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PSICOTERAPIA, PSICANÁLISE PURA E … · point-de-capiton moi, d $ $ Se escamoteia, então, na Psicoterapia, o que colocaria em causa o Outro todo poderoso. ... (VIGANÒ,2000). Jacques-Alain

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RESUMO

Palavras-chave

ABSTRACT

Keywords

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discutir a inserção da Psicanálise nasinstituições em sua vertente aplicada. Desenvolvemos, primeiramente, aoposição da Psicanálise às Psicoterapias, elevando o dever ético que é própriode sua intervenção. Em segundo lugar, desenvolvemos os conceitos dePsicanálise pura e Psicanálise aplicada, trabalhando as funções da Psicanálise esua relação com a terapêutica. Para tal tarefa, tomamos o sintoma, e,posteriormente, o como referência central do analista em suaprática.

: Psicanálise pura e aplicada. Psicoterapia. Instituição.Sintoma.

This work has as objective to discuss the insertion of psychoanalysis ininstitutions um its applied source. We develop at first the opposition ofpsychoanalyses to the psychotherapies raising the ethical duty that is proper ofits intervention. At second we develop the concepts of pure psychoanalysisand applied psychoanalysis, working the functions of psychoanalysis and itsrelation with therapeutical. For such task we take the symptom, and, later, thesinthoma, as central reference of the analyst in its practice.

: Pure and applied psychoanalysis. Psycotherapy. Institution.Symptom. Sinthome.

A clínica tem muito a apreender com a psicose. Ela ensina, pois traz

sinthome,

Sinthome.

PSICOTERAPIA, PSICANÁLISE PURA E PSICANÁLISEAPLICADA À TERAPÊUTICA1

Douglas Nunes Abreu2

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2

Artigo adaptado a partir de: ABREU. Douglas Nunes. A prática feita por muitos: a psicanálise nainstituição de saúde mental. 2004. 76 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Centro de EnsinoSuperior de Juiz de Fora, Juiz de Fora.Psicanalista, Mestre em Psicanálise e Mestre em Letras pelo CES-JF, Professor de Pós-Graduação UFJF,

Coordenador de Saúde Mental e do CAPS de Santos Dumont, Presidente do CAIA – Centro deAcolhimento a Infância e a Adolescência.

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Douglas Nunes Abreu

um saber próprio de sua formação e estruturação. As psicoses demonstram oinconsciente, neste lugar, à flor da pele. Mais ainda, as psicoses nos convocama um lugar outro de nossa intervenção habitual: as instituições. Este artigo visaa discutir o campo de atuação do analista quando falamos desta clínicaparticular que, muitas vezes, exige uma atenção para além dos consultórios.Uma clínica que se insere em dispositivos públicos, comunitários, coletivos,colocando à prova os aspectos transferenciais e as ferramentas tradicionais denossa prática, a interpretação, o pagamento, o tempo, o divã, dentre outros.Buscamos pensar a Psicanálise numa perspectiva oposta às Psicoterapias,discutindo sua vertente pura e aplicada, bem como seus efeitos na terapêutica.

O saber da Psicanálise inaugura um novo campo de reflexões, umlugar que não se insere ao lado das técnicas psicoterápicas já existentes. Marca,a partir do inconsciente, um destino que esta acompanhará em toda suaexistência, trazendo sempre questionamentos sobre sua prática e sua eficácia.A aplicação da Psicanálise em novos espaços de demandas avança a partir dainserção de analistas nas mais diversas instituições de tratamento. Como Freudapontou em (1918), é precisodebruçar na “tarefa de adaptar a nossa técnica às novas condições” (1996,p.181). Não significa, portanto, perder seu ouro, transformá-la em cobre, mas,sim, preservar seu lugar ético. “Estamos muito mais diante de uma questão deética... em relação ao seu ato, já que o analista é sempre responsável pelosefeitos que ele produz”. (DRUMMOND, 2004, p. 64)

Num texto denso e desafiador, Jacques-Alain Miller conduz o leitorpelos ensinamentos de Lacan, procurando delinear o que seria a Psicanálisepura e a Psicanálise aplicada à terapêutica. Segundo Miller, o primeiroproblema que se coloca não é em relação a esses dois termos, mas, sim, quantoà relação da Psicanálise com a terapêutica, entre a Psicanálise e a Psicoterapia.“A confusão que importa verdadeiramente é aquela que mistura, em nome daterapêutica, o que é Psicanálise e o que não é” (MILLER, 2001, p. 10).

