5
Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21. Dermatologia Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar Marques I Mariana Ferreira de Rezende II Regina Célia Molina Buttros II Luciane Donida Bártoli Miot II Mariangela Esther Alencar Marques III Departamento de Dermatologia e Radioterapia e Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) INTRODUÇÃO Psoríase é enfermidade inflamatória, de evolução crônica, mediada por fenômenos imunes, de distribuição universal. Ocorre igualmente entre homens e mulheres e estima-se que acometa entre 1% a 2% das populações adultas dos Estados Unidos (EUA), Alemanha e Inglaterra, e 5% da população adulta na Noruega. 1-3 É considerada rara em negros da África Ocidental e em afroamericanos. A incidência é baixa no Japão e bastante rara entre indígenas da América do Norte e do Sul. 1-3 Dados de ocorrência específica no estado de Minnesota nos EUA mostram incidência de 62.3 casos/100.000 habitantes em adultos com idade igual ou maior que 18 anos de idade, com tendência crescente ao longo das três últimas décadas. 4 A idade de início do quadro é bimodal, isto é, há um pico de incidência na segunda década de vida e outro na quinta década, associan- do-se a antígenos de histocompatibilidade distintos. 5 Quando se inicia na infância-adolescência, a psoríase tem alta incidência de histórico familiar. A psoríase tem etiologia multifatorial, em que fatores ge- néticos e influências ambientais levam à disfunção imune- celular responsável pelo quadro inflamatório crônico ca- racterístico. Exemplos da contribuição genética é a taxa de concordância de desenvolvimento da enfermidade de 70% entre gêmeos monozigóticos e de 23% a 30% entre gêmeos dizigóticos. 2,6 E a presença de conexões genéticas entre a pso- ríase e a doença de Crohn, em que a psoríase correlaciona-se com o cromossomo 6, na região 6p21 (psoriasis susceptibility gene 1, PSORS-1) e a doença de Crohn com a região 6p23 (inflamatory bowel disease 3, IBD3). Esses genes são vizinhos do gene que codifica o fator de necrose tumoral-alfa (tumor necrosis factor-alpha, TNF-α), cuja transcrição está aumenta- da em ambas as doenças e que faz parte da fisiopatogênese de ambas as enfermidades. 7 Admite-se que o processo inflamatório que dá origem à estimulação imunológica crônica na psoríase decorra da cap- tação de moléculas antigênicas por células dendríticas da epiderme. Pós-fagocitose de possíveis antígenos, as células dendríticas migram para linfonodos regionais. No linfonodo, interagem com células T (CD4+) precursoras, indiferencia- das (naïve T cells), que se transformam em células T ativadas. Essas células T ativadas proliferam e também se transformam em células de memória central e de memória efetora e em cé- lulas efetoras para aquela específica molécula antigênica. Em relação à psoríase essa fase pode ser denominada de “fase de sensibilização”. Subpopulações de células T com trânsito na pele ao serem subsequentemente ativadas, produzem série de moléculas, incluindo citocinas do tipo 1 (T helper 1), 2 (T helper 2) ou 17 (T helper 17), em particular, e especifi- camente as citocinas seguintes: TNF-α, γ-INF (γ-interferon), IL-1b (interleucina-1b), IL-2 (interleucina-2), IL-12p19 (interleucina-12p19), IL-23p40 (interleucina-2p40), GM- CSF (fator estimulante de colônia de macrófagos granulóci- tos), ICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1), VCAM-1 (molécula-1 de adesão de célula vascular) e E-selectina. Por- tanto, considera-se que a psoríase seja uma enfermidade imu- nomediada e imunoestimulada por citocinas do espectro 1 e 17. 7-10 Importante ressaltar que a psoríase apresenta caráter evoluti- vo crônico, recidivante e que pode levar a importantes repercus- sões clínicas sistêmicas associadas a diferentes comorbidades. O impacto negativo na qualidade de vida e sua alta prevalência fazem da psoríase uma doença de forte impacto social. 5 A frequência ou a prevalência da psoríase em pacientes com infecção pelo HIV/aids varia, segundo os escassos rela- tos (Tabela 1). Em São Francisco (EUA), em 2.000 pacientes HIV-positivos (HIV + ), a prevalência de psoríase foi de 2,5%, I Professor livre-docente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). II Médica dermatologista do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). III Professora livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids - files.bvs.brfiles.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1533.pdf · Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids - files.bvs.brfiles.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1533.pdf · Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar

Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21.

