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O novo agregador das comunicações www.fibra.pt Junho de 2011 29 Fátima de Sousa jornalista fs@briefing.pt ENTREVISTa António Gonçalves, 41 anos, usou os números para convencer a banca a financiar o projecto Under Siege, o primeiro jogo português para PS3. O facto de a indústria de videojogos já facturar mais do que a música e o cinema juntos ajudou-o a vencer o conservadorismo dos interlocutores, pondo-os a fazer contas de somar e multiplicar… Ramon de Melo Pus a banca a fazer contas António Gonçalves, director-geral da Seed Studios Fibra | Esta entrevista acontece no dia previsto para o lançamen- to do Under Siege na Playstation Network. Depois do adiamento, em consequência do ataque de hackers à rede, qual é a expec- tativa? António Gonçalves | Já fiz todo o tipo de cenários. Tive mesmo um período em que disse que não fa- zia a barba enquanto o jogo não saísse. E a verdade é que estive três meses e tal com a barba a crescer… Até que passamos o quality assurance e nos dizem que o jogo está aprovado. Então fiz a barba, porque pensava que o jogo sairia na semana seguinte, mas a Playstation Network foi atacada e o lançamento adiado. Foi mesmo na mouche… Mas não havia hipó- tese: antes do ataque eram apenas 20 pessoas a sofrer pelo jogo (as 20 que integram a Seed Studios), depois eram 77 milhões. Com o lançamento a concretizar-se, >>> “Nunca estivemos parados. Reinventámos o Under Siege com mais algumas features que o tornaram mais completo, mais rico. Sempre que acontecia um entrave soubemos transformámo-lo numa vantagem”

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O novo agregador das comunicações

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Junho de 2011 29

Fátima de Sousajornalista

[email protected]

ENTREVISTa

António Gonçalves, 41 anos, usou os números para convencer a banca a financiar o projecto Under Siege, o primeiro jogo português para PS3. O facto de a indústria de videojogos já facturar mais do que a música e o cinema juntos ajudou-o a vencer o conservadorismo dos interlocutores, pondo-os a fazer contas de somar e multiplicar…

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Pus a banca a fazer contasAntónio Gonçalves, director-geral da Seed Studios

Fibra | esta entrevista acontece no dia previsto para o lançamen-to do under Siege na Playstation network. Depois do adiamento, em consequência do ataque de hackers à rede, qual é a expec-tativa?António Gonçalves | Já fiz todo o tipo de cenários. Tive mesmo um período em que disse que não fa-zia a barba enquanto o jogo não saísse. E a verdade é que estive três meses e tal com a barba a

crescer… Até que passamos o quality assurance e nos dizem que o jogo está aprovado. Então fiz a barba, porque pensava que o jogo sairia na semana seguinte, mas a Playstation Network foi atacada e o lançamento adiado. Foi mesmo na mouche… Mas não havia hipó-tese: antes do ataque eram apenas 20 pessoas a sofrer pelo jogo (as 20 que integram a Seed Studios), depois eram 77 milhões.Com o lançamento a concretizar-se,

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“nunca estivemos parados. Reinventámos

o under Siege com mais algumas features que o tornaram mais completo, mais rico.

Sempre que acontecia um entrave soubemos transformámo-lo numa

vantagem”

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“A indústria de videojogos é lucrativa e está em crescimento. Não sofreu com a crise. A crise até foi boa para ela”

“Somos a primeira empresa portuguesa a produzir um jogo

para a Sony. o under Siege foi feito com 20 pessoas. Jogos como o uncharted são feitos com 150 pessoas ou

mais. Agora estamos no mesmo campeonato, o da Playstation store”

“Fizemos um investimento notável

em Publicidade e marketing. Produzimos um vídeo promocional

que foi considerado um dos melhores traillers a nível mundial, teve pontuação máxima

durante muito tempo e ganhou mesmo um

prémio”

>>>

é o fim de um ciclo mas o início de outro. Trata-se de vender, obter rentabilidade e fazer investimentos em novos projectos.

