida,quanto daquela iniciada por ocasião da fase fálica. Dessa forma, a evo-

lução positiva ou negativa da sexualidade do adolescente está associadaà imagem internalizada do par parental.

A atitude social reivindicatória do adolescente exterioriza seus con-flitos internos na busca de organização de sua identidade. Outro sinaldo comportamento dos adolescentes são suas contradições. O adoles-cente, muitas vezes, age movido por seus desejos, o que a psicanálisechama da atuação. O seu pensamento é freqüentemente convertido numaação e testado pela realidade objetiva. O adolescente busca separar-sedos pais, mediando essa separação com seus ídolos idealizados. Se a vivência com os pais foi positiva, e se os pais mostraram uma relaçãoconjugal satisfatória, o adolescente sentir-se-á encorajado a buscar rela-

cionamentos heterossexuais. As alterações de humor e de ânimo sãoatribuídas às suas crises maníaco-depressivas. A mania funciona comomecanismo de defesa frente à depressão pelas perdas vividas.

As teorias culturalistas e de relações objetais valorizam as experiên-cias infantis, enfatizando a importância da socialização primária. Comosabemos, a socialização primária dá-se na experiência da criança comseu grupo social mais próximo, a família. A convivência da criança comos adultos significativos resulta a um só tempo em aprendizagens emarcas psíquicas.

A tarefa emocional da adolescência, proposta por E. Erikson, é

posta no sentido da adaptação social e do entendimento da crise vividana adolescência como funcional e adaptativa.

Para as teorias das relações objetais a principal tarefa da adoles-cência é realizar o luto pelos pais da infância. Neste sentido, a adoles-cência será em maior ou menor grau crítica ou geradora de sofrimentodependendo da qualidade das primeiras relações objetais vividas pelosujeito.

 Já a teoria psicanalítica do sujeito representada por Lacan ope-rou uma volta aos escritos de Freud de modo a fundamentar a sua

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própria elaboração teórica na hipótese do inconsciente estruturado comouma linguagem.

Os psicanalistas filiados à corrente lacaniana colocam ênfase no in-consciente como fator decisivo da constituição do sujeito. Não impor-tam as experiências concretas, mas sim as significações produzidas so-bre tais experiências. A linguagem não se reduz às palavras, mas esten-de-se aos sistemas de significação e às ordens simbólicas que antecedemo domínio da palavra, seja ela falada ou escrita. O falo é o único signi-ficante em torno do qual o sujeito se estrutura.

Não caberia no curto espaço deste ensaio uma revisão da teorialacaniana, seus aspectos mais gerais são mencionados com a intençãode situar as produções de Rappaport e Rufino sobre a adolescência,uma vez que, eles estão ancorados na teoria lacaniana.

Com base em tais pressupostos, Rappaport considera que a ado-lescência pode ter seu início identificado a partir dos fenômenos puber-tários, aqueles determinados biologicamente. Mas é preciso deixar cla-ro que adolescência não é sinônimo de puberdade, e que a puberdadesinaliza apenas seu início. O que interessa à psicanálise, diz a autora,“são as mudanças subjetivas que o indivíduo terá que operar para darconta das metamorfoses que levam à maturidade genital, ao exercícioda sexualidade genital, de fato, e não mais apenas ao nível imaginativoe das mudanças na relação com o Outro.” (Rappaport, 1993, p. 7).

Retomando Freud desde a perspectiva lacaniana, a autora entende

a adolescência como “período privilegiado da vida fantasmática, quepermite, ou até exige, esta articulação entre a subjetividade infantil,onde os pais são as figuras fundamentais da afetividade, e a subjetivi-dade adulta” (Rappaport, 1993, p. 8). Tal articulação ocorre no nívelinconsciente.

Ruffino (1993) explica que a psicanálise lacaniana afasta-se da con-sideração da adolescência como fase etária para colocá-la no registro dotrabalho psíquico, tarefa esta que durará o tempo necessário a cadasujeito.

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Ele diz que a adolescência é um produto histórico da modernidadenas sociedades ocidentais. Ao contrário das sociedades não-ocidentais epré-modernas, que dispõem de rituais específicos e coletivos que mar-

cam a passagem da infância à juventude e desta para a idade adulta, associedades modernas e ocidentais, distantes dos rituais específicos e co-letivos, legaram aos sujeitos a tarefa individual de realizar sua própriapassagem à idade adulta. O que era feito através de rituais coletivostorna-se trabalho psíquico solitário.

