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Quadrilátero Poemas – 1ª Edição Mossoró, Fevereiro de 2006

Quadrilátero - rl.art.br Q u a d r i l á t e r o João Felinto Neto 10 Aflição II 44 Espelho ocular 45 Guerra ilusória 47 No vão da porta 48

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Quadrilátero

Poemas – 1ª Edição – Mossoró, Fevereiro de 2006

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João Felinto Neto

Quadrilátero

Poemas – 1ª Edição – Mossoró, Fevereiro de 2006

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2006 © Copyright by João Felinto Neto

F315q Felinto Neto, João. Quadrilátero / João Felinto Neto – Mossoró, 2006. 123 p. (1ª Edição) ISBN: 85-905035-2-6 1. Literatura brasileira – Poesia 2. Poesia Norte-rio-grandense. I. Título CDU: 82(813.2)-1 CDD: B867-1

João Felinto NetoJoão Felinto NetoJoão Felinto NetoJoão Felinto Neto Rua: Francisco de Assis Silva, 1001 Rua: Francisco de Assis Silva, 1001 Rua: Francisco de Assis Silva, 1001 Rua: Francisco de Assis Silva, 1001 ---- Santa Delmira I Santa Delmira I Santa Delmira I Santa Delmira I ––––

Mossoró, RNMossoró, RNMossoró, RNMossoró, RN CEP: 59 615 CEP: 59 615 CEP: 59 615 CEP: 59 615 –––– 790 790 790 790

FoFoFoFone ne ne ne –––– (0XX84) 3318 4245 (0XX84) 3318 4245 (0XX84) 3318 4245 (0XX84) 3318 4245 eeee----mail: [email protected] mail: [email protected] mail: [email protected] mail: [email protected] Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br Site: joaofelintoneto.xpg.com.br

Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime

estabelecido pelo artigo 184 do código penal. Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10994

de 14 de dezembro de 2004.

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O que o poeta quer dizer, no discurso não cabe. E se o diz, é pra saber o que ainda não sabe. No entanto, o poeta desafia o impossível, e tenta no poema dizer o indizível. Não-coisa – Ferreira Gullar

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Entre oferecer o que já é dedicado a quem ainda não leu e escrever o que ainda não se escreveu, eu prefiro o recado que o dedicado sou eu.

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Índice Prólogo 13 Quadrilátero 15 Terra batida 16 Duas metades 18 Gorjeio 19 Absoluto 20 Pano de fundo 21 Hostil 23 Canção de adeus 24 Fruto de um sonho 25 O pedido 27 Gênero feminino 29 Senhora 30 Um enigma 31 Senhora do mundo 32 Conflito 33 Ela 34 Mulher 35 Soneto à mulher 37 O acólito 38 O mundo à luz do dia 40 H2O 41 O fruto 42 Os pássaros 43

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Aflição II 44 Espelho ocular 45 Guerra ilusória 47 No vão da porta 48 Oculto 50 Dia santo 51 Morcegos 52 Pretérito 53 Primata 54 Os sentidos 55 Indecente 57 Sob o peso do cansaço 58 Lições 59 Ébrio por amor 71 Corrida contra o tempo 73 Entrelaçado 74 Poema sólido 75 Coisas perdidas 76 Convencionais 77 A volta 78 Cobaia 79 Nunca morre 80 Lúbrico 81 Ouvir o mundo 82 No altar 83 O sobrado 84 Sobre árvores 85

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Fotografias 86 Finado 87 Insígnias 88 Síndrome 89 Bactéria 90 Cartas alheias 91 Os anjos 92 Gira-sol 93 Intimidade 94 Exagero 95 O eleito 96 Retorno 97 A dúvida 99 A árvore 100 Um dia qualquer 101 Desabrochada 102 Corte e costura 103 Che 104 Alucinação 105 Comunhão 107 Promessas 109 Há de ser em casa 111 Quem é, você ou eu? 113 Vi 115 Não seria 117 Onanismo 118 Sedutor 119

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Compulsivo 120 Ventania 121 Solitário coração 123

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Prólogo Não é questão de vangloriar talento, mas de destacar a inegável disposição de um poeta em absorver-se no mundo dos versos e transporta-lo ao de cada leitor através de linhas tracejadas entre quatro paredes em ângulos retos deste Quadrilátero. O poeta norte-riograndense, João Felinto Neto, desvencilha-se mais uma vez da subserviência ao esnobismo e volta-se ao prosaico em versos ecléticos que redundam à páginas neste Quadrilátero. Quadrilátero enaltece os versos como a forma geométrica, os cantos. São poemas despojados de limítrofes, apesar dos ângulos que definem o Quadrilátero. Ao buscar a verdade, o poeta submerge em infinitas divagações e obtém sucesso nas palavras certas que caberiam como um encaixe de tábuas a formarem um belo caixão. Quadrilátero nos faz entender que poesia é um misto de razão e loucura, de

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amor e ódio, de tristeza e alegria, de belo e feio, é uma dualidade oposta, um paradoxo de si mesma, uma antítese, um eterno vão por onde passam as almas. As páginas de Quadrilátero são como becos estreitos dos quais dá para observar a imensidão de um edifício, o mar à distância, uma praça, e ao mesmo tempo, os mendigos, os bêbados que neles se encontram. Encante-se com os versos espalhados pelas páginas como folhas que despencam dessa enorme árvore que é a poesia; caminhando com seus olhos por esse mundo quadrado que é o livro de título Quadrilátero. Sebastião Arruda

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Quadrilátero As cartas são entregues em silêncio. A mesa com seus lados desiguais. Pela janela, o dia sopra o vento. A sala com seus cantos casuais. E pela porta vê-se a mesma forma na cama e no espelho emoldurado. Na capa de um livro folheado, lê-se quadrilátero.