Dermatologia

Psoríase associada à infecção pelo HIV/aidsSílvio Alencar MarquesI

Mariana Ferreira de RezendeII

Regina Célia Molina ButtrosII

Luciane Donida Bártoli MiotII

Mariangela Esther Alencar MarquesIII

Departamento de Dermatologia e Radioterapia e Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp)

INTRODUÇÃOPsoríase é enfermidade inflamatória, de evolução crônica,

mediada por fenômenos imunes, de distribuição universal. Ocorre igualmente entre homens e mulheres e estima-se que acometa entre 1% a 2% das populações adultas dos Estados Unidos (EUA), Alemanha e Inglaterra, e 5% da população adulta na Noruega.1-3 É considerada rara em negros da África Ocidental e em afroamericanos. A incidência é baixa no Japão e bastante rara entre indígenas da América do Norte e do Sul.1-3 Dados de ocorrência específica no estado de Minnesota nos EUA mostram incidência de 62.3 casos/100.000 habitantes em adultos com idade igual ou maior que 18 anos de idade, com tendência crescente ao longo das três últimas décadas.4 A idade de início do quadro é bimodal, isto é, há um pico de incidência na segunda década de vida e outro na quinta década, associan-do-se a antígenos de histocompatibilidade distintos.5 Quando se inicia na infância-adolescência, a psoríase tem alta incidência de histórico familiar.

A psoríase tem etiologia multifatorial, em que fatores ge-néticos e influências ambientais levam à disfunção imune-celular responsável pelo quadro inflamatório crônico ca-racterístico. Exemplos da contribuição genética é a taxa de concordância de desenvolvimento da enfermidade de 70% entre gêmeos monozigóticos e de 23% a 30% entre gêmeos dizigóticos.2,6 E a presença de conexões genéticas entre a pso-ríase e a doença de Crohn, em que a psoríase correlaciona-se com o cromossomo 6, na região 6p21 (psoriasis susceptibility gene 1, PSORS-1) e a doença de Crohn com a região 6p23 (inflamatory bowel disease 3, IBD3). Esses genes são vizinhos do gene que codifica o fator de necrose tumoral-alfa (tumor necrosis factor-alpha, TNF-α), cuja transcrição está aumenta-da em ambas as doenças e que faz parte da fisiopatogênese de ambas as enfermidades.7

Admite-se que o processo inflamatório que dá origem à estimulação imunológica crônica na psoríase decorra da cap-tação de moléculas antigênicas por células dendríticas da epiderme. Pós-fagocitose de possíveis antígenos, as células dendríticas migram para linfonodos regionais. No linfonodo, interagem com células T (CD4+) precursoras, indiferencia-das (naïve T cells), que se transformam em células T ativadas. Essas células T ativadas proliferam e também se transformam em células de memória central e de memória efetora e em cé-lulas efetoras para aquela específica molécula antigênica. Em relação à psoríase essa fase pode ser denominada de “fase de sensibilização”. Subpopulações de células T com trânsito na pele ao serem subsequentemente ativadas, produzem série de moléculas, incluindo citocinas do tipo Th1 (T helper 1), Th2 (T helper 2) ou Th17 (T helper 17), em particular, e especifi-camente as citocinas seguintes: TNF-α, γ-INF (γ-interferon), IL-1b (interleucina-1b), IL-2 (interleucina-2), IL-12p19 (interleucina-12p19), IL-23p40 (interleucina-2p40), GM-CSF (fator estimulante de colônia de macrófagos granulóci-tos), ICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1), VCAM-1 (molécula-1 de adesão de célula vascular) e E-selectina. Por-tanto, considera-se que a psoríase seja uma enfermidade imu-nomediada e imunoestimulada por citocinas do espectro Th1 e Th17.7-10