Ruffino trabalha com a hipótese de que “a adolescência faz partedos elementos que participam da ordem simbólica desde o momentoda história da humanidade em que sua existência surgiu como necessá-ria, sendo constituída, a partir de então, em elemento fundamental daestrutura subjetiva do homem para que este possa se fazer adulto” (Ru-ffino, 1993, p. 30).

A psicologia da adolescência oscilou, segundo Ruffino, entre doispólos. De um lado, os defensores da tese organogênica, que procura- vam explicar a adolescência a partir dos fenômenos da puberdade. Deoutro lado, os que entendiam a adolescência a partir de explicações deordem sociogênica, ressaltando as influências sociais e culturais da ado-lescência. Nenhuma das duas vertentes consegue explicar a adolescên-cia e a fusão de ambas parece ao autor impossível, uma vez que partemde argumentos opostos e excludentes.

Ele propõe pensar a complexidade da adolescência como “umareprodução subjetiva, provocada por algo de real (atordoante) do Campodo Outro (exterioridade), enquanto tentativa de simbolização do quehouve de brutal nesse encontro com o real para o jovem púbere.” (Ru-ffino, 1993, p. 35).

Conforme vimos, a adolescência é definida nessa vertente comotrabalho psíquico. A tarefa a ser realizada é o luto: “Se definimos aadolescência como tarefa, devemos agora admitir que sua tarefa é umtrabalho de luto. Não é primordialmente um luto pela infância perdi-da, mas é antes um luto por uma certa forma de eficácia simbólicacomunitária destruída” (Ruffino, 1993, p. 46).

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O luto é entendido como superação da tristeza pela perda do obje-to, ao contrário da melancolia, que significa a cristalização da tristeza ea impossibilidade de superá-la.

A passagem da infância para a adolescência não se faz nas socieda-des ocidentais e modernas por meio de ritos compartilhados coletiva-mente, mas pelo sujeito solitariamente. Seria esse o argumento básicodessa vertente. Onde termina a adolescência? Para Ruffino,

“um bom prognóstico de seu percurso será estabelecer, ao seu final, uma novasubjetividade na qual funcione aquilo que substitua, herde e equivalha ao dispo-sitivo societário pré-moderno, que há milênios bem sabia como significar o realcom o qual o púbere moderno se encontra, e de cuja significação dependerá oadulto para surgir, ou seja, enquanto trabalho de luto, a adolescência se estabele-ce no sujeito como operação que visará transformar o próprio sujeito, de modoa torná-lo capaz de constituir, para si, os dispositivos simbólicos eficazes para

construir um significante lá onde houve um brutal encontro com o real.” (Ruffi-no, 1993, p. 46/47).

A corrente pós-estruturalista é habitualmente criticada quanto aocaráter de universalidade e à impossibilidade de discutir as especifici-dades e variabilidades históricas, pois as considerações acerca das rela-ções socais são postas no registro da proibição do incesto e do parricí-dio, da lei estruturante do sujeito e da cultura, uma lei universal.

Discordo de Ruffino quanto este afirma que as sociedades moder-nas e ocidentais não dispõem de ritos coletivos de passagem da infânciapara a adolescência. Penso que essas sociedades produziram, no regis-

tro urbano, tecnológico e consumista de bens materiais e simbólicos, verdadeiros ritos de passagem com o qual o adolescente tem que sehaver para ser aceito no mundo dos adultos. Não podemos esquecertambém que tais “ritos de passagem” estarão também marcados pelolugar de classe social dos adolescentes. Se tomarmos os adolescentesdas camadas de classe média e média alta no espaço urbano, podemos verificar que ter carteira de motorista ou dirigir o carro dos pais semcarteira e sem o consentimento deles, comprar um carro e viajar naInternet podem ser comportamentos identificados como próprios da-quele grupo social e daquela faixa etária. Se pensarmos nos jovens empo-