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Terra batida Os meus ombros, sob minha sede. O meu riso, em cima da parede. Não há nomes, falas e porvir. Não há nada além do meu sentir. Meus segredos, dentro de um baú. Os meus braços abertos, Norte e Sul. São muitas passadas. São léguas seladas sobre ti. Não procuro mais você aqui. Um pote de lama. Esqueleto sobre a cama. Sob ela, um prato de costela pra servir. Não se come à mesa. Sobre o chão a velha esteira. Sem razão,

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eu canto pra ouvir. O meu canto é pra ferir vocês. Uma rede na estaca. Uma cabra no quintal. Conto estrelas mais uma vez. Temporal de lágrimas, de varas, de pó, de porém.

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Duas metades Não sou todo alegria, mas sou sempre pensamento. Nem sempre venho de dentro, de fora nunca viria. Mas de onde então viria o que vem me completar. Talvez venha do lugar de onde vem a poesia. Não sou eu apenas dia, nem só noites eu seria, mesmo sendo um só querer. Além de mim eu veria: Uma que eu mesmo seria; outra que eu não posso ser.

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Gorjeio Pousa ao acaso ou talvez escolha. Movimenta o galho à toa. Canta com o vento a soprar-lhe as penas, um breve momento, apenas. Um eterno silêncio, faz a natureza. Se entrega por inteiro. Agradece ao tempo, estático, com um poético gorjeio. Abre as suas asas numa despedida. Lança-se na vida para um outro galho.

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Absoluto Minha face parece estarrecida com o que vejo. Fecho os olhos que lacrimejam minha vida. Tantos becos, portas, janelas e venezianas sem saída. Planejo dias em que realizo sonhos. Não me deixo morrer sem correr atrás, nunca me deixo. Se você não reage, reajo pelos demais. Ser prisioneiro é o que mais fere. E o que fere se torna absoluto e nos priva da realidade.

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Pano de fundo Acordei entre tanto barulho, era o mundo que me despertava. Minha vida é meu pano de fundo. Meus brinquedos, uma imagem gravada. Levantei-me com o claro do dia. Caminhões e tratores na estante. Miniaturas de minha alegria, que aos meus olhos se tornam gigantes. Rabisquei minhas primeiras letras nas revistas que meu pai me dava. Quantas vezes olhei as estrelas, de pé na sólida calçada.

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Eu me calo diante da vida. comovida uma mão me abençoa. Não pra ver o seu filho à toa, mas por vê-lo no mundo. Não sou símbolo, nem bandeira hasteada. Sou menino sem farda, nem glória. Minha história, a única arma. Minha honra, a minha memória.

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Hostil Meus dedos tocarem, é descrença. Não acredito em milagres, sem ofensa. Não penso em demasia, apenas deliro em cada poema. Não desanimo entre verbos, nem entre versos de amor. Não me jogue tão rápido, mesmo que queira. Pois não estou à beira de um precipício. Talvez não tenha motivo para envelhecer. Apodreço sobre meu próprio cadáver. E mesmo assim renego o seu eterno céu.

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Canção de adeus Todos os teus beijos eram meus, e só por mim tu derramaste tantas lágrimas. Toda a tua saudade era por minha falta. Assim todo meu mundo era teu. E o teu silêncio foi maior, foi bem maior que a solidão. Enquanto eu mudava a voz, tu mudavas o coração. E sobre nós nada mais restou além dessa triste canção de adeus.

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Fruto de um sonho Achava que o mundo em que vivo era só sonhos; que cada um tinha um amigo; que ninguém passava fome; que era respeitado o sobrenome independente da cor; que todo jardim tinha flor e que a vida não tinha fim; que o homem sentia dor diante dos atos seus; que adeus, era apenas espere por mim. Mas vi a vida chorar e descobri que para crer era preciso enxergar. Enfim eu pude notar que a vida ficava velha; que havia fome e miséria; que o homem fazia guerra e destruía seu lar; que nunca mais, era adeus;

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que o amor era fruto de um sonho que a mãe chamava de Deus.

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O pedido - Eu vou pedir-lhe uma coisa, disse-me, um dia, um amigo, deixe a poesia de lado, ela atrapalha o trabalho, você não ganha com isso. Eis um terrível conselho, alguém pedir para viver metade e não por inteiro. Não me peça para parar de escrever, eu preciso copiar o que vejo. Você vive só de ganhar. Já eu vivo só de perder. Perco a vontade de ser o que um dia você será. Cada qual será mais feliz limpando seu próprio nariz. Poesia é para mim, vontade de respirar.

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Mesmo que eu perca os cabelos, o emprego ou a minha esperança, não me peça jamais para tirar, a poesia da minha lembrança.

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Gênero feminino Uma de cada vez a natureza fez, na ponta das unhas, as três: a vida, a mulher e a lucidez. A vida, a primeira das três, ela fez para se aproveitar. A mulher, a segunda da vez, ela fez para se amar. E a terceira, ela fez para as duas saber contornar.

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Senhora Há de ser, senhora, minha honra. Um homem não sonha, sem mulher. O pouco da força que o acompanha, vem de sua fé. Há de ser, senhora, minha dona. Na batalha, tomba, o homem só. A sua fraqueza, a distância. Um laço sem nó. Há de ser, senhora, minha sombra. A história conta o que a vida é. Quando o sol desponta, um homem sem sombra não sabe quem é.

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Um enigma Égide do coração, Soma e subtração. Temo não poder te dar Uma única definição. Mulher, Um enigma, talvez. Liberdade ou prisão? Hoje és dúvida, E amanhã, Resposta ou indagação.

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Senhora do mundo Uma bela forma. Uma compleição humana. Dama de beijo ardente. Mãe de eterna compaixão. Em teus olhos, sedução. Em teu útero, a vida. Tua condição erguida com a força do querer. Não se sabe o porquê dessa insinuante flor que exala o amor sobre um pobre jardim que o homem quer por fim o domínio e o poder.

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Conflito Vejo um homem em conflito sob os dogmas da fé. A razão, não duvido, a mulher. Quando pensa, não a quer. Quando a quer, não a aceita. Mas à força do amor, se sujeita. Vejo um homem perdido a procura de si mesmo. Os seus passos seguir uma ponte estreita. O seu corpo eu vejo cair sob os pés da mulher que o rejeita.