Pensar a Psicanálise aplicada à terapêutica implica prudência. Tratarpela via analítica não significa deixar de ser Psicanálise, em toda suaconceituação que delimita seu campo de saber. Devemos

Linhas de Progresso na terapia psicanalítica

PSICANÁLISE X PSICOTERAPIA

exigir muito da Psicanálise aplicada à terapêutica, ou seja, exigirque ela não ceda diante de ser Psicanálise - sob o pretexto deterapêutica, se deixar levar a ultrapassar esse limite, essa

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diferença. (MILLER, 2001, p. 11)

A orientação da Psicanálise é, por conseqüência, uma orientaçãonão em direção ao sentido e em direção ao ideal ou norma que visaà sugestão, mas em direção ao gozo e à consideração do sintomanaquilo que satisfaz alguma coisa. (NAVEAU, 2003, p. 15)

Ela consiste em repartir Psicanálise e Psicoterapia sobre esses doisandares, colocando o papel crucial daquilo que, em A, abre a via aoandar superior, e onde nós podemos considerar que o operador é odesejo do analista, enquanto que ele não estaria em função daparte inferior (MILLER, 2001, p. 15).

Quanto à Psicoterapia, Lacan nos brinda com sua resposta em, onde para ele a Psicoterapia se encontra no campo do sentido, do

bom-senso, onde a fala escamoteia o inconsciente, o gozo, a fantasia. Situa-sena dimensão da compreensão, do enunciado e não da enunciação. Não tocaas pulsões e se fixa no jogo das relações imaginárias, não apontando a falta dogrande Outro. “A Psicoterapia... conduz ao pior.” (LACAN, 1993, p. 21)

A Psicanálise não visa à identificação, tende, sim, à desidentificaçãoque conduz o sujeito a se haver com sua divisão.

O caminho da Psicanálise é para o gozo e o real, enquanto que aPsicoterapia se direciona para o sentido e o imaginário.

Miller busca no texto ,dos Escritos de Jacques Lacan, essa diferenciação pela via do Grafo do desejo.

Televisão

A subversão do sujeito e a dialética do desejo

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ILUSTRAÇÃO 1 – Grafo do DesejoFonte: LACAN, 1998, p. 831.

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No primeiro andar, temos o eixo da cadeia significante, de s a s',recortado pelo eixo do discurso, que vai do a I(A), do sujeito barrado aoIdeal-do-Eu. Este último corta o eixo significante em dois pontos: o código, A, ea mensagem, s(A). O código é aqui marcado como A, grande Outro, namedida em que representa o campo da linguagem. É o que Lacan chamou de

(ponto de estofo ou ponto de basta), que corta a cadeiasignificante, que metaforiza. “O segundo encontro, que fecha o circuito [...]como suporte criador do sentido, é a mensagem. Na mensagem vem à luz, osentido” (LACAN, 1999, p. 20). É o significante do grande Outro que fala aosujeito. Esse circuito concerne ao ser falante, ao ser da linguagem. Através dasoperações metonímicas, s-s', e metafóricas, A-s(A), o discurso faz sentido, é daordem do senso. Na parte inferior dessa equação, encontra-se o curto-circuitoeu-ideal, i(a), e m, (Eu), operando a linha das identificações imaginárias.

“A palavra terá o primeiro andar, a pulsão terá o segundo” (LACAN,1999, p. 20). O andar superior, que se inaugura a partir do grande Outro, ésustentado pelo desejo do analista, , quando o sujeito se vê diante de suafantasia, ( a). Esse encontro remete o sujeito à dimensão da falta no grandeOutro, S(A), abrindo o eixo que vai da dimensão do gozo à pulsão, ( D),fazendo surgir o dilema da castração.

O psicanalista recusa assumir o lugar do grande Outro completo,como faz a Psicoterapia.

Para Alexander Stevens as Psicoterapias são:

$

point-de-capiton

moi,

d

$

$

Se escamoteia, então, na Psicoterapia, o que colocaria em causa oOutro todo poderoso. Se preservaria na Psicoterapia a consistênciado Outro, enquanto que o que seria o próprio da posição analíticaque abre a porta à Psicanálise propriamente dita, seria já,admitindo a questão do gozo, inconsistir o Outro. (MILLER, 2001,p.17)

fundadas sobre uma relação de dominação que se exerce daimagem do outro, i(a) como escreve Lacan, sobre o Eu do sujeito,marcado por um 'm'. Seu campo de ação pode assim ser definido, apartir da Psicanálise, como operando sobre o que nós chamamosdialética intersubjetiva imaginária enquadrada por elementossimbólicos. O grafo do desejo de J. Lacan escreve estas coordenadasem seu andar inferior. (STEVENS, 1999, p. 16)

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Observamos a insistente tentativa da ciência moderna em reduzir aPsicanálise ao andar inferior do grafo do desejo pela via da exigência de umaverdade. A terapêutica da Psicanálise se deve ao fato de o analista recusar olugar de terapeuta, esse lugar deve ser apenas suposto, um lugar de semblante,pois esse ato inaugura uma terapêutica.