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brecidos, moradores das periferias dos grandes centros urbanos, vere-mos que a saída da adolescência para o mundo adulto poderá ser preci-pitada pelo trabalho precoce e pela evasão escolar, mas também marcada

por alguns ritos que revelam semelhanças entre adolescentes de classessociais distintas: freqüentar determinados bares, usar drogas, ter deter-minado comportamento sexual, cometer pequenos ou grandes delitoscom seu grupo de pertencimento para demonstrar coragem, rebeldia,estar numa banda e tantas outras formas de manifestação e assimilaçãodo que se considera uma “cultura juvenil”, que promove não só suaaceitação frente aos pares, mas também a passagem para o mundo adul-to, despedindo-se do mundo supostamente livre e irresponsável dos ado-lescentes.

A paternidade e a maternidade consideradas “precoces” e comunsentre os jovens na atualidade parecem significar, para uma parcela sig-nificativa da população, uma forma de passagem ao mundo adulto. Talexperiência produzirá significações distintas para jovens pertencentes àsdiferentes classes sociais.

Na contribuição da vertente teórica à qual Ruffino se filia, queroressaltar a possibilidade de pensar a adolescência fora do registro etá-rio. No entanto, penso que o registro psíquico não se descola do regis-tro sociocultural. Se considerarmos o registro psíquico descolado docontexto de pertencimento do sujeito, estaremos, a meu ver, naturali-zando tal registro.

O tempo da adolescência é, pois, o tempo de realização das tarefas

psíquicas que levam os adolescentes à elaboração de nova identidade.No entanto, a construção dessa nova identidade e o tempo dessa cons-trução são mediados pelos valores do grupo social de pertencimento do jovem e pelas significações que as categorias de gênero, classe social,raça/etnia e geração engendram.

A psicologia genética é outra grande família teórica, cujos mem-bros são principalmente Piaget e Vygotsky. Esses autores têm em co-mum a abordagem genética, ou seja, aquela que se refere à origem e aoprocesso de formação das funções psicológicas. Vygotsky se diferencia

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de Piaget por considerar a dimensão dialética e sócio-histórico do desen- volvimento humano. A psicologia genética ocupou-se da pesquisa daorigem e desenvolvimento dos processos de pensamento e linguagem.

Autores como Levisky, que se ocupam da problemática emocionaldo adolescente, procuram articular os aspectos emocionais com os cog-nitivos, concordando com a hipótese da construção e transformação dopensamento e linguagem nas diversas etapas da vida. Levisky afirmaque “a inteligência formal participa ativamente no processo de elabora-ção da crise da adolescência, levando subsídios que vão integrar as in-terferências na vida afetiva.” (Levisky, 1995, p. 38).

Os estudos acerca do desenvolvimento cognitivo ocupam-se doprogresso gradativo da habilidade humana no sentido de obter conhe-cimento e se aperfeiçoar intelectualmente. Em suas pesquisas, Piaget

ocupou-se da sociogênese, expressão que designa o estudo dos conhe-cimentos enquanto empreendimento da humanidade em seu conjunto,através do esforço dos intelectuais que conseguiram captar as deman-das por um novo saber e encarnaram as motivações e as possibilidadesdo fazer ciência; da psicogênese, estudando a formação do conheci-mento no nível do sujeito. O conhecimento, nessa ótica, não procededa experiência única dos objetos, nem de uma programação inata epré-formada no sujeito, mas da relação sujeito/objeto. Daí a expressãointeracionismo, que possibilita construções sucessivas com elaboraçõesconstantes de estruturas novas no sujeito, que transformam tanto a elepróprio como ao objeto de conhecimento. Por fim, Piaget ocupou-se

dos estudos de formalização, entendidos como pesquisas no campo dasrelações lógicas.

O sujeito piagetiano é o sujeito epistêmico, universal e que cons-trói conhecimento partindo de estruturas simples em direção às maiscomplexas. A passagem de um estágio a outro provoca um desequilí-brio temporário que, posteriormente, dá lugar a uma forma superiorou mais complexa de raciocínio.

O primeiro estágio de conhecimento é chamado de sensório-mo-tor, pois a atividade intelectual do bebê é de natureza sensorial (percep-

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ção) e motora (que leva à ação). O segundo estágio é o pré-operacional,momento em que a criança desenvolve a capacidade simbólica por in-termédio da linguagem, da fala e da produção gráfica. O terceiro está-

gio é conhecido como período das operações concretas, caracterizadopelas operações mentais da criança que ocorrem em resposta a objetos esituações reais. Finalmente, o período das operações formais, marcadopela pensamento formal e que se inicia após os doze anos.

