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Alvaro Máximo Sardinha LISBOA | DEZEMBRO 2017 Qualificação de recursos humanos no setor marítimo FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA MESTRADO EM DIREITO E ECONOMIA DO MAR: A GOVERNAÇÃO DO MAR OS RECURSOS NATURAIS MARINHOS E A ECONOMIA DO MAR

Qualificação de recursos humanos no setor marítimo · GMDSS - Sistema Mundial de Socorro e Segurança Marítima GVA ... OMI – Organização Marítima Internacional IMHA - International

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Alvaro Máximo Sardinha LISBOA | DEZEMBRO 2017

Qualificação de recursos humanos no setor marítimo FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA MESTRADO EM DIREITO E ECONOMIA DO MAR: A GOVERNAÇÃO DO MAR

OS RECURSOS NATURAIS MARINHOS E A ECONOMIA DO MAR

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

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QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS

NO SETOR MARÍTIMO

Álvaro Máximo Sardinha

([email protected])

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

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DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ANTI-PLÁGIO

Declaro, por minha honra, que o trabalho que apresento é original, da minha exclusiva autoria, e que

toda a utilização de contribuições ou textos alheios está devidamente referenciada. Tenho consciência

de que a utilização de elementos alheios não identificados constitui grave falta ética e disciplinar.

A maior parte do texto apresentado foi escrito após a data de início do Mestrado em Direito e

Economia do Mar, e não foi nem será apresentado em outra disciplina ou em outro curso da

Universidade Nova.

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MODO DE CITAR E OUTRAS CONVENÇÕES

Na bibliografia final encontram-se todas as obras e fontes citadas no texto, seguindo as Normas

Portuguesas NP n.º 405-1 e 405-4 do Instituto Português da Qualidade, sistema harmonizado com a

Norma ISO 690, e como recomendado nas Regras de Estilo indicadas pela Faculdade de Direito da

Universidade Nova de Lisboa.

As traduções são do autor.

Todas as abreviaturas utilizadas no texto encontram-se devidamente identificadas na lista de

abreviaturas.

O presente texto contém opiniões estritamente pessoais que, em caso algum, podem ser atribuídas

a qualquer instituição com a qual o Autor colabore.

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LISTA DE ABREVIATURAS

BIMCO - Baltic & International Maritime Council

DGRM - Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos

DGPM - Direção-Geral de Política do Mar do Ministério do Mar

EMSA – European Maritime Safety Agency

EMSA – Agência Europeia de Segurança Marítima

EU – European Union

UE – União Europeia

GMDSS - Global Maritime Distress and Safety System

GMDSS - Sistema Mundial de Socorro e Segurança Marítima

GVA – Gross Value Added

VAB – Valor Acrescentado Bruto

ICS – International Chamber of Shipping

IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional

ILO – International Labour Organization

OIT – Organização Internacional do Trabalho

IMO – International Maritime Organization

OMI – Organização Marítima Internacional

IMHA - International Maritime Health Association

ISIC - International Standard Industrial Classification of All Economic Activities

MARPOL - International Convention for the Prevention of Pollution from Ships

MARPOL – Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios

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MLC – Maritime Labour Convention

MLC – Convenção do Trabalho Marítimo

OECD – Organization for Economic Co-operation and Development

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

SOLAS – International Convention for the Safety of Life at Sea

SOLAS – Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar

STCW – International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for

Seafarers

STCW – Convenção Internacional sobre Normas de Formação, Certificação e Serviço de Quarto

para Marítimos

UNCLOS – United Nations Convention on the Law of the Sea

CNUDM – Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

WISTA – Women’s International Shipping and Trading Association

DECLARAÇÃO DO Nº DE CARACTERES

O presente trabalho, incluindo espaços e notas, ocupa um total:

- 11511 palavras

- 65484 caracteres

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RESUMO

A qualificação de recursos humanos no setor marítimo constitui um desafio permanente e complexo.

A economia do mar abrange hoje múltiplas áreas de atividade, algumas delas com requisitos

especiais de acesso e de certificação, reguladas por convenções internacionais, obrigando a um

estudo detalhado de definição, classificação e diferenciação. Torna-se também obrigatório

caracterizar o emprego e as diferentes possibilidades de desenvolvimento de carreiras profissionais,

as instituições dedicadas ao ensino e formação e as instituições que regulam determinadas

profissões, caracterizando as indústrias em termos de abundância ou escassez de recursos humanos

qualificados, na atualidade e de forma prospetiva, procurando identificar tendências e oportunidades.

Finalmente, aos números alcançados e factos percebidos, deve ser adicionada uma reflexão

introspetiva e social, não esquecendo nunca que por detrás destes, sempre estão pessoas.

ABSTRACT

The human resources qualification in the maritime sector is a permanent and complex challenge. The

economy of the sea now encompasses multiple areas of activity, some of them with special access

requirements and certification regulated by international conventions, requiring a detailed study of

definitions, classification and differentiation. It is also mandatory to characterize the employment and

the different possibilities of career development, the institutions dedicated to education and training

and the institutions that regulate certain professions, characterizing the industries in terms of

abundance or scarcity of qualified human resources, nowadays and in a prospective way, trying to

identify trends and opportunities. Finally, to the achieved numbers and perceived facts, there must be

added introspective and social reflection, never forgetting that behind these, there are always people.

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PARTE I - Enquadramento

1. INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, caracterizado por intensa e extensa automatização de processos, tendo em

vista a otimização de sistemas e a redução de custos associados de exploração, os recursos humanos

continuam a ocupar um lugar central na história.

São necessários profissionais qualificados, com competências “hard” e “soft”, que lhes permitam

desempenhar as funções de hoje e também de amanhã, adaptando-se a qualquer desafio, em

ambientes de mudança constante e de melhoria contínua. Para capacitarmos e “construirmos” estes

recursos, temos de olhar não só para o ser humano, mas também para o meio em que está inserido,

e para a envolvente de possibilidades/ adversidades que o condiciona. Em particular nos setores de

atividades relacionados com o meio marítimo, onde a escassez de recursos humanos qualificados é

notoriamente evidente.

A Economia do Mar é extremamente abrangente no que respeita a recursos humanos, integrando os

profissionais que trabalham em terra e os que trabalham a bordo de navios, incluindo uma vasta

multiplicidade de qualificações e de competências. Sendo impossível caracterizar aqui todos os

setores de atividade impactantes na Economia do Mar, a abordagem do tema do presente trabalho

será realizada partindo de aspetos transversais a todos os setores, e caminhando objetivamente para

uma análise mais apurada, que incidirá sobre os recursos humanos que trabalham a bordo de navios,

a quem vulgarmente chamamos marítimos (seafarers).

O que está feito e o que falta fazer? Estas são as questões que motivaram o desenvolvimento de uma

análise e reflexão atenta, cujos resultados são apresentados no presente trabalho.

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2. RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

O setor marítimo é extremamente complexo em termos de atividades profissionais, contratos de

trabalho, fiscalidade, proteção social, etc. Para o entendermos no que diz respeito aos seus recursos

humanos e respetivas qualificações, e antes de tentarmos organizar a sua classificação, importa

analisar o que está estabelecido em convenções, tratados e legislação internacional e nacional.