Importante ressaltar que a psoríase apresenta caráter evoluti-vo crônico, recidivante e que pode levar a importantes repercus-sões clínicas sistêmicas associadas a diferentes comorbidades. O impacto negativo na qualidade de vida e sua alta prevalência fazem da psoríase uma doença de forte impacto social.5

A frequência ou a prevalência da psoríase em pacientes com infecção pelo HIV/aids varia, segundo os escassos rela-tos (Tabela 1). Em São Francisco (EUA), em 2.000 pacientes HIV-positivos (HIV+), a prevalência de psoríase foi de 2,5%,

IProfessor livre-docente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).IIMédica dermatologista do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).IIIProfessora livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Page 2: Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids - files.bvs.brfiles.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1533.pdf · Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar

Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21.

Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids118

semelhante à observada na população geral.11 Porém, em 700 pacientes HIV+ estudados na Alemanha, a prevalência de psoríase foi de 5%, acima do observado na população ge-ral de referência, que foi de 2,5%.12 Na Espanha, em coorte de 1.161 pacientes HIV+, dos quais 74% eram usuários de drogas ilícitas, acompanhados por 38 meses, a prevalência da psoríase foi de 4%, acima do observado na população espa-nhola, que é de 1,5%.13 Não há dados de literatura nacional sobre a prevalência de psoríase em paciente HIV+ e apenas

dois artigos com relatos de caso de psoríase associada à in-fecção pelo HIV foram encontrados em revisão da literatura nas bases de dados Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online).14,15

O objetivo do presente relato é enfatizar a gravidade poten-cial da psoríase em paciente com infecção pelo HIV, bem como salientar a importância da investigação de possível infecção pelo HIV em pacientes com psoríase de início abrupto, manifestan-do-se com quadro grave e rapidamente evolutivo.

RELATO DE CASOPaciente do sexo masculino, de 39 anos de idade, motoris-

ta de caminhão, foi encaminhado ao serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp) com queixa de lesões cutâneas presentes há quatro meses. O quadro iniciou-se na região periungueal das mãos e pés com rápida progressão para outras localizações. Queixava-se igualmente de febre, edema das mãos e das grandes articulações, com dor espontânea nesses locais. Há dois dias havia consultado com médico dermatologista que formulou as hipóteses de tinea corporis generalizada com infecção secun-dária associada a possível imunossupressão HIV-induzida. De antecedentes pessoais, referia consumo abusivo de álcool e era tabagista de 20 maços por ano. Referia inúmeros episódios de relações sexuais heterossexuais sem o uso de preservativos com parceiras ocasionais.

Ao exame clínico-dermatológico, observou-se paciente fe-bril, com aspecto emagrecido e fácies revelando sofrimento. As lesões cutâneas eram múltiplas, tipo placas eritêmato-violáce-as, algumas exsudativas, outras recobertas por crostas rupioi-des e localizadas no couro cabeludo, face, tronco e membros (Figuras 1 e 2). Nas localizações periungueais das mãos e pés, as lesões proximais apresentavam aspecto vegetante e as dis-tais eram exulceradas e exsudativas (Figura 3). Havia eritema e edema das articulações metacarpofalangianas e interfalangia-nas das mãos e dos pés e edema das articulações de ambos os cotovelos e joelhos. No exame das mucosas, apresentava qua-dro compatível com candidíase oral e genital.