O pensamento formal é o último estágio do desenvolvimento cog-nitivo e pode ser definido como hipotético-dedutivo: o sujeito torna-secapaz de deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente atra- vés de observação do real.

Ao tratar da adolescência, Piaget considera que, “evidentemente, amaturação do instinto sexual é marcada por desequilíbrios momentâ-

neos, que dão colorido afetivo muito característico a todo este últimoperíodo da evolução psíquica. Mas estes fatos bem conhecidos, quequequequequecerta literatura psicólogica banalizou,certa literatura psicólogica banalizou,certa literatura psicólogica banalizou,certa literatura psicólogica banalizou,certa literatura psicólogica banalizou, estão longe de esgotar a análiseda adolescência e, além do mais, desempenhariam apenas papel bemsecundário, se o pensamento e a afetividade próprios do adolescentenão lhes permitissem eeeeexagerarxagerarxagerarxagerarxagerar-lhe a importância”-lhe a importância”-lhe a importância”-lhe a importância”-lhe a importância” (Piaget, 1984,p. 61 – grifos meus). Encontramos aqui uma crítica de Piaget à ênfasedada ao aspecto da crise da adolescência.

Piaget conclui apresentando o objeto de suas preocupações relati- vas à adolescência: “São, portanto, estruturas gerais destas formas fi-nais de pensamento e vida afetiva que devemos descrever aqui e não

algumas perturbações especiais” (Piaget, 1984, p. 61).Em seguida, Piaget restaura certa positividade da adolescência:

“Na verdade, apesar das aparências, as conquistas próprias da adoles-cência asseguram ao pensamento e à afetividade um equilíbrio2 superi-or ao que existia na segunda infância. Os adolescentes têm seus pode-res multiplicados; estes poderes, inicialmente, perturbam a afetividade,mas depois os fortalecem” (Piaget, 1984, p. 61).

O adolescente adquire a habilidade de realizar operações lógicasno nível das idéias, desvinculando-se do palpável ou do concreto. É

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capaz de formular hipóteses e chegar a conclusões nem sempre coeren-tes com a verdade fatual ou da observação.

Piaget afirma que o adolescente constrói teorias e sistemas. “O quesurpreende no adolescente é o seu interesse por problemas inatuais, semrelação com as realidades vividas no dia-a-dia, ou por aqueles que ante-cipam, com uma ingenuidade desconcertante, as situações futuras domundo, muitas vezes quiméricas. O que mais espanta, sobretudo, é asua facilidade de elaborar teorias abstratas” (Piaget, 1984, p. 62).

A forma de pensamento do adolescente não aparece bruscamente,está articulada ao pensamento concreto da segunda infância. A passa-gem do pensamento concreto para o pensamento formal é, na perspec-tiva piagetiana, o produto de uma construção.

“Após os 11 ou 12 anos, o pensamento formal torna-se possível, isto é, asoperações lógicas começam a ser transportas do plano da manipulação concretapara o das idéias, expressas em linguagem qualquer (a l inguagem das palavras oudos simbólicas matemáticos, etc.), mas sem o apoio da percepção, da experiência,nem mesmo da crença” (Piaget, 1984, p. 63).

O pensamento formal é, para Piaget, uma representação de umarepresentação de ações possíveis, ou seja, uma operação que permitepensar o próprio pensamento. Piaget mostra que a lógica das operaçõesformais é a mesma lógica das operações concretas. Diz ele:

“[As operações formais] não são outras senão as mesmas operações [operaçõesconcretas], mas aplicadas a hipóteses ou proposições. Consistem em uma (lógicade proposições), em oposição à das relações, das classes, dos números, mas osistema de (implicações) que regulam estas proposições constitui, apenas, a tradu-ção abstrata das operações concretas” (Piaget, 1984, p. 64).