Fibra | Como foi para uma pe-quena empresa como a Seed Studios produzir um jogo para a Sony?AG | Foi essencialmente um pro-cesso de tentativa e erro em que houve muitas situações em que estivemos sozinhos, sem nin-guém para nos ajudar. É certo que tivemos o apoio da Sony, mas do ponto de vista das metodologias fomos muito autodidactas. Di-mensionámos o projecto para a dimensão da empresa, mas de-veríamos ter ido um pouco mais além porque houve muitos per-calços. Uma das dificuldades foi corresponder ao grau de exigên-cia da Sony, que não autorizava o jogo se tivesse bugs. Não há um único jogo sem erros – basta pes-quisar na net para perceber, mas a Sony foi muito rigorosa connos-co. Talvez por sermos os primei-ros, talvez por ser o primeiro jogo português para a Playstation. Não deixaram passar nada. Mas antes disso tivemos problemas com o controlo do software: demoraram quatro meses e meio a resolvê--los, mas não estivemos parados, reinventámos o Under Siege com mais algumas features que o tor-naram mais completo, mais rico. A verdade é que sempre que hou-ve um entrave o transformámos numa vantagem.

Fibra | Atribui esse grau de exi-gência da Sony ao facto de se-rem portugueses?AG | Não foi exigência, penso que também houve algum estigma. So-mos uma empresa portuguesa, a primeira a produzir um jogo para a Sony. Para quem está habituado a receber as maiores produtoras mundiais imagine o que é… A di-mensão da empresa também deve ter influenciado: o Under Siege foi feito com 20 pessoas mas jogos como o Uncharted são feitos com 150 pessoas ou mais. De qualquer forma, estamos no mesmo campe-onato, o da playstation store.

Fibra | e nesse campeonato com que armas procuram ter vanta-gem?AG | Fizemos um investimento notável em publicidade e mar--keting. Desenvolvemos peças como as que são normalmen-te desenvolvidas para os jogos de caixa. Produzimos um vídeo promocional que foi considerado um dos melhores traillers a nível mundial, teve pontuação máxima durante muito tempo e ganhou mesmo um prémio. Também criámos uma banda desenhada para ser distribuída online, além de todo um trabalho de cartazes e flyers. Fizemos um trabalho vi-ral que habitualmente não é fei-to para estes jogos. Arriscámos bastante na promoção. Foi uma percentagem importante do in-vestimento total.

Fibra | Qual foi o alvo dessa es-tratégia promocional?AG | Internacional e transversal. Internacional na medida em que este é um projecto para o mun-do, para um universo de 77 mi-lhões de subscritores da network. E transversal porque o jogo está classificado para 12 anos mas também agrada a pessoas mais velhas. Não é um jogo de sangue e tiros que só agrada a uma fai-xa de adolescentes, que os mais novos não possam jogar e a que os mais velhos já não achem pia-da. Temos efeitos realistas mas não exagerámos. Achámos que não era por aí que ganhava in-teresse, mas pela jogabilidade, pelos gráficos, pela história, pe-las features, pelo facto de ser full HD, de usar o move. Ser um jogo transversal permitiu-nos atacar de uma forma mais livre todos os mercados. É certo que é um jogo de estratégia e que, como tal, há um conjunto de seguidores, mas quisemos desmistificar isto por-que a ideia é que as pessoas que não estão habituadas a jogos de estratégia os comecem finalmente a jogar. O Under Siege simplificou a estratégia. Daí a nossa ideia de usarmos o comando. Duas teclas e o movimento bastam. Depois, cada jogador pode torná-lo mais

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“Portugal não é o nosso target. Há

pouco mais de 300 mil consolas. Só para ter uma ideia, londres

vende mais jogos do que Portugal inteiro. no mercado interno

nunca conseguiríamos o retorno do investimento”

“o under Siege tem como mercado um

universo de 77 milhões de subscritores da

network. é um videojogo transversal porque

está classificado para 12 anos mas também

agrada a pessoas mais velhas. não é um jogo

de sangue e tiros”

“Temos efeitos realistas mas não exagerámos. Achámos que não era

por aí que ganhava interesse, mas pela jogabilidade, pelos gráficos, pela história, pelas features, pelo facto de ser full HD,

de usar o move”

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complexo à sua medida. Pode até fazer níveis melhores do que os que nós criámos. A ferramenta é a mesma, é apenas uma questão de criatividade.