2.1 Convenção do Trabalho Marítimo, MLC 2006

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho OIT (ILO International Labour

Organization) adotou, em 7 de fevereiro de 2006, a Convenção do Trabalho Marítimo, 2006 (MLC

2006), com o objetivo de criar um instrumento único, com todas as normas atualizadas das

Convenções e Recomendações internacionais existentes sobre Trabalho Marítimo, bem como

princípios fundamentais de outras convenções internacionais sobre trabalho.

A MLC 20061 regula os requisitos da idade mínima, certificado médico, formação e qualificações para

o trabalho a bordo de navios da marinha de comércio, condições de trabalho, tais como a celebração

do contrato de trabalho, remunerações, serviços de recrutamento e colocação de marítimos, duração

do trabalho ou do repouso, férias anuais, repatriamento, lotações de segurança, alojamento,

instalações de lazer, alimentação e serviço de mesa, proteção da saúde e cuidados médicos,

prevenção de acidentes, proteção em matéria de segurança social, queixas a bordo e pagamento de

retribuições.

As definições e âmbito de aplicação da MLC 2006 explicitam que “marítimo designa qualquer

pessoa empregada ou contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de um navio ao

qual se aplique a presente convenção.” (Artigo II alínea f)

Acrescenta ainda que “navio designa qualquer embarcação que não navegue exclusivamente em

águas interiores ou em águas abrigadas ou nas suas imediações ou em zonas onde se aplique uma

regulamentação portuária.” (Artigo II alínea i)

1 Lista de ratificações disponível em http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_ID:312331:NO

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Clarifica também o âmbito de aplicação da Convenção: “Salvo disposição expressa em contrário, a

presente Convenção aplica-se a todos os navios pertencentes a entidades públicas ou privadas

habitualmente afectos a actividades comerciais, com excepção dos navios afectos à pesca ou a

actividade análoga e das embarcações de construção tradicional como dhows e juncos. A presente

Convenção não se aplica nem a navios de guerra nem a unidades auxiliares da marinha de guerra.”

(Artigo II ponto 4). Relativamente a navios, esclarece que “Em caso de dúvida quanto à aplicabilidade

da presente convenção a determinado navio ou categoria de navios, a questão será resolvida pela

autoridade competente de cada um dos Membros, após consulta às organizações de armadores e de

marítimos interessadas.” (Artigo II ponto 5)

Relativamente à classificação de marítimo, em caso de dúvidas, explicita que “Se, para os fins da

presente convenção, surgir alguma dúvida relativamente a considerar-se ou não, uma categoria de

pessoas como marítimos, a questão será resolvida pela autoridade competente de cada um dos

Membros, após consulta das organizações de armadores e de marítimos interessadas.” (Artigo II

ponto 3)

2.2 Convenção sobre o Trabalho no Setor das Pescas, ILO 188

De acordo com o exposto no ponto anterior, a Convenção MLC 2006 excluiu o setor das pescas do

seu âmbito de aplicação. Para este setor, que inclui cerca de 40 milhões de pessoas em todo o mundo,

a ILO adotou, em 14 de junho de 2007, a Convenção sobre o Trabalho no Setor das Pescas

(Convenção n.º 188 da ILO)2, tendo a mesma entrado em vigor em 16 de novembro de 2017, após

ratificação de 10 países. Esta Convenção tem como objetivo criar um instrumento único e coerente

para completar as normas internacionais em matéria de condições de vida e de trabalho no setor e

integra normas revistas e atualizadas de convenções e recomendações internacionais aplicáveis aos

pescadores, bem como os princípios fundamentais consagrados noutras convenções internacionais

do trabalho.

A União Europeia publicou a Diretiva (UE) 2017/1593 do Conselho , de 19 de dezembro de 2016, que

aplica o Acordo relativo à aplicação da Convenção sobre o Trabalho no Setor das Pescas, de 2007,

da Organização Internacional do Trabalho, celebrado em 21 de maio de 2012 entre a Confederação

Geral das Cooperativas Agrícolas da União Europeia (Cogeca), a Federação Europeia dos

2 Informação disponível em http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_596898/lang--en/index.htm 3 Informação disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32017L0159

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Trabalhadores dos Transportes (ETF) e a Associação das Organizações Nacionais das Empresas de

Pesca da União Europeia (Europêche), mas a mesma não entrou ainda em vigor.

Portugal não ratificou ainda esta importante Convenção. Não deixa de ser curioso notar, que alguns

países que integram a união Europeia já ratificaram a mesma, incluindo a França, Estónia e a Lituânia.

2.3 Lei n.º 146/2015

Em Portugal, a Lei n.º 146/20154 de 9 de setembro, regula a atividade de marítimos a bordo de navios

que arvoram bandeira portuguesa, bem como as responsabilidades do Estado português enquanto

Estado de bandeira ou do porto, tendo em vista o cumprimento de disposições obrigatórias da

Convenção do Trabalho Marítimo, 2006, transpondo para a legislação nacional o disposto no direito

europeu.

Esta Lei apresenta as seguintes definições:

“«Marítimo», qualquer pessoa empregada ou contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo

de navio a que se aplique a presente lei;” (Artigo 2, ponto 1, alínea e)

“«Navio», qualquer embarcação pertencente a entidade pública ou privada habitualmente afeta a

atividades comerciais, com exceção de navio afeto à pesca ou atividade análoga, de navio de

construção tradicional, de navio de guerra ou unidade auxiliar da marinha de guerra, de navio que

navegue exclusivamente em águas interiores ou em águas abrigadas ou nas suas imediações ou em

zonas abrangidas por regulamentação portuária, sendo também abrangidas, para efeitos de aplicação

da presente lei, as unidades móveis de perfuração ao largo e as unidades flutuantes de produção,

armazenamento e descarga que arvoram a bandeira nacional ou que operam, nos termos da

legislação nacional aplicável, em zonas marítimas sob jurisdição do Estado português;” (Artigo 2,

ponto 1, alínea f)

Dispõe ainda:

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, não se consideram marítimos, designadamente,

os seguintes trabalhadores:

a) Os pilotos do porto, inspetores, auditores, superintendentes e outros, cujo trabalho não é parte do

negócio de rotina do navio;

4 Lei disponível em https://dre.pt/home/-/dre/70236274/details/maximized?p_auth=GqV4GZYd

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b) Cientistas, investigadores, mergulhadores e outros, cujo trabalho não é parte do negócio de rotina

do navio;

c) Os artistas convidados, técnicos de reparação, trabalhadores portuários e quaisquer outros

trabalhadores, cujo trabalho a bordo é ocasional e de curto prazo sendo o seu principal local de

trabalho em terra.” (Artigo 2, ponto 2, alíneas a,b,c)

Como se pode constatar, tanto a Convenção do Trabalho Marítimo, 2006 da Organização

Internacional do Trabalho, como a Lei n.º 146/2015, apenas consideram como marítimos as pessoas

que trabalham em navios aos quais se aplicam as suas disposições. Como vimos, estão excluídas as

embarcações de pesca e de tráfego local, onde trabalham milhares de pessoas, muitas com inscrição

marítima, ao abrigo do Decreto-Lei 280/2001 (RIM Regulamento de Inscrição Marítima)5.