É o pensamento formal que permite ao adolescente construir siste-mas: “A inteligência formal marca, então, a libertação do pensamento enão é de admirar que este use e abuse, no começo, do poder imprevistoque lhe é conferido. Esta é uma das atividades essenciais que opõe aadolescência à infância: a livre atividade de reflexão espontânea” (Pia-get, 1984, p. 64).

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Essa nova forma de pensar instrumenta o adolescente para o seuexercício necessário de fantasiar e devanear atividades que dão suporteàs suas angústias no terreno afetivo-sexual; por outro lado, a capacidade

de argumentar possibilita o enfrentamento das figuras de autoridade, tam-bém necessário, tendo em vista a destituição dos pais da infância.

Nessa etapa de construção do pensamento, o adolescente também vive a última forma do egocentrismo, assim descrita por Piaget: “Estaúltima forma de egocentrismo manifesta-se pela crença na onipotênciada reflexão, como se o mundo devesse submeter-se aos sistemas e nãoestes à realidade. É a idade metafísica por excelência: o eu é forte bas-tante para reconstruir o Universo e suficientemente grande para incor-porá-lo” (Piaget, 1984, p. 64-65).

Esse egocentrismo metafísico é reduzido quando “o equilíbrio é

atingido, quando a reflexão compreende que sua função não é contra-dizer, mas se adiantar e interpretar a experiência” (Piaget, 1984, p. 65)

A personalidade é outra conquista da adolescência, segundo Piaget.“A personalidade começa no fim da infância (8 a 12 anos) com a organi-zação autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade, com aregularização e hierarquização moral das tendências... Existe personali-dade, pode-se dizer, a partir do momento em que se forma um ‘programade vida’, funcionando este ao mesmo tempo como fonte de disciplinapara a vontade e como instrumento de cooperação” (Piaget, 1984, p. 66).A organização autônoma das regras e a formulação de um “programa de vida” só são possíveis a partir do pensamento formal ou hipotético dedu-tivo, daí a associação da personalidade com a adolescência.

Piaget continua dizendo que “a personalidade implica uma espé-cie de descentralização do que se integra em um programa de coopera-ção e se subordina a disciplinas autônomas e livremente construídas.Acontece que todo desequilíbrio a centralizará de novo sobre ela pró-pria, de tal modo que, entre os pólos da pessoa e do eu, as oscilaçõesserão possíveis em todos os níveis. Daí, em especial, o egocentrismo daadolescência, do qual vimos o aspecto intelectual e cujo aspecto afetivoé ainda mais conhecido” (Piaget, 1984, p. 66).

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Piaget mostra que a tentativa de entrada do adolescente no mundodos adultos se dá muitas vezes através de “projetos, programas de vida,de sistemas muitas vezes teóricos, de planos de reformas políticas ou

sociais. Em suma, através do pensamento, podendo-se quase dizer atra- vés da imaginação” (Piaget, 1984, p. 67-68). O ar alheio do adolescenteem relação ao mundo externo significa, a partir da proposta de Piaget,que o adolescente, exercendo sua nova habilidade do pensamento for-mal ou hipotético-dedutivo, pensa o mundo e o transforma no seu pen-samento.

É a atividade do trabalho que garante a inserção no mundo adulto:“O trabalho profissional, uma vez superadas as últimas crises de adap-tação, restabelece seguramente o equilíbrio e marca, assim, o acesso àidade adulta em definitivo” (Piaget, 1984, p. 69).

Finalmente, Piaget articula o desenvolvimento cognitivo e moralcom a afetividade: “Bem entendido, é sempre a afetividade que consti-tui a mola das ações das quais resulta, a cada nova etapa, esta ascensãoprogressiva, pois é a afetividade que atribui valor às atividades e lhesregula a energia. Mas a afetividade não é nada sem a inteligência, quelhe fornece meios e esclarece fins” (Piaget, 1984, p. 70).

Vygotsky, vinculado à corrente sócio-histórica, tratou como temacentral em sua teoria das relações entre o desenvolvimento e a aprendi-zagem nas diversas etapas da vida.

Nos textos dedicados à Paidologia del adolescente, Vygotsky discuteos interesses e a personalidade do adolescente. Ele considera que o ado-lescente é antes de tudo um ser pensante capaz de relacionar as necessi-dades biológicas do organismo com suas necessidades culturais superi-ores é desta elaboração que para Vygotsky surgem os interesses.