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Ela Ela me leva, me engana e ainda me desafia. Levou meu corpo para a cama, enquanto me distraía. Deu-me o fruto do pecado, enquanto Eva, e compensou com redenção, quando Maria. Em Joana D'arc foi Vitória, também rainha. Já foi de todos e só minha. Ela é pouco e é demais. Como Helena, ela foi guerra. Como Tereza, ela foi paz.

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Mulher A beleza muitas vezes é embaraço. A inteligência, de fato, impõe medo. A extrema humanidade soa frágil numa força que mantém em segredo. A vontade de ser mãe é verdadeira. A fidelidade é mais do que respeito. Na última hora é sempre a primeira, onde cada um reclama o seu direito. A sedução em sua mão vira conquista. Dona da vida e de todo coração.

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Tem o poder de conquistar tudo que quer. Eis a razão de sempre ser mulher.

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Soneto à mulher Não há definição que seja exata. Não há palavra que possa dizer o quanto a mulher é necessária para que um homem suporte viver. E mesmo aquele que é cego pode ver o quanto é feliz uma mulher amada. O homem é um colibri a perecer, sem a mulher, que é a flor encantada. Antes que seja tarde para rever os erros de uma vida solitária, deixe passar a luz do bem-querer. Encontre uma mulher para manter a porta do amor escancarada. Que belo ser, uma mulher iluminada.

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O acólito Surpreendente o acólito em sua sepultura. Em noites obscuras, andou por entre lápides. Seus mestres eram padres. O seu gibi, a bíblia. Não era de amigos, neles via víboras que seguiam Satanás. O que diziam os pais, para ele não valia. Seus passos só seguiam a cruz do redentor. Seus laços de amor era com gente que morria. A sua alegria, era na maioria, tristeza de alguém. Pois se sentia bem quando Deus não atendia ao pedido de outrem. Um dia encontrado, com o dobrar do sino,

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seu corpo pequenino na corda pendurado. Talvez tenha achado a graça do destino e ver lá das alturas o mundo aqui embaixo.

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O mundo à luz do dia O poeta senta calado e observa ao seu lado o que passa na TV. O que vê? Apenas o tédio. E não vê nenhum remédio para o mundo que ele vê. O poeta só pensa em se esconder desse mundo imaginário, tantas peças e cenários na mesmice do viver. O poeta jamais pensou em morrer, mas morre em seus excessos de sonhos por tanto escrever. O poeta tira os olhos da TV; olha o mundo que há lá fora, nada mudou desde outrora, mesmo assim, quer viver. E viver, para ele, é poesia; é aceitar à luz do dia, esse mundo que ele vê.

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H2O Meus pés, sob a água que escorre pelas pedras, se consomem me levando em lágrimas, sangue e suor, por eu ser predominantemente H2O. E no mais profundo do que sou, mergulho em mim. Agora sou moléculas de água. Integralizo-me à fonte, desço do monte e reflito a imagem da ponte que sobre mim, estática, sustenta as pessoas que me olham e não me percebem. Não sou outro. Não sou morto. Não me encontro só. Sou universalmente H2O.

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O fruto Observo o fruto podre; nele ainda há vida, uma lagarta escondida no seu interior. Desde quando era flor, sempre a vida se sustenta, no vôo do beija-flor, na ave que se alimenta. O fruto cai, esquecido, até que uma mão o pega, um olho o observa e lembra a vida que o cercou.

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Os pássaros Os pássaros, inquietos entre as telas do viveiro, deixam-me indignado. Mas o que tenho eu com os pássaros presos. Que estejam presos ou soltos, são apenas pássaros. Mas os pássaros estão vivos e querem voar, e seu vôo é sua liberdade, e sua liberdade é de meu interesse, posto que sou subjetivamente livre.

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Aflição II Eu parei no tempo, todo o tempo do que o tempo todo eu seria. Eu voei nos ares por todos os lugares junto à ventania e chorei saudades pelo que não sei. Mastiguei sorrisos na boca doente e vazia, e menti verdades que eram na verdade enormes mentiras. Eu cuspi palavras que se misturavam à minha saliva. Quem sou no momento? Não escuto o vento. Não importa o tempo, eu sei que jamais escutar-te-ei.

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Espelho ocular O olho alheio é o pior espelho, exigente com a forma que não vejo. Sua imagem reflete uma opinião, na maioria das vezes, falsa. Não importa a imagem espelhada. No reflexo alheio, seja belo ou seja feio, o modelo é uma figura embaçada. A imagem muitas vezes invertida, tão perfeita toma a forma desbotada. Pois quem vê são os olhos do desejo, um espelho que inveja a imagem espelhada. Mas talvez o meu espelho me engane e eu veja uma forma irreal. Se eu não sou o que eu vejo, talvez seja o meu desejo tudo aquilo que eu vejo no espelho que é real.

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Talvez o pior espelho seja mesmo o próprio eu. Engano-me, fascino-me e tenho medo que tudo aquilo que vejo seja na verdade eu.

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Guerra ilusória As atitudes humanas não me surpreendem mais, mas não sou alheio a elas. Não sou alheio às dores desse mundo. Não sou imundo para só chorar por fora. Triste história, a que estamos escrevendo. Gente morrendo numa guerra ilusória. Que as linhas sejam retas e/ou tortas, o que importa é o que nelas escrevemos. Nossa mesa de acordos é quadrada. Nossa pacificação é guerra. Qual será o nosso céu, se essa é a nossa terra?

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No vão da porta Eu não sabia se entrava em casa ou saía para a rua. Minha percepção nua e crua fazia-me sentir tal qual a porta. Então viro as costas para a sala. Agora, a porta em meu lugar, ou seja, em seu lugar, percebe meus anseios que no vão deixei. Saio à rua e pelas calçadas vagueio. Olho as casas fechadas. As portas resguardando os lares, e em seus lugares quantas pessoas ficam por um instante de indecisão; por uma decisão que mudaria suas vidas. Não me coloco entre elas, porque vivo só. E ao voltar para casa

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passarei pela porta que não se importa se eu saio ou entro. E lá dentro não há tradições e nem lições, apenas emoções ilusórias.