Pelo disposto previamente, revela-se assim uma inconsistência:

- São considerados marítimos os enfermeiros, empregados de mesa, cabeleireiros, etc., que

trabalham em navios de cruzeiros oceânicos;

- Não são considerados marítimos os marinheiros qualificados que trabalham em embarcações que

navegam nos rios Tejo e Douro.

5 Decreto-Lei disponível em https://dre.pt/web/guest/pesquisa-avancada/-/asearch/584020/details/normal?types=SERIEI&numero=280%2F2001&tipo=%22Decreto-Lei%22

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2.4 Caraterização dos Recursos Humanos do Setor Marítimo

Para efeitos do presente trabalho, serão considerados marítimos, sem exceção, todas as pessoas

que trabalham de forma permanente a bordo de navios e embarcações em geral, dado que todos elas

necessitam possuir qualificações profissionais, muitas vezes especificamente marítimas, como por

exemplo os marinheiros.

Tendo em conta a anterior exposição, podemos afirmar que os Recursos Humanos do Setor Marítimo

podem dividir-se em dois grandes grupos:

A. Recursos Humanos Marítimos

Todas as pessoas que trabalham a bordo de navios, de forma permanente (áreas de

convés, máquina, hotel, incluindo oficiais pilotos, oficiais de máquinas, marinheiros,

cozinheiros, empregados de mesa, músicos, etc.);

B. Recursos Humanos Não Marítimos

Todas as pessoas que trabalham no setor marítimo, mas não de forma permanente a

bordo de navios (incluindo trabalhadores portuários, turismo costeiro, construção e

reparação naval, ensino e formação náutica, etc.).

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As Profissões no Setor Marítimo, excluindo a área militar que não se enquadra no presente trabalho,

podem também ser agrupadas em dois grandes grupos:

A. Profissões no mar (Seaside) em navios da marinha mercante

a. Marinha de Comércio – Carga e Passageiros

b. Marinha de Pesca

c. Marinha de Recreio

B. Profissões em terra (Shoreside)

a. Atividades diretas (por exemplo portos)

b. Atividades indiretas (por exemplo turismo costeiro)

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3. QUALIFICAÇÕES NO SETOR MARÍTIMO

Recursos humanos não marítimos

As qualificações dos recursos humanos não marítimos, que incluem todas as pessoas que trabalham

no setor marítimo, mas não de forma permanente a bordo de navios, são obtidas em várias instituições

de ensino e formação, mais ou menos especializadas. Falamos de qualificações que são, muitas

vezes, válidas tanto para o setor marítimo como para outros setores de atividade.

Por exemplo, o serralheiro ou o soldador podem trabalhar num estaleiro de construção naval, mas

podem também trabalhar em construção metálica de tanques e estruturas; a vendedora de excursões

turísticas pode promover viagens em embarcações, mas também em autocarros; os técnicos de

manutenção de ar condicionado podem efetuar serviço em instalações terrestres e em navios.

Pelas razões expostas, e dada a sua diversidade, abrangência e generalização em termos de

instituições de ensino e formação, carreiras profissionais e regulamentação, os recursos humanos

não marítimos, embora trabalhem no setor marítimo, não serão o foco principal do presente trabalho.

Recursos humanos marítimos

As qualificações dos recursos humanos marítimos, que incluem todas as pessoas que trabalham a

bordo de navios, de forma permanente, são também obtidas em várias instituições de ensino e

formação, mais ou menos especializadas. Também aqui existem muitas qualificações que são, muitas

vezes, válidas tanto para o setor marítimo como para outros setores de atividade.

Por exemplo, os profissionais de saúde que incluem médicos e enfermeiros, podem trabalhar no

hospital de um navio, mas podem também trabalhar em instituições de saúde em terra; a esteticista

pode trabalhar no spa de navios ou em terra; a rececionista hoteleira pode trabalhar em navios ou em

terra.

Pelas razões apresentadas, e dada a sua diversidade, abrangência e generalização em termos de

instituições de ensino e formação, carreiras profissionais e regulamentação, os recursos humanos

marítimos, que trabalham a bordo de navios de forma permanente, serão foco do presente trabalho,

mas apenas nas qualificações específicas exigidas internacionalmente a quem trabalha em navios,

ficando excluídas de análise as suas qualificações profissionais de base.

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Recursos humanos marítimos - Seafarers

Os recursos humanos marítimos que trabalham a bordo de navios, de forma permanente, e aos quais

é exigida formação e certificação marítima regulamentada para o desempenho das suas profissões,

serão também, como não poderia deixar de ser, objeto de estudo no presente trabalho. Falamos dos

profissionais de convés e de máquina (classes de oficiais, mestrança e marinhagem) dos navios,

conforme estabelecido no Regulamento de Inscrição Marítima (RIM) e normalmente conhecidos como

Seafarers.

Seguindo a linha de raciocínio definida, torna-se obrigatório conhecer a Convenção STCW, a IMO -

entidade responsável pela mesma a nível internacional, e a DGRM - entidade responsável pela

implementação e fiscalização da mesma a nível nacional.

3.1 Convenção STCW

Convenção Internacional sobre Normas de Formação, Certificação e Serviço de Quarto para

Marítimos Convenção STCW (International Convention on Standards of Training, Certification and

Watchkeeping for Seafarers)

Sendo o transporte marítimo uma indústria internacional, com características particulares e

específicas, e considerando a importância do elemento humano na segurança, proteção de pessoas,

ambiente, carga e navios, a IMO (International Maritime Organization) adotou, em 7 de julho de 1978,

a Convenção STCW, a qual entrou em vigor a nível internacional em 28 de abril de 1984.

A Convenção STCW estabelece as Normas de Formação, Certificação e Serviço de Quartos para

Marítimos. Ratificada por 162 países, incluindo Portugal, é um instrumento fundamental para a

promoção da segurança marítima, da preservação do meio ambiente e da salvaguarda da vida

humana, navios e carga no transporte marítimo. Com a Convenção STCW 78, a IMO procurou afastar

a possibilidade de existirem tripulações insuficientemente qualificadas e, por outro lado, estabelecer

e garantir níveis mínimos e harmonizados de formação dos marítimos, em especial para efeitos de

reconhecimento mútuo de diplomas e certificados. A Convenção STCW estabelece as normas

mínimas em matéria de formação, certificação e serviço de quartos para os marítimos, que os países

são obrigados a atingir ou exceder.

A Convenção STCW constitui um dos quatro pilares mais importantes, dos instrumentos

internacionais que regulam as questões relacionadas com a segurança marítima e a prevenção da

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

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poluição, sendo os outros três a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no

Mar (Convenção SOLAS), a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios

(Convenção MARPOL), ambas adotadas pela IMO, e a Convenção do Trabalho Marítimo (MLC),

adotada pela Organização Internacional do Trabalho (ILO).

