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11 FACULDADE 7 DE SETEMBRO CURSO COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA ROMENIK TIAGO QUEIROZ ARAUJO PUBLICIDADE E SUBJETIVIDADE: ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO INSERIDO NA SOCIEDADE DE CONSUMO FORTALEZA 2009

PUBLICIDADE E SUBJETIVIDADE - uni7.edu.br · produção, e o capitalismo das décadas de 1920 e 30, quando o consumo de massa passou a ser mais importante para a manutenção do sistema

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FACULDADE 7 DE SETEMBRO CURSO COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

ROMENIK TIAGO QUEIROZ ARAUJO

PUBLICIDADE E SUBJETIVIDADE:

ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO INSERIDO NA

SOCIEDADE DE CONSUMO

FORTALEZA

2009

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FACULDADE 7 DE SETEMBRO CURSO COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

ROMENIK TIAGO QUEIROZ ARAUJO

PUBLICIDADE E SUBJETIVIDADE:

ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO INSERIDO NA

SOCIEDADE DE CONSUMO

Monografia apresentada à Faculdade 7 de Setembro como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda. Orientador: Prof. Dr. Paulo Germano Barrozo de Albuquerque.

FORTALEZA 2009

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PUBLICIDADE E SUBJETIVIDADE:

ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO INSERIDO NA SOCIEDADE

DE CONSUMO

Monografia apresentada à Faculdade 7 de Setembro como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda.

__________________________ Romenik Tiago Queiroz Araujo

Artigo aprovado em: ______ / ______ / ______

Orientador: ________________________________________________ Prof. Paulo Germano Barrozo de Albuquerque, Dr. (FA7) 1º Examinador: ______________________________________

Prof. Tiago Seixas Themudo, Dr. (FA7) 2º Examinador: _______________________________________

Prof. Ana Paula Rabelo e Silva, MS . (FA7)

_________________________________________ Profª. Juliana Lotif Araújo, Ms. (FA7)

Coordenadora do Curso

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DEDICATÓRIA

À imortalidade de minha avó, Graziela Vilhena Queiroz que

tanto me ajudou acreditar no infinito.

À minha mãe, Aylane Cristine Queiroz pelos mais nobres

ensinamentos humanos.

À minha esposa Natália Almeida Queiroz, linda poesia

recitada e ao meu filho Francisco de Assis Almeida Neto, meu

mais poético verso.

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AGRADECIMENTOS

Esta monografia é o meu maior troféu ganho após uma batalha

que perdurou seis anos. Meus sinceros agradecimentos aos

professores, Paulo Germano Barrozo de Alburquerque (orientador),

Tiago Seixas Themudo pela sua solidariedade intelectual quando

coordenava o Núcleo de Pesquisa de Comunicação da Faculdade 7 de

Setembro o qual fui bolsista e ao Dr. Adelmir Jucá pelo apoio que

encontrei quando as dificuldades do combate se acentuaram.

Agradeço ao meu pai Reginaldo Aguiar Bastos, ao meu grande

amigo e sogro Francisco de Assis Almeida Filho pelo incentivo

entusiástico que me ensinou a preservar nas dificuldades, ao meu tio

Antonio Manoel Queiroz, à minha tia Arildes Vilhena Queiroz, aos meus

amigos Rafael Leite Carvalho (que tanto me emprestou livros e me

incentivou a sonhar), Júlio César Parente e a todos meus amigos

integrantes do grupo “Por um Fato Revolucionário” que fundamos na

Faculdade 7 de Setembro.

Por fim, meus agradecimentos aos que imaginaram comigo esta

utopia que hoje se transforma em realidade.

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“O espetáculo significa que jamais conseguiremos chegar à coisa mesma, que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio. Ao desejo, excitado por

nomes e imagens cheios de brilho, o que enfim se serve é o simples encômio do cotidiana cinzento ao qual se queria escapar.” (ADORNO, 2006.)

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RESUMO Este trabalho se propõe analisar a publicidade da década de 1960 até os dias atuais. Sabemos ser considerável a influência que a publicidade exerce nas subjetividades contemporâneas, esta influência advém propriamente do personalismo que ela promete aos seus consumidores, no entanto, nem sempre a publicidade se baseou na promessa de personalidade. Logo, construiremos uma reflexão teórica que irá confrontar a estruturação da publicidade moderna, quando a mercadoria era apresentada pelo seu valor de uso, com a da pós-modernidade, quando a mercadoria se desmaterializa e passa ser alternativa para todos os problemas sociais e psicológicos do homem contemporâneo. A partir dessas transformações poderemos entender o que significa propriamente a sociedade de consumo e o papel da publicidade na manutenção de tal estruturação social.

Palavras –chave: Publicidade. Subjetividade. Capitalismo. Sociedade de consumo. Individualismo.

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ABSTRACT

This paper aims to analyze the advertising of the 60s to the present day. We know

that is considerable the influence that advertising has on contemporary subjectivities,

this influence comes from exactly the personalism that it promises to its customers,

however, not always the advertising was based on the promise of personality. So we

will build a theoretical analysis that will compare the structure of modern advertising,

when the goods were raised by its use value, with the post-modernity, when the

goods dematerializes and becomes an alternative for all the social and psychological

problems of the contemporary man. From these transformations we can understand

what exactly means the consumer society and the role of advertising in maintaining

such social structure.

Keywords: Advertising. Subjectivity. Capitalism. Consumer society. Individualism.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – PROPAGANDA NYCRON ANOS 1960...............................................51

FIGURA 2 – PROPAGANDA DO FUSCA NA AMAZÔNIA DÉCADA DE 1970.......54

FIGURA 3 – A PROPAGANDA E OS ESTILOS DE VIDA CALVIN KLEIN..............57

FIGURA 4 – PROPAGANDA DA GELADEIRA CONSUL. COMÉRCIO DE FELICIDADE............................................................................................................60

20

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………........................................................................ 11

2 PERSONALISMO E PUBLICIDADE................................................. 13

2.1 O encantamento do homem moderno e o fetichismo

contemporâneo...............................................................................

18

2.2 Capitalismo de produção e sociedade de consumo................ 22

2.3 O consumo segmentado e o simulacro da pluralidade........ 25

3 O INDIVÍDUO PERSONALISTA EM COMBATE COM O

CIDADÃO..........................................................................................

29

3.1 A modernidade e seus períodos.................................................... 30

3.2 A política........................................................................................... 33

3.3 O indivíduo e a publicidade........................................................... 37

3.4 O Estado em uma sociedade que a publicidade exerce um

grande poder...................................................................................

39

3.5 A liberdade negativa e a liberdade positiva.............................. 44

4 A PUBLICIDADE SOB UMA ANÁLISE CRÍTICA............................

48

4.1 Análise da publicidade moderna e a pós-moderna..................... 49

5 CONCLUSÃO.................................................................................... 60

6 REFERÊNCIAS................................................................................. 63

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo verificar as diferentes linguagens da

publicidade do período moderno para o período pós-moderno. Assim, poderemos

ver no consumo uma busca do homem pós-moderno pela identidade.

No primeiro capítulo, faremos uma análise histórica dos indivíduos diante dos

avanços tecnocientíficos em que a sociedade da década de 1960 estava inserida.

Logo, começaremos a entender a publicidade e os impactos que ela causou na vida

do homem moderno como um desses avanços. Para melhor nos guiarmos sobre o

perfil psicossocial do homem da década de 1960, utilizaremos o conceito de homem

“unidimensional” de Marcuse que nos dará uma explicação das ações desses

indivíduos que encantados com o fetiche da mercadoria eram regulados pela

sociedade de consumo que apenas atendia aos interesses do capitalismo.

Ainda no primeiro capítulo faremos um paralelo segundo as análises de

Severiano do capitalismo do início do século XX, chamado de capitalismo de

produção, e o capitalismo das décadas de 1920 e 30, quando o consumo de massa

passou a ser mais importante para a manutenção do sistema do que os esforços dos

indivíduos, anteriormente voltados para a produção.

Na sociedade moderna, percebemos uma publicidade voltada para a

exposição do produto, no entanto, a publicidade pós-moderna empreende uma

desmaterialização das mercadorias pelos estilos de vida que se manifestam como

preenchimento das angústias presentes na vida humana. Estes estilos de vida são

representados pela pluralidade segmentária do capital que divide em segmentos os

objetos de consumo e os atribuem potencialidades humanas.

No capítulo dois, falaremos sobre a consequência da perda do conceito de

cidadão do homem pós-moderno, apresentado em Baumam, para as condições

individuais que pairavam na subjetividade deste homem restritamente egoico. Este

aquém das instâncias políticas e jurídicas vive a partir do desprezo pelo bem-estar

coletivo, e faz das identidades mercadológicas a fonte de representatividade

democrática. Ainda em Baumam, verificaremos que o conceito de modernidade

implicava uma identidade obsoleta, diferente da Modernidade Líquida (pós-

modernidade) que implica algo veloz, identidades instáveis que se esvaziam com a

mesma facilidade com que são entronizadas.

22

A partir da abstenção dos indivíduos pós-modernos no campo da

representatividade democrática e de suas preferências pelas tendências de mercado

da sociedade de consumo, faremos uma interligação com o que Baumam afirma

acerca da não separação do espaço público e privado. Logo, o público colonizado

pelas identidades líquidas individualizantes é apenas uma extensão do olhar que o

homem contemporâneo lança às mercadorias encantadas pela publicidade. O

Estado, que se torna desinteressante na atualidade, começa a diminuir o seu poder

e o objeto fetiche ganha a representatividade dos anseios coletivos que substituem

de forma ideal a figura do Estado que também se torna pesado, lento (semelhante

ao conceito de identidade moderna) e não corresponde mais à liquifação da pós-

modernidade que agora concebe as identidades a partir de estilos de vida. Outro

ponto a ser abordado em nosso trabalho é a diferença entre a liberdade positiva e a

negativa para melhor situarmos qual das duas o homem contemporâneo utiliza

diante do mundo mágico da fantasmagoria identitária.

Por fim, no capitulo três nos colocaremos a analisar a publicidade a partir das

análises da psicanalista Suely Rolnik que nos mostrará de quais elementos a

publicidade se apropria para convencer os seus receptores. Logo, buscaremos

encontrar uma possível ligação entre a hiper valorização do objeto no momento

contemporâneo com o esvaziamento do espaço público. Entendendo a organização

sistemática do capitalismo, consequentemente entenderemos as múltiplas

identidades sígnicas que sofrem o efeito direto da publicidade desmaterializadora

das mercadorias.

Neste último capítulo, ainda confrontaremos nossos levantamentos teóricos

com algumas peças publicitárias, veiculadas no Brasil no período moderno e pós-

moderno. Isto, para demonstrarmos a existência da lógica identitária da publicidade

mediante o objeto fetiche.

23

2. PERSONALISMO E PUBLICIDADE

Nossa sociedade, segundo Severiano compõe-se de indivíduos cada vez

mais fragilizados criticamente. A realidade contemporânea regulada pelos avanços

tecnológicos proporciona uma visão de mundo ao homem, sem lhe apresentar

nenhuma contradição.

Para este homem todas as suas dúvidas são resolvidas pelos serviços ou

produtos expostos no sistema capitalista. Para o filósofo alemão Marcuse este

estado anticrítico do homem foi caracterizado de “unidimensionalização”, que

segundo Severiano (2007, p. 35) é o estado do:

Chamado homem unidimensional, habitante das sociedades mais altamente desenvolvidas da década de 1960 é caracterizado por Marcuse como produto de uma “cultura de massa”. Esse homem dotado de uma consciência desprovida de futuro, adapta-se imediatamente ao real como se este fosse o único possível.

De forma que o homem unidimensional não ousa pensar nenhuma questão

que lhe peça uma alternativa diferente da que costuma encontrar em seu cotidiano

dominado pelo mundo da tecnologia. A despolitização é mais um traço deste homem

da década de 1960; em suas horas livres o seu comportamento “unidimensional”

também se apresenta no consumo oferecido pela indústria do lazer que permite uma

sensação de harmonia entre homem e sociedade. “Nesse sistema ‘conexão direta’

ocorre o que Marcuse (1982) denominou de ‘a conquista da consciência

desgraçada’, na qual toda possível transcendência é assimilada pela ordem vigente,

não existindo mais conflitos absolutos” (SEVERIANO, 2007, p. 36).

O homem atual para Severiano (2007, p. 38) ainda pode ser compreendido

por todas as características da unidimensionalidade de Marcuse. Ou seja, as

atitudes dos indivíduos contemporâneos ainda são estruturadas pelos avanços

tecnológicos, especificamente pela publicidade que propaga a mistificação da

realidade. Vejamos:

O resultado é a perda da consciência crítica e a produção de uma “consciência feliz” que se explica como plena aceitação das mitificações da realidade, na qual o real e o racional quedam de todo identificados. Esse universo unidimensional tende, portanto, a encerrar o homem numa ordem social, instaurada por sistemas modernos de controle totalitário, inviabilizando assim qualquer possibilidade de o homem pensar e agir por si mesmo, em prol de sua maioridade.

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Explicita-se nesta argumentação a autonomia perdida do sujeito, uma vez que

as suas alternativas de escolha não são propriamente suas, mas reguladas por

grupos que necessitam do enfraquecimento crítico do homem que despotencializado

passa a ser unidimensional. Assim, o homem unidimensional: “acredita que luta pelo

‘bem comum’ quando na realidade atende a interesses políticos e econômicos de

grupos particulares”. (SEVERIANO, 2007, p. 35) Toda a liberdade contida na

publicidade não ultrapassa o campo da pseudoautonomia, com isso, indivíduos que

consomem o que lhes é apresentado como indispensável sem verificar criticamente

a procedência de tais informações acabam se inserindo no consumo massificado.

Por conseguinte, perdem seu poder de decisão individual, delegam ao avanço

tecnológico a responsabilidade por suas opções para a felicidade comum e

distanciam-se da autonomia para decidir sobre sua própria emancipação.

Os desejos ou idealizações do homem unidimensional da década de 1960 só

podem ser atingidos no presente, pois, o futuro não é necessário e por isso vive o

que a publicidade oferece. Nesta falta de interesse pelo futuro instaura-se no homem

unidimensional o “antiutopismo”, que se concretiza em uma visão imediata da

realidade, constituída pelos meios de comunicação de massa e pela publicidade que

sempre apresentam uma alternativa para se chegar à harmonia social ou felicidade

plena. Nesta pseudoautonomia atingida abstratamente pelos indivíduos a partir das

mercadorias que se apresentam como perfeitas, possível pela indisposição crítica do

homem contemporâneo em verificar as informações para ele apresentadas,

encontramos, pertinente característica do homem unidimensional verificado por

Marcuse na década de 1960, com o que também se encontra no chamado homem

pós-moderno (SEVERIANO, 2007).