Fibra | o vosso mercado poten-cial é o universo de 77 milhões de contas da network. Que fatia precisam para obter retorno do investimento?AG | Temos uma expectativa con-servadora de atingir, no mínimo, três milhões de euros em vendas: esse é o nosso break-even point. A nossa estimativa original era que atingiríamos esse ponto um pou-co acima dos 0,2 por cento desse mercado, com uma facturação na ordem dos dois milhões. Mas o jogo vai estar na playstation plus (uma espécie de clube VIP da store) com desconto, porque não pode-mos ser penalizados pelos ataques à network. A Sony decidiu oferecer uma mensalidade aos subscritores e o jogo vai estar em destaque, pelo que é uma oportunidade de termos visibilidade. Além de que fi-zemos um desconto brutal – 50 por cento nas Américas e 40 por cento na Região Europa. As vendas têm, por isso, de ser maiores para atin-girmos o objectivo. Daí os 0,3.

Fibra | e o mercado nacional, é suficientemente atractivo?AG | Portugal não é o nosso tar-get. Não tenho números oficiais de contas, mas há pouco mais de 300 mil consolas. Não somos um grande mercado, só para ter uma ideia, Londres vende mais jogos do que Portugal inteiro. Não é por Portugal que vamos pagar o inves-timento, era bom que fosse… Mas há muita expectativa colocada no jogo, temos sentido que a comuni-dade portuguesa de jogadores tem puxado muito por nós nos últimos tempos. No início, fomos um bo-cado marginalizados, havia algum descrédito, mas começaram a sair notícias, opiniões das revistas que experimentaram o jogo, opiniões internacionais. Já cimentámos uma comunidade que está com muita vontade que o jogo saia, não só pelo lado patriótico, mas também pelo jogo em si.

Fibra| o jogo implicou um inves-timento de 1,4 milhões de euros. onde foram buscar esta verba?AG| A Seed Studios já tem um histórico de jogos, já produzimos três para a Nintendo DS (Toy Shop, Sudoku for Kids e Aquatic Tales) com os quais ganhámos algum dinheiro, mas não era suficiente. Contámos também com um inves-timento de duas empresas partici-padas, a LT Studios e a Norhold. E os sócios também investiram a tí-tulo pessoal. Além disso, consegui-mos fundos do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional). E recorremos à banca.

Fibra | Como é que conseguiram conquistar a banca para um pro-jecto que foge muito aos investi-mentos tradicionais?AG | Tivemos de subverter a apresentação. Não podíamos ir à banca e simplesmente apresentar o Under Siege. Tivemos de fazer um trabalho prévio de marketing, de divulgação do projecto para que ele fosse reconhecido quan-do voltássemos para pedir o fi-nanciamento. E quando fizemos a apresentação mostrámos os números internacionais da indús-tria de videojogos. São números fiáveis que demonstram que é uma indústria lucrativa e em cres-cimento, que não sofreu com a crise. A crise até foi boa. Conhe-ço uma pessoa que foi despedida e a primeira coisa que fez com o subsídio de desemprego foi com-prar um plasma, uma playstation e jogos. Passou uns meses va-lentes a jogar, até que voltou a arranjar emprego. Afinal, é uma indústria de entretenimento…

Fibra | mas concorre com o cine-ma e a música… AG | Já não. O cinema e a música foram ultrapassados em 2009. A música levou uma cacetada mui-to grande por causa da pirataria, dos downloads ilegais. E no ci-nema houve um desinvestimento muito grande, também por causa da net e do home cinema. Mas na indústria de videojogos é ao contrário. Faça as contas: quem tem filhos tem de comprar um