A Convenção STCW sofreu já duas grandes revisões, a primeira em 1995, e a segunda em 2010,

aprovada em Conferência realizada em Manila, Filipinas:

STCW95

Posteriormente, em 7 de julho de 1995, a IMO adotou um conjunto de emendas à Convenção STCW

78, as quais representaram uma importante revisão e tiveram como objetivo atualizar as disposições

e reduzir as diferentes interpretações que iam sendo feitas pelos Estados Parte à mesma Convenção

STCW 1978. Estas emendas entraram em vigor a nível internacional em 1 de fevereiro de 1997,

registando-se como principais alterações a adoção do Código STCW e a exigência das Partes da

referida Convenção, serem obrigadas a fornecer à IMO informações detalhadas sobre as medidas

administrativas tomadas, para garantir o cumprimento da mesma Convenção. Com as emendas de

1995 à Convenção STCW, a IMO passou a ter, pela primeira vez, um papel de acompanhamento da

implementação, pelos Estados Parte, de um instrumento internacional.

STCW2010

Em 25 de junho de 2010, na Conferência dos Estados Parte, realizada em Manila, foram aprovadas

alterações importantes à Convenção e ao Código STCW, alterações que foram designadas por

“Emendas de Manila”, e que consistem na introdução de medidas relativas à prevenção de práticas

fraudulentas em matéria de certificados, às normas médicas, à formação em matéria de proteção,

inclusive no que diz respeito a atos de pirataria e assaltos à mão armada, à formação em questões

relacionadas com a tecnologia, e a requisitos para os marítimos qualificados, estabelecendo novos

perfis profissionais, como o dos oficiais eletrotécnicos. As Emendas de Manila iniciaram o seu

processo de entrada em vigor em 1 de janeiro de 2012, tendo-se concluído a sua implementação em

31 de dezembro de 2016.

Estrutura da Convenção STCW

A Convenção STCW é constituída por um articulado e por um anexo. O articulado inclui 17 artigos os

quais abrangem, nomeadamente, os aspetos relativos às obrigações gerais, o procedimento de

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

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adoção de emendas, a forma como um Estado pode tornar-se Parte à STCW, as condições de entrada

em vigor, etc.

Inclui ainda um anexo onde constam as regras, as quais se encontram distribuídas por 8 capítulos:

• Capítulo I: Disposições gerais

• Capítulo II: Comandante e secção de convés

• Capítulo III: Secção de máquinas

• Capítulo IV: Radiocomunicações e operadores de rádio

• Capítulo V: Requisitos especiais de formação para o pessoal de determinados tipos de navios

• Capítulo VI: Funções de emergência, prevenção de acidentes, proteção (security), cuidados

médicos e sobrevivência

• Capítulo VII: Certificação alternativa

• Capítulo VIII: Serviço de quartos

O Código STCW faz parte da Convenção e é incluído na mesma, através de dois anexos com várias

secções. As regras contidas na Convenção são suportadas pelas secções do Código STCW. De um

modo geral, a Convenção contém requisitos básicos que são desenvolvidos e explicados no Código,

estando o mesmo dividido nas partes A (anexo 1) e B (anexo 2).

A Parte A do Código é obrigatória. Os requisitos mínimos de competência exigidos aos marítimos são

apresentados em detalhe numa série de tabelas. O Capítulo II do Código, por exemplo, lida com as

normas relativas ao comandante e ao departamento de convés.

A Parte B do Código contém recomendações, que se destinam a ajudar as Partes a implementar a

Convenção. As medidas sugeridas não são obrigatórias e os exemplos apresentados destinam-se

apenas, a ilustrar como os requisitos da Convenção podem ser cumpridos. No entanto e em geral, as

recomendações representam uma abordagem que foi harmonizada, por debates no âmbito da IMO e

em consultas a outras organizações internacionais.

Aplicação da Convenção STCW

A Convenção aplica-se aos marítimos servindo a bordo de navios de mar, autorizados a operar sob

a bandeira de uma Parte (Estado para o qual a Convenção entrou em vigor), excetuando-se os que

servem a bordo de:

(a) Navios de guerra, navios auxiliares ou outros navios de propriedade ou operados por um Estado,

desde que sejam utilizados somente em serviços governamentais não comerciais;

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(b) Navios de pesca (nestes aplica-se a convenção STCW-F);

(c) Embarcações de recreio não empregadas em comércio; ou

(d) Embarcações de madeira de construção primitiva.

No âmbito da Convenção STCW, navio de mar é qualquer navio, com exclusão dos que navegam

exclusivamente em águas interiores ou em águas situadas no interior ou na proximidade de águas

abrigadas ou em zonas nas quais se apliquem regulamentos portuários. (Artigo II da Convenção

STCW).

Certificados STCW

Ao abrigo da Convenção STCW são emitidos dois tipos de certificados:

• Certificados de competência, são todos os certificados emitidos e autenticados exclusivamente a

comandantes, oficiais e operadores de rádio no sistema mundial de socorro e segurança marítima

(GMDSS), que completem um programa de ensino e formação aprovados, satisfazendo a respetiva

norma de competência especificada na Convenção STCW, nos termos do disposto nos capítulos II,

III, IV ou VII do anexo à Convenção STCW, que habilita o seu legítimo titular a ocupar o posto

especificado e a exercer, a bordo de um navio, as funções correspondentes ao nível de

responsabilidade nele especificado. Adicionalmente, os oficiais candidatos à emissão de um

certificado de competência, devem comprovar ter cumprido um serviço de mar, de período variável

consoante o grau de certificação.

• Certificados de qualificação, são todos os certificados que não sejam um certificado de competência

emitido a um marítimo, e que atesta o cumprimento dos requisitos relativos à formação, às

competências ou ao serviço de mar. Dada a sua especificidade, podem ser emitidos a qualquer

marítimo, incluindo oficiais e restantes membros da tripulação. Considera-se serviço de mar, o serviço

prestado a bordo de um navio, relevante para a emissão ou revalidação de um certificado de

competência, de um certificado de qualificação ou de outras qualificações.

Para obter um certificado STCW, é necessário participar e concluir com aprovação um programa de

ensino e de formação, recebendo o aluno uma certidão emitida pela instituição de ensino autorizada

a realizar os mesmos. O respetivo certificado de qualificação internacional, é obtido após

apresentação da referida certidão nos serviços da DGRM (Direção Geral de Recursos Naturais,

Segurança e Serviços Marítimos), entidade responsável pela sua emissão e autenticação.

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

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A título de exemplo, o certificado de qualificação “Segurança Básica” (Basic safety), também

conhecido por certificado BST, de acordo com a Convenção STCW regra VI/1; secção A-VI/1

parágrafos 2 a 4, é considerado obrigatório para todos os marítimos que desempenham uma função

relacionada com segurança, ou seja, todos os que trabalham nos navios de carga e praticamente

todos os que trabalham nos navios de cruzeiros. A participação no respetivo curso, tem por objetivo

fornecer os conhecimentos e treino necessários, para desempenhar funções básicas relacionadas

com a segurança a bordo de um navio. Após conclusão, os formandos terão desenvolvido

competências em sobrevivência no mar, prevenção e combate a incêndios a bordo, prestação de

primeiros socorros básicos, cumprimento com os procedimentos de emergência, prevenção da

poluição do meio ambiente, desempenho de funções de acordo com práticas seguras, compreensão

de ordens e capacidade de ser compreendido durante o desempenho das funções e contribuição para

o bom relacionamento interpessoal a bordo.