Para os objetivos deste trabalho que se propõe a interpelar os impactos da

publicidade na sociedade atual e testar se ainda a publicidade exerce poder sobre

os indivíduos contemporâneos é preciso descrever, mesmo que brevemente,

algumas das mais importantes características do homem “unidimensional”, o homem

da década de 1960 caracterizado por Marcuse. Este homem, mesmo com suas

ilusões sobre a emancipação, ainda cria no bem-estar coletivo e era atuante nas

esferas política e jurídica. Severiano encontra uma pequena diferença entre o

homem da década de 1960 e o homem que surge na década de 1980 ou na

sociedade pós-moderna. O homem unidimensional da década de 1960, apresentado

por Marcuse, apesar de suas ilusões quanto à emancipação ainda era capaz de criar

25

alternativas para o bem-estar coletivo. Severiano analisa o homem que surge na

década de 1980 ou na sociedade pós-moderna e não percebe o mesmo ânimo deste

último em relação às alternativas de superação das verdades impostas pela

publicidade. Tais diferenças para Severiano não dizem que o homem da década de

1980 se desprendeu do capitalismo, pois continua aprisionado pela publicidade e

busca se encontrar nos novos lançamentos das mercadorias igualmente ao homem

da década de 1960, no entanto, não tem a mínima atuação ou crença nas instâncias

sociais. O perfil do homem contemporâneo se resume na necessidade permanente

de encontrar através da publicidade a sua satisfação plena, mesmo que longe da

coletividade.

O homem da década de 1980 marca a sociedade pela sua postura

individualista, inquieta e dinâmica no sentido negativo da expressão, pois utiliza sua

inquietude e dinamicidade não para superar o capitalismo, mas para atender às

promessas mercadológicas da publicidade que permanentemente promovem um

novo produto no mercado. Então, podemos dizer que o homem inquieto e dinâmico

distante do campo sociopolítico se coloca como simples consumidor restrito à

satisfação de suas individuais necessidades. Guiado pelas novas tecnologias em

seus desejos, o homem pós-moderno busca sempre sua satisfação individual na

procura por personalidade própria que o diferencie dos demais indivíduos. Isto o

afasta do homem da década de 1960, época esta que continha homens

conformados com os padrões sociais atingidos por tal sociedade, ou seja, tinha-se

naquela década uma segurança entre os indivíduos de que os padrões

estabelecidos eram os mais perfeitos possíveis. Também a publicidade não

estimulava tanto a superação do que mal tinha sido consumido. Sobre a

acomodação do homem da década de 1960, Adorno em sua pesquisa sobre a

“Personalidade Autoritária”, segundo Severiano (2007, p. 39), declara: “A América

pode não ser perfeita, mas o estilo de vida americano produziu uma sociedade tão

perfeita como é possível para seres humanos”. Já o homem da década de 1980,

não suporta a ideia de uma sociedade que já tenha atingido a perfeição mediante

sua forma de consumo, pois, está sempre sendo alvo de novas investidas da

publicidade. A sua inquietude é possível graças ao seu desejo dinâmico de sempre

buscar uma nova alternativa oferecida pela publicidade para se personalizar e obter

diferenciação do restante dos indivíduos. O homem moderno para Severiano (2007,

26

p. 39) “fascinado pelo espetáculo das novas tecnologias informatizadas, está sempre

em busca de “novas realizações”.

Assim, a discrepante e incisiva diferença entre a percepção social do homem

da década de 1960 e o homem da década de 1980 está no descompromisso deste

último em pensar questões relacionadas à política ou à transformação social. O

homem pós-moderno se deixa levar pelo primeiro anúncio que torna irresistível a

mercadoria. O homem da década de 1980 se preocupa apenas com a sua

visibilidade, é apaixonado pela fama ou pelo sucesso pessoal, vive na busca do

prazer, desprezando as pessoas que só podem ser lembradas, se lhe trouxerem

alguma vantagem (SEVERIANO, 2007 p. 39).

Tais características, frequentemente veiculadas pela indústria da publicidade e por alguns teóricos da chamada ‘pós-modernidade’, revelam a proeminência de uma tipologia de personalidade cujas motivações parecem estar, fundamentalmente, centradas no eu, num ‘eu grandioso’, dando origem ao que Lasch (1983) denominou de a cultura do narcisismo.

O narcisismo, defendido como característica do perfil psicossocial do homem

da década de 1980 por Severiano, implica em um homem que se preocupa com o

último lançamento da moda para se diferenciar através de um personalismo que

necessita sempre ser reinventado pelos produtos oferecidos no mercado pelas

máquinas de desejo, a publicidade, tão presente na relação social. Se para o

homem pós-moderno a felicidade não pode ser encontrada na esfera pública é pelo

menos buscada na esfera privada mediante o consumo efêmero de novas

mercadorias. Devemos deixar claro, que o fato do homem “unidimensional” crer nas

instâncias sociais e o homem da década de 1980 ser totalmente indiferente a esta

condição, não significa que ambos se diferenciem em suas práticas. Pois, ambos

acreditam na publicidade e no consumo como principal alternativa para tentar

resolver suas angústias; é essencial nos atentarmos a isso para não deturparmos a

visão de Severiano que acredita que os dois são controlados na sociedade

capitalista pela cultura de massa que submete as práticas dos indivíduos ao

consumo de mercadorias que, na maioria das vezes, estão alicerçadas em

necessidades criadas apenas no intuito de serem vendidas. E a publicidade se

encarrega de pôr esta questão em prática. Severiano fala sobre as compatibilidades

do homem da década de 1960 e da década de 1980, para evitar mal entendido

(SEVERIANO, 2007 p. 42).

27

No entanto, apenas duas décadas os separam. Inconcebível ‘mutação’ na ordem do indivíduo e da cultura em tão pouco tempo! Entretanto, se nos pautarmos pelo referencial Frankfurtiano, detectamos, já de início, alguns elementos em comum: a vivência em uma sociedade sob a égide do consumo, a presença quase onisciente da indústria cultural como meio de comunicação das massas e o presente imediato como única dimensão temporal proeminente.

Esta citação nos deixa claro que o homem da década de 1960 e o homem

pós-moderno, mesmo em épocas distintas e apresentando crenças diferentes em

relação ao bem-estar comum, são influenciados pela lógica publicitária resultado de

uma cultura baseada no consumo para tornar a mercadoria principal condição para

se atingir a diversidade identitária.

Voltando o nosso trabalho para a análise de Marcuse do “homem

unidimensional”, podemos atestar, segundo Severiano, que Marcuse busca em suas

reflexões a afirmação do indivíduo, diferenciado do homem que espera da “razão

instrumental” alternativas de escolha para se relacionar socialmente.

O indivíduo controlado pela razão instrumental faz da mercadoria hiper

valorizada pela publicidade, alternativa principal para encontrar autonomia. Deste

modo, o culto exacerbado pelo presente e os problemas objetivos que merecem ser

tematizados pela razão crítica são ignorados. Devido a este descompromisso do

homem unidimensional que legitima a razão instrumental como condutora dos

comportamentos sociais, desafirma-se os homens como construtores da história, e

torna-os incapazes de obterem esclarecimento e de outorgarem a emancipação

social. Ao constatar as cruciais consequências oriundas do irracionalismo ou devido

à falta de criticidade nas relações sociais do homem “unidimensional”, Marcuse

considera indispensável uma retomada da razão crítica. Para ele: “representa a mais

alta potencialidade da existência humana.” (SEVERIANO, 2007, p. 48).

Quando Marcuse menciona a felicidade não atingida pela sociedade da

década de 1960 e descreve o perfil do homem inserido naquelas condições

históricas pelo conceito “unidimensional”, não significa dizer uniformizações de

consciências, no sentido de todas as pessoas buscarem os mesmos produtos,

também; não é correto afirmar que existia na visão de Marcuse uma

homogeneização da produção e do consumo, ambas as afirmações são anacrônicas

porque mesmo na década de 1960 o segmento já se estabelecia como principal

argumentação publicitária. O conceito “unidimensional” discute a falsa representação

da realidade a partir do avanço tecnológico (publicidade) que permite em proporção

28

fantasmagórica uma conciliação entre indivíduo e sociedade. Ou seja, a publicidade

interligada com os meios tecnológicos avançados oferece ao indivíduo valores

universais que prometem individualização, entretanto, os indivíduos socialmente

analisados compartilham coletivamente da realização ilusória criada pelo

capitalismo, ilusória porque as individualizações prometidas das campanhas

publicitárias só são possíveis no campo mágico do pensamento. Sobre este

lamentável estado do homem “unidimensional” Severiano (2007, p. 35) afirma: “a

individuação assim forjada é “pseudoindividuação porque não visa à diferenciação

entre indivíduo e sociedade”.

As promessas personalistas do capitalismo se tornam possíveis pela

incapacidade crítica que o homem contemporâneo apresenta diante das

mercadorias. O homem pós-moderno preocupado apenas com o presente não

percebe o conceito publicitário como algo breve. Neste caso, as contradições

existentes entre suas crenças (ideologia) e a realidade objetiva ficam despercebidas.

O homem atual consome produtos expostos no mercado capitalista na procura

dinâmica pela personalidade e encontra-se encantado diante do fetiche da

mercadoria. (SEVERIANO, 2007).

2.1 O ENCANTAMENTO DO HOMEM MODERNO E O FETICHISMO

CONTEMPORÂNEO

De acordo com Carone (1989, p. 25) o fetichismo torna possível a falsa

apresentação social da mercadoria. Esta, encantada pelo fetichismo esconde seu

processo produtivo e se apresenta como possuidora de valores humanos. Vejamos:

“ela reaparece, no final da análise, como um objeto não trivial, não como um meio

para atender a um fim”.

Logo, as mercadorias não carregam consigo suas trivialidades e assim

encantam o homem em suas aparições sociais. Tais encantamentos se dão através

de valores divinos atribuídos a elas (antropomorfismo). Marx chamou esta

divinização da mercadoria de fetiche. (CARONE, 1989). Fetiche porque esconde os

processos produtivos da mercadoria, ou seja, todo o trabalho humano necessário

para torná-la possível. Fetichizada, a mercadoria parece ter existência por si mesma

distante de qualquer tarefa humana.

Já que este nosso trabalho se dispõe a analisar a publicidade e seu

desenvolvimento técnico e sedutor até localizar-se na pós-modernidade, é pertinente

29

a verificação das diferenças dos fetiches desenvolvidos por Severiano. O primeiro se

estabelece no início da sociedade industrial, presenciado e criticado por Marx, e o

segundo é o fetiche e seu valor-signo, encontrado na pós-modernidade. Possível

através da modernização publicitária que tornou real o desenvolvimento da

sociedade de consumo.

Na sociedade atual, os objetos de consumo não podem ser identificados por

nacionalidade ou país de origem. Isso, devido às marcas que ao se

desmaterializarem carregam valores que superam seu processo produtivo e sua

nacionalidade. Logo, a pós-modernidade apoiada na publicidade possibilita

apresentar os produtos de hoje como “produtos globais”, pertencentes a todos os

países e ao mesmo tempo a lugar algum. (SEVERIANO, 2007).

As marcas possibilitam uma identidade aos “produtos globais” através dos

signos que a publicidade manipula tão bem. Hoje em dia, os produtos se

desmaterializam mediante sua forma sígnica mais abstrata. Ou seja, as mercadorias

se desvinculam de sua forma material mediante a publicidade e recebem uma

associação que agrega à mercadoria valores e qualidade humana. (SEVERIANO,

2007). Ainda para maior esclarecimento deste cenário contemporâneo onde o

homem pós-moderno encontra-se, Severiano (2007, p. 53) nos mostra que as

mercadorias com a ajuda da publicidade ganham dimensão simbólica nunca antes

vista.

Com a atual expansão, sem precedentes, de uma infinidade de objetos de consumo, não só as relações sociais de trabalho ficam camufladas, na forma de mercadoria, como se incorporam a ela, cada vez mais, poderes imateriais. Agora, a mercadoria além de incorporar/ alienar as relações sociais que produziram, também incorporam e alienam aspectos subjetivos referentes à felicidade, liberdade, personalidade e realização humana. O que à época de Marx tinha uma aparência de ‘coisa’- a mercadoria – desmaterializa-se e passa ter uma aparência de ‘signos’, absolutamente intercambiáveis em suas significações. Ou seja, a transformação do objeto em valor-signo continua a encobrir o caráter social do trabalho, pois o objeto continua a ser mercadoria, só que, como essa mercadoria/objeto consumo é, agora, predominantemente valorada em seus aspectos sígnicos, até a sua natureza material tende a diluir-se e o que aparece é o movimento de signos.

Para Severiano, os “produtos globais” no mercado capitalista pós-moderno

em uma análise aparente, apresentam-se autônomos no que se refere ao trabalho

material humano. Esta pseudoautonomia do objeto permite que haja uma inversão

de papéis, o homem passa a ser o objeto despotencializado e a mercadoria com a

ajuda da publicidade ganha autonomia para representar a felicidade, liberdade entre

30

outras potencialidades humanas. A sociedade atual não compra apenas objetos,

pois, a publicidade vende “estilo” e “atitude”.

Havendo assim um duplo ocultamento, o indivíduo não se conhece como

produtor da mercadoria e não percebe mais a materialidade dos objetos, que nesta

relação fetichizada encobre as mercadorias pelos signos que se referem aos objetos

aos quais faz referência. Por conseguinte, a postura do homem pós-moderno diante

dos “produtos globais” recebe o conceito segundo Severiano de “sociedade de

consumo”, onde o valor da mercadoria concentra-se nos signos que sempre devem

ser mantidos. (SEVERIANO, 2007).

Para ela, a simples mercadoria que ainda se demonstrava como coisa no

século XIX e na modernidade, na pós-modernidade passa a ser objeto-fetiche e não

guarda mais em si nenhuma característica de “coisa”. Utilizando-se dos elementos

mágicos da publicidade eles possuem “estilos de vida”. O fetiche da mercadoria era

quem dava característica material para as mercadorias e deixava transparecer a

utilidade de cada produto. Com os recursos gráficos que o capitalismo desenvolveu

a mercadoria pós-moderna ganha magia e de tanto deixar o receptor encantado em

frente aos anúncios publicitários fazem seus receptores esquecer da “utilidade” de

cada produto. Para melhor explicitação dessa diferença delicada, mas que, estrutura

de maneira tão diferente os indivíduos ao ponto de merecer uma nova conceituação

de fetiche da mercadoria para objeto-fetiche de consumo: “considerando que a

compreensão do objeto-fetiche não se esgota na análise do fetichismo da

mercadoria, uma vez que está tratando-se também de processos simbólicos”

(SEVERIANO, p. 55) É necessário usarmos a argumentação de Severiano, (2007, p.