A hipótese diagnóstica de entrada foi de psoríase associa-da à infecção pelo HIV/aids corroborada pelas investigações laboratoriais que mostraram as seguintes alterações: sorologia

Tabela 1. Estratégias de busca utilizadas para a pesquisa “psoríase associada à infecção pelo HIV/aids”Base de dados Estratégia de busca Resultado total da busca Artigos realmente relacionadosLilacs “Psoríase” [DeCS] AND

“HIV OR Síndrome da Imunodeficiência Adquirida”

6 relatos de casos 4 relatos de caso1 série de casos (n ≥ 5 casos) 1 série de casos (n ≥ 5 casos)

2 resenhas narrativasPubMed “Psoriasis”[MeSH] AND

“Acquired Immunodeficiency Syndrome”[MeSH]

35 relatos de casos 21 relatos de casos7 relatos de série de casos (n ≥ 5 casos) 7 relatos de série de casos (n ≥ 5 casos)

11 ensaios/resultados terapêuticos3 discussões sobre etiopatogenia

Figura 1. Psoríase: lesão exulcerada, exsudativa de localização na dobra supra-auricular.

Figura 2. Psoríase: lesões em placas múltiplas, eritêmato-violáceas, recobertas por crostas de aspecto rupioide e localizadas na região glútea.

Page 3: Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids - files.bvs.brfiles.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1533.pdf · Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar

Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21.

Sílvio Alencar Marques | Mariana Ferreira de Rezende | Regina Célia Molina Buttros | Luciane Donida Bártoli Miot | Mariangela Esther Alencar Marques 119

positiva para infecção pelo HIV, hemograma com discreta leucopenia de 3,6 x 103/µl (valor de referência 4,0 -11,0 x 103/µl) e linfócitos T CD4+ = 173 cels/mm3, CD8+ = 1162 cels/ mm3, relação CD4/CD8 = 0,14 e carga viral = 4,0 log. Nos demais testes de rotina, sorologia para vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV) e radiografia de tórax foram normais ou negativos. O exame anatomopatológico de biópsia de lesão cutânea da região glútea confirmou o diag-nóstico de psoríase com exuberante infiltrado neutrofílico da epiderme (Figura 4).

O tratamento foi realizado com acitretina na dose de 0,5 mg/kg por dia. A medicação antirretroviral constituiu-se de AZT (zidovudina), 3TC (lamivudina) e nelfinavir. Para a pso-ríase, medicações tópicas emolientes e quimioprofilaxia com sulfametoxazol e trimetoprima, associadas às orientações gerais e nutricionais.

A evolução foi bastante satisfatória, com resolução gradati-va do quadro dermatológico, com controle das lesões após seis meses de tratamento. Houve igualmente recuperação do peso e das condições gerais e melhora dos valores de linfócitos CD4 para 781 cels/mm3, CD8 = 851 cels/mm3, CD4/CD8 = e carga viral indetectável após 18 meses de tratamento antirretroviral.

DISCUSSÃO Enfermidades cutâneas são observadas em praticamen-

te todos os pacientes com infecção pelo HIV/aids em algum momento de suas evoluções.13 A maioria das manifestações dermatológicas observadas é consequência direta das altera-ções imunes induzidas pela infecção viral, mas pode também ser consequentes aos efeitos adversos das diversas intervenções terapêuticas ao longo da história clínica desses pacientes. Das dermatoses associadas ao estado de infecção pelo HIV, a maio-ria delas é de caráter infeccioso, mas enfermidades de base in-flamatória, como a dermatite seborreica, a dermatite atópica e a psoríase são igualmente passíveis de ocorrer com maior fre-quência ou maior gravidade.13 No caso específico da psoríase em associação à infecção pelo HIV, as possibilidades são de a psoríase já existir quando de instalação e progressão da infec-ção pelo HIV e as alterações imunes alterarem o comporta-mento da psoríase.16,17 Ou, como no presente caso, a psoríase de evolução atípica e grave se manifestar pela primeira vez em paciente já com infecção pelo HIV e se manifestar como senti-nela de estado imune alterado subjacente. Ou seja, psoríase de evolução rápida e atípica pode ser sinal de alerta para possível infecção pelo HIV.16

