Upload
tag
View
25
Download
1
Embed Size (px)
DESCRIPTION
TCC
Citation preview
0
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PSICOLOGIA
FAGNER JOSÉ LAURETH W ILMAN
PSICOLOGIA E RELIGIÃO: O OLHAR DA PSICOLOGIA
SOBRE A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
CRICÚMA, DEZEMBRO DE 2009
FAGNER JOSÉ LAURETH WILMAN
PSICOLOGIA E RELIGIÃO: O OLHAR DA PSICOLOGIA
SOBRE A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de psicólogo no curso de psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientador: Prof. MSc. Jeverson Rogério Costa Reichow
CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2009
FAGNER JOSÉ LAURETH WILMAN
PSICOLOGIA E RELIGIÃO: O OLHAR DA PSICOLOGIA
SOBRE A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de psicólogo, no Curso de psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Psicologia e Qualidade de Vida.
Criciúma, 02 de Dezembro de 2009.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Jeverson Rogério Costa Reichow - (UNESC) - Orientador
Profª Elisiênia C. de S. Frasson Fragnani - Mestre - (UNESC)
Prof. João Luiz Brunel - Mestre - (UNESC)
Dedico este trabalho a todos os que me
ensinaram a cultivar a fé; fé em Deus, fé no
ser humano, fé na vida.
AGRADECIMENTOS
memória de meu coração já existem muitos espaços ocupados.
O primeiro espaço é daquele a quem devo a vida. Sou grato por Ele me
ter feito espaço de construção de conhecimento. Por me ter dado vontade e
capacidade de aprender. Agradeço por todas as oportunidades, por tudo que
construí ao abrigo de Sua divina proteção.
À minha família, em especial à minha mãe, pelo amor manifestado nos
tantos gestos de carinho: na comida preparada, na roupa lavada e passada, na
preocupação e no puxão de orelha por tantas noites mal dormidas.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Jeverson e a todos os professores que,
de uma forma ou de outra, contribuíram para que eu me interessasse, sempre mais,
em conhecer a psiquê humana.
Minha gratidão aos irmãos da fé, padres, religiosos e leigos, os quais me
fizeram perceber que é bonito ter fé e que, por meio dela, posso encontrar um
sentido profundo para o meu existir.
Não poderia deixar de citar meus amigos e amigas, especialmente, os
amigos que a academia me proporcionou encontrar. Cada um, ao seu modo, foi,
também estímulo para o meu aprendizado.
Levo todos na memória do coração!
finito para o entendimento é
Feurbach
dependente de uma antropologia limitada,
não aberta à transcendência, não aberta ao
desconhecido que habita nas profundezas
do ser humano e nas profundezas do ser
cósmico, pode algumas vezes conduzir a
J.Yves Leloup
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso consiste em uma pesquisa bibliográfica quantitativa de caráter exploratório, tendo por objetivo compreender as relações entre psicologia e experiência religiosa no contexto atual. Para tanto, procurou-se averiguar: de que forma importantes autores e precursores da psicologia entenderam a experiência religiosa; como as quatro forças da psicologia lêem esses fenômenos atualmente, a partir de pesquisas empreendidas e do manejo de tais experiências na clínica psicoterápica; quais as relações entre saúde mental e experiência religiosa. Percebeu-se, a partir dos achados, que a psicologia, enquanto ciência que procura compreender o comportamento e o psiquismo humano, não pode deixar de considerar essa dimensão tão importante da vida humana e universalmente presente nas culturas. Ainda que a experiência religiosa possa ser um evento gerador de psicopatias, não há como negar seu importante contributo para a significação da existência humana.
Palavras-chave: Experiência religiosa. Religião. Psicoterapia. Saúde psicológica.
ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP Abordagem centrada na pessoa
CIC Catecismo da Igreja Católica
CID 10 Classificação Internacional de Doenças
DSM-IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
2 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA VISTA POR IMPORTANTES AUTORES DA
PSICOLOGIA .......................................................................................................... 12
2.1 Sigmund Freud (1907 1939) .......................................................................... 13
2.2 Carl Gustav Jung (1875 - 1961) ....................................................................... 17
2.3 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) ............................................................ 22
2.4 Abrahan Maslow (1908 -1970).......................................................................... 24
2.5 Carl R. Rogers (1902-1987) .............................................................................. 25
2.6 Rollo May (1909 - 1994) .................................................................................... 27
2.7 Eric Fromm (1900 1980) ................................................................................ 31
2.8 Viktor Emmil Frankl (1905 - 1997) ................................................................... 33
2.9 Jacob Levy Moreno (1889 - 1974).................................................................... 36
2.10 Wilhelm Reich (1897 - 1957) .......................................................................... 39
2.11 Alexander Lowen .......................................................................................... 41
2.12 Stanislav Grof (1931) ...................................................................................... 44
2.13 Ken Wilber (1949) ........................................................................................... 47
3 A INFLUENCIA DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO DO
PSIQUISMO E DOCOMPORTAMENTO HUMANO ................................................. 51
3.1 Conceituação de Alguns Elementos da Experiência Religiosa .................... 54
3.1.1 Religião .......................................................................................................... 54
3.1.2 Experiência Religiosa ................................................................................... 55
3.1.3 Espiritualidade .............................................................................................. 56
3.2 A Compreensão da Experiência Religiosa Segundo Escolas Psicológicas
Atuais ...................................................................................................................... 58
3.2.1 Perspectiva da Cognitivo-Comportamental................................................. 59
3.2.2 Perspectiva da Psicologia Psicanalítica ...................................................... 61
3.2.3 Perspectiva da Psicologia Humanista ......................................................... 66
3.2.4 Perspectiva da Psicologia Transpessoal ..................................................... 71
3.3 A Experiência Religiosa no Contexto Psicoterapêutico Atual ...................... 74
4 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E SAÚDE MENTAL ................................................. 83
4.1 Experiência religiosa e saúde mental: Um pouco da história ....................... 83
4.2 O diagnóstico diferencial ................................................................................ 85
4.3 As classificações do DSM-IV e CID 10 ............................................................ 89
4.3.1 O DSM IV ..................................................................................................... 89
4.3.2 Transtorno de Transe Dissociativo .............................................................. 89
4.3.3 Características associadas .......................................................................... 91
4.3.4 Diagnóstico Diferencial ................................................................................ 91
4.3.5 CID - 10........................................................................................................... 92
5 METODOLOGIA ................................................................................................... 93
5.1 Introdução ........................................................................................................ 93
5.2 Organização dos dados pesquisados ............................................................ 93
6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 96
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 99
ANEXO .................................................................................................................. 106
10
1 INTRODUÇÃO
As relações entre psicologia e religião vêm de longa data. Semelhante ao
ocorrido em várias outros campos do saber científico, também, no campo da
psicologia, a religião foi, durante muito tempo, relegada a um conjunto de crenças
desprovidas de validação e, por isto, as quais, à guisa do positivismo cientificista,
não poderiam ser objeto da ciência como tal. Assim, pode-se ler nos anais da
história, um verdadeiro rechaço às questões pertinentes ao mundo do religioso,
entre os quais a própria experiência religiosa, da qual nascem as tradições
confessionais e seus sistemas de crenças.
Embora, tenha havido, durante muito tempo, esta separação entre os dois
campos de validação da experiência humana, tem-se assistido, nos últimos anos,
alguns esforços no sentido de tornar integrados tais campos de saber.
Especificamente na área da psicologia, parece que, com maior frequencia, estas
temáticas têm ganhado espaço em diversificadas linhas de pesquisa e, também,
dentro da própria clínica psicológica, uma vez que, as experiências religiosas nunca
deixaram de ser trazidas pelos pacientes ao contexto psicoterápico.
Ainda que as dicotomias tenham afastado religião / experiência religiosa e
psicologia, não há como negar que o homem é um ser eminentemente religioso. A
história é testemunha de uma busca incontida, por parte da humanidade, em se
relacionar com uma esfera que lhe signifique as vivências, principalmente aquelas
que lhe geram angustias e sofrimentos. Muitas vezes, a dimensão religiosa
necessita, também, ser re-elaborada, visto que, esta pode gerar vários problemas
psicopatológicos, conforme a psicologia já nos apontou.
Mas, questiona-
da presente pesquisa, ou seja, compreender a experiência religiosa, segundo o
paradigma psicológico na atualidade. Para alcançar tal intento, o primeiro capítulo da
se proporá a averiguar de que forma os grandes autores da psicologia (sendo muitos
deles, fundadores das principais correntes psicológicas) entendiam e/ou entendem a
religião e a experiência religiosa.
11
O segundo capítulo tem o intuito de proporcionar o entendimento de como
a experiência religiosa influência no comportamento e a estruturação do psiquismo
humano. Além de conhecer o pensamento e os conceitos formulados por
importantes autores da psicologia, julgou-se necessário explicitar o significado de
Feitas tais considerações, a busca se dirigiu, de modo mais específico, ao
entendimento da experiência religiosa no contexto atual tido pelas quatro forças da
psicologia (perspectiva cognitivo-comportamental; psicanalítica, humanista e
transpessoal). Evidentemente, em alguns aspectos, tal abordagem retoma dados do
primeiro capítulo, visto que alguns autores se encontram vivos e atuantes no ramo
da psicologia. Isto ocorre, também, pelo fato de tais perspectivas caminharem, ao
menos em linhas gerais, na esteira de seus fundadores.
Ainda, no segundo capítulo, busca-se compreender como a psicoterapia
tem lidado com questões das experiências religiosas. Faz-se isto à luz dos achados
no capítulo antecedente bem como por meio do pensamento vigente nas escolas
psicológicas referendadas.
Para alcançar o objetivo principal, tomam-se, ainda, como objeto de
pesquisa, as relações entre experiência religiosa e saúde mental. Após a
apresentação de um breve histórico desta analogia, far-se-á algumas considerações
sobre o diagnóstico diferencial entre experiências espirituais e sintomas
psicopatológicos, bem como sobre o que é dito pelos manuais do DSM-IV e CID 10
acerca de tais experiências.
Em seu estágio final, o presente trabalho apresentará a metodologia
utilizada, especificando o entendimento do que vem a ser uma pesquisa bibliográfica
quantitativa e os dados gerais da organização da pesquisa. Serão tecidas, também,
as conclusões encontradas a partir do objetivo proposto inicialmente por meio das
respostas obtidas neste trabalho.
12
2 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA VISTA POR IMPORTANTES AUTORES DA
PSICOLOGIA
O pensamento que norteia a compreensão de homem e de mundo,
segundo as escolas psicológicas, geralmente, postula a própria experiência dos
precursores destas escolas. Assim, faz-se mister entender que a compreensão e o
manejo da experiência religiosa, sob a perspectiva da psicologia, nasce, também, da
própria experiência religiosa dos precursores e dos principais pensadores de tais
escolas.
Não se pretende com esta idéia macular a objetividade científica dos
referenciais teóricos da psicologia. Antes, objetiva-se desmistificar certos
preconceitos em face ao rigor científico. Nesse sentido, Sudbrack (2001), respaldado
na fala de Harbermas, afirma que o posicionamento pessoal não contraria a dita
objetividade da ciência, mas é um ponto de partida que insere o ser humano num
diálogo com o pensamento alheio. O autor relata, ainda, que este diálogo é quem
conduz a uma reflexão crítica do próprio ponto de vista.
A partir do pressuposto supra mencionado, surgem alguns
Para Eliade (1992), o único meio para se compreender o universo mental
de outrem é se situando dentro dele, no seu próprio centro, para alcançar, a partir de
então, todos os valores que este universo (o qual é a própria pessoa) comanda.
Certamente, essa empresa da qual fala Eliade (1992) não é isenta de
riscos, uma vez que, como diz Rizzuto (2006), para formar uma representação,
analiticamente relevante, do paciente e da pessoa ou da situação trazida por ele ao
ambiente da psicoterapia, o analista terá de recorrer aos seus próprios processos
mnêmicos.
Os precursores da psicologia, quando em vida, ocuparam-se, fortemente,
em desvendar a experiência religiosa, seja a partir da experiência pessoal ou das
pesquisas empreendidas nesta esfera, o que, em hipótese, possibilitou à psicologia,
um maior entendimento desta questão.
13
comportamento religioso, precisa primeiramente encarar os fatos, antes de tentar
religiosa, apenas, constrói-se nas bases do diálogo entre a subjetividade e a
objetividade científica.
Sudbrack (2001) sustenta que são muitos os posicionamentos dos
grandes autores da psicologia quanto a uma possível interpretação do fenômeno
religioso. Vários
subjetivação, outros, no entanto, acentuaram o aspecto social da experiência,
vinculando-o à religião enquanto instituição.
Para Hillman (1984), desde que Nietzsche declarou que Deus estava
morto e que Freud relegou a religião a uma neurose e uma ilusão, a psicologia tem
adentrado, com maior intensidade, nos domínios da teologia. Considera, também,
que há uma psicologiazação da experiência religiosa em muitos casos, enquanto,
em outros há uma análise puramente sócio-cultural da experiência religiosa.
É evidente que a questão da religião não pode ser, totalmente, dissociada
da experiência religiosa, nem está absolutamente ligada à religião. Essa relação
torna-se mais evidente quando é empreendida uma leitura minuciosa acerca das
obras de grandes autores da psicologia, precursores de grandes correntes
psicológicas.
Será visto, portanto, de que forma os grandes autores das escolas
psicológicas entendem a experiência religiosa.
2.1 Sigmund Freud (1856 - 1939)
Freud, o pai da psicanálise, certamente, foi um dos estudiosos que mais
se debruçou sobre a questão da religião como importante constituinte da psique
humana e do significado da experiência religiosa no comportamento humano. Para
Sudbrack (2001), Freud iniciou uma nova fase de reflexão no conhecimento
psicológico do ser humano e, ainda, na experiência religiosa.
14
Argelazi (2008) entende que as idéias de Freud trouxeram novos e
importantes aportes no entendimento da religiosidade. Entre estes, pode-se destacar
a importância das vivências infantis bem como do inconsciente na vivência religiosa
e a ligação entre as práticas religiosas e atos defensivos. Por outro lado, as idéias
de Freud relegaram a religiosidade ao campo de uma patologia neurótica ou
psicótica, podendo, ainda, atuar como uma defesa ilusória.
Na fala de Dalgalarondo (2008), a pesquisa de Freud foi significante a
ponto de influenciar em diferentes áreas do saber, até mesmo, fora dos âmbitos da
psicologia como, por exemplo, na antropologia cultural, na sociologia, na filosofia e
na própria teologia.
Freud, conforme citado acima, escreveu muito sobre o tema em questão.
Em sua obra titulada de Psicopatologia da vida cotidiana, publicada em1936, ele
afirma crer que grande parte da concepção mitológica do mundo, a qual se estende,
difundindo-se até as religiões modernas, não seja outra coisa se não a psicologia
projetada no mundo externo.
Rizzuto (2006) ressalta que, nesta mesma obra, Freud já manifestara sua
idéia de que não fora Deus quem havia feito o ser humano, e sim que este criara
Aquele à sua imagem e semelhança.
Entre os principais escritos de Freud, relacionados à religião à experiência
religiosa, pode-se citar: Totem e Tabu (1912 - 1913), O futuro de uma ilusão (1927),
O mal estar na civilização (1930), Moisés e o monoteísmo (1934 - 1938). Em
algumas destas obras, há um contundente mergulho na experiência clínica
entendida, obviamente, sob o viés psicanalista. Já em Totem e tabu, é possível
encontrar um estudo antropológico da religião, conforme ocorrido no caso de
Moisés. Na mesma obra pode ser encontrada a afirmativa acerca do que, para
Freud, estava na gênese da experiência religiosa, ou seja, a figura paterna e a sua
relação com o indivíduo. Pois, para ele, a relação pessoal do homem com Deus
depende da relação com o pai e a mãe, em carne e osso, sendo que oscila e se
modifica de acordo com as nuances desta relação.
Fica clara, a partir do pressuposto assinalado acima, a analogia que
Freud faz entre a experiência religiosa e as vivências da infância. A seu ver, Deus é
a exaltação do pai e a religião é o que sustenta esta relação, a qual se mostra uma
ilusão em face da realidade, principalmente quando certas situações da vida se
15
apresentam demasiadamente dolorosas. Tal entendimento da religião como uma
Em Totem e tabu, Freud (1996), também, realiza uma leitura antropológica
do mito judaico cristão, o qual, para ele, concederia o tônus da relação homem e
Deus. Nesta obra, ele explica o mito de um pai primevo e que fora assassinado
pelos filhos. Do sentimento de culpa, proveniente do parricídio, nascem os ritos e
crenças reparatórios que norteiam a crença religiosa e, logicamente, a instituição
religiosa.
Em O futuro de uma ilusão, publicado em 1927, a religião é comparada a
uma ilusão. Afirma Freud (1996, p.145):
quando em sua motivação prevalece a satisfação do desejo e prescindimos, por
isso, de sua relação com a realidade, exatamente como a própria ilusão renuncia à
Dalgalarondo (2008), ao fazer a leitura desta obra, diz que Freud
compara a religião com uma neurose infantil e uma ilusão. A ilusão de ser protegido
por alguém (Deus) em seu desamparo constitutivo. O autor cita que, segundo Freud,
o que superará esse estado de neurose e ilusão é o progresso humano trazido pela
razão, autoconhecimento e ciência.
Freud analisou, não somente, a religião enquanto instituição, mas também
cartas trocadas com o escritor Romain Rolland.
Dalgalarondo (2008) comenta que, para Freud, o sentimento religioso,
descrito por Ro
constituição da religião. Mas, que se sentia incapaz de experimentá-lo. Freud teria
negado que o sentimento oceânico esteja, original e exclusivamente, presente na
religiosidade. Esta era entendida, por ele, muito mais como um retorno à experiência
do bebê fundido à mãe. No dizer de Sudbrack (2001), a experiência mística, como
toda religião, é, para Freud, uma neurose coletiva, uma fuga para um mundo irreal e
fictício.
A fim de compreender, de fato, o pensamento de Freud, acerca da
experiência religiosa, muitos autores se ocuparam desta temática, inclusive os
inseridos na própria psicanálise. Destaca-se, entre estes, Ana Maria Rizzutto (2001),
a qual, em sua obra Por que Freud rejeitou Deus, explica a crítica freudiana a Deus
16
e à religião como fruto de uma experiência na relação de conflito entre ele e os pais
religião podem ser lidas como uma psicobiografia não propositada da sua
2001 p. 255).
A mesma autora, em O nascimento do Deus vivo (2006), dedica várias
páginas ao estudo das concepções freudianas acerca da religião e da construção da
imagem de Deus na mente humana.
Para Dalgalarondo (2008), no entendimento de Freud, a experiência
religiosa tem uma marcante dimensão libidinal. A questão da experiência religiosa
não seria, apenas, uma ideação neutra, e sim uma projeção envolvendo intensa
carga libidinal. Entretanto, Rizzuto (2006), diz que, embora Freud tenha falado muito
da carga libidinal (no tocante à construção da imagem de Deus, por exemplo), não
menciona como esta carga é formada.
A experiência religiosa, também, é entendida, em Freud, como
sublimação. Ele vê na religião um desvio para os instintos sexuais e agressivos.
Dalgalarondo (2008) explica que, para Freud, a religião sancionava a recusa desses
impulsos por parte da sociedade. Já para Rizzuto (2006), a questão da sublimação
pode ser vista por outro ângulo, quando Freud fala que a representação de Deus é
uma sublimação da imagem do pai.
Para Rizzuto (2006), uma das maiores contribuições de Freud está,
justamente, em sua teoria das relações objetais, pela idéia de que o ser humano
usa, vitaliciamente, as imagens ou representações iniciais, pela dependência
humana a relações objetais ou, ainda, pela religiosidade como uma atividade objetal.
Rizzuto (2006) chama à atenção para o fato de que, na ótica freudiana, os
deuses e demônios são confabulações da mente humana. Para a psicanálise
convívio com o pai durante a infância. Logo, a relação com Deus oscila e se
modifica conforme as relações entre pai e filho. Segundo Rizzuto (2006, p.33), Freud
representação de Deus, seja ao longo da história da humanidade ou na história de
17
A partir da concepção de que a experiência religiosa é uma representação
da relação de dependência da criança em relação aos pais, pode-se entender que a
experiência religiosa, em Freud, não pode ser vista como uma experiência primária,
pois, trata-se, na verdade, da derivação de outras experiências. Neste sentido,
Rizzuto (2006) entende que, visto sob a ótica freudiana, Deus estende o poder dos
pais até as regiões mais distantes do universo.
2.2 Carl Gustav Jung (1875 - 1961)
Um pensamento muito distinto das idéias freudianas, acerca da
experiência religiosa, pode ser encontrado na obra de Carl Gustav Jung. Segundo
que, para este, a religião e a experiência mística da qual a religião se origina são
pontos altos do auto-encontro e da auto-realização do ser humano, chamada, por
ele, como processo de individuação.
Jung (1978, p. 8), em sua obra Psicologia e religião, define religião da
seguinte forma:
Encaro a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com o emprego originário do termo: "religio", poderíamos qualificar a modo de uma consideração e observação cuidadosas de certos fatores dinâmicos concebidos como "potências": espíritos, demônios, deuses, leis, idéias, ideais, ou qualquer outra denominação dada pelo homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a experiência ter-lhe-ia mostrado suficientemente poderosos, perigosos ou mesmo úteis, para merecerem respeitosa consideração, ou suficientemente grandes, belos e racionais, para serem piedosamente adorados e amados.
O autor faz uma distinção entre o que é, na sua concepção, confissão
religiosa (instituição) e religião vivida e experimentada. Segundo Jung (1978, p. 8),
ncias
sacralizados e formatados em uma construção mental inflexível e, freqüentemente,
-se em
emérito, e e
18
Entretanto, Jung (1978), considera que este dado não caracteriza,
necessariamente, uma petrificação sem vida. Ao contrário, a religião pode continuar
representando uma forma de experiência religiosa para inúmeras pessoas durante
muito tempo, sem que seja necessário modificá-la.
Diferentemente de Freud, Jung parte do pressuposto de que a experiência
religiosa não é algo patológico, mas algo inerente ao psiquismo humano. Ele resgata
a experiência religiosa, entendida por Freud, como uma manifestação de caráter
neurótico, dando-lhe nova perspectiva de caráter mais positivo, propiciador de
saúde. Acerca de tal propósito, na obra Psicologia da religião, Jung (1983) diz:
[...] de todos os meus pacientes que tinham ultrapassado o meio da vida, isto é, que contavam mais de trinta e cinco anos, não houve um só cujo problema mais profundo não fosse o de uma atitude religiosa. Aliás, todos estavam doentes, em última análise, por terem perdido aquilo que as religiões vivas ofereciam em todos os tempos, a seus adeptos, e nenhum se curou sem ter realmente readquirido uma atitude religiosa própria, o que, evidentemente, nada tinha a ver com a questão de confissão (credo religioso) ou com a pertença a uma determinada igreja. (JUNG, 1983 p. 135-136).
A frase, acima, evidencia, ainda, o fato compreendido, por Jung, a partir
de sua própria experiência clínica, ou seja, do quão necessário se fazia ter um
entendimento da experiência religiosa que não o aplicado, até então, pela
perspectiva de Freud. Jung percebia uma urgência em abordar, de forma
diferenciada, a questão da religiosidade. Uma maneira que propiciasse outro olhar
sobre o fenômeno, não evidenciando um viés religioso, nem mesmo psicanalítico.