Legislação relacionada

Portugal aprovou a adesão à Convenção Internacional sobre Normas de Formação, Certificação e de

serviço de Quartos para os Marítimos de 1978 - Convenção STCW, 1978, através do Decreto do

Governo n.º 28/85, de 8 de agosto.

A União Europeia incorporou a Convenção STCW, pela primeira vez no seu direito, através da Diretiva

94/58/CE do Conselho, de 22 de novembro de 1994. A Diretiva n.º 2008/106/CE do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, reformulou as anteriores e a Diretiva

2012/35/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, alterou a Diretiva

2008/106/CE.

Portugal transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2012/35/UE, relativa à Convenção e

Código STCW, através do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março, relativo ao nível mínimo de

formação de marítimos, procedendo à regulamentação da aplicação das Emendas de Manila.

A Convenção STCW-F para o setor da Pesca

A Convenção STCW-F6, foi adotada pela IMO em 7 de julho de 1995 e entrou em vigor a nível

internacional em 29 de setembro de 2012.

6 Informação disponível em http://www.imo.org/en/OurWork/humanelement/pages/stcw-f-convention.aspx

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

14

Reconhecendo que esta Convenção contribui significativamente para promover no setor das pescas,

ao nível internacional, a segurança da vida humana e dos bens no mar, contribuindo assim também

para a proteção do meio marinho, foi publicada a Decisão (UE) 2015/7997 do Conselho, de 18 de

maio de 2015, que autorizou os Estados-Membros a tornarem-se parte na Convenção Internacional

da Organização Marítima Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de

Quartos para os Marítimos dos Navios de Pesca.

Portugal tornou público através do Aviso n.º 28/2017 que, em 23 de janeiro de 2017, a República

Portuguesa depositou o seu instrumento de ratificação da Convenção STCW-F. Em cumprimento do

n.º 3 do artigo 12.º da Convenção, esta entrou em vigor para a República Portuguesa no dia 23 de

abril de 2017 (3 meses após ratificação).

3.2 Entidades reguladoras e fiscalização

A segurança no sector marítimo faz todo o sentido, hoje, mais do que nunca, assumindo o transporte

marítimo um lugar de progressivo destaque, na movimentação de mercadorias e de pessoas. A

segurança da vida no mar, a proteção do ambiente marinho e mais de 90% do comércio mundial,

depende do profissionalismo e competência dos marítimos e do rigor e transparência das companhias

e operadores. Estudos recentes revelam que, pelo menos, 60% dos acidentes no setor marítimo têm

origem em erro humano, pelo que a normalização dos níveis de formação adequados, e a exigência

de certificação rigorosa, e a melhoria e garantia de condições de trabalho adequadas, irão contribuir

com certeza para a redução desta taxa.

IMO - International Maritime Organization8

Em resposta a grandes desastres, os estados caminharam em direção à internacionalização das leis

e ao entendimento entre as principais nações marítimas. A Organização Marítima Internacional (OMI)

foi criada em 1948, em Genebra, com o nome de Organização Consultiva Intergovernamental

Marítima, e em 1982 mudaria o seu nome para Organização Marítima Internacional. É uma agência

especializada das Nações Unidas.

7 Informação disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32015D0799 8 Sítio IMO em http://www.imo.org

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

15

A IMO tem como objetivo, instituir um sistema de colaboração entre governos, no que se refere a

questões de navegação comercial internacional, bem como encorajar a adoção geral de normas

relativas à segurança marítima e à eficácia da navegação. A organização conta com 172 países

membros e 3 associativos.

"A missão da Organização Marítima Internacional (OMI), como organismo especializado das Nações

Unidas, consiste em promover o transporte seguro (safe and secure), ambientalmente saudável,

eficiente e sustentável através da cooperação.

Este objetivo será alcançado através da adoção dos mais elevados padrões praticáveis de segurança

marítima e proteção, eficiência da navegação e prevenção e controlo da poluição dos navios, bem

como através da consideração dos assuntos jurídicos relacionados e da implementação efetiva dos

instrumentos da OMI, com vista à sua aplicação universal e uniforme".9

DGRM - Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos10

A DGRM tem como missão o desenvolvimento da segurança e dos serviços marítimos, incluindo o

setor marítimo-portuário, a execução das políticas de pesca, da aquicultura, da indústria

transformadora e atividades conexas, a preservação e conhecimento dos recursos marinhos, bem

como garantir a regulamentação e o controlo das atividades desenvolvidas nestes âmbitos.

No âmbito das suas atribuições legais, conforme definido no Decreto-Lei n.º 49-A/2012, de 29 de

fevereiro, a DGRM prossegue as seguintes atribuições relativamente a recursos humanos marítimos:

- Assegurar a certificação da formação profissional no setor das pescas e do transporte marítimo;

- Assegurar a certificação dos navios e dos marítimos nacionais;

- Promover a segurança marítima e portuária, regulamentando, supervisionando, vistoriando e

inspecionando as organizações, as atividades, os navios, os equipamentos e as instalações

portuárias, em conformidade com o disposto nos instrumentos legais relevantes da Organização

Marítima Internacional (IMO), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da União Europeia

(UE) vigentes na ordem jurídica interna.

9 Missão IMO, publicada na Internet em http://www.imo.org/en/About/strategy/Pages/default.aspx

10 Sítio DGRM em https://www.dgrm.mm.gov.pt

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

16

Inspeção pelo Estado do porto (PSC Port State Control)

A inspeção pelo Estado do porto constitui um sistema de procedimentos harmonizados de inspeção

de navios pelo Estado do porto, promovendo a redução drástica da presença e eventual eliminação,

nas águas sob jurisdição nacional dos países aderentes, de navios que não obedeçam às normas

aplicáveis no domínio da segurança marítima, da proteção do transporte marítimo, da proteção do

meio marinho e das condições de vida e de trabalho a bordo (designados navios sub-standard).

O primeiro Memorando de Entendimento acerca de Inspeção pelo Estado de Porto – o Paris MoU11 -

entrou em vigor em 1 de julho de 1982. Foi assinado em 1 de janeiro de 1982, pelas Autoridades

Marítimas de 14 países da Europa, incluindo Portugal. Hoje é composto por 27 países, incluindo a

Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, Chipre, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Islândia,

Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Malta, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia,

Federação Russa, Eslovénia, Espanha, Suécia e Reino Unido.

Anualmente, são realizadas mais de 18.000 inspeções a bordo de navios estrangeiros em portos do

MOU de Paris, assegurando que esses navios cumprem as normas internacionais, em termos de

segurança e padrões ambientais, e que os membros da tripulação beneficiam de adequadas

condições de vida e trabalho.