Psoríase é, usualmente, enfermidade de evolução len-ta, com períodos longos de estabilidade clínica intercalados com períodos de piora ou melhora classicamente associadas a influências de ordem ambiental. Episódios de piora aguda na história natural da psoríase se observam quando de tra-tamento tópicos capazes de provocar dermatite de contacto por irritação primária, por exemplo, com o uso de coaltar em

concentração alta ou, quando de tratamentos com corticos-teroides sistêmicos, após a suspensão ou redução deles. Ou seja, há elementos na história clínica que tornam plausíveis as razões da piora e da gravidade clínica. Mas, quando a psoríase surge desde o início como enfermidade de expressão atípica, agressiva e grave, a investigação de infecção subjacente pelo HIV se impõe.16,17

Como a psoríase é enfermidade imunomodulada por ci-tocinas de padrão Th1 e Th17, sua exacerbação associada à infecção pelo HIV é, em princípio, paradoxal, dado o efeito de depleção tanto quantitativa quanto qualitativa exercido pelo HIV sobre o linfócito CD4+. Em um dos estudos sobre associação psoríase e aids com 96 pacientes HIV+, a pre-sença de psoríase se associou com número de células CD4 abaixo de 200 cels/mm3 e com a conclusão de que a imunos-supressão daí decorrente configuraria um risco nove vezes

Figura 3. Psoríase: lesões eritêmato-descamativas e lesão exulcerada localizadas nas regiões periungueais e interdigitais dos quirodáctilos.

Figura 4. Psoríase: detalhe de infiltrado neutrofílico e linfocitário da epiderme e de pústula espongiforme de Kogoj (hematoxilina-eosina, 400 X).

Page 4: Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids - files.bvs.brfiles.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1533.pdf · Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar

Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21.

Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids120

maior de aparecimento ou agravamento da psoríase.18 Esta observação é coerente com o argumento de que o apareci-mento da psoríase ou seu agravamento estaria associado aos altos níveis plasmáticos de TNF-α evidenciados no trans-curso da infecção pelo HIV e que se correlacionam com a progressão da infecção viral não tratada.17,19 Tais observações permitiriam a inclusão da psoríase como mais uma das ma-nifestações indesejáveis da produção exacerbada de TNF-α nas fases avançadas da infecção pelo HIV, tais como a febre, a caquexia, as lesões de afta e a fadiga.

Outra linha de raciocínio imputa aos predisponentes genéti-cos a ocorrência de psoríase grave nesses pacientes. Estudo iso-lado mostrou que a prevalência do alelo Cw∗0602 esteve pre-sente em 79% dos pacientes em que havia associação psoríase e HIV contra a presença de Cw∗0602 em apenas 29% daqueles apenas com a infecção pelo HIV.20 A presença do mesmo alelo Cw∗0602 também está associada ao aparecimento de psoríase em gotas (“gutata”) em crianças e jovens pós-infecção estrepto-cócica das amígdalas.21

O tratamento da psoríase associada à infecção pelo HIV depende da gravidade clínica, sendo que os casos com qua-dro de moderado a grave podem se beneficiar da fototerapia e do uso da acitretina. Fármacos com atuação imunomodu-ladora como o metotrexato e a ciclosporina estão, em princí-pio, contraindicados. Porém, imunomodulação com fármacos antiTNF-α têm sido empregados para o tratamento de artrite psoriásica ou mesmo de quadros de artrites inflamatórias, lato sensu, associados à infecção pelo HIV, com bons resultados tanto em relação à eficácia quanto à segurança.22,23 O número de casos tratados foi pequeno, apenas nove pacientes na soma das duas publicações, mas revela coerência com o papel pró-inflamatório exercido pelo TNF-α na patogenia da psoríase. Há de se ressalvar, entretanto, que, segundo o Consenso Bra-sileiro de Psoríase, editado pela Sociedade Brasileira de Der-matologia em 2009, o uso de imunomoduladores antiTNF-α é contraindicado em paciente portador de infecção pelo VHB e utilizado com cautela nos casos de infecção pelo HIV.24 Ou-tro dado de interesse é que a melhoria das condições imu-nológicas decorrente da terapêutica antirretroviral seria, por si só, suficiente para a melhora clínica da psoríase.14,15 Tais observações mostram concordância com o raciocínio de que os altos níveis de TNF-α no paciente com atividade viral ple-na exerceriam papel fisiopatogênico sobre o surgimento ou o agravamento da psoríase no paciente com infecção pelo HIV em franca atividade.