Miller aponta esta outra resposta de Lacan à diferença entrePsicoterapia e Psicanálise: a localização da Psicoterapia no discurso do mestre.

O psicoterapeuta responde do lugar do mestre, do lugar do saber, deuma verdade. O discurso do mestre cria uma dupla barra entre o sujeitobarrado e o objeto a, “é precisamente um discurso que acaba com o fantasma,que o torna impossível... A Psicoterapia privilegia a identificação ao preço dese desembaraçar do fantasma” (MILLER, 2001, p. 18).

Quanto ao psicanalista, seu discurso é de outra ordem:

Uma psicoterapia que se contenta em trabalhar no nível dasidentificações (nível inferior do grafo) e a Psicanálise, cuja meta é oatravessamento do plano das identificações (passagem ao nívelsuperior do grafo). Portanto a Psicanálise, mesmo que ela inclua emsi um poder terapêutico, é fundamentalmente o contrário de umaPsicoterapia... é preciso que o psicanalista se desprenda da posiçãode psicoterapeuta para ser psicanalista. Isto é necessário, noentanto, desde o início do tratamento. (MILLER, 2001, p. 18)

O discurso do mestre é conforme ao inconsciente. É o seu discurso.Em termos de Psicoterapia, se diria: o sujeito reclama umaidentificação que se sustente, e ele sofre quando essa identificaçãovacila, quando ela lhe falta. A urgência é então de lhe restituir essaidentificação. (MILLER, 2001, p. 17)

No discurso do analista no lugar de agente o que domina é o objetodo qual o analista faz semblante, situando a castração na causa dodesejo. A causa tem a ver com a castração e não com o objeto dogozo que está proibido. Lacan nomeia isto de 'desejo do analista'. Acastração indica seu não-domínio, é o avesso do pai morto ou domestre. Torna possível ao analisante que responda com seu desejoao desejo enigmático do Outro. (WAINSZTEIN, 2001, p. 33)

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Nesse lugar de semblante o analista, deixa com que caiam, aocontrário da Psicoterapia, as identificações do sujeito, permitindo-lhe aconstrução da fantasia. “O que define o analista é seu ato” (GUÉGUEN, 2003,p. 24).

Freud discorre de forma mais clara sobre as aplicações da Psicanálisena , intitulada

. Expõe que a Psicanálise começoucomo um método de tratamento e, como tal, tem sua eficácia comprovada noscasos clínicos, no tratamento do gozo e do real dos quais todos somosinvestidos, entretanto Freud marca a função da Psicanálise como uma verdadesobre o sujeito, ou, pelo menos, como diria Jacques Lacan, um semblante deverdade. A Psicanálise implica o sujeito em suas relações com a realidade ecom o social. Dessa forma, a aplicação dela se desdobra em duas vias: “umaconcerne diretamente ao próprio analista, o reconhecimento do real do gozo,e a outra implica a utilização do saber analítico em outras práticas queconcernem à subjetividade” (VIGANÒ, 2000).

Jacques-Alain Miller, num texto que propõe discutir as contra-indicações ao tratamento psicanalítico, aponta que o pressuposto usual e bemdifundido é de que a Psicanálise tem suas restrições e, até mesmo,recomendações em casos muito específicos, sendo para outros, “ineficaz e,até mesmo, nefasta” (MILLER, 2001, p. 52), como nos casos de psicoses puras,nos tipos de caráter psicótico ou nas psicopatias severas. Miller aponta deforma precisa que esse equívoco acontece na medida em que se atém àconcepção do tratamento psicanalítico em sua vertente chamada dePsicanálise pura.