55) que se utiliza de Freud, para melhor entendermos o que significa fetichismo:

(...) Freud refere-se ao fenômeno do fetichismo como: ‘aqueles [casos] em que o objeto sexual normal é substituído por outro que conserva alguma relação com ele, mas é inteiramente inadequado para servir ao objeto sexual normal’.

Ainda nos utilizando das ideias de Severiano (2007 p. 56) para melhor

compreensão do assunto: as duas condições para a ocorrência do fetichismo de

consumo são:

‘o fetiche lugar do objeto normal’, ou seja, o objeto/marca, ao pretender realizar os desejos dos indivíduos, dotando-os de personalidade e estilo, resolvendo impasses e conflitos interpessoais, suprindo sua solidão e diferenciando-o dos demais, toma o lugar do próprio indivíduo como sujeito

31

psíquico e social e, de suas experiências, na relação com a alteridade. Este seria o espaço original, onde a trama da personalidade, dos conflitos intra e interpessoais, da solidão ou da felicidade, se organizariam. Mas, entendendo à segunda condição de realização do fetichismo, o objeto de consumo transforma-se no único objeto ou meio de realização dos desejos humanos. Os demais são abandonados.

Temos nessa análise um encantamento dos indivíduos diante da simbologia

objeto fetiche. Disponível socialmente através das peças publicitárias que têm a

missão de divulgar no mundo capitalista tais ilusões ou irrealidades. O

encantamento do homem e a desmaterialização da mercadoria são possíveis graças

ao fetiche que se desliga do “objeto normal”, ou melhor, da mercadoria; e se

apresenta como “estilos de vida” que devem ser possuídos.

Os valores que são compartilhados socialmente recebem importância em uma

comunidade cultural. Segundo Bruner (1997, p. 34), “os valores são inerentes a

compromissos assumidos com ‘estilos de vida’ e os estilos de vida, em sua

complexa interação, constituem uma cultura”, ou seja, na maneira do indivíduo lidar

com seus valores, adota consequentemente estilo de vida que lhe proporcionará

autoidentidade. Na análise feita por Bruner, podemos nos arriscar a fazer uma

ligação teórica com a análise psicossocial dos ideais de consumo na

contemporaneidade, explicitada por Severiano, tão presentes nos anúncios

publicitários que demonstram pertencer aos objetos os valores sociais. Assim,

podemos dizer que os valores do homem pós-moderno se encontram na mercadoria

desmaterializada pelos signos compartilhados pela publicidade que lhes oferecem

fantasmagoricamente atributos exclusivamente humanos; como inteligência,

sucesso e atitude. Desta maneira, a busca pelo personalismo identitário do homem

pós-moderno a partir das mercadorias passa a ser estilo de vida, valores a ser

atingidos. Logo, os valores, segundo Bruner, não se constituem como produtos

isolados dos indivíduos, chegam a ser prática compartilhada, então a cultura no

contexto pós-moderno se resume a uma busca por estilos de vida que só podem ser

atingidos pelo consumo. Transformam assim, o homem contemporâneo em mero

consumidor de signos apresentados pela publicidade. (BRUNUER, 1997).

32

2.2 CAPITALISMO DE PRODUÇÃO E SOCIEDADE DE CONSUMO

No tópico anterior utilizando Bruner, falamos sobre os estilos de vida e a

formação cultural, isto para apresentarmos neste ponto do nosso trabalho a

sociedade de consumo e toda a idiossincrasia de seus indivíduos. Só assim,

contextualizando o desenvolvimento capitalista poderemos compreender quando a

publicidade passa a ser essencial na manutenção do capitalismo, questão esta que

especificamente nos interessa.

Severiano faz um estudo histórico do capitalismo e suas etapas conforme as

análises de Max Weber na obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, a

autora diferencia o desenvolvimento do capitalismo de produção do século XIX e o

capitalismo voltado para o consumo, ou capitalismo de consumo que desponta nos

Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930, instaurando uma “sociedade de

consumo de massa” (SEVERIANO, 2007).

Conforme a autora explica (Severiano, 2007 p. 66), os primeiros empresários

capitalistas europeus se comportavam de maneira peculiar e condiziam com as

necessidades do capitalismo que começava a surgir e necessitava se afirmar como

sistema regulador dominante das relações sociais. Era um fator imprescindível para

tal desenvolvimento.

Esse fator consentia na ética religiosa protestante (calvinistas, pietistas, metodistas e batistas), a qual proporcionou um ordenado sistema de valores basedo num ascetismo gerador de uma racionalização crescente, no qual o êxito no trabalho era interpretado como um sinal da eleição divina.

Estamos descrevendo a influência da ética protestante no comportamento dos

empresários do século XIX, a principal característica segundo Severiano (2007, p.

66) era: “uma conduta ascética, trabalho árduo e sistemático, domínio de si e recusa

do luxo e gozo dos bens, o qual era visto com frequência como obra do diabo”.

A parcimônia era força motriz do indivíduo situado no século XIX, trabalhava

não para consumir ou ir à busca do gozo ou de bem-estar. Comprando produtos

pelo seu valor de uso, ou seja, pela verdadeira utilidade da mercadoria, tinha-se um

indivíduo racional e soberano em sua decisão de compra. A consequência racional

deste cenário supracitado foi (Severiano, 2007 p. 67):

Elevação da produtividade no trabalho, associado a um consumo produtivo do excedente-o qual era prontamente revertido em trabalho adicional sob a

33

forma de investimento — o que, por sua vez, gerou uma tendência a um crescente acúmulo de capital.

A dissociação entre o consumo, o gozo e o êxito nos negócios indicava a

eleição divina do indivíduo do século XIX. Este fator motivacional que estimulava o

trabalho e ao mesmo tempo privava o indivíduo do consumo foi preponderante no

desenvolvimento do novo sistema produtivo que se desenvolvia. O trabalho árduo,

seguido de acúmulo de riquezas investidas novamente na produção era papel a ser

fiscalizado pela ética protestante que instaurava os fundamentos do “espírito do

capitalismo”. (SEVERIANO, 2007).

A passagem do capitalismo de produção para capitalismo de consumo só foi

possível pelo enfraquecimento do primeiro. Vejamos essa mudança. A realidade do

século XIX fundava-se exclusivamente na fabricação de equipamentos

imprescindíveis para suas necessidades básicas de industrialização. A meta

buscada pelos burgueses daquele período era a expansão do setor industrial, que

produzia somente bens de primeira necessidade para os indivíduos. Desta forma, se

inicia a fragilidade do capitalismo de produção. Severiano argumenta (2007, p. 69)

sobre o momento:

De acordo com Ortí (1994), seguindo o modelo marxista, ocorre uma expansão ‘sem limites’ do setor I, caracterizado com o setor de produção de meios para a produção, ou seja, de bens industriais, em detrimento do setor II (de produção de bens de consumo não duráveis), ocasionando uma crise de superprodução industrial.

Desta maneira, o capitalismo de produção sofre sua grande e primeira crise

estrutural havendo um desequilíbrio do setor I em relação ao setor II, o que levou a

um crescimento desproporcional do primeiro setor comparado com o segundo,

consequentemente, se desenvolvia a crise da superprodução. Logo, naquela época

se precisava instaurar ao mesmo tempo uma alternativa para evitar a permanência

da crise sistêmica do capital: “A produção maciça de mercadorias em abundância

sempre crescente requeria, agora, um mercado também maciço para absorvê-las,

sob risco de um colapso geral do sistema.” (SEVERIANO, 2007, p. 69)

Ainda neste contexto, com o desenvolvimento considerável dos meios de

produção industrial, houve um aumento dos produtos de primeira necessidade no

mercado, e uma nova categoria surgia, a dos produtos não duráveis. Assim, a

estrutura do capitalismo se modifica inevitavelmente sob as leis agora do consumo

34

de massa proveniente da expansão do primeiro setor. Abria-se com isso, uma nova

forma de consumo que necessitava abarcar todas as classes, até mesmo, a

população marginalizada que outrora não pertencia ao capitalismo da fase de

produção. O consumo de todos era mais que necessário para equilibrar a

superprodução que se desenvolvia devido o aumento da produtividade capitalista,

que em seguida, lançava no mercado incalculáveis produtos que superavam as

necessidades dos indivíduos, esses, podendo ser chamados de produtos supérfluos.

(SEVERIANO, 2007)

Estava em jogo a reestruturação do capitalismo sob a capacidade que as

pessoas deveriam desenvolver para se adaptarem à mudança histórica daquela

época, já que, o modo produtivo já havia ultrapassado o capitalismo de produção e

necessitava de consumidores que utilizassem as mercadorias independentemente

de suas necessidades. Neste contexto que podemos chamar de capitalismo de

consumo, as normas éticas estabelecidas no século XIX que privavam o gozo e o

consumo além do necessário, tiveram que amolecer diante da nova fase do

capitalismo. (Idem, 2007)

O capitalismo tinha, então, uma causa principal para realizar e não era

relacionada com a proteção dos indivíduos (SEVERIANO, 2007, p. 70):

Entretanto a produção para o consumo, como referido, visava atender não as necessidades dos indivíduos, mas resolver uma crise de superprodução, sob risco de uma falência geral do próprio sistema capitalista.

Logo, o capitalismo precisando vender se utiliza da publicidade que através

de planejamentos de marketing se propõe atender os desejos de diferentes pessoas.

Por conseguinte, para permitir o livre fluxo de mercadorias, a publicidade passa a

afirmar ser possível através da compra cada indivíduo encontrar identidade. O que

queremos dizer é que o pilar de sustentação do capitalismo de consumo é o valor

simbólico que as mercadorias recebem da publicidade. Desta forma, chegamos ao

objeto fetichizado e na subordinação de tais objetos aos padrões estéticos

compostos pela publicidade. Estas características prendem o indivíduo ao

capitalismo de consumo.

Esta sociedade de consumo descrita como acrítica por esperar da publicidade

valores que possam distinguir os próprios indivíduos através dos conjuntos de

símbolos contidos na mercadoria foi criticada por Jean Baudrillard. O mesmo

35

discorre sobre o simulacro da mercadoria ou ocultamento das relações de trabalho

existente na aparição social do objeto. Assim, o indivíduo se desconhece diante do

fruto do seu próprio trabalho e não percebe a mercadoria e a própria publicidade

como advinda de um processo humano. Como afirma Baudrillard (1995, p. 22) “na

prática quotidiana, os benefícios do consumo não se vivem como fruto do trabalho

ou de processos de produção; vivem-se como milagre”.

O milagre de que Jean Baudrillard fala são os signos que as pessoas

inseridas em uma sociedade de consumo buscam possuir ao adquirir algum produto

representado pela publicidade. Encantadas com as aparições do objeto fetiche e

acreditando ser papel dos avanços tecnicocientíficos apontar o caminho para os

estilos de vida, a sociedade se lança na busca exacerbada pela autonomia. No

entanto, atitudes como estas, que não compreendem as mercadorias como autoria

humana, não podem gerar um sujeito socialmente liberto. Queremos deixar claro

que o consumo não oferece identidades exclusivas como promete a publicidade.

Baseado no que vimos, podemos dizer que ele apenas evita a crise sistemática do

capitalismo que depende da comercialização das mercadorias produzidas. Logo, o

reequilíbrio do capitalismo só tornou-se possível mediante o consumo, este que

deixou de produzir apenas o necessário e passou a fornecer a seus indivíduos os

objetos supérfluos. (SEVERIANO, 2007)

2.3 O CONSUMO SEGMENTADO E O SIMULACRO DA PLURALIDADE

Segundo Severiano, a sociedade de consumo baseia-se na publicidade e em

todos os seus engodos de personalidades “plurais” e “diversificadas”. Logo, o

homem pós-moderno tem como perfil psicológico para o preenchimento de suas

angústias a segmentação disponível no mercado capitalista. (SEVERIANO, 2007).

Em conformidade com a análise de Severiano, encontramos indícios de

simulação dos objetos expostos no mercado no que se refere à verdadeira

“liberdade de escolha”. Verificamos que o capitalismo pós-moderno apoiado pelas

ferramentas de marketing desenvolve a segmentação que tenta atender as

necessidades específicas de determinados públicos, com produtos que se

comprometem em atribuir aos seus possuidores uma subjetividade individualizada. E

quem se encarrega de transformar a mercadoria em depósito de segurança,

inteligência, sucesso, elegância e poder é a publicidade; ferramenta poderosa que

36

confunde o real com o imaginário atribuindo significados humanos aos objetos

inanimados. Isto determina o homem pós-moderno como consumidor, não apenas

de mercadorias, mas de personalidade. Neste processo a materialidade dos

produtos se desfaz diante dos signos (ou objeto fetiche, anteriormente desenvolvido)

ao se apresentarem socialmente. Para Severiano (2007, p. 98) “é o objeto que

empresta significado”. E assim, nesta falsificação da realidade o homem atual toma

emprestado os valores exclusivamente humanos aos objetos que cada vez menos

apresentam sua verdadeira essência vulgar. Assim para Severiano (2007, p. 99)

“essa ‘personificação’ serve unicamente de ardil para uma maior intensificação do

consumo, que agora, ainda mais do que antes, atrela a identidade do indivíduo ao

seu ‘estilo’ de consumir”. Nesse ritmo ideológico sistemático do capitalismo, o

homem pós-moderno acrítico se submeteu, como forma de evitar a insegurança do

anonimato que só pode ser afastado através do consumo. Por isso, é uma

falsificação do real representar os segmentos como liberdade de escolha ou

autonomia do sujeito. Por conseguinte, os segmentos tão presentes no capitalismo

de consumo atendem a um único fim, aprisionar o homem pós-moderno em um

compromisso que visa à manutenção sistêmica.