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Oculto Há muito que não me percebia. Talvez por que cresci. No meu tempo passado, eu não via que meu pai, ao meu lado, queria que eu estivesse ali; uma criança que acreditava no que ele dizia. Então meu pai gritou, um dia: - Filho, onde estás? Percebendo o meu fim, com a voz a sumir, respondi: - Estou aqui, ainda dentro de mim.

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Dia santo É dentro dos jardins, onde há flores pequenas, que aprendem, serenas, a dizer não ou sim. É bem perto de mim que se passam as coisas, que se matam pessoas. Não percebo meu fim. Hoje é um dia como qualquer outro. Hoje, eu preciso ensinar alguém. Um dia de cão. Um dia de louco. O que faço é pouco, por isso faça também. E é assim que desarmo revólveres. E hoje é um dia santo.

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Morcegos À noite espanto morcegos na escuridão de meu quarto mal iluminado. E no dia seguinte meus sonhos foram desfeitos. No chão, não há marcas de sangue, nem vestígios de luta. E com os olhos vermelhos do pouco que dormi, vejo no espelho olheiras de uma noite de vigília. Não tenho companhia. Minha amante, nunca a conheci. Talvez por isso mesmo, os meus pesadelos sejam tão reais. Somos animais e não sonhamos sós. E na escuridão espantamos a esmo nossos próprios morcegos que se tornam pó ao amanhecer.

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Pretérito Ajo como se nada houvesse, como se tudo fosse. E ao mesmo tempo eu me surpreendo. De tudo que conheço, nada sei. Se nada sei de tudo que inexiste, nada me surpreenderia mais, se tudo houvesse e nada fosse.

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Primata O que quero com o meu grito? Sou apenas um primata esquecido pelo homem do futuro. Eu dormia no escuro. Minha fala era um grunhido. Hoje falo até demais. Sou um louco convencido. Os meus gestos eram de sobrevivência. Os meus atos são agora, violência. Eu seguia os passos de meus ancestrais, que para os meus filhos, são ferozes animais.

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Os sentidos Um mundo cheio de careta, na escola, na tv, nos desenhos de caneta que risca tudo que vê. Um mundo cheio de barulho, no entulho, no bueiro, nos velozes motoqueiros que atropelam sem querer. Um mundo com hálito podre, nos esgotos, nos açougues, nos botecos da avenida onde o povo vai beber. Um mundo cheio de trombadas, nas esquinas, nas ruínas, nas favelas bem armadas que tentam sobreviver.

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Esse mundo colorido, com barulho, adormecido, e com cheiro esquecido, não faz sentido entender.

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Indecente Não sou um cavaleiro imaginário, apenas um vassalo que caminha. Pela realidade, um escravo que tem a ilusão que é livre ainda. Não sou nenhum beato, nem um cão. Eu não uso sermão e nem batina. Meu rosto é palidez, enquanto expiro. Meu sexo sem estilo, estupidez.

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Sob o peso do cansaço Meus olhos escondem-se sob as pálpebras. Talvez já seja hora de dormir. Meu sono não esconde minhas mágoas. Eu falo e movimento-me sem sentir. Tentando do meu sonho, ressurgir, procuro me acordar do pesadelo. Ainda sob o peso do cansaço, no mais vazio espaço, eu adormeço.

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Lições I Não comemoro datas expressivas, odores de carnaval, luzes de natal, fogos de fim de ano; em tudo passo um pano que apaga os letreiros coloridos. Um velho homem em um mundo enlouquecido. Sobre os fatos que me alvejaram a vida, nada me comove. Não movo um único dedo para mudar o meu medo do novo. A minha conversa entre versos rebuscados na memória se tornou obsoleta entre as mesas dos meninos que me ouviam. Nada é mais lúdico que a diferença de idade, desde que se respeitem mutuamente. Eis que o velho muro não se oculta diante da casa nova.

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II Nem todas as caldeiras estão em brasa. São contadas as casas com lareira, mas todos os papais-noéis são velhos e o livro mais lido é bem mais antigo que nossos avós. O velho não da ponto sem nó, ele sempre tem algo a dizer a mim, a você, a todos nós. E mesmo assim, a maneira de dizer adeus, adeus meu rosto sem rugas, minhas costas sem dores, meu excesso de amores, minha garra na luta. Eu me despeço, enfim despenco numa cadeira de balanço infinita numa vida finita, sonho.

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III Por mais que o vento curve a vara, ela reage, volta ao lugar de origem. Eis que o exemplo é louvável. Um homem idoso tem uma vasta sabedoria e resistência ao tempo e aos temporais. Exercitar meus membros, prolongar a vida e não a velhice. Esquisitice, ler meu nome nos jornais. Apesar de sua idade, superou os seus limites. O dedo do homem é bem mais forte quando aponta suas virtudes. Uma bela atitude por poucos tomada. Tomara que apesar do curto tempo, eu ainda tenha tempo de sorrir.

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IV O velho inútil ainda pensa, ainda faz versos. E de madrugada em vez de está dormindo, escrevo sem parar. À tarde, o vento faz bater as janelas. Os cabelos brancos não indicam fragilidade, mas astúcia e experiência. O mundo à minha volta, é um velho conhecido e não me surpreende mais. As árvores lá fora acompanham minha jornada, a cada caminhada matinal. O antigo jornal, novinho em folha, me dá notícias atuais. Nas minhas mãos, a força de um gigante, que muito antes de mim, já era eu; o eu de agora, o eu de hoje, o velho eu de ontem.