Lacan, no da Escola, em 1964, divide-a em duasseções : Psicanálise pura e aplicada. A Seção de Psicanálise pura se direciona à“Psicanálise didática” (LACAN, 2003a, p. 236), ao estudo e pesquisa dosconceitos psicanalíticos, “não sendo a Psicanálise pura, em si mesma, umatécnica terapêutica.” (LACAN, 2003a) A seção de Psicanálise aplicada serelaciona diretamente com a clínica e a terapêutica. Podemos, com base na

, trabalhar também com asnomenclaturas intensão e extensão. A Psicanálise em extensão se refere

PSICANÁLISE PURA X PSICANÁLISE APLICADA

Lição XXXIV das Conferências introdutórias à PsicanáliseExplicações, aplicações e orientações

Ato de fundação

Proposição de 9 de outubro de 1967

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2163Lacan a divide em três seções, sendo a terceira chamada de “Recenseamento do Campo Freudiano”.Para nosso estudo, interessa apenas as duas primeiras divisões visto sua relação com a prática clínica.

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“como presentificadora da Psicanálise no mundo” (LACAN, 2003b, p. 251), ea Psicanálise em intensão que, segundo Lacan, “não fazendo mais quepreparar operadores para ela” (LACAN, 2003b).

Preparar analistas parece desde já função de uma Psicanálise pura.Entretanto fazem-se necessárias duas considerações: segundo a escoladeixada a nós por Lacan, a formação do analista se daria, prioritariamente, pornossa análise pessoal, por nos termos submetido à experiência analítica, ou emoutras palavras, pela via de uma prática terapêutica? Para se operar umaprática terapêutica o referencial teórico e conceitual baliza nossa direção?Dessa forma, que tipo de Psicanálise realizamos em nossos consultórios?Estaria Lacan anunciando que a pura é a Psicanálise em consultório e aaplicada é a Psicanálise aplicada fora do consultório, na instituição, porexemplo? De certo que não. Pierre Naveau aponta este mal-entendido:

Temos então que a Psicanálise, tanto na sua vertente de consultório,quanto na sua aplicação no campo institucional, encontra-se no nível daterapêutica e essa extensão é “uma condição de sobrevivência”. (BROUSSE,2003, p. 30) Tomar a Psicanálise em sua vertente ampliada é colocá-la aserviço do mundo moderno visto que a demanda inicial a Freud em relação àshistéricas e seus problemas familiares e sexuais já se modificam desde o texto

(1930). A demanda que se apresenta a nós,analistas, pauta-se nos chamados novos sintomas da modernidade, sendochamados a confrontar com a eficácia científica. “O saber científico contribuipara o desenvolvimento do gozo dos sujeitos, mas não para o tratamento.”(BROUSSE, 2003, p. 30) A Psicanálise deve ser terapêutica, deve incidir sobreo sintoma. “O sintoma não é social, mesmo se é exato que seja um modo desocialização. Ela é do sujeito, ou seja, do Outro.” (BROUSSE, 2003, p. 30) É aíque devemos intervir.

Jacques-Alain Miller propõe uma reflexão: seria a “psicanálise pura...a psicanálise na medida em que ela conduz ao passe do sujeito [...] na medidaem que ela se conclui pelo passe” (MILLER, 2001, p. 29), e a “psicanáliseaplicada, a psicanálise que concerne ao sintoma, a Psicanálise aplicada aosintoma?” (MILLER, 2001, p. 29).

Não significa... que a prática em consultório é o lugar privilegiadoda Psicanálise “pura” e a que a prática em instituição é consagrada àPsicanálise “impura”, ou seja, à Psicanálise aplicada à terapêutica. Aprática em consultório é, com efeito, consagrada em grande parte àPsicanálise aplicada. (2003, p.15)

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Obtemos então duas questões: ao tratar o sintoma, não esperaríamosuma direção para a cura? Seria o passe, como tal, definido na escola de Lacancomo a travessia do fantasma, uma radicalização da cura?

Essa noção de coloca o sintoma com um passo aquém dofantasma, traduzindo como Psicanálise terapêutica apenas Psicanálise puravisto que, só através dela, o sujeito pode se livrar verdadeiramente da dor queo assola.

Nos últimos anos de ensino de Lacan, encontramos uma subversãodessa lógica, sobre a relação entre sintoma e fantasma. Com uma grafia antiga,ele produz uma nova conceituação: o incluindo no mesmo lugarsintoma e fantasia.

= SINTOMA + FANTASIA

Nessa ótica, diz Miller, a diferença entre os dois tipos de Psicanálisenão se torna essencial. “Salvo de minha parte, a diferença das duas Psicanálisesestá ausente daquilo que ensina o último Lacan” (MILLER, 2001, p. 31).