Para Jung, a verdadeira causa de neurose decorria da falta de seriedade
sem ter readquirido uma atitude religiosa própria
Jung demonstrava grande apreço por todas as religiões e foi, sem
dúvidas, um grande estudioso da religião, enquanto entidade cultural. Porque,
segundo ele, as religiões conservavam imagens simbólicas que provinham do
estabelecer uma posição espiritual que se contrapõe à natureza instintiva original,
uma atitude cultural em face da mera instintividade. Esta tem sido a função de todas
19
Realmente, a obra de Jung é repleta de tentativas que pretendem
entender as questões espirituais e religiosas que envolvem o ser humano. No
entanto, esta busca não se faz numa perspectiva confessional, doutrinária, como já
fora manifestado acima, mas parte, da ótica fenomenológica, como o próprio Jung
afirma:
Na medida em que o fenômeno religioso apresenta um aspecto psicológico muito importante, trato o tema dentro de uma perspectiva exclusivamente empírica: limito-me, portanto, a observar os fenômenos e me abstenho de qualquer abordagem metafísica ou filosófica. Não nego a validade de outras abordagens, mas não posso pretender a uma correta aplicação desses critérios. (JUNG, 1983, p. 481).
De acordo com Dalgalarrondo (2008), o principal elemento da questão da
experiência religiosa em Jung, era sua visão desta como algo natural do ser
humano, inerente a sua condição. Seria, portanto, parte essencial, constitutiva da
natureza humana, por assim dizer, um instinto.
Para descrever a emoção provinda da experiência religiosa, na qual o
por Rudolf Otto. Ao empregar este termo, novamente, Jung manifesta sua idéia da
experiência religiosa como algo que foge ao querer humano, tal como uma realidade
que infusa:
Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma condição do sujeito, e é independente de sua vontade. De qualquer modo, tal como o consensus gentium, a doutrina religiosa mostra-nos invariavelmente e em toda a parte que esta condição deve estar ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência. Tal é, pelo menos, a regra universal. (JUNG, 1978, p. 9).
Outros conceitos, tais como os de inconsciente coletivo, arquétipo,
símbolo e self, correlacionam-se, perfeitamente, à problemática da experiência
religiosa na obra Jung.
Além do conhecido inconsciente pessoal, Jung entendeu que existia outra
dimensão do inconsciente, a qual chamou de inconsciente coletivo. Para ele, o
inconsciente tem elementos provindos de experiências do indivíduo outrora
conscientes e elementos herdados de uma natureza supra pessoal, presentes no
20
inconsciente coletivo. (JUNG, 2002) Logo, assim como a morfologia corporal, a
psique é herdada em muitos aspectos.
Conforme Dalgalarondo (2008), para Jung, as experiências, sofrimentos e
aprendizados das gerações passadas estão armazenadas no inconsciente coletivo,
onde permanecessem disponíveis ao psiquismo de cada ser humano. Acerca disto,
Jung (2003, p. 15) afirma que uma camada superficial do inconsciente seria o dito
inconsciente pessoal, conforme entendido por Freud, mas que este repousaria sobre
ais Jung chamou de inconsciente
coletivo.
Na obra O homem e seus símbolos, Jung (1964) fala que no inconsciente
coletivo são encontrados os arquétipos. Os quais consistiam em categorias
universais, originárias e peculiares da alma humana. Seriam estes, conteúdos e
imagens próprias do inconsciente coletivo:
a quem falta conhecimento suficiente da psicologia do sonho e da mitologia. -se que
expressa certas imagens ou motivos mitológicos definidos. Mas estes nada mais são do que representações conscientes: seria absurdo supor que representações tão variadas pudessem ser transmitidas hereditariamente. O arquétipo é uma tendência para formar estas mesmas representações de um motivo representações que podem ter inúmeras variações de detalhes
sem perder a sua configuração original (JUNG, 1964, p. 67).
Segundo Veríssimo (2004, p.169), os arquétipos, na concepção de Jung,
denunciam um nível ontológico do ser humano. Assim sendo, Jung entendia que os
arquétipos são associados a experiências originárias do ser humano (feminino,
masculino, ordem, caos, a busca da medida, a transgressão da medida, a morte e o
renascimento, o materno e o paterno, angustia, êxtase, trágico, liberdade, etc.), as
suscitam a formação de imagens simbólicas, que surgem nos sonhos, nos mitos, na
De acordo com Jung, há uma analogia, facilmente verificável, entre as
imagens dos sonhos do homem moderno e as expressões da mente primitiva, sendo
21
(1964, p. 67).
Logo, os denominados conteúdos do inconsciente pessoal e coletivo,
estando entre eles os arquétipos, teriam sua forma de expressão por meio dos
universo mítico-religioso, apontam para o ser, (o si-
feito, continuamente, pela cultura e pelos próprios indivíduos, como sua condição
mais própria, não sendo, portanto, algo pronto nem estático.
Neste mesmo universo mítico-religioso, encontra-se outro aspecto
déia de Deus no
inconsciente coletivo, como um arquétipo, uma imagem primordial.
Entretanto, ainda que Jung tenha entendido as imagens de Deus como
um arquétipo, ele, também, não descartou que, na formação das idéias acerca de
Deus, esteja a própria repre
isso mesmo, em etapas posteriores da vida, ainda que as imagens dos pais tenham
sido analisadas criticamente, corrigidas e reduzidas a dimensões humanas, contudo
continuam essas imagens a atuar aparentem
1972, p. 70).
Dalgalarondo (2008, p. 66), considera que, apesar de acentuar a
dimensão das imagens do divino como fruto de imagens arquetípicas
exclui a natureza cultural das representações de Deus, enquanto um fenômeno
Faz-se necessário ressaltar que, conforme Veríssimo (2004, p. 173), ao
-las
, compete ao
psicólogo, neste campo, determinar, na medida do possível, sua atuação psíquica,
sendo irrelevante saber se esta é, ou não, uma ilusão transcendental.
22
2.3 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990)
B. F. Skinner, autor de renome na psicologia comportamental, pensava na
religiosidade a partir da religião institucional. Na obra Ciência e comportamento
humano (2003), ele evidencia sua leitura da religião como uma agência de controle
social e a experiência religiosa mediante ao padrão de estímulo-resposta.
Para Skinner (2003, p.381), na religião, o controle se dá pela manipulação
compreendido sem se considerar certos processos que são empregados fora do
campo da religião, Estes processos
empregados fora da religião, referidos por Skinner (2003), são, justamente, o
estímulo-resposta, praticado por grandes líderes sociais e, também, políticos a fim
de se imporem.
Skinner (2003) afirma que a autoridade sobrenatural, outorgada a
religiosos, trata-se de uma forma de controle social, baseada em superstições. A
própria crença de céu / inferno e as regras de moral se baseiam num espectro amplo
de reforçadores positivos e negativos.
Segundo Skinner (2003), pode-se entender o céu como prêmio
(recompensa) às boas condutas e o inferno aos que, desobedecendo às regras
ditadas pela religião, vivem no pecado. O céu e o inferno condensam reforços
positivos e negativos.
Com relação à questão da emoção, tão presente nas experiências
religiosas, Skinner diz o seguinte:
Como a emoção usualmente é um meio de controle religioso, o condicionamento respondente é importante. A arte, a música, e os espetáculos religiosos geram respostas emocionais. [...] Essas respostas são transferidas para estímulos, verbais ou não verbais que mais tarde são usados pela agência com propósitos de controle. Algumas agências religiosas recorrem ao uso de drogas, seja para induzir condições emocionais ou motivacionais apropriadas, seja para induzir efeitos que parecem apoiar a alegação de uma conexão sobrenatural. (SKINNER, 2003, p.488).
Compreende-se, a partir desta citação, que, novamente, a dinâmica
estímulo-resposta é a única percepção retirada do fenômeno religioso. Neste
23
sentido, também, a emoção é vista, na mesma perspectiva, como um produto dos
reforços de ordem psicológica e comportamental.
Além do protótipo da emoção, Skinner (2003) cita outro instrumento
religioso: o uso de contingências raras ou acidentais para controlar o comportamento
dos outros. Skinner se refere a situações nas quais se fazem previsões para o
futuro, envoltas em misticismo e superstições. Fato que, ao seu entender, não
passam de artimanhas para manter o controle social e a adesão à determinada
agência religiosa.
2.4 Abrahan Maslow (1908 -1970)
Um dos grandes nomes da Psicologia Humanista é, certamente, Abraham
Maslow (1908 1970), o qual viveu em Nova York, nos Estados Unidos. Em suas
pesquisas, considerou, principalmente, questões relativas ao crescimento e
desenvolvimento pessoais. Estudou uma pequena amostragem de pessoas notáveis
para determinar de que forma estes se diferenciavam de outras pessoas com saúde
mental considerada normal ou mediana.
De acordo com Rosa e Kahhale (2002), Maslow procurou compreender as
mais elevadas realizações que o ser humano é capaz de alcançar. Ele define esta
realização elevada como auto-atualização ou auto-realização, consistindo em
experimentar, de modo pleno, as próprias capacidades internas e individuais
enquanto pessoa. Ainda, segundo as autoras, Maslow denominou estas situações,
nas quais se alcança a auto-
-se de experiências de amor pleno, experiências
religiosas ou simplesmente vivências cotidianas. Para Maslow (s.d., p. 100) essa
experiência pode ser vivenciada em vários momentos, como por exemplo:
[...] na experiência parental, na experiência mística, ou oceânica, ou natural, a percepção estética, o momento criador, a introvisão terapêutica ou intelectual, a experiência orgástica, certas formas de realização atlética etc. A estes e outros momentos de felicidade e realização supremas chamarei
24
Para Maslow, toda pessoa tem tendência para se auto-realizar. Mas,
precisa satisfazer outras necessidades, por ele apontadas na chamada hierarquia
das nas necessidades, antes de chegar a essa realização plena.
Em sua obra Introdução à psicologia do ser (s.d.), Maslow faz uma crítica
a um modelo de psicologia que passe à margem deste tipo de experiências, uma vez
que, para ele, as experiências culminantes estão entre as metas principais da vida,
validando e justificando a própria existência:
As experiências culminantes de puro prazer estão, para os meus sujeitos, entre as metas fundamentais da existência e são validações e justificações desta. Que o psicólogo as despreze, as ultrapasse de largo ou ignore até, oficialmente, a sua existência, ou o que ainda é pior nas Psicologias objetivistas, negue a priori a possibilidade de sua existência como objetos para estudo científico, é algo incompreensível. (MASLOW , s.d., p. 109).
Maslow (s.d., p.112), salienta, ainda, que a psicologia contemporânea tem
-ter em vez do ter, o esforço para realizar em vez da
realização, a frustração em vez da satisfação, a busca de alegria em vez da alegria
Maslow (s.d., p. 110) define o seu entendimento da experiência
culminante, tantas vezes mencionada por ele, da seguinte forma:
[...] a experiência culminante é unicamente boa e desejável, e nunca é experimentada como má ou indesejável. A experiência é intrinsecamente válida; a experiência é perfeita, completa e de nada mais precisa. É auto-suficiente. É sentida como algo intrinsecamente necessário e inevitável. É tão boa quanto devia ser. Provoca uma reação de reverência, encantamento, espanto, humildade e até de exaltação e devoção. A palavra
screver o modo de reação da pessoa à experiência.
Nas entrelinhas de sua obra Introdução à psicologia do ser, Maslow (s.d.)
parece criticar um modelo de psicologia que se focaliza na doença, na
psicopatologia e, não propriamente, no ser em questão. Para o autor, a verdadeira
psicologia deve se interessar mais pelos fins do que pelos meios, isto é, pelo que ele
denominou de experiências terminais, valores terminais, cognições terminais e pelas
pessoas como fins. Maslow (s.d.) titulou de Psicologia do Ser tal modelo de
entendimento da psicologia.
25
Maslow (s.d.) toma, enquanto sujeitos de sua pesquisa, pessoas sadias,
em pleno funcionamento e, não apenas, as doentes, como fazem outros modelos
não está em
contrário, ele acredita que transcende a psicologia do comum e pode, em teoria,
incorporar todas as suas descobertas numa estrutura mais abrangente e global,
capaz de incluir tanto o doente como o são, tanto a deficiência como o ser e o vir a
ser. (MASLOW, s.d.).
De acordo com Rosa e Kahhale (2002, p. 252), Maslow considerava a
psicologia humanista como uma preparação para a quarta força, ou seja, a
psicologia transpessoal. Esta escola iria além da identidade do humanismo, dos
investigar as capacidades humanas máximas, incluindo o estudo da religião e a
2.5 Carl R. Rogers (1902-1987)
No dizer de Boainain Junior (1998), Rogers é, ao lado de Maslow e Rollo
May, um dos maiores líderes teóricos da Psicologia Humanista. E o método, por ele
criado, a ACP (Abordagem Centrada na Pessoa), é considerado um dos modelos
mais completos do entendimento humanista de Homem.
Conforme Rosa e Kahhale (2002), as contribuições de Rogers para a
psicologia e para a psicoterapia, como aspecto característico do movimento
humanista, contestam o modelo transferêncial da psicanálise e o objetivismo das
teorias comportamentais, propondo um modelo de psicoterapia que se funda na
Rogers (1980) defende que cada pessoa tem uma tendência inata,
biologicamente orientada, para atualizar as capacidades do eu, para o auto
26
Na obra Um jeito de ser, Rogers (1980, p. 40) menciona um processo
direcional na vida, o qual caracterizaria uma tendência a um desenvolvimento mais
completo e complexo do ser:
Podemos dizer que em cada organismo, não importa em que nível, há um fluxo de movimento subjacente em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são inerentes. Há também nos seres humanos uma tendência natural a um desenvolvimento mais completo e mais complexo.
seria o nível mais alto de saúde psicológica. Cada pessoa guardaria, em si, um
impulso para ser competente, capaz, completa e autorrealizada. O organismo, na
concepção de Rogers, teria essa tendência para a autopreservação e valorização.
Entretanto, segundo as referidas autoras, para Rogers, o impulso para a
autoatualização pode ser prejudicado por experiências infantis e pela própria
aprendizagem.
Rogers não se deteve muito acerca da experiência religiosa. Na verdade,
é muito raro ver, em sua obra, qualquer referência à temática, inclusive à psicologia
transpessoal, da qual, o próprio Maslow é um dos precursores. Boainain Junior
a característica mais marcante do pensamento rogeriano,
o centrar-se na pessoa, o qual confere nome à sua abordagem, parece excluí-lo do
Entretanto, ao falar da prática psicoterapeutica, Rogers (1980) afirma que,
por meio dela, aprende-se sobre as condições psicológicas que propiciam um
aumento da consciência de si. Acrescenta que é justamente esta autoconsciência,
Após citar a necessidade e a função da consciência no ser humano, para
colocar o homem em sintonia com esse fluxo evolutivo, Rogers (1980) cita, também,
outras experiências de estados alterados de consciência, os quais, segundo ele,
aproximam-se de uma experiência transcendente de unidade. Acerca disto afirma:
Esse relato, tal como a descrição dos estados alterados de consciência, pertence ao terreno do místico. Tenho certeza de que nossas experiência terapêuticas e grupais lidam com o transcendente, o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu, como muitos outros, tenho subestimado a importância da dimensão espiritual e mística. (ROGERS, 1980, p. 48).
27
Na mesma obra, uma vez citadas as experiências de físicos e químicos,
acerca da experiência mística, Rogers (1980) defende que exista uma tendência
formativa do universo, podendo esta, ser rastreada e observada no espaço estelar,
cristais, micro organismos mais complexos e nos seres humanos. Seria uma
tendência evolutiva para uma ordem maior. Explanando acerca desta tendência, o
autor declara:
Na espécie humana, essa tendência se expressa quando o universo progride de seu início unicelular para um funcionamento orgânico complexo, para um modo de conhecer e sentir abaixo da consciência, para um conhecimento consciente do organismo e do mundo externo, para uma consciência transcendente da harmonia e da unidade do sistema cósmico, no qual se inclui a espécie humana. (ROGERS, 1980 p. 50).
Ao final de sua vida, uma vez experimentados alguns fenômenos, os
Rogers (1980, p.31) afirma que considerava possível que cada um de nós fosse uma
,
ocasionalmente, encarnava-se num corpo humano.
2.6 Rollo May (1909 - 1994)
Rollo May, outro autor humanista-existencialista, deixa claro, em suas
obras, o entendimento sobre a sua crença na influência exercida pelo espírito na
formação da personalidade. Para May (2000), o que prova esta influência de aspecto
espiritual, na constituição da personalidade, é a tensão espiritual da qual provém o
sentimento de culpa, oriundo da percepção da diferença entre o que uma coisa é, e
o que ela deveria ser.
A contradição é, assim, prova da presença do espírito na natureza humana. Nós nos sabemos existencialmente portadores do espírito, e a relação introduz os elementos do incondicionado, de que somos infinitos e imperfeitos. À luz de tal tensão, torna-se perfeitamente compreensível que deveríamos experimentar o espírito a todo instante. (MAY, 2000, p 41).
28
Em sua obra A arte do aconselhamento psicológico, May (2000) salienta
que os seres humanos não são criaturas, totalmente, horizontais, nem,
absolutamente, verticais, mas vivem tanto horizontal como verticalmente. Diz, ainda,
consciência do espírito provém dessa suprema tensão. No ponto de intersecção
entre o vertical e o horizontal surge o
41).
A fim de corroborar o entendimento desta questão, May (2000) salienta
que outros psicólogos, como Jung e Rank, também perceberam este dualismo da
natureza humana e admitiram precisar da teologia para responder essa busca
universal.
Para May (2000), é importante que o psicoterapeuta, chamado por ele de
aconselhador, esteja apto a lidar com questões relativas à experiência e à prática
religiosa de seus pacientes. Ao citar alguns exemplos de pessoas que se utilizam da
religião como fuga de realidades particulares, May afirma que a religião tem uma
tendência neurotizante ao separar as pessoas.
Outro aspecto apontado por May (2000, p. 170), o qual torna a
experiência religiosa algo doentio, é o fato de as religiões, muitas vezes, acabarem
No entendimento de May (2000), é a religião autêntica que fundamenta
a an
2000 p.173).
O grande problema, visto na ótica de May (2000) como um problema de
ordem religiosa, é a incapacidade de confiar, a qual configura o verdadeiro estado
neurótico de muitas pessoas. Sobre a qual afirma:
Se alguém puder ter confiança no sentido da vida, puder acreditar no valor último do próprio si-mesmo e do dos outros, puder confiar que o universo tem um significado no qual a própria insegurança pode ser superada, então poderá experimentar a confiança e a coragem que necessita para viver. (MAY, 2000, p. 173-174).
Para May (2000, p. 176), a saúde da personalidade está imbricada em
uma percepção de sentido para a própria vida e para a vida do mundo. O indivíduo
precisa acreditar numa finalidade para a sua vida, e a religião, no seu entendimento,
29
é a crença num processo total da vida. Explica, entretanto, que o seu conceito de
qual confrontamos noss
May (2000) fala, ainda, que quanto mais profundos os pensamentos na
psicoterapia, maior a proximidade à teologia. A psicoterapia inicia com a
problematização da vivência eficaz do indivíduo neurótico, passando pela questão
do sentido e apontando para a teologia. O autor fala, também, da experiência da
graça e de seu correspondente em psicologia, assim chamada para clarificação.
das tensões na personalidade e um ajustamento d
tomar decisões egoístas, no entanto, terá consciência desta tendência, será menos
egocêntrica em suas motivações. Afirma, ainda, que, após a experiência da
clarificação e da graça, o indivíduo é tomado de um senso único de liberdade. Ele
encontrou finalmente a si próprio, encontrou seus semelhantes e encontrou o lugar
de todos no universo.
Na obra O homem a procura de si mesmo, May (2001) enfatiza aspectos
a ser considerados, no tocante à religião e à experiência religiosa em psicoterapia.
Faz uma crítica à postura freudiana, quando este dizia que a religião era, por si só,
uma neurose compulsiva. Sobre essa questão, o autor afirma que qualquer setor da
vida pode ser usado como neurose, até mesmo, a própria ciência, tornada por
muitos cientistas, uma verdadeira neurose.
Segundo May (2001), especificamente em relação à religião, a pergunta a
ser feita é se ela aumenta o grau de dependência, mantendo, ou não, o indivíduo
infantilizado. Contudo, assinala o autor, o difícil é penetrar no significado íntimo das
atitudes religiosas, avaliando-as não como crenças teóricas, mas como aspectos
afetivos da relação orgânica da pessoa com sua vida. Há de se reconhecer, para a
pessoa, a relação entre religião e dependência.
May (2001) atesta que metade do seu trabalho psicoterapêutico tem sido
desta experiência, que ele escreve acerca de aspectos que considera de
fundamental importância a questões ligadas à religião.
30
As pessoas de formação religiosa demonstram, a princípio, zelo maior que o das outras para reformar a si mesmas e a sua vida. Mas em seguida, inclinam-se a uma atAs duas atitudes são naturalmente contraditórias e paralelas também aos efeitos contraditórios da religião. [...] A primeira atitude o vivo interesse por resolver os próprios problemas não necessita comentários; é uma função da fé no significado e no valor da vida, é contribuição construtiva de uma religião amadurecida e, tem influencia dinâmica sobre a terapia. (MAY, 2001, p. 164).
Para May (2001), a atitude, do direito divino de ser cuidado, é algo nocivo
à maturidade da pessoa, uma vez que, seu bom comportamento se motiva pela
obediência e esta, geralmente, não se pauta numa opção responsável segundo a
ética. Assim, o fazer o bem, sempre, tem de ser recompensado. E quando a
recompensa não vem (visto que, na verdade, a própria virtude já é a recompensa) a
pessoa se sente ressentida.
Não obstante, há uma tendência alinhada à dependência religiosa de
outorgar a dignidade, o poder e o prestígio a outrem. Embora não exclusiva da
religião, May (2001) fala que esta tendência é deveras encontrada em relação a
figuras de identificação, tais como, padres, rabinos, pastores e líderes políticos e
sociais. O que, em psicoterapia, chama-se de transferência.
May (2001) identifica, ainda, outro aspecto negativo advindo desta mesma
crença, assim como a pessoa se sente sujeita a uma ação poderosa de outrem a
quem considera superior, também, identificará pessoas que considera inferior a si e
sobre as quais tem o direito de exercer seu domínio.
No entendimento de May (2001, p. 168), as formas neuróticas, de usar a
religião, têm algo em comum, pois, por meio delas, a pessoa evita enfrentar a sua
solidão e ansiedade. Segundo o autor, quando a religião assume esta forma, torna-
se uma racionalização para disfarçar a
profundezas está basicamente sé e que é inevitável, em última análise fazer sozinho
Diz May (2001) que é, precisamente, por meio da análise, que a pessoa,
sentindo ansiedade, procura a autoridade do analista. Mediante tal perspectiva, é
importante que a pessoa se pergunte sobre qual ansiedade lhe faz desejar refugiar-
se junto a uma autoridade ou identificar de qual problema está tentando fugir.
31
May (2001) fala, também, que a religião é construtiva quando fortalece, na
pessoa, o senso de dignidade e de valor e, ainda, quando desenvolve consciência
ética, liberdade e responsabilidade.
No parecer de May (2001), para conhecer-se o efeito produzido pela
religião sobre a pessoa, é importante se questionar até que ponto a crença ou a
prática de determinada religião é uma fuga da liberdade, um modo de se tornar
menos pessoa ou uma maneira de fortalecer esta quanto à sua responsabilidade e
capacidade ética.
2.7 Eric Fromm (1900 1980)
Eric Fromm tece, em suas obras, muitos comentários acerca de questões
pertinentes às instituições religiosas. Em sua famosa obra Análise do homem (1970),
o autor dedica algumas páginas à questão da fé. Comenta que, em sua época, a
igreja e, também a fé, em face ao progresso da razão, foram menosprezadas.