A expansão mercadológica que interliga o planeta e as distâncias encurtadas

pela informática e pela tecnologia torna real o domínio da cultura de consumo nos

indivíduos independentemente de suas nacionalidades. Fica-se mais presente

graças aos meios de comunicação e pela publicidade à cultura de consumo e toda

sua ideologia de personalidade que se apropria do conceito de “liberdade de

escolha” devido aos diferentes produtos lançados no mercado. Como se cada

produto diferenciado por pequenos detalhes ao serem consumidos possibilitassem

ao sujeito pós-moderno liberdade plena e personalidade única que o distinguisse

dos restantes das pessoas. Assim, temos uma representação equivocada do mundo

diante de tal crença ideológica, pois, a simples segmentação de mercado não pode

dar diferenciação de personalidade ao homem. Pois: “a segmentação do mercado

não revoga o imperativo básico dessa lógica, ao contrário, diversifica para melhor

submeter” (SEVERIANO, 2007, p. 99). Na medida em que o homem busca consumir

o diferente produto posicionado no mercado pela publicidade como forma de fugir do

homogêneo convívio social, não consegue a identidade tão declarada pela

publicidade, nem tampouco faz valer sua “liberdade de escolha”; já que se aprisiona

no interminável consumo que atende às exigências do capital que depende da

37

permanente troca das mercadorias. A publicidade que estimula a fluidez das

mercadorias consente (SEVERIANO, 2007, p. 102):

Uma verdadeira assimilação e diluição crescente do particular no universal com fins de adaptação heterônima do indivíduo à sociedade, ou seja, com o propósito de servir unicamente à racionalidade tecnológica da concentração econômica e administrativa do grande capital e não aos interesses das massas.

A falta de postura contestadora do homem atual diante da sociedade de

consumo é uma das características do homem unidimensional ainda presente na

segmentação pós-modernidade. Para isso, a publicidade consegue habilidosamente

deixar os indivíduos encantados, procurando-se nas mercadorias. Não se

reconhecendo como sujeito histórico, entrega-se às promessas imagéticas

propiciadas pelo avanço tecnológico. Entre tais responsáveis pela proliferação das

imagens antropomórficas, está a publicidade e seu poder de desmaterialização das

mercadorias que tratamos anteriormente. Ou seja, é feito crer pela publicidade que

até mesmo o princípio de democracia se resume na capacidade dos indivíduos em

escolher quais produtos levar para casa, já que, na sociedade de consumo existem

inúmeras opções. Dessa forma, o homem pós-moderno acredita estar diante de um

democrático sistema consolidado nas escolhas mercadológicas. Sustentando tal

crítica ao sistema capitalista, Severiano (2007, p. 108) descreve sobre a publicidade

e sua lógica de encantamento:

No caso da publicidade as imagens dos produtos hiper-reificados são elevados à condição de verdadeira realidade, já sem nenhuma ruptura entre realidade e ficção. É o culto do fato como representação imediata da realidade sem mais nenhum espaço para a reflexão ou mesmo divagação.

O simulacro pós-moderno longe da liberdade do indivíduo e do princípio da

realização humana, transformou o homem atual em perseguidor do sucesso e do

personalismo. Cada homem acredita que nasceu predestinado ao sucesso e busca

de todas as formas atingi-lo, e para isto, deve apenas usar sua “liberdade de

escolha” tão demonstrada pela publicidade. O capitalismo não pode negar as

abstrações dos indivíduos, então, tudo pode ser alcançado e todos podem ser o que

quiserem através do consumo; é necessário apenas encontrar um conceito

publicitário que esteja dentro de cada necessidade individual.

A simulação atual dos fatos também tenta dar autonomia produtiva e subjetiva

ao objeto. Tal processo consiste em transferir a potencialidade humana às

38

mercadorias, que recebem encantamento através da publicidade, adestrando o

homem contemporâneo aos formatos fantasmagóricos, onde, ele não se encontra

como produtor material das mercadorias nas apresentações sociais das mesmas,

nem tampouco, percebe as falsidades dos atributos em suas promessas veiculadas.

O capitalismo tenta dar autonomia produtiva e subjetiva aos objetos, e dessa

maneira, também faz verdadeira a crença de que o homem alcança aquilo que seu

pensamento pode criar. O que em essência não corresponde à razão crítica

discutida anteriormente nesse trabalho. Pois, o pensamento usado criticamente tem

a função interpretativa de ir às causas, entretanto, quando seu sentido original é

negado ele cria um homem acrítico característica do homem pós-moderno, e nada

além disso, já que, o pensamento não pode se transformar em realidade. Para

Severiano (2007, p. 113) essa idiossincrasia do homem pós-moderno significa:

O triunfo da racionalidade subjetiva travestida de ‘objetividade’ para melhor subordinar a razão ao que existe imediatamente, e assim alienar os homens não só dos objetos, mas dos outros homens e de si mesmos.

A publicidade fez grandes contribuições para que o pensamento alienado do

homem atual se sobreponha em relação à objetividade, ou melhor, que o próprio

processo crítico humano seja abandonado pelas promessas ou posicionamento

identitário do produto veiculado, disfarçado de independente do trabalho humano.

Sobre a publicidade como estimuladora das crenças subjetivas, Severiano (2007, p.

113) escreve que ela:

Simula a liberdade dos desejos, na medida em que o objeto apresentado é constituído aos moldes de uma tal projetiva onde todos os sonhos parecem se concretizar. É o primado absoluto do objeto sobre o sujeito, o qual decreta a “morte do sujeito”, apelando paradoxalmente para seu imaginário.

Logo, a crença nos objetos mercadológicos e o pensamento onipotente do

homem pós-moderno, desvinculado da função crítica interpretativa do mundo

favorecem o engodo capitalista e sua proliferação lógica de consumo, que tem como

código principal e mantenedor de tais características, o fetiche, regulador das

relações sociais. Este, que inverte as localizações onde o sujeito passa a ser a

mercadoria e o homem alienadamente se contenta na posição de objeto. No final

deste processo, a potencialidade do homem atual só é atingida em sua plenitude

pela posse do objeto encantado pela publicidade. Preocupando-se com este tema,

Severiano (2007, p. 116) aponta a direção que leva o homem à emancipação diante

39

do antagonismo no qual está inserido: “a emancipação do homem implica a

eliminação do fetichismo do objeto”. Somente a eliminação do simulacro a qual as

mercadorias obedecem pode fazer o pensamento atingir a estrutura objetiva da

realidade. Fazendo o homem voltar a se interessar pelos assuntos sociopolíticos e

pensar suas atitudes. Isto representa diretamente o fim da lógica mercadológica

difundido pela publicidade que domina os desejos e escolhas do homem pós-

moderno.

3. O INDIVÍDUO PERSONALISTA EM COMBATE COM O CIDADÃO

Para analisarmos o perfil psicossocial próprio do homem pós-moderno é

importante uma concatenação do que foi apresentado neste trabalho com relação ao

conceito de individualização que desenvolveremos agora a partir de Bauman.

Segundo Bauman, a modernidade atual nos apresenta uma diferença

considerável em oposição aos primeiros tempos da era moderna. Pois, a

individualização contemporânea (pós-moderna) nos remete a uma acentuada

tendência pela individualização nunca antes vista.

A modernidade em seu início, trouxe para as relações sociais uma suave

individualização que ainda regulamentava os indivíduos em suas respectivas classes

sociais. Para ele a modernidade em seu início prendia seus indivíduos de uma forma

firme; para que isso acontecesse só dependia de uma adaptação por parte dos

indivíduos aos nichos existentes (BAUMAN, 2001). Entretanto, a “modernidade

dupla” ou “pós-modernidade” (como se refere Severiano), marca a individualização

onde não são estabelecidas condições de “reacomodação” e os lugares que podem

servir de alternativas para diminuírem a insegurança se mostram frágeis e

desaparecem em uma alta velocidade antes que a reacomodação aconteça.

Podemos encontrar na discussão teórica de Bauman, que se refere à não

acomodação dos indivíduos inseridos na dupla modernidade, uma grande

aproximação com as tendências mercadológicas da pós-modernidade descritas por

Severiano. Pois, Severiano também fala da não acomodação dos indivíduos por

parte das promessas realizadas pelas tendências e que a cada nova aparição

através das iniciativas da publicidade e do marketing promete a completude ao

indivíduo, ao mesmo tempo que o esvazia (SEVERIANO, 2007). Tal questão anti-

crítica obriga os indivíduos a verem no “objeto fetiche” que será possuído como

40

única alternativa para se obter personalismo e realização. Nesta relação entre

homem e objeto fetiche, sendo o objeto mais autêntico que o homem, Bauman

expõe diferenças indispensáveis entre a modernidade e a segunda modernidade.

Essas diferenças são importantes para discutirmos com propriedade a

individualização contemporânea.

É neste ponto do nosso trabalho que nos aprofundaremos mais nos

pensamentos de Bauman para travarmos uma real extensão do perfil psicossocial

dos indivíduos que presenciaram duas fases da modernidade (modernidade e

segunda modernidade). Assim, utilizando Severiano e construindo uma ponte com

os apontamentos teóricos de Bauman, poderemos com uma precisão maior

entender o perfil dos indivíduos inseridos na pós-modernidade ou segunda

modernidade regulados pela sociedade capitalista.

3.1 A MODERNIDADE E SEUS PERÍODOS

O primeiro período da modernidade era marcado pela lentidão e dureza das

tendências que timidamente se apresentavam; consequência dos valores que

permaneciam de uma forma consistente impedindo as bruscas mudanças dos

códigos que regulariam as relações sociais. Isto, segundo Bauman, acomodava e

protegia os indivíduos em sua classe social através de poucos esforços por parte do

homem regido pelos valores modernos. Este apontamento não é pertinente para o

homem da segunda modernidade que, pela diminuição do espaço em um curto

tempo, favorece a incalculável aparição de novos valores; inspirados nas tendências

que escondem a intenção de autorregulação sistêmica com promessas de

identidades ou diferenciações. Vejamos o que Bauman (2001, p. 42) nos esclarece

sobre a segunda modernidade em relação à desacomodação que este período

submete o homem:

Não são fornecidos ‘lugares’ para a ‘reacomodação’, e os lugares que podem ser postulados e perseguidos mostram-se frágeis e frequentemente desaparecem antes que o trabalho de ‘reacomodação’ seja completado.

Nesta necessidade crescente que o homem da segunda modernidade está

envolto, observa-se uma justificativa para a inquietude descrita em páginas

anteriores deste trabalho, pois, a não acomodação da dupla modernidade

41

desenvolvida por Bauman, liga-se logicamente à inquietude do homem pós-moderno

já descrito por Severiano. Sem estabelecermos dicotomias com o desenvolvimento

intelectual desses conceitos, percebemos uma vertiginosa individualização que a

segunda modernidade (ou a pós-modernidade) traz com todas as suas valorizações

à identidade que se diferencia das demais. A partir disso, desenvolveremos o

sentido de individualização para melhor compreendermos a atualidade das

individualizações subjetivas que o próprio Bauman nos apresenta.

A individualização contemporânea é o momento do isolamento e da falta do

enfrentamento dos problemas sociais pelas vias coletivas. Os indivíduos se

distanciam politicamente e por mais próximos que estejam na jornada diária ao que

se refere aos seus problemas, mais separados estão pela incapacidade de se

relacionarem em busca de uma fuga aos antagonismos que os consomem

(BAUMAN, 2001). Sobre a separação dos indivíduos e o desinteresse pelo espaço

público para se travar uma possível luta emancipatória, Bauman (2001, p. 44)

explica diretamente: “as aflições comuns dos “indivíduos por fatalidade” nos dias de

hoje são não-aditivas, não podem ser “somadas” a uma “causa comum”. Podem ser

postas lado a lado, mas não se fundirão.” Da maneira descrita por Bauman, reduz-se

a ação conjunta para valores estritamente individuais. A segunda modernidade

descrê nas instâncias política e jurídica, impedido uma possível luta entre impulsos

individualistas e valores coletivos. A falta de interesse pelo coletivo transforma as

atitudes dos indivíduos em isoladas ações que para sua pseudoautonomia recorre à

busca egoica de satisfação: “Navega para longe da rua e do mercado, das

assembleias e dos parlamentos, dos governos locais e nacionais.” (BAUMAN, 2001,

p. 50).

Com o que descrevemos, podemos perceber uma forma ilusória que proíbe a

ação coletivizada para o interesse comum. Vejamos como se dá tal negação

coletiva na segunda modernidade (BAUMAN, 2001, p.45):

O que aprendemos antes de mais nada da companhia de outros é que o único auxílio que ela pode prestar é como sobreviver em nossa solidão irremível, e que a vida de todo mundo é cheia de riscos que devem ser enfrentados solitariamente.

Logo, se torna propagação realizada pela dupla modernidade dos indivíduos

que baseiam seus códigos na publicidade pela busca identitária.

42

A individualização restabelecida transforma o isolamento em alternativa para

se conseguir identidade autônoma. Nesta bifurcação, se acentua a divisão entre

interesses coletivos e interesses privados que na contemporaneidade são mais

presentes nas vidas dos indivíduos. Desta forma individualista de interpretar o

mundo, o indivíduo assume uma responsabilidade isolada pelos resultados que

posteriormente vier a adquirir. Pois a realidade atual ao tornar expressivamente os

interesses próprios acima das necessidades do bem-estar coletivo, esconde a

simulação que a sistematização de consumo propaga.

Um dos grandes estimuladores da individualização das pessoas que fazem

parte da sociedade da dupla modernidade são, segundo Severiano, as mercadorias

e suas significações com características humanas, que mediante a publicidade cria

sempre novos estilos de vida encantando o ser humano pela busca de uma

identidade ideal que lhe proporcione uma diferenciação social pelo status adquirido

devido às mercadorias possuídas. Para Bauman, a segunda modernidade

fragmentou os laços humanos que preservavam a lentidão das relações modernas,

tornou os indivíduos desinteressados pelo campo político e os organizou

subjetivamente em simplórios compartilhadores de intimidades. O desinteresse aos

problemas sociais trouxe a insegurança para as relações regidas pela segunda

modernidade, deixando ser papel da incessante inovação a sensação de segurança.

Ao mesmo tempo que a sociedade faz promessas de segurança com os dispositivos

de inovação, trata com engodo os reais desenvolvimentos que se desencadeiam

com as mercadorias possuídas; toda a sua estratagema é escondida na simulação

sistemática de consumo que em ciclo permanente alimenta apenas a fluidez das

mercadorias que devem sempre ser inovadas com suas promessas de

personalismo. Em Bauman (2004, p. 28) podemos verificar com maior nitidez este

ponto em discussão:

(...) As mercadorias podem ser trocadas por outras, as quais se espera que agradem mais mesmo que não haja um serviço de atendimento ao cliente e que a transação não inclua a garantia de devolução do dinheiro. Mas, ainda que cumpram o que delas se espera, não se imagina que permaneçam em uso por muito tempo. Afinal automóveis, computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom estado e em condições de funcionamento satisfatórias são considerados, sem remorso, como um monte de lixo no instante em que “novas e aperfeiçoadas versões” aparecem nas lojas e se tornam o assunto do momento.