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V O relógio antigo marca as mesmas horas que o mais moderno. Essas sim, são para mim passadas e repassadas, mas são também as mesmas. O silêncio não mudou no tempo. As casas ainda se amontoam na rua. A lua ainda espelha no luto da noite, sua tarja amarela e clara. Você ainda é a mesma, embora sua face queira assim negar. VI Talvez aprendamos com os ossos enterrados sob a argila, ossos calcinados. Seres vertebrados que dominaram a terra e apesar de sua imponência, pereceram.

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Minhas pegadas vão estar entre eles. Peço que meus ossos não sejam cremados. O que seria da arqueologia e paleontologia sem nossos míseros ossos. E se um cão resolve comê-los. Subam em seus camelos, vamos afugentá-los. Apesar do frio que fez à noite, o deserto está extremamente quente. Lembre-se dos pequenos detalhes, das entrelinhas, das nuances. VII Apesar do amor e de tanta companhia, o poeta em sua agonia ainda se sente só. O que fazer para ocupar esse vazio? Aceitar e só. Não procuro em demasia o que perdi. Quando menos esperar, eu encontro. O acaso é surpreendente,

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e o resultado final é o destino. A espera é mais cansativa que a luta. Não importam as armas, o seu desejo e sua força de vontade superam as barreiras. Não me vejo como um lutador, sou mais um pensador de mundo. VIII Os lábios se preparam para mais um beijo, assim o sol se despede mais uma vez da lua, o dia da noite, e eu de você. Olhe à sua volta, veja quanta coisa, tente sentir no ar que tudo transpira poesia. Nós estamos à toa, por isso mesmo a nossa decisão não deve ser irrevogável. Em cada despedida, o beija-flor se afasta

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enquanto a flor se castra do seu intenso perfume. As andorinhas se debatem no teto da igreja, em uma prece para viverem em paz com os pardais. Imaginar é mais que antever futuros, é delirar em sonhos a essência do mundo racional, é perfazer no tempo os desenhos que contornam a ilusão, e em meio a tudo está o poder de acreditar. IX Não digo que seja minha a tarefa de ensinar. Não faço por uma questão de reconhecimento. Apenas preciso elucidar meus pensamentos e para isso preciso de sua ajuda.

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Ainda não sou lápide entre os mortos, pois sinto dor nas costas. Quem sabe essas tábuas sejam grossas o suficiente para me segurar. Cabelos e unhas permanecem a crescer, talvez na insistência de viver. Porque contornar o jardim se posso pisar a grama, mas posso machucar alguma flor. Temeridade é um ato explícito de bom senso. Amor e tempo, duas coisas que não tenho. Temo surpreender as pessoas por não temer a Deus e nem ao Diabo. As pessoas, essas sim, eu temo, elas podem ferir minha carne. Nunca é tarde para falar de amor. Eis o meu conselho: Ame.

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X Não se curve pois nenhum rei merece seu suplício. O que os tornam diferentes não é o poder, o poder apenas os distanciam. As verdades muitas vezes não estão à vista. Uma maneira simplista pode ser a melhor saída para viver. Se acaso ao mundo não entende, deixa pra lá, o mundo não entende você. Em minha porta bate um anjo desalmado e me pede um óbolo. O que devo fazer, acostumar uma criança no pecado ou não dá-la o que comer. Uma só cruz é o suficiente para marcar seu túmulo. Não se preocupe com o monte de areia, nem com a profundidade da cova.

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Não haverá degraus para sair da mesma. Não há lugar sob o solo sagrado. Apenas rama vai brotar para alimentar o gado. XI Vi muito, aprendi pouco. Pois todo dia a algo novo para se aprender. Essas lições dadas pelo dia-a-dia, dá-nos tristeza de dia e alegria ao anoitecer. Não é difícil cuspir palavras sobre a cabeça alheia. Mas é diferente quando se trata de conscientizar-se de sua [condição. Um grão de gente que não sabe quase nada, perdido numa pêra que flutua no espaço, girando como gira nossas vidas.

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Um ancião pensa. Quando criança, brincava. Quando adolescente, excedia-se. Quando adulto, corria. As lições de casa, as lições do mundo, as lições da vida são lições perdidas, são lições achadas, são doces e amargas, mas são lições.

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Ébrio por amor Amo imensuradamente. Ela, proibida de me ver. Para mim, nada parece tão ilógico. Não luto para esquecê-la quando estou sóbrio, por isso tenho que beber. Amargo a minha vida, sem a ter. Nos braços de outrem, o amor é mórbido. Não luto para esquecê-la quando estou sóbrio, por isso tenho que beber. Sofrendo ainda em pranto, por perder. O meu amor, para todos tornou-se óbvio. Não luto para esquecê-la

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quando estou sóbrio, por isso tenho que beber. No chão que um dia há de me comer, em pouco tempo serei apenas ossos. Não luto para esquecê-la quando estou sóbrio, por isso tenho que beber.

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Corrida contra o tempo Ah, vida! Que corre diante de meus passos. Por mais que eu corra, não te alcanço. Não queres que eu morra, por enquanto. Enquanto eu corro, o que faço? Ah, tempo! Que corre diante dessa vida. Apenas espera o momento para eu perder a corrida. Correr contra o tempo, correr contra a vida é perda de tempo, é meta perdida. Isso se chama viver.

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Entrelaçado Como o gato de Erwin estou preso na caixa, entre a vida e a morte, só dependo que olhem para mim. Minha caixa é no fim, esse mundo de mágica. Sou enfim um fantasma numa dança ritual, entrelaçado no espaço com uma cópia de mim.

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Poema sólido Palavras escritas sobre um papel em branco, tão significativas e misteriosamente silenciosas. Argumentos sólidos sobre a aquosidade da vida na sua relação infinita com as horas. Poemas estóicos em contrapartida, o lamento. Dores no tempo, trazidas de volta. Concisão na escrita de um dúbio pensamento: descrever por dentro o que se vê por fora.

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Coisas perdidas Abstração, eis o significado dos bons resultados de seus pensamentos. Idéias criativas são como coisas perdidas dentro de casa, quando não as procuramos elas nos iluminam com a sua presença. Eis o que o poeta faz, ele se abstrai e os versos vêm aos borbotões. Sua esferográfica corre apressada procurando acompanhar a sua atuação. Tudo aparece tão claro que ele chega a acreditar em inspiração.