Na obra, Fromm lança mão de várias perguntas sobre a natureza e o
destino da fé frente às mudanças sociais de seu tempo. A partir desses
questionamentos, Fromm (1970) descreve seu entendimento sobre o significado da
fé. Para
impregna as suas experiências, que capacita o homem a enfrentar a realidade sem
Para Fromm (1970, p. 170), a fé designa um traço de caráter e não o
conteúdo de uma crença em algo. O autor fala, ainda, da fé racional e irracional:
resulta da experiência própria da pessoa, de pensamento ou sentimento, mas se
Fromm (1970) caracteriza a fé irracional pelo poder exercido sobre a
pessoa que acredita. Acerca desta submissão a outrem, ou seja, da fé irracional,
Fromm (1970) afirma que a pessoa renuncia a uma independência interior,
substituindo sua experiência particular pela experiência da autoridade. Para
exemplificar seu postulado, o autor fala do que acontece na hipnose e, também, no
32
- ecem quando as pessoas
aderem, cegamente, a um líder.
casos de grandes cientistas, como Copérnico, Galileu, Newton, Kepler.
Nas palavras de Fromm (1970, p. 176), essa fé tem raízes na própria
experiência, na confiança em sua capacidade de pensar, observar e julgar. A fé no
Fromm (1970) fala que ter fé numa pessoa diz respeito à fé que temos em
nós mesmos e na humanidade. Para o autor, a fé na humanidade é a mesma fé que
foi expressa, em termos religiosos, no ocidente pela religião judaico-cristã e,
também, nas idéias político-sociais de seu século.
Salienta Fromm (1970) que a fé racional se baseia na experiência interior
de cada indivíduo, não é, portanto, um desejo pré-concebido. Logo, a experiência de
ter fé em algo é fruto e resultado de nossa própria observação e reflexão. O autor
afirma que a base da fé racional é a produtividade.
Fromm (1970) fala, também, que a fé racional não pode se aliar ao uso do
poder. Para ele, quando os sistemas religiosos se unem ao poder, acabam por
abandonar a fé racional, fazendo com que as religiões se corrompam e percam o
seu vigor.
O autor salienta que há uma conexão entre a fé racional e o objeto
própria experiência produtiva, nada pode ser seu objeto, que transcenda a
ex
própria experiência (uma fé ensinada religiosamente, por exemplo) não pode ser
entendida como uma fé racional.
No entendimento de Fromm (1970), algumas seitas que não
compartilhavam
salientarem a capacidade de amor e a semelhança do homem a Deus em seu
simbolismo religioso. Disse o mesmo em relação aos sistemas políticos que
pregavam a liberdade e a democracia.
Para Fromm (1
seguintes é saber se essa fé será uma fé irracional em chefes, máquinas, sucesso,
33
ou a fé racional no homem, fundada na experiência de nossa própria atividade
omem não pode viver sem fé. Há,
relativamente, menor diferença entre a fé de um místico em Deus e a fé de um ateu
na humanidade, que a fé em um Deus, cujo poder estimula a impotência do ser
humano.
2.8 Viktor Emmil Frankl (1905 - 1997)
Viktor Frankl nasceu em Viena, em 1905. É um dos grandes expoentes do
humanismo existencialista. Criou um método chamado de Logoterapia, a
psicoterapia do sentido da vida, trata-se, portanto, da cura por intermédio do sentido.
Frankl desenvolveu este método psicoterapeutico após vivenciar a
segunda guerra mundial, na qual foi prisioneiro nos campos de concentração
nazista. Na seguinte citação, percebe-se que ele entende que a procura pelo sentido
da vida é o que, realmente, move as pessoas na procura ao atendimento
psic
de inferioridade, mas muito mais com uma sensação de falta de sentido, com um
18).
Para Frankl (1990), o sentido é um fato antropológico, pois o homem,
sempre, tem procurado um significado para sua vida, o que os animais não fazem. A
necessidade de sentido, para ele, vai muito além do que qualquer outra necessidade
e o interesse básico, capaz de motivar o ser humano a qualquer coisa, é a vontade
de sentido.
Heckerth (2004) afirma que Frankl leu a busca por sentido como
expressão de um inconsciente espiritual. Frankl acreditava que iria além de Jung,
quando, alinhando-se aos existencialistas, colocava uma carga de responsabilidade
no homem, enquanto ser livre e responsável.
A crítica de Frankl a Jung, decorre do fato de Jung considerar que a
religiosidade se liga a impulsos e instintos. No entendimento de Frankl (1990), Jung
não teria localizado, corretamente, a religiosidade inconsciente do ser humano, uma
34
vez que não situou Deus num inconsciente pessoal e existencial, mas numa esfera
coletiva. É como se, para Jung, algo dentro da pessoa, que não ela própria, a
impelisse para Deus. Tal postura, para Frankl (1990), retira a responsabilidade que a
pessoa tem pelas suas próprias opções.
coletivo tem as menores probabilidades de abrigar a religiosidade precisamente por
que a religiã
Em sua obra A presença ignorada de Deus (1985), Frankl ultrapassa as
fronteiras do psicofísico em direção à consciência, do inconsciente espiritual e da
existência humana à pessoa profunda. Diz Xausa (1985, p. 9), no prefácio da edição
da obra de Frankl:
A logoterapia, portanto, é uma psicologia que sem perder o rigor científico, introduz a noção de transcendência na ciência do homem. Vai além da imanência rumo à transcendência, transformando-se numa mensagem libertadora do ser humano, ao libertá-lo dos determinismos tanto psicológicos, como sociais.
Nesta mesma obra, Frankl (1985) faz várias críticas à psicanálise, ao falar
do mecanicismo psicanalítico, o qual, segundo ele, havia reduzido o homem a
impulsos e instintos. À psicologia, um novo conceito de ser humano seria trazido
pela análise existencial. Esta, segundo de Frankl (1985, p. 21) se concentraria na
autonomia da existência espiritual.
análise existencial há o que Frankl (1985) chamou de consciência de algo espiritual
ou existencial. Assim, o homem existe autenticamente quando não está sendo
dirigido, ou seja, apenas quando é o responsável. A existência, somente, é autentica
Xausa (1988) explica que o homem para a logoterapia, e evidentemente
para Frankl, é uma entidade bio-psico-espiritual. É um sujeito existencial a espiritual.
Esse car
Quanto a este ponto, segundo Frankl (1985), a logoterapia está centrada
e focalizada no espiritual, o qual representa a dimensão noológica, distinta da
dimensão psicológica. Conforme Xausa (1988), esse ser espiritual não é algo feito
35
pela cultura ou dado pela genética. É o que a pessoa de fato é. E essa dimensão do
ser humano escapa ao entendimento psíquico ou biológico aprendidos pela ciência.
Frankl (1985) diz que esse aspecto espiritual pode ser encontrado tanto
Xausa (1988) explica que, para Frankl, o inconsciente espiritual não é
único, há, também, um inconsciente instintivo. O inconsciente é entendido como algo
muito diferente das categorias racionais e intelectuais e é, justamente, deste
espectro do não racional e inconsciente, que provem a espiritualidade, tal qual uma
compreensão imediata de si mesma. (XAUSA, 1988, p. 126).
espiritual no sentido religioso e sim a vários fenômenos, como por exemplo,
inclinações e afetos que não podem derivar somente do instinto nem do psico-físico,
pertencem ao psico-
É notável na obra de Frankl a proximidade de seu modelo psicoterápico
com a religião. Entretanto, em sua obra A questão do sentido em psicoterapia, Frankl
(1990) evidencia que a função da religião é salvar a alma, enquanto a função da
psicoterapia é curá-la.
Xausa (1988) comenta que a logoterapia adota uma atitude de
neutralidade em relação à religião, salvaguardando, também, as fronteiras entre
psicologia e teologia. A autora cita que, para Frankl, a psicoterapia se move num
plano aquém da fé revelada, pois esta é uma decisão da pessoa, pertencente a uma
esfera transcendental e não ao campo científico.
Entretanto, no entender de Xausa (1988, p. 112), uma vez que a
logoterapia se interessa, especialmente, pelo sentido e este ser experimentado,
Xausa (1988) enfatiza que, para Frankl, a compreensão do sentido se dá
segundo dois aspectos: psicológicos e ontológicos. Enquanto ontológico, o
fenômeno se orienta para metas infinitas do ser finito e, assim, a ontologia ilumina a
se
psicodinâmica, mas fenomenológica, afastando-se do empirismo científico que
36
Para Frankl (1990), é essa dimensão espiritual, presente no ser humano,
que o faz buscar um sentido para sua vida. O não encontrar uma causa ou um
sentido para viver é, a partir da perspectiva de Frankl, a maior causa das neuroses,
embora não seja a única.
2.9 Jacob Levy Moreno (1889 - 1974)
Jacob Levi Moreno (1989-1974) nasceu em Bucarest, mudando-se com
seus pais para Viena aos cinco anos de idade. Em 1925, foi para os Estados Unidos,
onde faleceu em Nova York em 1974.
No dizer de Lindqvist (1998, p. 241), o estilo pessoal de pensar de
Moreno tem profunda conotação religiosa. A religião proporcionou a Moreno a
-se em
consideração o fato de que Moreno fora criado dentro dos costumes e práticas da
religião judaica.
Bezerra (2002) comenta que, mais tarde, durante a adolescência e
juventude, Moreno participou de um grupo de jovens judeus, o qual fundou a
judeus procuravam construir caminhos libertários, retomando o misticismo
autora, era uma seita surgida dentro do judaísmo como resposta ao sofrimento e
miséria das comunidades judias radicadas na Rússia e Polônia durante o Sec. XVIII.
Linqdvist (1998) assinala uma das histórias mais emblemáticas da
infância de Moreno, a qual serviria de amostra ao que viria ser o pensamento de
Moreno em relação a Deus e suas concepções acerca da criatividade/
espo
Para o autor, há, nesta história, um simbolismo das idéias cósmicas de Moreno e,
ainda, da autointerpretação que Moreno tinha ao acreditar que mudaria os rumos da
psicologia e das instituições sociais.
37
Embora sendo de origem judaica, Lindqvist (1998) explica que durante
sua vida, Moreno leu diferentes autores religiosos e em 1910 formulou sua idéia de
Deus. Para ele, Deus não poderia ser entendido como um criador distante, mas
como uma força ativa do universo, a qual se manifestava nos lugares onde
funcionassem a criatividade e espontaneidade.
Lindqvist (1998) explica que as idéias de Moreno, acerca de Deus, são
muito próximas às idéias de Martin Buber, do qual se recebeu a famosa teoria do
encontro. Para Buber, assim como para Moreno, o grande Tu (Deus) é quem
possibilitaria as relações humanas eu-tu, nas quais, Deus seria realmente
encontrado e contactado, e não apenas, pensado e expressado. Entretanto, há
controvérsias de que Moreno teria formulado tais teorias antes de Buber.
Em 1920, Moreno publica The words of de Father (As palavras do Pai).
Segundo Lindqvist (1998), este foi o ponto alto do pensamento religioso de Moreno.
Neste livro, segundo Lindqvist, Moreno argumenta em favor de uma visão cósmica,
na qual o homem assume uma responsabilidade por sua vida, tornando-se assim o
- dido na
obra de Moreno, é o que ele chamou de autointerpretação do homem.
Os modernos apóstolos da ausência de Deus, ao romperem com as amarras que uniam o homem a um sistema divino, a um Deus supramundano, em sua pressa entusiasmada, cortaram um pouco demais, cortaram também o próprio self do homem. Por meio do mesmo ato pelo qual emanciparam o Homem de Deus, emanciparam o homem de si mesmo. Eles dizem que Deus está morto, mas foi o homem que morreu. (MORENO, 1983, p. 8 apud LINDQVIST, 1998, p. 249).
Lidqvist (1998) cita, também, que este livro gerou muitas controvérsias,
pelas quais alguns o denominaram uma amostragem da megalomania e insanidade
de Moreno, enquanto outros o consideram a grande e principal obra do autor.
Moreno, tanto na obra As palavras do Pai quanto em muitos outros de
seus escritos, fala de Deus. Entretanto, ressalta-se que, embora falasse muito de
Deus, Moreno dissocia sua imagem do divino das imagens pré-concebidas pela
teologia. Ele queria, de acordo com Lidqvist (1988), encontrar uma nova
compreensão de Deus. Em sua obra, fica evidente a distinção feita por ele entre o
Deus do primeiro status e o Deus do segundo status.
38
Todas as afirmações e negações de Deus, todas suas imagens giram em torno desse, o Deus segundo status, o Deus que havia recebido o reconhecimento nas questões do universo, por assim dizer. Mas há um outro status de Deus, que mesmo como símbolo tem sido negligenciado, que é o status de Deus antes do Sabbath, desde o momento da concepção, durante o processo e criação e evolução do mundo e de si próprio. (MORENO, 1985, p. 32 apud LINDQVIST, 1998, p. 245).
Na citação, acima, Moreno (1985) enfatiza o que, na sua obra, é de
fundamental importância na estruturação de uma dimensão mística do processo de
espontaneidade e criatividade. Moreno mostra que o Deus criador tem sido
esquecido, uma vez que, a religião tem evidenciado a noção de Deus como Senhor
(o Deus segundo status). Tal fato se mostra evidenciado quando ele cita a questão
ao Senhor. Isto demonstra que o reconhecimento
se confere a Deus, enquanto Senhor, poderoso, dominador e não enquanto princípio
da criatividade/ espontaneidade (Deus primeiro status) ou o Deus criador do
universo e de todas as coisas.
Segundo (Lindqvist, 1998, p. 241), a relevância da religião para o
psicodrama pode ser compreendida sob três aspectos: o primeiro refere-se à
Moreno, ao final de sua vida, já não escrevia muito sobre suas idéias
religiosas, contudo, segundo Lindvist (1988), ele tinha uma visão de que a
secularização e o materialismo eram grandes ameaças para a humanidade.
Um dos maiores dilemas do homem em nossos dias é que ele perdeu a fé num ser supremo, e, em muitas vezes, em qualquer sistema de valor como guia de conduta. Seria o universo guiado apenas pela mudança e pela espontaneidade? A resposta psicodramática á alegação de que Deus está morto é que ele pode ser facilmente trazido de volta à vida. Seguindo o exemplo de Cristo, demos e podemos dar a ele uma nova vida. [...]. (MORENO, 1975 p. 21-22 apud LINDQVIST, 1998, p. 246).
Para Moreno, segundo Lindvist (1988), o evento importante trazido pela
religião moderna (entendida por Moreno como o cristianismo) foi a substituição, se
não o abandono, do Super Deus cósmico, ilusório, por um simples homem que se
39
chamava filho de Deus Jesus Cristo. O extraordinário nele não era a cultura ou a
magia intelectual, mas o fato da corporificação. Ou seja, Deus havia assumido um
corpo e fazia e criava como compete a um ser humano.
Todos podem retratar sua versão de Deus por meio das próprias ações, e, assim, comunicar sua própria versão aos outros. Não é mais o mestre ou o papa que corporifica Deus. A imagem de Deus pode assumir forma e corpo por intermédio de qualquer homem o epilético, o esquizofrênico, a prostituta o pobre e o rejeitado. Todos eles podem, a qualquer momento, subir ao palco, quando chegar o momento da inspiração, e dar a versão do significado do universo. Deus está sempre dentro de nós e entre nós, assim como acontece com as crianças. Em vez de descer dos céus, ele entra pelo palco. (MORENO, 1975 p. 21-22 apud LINDQVIST, 1998, p. 246).
Lindqvist (1998) afirma que, para Moreno, o processo terapêutico é,
sobretudo, uma tarefa cosmológica e, ainda, ressalta que um método terapêutico
despreocupado com as enormes implicações cósmicas, atreladas ao destino do
homem, é, certamente, um método incompleto e inadequado.
2.10 Wilhelm Reich (1897 - 1957)
Wilhelm Reich nasceu em 1887 na Áustria. Foi psiquiatra, psicólogo e
físico. Viveu em vários lugares na Alemanha, na Dinamarca, na Suécia e na
Noruega. Mas, a maior parte de sua produção científica bem como de suas mais
importantes descobertas, desenvolveu-se nos Estados Unidos a partir de 1939.
Foi nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova York, que Reich
comprou um terr
Reich tinha a sua casa, seu escritório e seu laboratório.
Por não acatar a um decreto da Suprema Corte dos Estados Unidos, o
40
Segundo Raknes (1988), na teoria reichiana, encontra-se um acentuado
estudo e teorização acerca do fluxo energético, isto é, da bioenergia. Esta, no
entendimento de Reich, é percebida, subjetivamente, por meio de uma sensação
prazerosa, quando em livre fluxo; e sentida desagradável, dolorosa ou
angustiantemente quando este fluxo é interrompido por algum motivo.
Raknes (1988, p. 60) afirma que Reich trabalhou na associação
conteúdos reclusos no inconsciente não se manifestavam tanto no que o paciente
dizia, mas no como ele dizia. Essa descoberta conduziu à inovação de Reich,
Reich demonstrou que os traços caracteriais levados à experiência consciente do paciente, eram passíveis de mudança. Demonstrou também como diferentes características associam-se e formam uma estrutura caracterial que tem também a função de evitar impressões e emoções indesejadas e que, além disso, pode ser chamada couraça caracterial. (RAKNES, 1988, p. 60-61).
Raknes (1988) explica que, em posse deste entendimento, Reich
procurava analisar a estrutura caracterológica a fim de tornar consciente o problema
que impedia o fluxo energético nessa couraça. E, uma vez a desbloqueando, tornar
possível uma mudança na própria estrutura do caráter.
No que tange às suas origens religiosas, segundo Raknes (1988), embora
de origem judaica, Reich não recebeu nenhuma formação desta origem nem de
outro credo religioso. Não aderiu, também, a nenhum sistema religioso de crenças.
Reich estudou o antigo e o novo testamento, apenas, por interesse científico e intuito
de adquirir conhecimento sobre a história das religiões.
Raknes (1988, p.101-102) comenta que, na obra Ether, Deus e o Diabo,
Reich enfatiza q
Entretanto, assegura o autor, Reich entendeu que tais impulsos não eram
gerados, na verdade, por forças demoníacas e, sim, pela própria frustração dos
impulsos primários naturais, como o amor sexual, o desejo de conhecimento e
independência, os quais são considerados nocivos pelas religiões.
41
Assim, a religião, em vez de ser o que era originariamente uma expressão das correntes orgônicas e do contato orgônico com os seres humanos e com os animais, com toda a natureza e com o cosmos , tornou-se um meio para reprimir o livre metabolismo da energia e para perverter os impulsos naturais primários em secundários, inimigos da vida. (RAKNES, 1988, p. 102).
Para Reich, segundo o entendimento de Raknes (1988), ao reprimir os
impulsos primários, sobretudo o amor sexual, a religião reprimia, em maior ou menor
escala, as próprias bases biológicas da experiência religiosa.
Apesar da crítica à repressão da sexualidade, tão própria de muitas
religiões, Reich não empreendeu grandes estudos acerca da natureza da
experiência mística ou dos processos nela imbricados.
2.11 Alexander Lowen
O neo-reichiano, Alexander Lowen, criou a análise bioenergética que, no
seu dizer, trata-se de uma abordagem que integra pontos de vista orientais e
ocidentais, visando entender tensões que constrangem o corpo, ao mesmo tempo
em que mobiliza as energias do corpo para eliminar tais tensões. Afirma Lowen
Lowen procura entender a saúde, acrescentando a ela, o conceito de
espiritualidade. Contudo, o autor considera que, primeiramente, deve-se mudar o
conceito de saúde, transformando-o em uma definição positiva, a qual leve em
consideração os sentimentos que habitam o ser humano, os movimentos
espontâneos e a profunda ligação a outros organismos e à natureza.
Para Lowen (2001, p. 15), é a partir deste senso de união com uma força
seres humanos são criaturas espirituais, também teremos de admitir que a saúde
42
Lowen (2001) entende que a perda da ligação com os outros, com os
animais e com a natureza é responsável por várias perturbações mentais. E, em
consonância com a perda de sintonia exterior, há, também, a perda das ligações
do corpo, a uma atenuação do espírito vital, a um decréscimo em seu nível
untas, elas formam
a saúde integral da pessoa. O autor acentua a manifestação do espírito na vibração
e graciosidade do corpo:
A saúde mental reflete objetivamente na vitalidade do corpo, a qual se manifesta no brilho dos olhos, na coloração e no calor da pele, na espontaneidade da expressão, na vibração do corpo e na graciosidade dos movimentos. Os olhos têm especial importância, porque são o espelho da alma. Neles pode ser vista a vida do espírito. (LOWEN, 2001, p.16).
Lowen (2001) considera que não há na medicina ocidental algo que se
ocupe com o todo, com a inteireza do ser. A medicina estaria negando, assim, a
unidade básica ou a totalidade do indivíduo. Para ele, esta idéia é fruto da
dissociação entre espírito e corpo. O espírito foi limitado à mente.
No entendimento de Lowen, a ruptura, apenas, poderá ser superada ao
que o corpo é imbuído de um espírito que é ativado por sua psique e ciente de suas
2001 p. 34).
Para Lowen (2001), de modo geral, a medicina ocidental procura curar a
doença e não conservar a saúde, tal como ocorre na medicina oriental. O autor
enfatiza que os tratamentos a doenças se fixam, exclusivamente, ou na dimensão
psíquica, desconsiderando o corpo ou na dimensão física, desprestigiando o espírito.
Para ele, quando a meta de um tratamento é algo específico, localizado, geralmente,
a medicina encontra soluções.
Entretanto, segundo Lowen (2001, p. 17), esta prática não alcança,
totalmente, a saúde da pessoa e nem atua sobre as causas obscuras do problema,
Lowen (2001) afirma que somos moldados por nossas experiências de
vida e que traumas emocionais, de acordo com a profundidade e intensidade dos
43
sentimentos, são, geralmente, expressos por meio de respostas corporais. Toda a
experiência vivida por uma pessoa afeta o seu corpo e é registrada na sua mente.
Embora a psiquê, entendida como conceito vitalístico, tenha sido relegada
à metafísica, foi justamente por meio da psicologia, e mais especificamente por meio
da psicanálise, que se abriu caminho para a compreensão do espírito enquanto
fenômeno energético. Segundo a ótica freudiana, este caminho é inerente à
descoberta da sexualidade, a partir do entendimento de que a histeria é o respaldo
físico de um conflito psíquico. Depois desta descoberta, fizeram-se, ainda, outras
considerações acerca de algumas doenças mentais com respaldo corporal.
No que diz respeito à questão da sexualidade, no entender de Lowen
(2001), esta deve ser vista como integrante do corpo todo. Para ele, o ser humano é
uma criatura sexualmente diferenciada em todas as células do seu corpo. O mesmo
acontece com a espiritualidade, a qual constitui uma função do corpo todo.
sexualidade transforma-se numa abstração, e a sexualidade dissociada da
Para Lowen (2001), quando nosso espírito se entrega, plenamente, a uma
ação, esta se torna espiritual em virtude da transcendência do eu. A qual pode ser
mesma espécie de arrebatamento ocorrida no ato sexual acontece também na união
Tanto no orgasmo como na experiência mística há um senso de comunhão com as forças superiores do universo. Todavia enquanto a experiência mística é tranqüila e suave, a experiência orgástica assemelha-se a um terremoto. [...] Na experiência mística a pessoa abandona o seu eu; no orgasmo, o eu é tragado por um dilúvio de energia e sentimento. (LOWEN, 2001, p. 105).
Lowen (2001) fala, também, que a transcendência pode ser alcançada por
atos de natureza não sexual ou mística. Isto acontece quando, por exemplo, o ser é
tocado de grande compaixão mediante algum fato marcante. Assim, ele não mais
acredita ter um espírito e, sim, ser possuído por este.
44
Na mesma perspectiva, para Lowen (2001), os atos criativos, oriundos da
inspiração e paixão, também, são entendidos como uma experiência de
transcendência. Nela, o artista renuncia ao seu ego e se funde a sua obra de arte.