Esse, nos seus textos finais, recoloca a questão do final da análisecomo a partir do processo de construção. “Finalmente o passe, quando opassamos, é uma pequena história que se conta” (LACAN, apud MILLER,2001, p. 23). A experiência do passe deslocada do sentido aponta para aconstrução de um saber com efeitos de verdade, porque não, de um sintoma,seguindo a vertente de “fazer do sintoma sua referência principal, senão aúnica” (MILLER, 2001, p. 24). Extraímos daí, então, que a finalidade da análiseé tratar o sintoma, em busca, quem sabe, da felicidade de viver.

Miller explicita essa construção do último Lacan nesta passagem:

A cisão das duas Psicanálises, a pura e a aplicada, repousa sobre adiferença do sintoma e do fantasma. Ela repousa sobre a noção deum mais além do sintoma, sobre a noção que para mais além dosintoma há o fantasma. O que é a cura do sintoma, melhora, alívio,bem estar, deixa ainda lugar para uma operação sobre o termoulterior. (MILLER, 2001, p. 29)

O valor que nós damos à representação da análise como umatrajetória tendo etapas e um fim mostra bem que, para nós, é umvalor que a experiência analítica seja regida por uma lógica do maisalém. Isso está,aliás, na Psicanálise: para mais além do princípio do

mais além

Sinthome,

SINTHOME

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prazer, para mais além do Outro rumo a S(A), para mais além dademanda e da identificação, rumo ao desejo... O acesso ao gozo éprotegido e barrado pelo princípio do prazer, e em troca, para oanalisante, é preciso ir mais além do sintoma rumo ao fantasmaonde jaz o que move no seu desejo. Nós vemos bem aqui como secorrespondem e são homólogas a transgressão do gozo e a travessiado fantasma. É a mesma concepção que sustenta a noção de que épreciso ultrapassar uma barreira para ter acesso ao gozo e que, naanálise, é preciso ir além do sintoma para tocar e atravessar ofantasma. São termos que se correspondem, e com a noção de um:até o final. Há aqui, com efeito, uma transmutação, essatransmutação, que se apóia sobre a rejeição do sentido. Não é parase mostrar erudito que Lacan trazia o sinthome, mas para instalarcomo central na clínica uma instância na qual não se faz maisdiferença entre o sintoma e o fantasma (MILLER, 2001, p. 24-25).

Mesmo quando elas [as análises ou intervenções psicanalíticas] nãochegam à sua conclusão lógica, desejável, no entanto, ostratamentos obtêm efeitos terapêuticos. Quais são estes efeitos?Seja o apaziguamento do gozo ao qual o sujeito é confrontado, sejao relançamento do desejo quando a libido aparece muitodeprimida ou sejam ligados à descoberta de novas identificações,eles derivam sempre da incidência para o sujeito doreconhecimento da fala do Outro. Isto é demonstrável tanto naneurose quanto na psicose. (STEVENS, 1999, p. 17)

Operar a Psicanálise no mundo é colocá-la a serviço da clínica. Umaprática que conduz ao inconsciente e à terapêutica é, pois, o que se podeesperar de um psicanalista.

Assim, não existem contra-indicações para o encontro com umanalista que “no geral, faz bem” (MILLER, 2001, p. 54).

Em nome dessa terapêutica do não é preciso “abandonarseus princípios, deformando seus conceitos” (COTTET, 2003, p. 30), mas, sim,inventar, a cada dia, novas táticas visto que a política e a estratégia já estãodesde sempre colocadas. O ato do analista se define pela tentativa de fazerexistir o inconsciente, de apostar no sujeito frente ao real do gozo, rumo a umaclínica do possível. Lacan já nos apontava que “quando o analisante pensa queele é feliz em viver, é suficiente” (LACAN, apud MILLER, 2001, p. 23), e quesabemos que “a análise tem bons efeitos, que só duram um certo tempo. Isso

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não impede que seja uma trégua, e que é melhor do que não fazer nada”(LACAN, apud MILLER, 2001, p. 29). Essa terapêutica possibilita pensar aPsicanálise na instituição de saúde mental, já prevista por Freud em 1918, ecolocar a Psicanálise ao uso da cidade, sempre a partir de sua condição ética.

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REFERÊNCIAS

Pertinências da psicanálise aplicada

Pertinências da psicanálise aplicada

Agenda

Linhas de progresso na terapia psicanalítica

O mal-estar na civilização

Pertinências da psicanálise aplicada

O seminário

Televisão

Outros Escritos

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Revista Phoenix

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Pertinências da psicanálise aplicada

extospreparatórios...

A psicanálise aplicada

Os discursos e acura

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