No total podem contabilizar-se atualmente 11 Memorandos de Entendimento regionais:

- Paris MoU (Estados costeiros europeus e bacia do Atlântico Norte)

- US Coast Guard Port State Control (EUA)

- Acuerdo de Viña del Mar (América Latina)

- Tokyo MoU (Ásia e Pacífico)

- Caribbean MoU (Mar das Caraíbas)

- Mediterranean MoU (Mar Mediterrâneo)

- Indian Ocean MoU ( Oceano Índico)

- Abuja MOU (África Central e Oeste)

- Black Sea MoU (Mar Negro)

- Riyadh MoU (Golfo Pérsico)

- Abuja MoU (África Ocidental e Central)

11 Sítio acessível em https://www.parismou.org/

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

17

4. EMPREGO – OS NÚMEROS DA ECONOMIA DO MAR

4.1 Números globais

Para sustentar a análise do impacto da economia do mar, em termos de emprego e de valor

acrescentado, será utilizada a informação publicada pela OECD (Organisation for Economic

Cooperation and Development) no seu relatório de 2016, intitulado “The Ocean Economy in 2030”12.

Importa referir que os cálculos do valor acrescentado bruto (VAB) e do emprego, nas indústrias da

economia do mar selecionadas, se baseiam na Ocean Economy Database da OCDE, que foi

desenvolvida especificamente para este projeto e que inclui 169 países com costa marítima. Para

este estudo foi utilizada a norma ISIC Ver. 3 para a Classificação Industrial Internacional Padronizada

de Todas as Atividades Económicas (ISIC Rev.3 International Standard Industrial Classification of All

Economic Activities)13, classificação gerida e mantida pelas Nações Unidas. Embora o estudo tenha

sido publicado em 2016, para ter acesso a um conjunto válido de estatísticas oficiais internacionais,

o ano de referência foi fixado em 2010.

As atividades económicas estudadas incluem as seguintes:

• Transporte marítimo (shipping): transporte de carga e de passageiros em oceanos e águas costeiras.

Não inclui a construção e reparação de embarcações, nem as viagens em navios de cruzeiros, que

estão incluídos na indústria do turismo marítimo;

• Atividades portuárias: operações e gestão de armazenamento, carregamento e descarga. O

desenvolvimento de portos e a sua construção também estão incluídos neste setor, medindo o

investimento e a manutenção nos portos;

• Turismo marítimo e costeiro: turismo e atividades de lazer relacionadas com o oceano, incluindo a

indústria de cruzeiros e novos destinos (por exemplo, Ártico e Antártica). Inclui também os desportos

marinhos, pesca recreativa, aquários, excursões a habitats culturais subaquáticos, etc., restaurantes,

hotéis e acomodações à beira-mar e acampamentos localizados em local próximo ou adjacente à

costa;

• Processamento industrial de peixe: o processamento de recursos vivos do mar;

12 UNCTAD - Review of Maritime Transport 2017. pp. 46; 171-183. 13 Informação disponível no sítio https://unstats.un.org/unsd/cr/registry/regcst.asp?Cl=2

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

18

• Pescas de captura industrial: pesca de espécies selvagens;

• Aquicultura marinha industrial: produção de recursos vivos do mar;

• Petróleo e gás offshore: exploração e produção de petróleo e gás offshore, incluindo a operação e

manutenção de equipamentos relacionados com esta atividade. Não inclui o valor real do petróleo

bruto ou gás extraído;

• Energia eólica offshore: produção de energia elétrica a partir da energia eólica offshore;

• Construção e reparação naval: construção, reparação e manutenção de navios, embarcações,

plataformas offshore e navios de abastecimento offshore;

• Equipamentos marítimos: fabrico de equipamentos e materiais marítimos, como máquinas, válvulas,

cabos, sensores, materiais para navios, suprimentos de aquicultura, etc.

A lista de atividades económicas apresentada poderá ser expandida no futuro, com a inclusão dos

dados de setores como os serviços comerciais marítimos, a biotecnologia marinha, a energia

oceânica, a mineração do mar e a vigilância marítima, que não foram incluídos no documento referido,

devido a limitação de dados. Não estão também incluídos os resultados das atividades da pesca

artesanal e da pesca ilegal.

Podemos assim concluir que os números apresentados são muito conservadores dado que não

incluem os resultados de várias indústrias da economia do mar. Por outro lado, reportam-se a

números de 2010, ano caracterizado pela influência da crise financeira global iniciada em 2007/2008.

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

19

The Ocean Economy in 2030 - Resultados 201014

SETOR DE ATIVIDADE

VAB (USD

Billion)

VAB Notas

VAB Peso Relativo

Emprego N.º

Empregados

Emprego Notas

Transporte Marítimo 83 5% 1.200.000

Construção e reparação naval

58

Asia- 47%; Europa 25%;

América Norte 23%

4% 1.900.000

Equipamento Marítimo

168 11% 2.100.000

Atividades portuárias

193 13% 1.700.000

Turismo costeiro e marítimo

390 Europa 35% 26% 7.000.000

Pescas de captura industrial

21 1% 11.000.000

+ milhões de pessoas em

pesca artesanal e pesca ilegal

Aquicultura marinha industrial

3.6 <1% 2.000.000

Processamento industrial de peixe

79 5% 2.400.000

+ milhões pessoas em

processamento artesanal

Petróleo e gás offshore

504 34% 1.800.000

Energia eólica offshore

2.9 Europa 90% <1% 38.000

TOTAL 1.5 USD Trillion

2.5% do VAB Global

100% 31.138.000

14 Tabela construída a partir de dados disponíveis na publicação OCDE (2016) “The Ocean Economy in 2030”, referenciada na bibliografia.

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

20

The Ocean Economy in 2030 – Previsão 203015

SETOR DE ATIVIDADE

VAB (USD

Billion)

VAB Notas

VAB Peso Global

Emprego Empregados

Emprego Notas

Transporte Marítimo 118 4% 1.500.000

Construção e reparação naval

103 3% 2.300.000

Equipamento Marítimo

300 10% 2.700.000

Atividades portuárias

473 16% 4.200.000

Turismo costeiro e marítimo

777 26% 8.500.000

Pescas de captura industrial

47 2% 10.000.000

+ milhões de pessoas em

pesca artesanal e pesca ilegal

Aquicultura marinha industrial

11 <1% 3.000.000

Processamento industrial de peixe

266 9% 5.000.000

+ milhões pessoas em

processamento artesanal

Petróleo e gás offshore

636 21% 2.000.000

Energia eólica offshore

230 8% 435.000

TOTAL 3 USD Trillion

2.5% do VAB Global

100% 39.635.000

15 Tabela construída a partir de dados disponíveis na publicação OCDE (2016) “The Ocean Economy in 2030”, referenciada na bibliografia.