Ao falar da questão da fé, Lowen (2001) faz uma distinção entre a fé,
enquanto sistema de crenças e enquanto postura corporal. Conforme explica o
autor, não é a crença ou o conteúdo do sistema de crenças de uma pessoa o
responsável pela cura, mas a própria natureza da fé ou a estimulação do espírito em
resposta à crença.
Lowen (2001) fala que as curas espirituais não são frutos de uma força
externa. Nem mesmo as curas praticadas pela medicina são, de fato, garantidas
pelas técnicas ou medicamentos. Para ele, trata-se de frutos de uma postura da
própria pessoa. Ele entende que a fé atua interiormente, embora possa ser evocada
como experiência de amor.
Para Lowen (2001), se a fé não estiver dentro dessa dimensão de uma
abertura para a vida, como uma resposta corporal a ela, certamente, não será algo
positivo para a pessoa, nem lhe alcançará as curas que, muitas vezes, busca-se no
âmbito religioso.
2.12 Stanislav Grof (1931)
Stanislav Grof nasceu em Praga no ano de1931. É médico psiquiatra, com
formação psicanalítica. De acordo com Grof e Grof (2001), uma profunda
experiência em uma sessão psicodélica, realizada para fins de treinamento, atraiu a
atenção de Grof para estados de consciência incomuns, os estados alterados da
consciência.
A partir desta experiência e de muitas outras que se seguiram, em
diferentes formas, Grof se convenceu de que a compreensão clássica da psique
humana não poderia explicar os fenômenos que observava.
que até então eram considerados como doença mental, ele passou a ver como
45
então, a exploração do potencial terapêutico destes estados e os desafios teóricos
inerentes a tais experimentos.
Acerca disto Grof e Grof (2001, p. 24) cita:
A visão de mundo criada pela ciência ocidental tradicional, e que dominou a nossa cultura, é, em sua forma mais religiosa, incompatível com toda noção de espiritualidade. Num universo em que somente o palpável, o material e o mensurável são reais, todas as modalidades de atividades religiosas e místicas são consideradas reflexos de ignorância, da superstição e da irracionalidade ou imaturidade emocional. Por conseguinte, interpretam-se as experiências diretas de realidades espirituais como episódios psicóticos manifestações de doença mental.
Di Biase e Rocha (2005, p. 74) comentam que, também, pertence à Grof a
Terapia da Respiração Holotrópica, a qual é um modelo de psicoterapia realizado a
partir de: hiperventilação (respiração acelerada e profunda), música evocativa,
trabalho corporal, troca de experiências em grupo e desenhos de mandala,
realizados em locais apropriados.
Grof e Grof (2001) explicam que, desde que Jung introduziu o conceito de
inconsciente coletivo na psicologia, muitas experiências que, até então,
encontravam-se sem explicação, aproximaram-se de um maior entendimento. Por
meio destas interpretações, também deu-se nova explicação às experiências
místicas vivenciadas pelas tradicionais religiões ocidentais e orientais. Logo, ficava
evidente que se fazia necessário um novo modelo de psique.
Segundo Grof e Grof (2001), entender a consciência de forma tão
ampliada, nos faz pensar que os conteúdos das experiências que ocorrem, quando
esta se amplia, não são causais ou arbitrários. Para Grof e Grof (2001, p. 27) trata-
o entendimento de Grof, pode ser, na verdade, curativa e transformadora, desde que
ocorra nas circunstâncias corretas.
Grof, assim como Wilber, criou um mapa interior da emergência espiritual,
ao qual, geralmente, confere-se o nome de cartografia da consciência. Embora o
espectro da experiência espiritual seja muito rico, Grof e Grof (2001) observou que o
conteúdo de experiências espirituais pode ser incluído em três categorias: o primeiro
grupo envolve experiências da história de vida, trata-se, portanto, do biográfico; o
46
segundo grupo está ligado à questão da morte e renascimento, por vincular-se ao
trauma do nascimento, chamou-se de perinatal; o último grupo, próximo ao
inconsciente coletivo de Jung, por ir além dos limites da experiência humana,
denominou-se transpessoal.
d
expansão da consciência o senso de identidade do indivíduo se expande, para ale
Grof e Grof (2001, p. 33-34) descrevem, ainda, algumas formas, as quais
se tratam de variedades da emergência espiritual, consideradas como expansão
espacial da consciência:
1. A crise xamânica;
2. O despertar da Kundalini;
3.
4. Renovação psicológica por meio do retorno ao centro
5. A crise de abertura psíquica;
6. Experiências com vidas passadas;
7. Comunicações com espíritos-
8. Experiências de proximidade da morte;
9. Experiências de contratos próximos com OVNIS;
10. Estados de possessão.
2.13 Ken Wilber (1949)
Ken Wilber nasceu em 1949 no Nebraska, Estados Unidos. Wilber é autor
de, aproximadamente, quinze livros e inúmeros artigos. Di Biase e Rocha (2005, p.
47
integ
ser considerado a principal teorização no campo da psicologia transpessoal.
Segundo Tabone (1999), Wilber considera que cada escola de psicologia
ou psicoterapia, assim como também as religiões, está focada em determinado nível
de consciência. Para cada um destes níveis, podem ser aplicadas diferentes
abordagens.
Por considerar que as teorias do psiquismo são complementares,
tratando-se de enfoques válidos quando associados ao seu nível de consciência, o
trabalho de Wilber pode ser considerado uma tentativa de integração dos
conhecimentos. Isto explica, no entendimento de Tabone (1999), porque Wilber
valoriza as várias teorias. Acrescente-se a isto, também, a consideração que Wilber
demonstra aos líderes espirituais, principalmente, aos orientais.
Na obra O espectro da consciência, Wilber (1999) compara a consciência
a um espectro eletromagnético. Tabone (1999) diz que, no espectro da consciência,
desenvolvido por Wilber, cada um dos níveis surge de um dualismo repressão /
projeção o qual restringe o self, conferindo, ao indivíduo, um senso de identidade.
Cada nível apresenta determinadas patologias, consideradas uma espécie de
alienação. Além disso, há, também, em cada um dos níveis, pontos positivos,
virtudes, potencial para crescimento, etc.
Di Biase e Rocha (2005) afirmam que a cartografia da consciência de
Wilber contém três níveis básicos, os quais, por sua vez, são subdivididos em faixas.
Este espectro da consciência se inicia na fragmentação da consciência, chamado de
consciência cósmica pelas tradições religiosas. Os três níveis são: mente,
existencial e ego.
Wilber resume o espectro da consciência da seguinte forma:
De maneira simplista podemos encarar tudo isso assim: a energia mobilizada no nível da mente é pura, sem forma (isto é, vazia), atemporal,
desintegrar, assumindo imagens e formas dualísticas. Consequentemente, cada nível se caracteriza pela natureza da desintegração dualística que nela ocorre. Assim sendo, no nível existencial, a energia desintegrou-se e fragmentou-
o os adornos e coloridos daquele nível, ao passo que no nível do ego ela se desintegrou ainda mais em energia corpórea versus energia psíquica. O nível da sombra
48
representa simplesmente uma continuação da desintegração, onde a própria energia psíquica se cinde e fragmenta. (WILBER, 1999, p. 153).
acontece durante toda a evolução da consciência. Assim sendo, uma vez alcançado,
o nível superior engloba o nível inferior.
Os níveis indicados por Wilber (1999) se subdividem em: domínios
inferiores, níveis intermediários e reinos superiores. O autor explica que os níveis
instintos, sensações e percepções
simples e impulsos emocionais-
Wilber (1999) considera que, logo no primeiro estágio, existe certo
processo de transcendência, o qual pode provir da diferenciação inicial do bebê com
a mãe e, também, nas fases do desenvolvimento. Porém, tal transcendência mostra-
se, ainda, limitada ao nível do ego.
Tabone (1999) explica que no nível do ego, o homem reintegrou a psique,
porém, está alienada de seu corpo e, por isto, ambiente e corpo são vistos como
ameaça à existência.
O nível existencial, explicam Di Biase e Rocha (2005), é um movimento
da mente cósmica rumo à diversificação. Neste nível, o homem é identificado com
seu organismo, criando uma identidade pessoal e se fragmentando ao não
identificar-se com o cosmo.
Tabone (1999) considera que, embora psique e soma estejam integradas
a
totalidade.
No nível da mente, há um encontro com a consciência universal, o qual,
enquanto Deus, Yavé, Braman, etc.
entendimento da autora, é fruto de uma busca pela verdadeira identidade da
consciência não dividida.
49
A partir deste modelo de desenvolvimento da consciência, e no que se
-se entender que,
é encarada como positiva, inclusive como propiciadora de
unidade e plenitude para a pessoa. O que, logicamente é, em última instância, o
objetivo de qualquer pessoa que procura a ajuda da psicologia.
Na obra O projeto Atman, Wilber (1999) fala de sua visão transpessoal do
desenvolvimento humano. Ele explica toda a estruturação dos ciclos de vida, desde
estruturas pré-pessoais até estruturas transpessoais. Estes aspectos incluem, ainda,
o estágio ego-corpo; pré-verbal, ego persona; normalidade, ego maduro e estágio
transverbal.
Segundo Wilber (1999), no estágio do ego, compreendido entre a idade
personae, tende a
diferenciar-se delas, a desidentificar-se delas, a trancendê-las. Tende, assim, a
integrar todas as suas possíveis personae no ego maduro e começa então a
diferenciar-se do ego ou desidentificar-se dele, para descobrir, pela transformação,
centauro.
O centauro, segundo
atinge a estabilidade do nível centauro, os elementos da personalidade bruta, o
corpo, o ego, a personae, a sombra e os chacras inferiores tendem a entrar em
harmonia espontaneamente. Pois, a pessoa está começando a transcendê-los e,
assim, deixa de manipulá-los e explorá-los compulsivamente. O centauro existencial,
entretanto, é, também, uma transição para as esferas superiores, sutis, tranpessoais
do ser, atingindo uma esfera superior de transcedência e integração.
Wilber (2001) lança, também, alguns questionamentos sobre a existência
de estágios para o desenvolvimento espiritual. O autor faz algumas colocações
acerca da relação entre o desenvolvimento psicológico e o desenvolvimento da
espiritualidade. Também, questiona se é necessário que uma pessoa tenha de
completar o desenvolvimento psicológico antes do acontecimento de um genuíno
desenvolvimento espiritual.
51
3 A INFLUÊNCIA DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO DO
PSIQUISMO E DO COMPORTAMENTO HUMANO
Quais seriam as influências da experiência religiosa sobre o psiquismo
humano? De que forma essa experiência atua sobre o comportamento das pessoas?
Subjetiva e comportamentalmente, de que maneira as pessoas reagem às
experiências religiosas ao longo do curso de sua vida?
Conforme explanado, no capítulo anterior, os olhares dos grandes autores
da psicologia sobre a experiência religiosa são muito diferentes. Tanto no que se
refere à natureza do fenômeno em si, quanto ao grau de importância dado a este,
somente, nas breves linhas, expostas anteriormente, há uma imensa gama de
postulados, os quais, por si só, já renderiam muitas outras considerações.
Até mesmo as escolas psicológicas, as quais se desenvolveram a partir
das teorizações dos autores estudados, têm dado, à experiência religiosa, graus de
importância muito díspares, divergentes, inclusive, da relevância dada, ao fenômeno
religioso, por seus fundadores.
Dentro desta conceitualização múltipla, de como se dá e de que forma
pode-se compreender o fenômeno religioso, sob o ponto de vista da psicologia,
nasce a chamada Psicologia da Religião.
Como ponto de partida, há de se entender que não há, dentro da
Psicologia da Religião, um consenso no que tange aos processos de investigação da
experiência. Mesmo porque, as escolas psicológicas partem de diferentes visões de
homem e de mundo. Talvez, por isto, até mesmo as definições do que se entende
por psicologia da religião são bastante diversas.
Tomando a definição de Ancona-Lopez (2002, p. 79), pode-se entender a
Já Aletti (2004, p. 20) define a psicolo
(2004, p. 299) ao afirmar que a competência da psicologia frente ao fenômeno
domínio que
Como se pode perceber, as definições, acima, refletem olhares diversos
52
dos partem de escolas
psicológicas diferentes, a saber, respectivamente, o existencialismo/ humanista e a
psicanálise.
Dentro da Psicologia da Religião, há escolas que fixam seus estudos na
dimensão mais social do fenômeno (ritualismos e aspectos normativos),
desenvolvendo, portanto, suas pesquisas. Há outras que se debruçam sobre os
aspectos psicológicos da experiência, como citado anteriormente por Aletti (2004).
Não obstante, os diferentes enfoques dados à experiência religiosa, pelas
escolas psicológicas, podem sofrer possíveis reducionismos entre os campos de
conhecimento da psicologia e os da religião. Ancona-Lopez (2002) afirma que um
dos desafios metodológicos na construção dos conhecimentos da chamada
to às especificidades de cada uma
destas áreas, seja da psicologia ou das tradições religiosas.
Segundo o entendimento de Ancona-Lopez (2002, p. 79), há dois
possíveis reducionismos no tocante ao estudo dos fenômenos religiosos. Um destes
reducionismos ac
para explicá-
religião à psicologia, conforme afirma a autora.
Neste caso, comenta Ancona-Lopez (2002), os fenômenos religiosos são,
geralmente, considerados semelhantes a qualquer outra expressão de processo
humano. Não há referência à própria cultura religiosa imbrincada, nem mesmo
desacredita-se dos significados desta.
Ancona-Lopez (2002), comenta ainda, que tal compreensão exclui a
transcendência, pelo princípio de que afirmar ou negar a existência do objeto
religioso não é intento da psicologia da religião.
Um segundo reducionismo, apontado por Ancona-Lopez (2002, p. 79), é o
fato contrário, quando o investigador submete as explicações psicológicas à
compreensão religiosa. Pautando sua prática sob esta perspectiva, o pesquisador
os fenômenos e experiências em termos de valores decorrentes d
refere às posições extremadas frente ao fenômeno religioso, Ancona-Lopez (2002)
propõe uma visão interdisciplinar que construa pontes entre os diversos saberes,
53
sem, no entanto, negar as diferenças existentes.
Nesta perspectiva, Valle (2005) considera uma ilusão da psicologia,
acreditar que tem todas as chaves de leitura para a compreensão do fenômeno
religioso, querendo reduzi-lo a uma dinâmica puramente psicológica.
No entendime
complementaridade não impede de se procurar levar ao limite o ponto de vista de
que as disciplinas não percam o contato umas com outras, mesmo porque, cada
uma delas não é capaz de abarcar o inteiro campo de investigação e trabalham,
Na visão de Franco Filho (2004), abordar a experiência religiosa é um
grande desafio, principalmente, por dois motivos: a abordagem do fenômeno, ao
-se,
no enquadramento do fenômeno como uma experiência
normal ou patológica. Para este autor, a psicologia, ao abordar a questão do
fenômeno religioso, deve ter por meta procurar os elementos psicodinâmicos
fomentadores dessa experiência.
Neste segmento, para Heckert (2004, p. 336), não compete à psicologia a
e aos estágios da fé.
Alves (1996) destaca, ainda, outro elemento do estudo e do trato da
experiência religiosa, o qual diz respeito ao envolvimento pessoal de quem estuda o
fenômeno religioso. O autor afirma que ao lidar-se com a experiência religiosa, está-
se lidando com algo que, em suma, não é alheio ao ser. Para o autor, quando se fala
sobre a questão, está-se lidando consigo próprio:
É fácil identificar, isolar e estudar a religião como o comportamento exótico de grupos sociais restritos e distantes. Mas é necessário reconhecê-la como presença invisível, sutil, disfarçada, que se constitui num dos fios com que se tece o acontecer do nosso cotidiano. A religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir. O estudo da religião, portanto, longe de ser uma janela que se abre apenas para panoramas externos, é como um espelho em que nos vemos. Aqui a ciência da religião é também ciência de nós mesmos: sapiência, conhecimento saboroso. (ALVES, 1996, p. 9 -10).
54
Dalgalarondo (2008 p. 19) corrobora o pensamento de Alves (1996),
3.1 Conceituação de Alguns Elementos da Experiência Religiosa
Feitas algumas considerações gerais sobre a diversidade de
entendimentos frente à experiência religiosa, faz-se necessária, uma breve
explanação e distinção de termos, os quais, embora estejam co-relacionados à
questão religiosa de forma geral, têm significados levemente distintos. Em seguida,
serão conferidos breves conceitos dos termos: religião, experiência religiosa e
espiritualidade, partindo do campo de investigação psicológica.
3.1.1 Religião
Segundo Jaspard (2004), definir o termo religião é um trabalho árduo e,
frequentemente, passível de críticas. Ao reportar-
encontram-se, em sua gênese, dois verbos latinos: religare e religere. Ambos
significam, respectivamente, religar e recolher ou juntar. Logo, a religião, para este
autor, estaria relacionada com as formas pelas quais a pessoa se re-conecta, une-se
ao compreendido pelas religiões como o sagrado, o divino.
Nesta perspectiva, Heckert (2004) entende a religião como ponte que se
propõe a ligar o homem ao sagrado, a partir da sistematização da fé, a qual,
segundo o autor, anima as pessoas particularmente, e, também, os grupos.
Koenig (2001 apud Peres, Simão e Nasello, 2007) define a religião
enquanto sistema organizado de crenças, métodos, cerimônias e insígnias
projetadas para ajudar a proximidade do sujeito com o sagrado e/ou transcendente.
-
relacionadas à Deus ou deuses; em segundo lugar, sentimentos, afetos e emoções
55
Amatuzzi (2000) apresenta, ainda, outro ponto na afirmação de que a
religião, assim como diversas formas de espiritualidade e vivências filosóficas, tem
um caráter de re-ligação com um sentido último, ou seja, a religião é o que situa a
pessoa no todo, e orienta a sua vida.
No parecer de Dalgalarondo (2008), a religião é fruto da experiência
religiosa. Segundo o autor, não há como pensar na religião sem tocar no material
que a tece, ou seja, na experiência humana e seus limites.
3.1.2 Experiência Religiosa
Para explanar o significado de experiência religiosa, o teólogo Leonardo
salienta que esta é a ciência ou o conhecimento que o ser humano adquire quando
sai de si e se põe a compreender o objeto por todos os lados.
mais presente dentro de quem o quer conhecer, na medida em que ele se abre mais
Para Boff (2002, p. 42),
neste encontro, entre a consciência e o objeto, que se estrutura a experiência, não,
porém, sem que haja modificações em ambos. Assim sendo, no entender de Boff, a
experiência é um processo criativo.
Amatuzzi (1998) corrobora com o entendimento de Boff, ao afirmar que o
termo experiência é definido como conhecimento obtido na prática, no trato concreto
com objetos particulares, estabelecendo uma relação com o objeto, na qual é gerada
a consciência do contato e a consciência de significados contidos implicitamente.
Entende-se, portanto, a partir do pensamento deste autor, que a
experiência não é, somente, o contato com um objeto, mas a própria consciência
gerada no contato com este. Quanto à experiência religiosa, especificamente,
56
Amatuzzi (1998, p. 53) a define da seguinte maneira:
O termo experiência religiosa se refere, pois, ao aspecto imediato, autêntico, do conhecimento religioso, enquanto consciência do contato, de significações potenciais, e não a elaborações intelectuais consideradas enquanto isoladas em um contato de realidade básico.
Valle (1998), em seu livro Psicologia e experiência religiosa, utiliza-se de
um te
trata a experiência religiosa. Valle (1998) explica que a tradução literal deste termo
apresentando um sentido perceptível a quem o vivencia.
Veríssimo (2004) acrescenta outro elemento para explicar a experiência
religiosa, o entendimento desta como uma conexão com o coletivo. Assim, o autor
interpreta a experiência religiosa como um movimento do indivíduo para dentro e
para fora de si.
-
(2004, p. 189) diz que, na experiência, faz-se uma introspecção profunda, a qual
permita ao indivíduo auscultar o seu clamor mais íntimo. No tocante à experiência
- -se que, ultrapassando as medidas do instante
presente, ao se religar com símbolos, mitos e rituais próprios da condição humana, a
as
situações e modos típicos da existência e sua personalidade individual, uma síntese
3.1.3 Espiritualidade
Segundo Zilles (2004), existem muitos conceitos para o termo
espiritualidade. Entretanto, para a grande maioria das pessoas, trata-se de ponto
que, ainda, gera inúmeras indagações, por ser um conceito vago, provindo de sua
Nesta perspectiva, Paiva (2004, p. 119) considera que o termo
57
espiritualidade contém uma grande riqueza, mas também uma grande ambigüidade,
-se como sutil, insinuante, portador de
liberdade, mas, como o vento, sopra onde quer e muitas vezes não se sabe de onde
Para os filósofos, segundo Zilles (2004), o termo está relacionado a
uma qualidade, algo que supera uma entidade material. Para os teólogos, pelo
menos os judaico-cristãos, a espiritualidade pode estar relacionada à mística,
sínteses doutrinais, demandas religiosas, identidades congregacionais e, ainda,
referendada no que diz a própria revelação, contida na bíblia.
Segundo Zilles (2004, p. 13), quando a bíblia fala do espírito do
-se não a uma parte do homem, mas ao todo em sua relação
com Deus. Desta maneira, a espiritualidade não é a exclusão da materialidade, mas
a relação do homem todo corpo e alma
Pessini (2004, p. 60), embora concorde que o termo se refere a uma
relação total do homem com Deus, diz que se deve distingui-la de concepções
doutrinais ou ritualismos religiosos. Para o autor, enquanto a religião transforma a
experiência de Deus, dando-
espiritualidade se orienta pela experiência do encontro vivo com Deus. Esse
encontro sempre novo e inspirador, é vivido como gerador de sentido, entusiasmo de
Há, ainda, uma diferenciação clássica, usualmente, utilizada para se
separar, radicalmente, o significado de espiritualidade de crença ou experiência
religiosa, sendo uma experiência que não prescinde de uma conexão com o
sagrado. Segundo Paiva (2004), nesse caso, configura-se o distanciamento entre o
pessoal e o institucional, como uma oposição entre espiritualidade e religião e a
recusa de um Deus entendido como sagrado, divino mediante um Deus pessoal.
Paiva (2004, p. 123) comenta algumas das formas de espiritualidade que
, entre as quais se podem citar:
ioga, meditação transcendente, práticas zen, cultos afros, druidismo, religião do
vegetal, xamanismos, entidades tectônicas; pelos quais, segundo o autor, buscam-
se caminhos de reintegração entre a pessoa e o mundo.
Para Camon-Angerami (2004), é importante ter, claramente, que
espiritualidade não é a busca de um ser superior ou, até mesmo, de alguma verdade
58
absoluta que esteja regendo nossa vida. Embora a experiência religiosa possa ser
entendida como uma forma de espiritualidade, não prescinde de uma crença
religiosa ou de uma ligação com o sagrado.
Assim sendo, ainda que não se ligue a uma imagem codificada de Deus,
a espiritualidade é uma busca particular, a partir de uma experiência pessoal, por
meio da qual a pessoa vivência um significado de vida. Segundo Camon-Angerami
(2004, p. 227), a espiritualidade são todas as manifestações humanas que buscam a
superação de si, a superação de obstáculos que possam estar agrilhoando a própria
vida.