Vygotsky considera que as tarefas do adolescente estão relaciona-das, tanto na origem quanto nas possibilidades de realização, ao seupertencimento de classe. O autor identifica as três classes fundamentaisde sua época: burguesa, operária e camponesa. As tarefas básicas doadolescente são a tomada de decisão quanto à sua vocação e a eleição deuma profissão.

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Ao estudar a dinâmica e a estrutura da personalidade adolescente, oautor considera três leis: a primeira regula o desenvolvimento e a estru-tura das funções psíquicas superiores, que são o núcleo fundamental da

personalidade em formação. É a lei de transição das formas e modos decomportamento naturais, imediatos e espontâneos aos mediados e artifi-ciais que surgem no processo do desenvolvimento cultural e psíquicodo homem. Para Vygotsky, o desenvolvimento cultural do comporta-mento se acha vinculado ao desenvolvimento histórico e social da hu-manidade.

As funções psíquicas superiores são entendidas como aquelas quecaracterizam o funcionamento psicológico tipicamente humano: açõesconscientemente controladas, atenção voluntária, memorização ativa,pensamento abstrato, comportamento intencional. Esses processos sediferenciam de mecanismos mais elementares, como reflexos, reaçõesautomáticas, associações simples.

A segunda lei diz respeito aos processos de interiorização das rela-ções sociais traduzidas nas funções psíquicas superiores, ou seja, as for-mas sociais e coletivas de comportamento se convertem em modo deadaptação individual. Vygotsky diz que a natureza psíquica do homemé um conjunto de relações sociais trazidas ao seu interior e convertidasem funções da personalidade, partes dinâmicas de sua estrutura. A inte-riorização das relações sociais externas existentes entre as pessoas é a baseda formação da personalidade.

A terceira lei está relacionada à segunda, no que diz respeito àinteriorização dos comportamentos sociais e coletivos, que, ao conver-ter-se em forma individual de conduta, perde, durante seu longo cami-nho de desenvolvimento, os traços de operação externa e se converte emoperação interna.

A personalidade, para Vygotsky, não é outra coisa senão a auto-consciência do homem. O novo comportamento do homem se transfor-ma em comportamento para si, o homem toma consciência de si mes-mo. Esse processo de tomada de consciência é o ponto central e o resul-tado final de toda a idade de transição, ou seja, a adolescência.

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Citando a pesquisa de Busemann, Vygotsky concorda com as con-clusões do autor de que o desenvolvimento da autoconsciência depen-de do conteúdo cultural do meio ao qual pertence o adolescente, em

uma medida superior a qualquer outro aspecto da vida espiritual. MasVygotsky discorda de Busemann quando este considera que as dife-renças no desenvolvimento da autoconsciência do adolescente em ra-zão do sexo são muito mais consideráveis do que as diferenças entre ascrianças de sexos diferentes procedentes de diversas camadas sociais.Busemann acredita que as jovens trabalhadoras são mais parecidascom as jovens da burguesia de que os jovens trabalhadores com os jovens da burguesia.

Vygotsky mantém-se fiel à sobredeterminação de classe em relaçãoao desenvolvimento e não considera a maneira como a sobredetermina-ção de classe agiria sobre as diferenças sexuais.

Vygotsky concorda que o adolescente pauta-se por uma forma lógico-dedu-tiva de pensamento. Diz ele: “Ao longo do desenvolvimento, ocorre uma transfor-mação, especialmente na adolescência. Pesquisas sobre memória nessa idade mos-traram que, no final da infância, as re-lações interfuncionais envolvendo a memó-ria invertem sua direção. Para as crianças, pensar significa lembrar; no entanto,para o adolescente, lembrar significa pensar. Sua memória está tão carregada delógica que o processo da lembrança está reduzido a estabelecer e encontrar relaçõeslógicas; o reconhecer passa a coincidir em descobrir aquele elemento que a tarefaexige que seja encontrado” (Vygotsky, 1994, p. 67).