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Convencionais Estamos em constante sofrimento por querermos ser normais. Enquanto estampamos nossos traumas, nossas caras de dementes, nas colunas sociais. Há para cada um dos convidados um pouco de tabaco e de alcoolismo. São belos artifícios as drogas aprovadas e legais. Estamos entre corpos, florescendo, são húmus emergentes da miséria. As traduções alheias deturpam nossas mentes, desejam nossas almas por demais. As tradições são seguidas friamente. Os pais estão ausentes, os filhos são escravos de normas convencionais.

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A volta Meu medo é esquecer que estou de volta e me surpreender morrendo. Sobre a inércia da alcova, a pálida figura assemelha-se a mim. Eu continuo ali, olhando para o meu retrato que é mais real que eu. E de repente vejo entre rostos que circundam, a me perscrutarem, o seu, que parece não acreditar que estou de volta. Mas jamais eu partiria sem vê-la outra vez.

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Cobaia As nuvens desmancharam-se em lágrimas e a terra encharcada fez meu corpo afundar. Sob a lama, os destroços da cabana não me davam mais abrigo. O sol que surgia inibido, torna o solo endurecido e me prende no escuro. Sou pisado e repisado. O solo é escavado. Eis que um homem do passado é cobaia no futuro.

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Nunca morre O amor que é puro nunca morre. O ingênuo choro, o rompante do sorriso são megalitos que sustentam a minha vida. Outras formas de amor são conhecidas. Outros versos mais bonitos, declamados. Mas nenhuma boca gritou tão forte: - O amor que é puro nunca morre.

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Lúbrico Foi o meu peso retirado com brandura. Sob o vão da sepultura, meus desejos enterrados. Se havia alma, libertou-se no momento. Entre rogos e lamentos tive a mesma condenada. Pelos amores que eu tive quando em vida (tantas roupas coloridas espalhadas pelo chão) meu coração insensível e bandoleiro pôs na mão de um barqueiro minha alma sem perdão.

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Ouvir o mundo À noite olho pela janela a escuridão lá fora. Minha percepção do mundo é aquela. Um vazio no qual há sons estranhos; criaturas minúsculas que se comunicam para se reproduzirem. Formas bizarras, insetos nocivos além do silêncio profundo. Não é tão bom assim ouvir o mundo.

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No altar E sob estatuetas, morta estava a borboleta. A flor que alimentava sua glória murchou sobre as hóstias. O líquido vermelho derramado por falta de cuidado, manchou a toalha branca. A borboleta tonta, tentou assim voar, morreu envenenada no altar.

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O sobrado Mosaicos estampados na parede de uma antigüidade desmedida. No teto o telhado em si confirma que ambos devem ter a mesma idade. Traços espalhados pelo velho sobrado (Características de artistas que revelam a beleza do passado). Janelas com sacadas onde outrora a bela moça, hoje senhora, retribuía à galanteios com sorriso embaraçado. A porta de entrada do sobrado tinha entalhes destacados na madeira. No abre e fecha de uma vida inteira guardou em si história; agora, um patrimônio que é lembrado por ter ficado registrado na memória.

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Sobre árvores Minha mão se diverte ao acompanhar a esferográfica que corre atrás do pensamento em linhas horizontais, soltando versos, criados e relidos por meus olhos. A composição poética, verticalmente vai se tornando um poema que em sua forma assemelha-se a uma enorme árvore que me faz olhar pro céu numa pretensão de alçar vôo. Mas a realidade me arrebata e me põe de volta ao chão. O poema tal como a árvore é a ilusão de que não me encontro só.

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Fotografias São árvores mortas. Putrefação noturna. Na água, submersos, galhos e folhas. Rio caudaloso. As margens se alargaram, alcançaram a curva. A inundação invade os canteiros e ainda chove o dia todo. Uma beleza avassaladora, nada controla a sua fúria. Corpos de animais que bóiam. As estacas na cerca, mal se vê. Tudo registrado na lente de uma [observadora. Fotografias espalhadas nas paredes deixam transparecer o sentimento estampado dos olhos de quem [as revelou. Na galeria, o tema Água e sede.

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Finado Eu, primeiro pediria muito e por último não quereria nada. Nem as flores no meu túmulo , nem seu luto, nem meus olhos no escuro ou o tumulto em minha sala. Eu, primeiro pediria tudo e por último...nada.

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Insígnias Se eu desacato a minha própria lei, qual de vocês cumpriria a minha pena? Entre emblemas e insígnias pessoais, quem manda mais, manda que tema. Corro perigo em meio a oficiais. Matar é vicio. Dependente, é quem ordena. Nossos moleques chacinados nos quintais, habituais pontos-de-venda. A minha cara estampada nos jornais em preto e branco, eis a chave do problema.

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Síndrome O que me fez a bela natureza? Um erro que me custaria caro. Na sua perfeição mostrou-se leiga, na cega devoção ao torpe acaso. Na capa, o mais fino acabamento. No conteúdo, linhas mal traçadas. As letras arrastadas pelo vento como pétalas espalhadas. A síndrome é um fato. Um vencedor vencido. Diante de uma doce ingenuidade nada impede o meu sorriso.

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Bactéria Abriga-se nas profundezas da terra e pacientemente procura a superfície. Ao sair arrasta-se lentamente pelo chão. Aprende a andar de quatro e com esforço, passo a passo, caminha. Começa a correr em direção a um lugar mais alto. De lá dá um salto e voa em direção às nuvens, atravessa o céu e orbita o meu planeta azul. À velocidade da luz, viaja pelo universo comigo. Um microorganismo com o mesmo propósito: perpetuação.