3.2 A Compreensão da experiência religiosa segundo escolas psicológicas
atuais
Vê-se, ainda, na atualidade, muita resistência à experiência religiosa,
sobretudo, por parte de escolas tradicionais da psicologia, as quais, calcadas na dita
ciência cartesiana e positivista, não consideram que há, no humano, uma dimensão
ulterior ao próprio psiquismo, capaz de transcender os limites biológicos da própria
mente. Para tais escolas, certamente, o psiquismo está restrito às transmissões
sinápticas.
vicção moderna que
sustenta a primazia do físico sobre o espiritual nos coloca, em última instância ante
uma psicologia sem alma, onde o psíquico não pode ser senão um efeito
Há, também, outras escolas, dentro da psicologia, que observam a
dimensão religiosa como produto exclusivo de uma dimensão social, sendo,
portanto, um construto social e não algo natural e imanente da subjetividade
experiência que nasce da psique humana, sendo por causa disso um fenômeno
Serão apresentadas, a seguir, considerações acerca das quatro grandes
forças da psicologia (Psicologia Cognitivo Comportamental, Psicanálise, Psicologia
Humanista e Psicologia Transpessoal), no que se refere ao entendimento da
59
experiência religiosa na atualidade.
3.2.1 Perspectiva Cognitivo - Comportamental
No entendimento de Fraas (1997), o behaviorismo não tem interesse pela
religiosidade, como ocorre, também, em relação a outros processos interiores,
inerentes ao ser humano, permanecendo, assim, fora da esfera de pesquisa
possível. Segundo o autor, a contribuição que o behaviorismo concede ao
questionamento psicológico religioso está na medida em que consegue explicar, pela
teoria do reforço, porque determinados comportamentos são adotados por um
indivíduo e por outros não, ou ainda, por quais motivos determinados
comportamentos são extintos.
Entretanto, para Fraas (1997), ainda que os processos de reforço tenham
uma efetiva importância na formação da disposição de comportamentos religiosos
(costumes, exemplos, modelos), o conteúdo específico do comportamento religioso
permanece intacto.
Segundo Toledo Filho (2008), a psicologia comportamental, organizada
por W atson, tinha como proposta, estudar o comportamento que pudesse ser
observável, previsível e qualificável. Tal postura restringia, evidentemente, o estudo
da religiosidade com suas vivências e sentimentos inerentes.
Os estudos empreendidos, pela psicologia experimental, segundo Toledo
Filho (2008), levavam, sempre, em consideração o comportamento suscetível a
observação e o levantamento de estatísticas, os quais, na verdade, não agregavam
novidades ao estudo da experiência religiosa.
Como visto, anteriormente, Skinner, grande pensador do behaviorismo,
também teceu algumas considerações sobre a religião e a influencia desta sobre as
pessoas. Suas considerações descreviam a religião como uma agência de controle
social, e a experiência religiosa, segundo o padrão de estímulo-resposta.
No entender de Capovilla (2004), o modelo de psicologia, adotado por
Skinner, é um modelo determinista e ambiental, o qual retira a responsabilidade das
pessoas por tudo que lhes acontece e, também, pela busca de cura para as suas
mazelas. Conforme o autor, esse determinismo é levado até as últimas
60
conseqüências na obra Além da liberdade e da dignidade, na qual Skinner atribui o
comportamento humano a uma pura determinação ambiental.
Segundo Capovilla (2004), o modelo da psicologia de Skinner se
aproxima a um modelo médico crente de que as pessoas não são responsáveis nem
pelo problema, nem pela solução deste. E, ainda, que tudo de que precisam é,
simplesmente, tratamento. Como a maioria destes problemas envolve o
comportamento, ou é produzida por maus hábitos, fazem-se necessários alguns
reforços que extingam ou punam tais comportamentos inadequados.
Na atualidade, segundo Paiva (2007), os estudos dentro da psicologia
cognitiva se dividem em quatro sentidos principais. O primeiro deles seria o estudo
dos processos mentais de representação e memória, algo que, no entendimento de
Paiva, provém da Psicologia da Gestalt e surge como uma alternativa ao
behaviorismo. Paiva (2007, p. 183) afirma que, neste sentido,
pesquisas sobre atribuição de causalidade a Deus, enfrentamento religioso,
processos de conversão, transformação de identidade religiosa, tendência ao
O segundo sentido, apontado por Paiva (2007), dentro do modelo
cognitivo na atualidade, seria a Terapia Cognitivo Comportamental, de cunho
behaviorista, método este, que procura entender os processos mentais conscientes,
mediados por estímulos repostas, conforme já pontuado, acima, por Capovilla
(2004).
O terceiro sentido se refere ao estudo da inteligência, conforme um
modelo computacional, no qual, segundo Paiva (2007), pode-se enquadrar o estudo
da inteligência artificial.
O quarto segmento de estudos dentro da linha cognitiva, diz respeito à
neurofisiologia da cognição. De acordo com Paiva (2007, p. 184), as condições
neurofisiológicas (pré- são principalmente cerebrais, mas podem incluir
outros sistemas orgânicos; nesse sentido encaixa-
igência na
condições pré-psíquicas que tornaram possível filogeneticamente e
o
61
Segundo Paiva (2007), a Psicologia evolucionista entende que a cognição
se desenvolveu como os órgãos do corpo humano, por via da seleção natural. A
partir desta concepção, a psicologia evolucionista compreende os processos
cognitivos como funções de sobrevivência e reprodução. Paiva (2007, p.185)
enfatiza que tais processos cognitivos não dizem respeito, apenas, à questão de
O autor explica que este é um campo bastante novo, aparecendo na
esfera científica em meados da década de 1990. Entre os principais pesquisadores,
Paiva (2007, p.185) cita Pascal Boyer, para quem
propriedades dos conceitos e as orientações religiosas são subprodutos de sistemas
Paiva (2007, p. 185) atenta, ainda, para o fato de a Psicologia evolutiva,
proposta a entender o sistema neuro-cognitivo, não excluir a cultura como agente
capacitação psicológica, a qual, segundo pesquisadores da área, tem estrutura
neurológica.
3.2.2 Perspectiva Psicanalítica
Certamente, a perspectiva psicológica que deu um enfoque mais negativo
à religião e a experiência religiosa foi a psicanálise. Entretanto, tem se evidenciado,
depois das prerrogativas freudianas, inúmeras contribuições, mui diversas das
postuladas pelo fundador da psicanálise frente ao fenômeno universal da busca do
transcendente. Partindo deste pressuposto, será observado o viés psicanalítico, no
que diz respeito ao seu entendimento da experiência religiosa.
As posições do pai da psicanálise, Sigmund Freud, no tocante à religião e
às questões da experiência religiosa, são muito difundidas no meio científico até a
atualidade. Segundo Sudbrack (2001), o diagnóstico freudiano relegou a
estágio de pré-eu, assemelhando-se ao estado do embrião no útero materno. É
62
muito conhecido o entendimento de Freud quanto à religião enquanto uma neurose
coletiva, uma ilusão e uma fuga frente à realidade.
religiosas tinham suas raízes em fantasia e ilusão e poderiam ser responsáveis pelo
enha atribuído, diretamente, a causa
da psicose à religião, apenas à neurose). Koening (2007) salienta que esta visão
negativa de religião permaneceu até os tempos modernos no campo da saúde
mental.
Entretanto, dentro do viés psicanalítico, existem várias outras
contribuições que divergem de forma multifacetada do pensamento freudiano acerca
da religião e da experiência religiosa. Poderiam ser citadas, entre outras, as
contribuições de Klein, Adler, Margaret Mahler, Kestenberg, etc. Serão ressaltadas,
no entanto, as contribuições de Erick Erikson e David Winnincott.
Faz-se importante, antes de adentrar propriamente vertentes
psicanalíticas, ter-se, claramente, que, conforme Franco Filho (2004, p. 301), para a
igiosa está entranhada na experiência
e superego. O autor afirma que toda experiência religiosa (segundo a psicanálise) é,
jos limites, são os limites da
Com esta idéia, acrescenta Franco Filho (2004, p. 300), não se pretende
dizer que Deus seja um produto do inconsciente, mas, simplesmente, que Deus é
pensado a partir das categorias do inconsciente. Mesmo porque, re-intera o autor,
não compete à psicanálise o objeto da experiência religiosa, mas a psicodinâmica
desta.
Tal psicodinâmica, assim entendida sob o viés da psicanálise, segundo
Eizirik, Kapczinski e Bassols (2001), por mais que a teoria psicanalítica se
desenvolva, sempre partirá do determinismo psíquico e da existência do
inconsciente.
Ao se analisar a psicodinâmica religiosa a partir do inconsciente, Valle
(2004) aponta a ilusão e o desejo como duas chaves de leitura da religiosidade por
parte da psicanálise na atualidade. A questão da ilusão será tratada adiante, quando
nos reportarmos à obra de Winnincott.
No que diz respeito à questão do desejo, é sabido que a teologia já tem
63
da busca de
um relacionamento com o transcendente, como algo implícito no coração humano.
A célebre obra Confissões de magistro, de Santo Agostinho (1973),
guarda uma das idéias, mais comumente, usadas no meio teológico para explicar a
busca de Deus e a imanência desse desejo como algo próprio do humano. Nela,
Agostinho (1973) fala que o ser humano é alguém criado para Deus e que o coração
humano sente uma inquietação ininterrupta enquanto não descansar nele. Alguns
teólogos entendem essa afirmação como algo direcionado ao pós morte e outros a
colocam como perspectiva básica existencial, explicativa para um sentimento de
incompletude, de nostalgia que, muitas vezes, aninha-se no coração humano; poder-
se- ia chama-lo de vazio existencial.
Também, o arcabouço doutrinário das religiões, dedica-se a explicar o
homem como um ser eminentemente religioso. No Catecismo da Igreja Católica
(CIC), por exemplo, já no capítulo primeiro, lê-se que o ser humano é dignificado por
iou para uma comunhão com Ele, e, por
isso, o humano sente este desejo de comunhão com o divino, como uma força
propulsora de vida. A partir de tal concepção, explica-se o fato da religião (enquanto
comportamento religioso, enquanto caminho de busca de Deus) ser um fenômeno
universal.
O escritor alemão Alselm Grunn, na obra Se quiser experimentar Deus
(2001), afirma que não há experiência sem que o homem se abra à experiência.
Segundo este autor, não há experiência desinteressada, somente pode experimentar
alguma coisa, quem a deseja experimentar.
Do ponto de vista da psicologia, mais propriamente da psicanálise,
quando visto a partir de uma dimensão inconsciente, o desejo é entendido como
essencial para a experiência. Assim, Vale (2004) considera que se deve levar em
conta, não, apenas, o objeto de desejo, como também o desejo do objeto.
Segundo Vale (2004), há uma tensão entre o desejo e o objeto, algo que é
intrínseco à natureza da experiência de limite-transcendência, fato que não é,
apenas, positivo, como também criativo. É a partir desta tensão que nasce a
experiência religiosa, a qual, por sua vez, pode levar tanto a crer quanto a não crer.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Valle (2004) chama a atenção
para teoria das relações objetais, a qual tem sido muito festejada em vários círculos
de psicólogos no Brasil e no exterior. Cita, inclusive o autor, que no tempo pós-
64
freudiano, ganha força o modelo relacional, entendendo-se que a principal matéria
prima da vida mental são as relações com o outro, e não os impulsos, como
acreditado por Freud.
Segundo Valle (2004), no modelo das relações objetais, depara-se com
um novo entendimento da experiência religiosa e, ainda, sobre o que ela se assenta
na maioria dos casos, ou seja, as representações e idéias de Deus. Quem auxilia na
compreensão do modelo relacional é o psicanalista inglês David Winnincott.
Valle (2004, p. 288) apresenta três aspectos da obra de Winnincott, os
quais ele considera de fundamental importância para a nova visão da experiência
religiosa por parte da psicanálise:
Primeiro uma visão do amadurecimento do ser humano diferente da visão determinista de outras teorizações da psicanálise, calcadas em concepções que valorizam unilateralmente o pulsional; segundo, uma conceituação ampla da natureza humana como tendente à integração, suposto um adequado ambiente facilitador; e, terceiro, uma maneira genial de descrever a gênese e constituição do self a partir de objetos e fenômenos transicionais.
Segundo Valle (2004), Winnincott entendeu que a gênese e constituição
do self infantil se dão, a partir de objetos transicionais, pela mediação das
brincadeiras. Por meio do brincar (espaço da ilusão), emerge e evolui o sujeito (self)
e a própria realidade externa. O autor explica que o fenômeno transicional acontece
mediante ao processo em que a criança se espelha num objeto que a possibilita sair
de um estado de simbiose com o mundo (inclusive com a própria mãe) para outro
estado no qual possa se perceber enquanto um ser diferenciado de tudo que o
circunda.
Quanto aos objetos, Valle (2004, p. 290) afirma que são investidos de
mundo interno da criança e o mundo externo, entre a fantasia de onipotência (ilusão)
e sua decepção (dês-ilusão) ante as frustrações que levam a uma maior consciência
No entender de Valle (2004), embora Winnincott não tenha se referido
propriamente a experiência religiosa, a força simbólica do objeto transicional é
conectada com muitos outros momentos da vida social e cultural adulta em diversas
contingências, destacando, entre estas, a experiência religiosa.
65
Conforme Valle (2004), a religião, como a arte e a cultura em geral,
equivale ao que os objetos e fenômenos transicionais são na esfera do self. O
espaço simbólico do fenômeno transicional (ilusão e desilusão) é entendido como o
espaço em que acontece psicologicamente a experiência religiosa.
Diferentemente de Freud, segundo Valle (2004, p. 293), Winnincott
vivência da ilusão, sem a qual não há evolução na capacidade
imaginativa e cognitiva, nada tem haver com a alucinação propriamente dita ou,
,
e também não é uma verdade, mas o lugar da emergência do verdadeiro, porta
tecida pela ilusão criativa, não pode ser relegada a algo patológico.
Outro psicanalista que, também, forneceu forte contribuição ao
entendimento da experiência religiosa foi seguramente Erik Erikson. Segundo
Rizzuto (2006), Erikson contribuiu à psicanálise ao descrever, detalhadamente, as
zonas e modos como acontece a função perceptual.
De acordo com Eizirik, Kapczinski e Bassols (2001, p. 23), Erikson
entendeu que a personalidade não está pronta ao final da infância, ao contrário, ela
se desenvolve ao longo de toda a vida. Os autores chamam a atenção para o fato de
que Erikson entendia que o ego s
para organizar informações externas, testar percepções, selecionar memórias,
Para tal, conforme Eizirik, Kapczinski e Bassols (2001), Erikson
desenvolveu os oito estágios de ego, ao longo dos quais a personalidade vai sendo
moldada. Para cada estágio, explicam os autores, Erikson descreveu aspectos
positivos e negativos, marcados por crises e afetados pela cultura pessoal e sua
interação no contexto social.
Segundo Dalgalarrondo (2008), a grande contribuição de Erickson está no
desenvolvimento de uma matriz materna para a experiência religiosa. O autor
explica que, diferentemente de Freud, para Erikson, o que está na base da religião
não é a relação inconsciente com a imago paterna, mas a relação inconsciente com
a imago materna. Segundo Dalgalarrondo (2008, p. 61), para Erickson, a religião
No entendimento de Dalgalarrondo (2008), Erikson acreditava que a
66
confiança, nascida do cuidado, é, de fato, o que move as pessoas a buscar uma
determinada religião. Neste sentido, todas as religiões têm, em comum, uma
constante rendição infantil aos provedores, os quais, por sua vez, são
dispensadores, tanto de felicidade terrena, quanto de saúde espiritual.
Dalgalarrondo (2008) explica que, na perspectiva relacional do bebê com
a mãe (aqui se remetendo à rejeição momentânea da mãe que amamenta, ao ter um
seio mordido), nasce, também, o sentimento de culpa e os esforços de expiação, tão
recorrentes no âmbito religioso.
De acordo com o seguinte enxerto, Dalgalarrondo (2008) afirma que
Erikson procurou associar sucessivamente as relações mãe e bebê com as
vivências religiosas dos grupos sociais:
Assim, a tarefa básica da religião é reafirmar aquela primordial relação, aquele primevo reconhecimento, posto que todo ser humano conserva profundamente, ao longo de sua vida, a sensação de perda e de indissolubilidade de confiança básica, que implica, segundo o autor, uma
Dalgalarrondo (2008) destaca, ainda, um paralelo interessante no
pensamento de Erikson, relativo à religião e o sonho. Partindo do pressuposto de
que a religião poderia ser equiparada a uma neurose, entendida basilarmente, por
Freud, como uma regressão ao estado infantil, Erikson concluiu que o sonho,
também, era uma manifestação de regressão, visto que o funcionamento onírico se
assemelhava ao processo de formação do sintoma neurótico. Entretanto, sonhar,
segundo o autor, era considerado, por Erikson, como algo saudável, necessário e
até curativo.
3.2.3 Perspectiva da Psicologia Humanista
O nascimento da psicologia humanista ocorreu no início da década de 60,
nos Estados Unidos. Segundo Boianain Junior (1998), num primeiro momento, a
psicologia humanista se tratava de um movimento, o qual congregava várias
67
tendências e que, além de uma oposição ao behaviorismo e à psicanálise, tinha, em
comum, algumas propostas, adesões e influências.
Entre estas influencias, Boinain Junior (1998) destaca as Teorias
Neopsicanalíticas de autores como: Adler, Rank, Jung, Reich, Ferenczi, Horney,
Sullivan, Erikson e Fromm; as teorias Gestalticas de Goldstein e Lewin; a Gestalt-
terapia de Perls, além do Psicodrama, de Moreno. Há, ainda, um grande contributo
das Psicologias existenciais / fenomenológicas de autores como Rollo May, nos
Estados Unidos e de Viktor Frankl com a sua Logoterapia, na Europa. Além dos
autores já citados, Boinain Junior (1998) ressalta as escolas americanas de
psicologia da personalidade, sobretudo, a contribuição de Rogers e Maslow, sendo o
último, considerado o principal precursor da nova escola.
Sudbrack (2001, p. 22) salienta, na perspectiva humanista, o contributo de
Eric Berner à análise dos relacionamentos, e de Roberto Assagioli à Psicossintese.
Enquanto ponto convergente entre vários métodos, o autor desta
não é mais o mecânico da saúde mental do behaviorismo, nem o mestre
mesmo, o médico que cura, mas, é um pedagogo que ajuda a própria pessoa a se
re-construir.
Segundo Boinain Junior (1998), além da oposição ao behaviorismo e à
psicanálise e da absorção das escolas que não se identificam com estas correntes, o
movimento humanista se caracterizava por um grupo de estudiosos em torno de
assuntos comuns, definição proposta por Maslow, ao lançar a revista de Psicologia
Humanista em 1957. Entre os assuntos abordados estavam: a criatividade, amor,
self, o crescimento, transcendência do ego, auto-realização, organismo,
necessidades básicas de satisfação, entre outros.
Boinain Junior (1998, p. 30) assinala que a perspectiva humanista não
estar e o potencial humano de crescimento e auto-
psicologia humanist
condição humana, em distanciamento do qual, as patologias podem então ser
Esta perspectiva pode ser encontrada de forma muito evidente, na obra
Introdução à psicologia do ser, de Maslow, citada, anteriormente, neste trabalho. Na
qual Maslow (s.d) criticava um modelo psicológico que tomava os doentes, da
68
sociedade, como parâmetros para estudo e classificações, resultando em um retrato
pessimista da natureza humana.
Por isto, Maslow (s.d), em suas pesquisas, tomava por base,
personagens bem sucedidos da história e não os doentes, para enfatizar as
potencialidades humanas, a capacidade de autorrealização, inerente ao ser humano.
Além dos assuntos de interesse comum, como apontado acima, há
embora este tema possa ser entendido por algumas abordagens do humanismo,
eu sentido mais amplo, caracteriza, antes, uma temática
transpessoal, a qual, sob este aspecto, vincula a psicologia humanista à psicologia
transpessoal.
O humanismo, segundo Boinain Junior (1998, p. 34), entende que o
comportamento humano não é determinado por forças externas à consciência, seja
pelo ambiente, pelo passado ou o inconsciente, como fazem outras teorias. O
comportamento é, sim, fruto das escolhas que o próprio ser humano faz e de sua
interação com o meio. O homem não é, segundo esta visão, algo dado, pronto,
para crescer, um movimento de sair de si, um projetar-se, um devir, um incessante
tornar-
Esta tendência ao crescimento, conforme o entendimento do humanismo,
é manifestada, sobretudo, nas obras de Maslow e Rogers, nas quais autorrealização
e autoatualização são entendidas como meta da psicoterapia e, portanto, como
ponto mais elevado das necessidades humanas e do auto desenvolvimento humano.
Sobre isto, Rogers (1980, p. 40) destaca:
Podemos dizer que em cada organismo, não importa em que nível, há um fluxo de movimento subjacente em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são inerentes. Há também nos seres humanos uma tendência natural a um desenvolvimento mais completo e mais complexo.
Tal temática pode, também, ser claramente perceptível nas obras de
Maslow, quando, elecando uma pirâmide, de necessidades humanas, a qual tem
sido usada, frequentemente, no âmbito da psicologia organizacional, Maslow (s/d)
69
coloca a autorrealização no topo de tal pirâmide, como objetivo mais alto a ser
alcançado. Para Maslow (s.d, p. 100), a autorrealização pode ser alcançada e
vivenciada em vários momentos como:
[...] na experiência parental, na experiência mística, ou oceânica, ou natural, a percepção estética, o momento criador, a introvisão terapêutica ou intelectual, a experiência orgástica, certas formas de realização atlética etc. A estes e outros momentos de felicidade e realização supremas chamarei
No sentido de compreender a experiência religiosa, mediante os principais
objetivos da psicologia humanista, ao menos segundo Maslow e Rogers, Fraas
(1997) faz um questionamento sobre, até que ponto, o princípio da autorrealização,
de Maslow, ou da autorregulação, de Rogers, não estaria reduzindo o ser humano a
um nexo funcional intrapsiquico, psicologizando, assim, a experiência religiosa.
Para Fraas (1997), da mesma forma que a psicologia cognitiva não
adentra na natureza do fenômeno religioso em si, e a psicanálise freudiana o
patologiza enquanto fruto de neuroses, também, o humanismo se mostra de maneira
a reduzir a experiência religiosa aos âmbitos do psiquismo, diminuindo-a a uma
experiência exclusivamente psíquica.
Já para Wilber (1999, p.66), quando os humanistas se referem ao
potencial do ser humano, entendido entre outras noções, como autonomia, eu
centrado, autenticidade e sentido, eles estariam se referindo, na verdade, à noção
do corpo-mente total. No entendimento do autor, isto carcterizaria uma intuição por
Ao se preocupar em descrever os potenciais de corpo-mente total - a
intuem um nível superior de ser e de consciência, o qual está além dos níveis do ego
e da persona.
Para exemplificar seu postulado, Wilber (1999) cita May, que entende que
o ego, o corpo e o inconsciente não podem ser autônomos. Eles existem como
partes de uma totalidade e é nela que a vontade e a liberdade se assentam. Assim,
Wilber compreende que a autorrealização nada mais é que o aparecimento
consciente desta totalidade.
70
Segundo Boinain Junior (1998) muitos motivos têm aproximado a visão
humanista da visão transpessoal. Na ACP (Abordagem Centrada na Pessoa) e nos
modelos de psicologia adotados por Maslow, há muitas aberturas propiciando a
aproximação de muitos psicólogos, na atualidade, a práticas da psicologia
transpessoal.
O próprio Maslow já apontou, há idos anos, que considerava a psicologia
humanista uma preparação para uma quarta força dentro da psicologia, referindo-se
no caso, a tranpessoal, conforme, a citação abaixo:
Devo também dizer que considero a psicologia humanista, ou a Terceira Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para a quarta
no cosmos do que as necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e quejandos [...]. Necessitamos de algo maior do que somos. (MASLOW, s.d., p. 12).
No caso da ACP, Boainain Junior (1998) afirma que há atualmente e entre
os psicólogos, muitas discordâncias quanto à tendência místico-trancendente-
espiritual da última fase do pensamento de Rogers, principalmente no que diz
respeito à importância de tais pensamentos para o todo da obra rogeriana, e quanto
a uma maior abertura da ACP à perspectiva transpessoal. Segundo o autor, um
grupo, cada vez mais expressivo dentro da ACP, se não em números, ao menos pela
qualidade do trabalho, tem aproximado pontos fundamentais da ACP das práticas
emergentes da psicologia transpessoal.