Em síntese, há que se avaliar a possibilidade de existência de imunodeficiência HIV-induzida nos casos de psoríase com evolução rápida e grave e de se valorizar o agravamento de pso-ríase em paciente sabidamente HIV+, pois tais manifestações da psoríase, podem ser entendidas como sentinela de infecção viral ativa e de imunodeficiência pronunciada, cursando com altos níveis de TNF-α circulantes.

INFORMAÇÕESEndereço para correspondência:Silvio Alencar MarquesDepartamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de BotucatuDistrito de Rubião Junior, s/no

Botucatu (SP)CEP 18618-970Tel./Fax. (14) 3882-4922Cel. (14) 9671-0241E-mail: [email protected]

Fonte de fomento: nenhumaConflito de interesse: nenhum

REFERÊNCIAS1. Elder JT, Nair RP, Voorhees JJ. Epidemiology and the genetics of psoriasis. J

Invest Dermatol. 1994,102(6):24S-27S.2. Christophers E. Psoriasis--epidemiology and clinical spectrum. Clin Exp

Dermatol. 2001;26(4):314-20.3. Gudjonsson JE, Elder JT. Psoriasis. In: Wolff K, Goldsmith LA, Katz SI, Gilchrest

BA, Paller AS, Leffell DJ, editors. Fitzpatrick’s. Dermatology in General Medicine. 7th ed. New York: McGraw Hill; 2008. p. 169-93.

4. Icen M, Crowson CS, McEvoy MT, et al. Trends in incidence of adult-onset psoriasis over three decades: a population-based study. J Am Acad Dermatol. 2009;60(3):394-401.

5. Arruda LHF, Campbell GAM, Takahashi MDF. Psoríase [Psoriasis]. An Bras Dermatol. 2001;76(2):141-67.

6. Farber EM, Nall ML. The natural history of psoriasis in 5,600 patients. Dermatologica. 1974;148(1):1-18.

7. Najarian DJ, Gottlieb AB. Connections between psoriasis and Crohn’s disease. J Am Acad Dermatol. 2003;48(6):805-21; quiz 822-4.

8. Krueger JG. The immunologic basis for the treatment of psoriasis with new biologic agents. J Am Acad Dermatol. 2002;46(1):1-23; quiz 23-6.

9. Sabat R, Philipp S, Höflich C, et al. Immunopathogenesis of psoriasis. Exp Dermatol. 2007;16(10):779-98.

10. Zaba LC, Fuentes-Duculan J, Eungdamrong NJ, et al. Psoriasis is characterized by accumulation of immunostimulatory and Th1/Th17 cell-polarizing myeloid dendritic cells. J Invest Dermatol. 2009;129(1):79-88.

11. Obuch ML, Maurer TA, Becker B, Becker TG. Psoriasis and human immunodeficency virus infection. J Am Acad Dermatol. 1992;27(5 Pt 1): 667-73.

12. Wölfer LU, Djemadji-Oudjiel N, Hiletework M, et al. HIV-assoziiert Psoriasis. Klinische und histologische Beobachtungen an 36 Patienten [HIV-associated psoriasis. Clinical and histological observations in 36 patients]. Hautarzt. 1998;49(3):197-202.

13. Muñoz-Pérez MA, Rodriguez-Pichardo A, Camacho F, Colmenero MA. Dermatological findings correlated with CD4 lymphocyte counts in a prospective 3 year study of 1161 patients with human immunodeficiency virus disease predominantly acquired through intravenous drug abuse. Br J Dermatol. 1998;139(1):33-9.