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“Conheço uma pessoa que foi despedida e a primeira coisa que fez com o subsídio de desemprego foi comprar um plasma, uma playstation e jogos. Passou uns meses valentes a jogar, até que voltou a arranjar emprego”

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“no cinema houve um desinvestimento

muito grande, também por causa da net e do home cinema. mas na

indústria de videojogos é ao contrário. Faça as contas: quem tem filhos tem de comprar um jogo quando eles passam de ano, no

aniversário, no natal…”

jogo quando eles passam de ano, no aniversário, no Natal… é o mínimo obrigatório. Sem fa-lar na consola, que de quatro em quatro anos é substituída, no televisor HD… Veja lá se não gasta mais do que em cinema ou música. Agora multiplique por 77 milhões…

Fibra | e foi assim que conse-guiram que a banca investisse?AG | Quando fiz a apresentação à banca coloquei estas questões e de repente começaram todos a fazer contas… Senti que do outro lado também havia joga-dores, pessoas que percebem que é uma indústria apetecível. Sabemos que tudo o que é novo é colocado em causa, mas eles perceberam o negócio porque se puseram na pele do jogador. Foi decisivo para que acreditassem em nós.

Fibra | A Seed Studios pode ser a semente de uma indústria de videojogos em Portugal?AG | Estamos a lançar os alicer-ces para que a indústria se pos-sa desenvolver. Primeiro, temos de provar que os portugueses são capazes de tudo desde que se dediquem de corpo e alma, sabem ultrapassar todas as di-ficuldades que se colocam pelo facto de serem portugueses. Nós sentimos isso. Mas, a partir do momento em que provámos que estamos ao nível de qualquer produtora, deixou de haver essa dificuldade. Passou a ser tudo muito transparente, sem trata-mento hierárquico. Uma indústria não começa com um jogo, mas o jogo serve de mote para incenti-var o desenvolvimento de novos projectos. Mas é preciso que haja investimento, que as empresas percebam que os negócios tra-dicionais já não são suficientes e que podem ser inovadoras se investirem em tecnologia. Além disso, existe grande vontade das universidades em investirem nes-ta área. E pessoas com vontade de entrar nesta indústria. Espero que as coisas corram bem com o Under Siege para que esta ima-

gem de sucesso se mantenha. Se as vendas correrem mal, re-ceio que esta história da indús-tria caia como um baralho de cartas.

Fibra | mas há verdadeiramente um potencial?AG | Estou convicto de que Por-tugal tem todas as possibilidades. Já aconteceu o mesmo noutros países, como a Finlândia, onde uma produtora com cinco ou seis anos já está a dar cartas interna-cionalmente. Também a Polónia e outros países de Leste estão a crescer. E a Espanha é outro bom exemplo. Começou há uns 10 anos e neste momento é uma po-tência mundial em produção de videojogos e mais baratos do que os que se fazem em Inglaterra ou nos Estados Unidos. A diferença é que, ao contrário de outra forma de criatividade, como fazer banda desenhada, pintar um quadro ou compor uma música, é que esta implica dinheiro. Se nós, na Seed Studios, tivéssemos uma injecção de capital, de uma multinacional por exemplo, poderíamos ter 150 pessoas em vez de 20, e cinco projectos a sair para a rua. Mes-mo que uns não corressem bem, os outros compensariam. O mer-cado é tão vasto que multiplica o investimento feito.

nelson Zagalo | Chegados aqui, e depois de terem criado o jogo mais caro alguma vez produzido em Portugal, o que podemos esperar da visão da Seed Studios para os próximos anos?AG | Primeiro que tudo, gostaría-mos de ser conhecidos, não por ter produzido o jogo mais caro feito em Portugal, mas sim por tê-lo publicado numa consola que estava vedada à humildade portuguesa.O feito de publicar um jogo a nível internacional em mais de 50 países e sem recorrer a uma editora é bastante mais impor-tante do que o preço que custou. A visão da Seed Studios para os próximos anos é continuar a edi-tar no meio digital.

nelson ZagaloSociedade Portuguesa de Ciências

de Videojogos

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“uma indústria não começa com um jogo.