O autor também mostra que não bastam as ações do meio sobre osujeito, que a transposição do exterior ao interior não é mecânica:

“A presença de um problema que exige a formação de conceitos não pode,por si só, ser considerada a causa do processo, muito embora as tarefas com que o jovem se depara ao ingressar no mundo cultural, profissional e cívico dos adultossejam, sem dúvida, um fator importante para o surgimento do pensamento con-ceitual. Se o meio ambiente não apresenta nenhuma dessas tarefas ao adolescente,não lhe faz novas exigências e não estimula o seu intelecto, proporcionando-lheuma série de novos objetos, o seu raciocínio não atingirá os estágios mais elevadosou só os alcançará com grande atraso” (Vygotsky, 1993, p. 50).

No entanto, continua Vygotsky: “O pesquisador deve ter como objetivo acompreensão das relações intrínsecas entre as tarefas externas e a dinâmica do

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desenvolvimento, e deve considerar a formação de conceitos como uma função docrescimento social e cultural global do adolescente, que afeta não apenas o conteú-do, mas também o método de seu raciocínio” (Vygotsky, 1994, p. 50/51).

Os experimentos feitos por Vygotsky objetivando estudar a forma dopensamento do adolescente mostram que o caráter transitório dessa fase da vida está também presente na forma de pensar: o adolescente é capaz deelaborar conceitos e manejá-los no nível abstrato, mas pode ter dificulda-de em aplicá-los numa situação prática ou explicá-los com palavras.

Vejamos as conclusões de Vygotsky: “O adolescente formará e utilizará umconceito com muita propriedade numa situação concreta, mas achará estranha-mente difícil expressar esse conceito em palavras, e a definição verbal será, namaioria dos casos, muito mais limitada do que seria de se esperar a partir do modocomo utilizou o conceito” (Vygotsky, 1994, p. 69).

Vygotsky constata que o processo de formação de conceitos é bas-tante complexo e oscila entre duas direções básicas: do particular para ogeral e do geral para o particular. E conclui: “A maior dificuldade é aaplicação de um conceito, finalmente apreendido e formulado num ní- vel abstrato, a novas situações concretas (...), um tipo de transferênciaque em geral só é dominado no final da adolescência. A transição pri-mitiva do concreto para o abstrato” (Vygotsky, 1994, p. 69).

A relação do sujeito humano com o mundo, para Vygotsky, não éuma relação direta, mas mediada pelos sistemas simbólicos, entre eles alinguagem. O mundo de cultura no qual o sujeito se constitui não éalgo pronto, não é um sistema estático ao qual o indivíduo fica subme-tido, mas um espaço de negociações em que os membros da culturaestão em constante movimento de recriação e reinterpretação de infor-mações, conceitos e significados.

Quanto às questões cognitivas, é preciso ressaltar que o pensamen-to formal ou hipotético-dedutivo, visto como a forma mais elaborada dopensamento alcançado na adolescência, também não é universal. Talcomo lembra Vygotsky, a qualidade do pensamento na adolescência estáreferida à sua inserção de classe, ou seja, às condições concretas de existên-

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cia que permitem ou impedem o acesso do adolescente a bens materiaise simbólicos.

Os pesquisadores do grupo de Vygotsky e mais contemporanea-mente os estudos de Dolle (1993) e Lajonquiére (1992) procuram arti-cular os aspectos emocionais aos cognitivos.

Dolle define o sujeito psicológico como um sistema composto porquatro elementos: sujeito biofisiológico, afetivo, cognitivo e social, emconstante interação entre si e com o meio. Nessa ótica, o meio é tambémconsiderado como um sistema composto de três elementos, a saber: pes-soas ou sujeitos, objetos naturais e artificiais e regras institucionais, emconstante interação.

Dolle dirá que não existe hierarquia entre os elementos que com-põem o sujeito psicológico – cada um deles é necessário, mas nenhum,isoladamente, é suficiente. Dessa forma, o autor reafirma que a totalida-de do sujeito psicológico é o resultado da interação entre todos os ele-mentos. No entanto, admite que necessidades funcionais na relação dosujeito psicológico com o meio podem acarretar a prevalência de umdos elementos, e que tal prevalência é transitória e relacionada às neces-sidades do sujeito psicológico em interação com o meio em um mo-mento particular.

O sujeito psicológico é ativo e sua constituição se dá no processo deinteração com o meio, de forma que tanto o sujeito como o meio trans-formam-se na e pela interação.