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Cartas alheias As belas palavras são raras, as raras palavras são minhas. Assim escrevo cartas de amor alheias. Entre flores desenhadas, retocadas em silêncio, escuto vozes além do pensamento. Encontro gente calada, outros que falam demais. Na minha mão, o equilíbrio. No coração, um sentimento de paz. O amor viaja em letras, carregado pelo vento. Eu deixei o meu talento aberto em cartas alheias.

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Os anjos Os anjos estão no poder. No céu é bem melhor de se ver o que há no inferno: criança que morre de fome sem ter tempo para crer. Os demônios não têm nome, se abrigam em cavernas. Olhem os anjos, não são donos dessa terra, nem da vida de ninguém. Os anjos estão no poder. Todos têm que obedecer quando os anjos dizem amém.

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Gira-sol Uma nuvem que tende a enganar, por trás, a lua apagada. Uma flor que fechou-se ao luar, permanece parada, gira em busca do sol quando largo o lençol a caminho da sala. É manhã.

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Intimidade O dia está amanhecendo, enquanto nós dormimos. Entre as delícias do café, sorrimos. A cama ainda por fazer. Tua voz, do quarto, diz querer, estou indo. A tarde aquece ainda mais, lá fora o mundo se distrai, ouvimos. O sol se esconde pra dizer que a lua pode aparecer, enquanto nos tornamos íntimos.

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Exagero Alargaria a rua para a tua passagem. Teu corpo refletido pela lua. A tua sombra nua, que miragem. Tão doce criatura, a tua formosura estreitaria a rua e esconderia a lua, a tua imagem.

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O eleito Eu sinto nos pulsos a carga de um trabalho pesado. Meu coração desolado com o que vê: que há gente com as mãos abanando do outro lado, sabendo que há tanto a se fazer. O meu povo não vê o que há de errado, muito menos em quem deve crer. Dia-a-dia está sendo enganado por aquele que foi bem votado e abusa do cargo e do poder.

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Retorno As casas que me olham no caminho são simplesmente barro e estacas. Para elas sou apenas um estranho e a vida, muito ingrata. Há cercas que separam seus quintais. Na sombra de uma árvore, o galinheiro. Eu admiro os tetos desiguais pelas falhas do palheiro. A terra, pela seca embrutecida, meu velho teima em cavar; através da poeira, dá para olhar a estrada esquecida.

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Vejo parte de uma vida que eu havia enterrado. No espelho do meu carro, o que veria? Emergir do chão do meu passado, um garoto que partia.

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A dúvida Com um canto lamuriento, tal qual gemido de quem chora, acompanhei meu pai à sinagoga enquanto minha mãe ia à mesquita. Não quita a sua morte, o meu perdão. Meu aperto de mão não foi em vão, na paz querida. Na falta de memória, a nossa história deixou uma enorme dúvida: Usar a força bruta de uma forma desmedida é página esquecida de razão ou é a fé perdida?

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A árvore Uma enorme copa brilha verdejante sob a chuva fina que a molha. A raiz suporta o peso constante da árvore majestosa. Sustenta entre seus galhos uma diversidade de vida. Por ser um vegetal, desconhece a força natural que a arrasaria. Vem a seca e o vento, levam suas folhas. Entre muitas outras, solidão. Ainda resiste ao tempo com seus galhos secos como dedos de uma mão exposta em direção ao céu a pedir perdão.

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Um dia qualquer O sol emerge à minha vista; às pedras, acaricia com seu fulgor; ameniza a minha dor ante essa vida. Sinto o fragor das folhas aquecidas e do dissipar do orvalho. Fecho os meus olhos no final do dia, agradecendo ao belo cenário. Meu peito ilhado por tamanha harmonia por ver o pôr-do-sol se dispersar no advir da noite fria.

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Desabrochada Fútil desejo é tê-la em meus braços outra vez. Eis a razão que fez a vida amarga. Teu corpo escorregava em meu suor, mas nunca estávamos só, e acompanhada deixava-se levar por outro alguém. Dama levada, a tua fidelidade é flor desabrochada que na mais leve brisa, como os sonhos de um amor primeiro, tem as pétalas dispersadas no jardim alheio.

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Corte e costura A mão desliza num corte em viés. Pelo avesso, as partes dobradas. Tal qual uma peça ensaiada, movimenta os pés um pedal de ferro, de verão a inverno. Há um barulho constante. O carretel se desfaz lentamente. Vejo o tecido de cores diferentes mudar de forma a todo instante.

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Che Não era um bandido que vivia escondido. Mas sim, o herói da revolta. Observou numa volta pelo que lutaria. Não fazia por glória, mas por senso de justiça. Ao chegar a sua hora, o doutor não sabia que o seu nome ficaria na história. A cena que o povo revia, causava um desgosto profundo. O seu sangue jorrou na Bolívia. O seu ideal espalhou-se no mundo.

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Alucinação Pelo mesmo tamanho eu mediria, sem o salto ou o degrau da catedral, uma dama no alto pedestal, que eu não conhecia. A beleza que dela irradia, ilumina a missa que é campal. E os sinos que dobram no natal, como um anjo que avisa. Não escuto o sermão, me paralisa a beleza pungente. Vejo a lua crescente se esconder por detrás da nuvem fria.

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De repente, perde-se à minha vista. A procuro calado. Na capela vazia eu a vejo num quadro, se encontra ao seu lado, Santa Virgem Maria.

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Comunhão Eu poderia ser o garoto atrás da bola ou aquele com a sacola pelas casas a mendigar. Eu poderia andar com o tênis mais bonito ou ter os meus pés feridos sem ter nada para calçar. Eu poderia morar num enorme condomínio ou ser aquele menino que se esconde na favela. Ter o meu barco a vela ou não saber nem nadar. Eu poderia comer da mais fina iguaria ou viver na agonia, com a fome a incomodar.

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Eu poderia olhar para os meus pais e dizer quero, ou apenas: - eu espero. E jamais poder comprar. Eu poderia ter menos e ainda estar bem ou ser o que nada tem e com pouco melhorar. Nada mais justo igualar. Não quero andar sobre os outros nem pelo chão rastejar. Eu sou real, não sou louco. Quero apenas um pouco de comunhão.