Os psicólogos que seguem o pensamento de Rollo May e de Victor
Frankl, dois fortes expoentes do humanismo existencialista, certamente, também
não têm grandes dificuldades em relacionarem as temáticas da espiritualidade e
questões de ordem religiosa ao contexto terapêutico. Assim, o próprio May (2000)
enfatizava a importância da busca do sentido de vida para a existência e da
necessidade de se valorizar o ser humano.
Se alguém puder ter confiança no sentido da vida, puder acreditar no valor último do próprio si-mesmo e do dos outros, puder confiar que o universo tem um significado no qual a própria insegurança pode ser superada, então
71
poderá experimentar a confiança e a coragem que necessita para viver. (MAY, 2000, p. 173-174).
A mesma busca por significado pode ser, facilmente, encontrada na
logoterapia de Victor Frankl (1990), como o próprio nome da escola já diz, terapia do
sentido. Para Frankl, o que move os seres humanos é, exatamente, a busca do
sentido e o que o torna doente, é a perda deste sentido.
Xausa (1988, p. 112), ressalta que, como a logoterapia se interessa
especialmente pelo sentido e este é experimentado, muitas vezes, por meio de uma
relação aos seus efeitos na vid
Frankl (1990) não se alinha a um credo, especificamente, religioso, mas
entende que o sentido da vida está, indubitavelmente, ligado a questões ontológicas
do ser, as quais perpassam a filosofia e o fazer das religiões. Entretanto, tenha ou
não religião, o homem se lança, na verdade, na busca de um sentido para o viver.
Quando o sentido desvanece, segundo Frankl (1990), instaura-se a doença.
Allport (1975) diz que, do ponto de vista da psicologia, é necessário que
se aponte para uma estreita analogia existente entre a orientação religiosa e outros
esquemas de nível elevado, os quais influenciam o curso do desenvolvimento
humano.
Ainda, para Allport (1975), cada homem, tenha inclinações religiosas ou
não, possui suas próprias pressuposições definitivas e acredita que não pode viver
de suas verdades. Estas idéias, segundo o autor, sejam ideologias, filosofias ou
simples idéias acerca da vida, exercem uma pressão criativa sobre a conduta
humana.
3.2.4 Perspectiva da Psicologia Transpessoal
Segundo Di Biase e Rocha (2005), principalmente, a partir do
Renacentismo (Séc. XVI), e, sobretudo, nos últimos 100 anos, a humanidade tem se
afastado progressivamente de uma visão espiritual de homem e de universo. Isto
vem sendo reforçado pelo sucesso da visão científico materialista da modernidade.
72
No ocidente, outro fator que corrobora para este fenômeno, no entender
dos autores, é o próprio afastamento do cristianismo daquilo que foi, em seus
primeiros séculos, entendido como experiência da busca de Deus e que fora
Grof e Grof (2001) exemplificam esta idéia quando falam que é muito
comum se encontrar uma bíblia em todos os cantos. Até os políticos se utilizam de
Deus nos seus discursos. Entretanto, caso algum membro de uma comunidade
religiosa tenha uma experiência espiritual intensa, semelhante à dos místicos
famosos, provavelmente, até mesmo o sacerdote o encaminhará a um psiquiatra.
Logo, a própria religião, muitas vezes, perdeu sua dimensão mística e sua essência
espiritual.
Por estes e outros motivos, Di Biase e Rocha (2005) falam que é sentido,
na atualidade, um vazio causado pela ausência da experiência de conexão cósmica
e, também, pela falta de uma mitologia capaz de responder aos desafios que o
mundo contemporâneo impõe.
Ainda assim, enfatizam Di Biase e Rocha (2005), vê-se, atualmente, um
movimento de retorno ao sagrado a partir da própria ciência. No qual, também,
colaboram os novos paradigmas das ciências holísticas, formando novas alianças
entre ciência e espiritualidade.
A simples consciência de que somos parte de um organismo planetário como a terra, delicado e pleno de vida, ameaçado de extinção e a percepção transcendente de uma inteligência universal geradora do cosmos, da vida e da consciência, que permanentemente nos acompanha e auxilia, desperta em nós imensos poderes, capazes de transformar completamente nossa existência e a de nossa comunidade, desde que coloquemos em ação transformadora tal percepção cósmica. (DI BIASI e ROCHA, 2005, p. 29).
Os autores, supracitados, afirmam que são estes fatores, junto a essa
nova percepção, que tem conduzido o ser humano a uma experiência terapêutica da
transcendência e da ação altruísta transformadora.
Para Grof e Grof (2001), a obra de Jung representa um marco na
caminhada rumo à nova avaliação da espiritualidade. Atualmente, segundo os
autores, a convergência entre os avanços revolucionários na ciência moderna e a
visão de mundo das escolas místicas tem alcançado grande público. Estão
73
uma nova importância ao espiritual; que não se reduz a números, medidas e pesos,
além de, acima de), quer conduzir do espiritual do indivíduo para um espiritual
transpessoal, pode-
De acordo com Di Biase e Rocha (2005), os autores, da área
transpessoal, a vêem como um modelo espectral que unifica as escolas de
psicologia e psicoterapia num quadro coerente. Os autores enfatizam que, para
consideração durante o tratamento somente as faixas transpessoais do espectro da
al
estudadas, descritas e desenvolvidas por Stanislav Grof e Ken Wilber, levam em
consideração todos os níveis do espectro da consciência. Pode-se, por este motivo,
afirmar-
(DI BIASE; ROCHA, 2005, p. 73).
Cavalcanti (2004) explica que a psicologia transpessoal tem sua principal
preocupação nos aspectos transcendentes e místicos do indivíduo no seu caminhar
rumo à autorrealização, dando ênfase à espiritualidade e ao potencial do indivíduo
para a transcendência e a considerado inerente ao homem. Assim, explica a autora,
a psicologia transpessoal procura oportunizar ao indivíduo o experimento da
consciência unificada enquanto fundamento de tudo.
Segundo Di Biase e Rocha (2005, p. 69), as pesquisas modernas têm
constitui por vários níveis interconectados entre si, e simultaneamente com toda a
É sobre esta compreensão básica que psicólogos transpessoais, como
Grof e Wilber, vão direcionar o seu entendimento da experiência humana no que
tange a experiência espiritual. Para estes pensadores, dados os postulados acima, é
74
fácil compreender que o entendimento da consciência e da espiritualidade não se
pode prender aos limites da mente e da consciência.
3.3 A Experiência Religiosa no Contexto Psicoterapêutico Atual
Segundo Cambuy, Amatuzzi e Antunes (2006), os psicólogos têm se
deparado, com maior freqüência, com questões envolvendo a experiência religiosa
no âmbito da psicoterapia, seja na clínica psicológica, em consultórios particulares
ou em atendimentos institucionais (como os que acontecem em centros de saúde e
clínicas-escola).
De acordo com os autores, a presença da religiosidade nos
atendimentos clínicos não é esporádica, mas está, muitas vezes, extremamente
ligada ao problema psicológico trazido para a psicoterapia. Conforme Cambuy,
Amatuzzi e Antunes (2006), têm-se encontrado casos, nos quais os problemas de
percepção ou de comportamento (como, por exemplo, influência de demônios ou
outros espíritos nas atividades cotidianas) têm sido interpretados como problemas
espirituais ou religiosos. Ou, ainda, esclarecimentos religiosos para problemas
psicológicos, como, por exemplo, a culpabilidade, principalmente, no campo da
sexualidade, alimentada por doutrinas religiosas ou diretamente por líderes
religiosos.
Entretanto, o trato a questões pertinentes à experiência religiosa dos
pacientes foi banido durante muito tempo do contexto psicoterápico. Segundo Peres
(2004), o distanciamento entre o aspecto espiritual do ser humano e as psicoterapias
ocidentais, afastaram muitos psicoterapeutas de importantes conhecimentos na
promoção da cura psicológica. No entender do autor, isto ocorre por uma visão
fragmentada do ser humano, transmitida, por muito tempo, na academia e utilizada
no trato dos sintomas apresentados no contexto clínico.
Para Peres (2004, p. 147), o maior desafio à psicoterapia atualmente é a
mudança de paradigma da visão de homem, considerado um ser bio-psico-social,
não se incluindo nesta visão a dimensão espiritual. Entretanto, segundo o autor,
embora a maior parte das psicoterapias, ainda, trabalhe na perspectiva da
racionalização, já existem aberturas a novos modelos que integram a espiritualidade
75
processo de alargamento dos paradigmas ocidentais para melhor qualidade do
Para Camon-Angerami (2004), embora durante muito tempo a
religiosidade tenha sido afastada da psicoterapia, indubitavelmente, ela continuou a
fazer parte da vida dos pacientes. Diferentemente do que muitas vezes se apregoa
nas academias, para o autor, a busca de psicoterapia não exclui o caminhar na
perspectiva religiosa.
Nesse sentido, Camon-Angerami (2004), partindo do paradigma
existencialista, afirma que transcendência, a espiritualidade e a religiosidade não
podem ser deixadas de lado no contexto psicoterapeutico. No que tange à
experiência religiosa, especificamente, a sua presença em psicoterapia é muito
importante.
No que concerne, de modo mais específico, às relações entre a religião e
a psicoterapia, segundo Peres et al. (2007), alguns estudos recentes têm mostrado
que a integração entre ambas se mostra um tanto difícil, ao passo que a integração
entre psicoterapia e espiritualidade é possível e tem dado bons resultados. Os
mesmos estudos, segundo os autores, apontam alguns postulados éticos a se
considerar no manejo de questões referentes á espiritualidade e à religiosidade:
A habilidade de inquirir sobre a vida religiosa e espiritual dos pacientes é um elemento importante da competência dos terapeutas; as informações sobre a vida religiosa e espiritual desses pacientes revela frequentemente dados importantes para superação das suas dificuldades; o processo do inquérito sobre esse domínio deve ser respeitoso; e há um potencial significativo quando o terapeuta exagera suas convicções pessoais abandonando o princípio da neutralidade. (PERES et al., 2007, p.139).
No entendimento de Bairrão (2004), a experiência religiosa
(compreendida como a relação com o sagrado por meio de uma religião) não é, de
todo, compatível com o que se entende comumente por saúde dentro de um
processo psicoterapeutico.
Para Bairrão (2004), a clínica psicológica e as psicoterapias partem de
dois pressupostos básicos: da existência de uma entidade anímica, geralmente
entendida como aparelho psíquico e, também, do fato de este aparelho ter a
necessidade de reconquistar a saúde, ou seja, de que ele possa estar doente. O
76
autor entende que, mesmo que todas as religiões se refiram de alguma forma à
saúde, na prática, nem sempre, as vivências religiosas proporcionam isso.
Segundo Bairrão (2004), muitas vezes, as religiões sacrificam a saúde do
corpo e o conforto psicológico de seus fiéis, mediante a propugnação de uma radical
alteridade em detrimento de uma abnegação de si próprio. Assim, as religiões
impõem que é a relação com o divino quem define o que é saúde,
independentemente, do prejuízo ou benefício do fiel.
Veríssimo (2004) elucida que a experiência religiosa não se prende às
crenças de uma determinada religião, embora, muitas vezes, esteja pautada em
elementos dela. Para o autor, a experiência do sagrado está para além de uma
relação impessoal povoada por convenções. Segundo este entendimento, o sagrado
é uma descoberta e uma elaboração pessoal e coletiva.
No que se refere à dimensão pessoal, Veríssimo (2004) entende que a
esfera particular trata da relação de cada um com o sagrado de forma única, sendo
que esta relação pode, por vezes, destoar da proposta ou imposta pela religião.
Aliás, assinala o autor, muitos conflitos podem nascer desta dicotomia entre o
celebrado e o vivido, entre o experimentado e o conceituado.
Veríssimo (2004) cita, inclusive, situações em que o sagrado, cultuado
coletivamente, não é experimentado na esfera pessoal e, então, ou a pessoa nega a
coletividade ou aceita a doutrina passivamente e se anula. Afirma, portanto:
Quem baseia sua fé em um relato sem se colocar como uma testemunha viva dos dramas cifrados nas imagens e símbolos, não percebe que existe algo único na elaboração de sua fé. Sua fé é celebrada coletivamente, mas constitui-se e vai se desenvolver de forma única, em que o sentido se fará em uma relação ímpar com o sagrado e permanecerá, em certo sentido, intransmissível. (VERÍSSIMO, 2004, p. 178).
Peres et al. (2007), defendem que o psicoterapeuta deve incluir nas
discussões a questão da espiritualidade. Para os autores, a psicoterapia é,
sumariamente, um processo de autocura do cliente. Por isto, ela deve estar voltada
para os clientes e seus respectivos sistemas de crenças, procurando, ainda,
potencializar as capacidades destes, uma vez que, a terapia funciona enquanto os
clientes aceitem participar dela.
77
a espiritualidade devem ser consideradas pelos terapeutas em suas abordagens, e
mesmo estratégias psicoterápicas que valorizem tais sistemas de crenças, devem
Mas, como identificar uma experiência religiosa? Como entender se ela é
saudável ou não para o paciente? No intuito de compreender a experiência religiosa,
Veríssimo (2004) diz que é necessário ter-se alguns cuidados. Para ele, uma
experiência religiosa não se dá, simplesmente, porque a tradição assim a prescreve
ou porque alguma autoridade religiosa tenha feito a leitura de determinado
fenômeno. Ainda segundo o autor, não é a exegese, a instituição da religião, ou um
mestre, ou, ainda, fatos empíricos, que definem se trata-se ou não de uma
experiência religiosa.
Para se averiguar tal suposição, Veríssimo (2004, p. 175) afirma que se
deve considerar que a experiência do sagrado não é um acontecimento bizarro ou
espetacular, algo que, ainda, não tenha sido conhecido pela ciência. Pois, trata-se
de algo, realmente, experimentado a partir de uma vivência, na qual é sentido,
pensado, interrogado; algo com quem se estabelece uma relação. Algo que
necessita de uma abertura por parte do humano:
Para que se configure um autêntica experiência religiosa, é preciso sentir-se provocado, chamado a sair de si e a comungar na presença da divindade na esfera da existência, buscar o sentido dessa presença, permitir-se recebe-la com alegria, com espanto, com angustia, com inquietação, com êxtase. (VERÍSSIMO, 2004, p. 176).
Segundo Allport (1975), existe uma grande diversidade quanto ao grau de
influência que a religião exerce na vida das pessoas, bem como, nas formas de
maturidade relativas à perspectiva religiosa. Isto se dá, conforme o autor, porque o
desenvolvimento religioso do ser humano é influenciado por seu temperamento e
formação, estando, também, sujeito a interrupções durante o processo de
crescimento religioso.
Nesse sentido, afirma Allport (1975), não é função da psicologia, uma vez
voltada ao estudo da experiência religiosa, a comprovação das verdades de fé, mas,
cabe a ela, a investigação sobre de que forma e porque as pessoas aderem a
determinadas verdades, as quais, em suma, representam os significados finais de
várias personalidades em diferentes tempos e lugares.
78
Para Aletti (2004), o psicólogo deve estar atento ao grau de importância
dado à experiência religiosa, bem como, às deformações patológicas que podem
estar imiscuídas na significação e ressonâncias da religiosidade para a pessoa.
Sobre a qual o autor tece a seguinte consideração:
A tarefa do psicólogo é tematizar seja a relevância do vivido religioso na estruturação ou reestruturação da personalidade, seja a ambivalência de uma experiência que não está isenta da vulnerabilidade a distorções patológicas, particularmente assinaladas, por exemplo, por redobramentos narcisistas ou por um uso fetichista dos objetos religiosos. (ALLETTI, 2004, p. 20-21).
Ratificando a idéia de Allport (1975), sobre o objetivo da psicologia ao se
enveredar nos caminhos da experiência religiosa, Alletti (2004) entende que, ao
psicólogo, cabe entender não os conteúdos, mas os percursos que dão ao homem
um posicionamento em relação à religião.
Para Giovanetti (2004), para entender a experiência religiosa, é
importante, ao psicólogo, não desvinculá-la das formas de religiosidade presentes no
contexto em que se vive. Sobre o qual afirma:
As características do novo estilo de vida na sociedade contemporânea colaboram para que assistamos a um crescimento significativo da religião individualista comparativamente com as formas de religiosidade tradicional. Hoje, as pessoas buscam explicitar sua relação com o transcendente em crenças que não derivam da igreja, mas de convicções pessoais. (GIOVANETTI, 2004, p. 144).
De acordo com Giovanetti (2004), há, atualmente, um predomínio da
religião vivida sobre a religião institucional, o que não significa um abandono da
religião tradicional, mas o convívio entre os dois tipos de religiosidade.
Segundo o autor, os estilos de vida em voga na pós-modernidade,
pautados na individualidade de caráter niilista, são, por excelência, os lugares da
vivência religiosa do homem contemporâneo. Giovanetti (2004) vê, neste estilo de
religiosidade, uma marca específica: a valorização do self
Numa perspectiva criteriológica do manejo das experiências religiosas e
da espiritualidade em psicoterapia, conforme Peres et al. (2007), a associação
79
Psiquiátrica Americana (The American Psychiatric Association) publicou, em 2006,
algumas recomendações à psicoterapeutas que trabalhem com a espiritualidade e
religiosidade na prática clínica. Entre estes aspectos, Peres et al. (2007, p. 139)
descrevem:
Identificar se variáveis religiosas e espirituais são características clínicas relevantes às queixas e aos sintomas apresentados; pesquisar o papel da religião e da espiritualidade no sistema de crenças; identificar se idealizações religiosas e representações de Deus são relevantes e abordar clinicamente essa idealização; demonstrar o uso de recursos religiosos e espirituais no tratamento psicológico; utilizar o procedimento de entrevista para acessar o histórico e envolvimento com religião e espiritualidade; treinar intervenções apropriadas a assuntos religiosos e espirituais e atualizar a respeito da ética sobre temas religiosos e espirituais na prática clínica.
Para Valle (2004, p. 288), a partir de uma perspectiva psicanalítica, a
compreensão da experiência religiosa, entendida como experiência do sagrado,
precisa ser buscada na própria história de vida, pois, segundo o autor, tal
exem com o afetivo, o
cognitivo e o conativo antes mesmo que se desenvolva na criança algum grau de
experiência subjetiva, as imagens do sagrado, tidas como responsáveis por tecer a
experiência religiosa do indivíduo, vão se formando desde o primeiro constituir-se do
self do indivíduo.
Valle (2005) afirma que compete, ao psicólogo, perscrutar quais as
motivações, sentimentos, desejos, compreensões e atitudes expressas nos
comportamentos religiosos. O psicólogo deve analisar e estudar como e por que o
homem se re-liga ao sagrado.
Semelhante à fala de Allport (1975) e Alletti (2004), acima citadas, Valle
(2004) entende que o interesse e objetivo do psicólogo devem ser a compreensão
dinâmica da experiência e do comportamento religioso, como uma vivência que
influencia, singularmente, o seu desenvolvimento pessoal e de sua vida.
Para Cencini (2001), a história pessoal é a morada do mistério. Segundo
o autor, não se pode compreender uma pessoa, em profundidade, sem que haja
uma viagem ao passado, sem evidenciar, portanto, uma cuidadosa atenção à sua
história pessoal. Para o autor, ler a história pessoal é condição indispensável para
que o psicólogo possa, com a pessoa, discernir a experiência religiosa atual.
80
Se por um lado psicoterapeutas religiosos como Cencini (2001) e Grunn
(2001) entendem a necessidade de se procurar, na própria história de vida do
paciente, o entendimento de sua experiência religiosa, outros autores sugerem que
se dê maior importância ao vivido culturalmente. Dados que, na esteira de Jung,
seriam os conteúdos do inconsciente coletivo.
À guisa do entendimento junguiano acerca da experiência religiosa,
segundo Veríssimo (2004, p. 172), é importante, ao psicólogo, familiarizar-se com o
sagrado. Ele precisa, portanto, pesquisar sobre o significado dos símbolos, mitos e
ra
poder pensar sobre a experiência religiosa.
Essa busca de compreensão crítica, com acentuada revisão nos métodos
e práticas, configura o método fenomenológico, o qual, segundo Veríssimo (2004),
parece o mais apropriado para se lidar com as experiências religiosas. Neste
método, o pensamento deve observar e acompanhar, atenciosamente, o
aparecimento de expressões produzidas pelas vivências, as quais podem ser
consideradas experiências religiosas.
A experiência religiosa, conforme Veríssimo (2004), constitui-se de uma
dimensão coletiva e outra pessoal, singular. Entretanto, segundo o autor, cada
pessoa experimenta a fé de forma integrada com a sua própria existência. Nesta,
estão imiscuídos os desejos mais íntimos da pessoa bem como, sua personalidade,
a sua origem familiar e cultural, questões pertinentes à educação e às experiências
de vida, a própria observação e o interesse pelos relatos de outras experiências e
também, a vivência dos temas arquetípicos pelo contato com os símbolos.
Avesso a este entendimento, Bairrão (2004) elucida que algumas teorias
do aparelho psíquico se propõem a substituir, integralmente, a dimensão não
objetivável do transcendente, a qual, segundo o autor, independente de ser
irrepresentável, há de ser suposta como real.
Bairrão
experiência espiritual, consubstanciando-a a uma representação psíquica em
detrimento do real. Para o autor, essa hipervalorização da capacidade humana de
representar mentalmente as coisas, reduz o real da experiência espiritual a uma
noção (religiosa) de idolatria.
Segundo Bairrão (2004), o espiritual deve ser entendido como algo que
81
faz sentido e não pode ser reduzido a uma categoria cognitiva. Assim, segundo o
autor, o psicoterapeuta precisa acolher seu paciente, também, como um ser
espiritual, capaz de ter uma experiência espiritual e de cuja experiência se podem
haurir inúmeros conhecimentos úteis ao processo psicoterapeutico.
No mesmo viés, Allport (1975) diz que uma personalidade desenvolvida
jamais fabricaria sua religião, puramente, a partir de fragmentos emocionais. Para o
autor, o sentimento religioso é a síntese de muitos aspectos ligados a inúmeros
fatores da constituição do ser que o fazem sentir-se ligado à totalidade do ser.
Para Angerami (2004, p. 230), faz-
esteja aberto para poder abarcar o conteúdo trazido pelo paciente no tocante aos
seus valores religiosos e aceitá-los de modo harmonioso, sem preconceitos e
tampouco sem julgamentos pré-co
Partindo de uma concepção positiva de ser humano, na qual se dê a ele a
capacidade e a responsabilidade por suas escolhas, o autor diz que é preciso aceitar
as buscas de autocrescimento e autoconhecimento dos pacientes, as quais, em
suma, são os motivos que os levam à psicoterapia.
Angerami (2004) afirma que é importantíssimo considerar os valores da
religiosidade do paciente, seja como parâmetros importantes para a superação
pessoal, ou enquanto destoantes de sua própria busca de superação individual. E
para tal, é necessário que o psicoterapeuta reveja seus próprios valores a fim de não
se perder em conflitos frente aos valores do paciente.
Acerda disto, Allport (1975) diz que é importante que o psicólogo tenha o
cuidado de não projetar seus próprios sentimentos, principalmente, sobre as
questões religiosas, nas quais se encontram muitas ambigüidades de significado.
Ancona-Lopes (2005) fala que a grande dificuldade do psicólogo, na
busca do entendimento da religiosidade de seus pacientes, está na dificuldade de
lidar com seus próprios preconceitos. Por isto, é de estrema importância que o
psicoterapeuta tome distância de suas próprias representações religiosas ao lidar
com este fenômeno no contexto psicoterapêutico. A autora indica a necessidade de
o psicólogo se desligar de suas próprias concepções religiosas a fim de
compreender como o cliente vivência a sua fé.