A tecnologia de que dispõe o homem atual deixa encoberto as verdadeiras

dimensões sistemáticas das mercadorias, que em um espaço de tempo cada vez

43

menor passam por novas versões e tornam-se objetos de desejos dos seres

humanos; estes na busca solitária e competitiva pelas suas identidades tornam-se

individualistas que tentam potencialização através de um produto exclusivo que em

essência não pode oferecer atributos estritamente humanos. Isto Severiano declara

ser uma forma que a lógica capitalista encontrou para atender a sua permanente

estruturação por meio do consumo; este, que utiliza da própria tecnologia disponível

para conseguir diversos segmentos que se diferem apenas pelo ano de fabricação

promovidos, supervalorizados pela publicidade (Severiano 2002).

Para Bauman, (2001, p. 40)

Resumidamente, a individualização consiste em transformar a ‘identidade’ humana em um ‘dado’ em uma ‘tarefa’ e encarregar os atores da responsabilidade de realizar essa tarefa e das conseqüências (assim como dos efeitos colaterais) de sua realização.

A tarefa que cada indivíduo deve realizar é deixar permanecer as mercadorias

como única fonte para se obter identidade social. Em uma sociedade regulada por

objetos propagados pela publicidade, as grandes marcas controladoras dos desejos

humanos, se mostram como único meio para se conseguir identidade. Mas, o que

acontece é a perda da essência humana que se reduz a um simples dado

mercadológico.

Estes indícios que se caracterizam como fator psicossocial dominante da

sociedade atual segundo as análises de Bauman, tornam aqueles que compartilham

os mesmos códigos sociais desvinculados dos interesses coletivos.

Para Bauman, esta individualização da segunda modernidade fragmenta os

laços humanos e os transforma em relações superficiais. Desta forma, as relações

humanas passaram a ser uma conexão devido à facilidade em que os indivíduos se

desvinculam uns em relação aos outros; tão simples quanto apertar o botão “delete”

encontrado no teclado do computador. Logo, esta idiossincrasia do homem da dupla

modernidade se expressa no isolamento, no medo dos laços humanos. Isto para

significa individualismo, onde, os indivíduos demonstram uma vertiginosa

necessidade de fazer parte da rede e cada vez menos em solidificar ou levar

consistência e durabilidade para as relações sociais. De acordo com Bauman, a

realidade contemporânea se resume numa complexa liquidez de valores, crenças e

verdades. Todas têm uma duração reduzida na sociedade regulada pelo

individualismo. Cada indivíduo constrói do presente uma ponte inquieta para o

44

amanhã; todas as promessas de completude da realidade atual só podem ser

alcançadas no futuro, isto, regula as subjetividades da dupla modernidade para uma

destruição permanente do presente. Este movimento do desenvolvimento do real é a

busca frenética do homem da dupla modernidade pela nunca atingida acomodação

pelo meio de consumo.

A essência da dupla modernidade é a reconstrução dos conceitos mais

presentes na história humana. O sentido de bem-estar se resume a uma satisfação

individualizada, os valores se recriam em uma velocidade líquida que se adéquam e

ganham formas conforme os diferentes recipientes que são moldados em

conformidade com os segmentos encontrados na sistematização econômica

dominante. As relações sociais se modificam rumo a um desinteresse aos

antagonismos sociais, a busca pela diferenciação retrai a intervenção coletiva;

formam-se nesta sociedade sentimentos egoicos e indivíduos que se concentram

apenas no inquieto desejo de adquirir um personalismo que o levem a um

brilhantismo autônomo. Por conseguinte, estas características são originadas no

período que se inicia a dupla modernidade em oposição aos sólidos valores

modernos. (BAUMAN, 2001).

A partir das considerações de Bauman sobre a busca por personalismo na

dupla modernidade, percebemos que estamos interligados com as análises de

Severiano, pois, para ela, o capitalismo em seu estado de consumo exacerbado,

oferece em sua comunicação o discurso personalista, ou seja, dá uma

pseudossensação de liberdade mediante os diferentes segmentos de mercado (todo

este tema tratado no parágrafo anterior, segundo Bauman). Ao realizar tal simulacro,

confunde o verdadeiro conceito de democracia através das diversas liberdades de

escolha graças às infinitas mercadorias disponíveis no mercado. Logo, o individuo

encantado com tamanhas alternativas ou estilos de vida oferecidos pela sociedade

de consumo acredita ser a realidade atual a maior liberdade alcançada pelo homem,

não entendendo o processo de individualização em que está envolvido (Severiano

2007). Desta maneira, os indivíduos se distanciam das intervenções públicas e a

liberdade de escolha capitalista esconde a bifurcação que ela mesma cria em defesa

da separação do cidadão do indivíduo em seu desinteresse ao espaço público.

Bauman construindo sua análise dentro do cenário da dupla modernidade trata a

descrença nas instituições políticas e jurídicas pelo homem da dupla modernidade

como uma predominância do individualismo nas relações sociais. Para ele, os

45

códigos padronizados e estabelecidos pela dupla modernidade influenciam o homem

contemporâneo a confundir o espaço público com os desejos de características

privadas. Além das consequências serem colocadas no campo da culpabilidade

exclusiva do indivíduo (como anteriormente tratamos neste trabalho), as alternativas

também se cristalizam nas superficiais atitudes do homem contemporâneo

(BAUMAN, 2001, p. 48). Vejamos:

Nosso tempo é propício aos bodes expiatórios — sejam eles políticos que fazem de suas vidas privadas uma confusão, criminosos que se esgueiram nas ruas e nos bairros perigosos ou ‘estrangeiros entre nós’. O nosso é um tempo de cadeados, cercas de arame farpado, ronda dos bairros e vigilantes.

3.2 A POLÍTICA

Dentro deste contexto, a realidade para Bauman se resume em uma fuga que

se estrutura para fora do campo coletivo. As subjetividades contemporâneas

ignoram a política com “p” maiúsculo, única forma de se contrapor aos ditames

regidos pela sociedade individualizante. Pois, a política perdeu a sua dinamização

de interesse social de fins emancipatórios. O que vemos hoje em dia são os desejos

privados que se sobrepõem à esfera pública; a situação da política preocupa, pois,

funciona apenas como ferramenta de interesse individual e a publicidade

contemporaneamente aponta caminhos que substituam o interesse do indivíduo

pelas instâncias políticas. Da maneira que se apresenta a política atual,

concomitantemente perdemos a verdadeira utilidade do campo político; nesse caso,

a liderança que deveria seguir no rumo da socialização do bem-estar é sucumbida

pela intenção declarada de seus dirigentes em satisfazer apenas os seus

individualizados desejos. Temos neste cenário, a instância política expressada por

um “p” minúsculo que impede a separação entre espaço público e privado. Reflexo

de um bombardeamento publicitário que estimula apenas vantagens de interesse

próprio.

Este relato é visível como nunca antes a sociedade presenciou. Logo, é

importante discutir a dupla modernidade e sua incapacidade de separar o público do

privado; vejamos como tal realidade se dá (BAUMAM, 2001, p. 49):

46

Não é mais verdade que o ‘público’ tente colonizar o ‘privado’. O que se dá é o contrário: é o privado que coloniza o espaço público, espremendo e expulsando o que quer que não possa ser expresso inteiramente, sem deixar resíduos, no vernáculo dos cuidados, angústias e iniciativas privadas.

Estas indicativas comprovam a incapacidade da esfera pública em

representar os interesses coletivos, pois, a solidão predominantemente no momento

de decisão e a sensação de insegurança (após a alternativa tomada pelo indivíduo)

se limitam exclusivamente às satisfações individuais, suprimindo o campo público

aos caprichos egoicos de consumo. Fica evidente, após estas posições teóricas, que

a sociedade regida pelos códigos sociais da dupla modernidade desconhece o

conceito de cidadania; onde, nenhuma decisão é mais voltada ao bem-estar coletivo.

As necessidades individualizantes do homem inserido na dupla modernidade

estabelece uma busca exacerbada pela identidade particular buscada

permanentemente no consumo de uma nova mercadoria. A cada novo consumo, a

sensação psicologicamente se altera, promovendo uma falsa sensação de

originalidade para o indivíduo, induzindo-o a acreditar que o acompanhamento das

tendências soluciona as angústias propiciadas pela fragmentação social (BAUMAN,

2004, p. 68). Por conseguinte:

Pobres daqueles que, em razão da escassez de recursos, são condenados a continuar usando bens que não mais contém a promessa de sensações novas e inéditas. Pobres daqueles que, pela mesma razão, permanecem presos a um único bem em vez de flanar entre um sortimento amplo e inesgotável.

Podemos compreender as reais motivações psicológicas dos indivíduos que

socializados pelo encanto das mercadorias e suas promessas identitárias não

avistam interesse para além da lógica apontado pela cultura de consumo

(desenvolvida à luz das descrições de Severiano no primeiro capítulo). Tal cultura

dominante e seus estilos de vida disponíveis nas vitrines compõem as

características almejadas por toda a sociedade contemporânea. Logo, se quisermos

entender o perfil psicossocial destes indivíduos, devemos partir da premissa que

Bauman nos apresenta como fundamental em sua discussão teórica por nós

utilizada: o individualismo do homem inserido na dupla modernidade e sua busca por

segmentos identitários, as relações sociais e sua regulação mediante os códigos das

mercadorias (valor de troca, como tratamos anteriormente) e o desinteresse dos

indivíduos aos problemas de determinação política.

47

São variadas as descrições que enquadram o perfil psicossocial do homem

apresentado por Severiano e descrito por Bauman. Ambos utilizam conceitos para

denominar a sociedade que se inicia a partir da década de 1980. Entretanto,

essencialmente os conceitos aqui por nós utilizados se cruzam e se interpenetram,

ao mesmo tempo, que nos dão uma possibilidade de uma síntese verdadeira ou

contextualizada. Em Severiano adquirimos precisas descrições psicológicas do

homem pós-moderno e seu desinteresse pelas instâncias políticas e jurídicas, sua

busca antropofágica por identidade, reflexo do individualismo que pairou sobre as

vidas reguladas pela super-potencializarão dos desejos egóicos. Logo, é

complementar encaixarmos e desenvolvermos neste ponto do nosso trabalho um

pouco o conceito de individualização; conceito este, que longe de praticar

anacronismo faz uma leitura histórica da atualidade que Bauman trata como dupla

modernidade em sua pesquisa.

3.3 O INDIVÍDUO E A PUBLICIDADE

Nesta tentativa, discutiremos os dois conceitos (pós-modernidade e dupla

modernidade) para um acréscimo considerável em nosso escrito já que, temos a

finalidade de entender a razão dos comportamentos sociais de nossa época.

Bauman ressalta neste cenário historicamente situado na dupla modernidade,

a incapacidade que os indivíduos apresentam em relação aos interesses coletivos;

ele deixa claro que a existência de alguns pontos permite a realização deste

individualismo contemporâneo. Pontos estes, a idêntica individualização dos

desejos, onde a formação do tecido social se limita à preocupação que cada

indivíduo carrega pela frenética busca por sua satisfação hiperindividualizada; e

também, como estimulador da individualização idissiocrássica do homem atual é

encontrado à falsa percepção de mundo disseminada no meio social através da

publicidade.

Esta forma de ordenação subjetiva que a publicidade promove muito nos

interessa, por isso, é relevante desenvolvermos um pouco mais esta discussão

promovida por Bauman. Sabemos conforme já descrevemos em páginas anteriores

deste trabalho que a publicidade tem uma grande contribuição para que o

individualismo resista em detrimento da racionalização dos fatos. Por conseguinte, é

importante demarcarmos como isto acontece. Vejamos os esclarecimentos que

48

Bauman (2004, p. 69) nos apresenta: “A peça publicitária substitui o todo pela parte”.

Aqui o autor descreve que este suporte comunicacional sistêmico impossibilita a

verdadeira essência intangível das mercadorias. Dessa maneira, sem nenhum

comprometimento, as mercadorias são lançadas e a cada nova tendência aparecem

como solução para o que vinha assombrando cada indivíduo em sua busca por

personalismo. Bauman queixa-se da dupla modernidade e diz que as possíveis

fantasias que são afirmadas só tornam-se crenças pela vertiginosa diminuição da

capacidade humana em racionalizar os slogans que tocam os pontos sensíveis de

cada pessoa (BAUMAN, 2004). Dessa maneira, a segmentação atentada pela

publicidade ganha capacidade e faz surgir uma falsa liberdade, ou seja, os múltiplos

poderes de escolhas regidas pelas formas sistêmicas representam falsificadamente

a realidade afastando o homem público de tarefas de caráter coletivo. Logo,

começamos encontrar em Baumam uma indicação quando este descreve a

responsabilidade que a publicidade exerce no campo dos desejos humanos.

Percebemos uma forte influência que a publicidade exerce, ao ponto de afastar a

criticidade humana em relação às aparições espetaculares do sistema capitalista.

Logo, quando se diminui intensamente a responsabilidade dos indivíduos sobre as

satisfações do bem-estar coletivo, se abre uma fenda separando o conceito de

cidadania e individualismo.

Por conseguinte, é necessário neste trabalho desenvolvermos as diferenças

mais significativas dos dois conceitos apresentados por Bauman e utilizando o que

já adquirimos em páginas passadas neste trabalho sobre as indicativas de

Severiano, relembraremos o que a autora adota em sua tese de doutorado, onde

parte da premissa que a importância que outrora um ser humano exercia na busca

pela satisfação do todo se encontra cada vez mais enfraquecida e ofuscada pela

supervalorização das necessidades individuais regidas pelas mercadorias e suas

significativas marcas. Tal descrição inserida na pós-modernidade compreende a

divinização das mercadorias tornando quem as possui em credores do idealismo

puro, despercebendo o desenvolvimento das habilidades e talentos através das

mediatizações das experiências vividas por cada sujeito histórico.

Ignorando estas realidades básicas materiais, a dupla modernidade aglutina a

realidade em imediatas forças conquistadas pelo consumo. Bauman (2001, p.4)

analisando para melhor entendermos e para uma possível emancipação, fala sobre

este perfil psicológico nunca antes presenciada pela sociedade humana:

49

A individualização chegou para ficar; toda elaboração sobre os meios de enfrentar seu impacto sobre o modo como levamos nossas vidas deve partir do reconhecimento desse fato.

Junto com a individualização Baumam nos apresenta a diferença conceitual

de cidadão e indivíduo. Em seus livros ele é categórico nas posições construtivas

desses conceitos que trataremos com mais exclusividade neste momento de nosso

trabalho. Observemos (BAUMAN, 2001, p. 45):

O cidadão é uma pessoa que tende a buscar seu próprio bem-estar através do bem-estar da cidade- enquanto o indivíduo tende a ser o morno, cético ou prudente em relação à ‘causa comum’, ao ‘bem comum’, à ‘boa sociedade’ ou à ‘sociedade justa’.