é preciso que haja investimento, que as empresas percebam

que os negócios tradicionais já não

são suficientes e que podem ser inovadoras

se investirem em tecnologia”

Queremos crescer por nossa conta e risco e, tal como fize-mos com o Under Siege, conti-nuaremos a fazê-lo com certeza sempre que as circunstâncias o permitam.

Fibra | o que podemos esperar depois do under Siege?AG | Já começámos a desenvol-ver outro jogo, que tem a van-tagem de termos passado pelo exigente processo de certifica-ção da Sony. Só posso dizer que está a ficar muito engraçado… Mas vamos também dar conti-nuidade ao Under Siege, com expansões, mais temas, mais pacotes, talvez para a consola

António Gonçalves estava em pul-gas para saber se o Under Siege tinha finalmente sido colocado na Playstation Network. Depois do adiamento forçado pelo ataque dos hackers, chegara o dia: 24 de Maio. O mesmo da entrevista. E António contava as horas, à espera que o fuso horário fizesse chegar as (boas) notícias. É que, mal saísse, poderia propor-cionar ao filho de cinco anos o prazer de comprar – e jogar - “o jogo do pai”. Um prazer adiado por via das restrições que a Sony coloca à saída da consola de desenvolvimento das instalações da Seed Studios. António levou-as a sério: afinal, contrato é contrato!Não seria ainda nesse dia, porém: a expectativa transferiu-se para dia 31.António Gonçalves não é propriamente um novato no mundo dos jogos: começou nas casas de máquinas quando a estatura nem lhe permitia chegar aos comandos; isso não o impediu, po-rém – esticava os braços e jogava. “Era viciadíssimo”, recorda. Aos 41 anos, já não é tão viciado – tempos houve em que ficava quatro horas seguidas às voltas com o Warcraft – mas continua a jogar. “Jogo bem”. O filho também já domina os comandos, o que tem valido ao pai algumas críticas familiares… Está na indústria de videojogos e com muito orgulho mas este-ve quase para ser engenheiro civil. Frequentou a Faculdade de

Finalmente, vai chegar o “jogo do pai”PeRFil

Engenharia da Universidade do Porto por pressão de casa – o pai, trabalhador no porto de Leixões, e a mãe, doméstica, faziam gos-to em que o filho António fosse engenheiro. Fez-lhes a vontade mas contrariado. Ia fazendo uma cadeira ou outra, frustrado por não ter entrado em Arquitectura; o que queria era mesmo ser ar-quitecto mas as médias e as va-gas tramaram-no: candidatou-se e ficou de fora por 0,03, voltou a candidatar-se no ano seguinte e foi o sétimo para seis vagas.Nesses dois anos, não baixou os braços. Conquistou a indepen-dência que almejava entre cursos – de Design, de Animação 3D… -

e empregos, primeiro na Cinerama, depois na Miragem. Pelo meio, teve a sua experiência como dono de uma produtora de vídeo – a Urbimagem, mas não correu bem. O negócio sim, mas a sociedade não: “Era muito novo e demasiado idealista”.Antes da faculdade, fez uma incursão pelo futebol. Andou na escola do Leixões e esteve à beira do Boavista, mas pôs as chuteiras de lado para tentar Arquitectura. Não foi arqui-tecto, nem engenheiro, é director-geral da primeira empre-sa portuguesa a colocar um jogo na Playstation Network. O que diria o pai, entretanto falecido? “Teria orgulho, sobre-tudo se percebesse que consigo dar uma boa vida ao meu filho, à minha família”.

portátil (PSP). Não vamos aban-donar esta comunidade.