14. Silva-Vergara ML, Pineli MR, Galati MC, Correia D. Psoríase em pacientes HIV positivo [Psoriasis in a seropositive HIV patient]. Rev Soc Bras Med Trop. 1996;29(6):599-602.

15. Ruiz MFA, Gaburri D, Almeida JRP, Oyafuso LK. Regressão de psoríase em paciente HIV-positivo após terapia anti-retroviral [Regression of psoriasis in HIV patient after antiretroviral therapy]. An Bras Dermatol. 2003;78(6): 729-33.

16. Obuch ML, Maurer TA, Becker B, Berger TG. Psoriasis and human immunodeficiency virus infection. J Am Acad Dermatol. 1992;27(5 Pt 1):667-73.

Page 5: Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids - files.bvs.brfiles.bvs.br/upload/S/1413-9979/2010/v15n3/a1533.pdf · Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar

Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21.

Sílvio Alencar Marques | Mariana Ferreira de Rezende | Regina Célia Molina Buttros | Luciane Donida Bártoli Miot | Mariangela Esther Alencar Marques 121

RESUMO DIDÁTICO 1. Psoríase é enfermidade inflamatória crônica, de alta prevalência e mediada por fenômenos imunes.2. A ocorrência da psoríase associada à infecção pelo HIV é relatada com frequência maior do que na população geral.3. A psoríase pré-existente pode se tornar mais grave ou se tornar mais resistente à terapêutica na medida em que

agrava a depleção imune no paciente infectado pelo HIV.4. A psoríase pode se manifestar desde o início como quadro grave e atípico em paciente infectado pelo HIV.5. A psoríase grave e rapidamente evolutiva pode ser a manifestação clínica sugestiva de infecção pelo HIV subjacente

e insuspeita.6. O tratamento antirretroviral e a consequente recuperação imune contribuem para melhoria clínica da psoríase

associada à infecção pelo HIV.

17. Leal L, Ribera M, Daudén E. Psoriasis e infección por el virus de la immunodeficiencia humana [Psoriasis and HIV infection]. Actas Dermosifiliogr. 2008;99(10):753-63.

18. Goh BK, Chan RK, Sen P, et al. Spectrum of skin disorders in human immunodeficiency virus-infected patients in Singapore and the relationship to CD4 lymphocyte counts. Int J Dermatol. 2007;46(7):695-9.

19. Dezube BJ, Lederman MM, Chapman B, et al. The effect of tenidap on cytokines, acute-phase proteins, and virus load in human immunodeficiency virus (HIV)-infected patients: correlation between plasma HIV-1 RNA and proinflammatory cytokine levels. J Infect Dis. 1997;176(3): 807-10.

20. Mallon E, Young D, Bunce M, et al. HLA-Cw∗0602 and HIV-associated psoriasis. Br J Dermatol. 1998;139(3):527-33.

21. Mallon E, Bunce M, Savoie H, et al. HLA-C and guttate psoriasis. Br J Dermatol. 2000;143(6):1177-82.

22. Linardaki G, Katsarou O, Ioannidou P, Karafoulidou A, Boki K. Effective etanercept treatment for psoriatic arthritis complicating concomitant human immunodeficiency virus and hepatitis C virus infection. J Rheumatol. 2007;34(6):1353-5.

23. Cepeda EJ, Williams FM, Ishimori ML, Weisman MH, Reveille JD. The use of anti-tumour necrosis factor therapy in HIV-positive individuals with rheumatic disease. Ann Rheum Dis. 2008;67(5):710-2.

24. Azulay-Abulafia L, Gripp A. Imunobiológicos na psoríase. In: Sociedade Brasileira de Dermatologia. Consenso Brasileiro de Psoríase e Guias de Tratamento. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia.; 2009. p. 87-94.

Data de entrada: 25/5/2010Data da última modificação: 26/7/2010

Data de aceitação: 2/8/2010