Bauman (2001, p. 45) agora menciona diretamente Tocqueville e mostra o

que o pensador francês percebe em comparação aos dois conceitos: “o indivíduo é

o pior inimigo do cidadão”.

3.4 O ESTADO EM UMA SOCIEDADE QUE A PUBLICIDADE EXERCE UM

GRANDE PODER

É importante que entendamos a perda do espaço do homem que tratava com

diligência os valores de proteção do bem-estar comum e o surgimento dos homens

que representam apenas seus desejos individuais e individualizantes na sociedade

contemporânea. O Estado representa fielmente, segundo Bauman (2001, p.58) o

reflexo dessa dinamização histórica onde as práticas de cidadanias dão espaço aos

interesses egóicos. “O Estado não mais promete ou deseja agir como

plenipotenciário da razão e mestre de obras da sociedade racional”. Ao contrário do

que existia em tempos de valores duros, a dupla modernidade trouxe uma

capacidade autogeradora de valores efêmeros, líquidos, ao mesmo tempo em que

diminuiu a intervenção da esfera estatal em relação à vida privada. O que houve

para foi uma diminuição da presença do Estado na vida dos indivíduos, isto, pelo

distanciamento que os mesmos efetivaram com a chegada da dupla modernidade.

Podemos dizer, segundo Severiano que o Estado perdeu com a chegada da dupla

modernidade sua capacidade de liderar, ficando tal ato para os produtos que a

publicidade oferece aos indivíduos (SEVERIANO, 2007). Logo, é pertinente a

50

declaração de Bauman (2001, p. 38) sobre a crise que a sociedade enfrenta

mediante o enfraquecimento do poder do Estado: “não mais grandes líderes para lhe

dizer o que fazer e para aliviá-lo da responsabilidade pela consequência de seus

atos; no mundo dos indivíduos há apenas indivíduos.” Ao mesmo tempo que a figura

de liderança do Estado se desfacela e sua influência em relação aos indivíduos

diminui, aumenta-se o medo, os transtornos sociais e as angústias que cada

indivíduo carrega como consequência de seu próprio desinteresse pelo campo

político. Estes pontos declaram a ineficiência do indivíduo em resolver os próprios

antagonismos que a dupla modernidade os oferece; evitando assim a emancipação

social que neste caso está diretamente ligada com a atenção ao bem-estar social.

Logo, o que se apresenta mais atraente que uma construção comunitária

segura são as novidades que as mercadorias levam escondidas em suas

trivialidades através da publicidade, ou seja, novas sensações que prometem o

saciamento das angústias e medos ocasionados pela insegurança que o próprio

fluxo do novo traz guardado em si.

Para Bauman, o Estado não é mais aquela instituição que a sociedade gostaria

de participar para alcançar a liberdade outrora guiada por métodos ou teorias duras

que trouxesse a felicidade de todos. O Estado não mais oferece atratividade no

campo social. Em tempos atrás, o Estado despertava o interesse dos indivíduos por

limitar os desejos da sociedade com declarados regimes ditatoriais que

forçosamente davam uma abertura para a ação coletiva que buscava a superação

de tais práticas governamentistas. Desta maneira, com a liberdade ameaçada, fazia

surgir uma postura coletiva interessada na arena política como promessa inicial de

reconquistar a liberdade tomada pelas práticas autoritárias. Tal proposição hoje não

tem validade pela falsa representação da democracia, que confundida com a

liberdade de consumo, conhece os desejos particulares e transforma as ofertas

mercadológicas em liberdades adquiridas pelo fundamento de consumo. Assim, sem

mais a necessidade da busca pela liberdade suprimida pelo Estado, a coletividade

torna-se desinteressante e sem sentido para os indivíduos, ao mesmo tempo em

que a figura do Estado ganha pouca importância na lista de prioridades na teia

social.

Tal realidade descrita advém de maneira relevante do desenvolvimento

tecnológico, que segundo Severiano, aumentou a produção de bens duráveis e

instaurou como vimos, uma nova fase da sociedade capitalista, a cultura de

51

consumo que proporcionou o estímulo ao desinteresse pelo campo político que ao

mesmo tempo, que produz novas embalagens, produtos e atende novos desejos,

intensifica a falsa sensação de existência livre. Portanto, Severiano já nos declara

que a necessidade de afirmativa personalista que a publicidade expõe significa uma

perda de autonomia humana, por mais que seu conceito publicitário tente provar

abstratamente o contrário. Em relação à perda da importância social do Estado em

Severiano, é o mesmo que dizer que as infinidades de produtos que a sociedade

submersa pela cultura de consumo passou a oferecer no mercado, transformou o

Estado em uma ferramenta desnecessária ou descontextualizada (SEVERIANO,

2007).

Neste cenário que descrevemos, onde o Estado sofre defasagem e os

indivíduos não encontram afinidades em sua finalidade política, resta aos inseridos

na sociedade de consumo agir em busca de identidades reguladas pelas forças

sistêmicas da publicidade. Anteriormente, os cidadãos tinham grande interesse e

estavam preocupados com o bem-estar coletivo, situação esta que não representa

mais a realidade atual dos indivíduos para Bauman. No entanto, ele ao demonstrar

as procedências de cidadania dos seres humanos com a chegada da dupla

modernidade não encerra a capacidade dinâmica dos indivíduos em resolver os

problemas que se apresentam na contemporaneidade; Bauman (2001, p. 62) é

resiliente e com otimismo fala da emancipação social ou linha de fuga que o

indivíduo pode construir em detrimento dos valores egoicos; “a guerra pela

emancipação não acabou.”

Para isso, é necessário um entendimento, o quanto antes, sobre as limitações

que a perda do pensamento reflexivo ou crítico da contemporaneidade ocasionou às

relações sociais. Isto é, serialização de subjetividades construídas pelos fetiches

mercadológicos que cada mercadoria carrega exacerbadamente grudadas em si,

possível graças à publicidade e à sua capacidade fantasmagórica de transmutar a

materialidade da mercadoria através dos conceitos que se desencadeiam nos estilos

de vida. Ou seja, é necessário para uma superação, o entendimento crucial da

lógica sistêmica (onde os desejos humanos se realizam pela abstração da

mercadoria ao mesmo tempo, que desprezam a verdade prática que a mercadoria

tem em sua essência). Por conseguinte, criar soluções que otimistamente nosso

autor acredita ser ponto de emancipação, Severiano representa analisar as múltiplas

determinações da mercadoria ou mesmo, entender que uma mercadoria por mais

52

que seja provinda do alto grau de desenvolvimento tecnológico humano, não estará

apta objetivamente a consolidar aos indivíduos valores estritamente humanos, pois

tais valores não podem ser transferidos para objetos que apenas existem pela

criatividade e capacidade humana (SEVERIANO, 2007).

Logo, toda essa descrição espera um engajamento coletivo das intervenções

humanas. As tarefas para Bauman devem ultrapassar os sentidos das identidades

buscadas através do consumo e o enfrentamento deve ser travado através do

campo prático, sem as crenças dos objetos fetiches e suas promessas publicitárias

triviais de diferenciação ou estilo de vida. O esclarecimento deve ser descoberto

pelos indivíduos, e a realidade para não pode transferir mais autenticidade para as

fantasmagorias que a publicidade propaga. A conscientização de todos esses

passos reivindica naturalmente a restauração da esfera pública. Descreve Bauman

(2001, p. 62): “A verdadeira libertação requer hoje mais, e não menos, da “esfera

pública” e do “poder público.”

Não obstante, se quisermos recuperar o conceito de cidadania, as

necessidades privadas devem ser canalizadas urgentemente para as práticas de

interesses coletivos, visando a um estabelecimento das ações de impacto comum

para uma constituição da esfera social durável, longe da liquefação dos valores da

segunda modernidade. Quando a durabilidade dos valores emancipatórios

começarem a integrar a realidade objetiva, haverá enfraquecimento da busca por

identidade através das mercadorias, subtende-se que as tendências sistêmicas

influenciarão diminutamente os desejos coletivos (SEVERIANO, 2007).

Para Severiano, a publicidade e a mercadoria tão onipotentes na pós-

modernidade é o que mais torna possível a individualização que impede a sociedade

de consumo perceber a insignificância das promessas mercadológicas. Realizando-

se na prática social o conceito de cidadania apontado por Bauman, logo, dar-se-á

início aos princípios de um restabelecimento do elo coletivo; momento este, que os

indivíduos não mais se deixarão ser levados pela inquietude da pós-modernidade ou

segunda modernidade e sua dinâmica necessidade de forçar os indivíduos a se

deslocarem de suas incômodas posições atuais. No entanto, haverá um

compartilhamento dos indivíduos por questões de caráter coletivo com finalidade na

construção duradoura do bem-estar comum onde, as instâncias jurídicas e políticas

serão relembradas como esferas importantes para a emancipação humana

(SEVERIANO, 2007).

53

Com a subordinação do pensamento em relação à realidade, o pensamento

afirmativo dá espaço ao pensamento crítico, este que servirá como parâmetro de

análise da realidade evitando que o indivíduo tome decisões mediante os estímulos

das falsas sensações de liberdade que a publicidade manipula tão bem. Logo, a

emancipação só se tornará uma alternativa possível quando o bem-estar coletivo

puder servir como busca sólida da sociedade, esta que deve estabelecer identidade

dos seus indivíduos pelas habilidades adquiridas pela intervenção no campo político

e jurídico. Dessa forma, os valores subordinados ao campo privado das mercadorias

serão interpelados pelo sentimento de intervenção coletiva, já que: “o trabalho do

pensamento crítico é trazer à luz os muitos obstáculos que se amontoam no

caminho da emancipação.” (BAUMAN, 2001, p. 62). Por conseguinte, pelo que nos

aponta Bauman na segunda modernidade e Severiano na pós-modernidade, o valor

egoico se cristaliza em desinteresse pelo campo coletivo ou podemos dizer,

satisfação restrita, característica do perfil psicossocial do homem contemporâneo

que representa grandes obstáculos se não o principal na busca pela emancipação

organizada.

Criar uma alternativa concreta que estabeleça a emancipação do homem da

segunda modernidade significa ir além da indefinida lógica sistêmica de consumo

que manipula desejos. O autor verifica que os valores da sociedade atual

necessitam de uma teorização que esteja concatenada com o contexto atual. Pois,

Bauman (2001, p. 59) já deixa em ressalva a insuficiência de algumas teorias

críticas:

Muitos insistem em travar velhas batalhas em que ganham competência e preferem isso à uma mudança do campo de batalha familiar e confiável para um novo território ainda não inteiramente explorado, de muitas maneiras uma terra incógnita.

Bauman ao descrever tais procedimentos insuficientes que haviam sendo

adotados, não torna inviável o sentido de emancipação, ao contrário, dialoga em

seus textos com novos caminhos que construídos em um contexto histórico atual

podem buscar a autonomia dos indivíduos. Na concepção de Bauman existiram

sistematizações teóricas que prevalecem até hoje, ou seja, prometendo priorizar

promessas que se desencadeiam na emancipação. No entanto, tornaram-se

obsoletas, ou melhor, não suportaram ser trazidas ao campo real dominado pelas

tendências capitalistas de consumo que se desencadeiam promovendo a sensação

54

de liberdade para todos os indivíduos através dos infinitos segmentos que as

mercadorias prometem atender. Logo, uma teoria pertinente no sentido de ir ao

cerne do problema contemporâneo deve pôr em discussão a liberdade negativa e a

liberdade positiva. Estas diferenças de liberdades que tanto atormentam Bauman

são para ele, fator determinante na aceitação sistêmica ou refutação ao que se

refere à lógica de consumo recorridas pelo homem atual. Por isso, para que tão bem

possamos desvendar o caminho apontado por ele como sendo o mais propício para

a emancipação é que neste momento nosso trabalho se propõe a discorrer sobre os

princípios fundamentais de liberdade negativa e liberdade positiva.

3.5 A LIBERDADE NEGATIVA E A LIBERDADE POSITIVA

Para Bauman, a liberdade presente na vida social da segunda modernidade

se distingue conceitualmente de duas formas. Vejamos: a negativa representa uma

crença abstrata da liberdade imposta e ausente, como é o caso da liberdade

discutida neste trabalho advinda das múltiplas escolhas que os segmentos

capitalistas tornam disponíveis no mercado. Neste caso, para Severiano, seria

correto dizer que são as mercadorias e suas promessas de estilos de vida

(SEVERIANO, 2007). Já a liberdade positiva, significa a genuína liberdade que

coloca relevantemente como questão prioritária o ser humano. Para Bauman, a

única alternativa para uma construção futura só poderá surgir pela racionalização da

realidade que nos cerca, tendo como consequência a ampliação do interesse dos

cidadãos em relação à esfera política e jurídica. Isto, já para Bauman significa tornar

concretos os princípios de liberdade positiva que culminará na emancipação social.

Dessa forma, a realidade e as crenças abstratas são desmistificadas pela

autoafirmação do sujeito. Para o autor, o que torna possível através da prática da

liberdade de fato (liberdade positiva) é entender crucialmente o perfil psicossocial da

contemporaneidade, ou seja, racionalizar a realidade atual onde é preferida a

satisfação individual e a busca pela autonomia através do consumo, procedência

esta que promete atender a esteira da individualização.

O contexto atual que analisa o desinteresse social de compartilhamento

dos indivíduos em relação ao bem-estar comum, cria sistematizações teóricas que

descreem no interesse dos indivíduos em relação à agenda pública. Na situação

contemporânea, para Baumam é um equívoco intelectual acreditar em uma

55

restauração social da maneira que os indivíduos se relacionam, já que as

subjetividades que moldam o comportamento social para Bauman não demonstram

nenhum interesse que ponha em risco a sensação isolada da personalização.

Segundo Bauman (2001, p. 59): “há uma nova agenda pública de emancipação

ainda à espera de ser ocupada pela teoria crítica.” Sendo esta, uma teoria que saiba

apontar as características individuais da sociedade definhadora do bem-estar

comum. Baumam não acredita que a liberdade esteja em pauta nas discussões

cotidianas de cada indivíduo; ao contrário do que muitas teorias afirmam.