Fibra | A ligação à Sony é para continuar?AG | Somos produtores oficiais da Sony, mas também da Nin-tendo e da Microsoft. Podemos trabalhar para qualquer uma desde que aceitem os nos-sos projectos. Imagine que eu achava imensa piada fazer um jogo sobre a troika em Portu-gal, em que podíamos matar políticos ou eles nos podiam matar a nós… Do ponto de vis-ta da Sony não teria interesse nenhum. Tal como não se pode fazer um jogo sobre uma guerra

Os “pais” do Under Siege: Filipe Pina, produtor, António Gonçalves, director-geral, Jeffrey Ferreira, director artístico, e Bruno Ribeiro, director de programação

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bruno mendonçadirector da BGamer

João tovardirector da Restart

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actual, por exemplo entre Is-rael e a Palestina. Não é poli-ticamente correcto. Quando desenvolvemos um jogo temos de pensar que o mercado é in-ternacional. Um jogo não pode ser uma espécie de private joke.

bruno mendonça | De que for-ma a Seed Studios acompa-nhou e lidou com os proble-mas recentes que ocorreram com a PSn e quais as conse-quências reais dessa situação para o estúdio e para o jogo em especial?AG | A Seed Studios teve um acompanhamento da Sony em toda a situação e esteve sem-pre ao corrente dos aconteci-mentos. Infelizmente, e dada a gravidade do problema, não tem sido conveniente discutir exter-namente o que se está a passar nos bastidores.As consequências são as que todos nós já sabemos, existi-rá uma quebra de confiança no consumidor sobre o sistema da PSN, mas também sabemos que os jogadores são pessoas inteligentes e informadas e essa confiança será restabelecida ra-pidamente.Penso que o que aconteceu não foi bom para ninguém, to-dos ficámos a perder, mas es-tamos confiantes que o Under Siege poderá tirar partido des-ta circunstancia e irá vingar.

Fibra | Ao lançarem-se neste projecto, diria que foram am-biciosos ou empreendedores?AG | As duas coisas. Não basta ser empreendedor, tem de se ser ambicioso. Podíamos ter sido gananciosos, mas não fomos. Estamos a apresentar um ce-nário (de retorno) que é mínimo, porque tentamos ser o mais re-alistas possível. Faremos a festa depois…

João tovar | A Seed nasce da aventura corajosa e empreen-dedora de alguns jovens.o que pode dizer com realismo mas também com esperança aos jovens que têm paixão e

querem mesmo trabalhar nes-ta área?AG | Podemos dizer aos jovens que pretendem entrar nesta área que terão de trabalhar muito se quiserem vingar cá dentro ou lá fora. Seja qual for o cargo que esco-lham terão de se aplicar para se-rem os melhores. Os cursos que existem hoje em dia são uma boa forma de começar a apren-der, mas, tal como todas as pes-soas que trabalham na Seed, é necessário que se tornem auto--didactas para vencerem.

Fibra | Para si, este é um so-nho tornado realidade?AG | Sempre gostei muito de jo-gar e sempre quis ter uma pro-dutora de videojogos, de nível internacional e de que tivesse orgulho. E consegui. Consegui-mos, aliás, porque é um traba-lho de equipa. A Seed Studios é uma spin off de duas outras em-presas, a LT Studios, que fundei e de onde veio um dos sócios, o Filipe Roquete, e a Norhold, onde fui buscar o Artur Mendes. De alguma forma seduzi-os para este projecto. Isto em Novem-bro de 2002. Mas, para chegar-mos aqui, passámos por muito. Não é fácil gerir uma empresa em que, durante anos, não há uma única factura. Investimos na inovação e resultou. O jogo pode não vender o que espera-mos, mas só o sucesso de es-tarmos em 56 países é motivo de orgulho.

“Se nós, na Seed Studios, tivéssemos uma injecção de capital poderíamos ter 150 pessoas e cinco projectos a sair para a rua. Mesmo que uns não corressem bem, os outros compensariam. O mercado é tão vasto que multiplica o investimento feito”