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

21

4.2 Números da Europa

Um estudo realizado em 2006 pela empresa ECOTEC para Comissão Europeia, intitulado “An

exhaustive analysis of employment trends in all sectors related to sea or using sea resources”,

reportando-se a dados de 2004/2005, apresenta os seguintes resultados:

Europa – Emprego na economia do mar 2004/200516

SETOR DE ATIVIDADE Emprego

Nº empregados Emprego

%

Transporte Marítimo 303.000 6,4%

Construção e reparação naval 153.000 3,2%

Equipamento Marítimo 287.000 6%

Atividades portuárias 284.000 6%

Turismo costeiro e marítimo 2.800.000 58,8%

Pescas de captura industrial 421.000 8,8%

Náutica de recreio 253.000 5,3%

Serviços marítimos 88.000 1,8%

Trabalhos marítimos 40.000 0,8%

Petróleo e gás offshore 81.000 1,7%

Energia eólica offshore 48.000 1%

TOTAL 4.758.000 100%

16 Tabela construída a partir de dados disponíveis na publicação ECOTEC (2006) “An exhaustive analysis of employment trends in all sectors related to sea or using sea resources”, referenciada na bibliografia.

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

22

Na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu - COM (2012) 494 final - dedicada ao tema

“Crescimento Azul: Oportunidades para um crescimento marinho e marítimo sustentável”, é partilhada

a seguinte informação17:

“Se contabilizarmos todas as atividades económicas que dependem do mar, a economia azul da UE

representa 5,4 milhões de empregos e um valor acrescentado bruto de quase 500 mil milhões de EUR

por ano. No total, 75 % do comércio externo da Europa e 37 % do comércio interno da UE são

efetuados por mar.”

“O subsetor do turismo marítimo e costeiro é atualmente a maior atividade económica marítima,

empregando 2,35 milhões de pessoas, o equivalente a 1,1% do emprego total na EU.”

“O setor dos navios de cruzeiro está também a aumentar: na Europa emprega cerca de 150 000

pessoas e gera um volume de negócios direto de 14,5 mil milhões de EUR.”

Para o caso específico do setor do turismo costeiro e marítimo, na Comunicação da Comissão ao

Parlamento Europeu - COM (2014) 86 final - dedicada ao tema “Uma estratégia europeia em prol do

crescimento e do emprego no setor do turismo costeiro e marítimo”, é partilhada a seguinte

informação18:

“O turismo costeiro e marítimo é a maior atividade marítima da Europa, com uma ligação estreita a

muitos outros setores da economia. Emprega quase 3,2 milhões de pessoas, gerando um total de

183 mil milhões de EUR em valor acrescentado bruto, e representa mais de um terço da economia

marítima. Mais de quatro em cada nove dormidas em hotéis na UE registam-se nas zonas costeiras.

Em 2012, o setor dos cruzeiros turísticos gerou, só por si, 15,5 mil milhões de EUR de receitas diretas

e empregou 330 000 pessoas; os portos europeus receberam 29,3 milhões de visitantes, um aumento

de 75 % em relação a 2006.”

17 Comunicação disponível em http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2012/PT/1-2012-494-PT-F1-1.Pdf 18 Comunicação disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM:2014:0086:FIN

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

23

4.3 Números em Portugal

Para ilustrar os números do emprego na Economia do Mar nacional, podemos utilizar a informação

desenvolvida pelo INE na Conta Satélite do Mar. No entanto, recomenda-se algum cuidado nas

comparações com os números apresentados anteriormente, dado que pode não existir coincidência

temporal e não existe total harmonização na consideração e classificação de atividades e

metodologias.

Portugal – Conta Satélite do Mar - Emprego na economia do mar 2010/201319

SETOR DE ATIVIDADE 2010

Nº empregados

2011 Nº

empregados

2012 Nº

empregados

2013 Nº

empregados

1. Pesca, aquicultura, transformação e comercialização dos seus produtos

61.670 62.200 63.389 62.395

2. Recursos marinhos não vivos 2.419 2.740 2.442 1.729

3. Portos, transportes e logística 14.575 15.173 15.501 15.096

4. Recreio, desporto, cultura e turismo 46.201 46.803 45.396 45.401

5. Construção, manutenção e reparação navais

5.077 4.276 4.134 4.129

6. Equipamento marítimo 9.938 9.614 8.344 8.216

7. Infraestruturas e obras marítimas 3.033 2.673 3.426 2.267

8. Serviços marítimos 19.855 18.110 18.495 17.998

9. Novos usos e recursos do mar 132 105 59 56

Total da conta satélite do mar 162.901 144.766 161.184 157.286

Economia nacional 4.644.624 4.527.650 4.285.672 4.178.797

% Emprego no Mar relativamente à Economia nacional

3,51% 3,57% 3,76% 3,76%

19 Informação sobre a Conta Satélite do Mar disponível em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=261965629&DESTAQUESmodo=2

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

24

4.4 Os Recursos Humanos Marítimos (Seafarers)

As pessoas que trabalham de forma permanente a bordo de navios de carga e de passageiros, e que

seguem carreiras marítimas normalmente regulamentadas, vulgarmente designados Seafarers, numa

indústria conhecida como Shipping, têm merecido um estudo atento por parte de várias entidades.

Efetivamente, as condições particulares de trabalho destas pessoas, em espaços confinados, com

forte exposição a riscos da natureza, longe da família por longos períodos de tempo e com

comunicações limitadas, têm levado a algum abandono do setor. Regista-se já escassez de recursos

humanos qualificados neste setor de atividade, situação que tem tendência para se agravar no futuro,

preocupando muitas companhias e países que dependem fortemente da indústria do transporte

marítimo, como por exemplo o Reino Unido.

Segundo os números publicados20 em 2015 pela ICS (International Chamber of Shipping), e

suportados pela BIMCO (Baltic & International Maritime Council), estima-se que os recursos humanos

que serviam em navios comerciais de comércio internacional, atingia o total de 1.647.500 marítimos,

incluindo 774.000 oficiais e 873.500 não oficiais (mestrança e marinhagem). A China, as Filipinas, a

Indonésia, a Federação Russa e a Ucrânia foram identificados como os cinco maiores países de

origem dos marítimos (oficiais e não oficiais). As Filipinas foi o país identificado como o maior

fornecedor de não oficiais, seguido pela China, Indonésia, Federação Russa e Ucrânia. A China é o

maior fornecedor de oficiais, seguido pelas Filipinas, Índia, Indonésia e Federação Russa. De acordo

com esta instituição, as perspetivas futuras indicam que a indústria do transporte marítimo e os

stakeholders não devem esperar que exista um abundante fornecimento de marítimos qualificados e

competentes, se não forem realizados esforços concertados e implementadas medidas para abordar

questões-chave relativas aos recursos humanos, através da promoção de carreiras no mar, da

melhoria do ensino e formação marítima em todo o mundo, tendo em vista a retenção de marítimos.