Marcuse, segundo Bauman, é um dos que se enquadram

equivocadamente em relação ao caminho apontado como perspectiva de

emancipação. Para ele existe uma falta de entendimento em relação aos

verdadeiros desejos que estão em pauta no cotidiano da sociedade atual. Nosso

autor afirma que Marcuse não representa teoricamente falando uma alternativa de

emancipação, pois Marcuse acredita que os indivíduos estão pré-dispostos a

sacrificar o que preciso for pela liberdade em contrapartida à lógica de consumo

massificado, e assim, ultrapassar os limites que a publicidade cria. Isto, não

corresponde com a realidade pós-moderna onde o conceito de cidadania perde-se

diante das individualidades construídas pelas influencias publicitárias. Bauman

(2001, p. 30) discorre sobre Marcuse para melhor esclarecer sua

descontextualizarão teórica:

O protesto de Marcuse e a nostalgia comunitária da comunidade perdida podem ser manifestações de valores mutuamente opostos, mas são igualmente anacrônicos. Nem o reenraizar dos desenraizados, nem o ‘despertar do povo’ para a tarefa não – realizada da libertação estão nas cartas. A perplexidade de Marcuse está ultrapassada, pois o ‘indivíduo’ já ganhou toda a liberdade com que poderia sonhar e que seria razoável esperar.

Esta citação por nós utilizada representa a sociedade atual, que delega à

publicidade todos os possíveis caminhos que devem ser percorridos para se chegar

na segurança social. Os mecanismos místicos da publicidade são aceitos por esses

sujeitos que se desconhecem como produtores da própria realidade, demonstram

um desespero psíquico e uma inquietude que não permitem o mínimo de

prolongamento das relações líquidas que têm sua duração programada para se

esvair. Recorrer aos sistemas fantasmagóricos (publicitários) é uma saída para os

indivíduos que devido a sua inquietude em busca de personalidade não têm tempo

suficiente para verificar os elementos sedutores da publicidade.

56

Logo, isto entra em conformidade com o que segundo Severiano dissera

a respeito do “objeto fetiche”, tal influência por ele causada isola a verdadeira

utilidade material das mercadorias, que dinamizadas pela publicidade passam a ser

vistas após receberem significados mercadológicos como características humanas a

ponto de influenciar seus observadores como dissemos em algumas linhas

anteriores, não pela sua funcionalidade ou necessidade humana que irá ser saciada,

mas pelo impulso incontrolável que ela consegue despertar no íntimo dos indivíduos.

O impulso é idiossincrásico da dupla modernidade para Bauman, pois

influencia os indivíduos na compra exacerbada de mercadorias que só existem

estritamente para a manutenção sistêmica. Por isso, Severiano traz ao campo atual

o conceito de Marcuse, pois os homens encontram-se unidimensionais e não

percebem conforme Baumam, estarem sendo levados para uma realidade cada vez

mais frágil e que depende exclusivamente da publicidade para encontrar-se capaz

de existir. (SEVERIANO, 2007)

Por conseguinte, segundo Severiano, a falsa representação do mundo é

possível através da publicidade que atende aos interesses sistêmicos e faz com que

o consumo torne-se uma alternativa de compensação para as angústias sociais

(SEVERIANO, 2007). Baumam, ao retratar as relações humanas e o consumo

fundamentado no “impulso” (responsável maior pela inquietude e dinamismo da

sociedade atual), ressalva ao mesmo tempo que, não existe nenhuma maneira de

ambos se estabilizarem por estarem inseridos nos valores líquidos da segunda

modernidade.

Pela valoração que Baumam atribui ao impulso e seus impactos

subjetivos nos indivíduos inseridos na segunda modernidade, é relevante

discutirmos este conceito em suas influências psicossociais da realidade atual.

Assim, para ele o impulso é a não mediatização do homem entre seus pensamentos

e a realidade objetiva que se apresenta; o seu início é uma transição sempre

indefinida e aberta a novos saciamentos de prazeres. É algo que não possibilita a

duração prolongada das mercadorias sob a posse dos indivíduos contemporâneos.

Neste sentido declara Bauman (2004, p. 27):

Render-se aos impulsos, ao contrário de seguir um desejo é algo que se sabe ser transitório, mantendo-se a esperança de que se não deixará consequências duradouras capazes de impedir novos momentos êxtase prazerosos.

57

Para Baumam o impulso se difere do desejo porque o desejo representa

um momento histórico ultrapassado, lento e marcado pelas verdades construídas

por produtos que apresentavam em seus anúncios publicitários a utilidade das

mercadorias; o que ele não presencia mais na sociedade dos valores líquidos, onde

os indivíduos desinteressados pelas utilidades das mercadorias se deixam levar pela

desmaterialização das mercadorias que a publicidade consegue tornar tão atraente.

No entanto, o impulso, sentimento que representa segundo nosso autor a

reencarnação social do desejo, condiz com a idiossincrasia veloz da segunda

modernidade (ou Pós-Modernidade para Fátima Severiano) que estimulada pela

publicidade se mostra inquieta. Já o desejo é demorado, porque precisa ser

cultivado, preparado e impõe que a sociedade busque um consumo não pelos

valores humanos expressados nos anúncios publicitários, mas pela utilidade e forma

do objeto. (BAUMAN, 2004).

Entretanto, a sociedade capitalista ultrapassou o capitalismo de produção e

chegou no capitalismo de consumo e precisava dar fluidez às mercadorias

produzidas em grande volume; isto tornou-se possível e permanece pela existência

de uma publicidade que transforma novos lançamentos em exclusividades baseadas

em detalhes subjetivos.

4 A PUBLICIDADE SOB UMA ANÁLISE CRÍTICA

Neste nosso último capítulo, buscaremos discutir a publicidade e suas

reais influências na formação subjetiva da pós-modernidade. Sabemos ser este o

momento crucial para chegarmos ao ponto central de nossa pesquisa. Ou seja,

mostrar os impactos da publicidade através de sua linguagem no comportamento

dos indivíduos que constroem universos onde o consumo de mercadorias é tido

como prioridade para a constituição de suas identidades.

Segundo Rolnik (1997), a globalização, que interliga o mundo em um só

conjunto territorial, tem a capacidade de compartilhar informações instantâneas. E

fazendo parte dessas informações estão as mercadorias que atendem a uma

tendência da moda global. Tais produtos que são colocados como essenciais pelos

58

meios de comunicação de massa, em especial pela publicidade, constroem kits de

perfil-padrão que descaracterizam os sujeitos e os colocam em uma padronização

que ignoram nacionalidade, religião ou cultura (ROLNIK, 1997). A publicidade requer

de seus receptores uma flexibilidade, onde não exista uma rigidez identitária. Cada

indivíduo deve estar preparado para lançar fora sua identidade que se torna obsoleta

desde que novos produtos sejam lançados no mercado de consumo. Isto leva-nos a

pensar que a identidade do homem pós-moderno é igualada à posse de

mercadorias, o indivíduo deixa de ser subjetivamente formado por suas próprias

experiências e passa a ser produzido em série por um conjunto de conceitos

publicitários que prometem a natureza ilimitada do ser humano. Ressalva Rolnik

(1997, p. 20): “Identidades locais fixas desaparecem para dar lugar a identidades

globalizadas flexíveis, que mudam ao sabor dos movimentos do mercado e com

igual velocidade.”

A cada nova publicidade produzida existe uma possível identidade

pronta pra ser entregue ao primeiro consumidor. A publicidade pode disponibilizar

diferentes identidades ao mesmo tempo para seus consumidores, a regra básica

para se obter diferentes estilos de vida se resume simplesmente no consumo. Seguir

o “novo” apresentado pela publicidade significa pulverizar identidades obsoletas que

estão com os dias contados. A publicidade, como dissemos anteriormente, segundo

Severiano serve para dar fluidez às mercadorias capitalistas, mantendo o sistema

capitalista estabilizado segundo as leis da oferta e da procura sempre encontrando

uma criativa ideia para associar um mundo fantasmagórico com a realidade objetiva.

Uma sempre nova aparição de produtos que prometem substituir o velho pelo novo

força as subjetividades contemporâneas a si configurarem pelas promessas de

sucesso, atitude e liberdade que a publicidade consegue tão bem esclarecer com

uma linguagem acessível sempre associando valores humanos à imagem da marca

ou ao produto.

Para Rolnik, a publicidade estimula uma sensação irreal como se fosse um

narcótico, age como uma espécie de prazer que necessita ser reposto sempre que

seus momentos de devaneio se esvaziam e mostram o desconforto da realidade que

contrasta com o mundo da possibilidade infinita dos comerciais. Este momento de

globalização, que molda personalidades à lógica de consumo, permite o

compartilhamento do sentimento de super potencialidade identitária para todo

indivíduo, estabelecido sob o eixo do consumo. De acordo com Rolnik (1997, p. 21):

59

“(...) um mercado variado de drogas sustenta e produz essa demanda de ilusões,

promovendo uma espécie de toxicomania generalizada.”

4.1 ANÁLISE CRÍTICA DA PUBLICIDADE MODERNA E A PÓS-MODERNA

Neste momento nos propomos a falar da publicidade, que para Rolnik,

como vimos, proporciona uma falsificação do real devido às suas promessas

identitárias. No entanto, devemos ter cuidado para não cometermos um erro ao

falarmos de identidade e publicidade. Para este esclarecimento, propomos este

tópico, pois, a publicidade nem sempre apresentou valores humanos em seus

anúncios, antes, segundo Severiano, a publicidade enaltecia seus produtos a partir

de cores, belos cenários etc. As mercadorias ainda eram apresentadas como coisa,

como objeto que deveria ser adquirido para o atendimento de necessidades

concretas. A partir da década de 1980, a publicidade transformou as mercadorias

em objetos fetiches que extinguem sua utilidade, como também oferecem

identidades para o ser humano. Este, perdido no anonimato, tenta pertencer aos

segmentos plurais de que falamos no capítulo anterior. O que queremos dizer é que

devemos seguir a análise de Severiano quando esta faz uma leitura da publicidade

moderna na década de 1960 e da pós-moderna a partir da década de 1980 e

constata elementos que diferem ambas, fazendo com que a publicidade, que

inaugura-se na década de 1980 seja chamada de publicidade identitária.

Para Severiano, a publicidade atual, que vende identidade, reforça uma

prática mística canibal com uma única diferença, ao invés do indivíduo buscar

valores humanos através da antropofagia, ele tenta os mesmos resultados

consumindo o objeto fetiche e todos os seus signos de identidade. Tal prática nunca

antes foi estimulada pela publicidade em suas abstrações imagéticas. Como diz

Severiano (2007, p. 56):

Aos moldes da ‘magia contagiosa’, empregada no canibalismo na qual se buscava incorporar as qualidades guerreiras possuídas pelo morto, também se buscam atualmente incorporar as qualidades ‘possuídas’ pelo objeto/marca, só que dessa vez em busca de ‘estilo’ ou de ‘personalidade’.

60

Neste momento de nossa pesquisa, buscaremos demonstrar a

desmaterialização das mercadorias nas peças publicitárias contemporâneas. Para

isso, faremos uma comparação de peças publicitárias que se inserem no período

moderno com outras veiculadas a partir da década de 1980. Desta forma,

poderemos constatar se a publicidade influencia com valores estritamente humanos

(devido à desmaterialização das mercadorias) o consumo pós-moderno com a

promessa de identidade. Passemos portanto, à análise comparativa a partir das

peças abaixo.

61

FIGURA 1: PROPAGANDA NYCRON ANOS 1960

Fonte: Catálogo Comemorativo Campanhas Inesquecíveis-autor desconhecido.

Esta peça publicitária veiculada na década de 1960 fala da empresa

Sudamtex®, que fabricava o tecido Tergal, material que era usado para fazer terno e

62

tinha uma diferença positiva em relação ao linho. Pois, o Tergal que representou

uma grande novidade para a moda da década de 1960, não amarrotava e

dispensava a privação de sentar-se antes de ir a algum compromisso. O seu slogan

era: “senta, levanta-não amarrota e nem perde o vinco”. O autor da peça nos lembra

a intenção do anúncio: “Naquela época tínhamos a preocupação de popularizar o

uso do terno, mostrando que o Nycron, mesmo sendo mais acessível, deixa a

pessoa tão elegante quanto o tecido da concorrente”. (CAMPANHAS

INSQUECÍVEIS, p. 25)

Observemos que a propaganda que estamos analisando não demonstrou em

seu slogan nenhum valor humano em relação ao novo material produzido pela

Sudamtex®. A sua linguagem ressaltou conceitualmente apenas a utilidade prática

da mercadoria, mostrando que o tecido não amarrotava e que seu usuário podia

movimentar-se sem medo; não foram associados à marca signos apelativos que

fizessem referências as Propagandas inesquecíveis estilos de vida (moderno,

elegante, sedutor, bem-sucedido etc.) que Severiano vê tão presentes na

publicidade pós-moderna. Neste caso, a publicidade moderna divulga a mercadoria

por um caminho real, ao mostrar o tecido que suportava os movimentos naturais

diários do corpo sem a ameaça de amarrotar.

Quando falamos que o conceito da peça é estabelecido por uma

necessidade concreta é porque nenhuma pessoa que adquiriu o produto o comprou

na tentativa de compensar a sua falta de interesse pelas instâncias coletivas, ou

mesmo, pela tentativa de encontrar uma identidade, como hoje acontece, segundo

vimos a partir de Bauman (2001), ao dizer que os indivíduos pós-modernos já

encontraram a liberdade nos diferentes nichos de consumo.

Os indivíduos que receberam a mensagem publicitária também não

esperavam possuir daquela mercadoria valores humanos, até porque a publicidade

mostrava apenas a utilidade daquele tecido, logo ele era apenas algo inanimado

visto realmente como coisa, conforme Severiano tanto nos atentou ao longo da sua

pesquisa de doutorado ao mencionar a publicidade da década de 1960. Claro que

na década de 1960 existia um homem unidimensional conforme já tratamos a partir

da análise de Marcuse, isto porque diante deste anúncio eles não percebiam o

processo de múltiplas determinações que propiciavam a confecção da mercadoria, a

exploração do trabalho principalmente. Viam uma mercadoria autônoma do trabalho

humano, no entanto, sabiam que era necessária a intervenção na esfera política

63

para que a sociedade pudesse chegar a um progresso para seus indivíduos. Mais

uma vez, voltando ao que escrevemos a partir de Bauman, podemos dizer que eles

lutavam pelo interesse coletivo e não poderiam se satisfazer como cidadãos (no

sentido político e identitário) apenas possuindo um novo terno ou uma calça que não

amarrotasse. A publicidade da era moderna mesmo influenciando o consumo não

levava grudada em si os estilos de vida. Toda a campanha que vimos foi pensada

para diferenciar a Sudamtex® de sua maior concorrente a Rhodia® a partir de um

conceito concreto: “senta, levanta-não amarrota e nem perde o vinco”. O que atesta

que naquele período ainda não era pertinente falar em objeto fetiche, já que, a

mercadoria não era vista exclusivamente pelo pensamento mágico que buscava o

inatingível, personalidade através do consumo de mercadorias.