Também, neste sentido, Aletti (2008, p. 123) considera que é muito
importante que o psicoterapeuta verifique, frequentemente, suas próprias
82
deve questionar-se, continuadamente, se sua fala ou ação ajudam a si própria ou ao
paciente.
Fazendo um intercambio entre a psicoterapia e a direção espiritual, Aletti
(2008) aponta, ainda, alguns critérios, os quais considera de importância, para a
manutenção da neutralidade do terapeuta e do diretor espiritual face às questões
que o consulente traz.
Para tanto, segundo Aletti (2008), faz-se necessário: aceitar a
incompletude e o gradualismo intrínseco ao processo de crescimento humano; saber
escutar, ouvir o que não é dito; escutar, abstendo-se de gratificações voyeuristas,
pois o pretendido é obter um conhecimento em função do consulente e não o saciar
de curiosidades particulares; saber esperar, conferir tempo para que o consulente se
mostre visando à autenticidade do sujeito; encontrar palavras para escutar, pois
muitas intervenções, ao invés de tranqüilizar, atrapalham; trabalhar uma abordagem
que se funde na neutralidade, a qual pode fazer com que o paciente aprofunde sua
fé ou liberte-se dos resíduos patológicos de sua religiosidade.
83
4 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E SAÚDE MENTAL
4.1 Experiência religiosa e saúde mental: Um pouco da história
Dalgalarrondo (2008) faz uma interessante leitura dos meandros
históricos que deram o tônus da relação entre psicopatologia e religião nos tempos
que nos precederam e na atualidade. O autor afirma que há uma antiga e íntima
relação entre religião e loucura.
Segundo Dalgalarrondo (2008), já na Grécia antiga, considerava-se que a
loucura era causada pelas divindades. Hipócrates, numa perspectiva médica,
considerou a loucura como produto da natureza: dos humores internos do corpo, dos
ventos, das águas e dos alimentos. A partir desta concepção, aconteceu uma
desmitologização da loucura em face de uma perspectiva humana e naturalizada do
processo de enlouquecimento.
Na Idade Média e na Renascença, conforme Dalgalarrondo (2008), a
loucura foi, novamente, vinculada ao religioso e, sobretudo, baseada no cristianismo
medieval, como uma manifestação demoníaca. Segundo esta visão, os males eram
vistos como frutos do demônio. Assim, pecado e doença se tornaram, intimamente,
relacionados. Flagelamentos e rituais de penitencias de diversas formas eram
maneiras encontradas pelos penitentes, em especial pelos cristãos, para aplacar a
ira divina e alcançar o perdão e a redenção.
A idade média traz, ainda, uma ambivalência no entendimento da doença,
seja ela física ou mental. Dalgalarrondo (2008) diz que, se por um lado a doença era
entendida como condenação pelo pecado, por outro, o louco e o doente podiam,
também, significar fontes de redenção para si e para outrem. Aparecem, então,
muitas figuras interessantes, vários santos do catolicismo, os quais, na caridade
cristã, dedicavam-se ao cuidado dos doentes e pobres. Conforme Dalgalarrondo
(2008), os doentes e as pessoas com transtornos metais podiam tanto significar o
pecador punido ao peso da doença, quanto o Cristo disfarçado à esperta da
caridade dos cristãos.
Segundo Dalgalarrondo (2008), Phillipe Pinel (1745 -1826), grande
reformador da prática psiquiátrica, escreveu um tratado no qual apontava os
84
excessos religiosos como fator de grande relevância para o desabrochar de doenças
mentais. Entre as várias causas psíquicas e sociais (designadas por Pinel como
como a ambição exagerada e frustrada de tristezas agudas e amores não
correspondidos. No caso específico da loucura religiosa, Pinel via este matiz da
loucura como algo, extremamente, difícil de tratar, sendo necessário, portanto, a
retirada, da vida daquela pessoa, de todos os elementos religiosos que
configuravam a sua cultura.
No âmbito da psicologia propriamente dita, Koening (2007) traz a
contribuição de William James, o qual, em 1902, já havia escrito em sua famosa
obra, As variedades da experiência religiosa, sobre vários aspectos referentes às
interligações entre psicopatologia e experiência religiosa.
Entretanto, segundo Koening (2007), foram os estudos de Freud que
deram à religião um status de geradora e mantenedora de neuroses. Freud, como
explanado anteriormente, considerava a religião e as crenças religiosas como
práticas infantis e neuróticas. Para Koning (2007), as idéias de Freud, aliadas a
estudos posteriores, enfatizaram a natureza irracional das crenças religiosas e o seu
potencial maléfico. Tais crenças se instauraram até os dias atuais nos âmbitos da
saúde mental.
Segundo Menezes Júnior e Moreira-Almeida (2009), a presença
constante de místicos, videntes e médiuns na sociedade tem desafiado a
compreensão dos profissionais de saúde mental no sentido de que se faça uma
diferenciação adequada entre uma experiência espiritual saudável e o que seria um
transtorno psicótico ou dissociativo com conteúdo religioso.
Menezes Júnior e Moreira-Almeida (2009) ressaltam que as contribuições
de Jung ajudaram a criar novos modos de se olhar o fenômeno religioso, dando-lhe
um entendimento muito diverso do psicopatológico, disseminado por Freud. Na
esteira do entendimento apontado por Jung, segundo os autores, gradualmente, vão
se dando novos significados e novos entendimentos para a experiência religiosa,
como fator de saúde e não, apenas, de psicopatologia.
Atualmente, conforme Sudbrack (2001, p. 115), a psicologia
transpessoal tem ajudado a dar outra noção às experiências religiosas, as quais,
como vimos acima, durante muito tempo, foram denominadas, indiscriminadamente,
85
Esta nova abordagem, dentro da psicologia, segundo Sudbrack (2001, p.
verdade, uma espécie de vivência mística, isto é, de alguma realidade objetiva,
qualquer que seja disso a interpretação, cristã
segundo Sudbrack (2001, p. 122), encontram-se, costumeiramente, sintomas muito
próximos à doença psíquica. Segundo o autor, a fixação ideológica de um medo
próprio, pessoal, em figuras diabólicas é um desafio tanto para a teologia, quanto
para a psiquiatria, pois caracteriza graus imaturos da consciência, ao passo que, a fé
madura estaria sempre aberta ao diálogo.
Se a experiência religiosa mediada por uma figura do mal configura-se
algo patológico na maioria das vezes, por outro lado, considera Sudbrack (2001), a
experiência sem figura não é menos potencialmente patológica. Assim, o autor
comenta um estudo feito por renomados pesquisadores da psicologia transpessoal,
entre estes, Vaugham, Naranjo e Wilber, para os quais a verdadeira experiência
transpessoal pode ser reconhecida nas seguintes características:
1) Uma totalidade integrada, claramente reconhecível, em contraste com um diluir-se indiferenciado; 2) Uma intuição conscientemente percebida, em contraste com o transe; 3) Confiança em vez de dependência infantil; 4) Compreensão das oposições em vez de percepção indiferenciada; 5) Espontaneidade e não mera reatividade; 6) Altruísmo e não narcisismo; Pureza de coração e não ignorância. (SUDBRACK, 2001, p. 123).
O seguinte enxerto de Sudbrack (2001, p. 125) esclarece a distinção entre
4.2 O diagnóstico diferencial
Na atualidade, já é comum falar-se em diagnóstico diferencial entre uma
autentica experiência religiosa e uma experiência psicopatológica. Muitos autores
têm se dedicado a caracterizar os aspectos que as diferenciam.
86
Conforme Koenig (2007, p. 96), nos últimos 20 anos, tem-se dado maior
atenção ao estudo científico da religião e sua relação com a saúde e a doença
mentais. Embora, haja muito trabalho, ainda, a se realizar, o autor ressalta que já se
tem acumulado evidências para respostas mais objetivas a questionamentos, como
por exemplo: relações entre religião, espiritualidade e psicose; a incidência da
psicopatia sobre pessoas religiosas; relações de inclinação entre religião e psicose e
vice e versa; conversão religiosa e psicose e associação entre delírios religiosos e
psicopatologia.
Koenig (2007, p. 96) propõe, também, a necessidade de se ter subsídios
para questionar: a maneira de diferenciar experiências religiosas ou espirituais
evolução dos transtornos psicóticos; o efeito das psicoses nas crenças espirituais ou
religiosas das pessoas, entre outras. Segundo o autor, várias pesquisas
sistemáticas, em todo o mundo, têm colaborado na busca por respostas mais
concretas a estas questões.
Grof e Grof (2001) apontam alguns critérios para que se possa
distinguir o a experiência espiritual de um transtorno mental. Segundo os autores, a
experiência espiritual é suave, geradora de sensações agradáveis; não é, portanto,
geradora de conflituosidade; estimula a aceitação de mudanças; integra-se à
consciência diária da pessoa; não gera a necessidade de discutir o assunto
frequentemente e ajuda a pessoa numa lenta mudança na sua autocompreensão e
na compreensão do mundo.
Já para as experiências que indicam transtorno mental, Grof e Grof (2001)
apontam a intensidade do fenômeno; sensações desagradáveis; a não diferenciação
do que é interno e do que é externo; atitudes ambivalentes por parte da pessoa;
necessidades de controle; resistência a mudanças; perturbações na consciência
diária; necessidade de discussão da experiência com outrem, além de provocarem
mudanças bruscas na forma como as pessoas vêem o mundo e a si mesmas.
Menezes Júnior e Moreira-Almeida (2009) apresentam pesquisas atuais,
as quais discorrem sobre sintomas diferenciadores acerca do que pode ser doença
mental e do que deve ser compreendido como uma experiência religiosa. Os autores
salientam, contudo, que estes critérios não devem ser considerados, isoladamente, e
sim em conjunto. São elencados nove sintomas:
87
1) Ausência de sofrimento psicológico;
2) Ausência de prejuízos sociais e ocupacionais;
3) A experiência tem duração curta e ocorre episodicamente;
4) Existe uma atitude crítica sobre a realidade objetiva da experiência;
5) Existe compatibilidade da experiência com algum grupo cultural ou religioso;
6) Ausência de comorbidades;
7) A experiência é controlada;
8) A experiência gera crescimento pessoal;
9) A experiência é voltada para os outros.
Dalgalarrondo (2008) faz, também, uma síntese na qual apresenta uma
diferenciação entre as experiências espirituais e sintomas psicopatológicos. Entre
outros aspectos, deve-se observar: características relativas ao conteúdo das
vivências, características das experiências sensoriais; duração (tempo), grau de
insight, orientação em relação a outras pessoas, estilo de vida e personalidade do
sujeito, etc., conforme exposto no anexo 1. Já no anexo 2, pode-se observar uma
lista de fatores positivos e negativos da experiência religiosa sobre a saúde mental.
Citando elementos que mais se destacam, atualmente, no campo de
estudo da psicopatologia e da experiência religiosa, Dalgalarrondo (2008) cita as
relações entre: fanatismo religioso, sectarismo e psicopatologia; êxtase, transe,
possessão e mediunidade e, também, as experiências de quase morte (EQM), as
quais, segundo o autor, têm sido bastante estudadas em vários centros de pesquisa.
Peres (2004) comenta, também, sobre a incidência de vários estudos no
que concerne aos estados alterados da consciência (EAC). Segundo o autor, estes
representam ferramentas, utilizadas no entendimento de novos padrões de
sentimento comportamento e pensamento.
Na seguinte citação, Menezes Júnior e Moreira-Almeida (2009), reportam-
se à fala de Sims sobre a compreensão deste acerca experiência saudável, pois
segundo os autores, para Sims:
O indivíduo compreende a incredulidade dos outros e tem reservas de discutir a sua experiência com os outros que acredita que não a compreenderão, é descrita com convicção e, por fim, o indivíduo sente necessidade de efetuar alguma mudança no seu comportamento depois da experiência vivida. Já a experiência patológica se revela em resultados que são compatíveis com uma história de transtorno mental e surge sempre
88
associada a outros transtornos psiquiátricos. (MENEZES; MOREIRA, 2009, p. 77).
Entretanto, Dalgalarrondo (2008), também ao citar Sims, comenta que é
difícil separar experiências espirituais e sintomas psicopatológicos de forma geral.
Para este autor, mesmo quando experientes e bem treinados, os profissionais terão
dificuldade de separar ambas as experiências, por elas serem separadas, na maioria
dos casos, por um tênue divisor.
Para Koenig (2007, p. 102), embora possa ser difícil distinguir crenças de
experiências psicóticas e crenças não-
já que o envolvimento religioso não-psicótico pode ter impacto positivo no curso da
doença e freqüência de exacerbações psicóticas, merecendo, assim, apoio e
podem indicar presságio de pior prognóstico e, por isso, deveriam ser tratados de
Infelizmente, conforme Koenig (2007), há, ainda, muito sobre a relação
entre religião e doença psicopatológica que permanece desconhecido, o fato que
aponta a necessidade de serem produzidas mais pesquisas. Porém, o que já se
conhece justifica, ao menos, alguns passos cautelosos que se possam dar adiante.
uma cuidadosa história espiritual, apoiar o envolvimento religioso não-psicótico e
considerar intervenções de grupos espiritualmente fundamentadas para pacientes
Peres et al. (2007) acentua que, atualmente, a experiência religiosa
deixou de ser considerada fonte de patologia, sendo considerada, em alguns casos,
como promotora de re-equilíbrio e saúde da personalidade.
Peres et al. (2007, p. 140) afirma que vários estudos, realizados na
spiritualidade estão
associados com melhores índices de saúde, incluindo longevidade, habilidades de
ou e -IV, reconhece que os temas espirituais e religiosos podem
ser foco de consulta e do tratamento psiquiátrico psicológico.
89
4.3 As classificações do DSM-IV e CID 10
4.3.1 O DSM IV
Segundo o DSM-IV, a característica essencial dos Transtornos
Dissociativos é uma perturbação nas funções, habitualmente integradas, de
consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente. O distúrbio pode ser
súbito ou gradual, transitório ou crônico.
Esta seção compreende os seguintes transtornos: Amnésia
Dissociativa; Fuga Dissciativa; Transtorno Dissociado de Identidade; Transtorno de
Despersonalização; Transtorno Dissociativo sem outra Especificação. Os sintomas
dissociativos, também, são incluídos nos conjuntos de critérios para Transtornos de
Estresse Agudo, Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Transtorno de
Somatização.
Uma perspectiva transcultural, segundo o DSM-IV, é particularmente
importante na avaliação dos Transtornos Dissociativos, uma vez que, em muitas
sociedades, estados dissociativos são uma expressão, comum e aceita, de
atividades culturais ou de experiências religiosas. A dissociação não deve ser
considerada como inerentemente patológica e, muitas vezes, não acarreta
sofrimento ou prejuízo significativos ou leva a uma busca de auxílio. Entretanto,
diversas síndromes, culturalmente definidas, caracterizadas por dissociação,
causam real sofrimento e prejuízo e são reconhecidas nos locais em que ocorrem
como manifestações de patologia.
4.3.2 Transtorno de Transe Dissociativo
A característica essencial é um estado involuntário de transe , o qual não
é aceito pela cultura da pessoa como parte normal de uma prática cultural ou
religiosa coletiva e causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo emocional.
Este transtorno proposto não deve ser considerado em indivíduos que entram,
90
voluntariamente, em estado de transe ou possessão, sem sofrimento, no contexto de
práticas culturais e religiosas amplamente aceitas pelo seu grupo cultural.
Tais estados voluntários, e não patológicos, são comuns e constituem a
imensa maioria dos transes de possessão encontrados em variadas culturas.
Entretanto, alguns indivíduos, que passam por transe ou estados de transe de
possessão culturalmente normais, podem desenvolver sintomas que causam
sofrimento ou prejuízo e que, portanto, poderiam ser considerados candidatos ao
proposto transtorno.
Os locais específicos onde ocorrem os casos de transe dissociativo
mostram considerável variação transcultural com relação à natureza precisa dos
comportamentos apresentados durante o estado alterado, presença ou ausência de
alterações sensoriais dissociativas (por exemplo, a cegueira), identidade assumida
durante esses estágios e grau de amnésia experimentada após o estado alterado.
No transe, a perda da identidade habitual não está associada com o
aparecimento de identidades alternativas e as ações executadas durante o estado,
geralmente, não são complexas (por exemplo, movimentos convulsivos: cair, correr,
etc.). No transe de possessão, existe o aparecimento de uma ou diversas entidades
alternativas distintas, com comportamentos, recordações e atitudes característicos.
As atividades executadas, pela pessoa, tendem a ser mais complexas (por exemplo,
conversas coerentes, gestos característicos, expressões fáceis e verbalizações
específicas, culturalmente estabelecidas como pertinentes a determinado agente
que toma posse do indivíduo). Amnésia completa ou parcial é relatada, com maior
freqüência, após um episódio de transe de possessão que após um episódio de
transe (embora relatos de amnésia após um transe não sejam incomuns).
Muitos indivíduos, com este transtorno proposto, exibem aspectos de,
apenas, uma espécie de transe, mas existem casos onde são apresentadas uma
sintomatologia mista ou flutuação entre os tipos de transe ao longo do tempo, de
acordo com parâmetros culturais locais.
91
4.3.3 Características associadas
Variantes das condições apresentadas são descritas em quase todas as
sociedades tradicionais, em todos os continentes. A prevalência parece diminuir com
o aumento da industrialização, mas permanece elevada entre as minorias étnicas
tradicionais em sociedades industrializadas. Existem consideráveis variações locais
na idade e modo de início. O curso, tipicamente, é episódico, com duração variável
dos episódios agudos, de minutos a horas. Foi relatado que, durante um estado de
transe, os indivíduos podem ter um limiar aumentado para a dor, ingerir materiais
não comestíveis (por exemplo, vidro) e experimentar um aumento da força muscular.
Os sintomas de um transe patológico podem ser aumentados ou
reduzidos em resposta a indícios ambientais e orientações de outros. Os
presumíveis agentes de possessão, em geral, são de natureza espiritual (por
exemplo, espíritos de mortos, entidades sobrenaturais, deuses, demônios, etc.) e,
muitas vezes, são vistos fazendo exigências ou expressando animosidade.
Os indivíduos com transe de possessão patológico, tipicamente,
vivenciam um número limitado de agentes (de um a cinco) de modo seqüencial, não
simultâneo. As complicações incluem tentativas de suicídio, automutilação e
acidentes. Mortes têm sido relatadas, correspondente a arritmias cardíacas.
4.3.4 Diagnóstico Diferencial
No DSM IV, os indivíduos, cuja apresentação satisfaz os critérios para
pesquisas, seriam diagnosticados como casos de Transtorno Dissociativo Sem
Outra Especificação. Este diagnóstico não deve ser feito se o estado de transe é
considerado, em virtude de efeitos fisiológicos diretos, de uma condição médica
geral (a qual seria diagnosticada como Transtorno Mental a uma Condição Médica
Geral Sem Outra Especificação) ou de uma substância (diagnosticada de
Transtorno Relacionado à Substância Sem Outra Especificação).
Os sintomas do estado de transe (por exemplo, ouvir ou ver entes
espirituais e ser controlado ou influenciado por outros) podem ser confundidos com
92
as alucinações e delírios de Esquizofrenia, Transtorno do Humor com Aspectos
Psicóticos ou Transtorno Psicótico Breve. O estado de transe pode ser
distinguido por sua congruência cultural, sua duração mais leve e ausência de
sintomas característicos dos outros transtornos.
Os indivíduos, com Transtorno Dissociativo de Identidade, podem ser
diferenciados dos que apresentam sintomas de transe e possessão, pelo fato de os
últimos, tipicamente, descrevem espíritos externos ou entidades que ingressaram
em seus corpos e assumiram o controle. O transtorno proposto não deve ser
considerado em indivíduos que ingressam em transes ou estados de possessão
voluntariamente e sem sofrimento ou prejuízo, no contexto de práticas culturais e
religiosas.
4.3.5 CID-10
Também, no CID-10, podemos encontrar referências a transtornos de
ordem religiosa, sob as designações de F44 e F44.3. Ambos se referem,
respectivamente, a Transtornos Dissociativos (de conversão) e a Estados de transe
e possessão.
Especificamente, em F44.3 (Estados de transe e possessão)
encontramos transtornos que se caracterizam pela perda de identidade, sem que
haja, entretanto, perda da consciência do meio ambiente por parte do sujeito. Neste
transtorno, incluem-se, somente, estados de transe involuntário, excluindo, desta
forma, estados de transe que advenham de contexto cultural ou religioso do sujeito.
A caracterização deste transtorno exclui ainda:
Esquizofrenia (F20.-);
Intoxicação por substância psicoativa (F10-F19 com quarto caráter comum 0);
Síndrome pós-traumática (F07. 2);
Transtorno Orgânico da personalidade (F07. 0);
Transtornos Psicóticos agudos e transitórios (F23.-).
93
5 METODOLOGIA
5.1 Introdução
O presente trabalho constitui-se de uma pesquisa teórica, bibliográfica
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e
as que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema,
também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente a partir de fontes
A classificação da pesquisa, como
problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se
dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias
Este trabalho se baseia em diversas referências, artigos e dissertações de
mestrado disponíveis nos bancos de dados on-line nacionais e internacionais, tais
como: Scielo, Google acadêmico, artigos já publicados em livros ou revistas, livros
da biblioteca universitária da UNESC, da biblioteca particular do professor orientador
e da próprio autor.
5.2 Organização dos dados pesquisados
Os dados encontrados foram organizados em três capítulos teóricos:
1. A experiência religiosa vista por importantes autores da psicologia;
2. Influências da experiência religiosa sobre o psiquismo e comportamento
humano;
94
3. Experiência religiosa e saúde mental.
No primeiro capítulo, procurou-se averiguar qual o entendimento de
grandes autores da psicologia sobre a experiência religiosa. Para tal, foram
escolhidos treze autores de grande expressão dentro da psicologia, os quais tenham
se manifestado de forma mais explicita sobre a religião, mais precisamente, sobre a
experiência religiosa. É importante mencionar que a escolha de tais autores se deu
em função de serem fundadores/precursores de grandes escolas da psicologia ou
em função do fato de terem deixado marcos teóricos quanto ao entendimento do
assunto.
Este capítulo conta com uma interlocução inicial e treze sub-capítulos, nos
quais, de forma concisa, são apresentados os principais pensamentos de cada um
dos autores a respeito da temática em questão.
O segundo capítulo, ao tratar da influencia religiosa sobre o psiquismo,
procura esclarecer, no seu primeiro sub-capítulo, acerca das definições de religião,
experiência religiosa e espiritualidade, termos que, mesmo tendo algumas
similaridades, possuem definições muito variadas e, até mesmo, destoantes que
podem prejudicar um maior entendimento acerca dos mesmos.
Este capítulo traz, ainda, as evoluções do pensamento das quatro
grandes forças da psicologia (Behaviorismo, Psicanálise, Humanismo e
Transpessoal), quanto ao seu entendimento da experiência religiosa na atualidade.
Se no primeiro capítulo, procurou-se identificar o principal pensamento dos
precursores da psicologia em relação à temática da experiência religiosa, neste,
procurou-se identificar a forma como, atualmente, as escolas têm abordado o
assunto, dando enfoque às evoluções na forma de encarar este fenômeno.
O mesmo capítulo apresenta, também, algumas páginas que explanam o
manejo da experiência religiosa no contexto da psicoterapia na atualidade. Neste
espaço, procurou-se apresentar o pensamento atual de vários pesquisadores do
assunto. Para tanto buscou-se respaldo em revistas e artigos científicos, a fim de ter
posse de discussões mais recentes relacionadas à psicoterapia e à experiência
religiosa.