O sujeito psicológico fica então caracterizado como um sujeito his-tórico, que não pode ser destacado de seu meio, porque isto acarretaria aeliminação do sujeito social, prejudicando o equilíbrio interno do siste-ma e, por outro lado, desconsiderando sua interação ativa com o meio.

Vejo que, muitas vezes, a habilidade de construção de hipóteses,teorias e sistemas que o adolescente teria é impedida, no seu desenvolvi-mento, pelas práticas escolares empobrecidas. Por outro lado, quandose universaliza essa qualidade de pensamento a todos os adolescentes,ela é utilizada no sentido de explicar a suposta alienação do adolescente

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em relação ao mundo real e às conseqüências dos seus atos, reforçando oestereótipo do adolescente como irresponsável e inconseqüente.

Que se considerem como tarefas próprias da adolescência a aceita-ção do corpo sexuado pronto para a atividade reprodutiva e a aceitaçãode que cada um dos sexos terá um papel determinado e específico nosprocessos de fecundação e gestação. No estágio atual das tecnologias dareprodução, esse papel não é intercambiável. Há também a tarefa deencontrar um lugar na vida produtiva, escolher uma profissão, buscarum modo reconhecido como positivo pelo seu grupo para sustentar-seeconomicamente. Defendo que tais tarefas estão relacionadas às normasda condição de gênero, aos lugares e à divisão de poderes distribuídosdesigualmente entre homens e mulheres na nossa organização social,aos lugares de classe social ocupados pelos sujeitos, às implicações de seupertencimento de raça e etnia, bem como à sua posição geracional.

As tarefas não são naturais, nem conseqüência pura e simples dachegada do sujeito a uma determinada faixa etária. Trabalho com ahipótese de que se a adolescência inicia-se com a puberdade, ela termi-na com o acesso dos sujeitos ao mundo adulto, segundo a realização dedeterminadas tarefas consideradas importantes pelo seu grupo social,que resultam na identidade sexual, ideológica e profissional.

Podemos concluir que as transformações afetivas e cognitivas vivi-das pelos adolescentes estão articuladas na construção psicossocial desua identidade. Por outro lado, sabemos que a psicologia procura en-tender o comportamento humano considerando alguns parâmetros uni-

 versais. Por exemplo, a psicologia pode afirmar que brincar é uma con-dição necessária à saúde psíquica do sujeito, ao seu desenvolvimentoafetivo e cognitivo. No entanto, o significado do brincar e a forma comose brinca estão referidos às condições da cultura, de gênero, de classesocial, de geração, de etnia. Podemos dizer que as tarefas universais depassagem da infância à idade adulta, realizadas no período da adoles-cência, são a construção de uma identidade sexual, profissional, ideoló-gica, como propõe E. Erikson, mas que tais tarefas estão balizadas pe-las condições e significações construídas, nas sociedades complexas, apartir da classe social, gênero, geração e raça/etnia.

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I N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SI N T E R A Ç Õ E SVVVVVol. 5 — Nº 10 — pp. 25-51ol. 5 — Nº 10 — pp. 25-51ol. 5 — Nº 10 — pp. 25-51ol. 5 — Nº 10 — pp. 25-51ol. 5 — Nº 10 — pp. 25-51 JUL/D EZ 2000 JUL/D EZ 2000 JUL/D EZ 2000 JUL/D EZ 2000 JUL/D EZ 2000

NotasNotasNotasNotasNotas1 “EPIGENESIA: Teoria segundo a qual a constitução dos seres se inicia a partir de

célula sem estrutura e se faz mediante sucessiva formação e adição de novas partes que,previamente, não existem no ovo fecundado; epigênese.” (Dicionário Aurélio Buarquede Holanda).

2 Ver a noção de equilíbrio em Piaget.

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   P  s   i  c  o   l  o  g   i  a   d  a  a   d  o   l  e  s  c   ê  n  c   i  a .

   C  o  n   t  r   i   b  u   i  ç   õ  e  s  p  a  r  a  u  m   e

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MARIA IGNEZ COSTMARIA IGNEZ COSTMARIA IGNEZ COSTMARIA IGNEZ COSTMARIA IGNEZ COSTA MOREIRAA MOREIRAA MOREIRAA MOREIRAA MOREIRA

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Recebido em agosto/2000