Agora analisemos uma propaganda que foi ao ar no Brasil em 1971. O

primeiro anúncio colorido da Volkswagen® que foi difundido nacionalmente. Este

anúncio exaltava o progresso urbano quando o Brasil comandado pela ditadura

militar realizava obras para desbravar a Amazônia e ligar este território ao centro

industrial nacional. Quem aparece cruzando aquele lugar inóspito é um fusca que

surpreende a todos, pois a voz que narrava as consequências positivas de uma

estrada no centro da Transamazônica antes deixava claro que apenas tratores e

motoniveladoras poderiam por enquanto trafegar naquela localidade infernal.

Entretanto, o fusca passa superando todas as adversidades amazônicas. Vejamos a

ilustração do anúncio publicitário abaixo que nos mostra uma familiaridade estrutural

(que desenvolveremos após a ilustração) com a peça publicitária que analisamos

anteriormente.

64

FIGURA 2: PROPAGANDA DO FUSCA NA AMAZÔNIA DÉCADA DE 1970.

Fonte: Catálogo Comemorativo Campanhas Inesquecíveis - autor desconhecido.

65

O conceito que a peça queria atribuir ao fusca era a de um carro forte

resistente, preparado para qualquer grau de dificuldade. Mesmo estando esta

veiculação inserida na sociedade de consumo já observada por nosso trabalho, este

anúncio é desenvolvido em torno das qualidades materiais do fusca. Ou seja, um

carro com lataria dura, motor com potência suficiente para não ficar preso à lama da

Amazônia. Este anúncio que faz parte ainda da publicidade moderna não

desmaterializou o fusca e o tornou abstração dos estilos de vida. Neste anúncio

como no anterior, a mercadoria não perdeu suas composições materiais e ainda se

apresenta como coisa. Longe de atribuir identidade aos seus indivíduos.

Outro ponto que achamos importante a respeito do anúncio que estamos

analisando é o que nos conta Periscinoto (CAMPANHAS INESQUECÍVEIS, p.47)

diretor de criação da peça: “o filme não apenas anunciou um produto de qualidade

como também elevou a autoestima nacional ao associá-lo àquele momento de

progresso”. O que Periscinoto nos declarou, fez-nos encontrar sentido para o que

nos mostrou Severiano em capítulos atrás, ao dizer que uma das principais

características que diferem o homem da década de 1960 do homem da pós-

modernidade é o seu desejo de participar da Política com “p” maiúsculo (na

linguagem de Bauman trabalhada anteriormente). Este anúncio contrariando o

espírito do homem individualizado a partir da década de 1980 pode se construir com

elementos nacionalistas, falava de um Brasil em desenvolvimento e chamava

atenção porque os cidadãos daquela época achavam importantes as ações estatais

de cunho desenvolvimentista. Neste período o Estado era mais importante que as

mercadorias, no caso do fusca, para ser valorizado utilizou-se de ferramentas que

faziam parte do interesse psicossocial do homem moderno.

Ao discutirmos a publicidade moderna podemos demonstrar muitos dos

conceitos que desenvolvemos ao longo do nosso trabalho. Por conseguinte, neste

momento analisaremos com a mesma intenção alguns anúncios pós-modernos que

nos ajudarão a construir uma ponte que ligará a teoria que utilizamos como pilar de

nosso trabalho, com a prática publicitária atual. O que queremos é atestar a perda

da materialidade das mercadorias que se inicia conforme Severiano a partir da

década de 1980 mediante a veiculação publicitária (momento em que a mercadoria

não é mais vista como coisa).

66

A partir da década de 1980 se inicia um modelo de publicidade que não

vende mais objetos, mas estilos de vida - a publicidade pós-moderna oferece

identidade que seguindo as tendências escondem seus processos produtivos e

ainda se oferece como fonte infinita de atributos estritamente humanos. Segundo

Severiano (2007, p. 58), o signo pós-moderno contido nas mercadorias:

Já não ‘representa’ nada, ou melhor, se não tem nenhum compromisso com a realidade do objeto apresentado, se o ‘verdadeiro’ e o ‘falso’ são, nele, indistinguíveis, então pode significar, indistintamente, qualquer coisa: inclusive, dissolver as fronteiras entre real e imaginário.

Neste caso, os objetos tentam compensar o descompromisso do homem

pós-moderno aos problemas sociais e se lançam como alternativa para um

preenchimento existencialista (identidade), fazendo das mercadorias algo para além

do próprio homem. Escondendo a própria forma trivial do objeto que agora é

vulnerável às imaginações subjetivas. Vejamos o anúncio publicitário da Calvin Klein

e perceberemos melhor tais afirmativas.

67

FIGURA 3: A PROPAGANDA E OS ESTILOS DE VIDA CALVIN KLEIN

Fonte: Catálogo Comemorativo Campanhas Inesquecíveis - autor desconhecido.

Em 1982 a Calvin Klein já apresenta novos elementos estruturais em sua

publicidade. A marca de jeans começa a atribuir valores humanos ao produto e

anuncia o que tanto Severiano coloca como pilar do consumo pós-moderno, os

estilos de vida. Ressaltando necessidades psíquicas do consumidor, podendo ser

68

resolvidas pela mercadoria e um completo esvaziamento da utilidade do produto.

Logo, é a perda de espaço do fetiche para o objeto fetiche, como demonstramos

anteriormente.

A modelo Patty Monteiro era a responsável por transferir toda sua beleza e

sensualidade para aquele produto desmaterializado que perdia sua utilidade

concreta para um mundo de símbolos que deveria ser incutido na mente de cada

consumidor, “com essa campanha eu trouxe para o Brasil um novo conceito de

comunicação, a criação comportamental. Pus o consumidor em primeiro plano, não

o produto”. Declara Fischer (CAMPANHAS INESQUECIVEIS, p. 101), publicitário

criador da peça. Ainda Fischer comentando sobre a desmaterialização da

mercadoria confirma a teorização de Severiano a respeito dos estilos de vida que a

publicidade pós-moderna começa a se utilizar: “as ações tinham roteiros com forte

conteúdo psicológico, que associavam a marca a diferentes estilos de vida”. As

drogas nesse caso para Rolnik é a publicidade que neste contexto histórico deixa

desaparecer o processo produtivo das mercadorias e sua fisionomia como coisa

(realidade que anteriormente desenvolvemos), assim como toda substância tóxica

esconde seus efeitos colaterais.

Por conseguinte, a dependência de sempre uma nova identidade através da

oferta publicitária gera um sujeito social sem autonomia para tomar decisões além

das fronteiras do consumo. Claro que a publicidade não consegue desmaterializar

as mercadorias e os processos de produção por acaso; ao contrário, ela sistematiza

toda mercadoria abstratamente ao redor de valores humanos com expressas

associações que transferem vida aos produtos que por ela são difundidos

socialmente. Quando desenvolvemos o conceito de objeto fetiche de Severiano, era

para analisarmos neste momento a fantasmagoria contemporânea que as

mercadoria e as marcas recebem da publicidade. Neste momento, cabe ao nosso

trabalho diagnosticar pela leitura interpretativa indícios desses e outros valores que

demonstramos e se apresentam nos anúncios publicitários. Quem espera das

mercadorias identidades ou atributos consistentes se entregam a substâncias que

(ROLNIK, 1997, p. 22) :

Quando consumidas como próteses de identidade, seu efeito dura pouco, pois os indivíduos-clones que então se produzem, com seus falsos-self estereotipados, são vulneráveis a qualquer ventania de forças um pouco mais intensa. Os viciados nessa droga vivem dispostos a mitificar e consumir toda imagem que se apresente de forma minimamente sedutora,

69

na esperança de assegurar seu reconhecimento em alguma órbita do mercado.

Se a publicidade das décadas de 1960 e 70 é uma publicidade voltada

para a produção concreta, ou seja, restrita à materialidade do objeto, a publicidade

da década de 1980 até os nossos dias atuais é uma publicidade de experiência, do

sentimento de pertencer a determinados segmentos sem se prender a nenhum. É

uma publicidade de abstrações, que busca se concretizar sobre a ilusão dos estilos

de vida. São esses estilos de vida que iludem a sociedade pós-moderna com

promessas de identidade. Podemos dizer que os estilos de vida na sociedade de

consumo são inevitáveis, é uma forma que o capitalismo encontrou para conter o

seu próprio desequilíbrio produtivo (conforme vimos anteriormente em Severiano).

Na publicidade pós-moderna todos os valores humanos passaram a ser encontrados

nos anúncios publicitários e a desmaterialização dos objetos foi uma alternativa de

exploração que o capitalismo conseguiu se apropriar a partir da década de 1980;

para Tavares (2005, p. 25), houve: “o imaginário do mercado consumidor, por

intermédio da manipulação ideológica de pasteurização da felicidade como um

produto que está à venda.” Logo, a virtude, a felicidade como todas as outras

abstrações humanas puderam a partir da década de 1980 se concretizarem nos

objetos fetiche ofertados nas pluralidades dos segmentos capitalista.

Veremos agora uma peça publicitária que anuncia uma geladeira da marca

Consul® e distinta das peças das décadas de 1960 e 70 não vende o objeto, mas

um estilo de vida.

70

FIGURA 4: PROPAGANDA DA GELADEIRA CONSUL®. COMÉRCIO DE

FELICIDADE.

Fonte em: <http://www.portaldapropaganda.com/aboutnews/ 2008/ 33/0023?data=2008

/08>. Acesso em: 6 Dez. 2009

O estilo neste caso é o de felicidade que uma geladeira Consul® pode levar

a qualquer lar. Vemos igualmente no comercial anterior que analisamos uma total

desmaterialização do objeto que não ressalta seu valor de uso, já que não é

mostrada a capacidade da geladeira ou o material de que ela é feita. Entretanto, a

geladeira é tratada como um ser humano, uma integrante da família como o próprio

slogan diz: “perfeita para fazer parte da sua casa.”

Quem compra uma geladeira Consul® adquire felicidade e não um

refrigerador parado no canto da cozinha como compraria na década de 1960. A

lógica publicitária que a pós-modernidade tornou possível é uma lógica que rompe o

conhecimento que a humanidade adquiriu que separa o real do imaginário. É neste

campo mágico da não proibição que os indivíduos fazem dos seus pensamentos

algo onipotente que independe da realidade podem alcançar múltiplas identidades

graças às diferentes marcas significadas que levam no corpo. É esta identidade

falsa da mercadoria que não se apresenta como coisa, mas como perfeição

antropofágica que na linguagem de Baumam significa liberdade negativa (como

71

antes desenvolvemos). Uma liberdade ausente falsificada pela tecnológica que o

capitalismo dispõe.

5 CONCLUSÃO

Após verificarmos as diferenças nas veiculações da publicidade moderna para

a pós-moderna através das análises publicitárias do último capítulo, percebemos um

homem contemporâneo regulado pela publicidade que não mais apresenta uma

mercadoria pelo seu valor de uso como em 1960, hoje no período pós-moderno a

publicidade promete realização pelos estilos de vida, que apenas estimulam a

individualização social através da lógica identitária.

Nesta pesquisa pudemos encontrar um homem contemporâneo mais preso

aos mecanismos do capital comparando-o com o homem da década de 1960.

Quando mencionamos em nosso trabalho segundo Severiano que o homem pós-

moderno era um homem inquieto, a nossa intenção não era mostrar que essa

inquietude se relacionava com atuações nos campos políticos e jurídicos, mas, ao

contrário, descrever o seu aprisionamento às lógicas do mercado capitalista. Logo,

poderia ser uma busca por alternativas que negassem a lógica capitalista do

consumo; até chegou parecer que a liberdade positiva estaria como prioridade das

discussões do homem pós-moderno. Entretanto, a inquietude atual conforme

pesquisamos é uma incômoda sensação devido a não acomodação que os

indivíduos contemporâneos sentem ao verem novos anúncios publicitários que

colocam como solução para todos os problemas sociais a posse de uma identidade

grudada no último lançamento mercadológico. Disto podemos concluir que o homem

pós-moderno se encontra mais preso às amarras da lógica do capitalismo do que o

homem moderno.

Os indivíduos pós-modernos perderem totalmente as esperanças nas

instâncias políticas e jurídicas. Se o homem de 1960 era ainda interessado pela

mobilização social, o pós-moderno persegue o consumo de mercadorias como única

alternativa de obter felicidade. Por conseguinte, a sociedade contemporânea

desconhece o conceito de cidadania e o bem-estar coletivo se fragmenta diante de

uma sociedade individualista. Para Severiano a pós-modernidade é caracterizada

72

pela hipervaloriação do objeto que não se deixa mais ser percebido como coisa, mas

por características humanas.

Este acontecimento que esvazia a mercadoria de objetividade e transfere

para ela um mundo que só pode existir abstratamente não se desenvolveu por

acaso. Tornou-se possível pela capacidade que a publicidade adquiriu em

transformar objetos em diferentes identidades que como nos disse Rolnik

anteriormente, ignoram as experiências e as nacionalidades, estas suprimidas pela

padronização do consumo pós-moderno.

Concluímos que a publicidade exerce um poder abstrato para com os objetos

produzidos na sociedade pós-moderna. Só conseguindo isto porque insere

identidade às mercadorias através de associações entre objeto e sentimentos

humanos; as peças publicitárias atualmente apresentam a seus consumidores uma

promessa identitária como nunca antes foi apresentada, a partir daí, todo problema

pode ser resolvido pela posse dos objetos fetiches que puramente abstratos, após

desmaterializarem as mercadorias, prometem dissolver todas as angústias da vida

do homem pós-moderno.

Ao atingirmos o nosso objetivo inicial após fazermos ligações teóricas que

buscaram melhor situar a publicidade pós-moderna e sua influência sobre o perfil

psicossocial do homem contemporâneo, resta-nos agora deixar uma citação

resultado de uma inquietação positiva de Guattari (1981, p. 79), tal inquietação que

ao invés de aceitar as pseudoidentidades que o objeto fetiche apresenta como faz a

inquietude pós-moderna, coloca em análise as falsas apresentações das

mercadorias que no fim apenas atendem aos interesses do capitalismo atual:

Trata-se de colocar a seguinte questão: será que uma produção de desejo,um sonho, uma utopia concreta, um dia acabarão conquistando no plano social a mesma dignidade de existência que uma produção de automóveis ou de enlatados?.

O que busca Guattari é despertar através desta pergunta o homem pós-

moderno para uma transformação que só acontecerá quando o indivíduo for

posicionado acima dos objetos de maneira concreta e restabelecer o desejo pelas

intervenções políticas e consequentemente, os indivíduos recuperarão suas

grandezas que foram atribuídas às mercadorias pela publicidade.

73

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