O terceiro capítulo trata de questões pertinentes à associação entre
psicopatologia e religião/experiência religiosa, bem como, sobre a relação entre
psicopatologia e espiritualidade. Neste capítulo, são apresentados, brevemente,
95
alguns eventos históricos que marcam as relações entre doença mental e
experiência religiosa.
O capítulo expõe, também, estudos atuais sobre os critérios para se fazer
um diagnóstico diferencial. Além disso, apresenta a inclusão das categorias de
transtorno de possessão e transtornos religiosos, somados aos transtornos
dissociativos no CID-10 e DSM-IV.
96
6 CONCLUSÃO
É inegável a universalidade da experiência religiosa. A busca por uma
experiência com o divino, com um ser que é maior que o humano e que, de alguma
forma, manifesta-se e dialoga, existencialmente, com o ser criado, é algo que pode
ser vislumbrado, sem grandes esforços, em todas as culturas e em todas as épocas.
Mudam-se as imagens, mudam-se as concepções do divino, mudam-se
os ritos, mas, permanece no coração humano, o desejo de entrar em comunhão com
outra esfera da existência. Neste sentido, a experiência religiosa não comporta,
somente, o relacionamento com uma figura, ou com um ser imaterial, transcendente,
mas com algo capaz de plenificar a vida, um sentido que ajuda a o ser humano
geradora da experiência religiosa, foi materializada durante muito tempo nos
recônditos das religiões.
advindo do
-ligar, tornar a ligar), pode-se entender que, em sua gênese
ou na sua experiência fundante, conforme explanado por Jung (1973), a religião tem
por objetivo levar o ser humano a entrar em comunhão com a esfera divina e
responder, consequentemente, por meio de uma experiência religiosa, ao que Frankl
Afirmar que somente as experiências religiosas respondem a estas
questões, profundamente arraigadas no coração humano, seria uma injustiça
cometida contra os não religiosos, os quais, encontram sentido para suas vidas, em
outras esferas significantes. Também, seria ingenuidade acreditar que a religião,
sempre, teve, claro para si, o propósito de levar o homem a conferir significado à sua
existência, uma vez que, no intuito de impor um sentido encontrado, muitas vezes os
homens geraram guerras e disputas em nome da religião.
O passado é testemunha de que, muitas vezes, a religião, em defesa do
dogma ou da fé, esqueceu- -
questões mais profundas, perdendo-se, num dogmatismo que exclui a eterna
novidade de cada experiência religiosa e o componente subjetivo que perpassa
essas experiências.
97
O próprio texto bíblico expressa esta impossibilidade de objetivação do
fenômeno, ao afirmar que o espírito sopra onde, quando e como quer. Entretanto, os
mesmos textos guardam chaves de leitura para o discernimento de tais experiências,
segundo um entendimento religioso. Como por exemplo, na seguinte frase, atribuída
Para o cristianismo, não há como pensar uma experiência religiosa
desconectada da pessoa de Cristo e de sua vida, uma vez que, entende-se que, em
Cristo, Deus se permite ser conhecido. Na mesma perspectiva, não há como
encontrar um sentido de vida que não condiga com o Evangelho de Cristo. Não há
como pensar, segundo a mística cristã, uma experiência religiosa que não gere, no
homem, os mesmos pensamentos e sentimentos de Cristo. Esta é, certamente uma
verdade de fé irredutível na experiência religiosa das tradições cristãs.
Assim, também, não há como o judaísmo entender uma experiência
religiosa que não se funde nos textos da Torá ou no profetismo vétero-testamentário.
Nem mesmo será possível para o islamismo pensar sua experiência de fé diferente
ao sentido da experiência, por outro, uma interpretação destoante do vivido pode
gerar dificuldades na aceitação das experiências que fogem a esta compreensão. E
traria, ainda mais, dificuldades ao âmbito privado, quando a pessoa pudesse sentir
que sua experiência não condiz com o entendimento tido e definido pela religião.
A antropologia cristã, baseada nos textos bíblicos e em especial na
passagem do livro de Gênesis, sempre, entendeu o homem enquanto ser feito à
imagem e semelhança de Deus. Entendendo-se que o ser humano tenha sido criado
à imagem e semelhança de Deus, faz-se necessário, na sua condição de criatura,
que o homem busque habitar o seu próprio interior e descubra-se como um lugar
privilegiado da presença de si e, também, da presença de Deus.
Por isto, Santo Agostinho, em sua obra Confissões, afirmava que quanto
mais o ser humano se conhece, mais poderá conhecer a Deus. Ao se afastar de si
mesmo, o humano se afasta, também, de Deus. Na visão de Agostinho, a
experiência religiosa é uma profunda experiência antropológica.
Karl Rahner, um dos maiores expoentes da teologia na atualidade, afirma
que quando o ser humano se experimenta radical e intensamente, ele toca no
mistério que o constitui. Rahner diz que este constitui o momento em que o ser
98
humano se sente de forma mais profunda, no qual faz a sua verdadeira experiência
religiosa, entendida pelo autor como experiência de Deus.
Pode-
oportunidade para que o homem possa ser ele mesmo, auto atualizado, como diria
Maslow? Como alguém que alcançou o processo de individuação, conforme
apontado por Jung? Ou, como quem encontrou o sentido da vida, como, bem
Entendendo o Deus religioso enquanto figura construída, culturalmente,
pelo homem, ou seja, à imagem e semelhança do homem (o que, de todo, não é
sem razão), a psicologia, durante muito tempo, ignorou a busca pelo transcendente.
Deixou de se enriquecer do milenar conhecimento religioso, por se focalizar nas
psicopatias do religioso, ainda, tão evidentes em muitos contextos socio-religiosos. A
psicologia relegou toda a experiência religiosa ao âmbito do psicopatológico.
Entretanto, novas formas de vislumbrar tal fenômeno têm conferido, à
experiência religiosa, outra dimensão, conforme apresentado no decorrer do
presente estudo. A psicologia tem aurido novos significados da experiência religiosa
mediante uma postura diferente frente a tais temas tão, constantemente, levantados
nos contextos psicoterápicos.
A emergência destes temas, aliados a uma abertura da psicologia a
outras espiritualidades, não necessariamente religiosas, tem ajudado na construção
de um diagnóstico diferencial para o que, de fato, seja uma experiência religiosa, e
também, para o que não deve se compreendido como tal. Embora as pesquisas
nesta área tenham avançado nos últimos anos e os psicólogos tenham dado maior
abertura para estes temas na psicoterapia, há ainda um longo caminho a percorrer.
Finalizando as conclusões obtidas com esta pesquisa, desde o
pensamento inicial dos grandes autores da psicologia, passando pelo entendimento
das principais escolas, pelo trato de tais questões em psicoterapia, além das
relações entre experiência religiosa e psicopatologia, torna-se perceptível a
complexidade do tema abordado bem como do quanto a psicologia, ainda, precisa
adentrar nessa área. Por enquanto, resta repetir junto ao filósofo francês, Blaise
99
REFERÊNCIAS
ALETTI, Mario. A representação de Deus como objeto transacional ilusório. Perspectivas e problemas de um novo modelo. In: PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington. (Orgs.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 19 -50. ______. Atendimento psicológico e direção espiritual: semelhanças, diferenças, integrações e... confusões. Psic.: Teor. e Pesq. [online]. 2008, vol.24, n.1, pp. 117-125. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v24n1/a14v24n1.pdf> Acesso em: 21 ago. 2009. AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões; De magistro (Do Mestre. (Os pensadores : história das grandes idéias do mundo ocidental V. 6) COLEÇÃO Tradução de J. Oliveira Santos; A. Ambrósio de Pina e Angelo Ricci. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 356 p. ALLPORT, Gordon W. Desenvolvimento da personalidade: considerações básicas. São Paulo: EPU, 1975. 134 p. ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Ars Poética, 1996. 101 p. AMATUZZI, Mauro Martins. Experiência religiosa: Busca de uma definição. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Estudos de Psicologia, v. 15, nº. 1, p. 49-65. 1998. ______. O desenvolvimento religioso: Uma hipótese psicológica. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Estudos de Psicologia, v. 17, nº. 1, p. 15-30. 2000. ANCONA-LOPEZ. Marília. Espiritualidade dos psicólogos. In: AMATUZZI, Mauro Martins. (org.). Psicologia e espiritualidade.São Paulo: Paulus, 2005. p.147-159. ______. Psicologia e religião: recursos para construção do conhecimento. Estud. psicol. (Campinas) [online]. 2002, v.19, n.2, pp. 78-85. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v19n2/a05.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2009. ARGELAZI, Patrícia Leirner. Psicanálise e religião. 2008. 114 f. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
100
BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Espiritualidade Brasileira e Clínica psicológica. In: CAMON ANGERAMI, Valdemar Augusto. (Org.). Espiritualidade e prática clínica. São Paulo: Thomson, 2004. p. 193-214. BEZERRA, Dirle Portelle. Psicodrama. In: KAHHALE, Edna Maria S. Peters; RIBEIRO, Alessandra et al. A diversidade da psicologia: uma construção teórica. São Paulo: Cortez, 2002. p.195-220. BOAINAIN JUNIOR, Elias. Tornar-se Transpessoal: Transcendência e Espiritualidade na obra de Carl Rogers. São Paulo: Summus, 1998. 284 p. BOFF, Leonardo. Experimentar Deus: A transparência de todas as coisas. 2. ed. São Paulo: Verus, 2002. 163 p. CAMBUY, Karine; AMATUZZI, Mauro Martins; ANTUNES, Tais de Assis. Psicologia clínica e experiência religiosa. REVER: Revista de estudos da religião.[online]. 2006, n.3. p.77-93. Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv3_2006/p_cambuy.pdf Acesso em 10 ago. 2009. CAMON ANGERAMI, Valdemar Augusto. De espiritualidade, de ateísmo e de psicoterapia. In: ______. (Org.). Espiritualidade e prática clínica. São Paulo: Thomson, 2004. p. 215 262. CAVALCANTI, Raissa. O retorno do conceito do sagrado na ciência. In: TEIXEIRA, Evilázio Francisco Borges; MÜLLER, Marisa Campio; SILVA, Juliana Dors Tigre da. (Orgs.). Espiritualidade e qualidade de vida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 87-99. CAPOVILLA, Fernando César. Responsabilidade pelo sofrimento e pela solução: Determinismo e livre arbítrio em modelos de psicologia e teologia protestante. In: PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington. (Orgs.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p.315-334. CENCINI, Amedeo. A história pessoal, morada do mistério. Indicações para discernimento vocacional. Tradução de Tomás Belli. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2001. 94 p. CID-10: Classificação estatística internacional de doenças. 10. rev [S.I.]: RGM do Brasil, [200?]. 247 p.
101
DALGALARRONDO, Paulo. Religião, psicopatologia e saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2008. 288 p. DI BIASE, Francisco; ROCHA, Mario Sérgio F. da. Ciência, espiritualidade e cura: Psicologia Transpessoal e Ciências Holísticas. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005. 132 p. DSM-IV: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1995. 830 p. EIZIRIK, Cláudio L.; KAPCZINSKI, Flávio; BASSOLS, Ana Margareth Siqueira. Noções básicas sobre o funcionamento psíquico. In. ______. O ciclo da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.15-27 ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. Tradução de Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 109 p. FRAAS, Hans-Jurgen. A religiosidade humana: Compêndio de Psicologia da religião. Tradução de Ilson Kayser, Werner Fuchs. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1997. 132 p.
FRANKL, Viktor Emil. A presença ignorada de Deus. Tradução de Elli R. S. C. Hoersting: Imago, 1985. 122 p. ______. A questão do sentido em psicoterapia. Campinas: Papirus, 1990. 157 p. FRANCO FILHO, Odilon de Mello. Psicodinâmica e experiência religiosa. In: PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington. (Orgs.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 299-304. FREUD, Sigmund. Psicopatologia da vida cotidiana. 1976. p.165 FREUD, Sigmund; FREUD, Anna; SALOMÃO, Jaime. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago 1996. 24 v. FROMM, Erich. Análise do homem. Tradução de Octávio Alves Velho. 12. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1970. 211 p.
102
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1996.159 p. GIOVANETTI, José Paulo. A representação da religião na pós-modernidade. In: PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington. (Orgs.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 129-146. GROF, Christiana; GROF, Stanislav. A tempestuosa busca do ser. Tradução de Fátima Regina Machado.10.ed São Paulo: Cultrix, 1998. 261p. GROF, Stanislav; GROF, Cristina. (Orgs.). Emergência Espiritual. Crise e Transformação Espiritual. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 2001. 266 p. GRUN, Anselmo. Se quiser experimentar Deus. Tradução de Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2001. 246 p. HECKERT, Uriel. Psicodinâmica e Sacrodinâmica. In: PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington. (Orgs.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 335-346. HILLMAN, James, Uma busca interior em psicologia e religião. Tradução de Aracéli Martins Elman. 3.ed. São Paulo: Paulus, 1984. 136 p.
JASPARD, Jean-Marie. A natureza simbólica das representações religiosas. In: PAIVA, Geraldo José de; ZANGARI, Wellington. (Orgs.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 51-72 JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [1999-]. 316 p. il. ______. O desenvolvimento da personalidade. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 222 p. ______. Psicologia da Religião Oriental e Ocidental. Tradução de Mateus R. Rocha. Petrópolis: Vozes, 1983. ______. A energia psíquica. 8. ed. Tradução de Matheus Ramalho Rocha. Petrópolis: Vozes, 2002. 95 p.
103
______. Psicologia e religião. Tradução de Matheus Ramalho Rocha. Petrópolis: Vozes ,1978. 122 p. KOENIG, Harold G. Religião, espiritualidade e transtornos psicóticos. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v.34, n.1, p. 95-104, set. 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rpc/v34s1/a13v34s1.pdf>. Acesso em: 08 set. 2009 LEOPARDI, Maria Tereza. Metodologia da pesquisa na saúde. Santa Maria: Pallotti, 2001. 344 p. LINDQVIST, Martti. A religião e o espírito. In: HOLMES, Paul; KARP, Márcia; WATSON Michael. (Orgs.). O psicodrama após Moreno: inovações na teoria e na prática. Tradução de Eliana Araújo Nogueira do Vale. São Paulo: Ágora, 1998. p. 239-261 LOWEN, Alexander. A espiritualidade do corpo: bioenergética para a beleza e a harmonia. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 2000. 229 p. MAY, Rollo. A arte do aconselhamento psicológico. Tradução de Wayne Tobelem dos Santos; Hipólito Martendal. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 198 p. ______. O homem à procura de si mesmo. Tradução de Áurea Brito Weissenberg. 28 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. 230 p.
MASLOW, Abraham H. Introdução à psicologia do ser. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Eldorado, [199_]. 279 p. MENEZES JÚNIOR A, MOREIRA-ALMEIDA A. O diagnostico diferencial entre experiências espirituais e transtornos mentais de conteúdo religioso. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v.36, n.2, p. 75-82, jun. 2009. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n2/06.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009. MOSQUERA, Juan José Mouriño. Um estado de consciência. In: TEIXEIRA, Evilázio; MÜLLER, Marisa Campio; SILVA, Juliana Dors Tigre da. Espiritualidade e qualidade de vida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 17-40 PAIVA, José Geraldo de. Psicologia Cognitiva e Religião. Revista de Estudos da Religião. p. 183-191, mar. 2007. Disponível em:<http://www.pucsp.br/rever/rv1_2007/p_paiva.pdf>. Acesso em: 16 set. 2009.
104
______. Espiritualidade e qualidade de vida: pesquisa em psicologia. In: TEIXEIRA, Evilázio Francisco Borges; MÜLLER, Marisa Campio; SILVA, Juliana Dors Tigre. (Orgs.). Espiritualidade e qualidade de vida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 119 -128. PERES, Júlio Fernando Prieto; SIMÃO, Manoel José Pereira; NASELLO, Antonia Gladys. Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia. Revista de Psiquiatria Clínica. São Paulo, v.34, s.1, p.136-145, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v34s1/a17v34s1.pdf>. Acesso em: 18 set. 2009. ______. Psicoterapia e espiritualidade: convergência possível e necessária. In: TEIXEIRA, Evilázio Francisco Borges; MÜLLER, Marisa Campio; SILVA, Juliana Dors Tigre da. (Orgs.). Espiritualidade e qualidade de vida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p.139-151. RAKNES, Ola. W ilhelm Reich e a orgonomia. Tradução de Antônio Negrini. 2. ed. São Paulo: Summus,1988. 131 p. RIZZUTO, Ana Maria. O nascimento do deus vivo: Um estudo psicanalítico. Tradução de Geraldo Korndorfer. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2006. 301 p. ______. Por que Freud rejeitou Deus: Uma interpretação psicodinâmica. Tradução de Luciana Pudenzi. São Paulo: Loyola, 2001. 272 p. ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. Tradução de Maria Cristina Machado Kufper; Heloisa Lebrão; Yone Souza Patto. São Paulo: EPU, 1983. 156 p. ROSA, Elisa Zaneratto; KAHHALE, Edna Maria. Psicologia humanista: uma tentativa de sistematização da denominada terceirta força da psicologia. In: KAHHALE, Edna Maria S. Peters; RIBEIRO, Alessandra et al. A diversidade da psicologia: uma construção teórica. São Paulo: Cortez, 2002. p. 253-258. SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. Tradução de João Carlos Todorov; Rodolfo Azzi. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 489 p. SUDBRACK, Josef. Experiência religiosa e psique humana: Onde a religião e a psicologia se encontram. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2001. 149 p.
105
TABONE, Márcia. A Psicologia Transpessoal: Introdução à nova visão da consciência em Psicologia e Educação. 5. ed. São Paulo: Cultrix. 1999. 170 p.
TOLEDO FILHO, João Batista Lima. A religiosidade que se altera ao longo do tempo. 2008. 80 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. VALLE, Edênio. Religião e Espiritualidade: Um olhar psicológico. In: AMATUZZI, Mauro Martins. (org.). Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005. p. 49 -58. ______. Experiência religiosa: Enfoque psicológico. São Paulo: Loyola, 1998. 280 p. VERÍSSIMO, Luiz José. Algumas considerações sobre a experiência religiosa. In: CAMON ANGERAMI, Valdemar Augusto. (Org.). Espiritualidade e prática clínica. São Paulo: Thomson, 2004. p. 169 -191. XAUSA, Izar Aparecida de Moraes. A psicologia do sentido da vida. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1988. 255 p. WILBER, Ken. O espectro da consciência. Tradução de Octávio Mendes Cajado. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1999. 292 p.
______. O olho do espírito: uma visão integral para um mundo que ficou ligeiramente louco. Tradução de Denise Gutierrez Pessoa Ribas, Dalva Agne Lynch. São Paulo: Cultrix, 2001. 320 p.
______. O Projeto Atman: uma visão transpessoal do desenvolvimento humano. Tradução de Carmen Yossef. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1999. 219 p. ______. Um modelo de desenvolvimento da consciência. In: WALSH, Roger N.; VAUGHAN, Frances. (Orgs.). Além do Ego: Dimensões Transpessoais em Psicologia. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 2. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1995. p. 110-125. ZILLES, Urbano. Espiritualidade cristã. In: TEIXEIRA, Evilázio Francisco Borges; MÜLLER, Marisa Campio; SILVA, Juliana Dors Tigre da. (Orgs.). Espiritualidade e qualidade de vida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p.11-22.
106
ANEXO
107
Diferenciação entre experiências espirituais e sintomas psicopatológicos
Características Experiências espirituais Sintomas psicopatológicos
Conteúdo das
vivências.
Os conteúdos seguem uma doutrina
religiosa: são aceitáveis pelo
subgrupo cultural
O conteúdo é bizarro;
geralmente, reivindica um status
divino ou a posse de poderes
especiais.
Características das
experiências
sensoriais (ilusões,
alucinações, visões,
vozes).
Os elementos sensoriais são mais
Os elementos sensoriais são
dão a sensação de serem percepções reais.
Modalidade sensorial das vivências.
Predominantemente alucinações e ilusões visuais.
Predominantemente alucinações auditivas.
Grau de certeza das vivências
As crenças se formam com a possibilidade da dúvida. geralmente, há certeza absoluta.
Insight Às vezes, presente, noutras ausente Frequentemente, insight ausente.
Duração da vivência Duração breve. Duração longa.
Controle volitivo Há, por parte do sujeito, um grau de controle e direcionamento sobre as vivências.
São experiências vivenciadas sem qualquer controle por parte do sujeito.
Orientação em relação a outras pessoas
Vivências são orientadas em relação a outras pessoas.
Vivências são quase sempre orientadas para si (autoorientadas)
Significado para vida do sujeito
Experiências, geralmente, desintegrativas, produzindo a deteriorização vital do sujeito.
Positividade / negatividade
As vivências têm, de modo geral,
sujeito.
As vivências têm, de modo geral, sentido negativo para vida do sujeito.
Implicação na ação do sujeito
São experiências nas quais o
produzindo sua vida.
São experiências nas quais o
agidoexperiência
Relação com sintomas psicopatológicos em outras esferas da vida
articulam com outros sintomas de transtornos mentais.
Geralmente, são vivências isoladas. Ao lado do delírio ou da alucinação mística, há outros sintomas psicóticos.
Estilo de vida e de personalidade do sujeito
Tanto o estilo de vida como a personalidade do sujeito revelam religiosidade presente e antecedendo a vivência.
O estilo de vida e a personalidade indicam alterações e deteriorização associados a transtornos mentais
Comunicação da experiência com outras pessoas
Sujeito busca relatar sua experiência para outras pessoas, sobretudo, de seu grupo cultural.
Sujeito é, geralmente, reticente em relatar e discutir essas experiências.
108
Possíveis fatores positivos e fatores negativos da
religião e da religiosidade sobre a saúde mental
Fatores ou efeitos positivos Fatores ou efeitos negativos
Fornecer um conjunto de sentidos e significados plausíveis para a existência, para o sofrimento e para a morte.
Por meio da idéia maniqueísta de bem e de mal absolutos, figuras do mal, como o demônio, podem disponibilizar um perseguidor constante.
Produzir e fornecer uma rede de apoio social acessível e, culturalmente, aceitável para o sujeito.
Diminuir a liberdade individual por meio de cobranças exigentes do grupo sócio religioso em relação tanto a comportamentos quanto a pensamentos, fantasias e valores.
Estabelecer padrões comportamentais saudáveis em relação ao uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas.
Estabelecer padrões de conduta moral de difícil alcance, produzindo uma sensação constante de culpa, insuficiência e baixa autoestima.
Fornecer padrões de coping relacionados a perdas vitais, como viuvez, perda de amigos ou parentes, envelhecimento. Oferecer formas ritualizadas de luto.
Sujeitos com orientação homossexual, com identidade transexual ou outros comportamentos diferem da norma, embora muitas vezes intensamente interessados na vida religiosa, sofrem rejeição e discriminação por grupos religiosos dos quais nasceram ou querem ingressar.
Práticas rituais podem fornecer a sensação de pertencer a um grupo, de contato com o sagrado e de proteção divina, podem contribuir na realização de sentimento religioso.
Práticas rituais, emocionalmente, intensas, podem desencadear episódios psicóticos ou de outros transtornos mentais.
Difundir a idéia de solidariedade e de igualdade, vinculando valores e comportamentos relacionados à aceitação, tolerância, ajuda e apoio a outras pessoas e grupos. Aparentados ao sentido de solidariedade, estariam a piedade, a caridade, o amor ao próximo e à natureza, etc.
Engendrar idéias sectárias de superioridade do próprio grupo e de inferioridade de pessoas ou grupos externos ou distintos em termos culturais, religiosos ou étnicos, ou de outra diferença de qualquer natureza, estimulando assim o racismo, o sexismo, o classismo, o etnocentrismo, o preconceito, a discriminação religiosa, etc.