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Promessas Prometi aos que ditam que me tornaria um opositor. Ao opositor, que discordaria de mim mesmo e a mim, que jamais venceria. Prometi aos grilhões que me tornaria escravo. Ao escravo, que acreditaria em liberdade e à liberdade, que não a encontraria. Prometi à suástica que me tornaria um plebeu. Ao plebeu, que acreditaria em Deus e a Deus que me mataria.

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Prometi aos sonhos que seria real e à realidade, que acreditaria na razão e à razão, que não seria poeta. Prometi a você que não andaríamos de braços dados; que debaixo de meu braço, o amor não caberia. Prometi, mas foram promessas vazias.

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Há de ser em casa Há se ser em casa, que eu morra. Na velha masmorra na qual me prendi. Há de ser em casa. Nem que eu corra numa disparada pra morrer em casa feliz. Há de ser em casa. A rua nada mais me diz. Há de ser à noite. Há de ser em casa. A lua, vista lá de casa, é mais bela e clara como nunca vi.

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Há de ser em casa. Não vai ser em vão. Entre os braços dela, numa mão a vela noutra o coração.

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Quem é, você ou eu? Você, quem é? Eu te conheço? É você, é você mesmo. Você que lê estes meus versos. É você, ou é o inverso? Eu sei quem é. Eu o conheço. É você, você que escreve estes versos que agora leio. É você, ou sou eu mesmo? Você leitor, você poeta, vocês extremos de uma reta. Um põe amor, o outro aproveita, lê sem pressa.

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Você, quem sou? Sou quem, você? Eu sou alguém que em mim se vê. Eu sou você que vê-se em mim. Eu sou assim. Não levo a vida, ela me leva. Eu não sou nada que interessa. Do universo, uma peça que se completa com você quando se vê em cada verso que sou eu.

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Vi Vi a favela. Vi a herança que eu deixei. Eu vi a cela. Vi um menino alucinado. Vi o intelecto ser torturado e lutei. Eu vi novela. Vi o mau gosto. Então pensei: que triste tela. Vi o talento assassinado; a mesma cena, outro cenário, lamentei. Eu vi a relva. Vi no solo, o que plantei. Vi a floresta; vi o fogo ser ateado. Já sufocado,

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num desabafo eu gritei. Vi a América. Eu vi a linha, não vi a lei. Eu vi a guerra; vi inocente ser condenado, virei meu rosto pro outro lado, mas o voltei. Vi a Inglaterra. Vi a rainha, não vi o rei. Eu vi a terra; vi meu planeta ser acabado, fechei meus olhos, e desolado chorei.

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Não seria O que seria de mim sem ter você? Seria um livro sem a página do fim; uma janela sem um belo jardim; uma jangada sem vela pra rumar. Seria eu, uma lágrima sem chorar; um dia inteiro sem ter pra onde ir; uma criança que teima em não sorrir; um sonhador que não sabe mais sonhar. O que seria de mim sem ter você? Seria um bravo impedido de lutar; um grosso espinho sem ponta pra furar; um narcisista que não se vê. Seria eu, uma causa sem porquê? Uma espera por quem jamais viria. O que seria de mim? Um triste fim. Sem ter você, nada seria.

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Onanismo Eu sou uma pessoa incerta. Ando numa via exata, com uma mão fechada e a outra aberta. Eu meu punho cerrado levo a dor do pecado. E na mão estendida recebo o dom da vida. Entre os corvos sou apenas o grão decomposto em dejetos morais. Entre os mortos, quero ser o afã. Mas pertenço a um clã de doentes mentais. Acomodo o meu falo à razão; minha mão ignora o lugar, não discerne se é certo ou não ao meu vício se entregar.

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Sedutor Descobri que fui demais, muito além do que devia. Nos teus lábios minha mão tocou. Tua força os contraía; mas no ápice da agonia relaxavas no pudor. Por favor... O teu olhar me pedia, e na força do amor em meus braços cederia. Mais um pouco. Esse pouco muito será. Devaneio é querer que esse louco possa aprender a amar.

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Compulsivo Todas as horas são devassas; na praça, no elevador, no corrimão da escada. Todos os amores não foram suficientes para contornar a solidão. Tudo em sua mão foi apenas passatempo. Todo o sofrimento não passou no tempo. Dor na compunção. O seu coração tornou-se vazio e nesse vazio, viu que o que era muito, era muito pouco. Sentiu-se um louco, quando percebeu que foi tudo em vão.

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Ventania Um dia, murmurei ao vento: - Traga-me a dona do meu pensamento. Atravesse fronteiras, mares e cidades. Não importa o tempo, digressões inteiras ou pela metade, nem a minha idade. O vento em resposta gira e assovia. Sai às minhas costas empurrando velas no mar agitado. Carregando pipas dos guris levados. Às vezes, mansinho, não passa de brisa, às águas alisa. Faz um burburinho quando cai um ninho

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de cima de casa. Apressa o tempo quando agitado, passando as finas folhas do meu calendário. Todos os meus dias vou a beira mar, olho o horizonte, sinto ele voltar. Sempre sem notícias, numa leve brisa tenta confortar. Mas houvera um dia em que olhava o céu , já velho e cansado, quando o vento agitado arrebata o meu chapéu . Acompanho-o com o olhar, aproximo-me do lugar onde o deixou, o vento. Vejo uma bela senhora, reconheço nessa hora a dona do meu pensamento.

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Solitário coração Eu não quero ser passivo ante a vida que me deram. Meu amor me desespero à procura de saída. Sou um lobo sem comida. Um camelo sem deserto. Não é certo a solidão quando ainda existe mão estendida. Uma flor colhida em vão murcha no vaso da mesa. Solitário coração que por falta de uma mão pára a vida por tristeza.

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ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA CIDADE DE MOSSORÓ EM

DEZEMBRO DE 2006 EM SISTEMA DIGITAL DE CAPA E MIOLO.