Num relatório publicado em maio de 2016, intitulado “Manpower Report” e publicado conjuntamente

pela BIMCO (Baltic & International Maritime Council) e pela ICS, a situação da mão de obra global na

indústria do transporte marítimo é analisada de forma abrangente, no período de 2010 a 2015. Entre

as principais conclusões deste relatório, destacam-se a existência em 2016 de um défice de cerca de

16.500 oficiais da marinha mercante, e a necessidade de 147.500 oficiais até 2025, para dar resposta

às necessidades de recursos humanos da frota comercial mundial. No entanto, o relatório estimou

que, em 2016, existia um excesso de oferta de cerca de 119.000 marítimos não oficiais (mestrança e

20 Informação disponível em http://www.ics-shipping.org/shipping-facts/shipping-and-world-trade/global-supply-and-demand-for-seafarers

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

25

marinhagem), revelando que, cada vez mais, a indústria do transporte marítimo procura recursos

humanos altamente qualificados. Peter Hinchliffe, secretário-geral do ICS comentou o relatório: "Sem

esforços contínuos para promover as carreiras no mar e melhorar os níveis de recrutamento e de

retenção, o relatório sugere que não se pode garantir que haverá uma abundante oferta de marítimos

no futuro".

Um outro estudo intitulado “Current Challenges in the Recruitment and Retention of Seafarers: An

Industry Perspective from Vietnam”, publicado pelo The Asian Journal of Shipping and Logistics, em

agosto de 2014, conclui que:

“A escassez de marítimos (especialmente os oficiais dos navios) já foi identificada como uma questão

global que pode agravar-se no futuro imediato. Assim, é necessário prestar uma atenção cada vez

maior aos problemas que dificultam o recrutamento e a retenção efetiva dos marítimos, a fim de

estabilizar o fluxo de mão-de-obra qualificada para o setor marítimo global. No que diz respeito ao

recrutamento, verificou-se que a baixa qualidade dos recursos humanos graduados e dos marítimos

experientes, bem como a falta de exe cutivos competentes nas empresas em terra, são questões

pertinentes que precisam ser abordadas pelos empregadores... Em termos de retenção, as condições

de trabalho e de vida precárias a bordo dos navios, são um fator chave que deve ser atendido para

melhorar a retenção entre os marítimos. Este estudo recomenda o desenvolvimento de estratégias

efetivas de recursos humanos pelas empresas de transporte marítimo…a fim de melhorar as taxas

de recrutamento e de retenção.”

Um estudo realizado em maio de 2011 pelo consultor Guy Sulpice para a Comissão Europeia, e

intitulado “Study on EU seafarers employment”, revelou que, em 2010, se contabilizavam na União

Europeia e Noruega, um total de 254.119 marítimos (seafarers), 143.967 oficiais e 110.152 não

oficiais (mestrança e marinhagem). Tendo em conta que em 2010 foram contabilizados 1.371.000

marítimos em todo o mundo, a União Europeia e a Noruega tinham nesta data 18,5% da força de

trabalho global. Curiosamente, Portugal é apresentado no estudo com um total de 2.221 marítimos,

419 oficiais e 1802 não oficiais.

Segundo um relatório intitulado “Seafarer's Statistic in the UE – Statistical review 2015”, realizado pela

EMSA - Agência Europeia de Segurança Marítima e publicado na plataforma STCW-IS21,

quantificando e caracterizando os marítimos europeus (seafarers), contabilizou 189.225 oficiais com

certificados de competência válidos, dos quais 97,85% são homens e 2,5% são mulheres.

21 Sítio acessível em https://portal.emsa.europa.eu/web/stcw/documents

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

26

4.4 Mulheres a bordo

A UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development esclarece, no seu relatório anual

intitulado “Review of Maritime Transport 2017” que “O negócio do transporte marítimo - tanto nos

navios como em terra – é um setor tradicionalmente dominado pelos homens. No mar, apenas 1%

dos marítimos são mulheres. Em terra, as mulheres detêm 55% das posições marítimas mundiais de

nível júnior, em comparação com 9% dos cargos de nível executivo.”

Se tivermos em conta o número total de marítimos a bordo de navios apresentado previamente –

1.647.500 – concluímos que podemos considerar que apenas 16.500 mulheres trabalhavam a bordo

de navios em 2015. Quais as razões para esta situação?

Além dos fatores característicos do trabalho a bordo de navios, comuns para homens e mulheres, o

género feminino é mais sensível a questões de saúde. De acordo com a publicação da UNCTAD, a

IMHA (International Maritime Health Association)22 e os seus parceiros realizaram uma pesquisa

sobre as necessidades de saúde e bem-estar das mulheres marítimas. De acordo com a pesquisa,

os principais desafios de saúde para as mulheres foram a dor nas costas e nas articulações

(particularmente em navios de passageiros em serviços de restaurante e de alojamentos, menos em

navios de carga), stress, depressão, ansiedade, obesidade e períodos menstruais pesados ou

dolorosos. O assédio sexual foi também reportado como um problema e um desafio para as mulheres.

Também de acordo com a publicação da UNCTAD, a WISTA (Women’s International Shipping and

Trading Association)23, sugere que a implementação de medidas independentes do género, tais como

a continuidade contratual e incentivos de longo prazo, políticas de portas abertas na cultura das

empresas, melhores acomodações a bordo e a facilitação da comunicação entre os marítimos e as

suas famílias, podem ajudar a melhorar as taxas de retenção.

Ao promover o emprego das mulheres a bordo de navios, as empresas marítimas podem não só

ajudar a superar a escassez de oferta de mão-de-obra, mas também contribuir para alcançar os

principais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, nomeadamente o ponto 5 – Igualdade

de género24.

22 Sítio em http://www.imha.net/ 23 Sítio em http://www.wista.net/ 24 Informação disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

27

PARTE II - Prospetiva

5. O FUTURO TRAÇA O RUMO

Se não perspetivarmos atentamente o futuro, será muito difícil entender o presente e aproveitar

devidamente cada amanhã. Importa saber onde estamos, traçar a radiografia das nossas forças e

fraquezas e caracterizar as ameaças e as oportunidades que externamente nos envolvem. Depois,

apontar ao futuro e estabelecer objetivos concretos, possíveis, definindo datas e identificando os

recursos necessários. Com ambição, com pragmatismo e com sentido de urgência.

O mundo em que vivemos encontra-se em profunda transformação, num processo disruptivo que

torna obsoletas ideias e factos, de forma acelerada e globalizada. O que hoje é verdade não tem

seguro de longevidade. Em bom rigor, muitas das ideias e das empresas e instituições atuais estão

condenadas a falhar a curto prazo, sendo entidades mortas-vivas, que faleceram já, mas que ainda

não o sabem. Não foi, no entanto, em vão o seu percurso e existência. Deixaram marcas e sinais para

outras que podem assim copiar as partes boas e evitar erros nas suas estratégias e planos de

execução.

Se observarmos atentamente as ideias e o trabalho já realizado, por empresas startups e por

entidades públicas e privadas, que operam nas áreas de investigação científica, incluindo

universidades, laboratórios, agências militares e governamentais, conseguimos “sentir” o arrepio dum

futuro que se aproxima à velocidade de um navio oceânico, mas que promete o impacto de um

meteoro. Os setores em inovação disruptiva incluem a inteligência artificial, robótica, medicina,

biotecnologia, energia, transportes, distribuição, etc. impactando, evidentemente, múltiplos aspetos

sociais e de sustentabilidade das pessoas e do planeta. Bem perto da opinião pública, manifesta-se

já o impacto dos drones, dos veículos de condução autónoma e, já em 2018, a chegada dos primeiros

navios também autónomos e não tripulados.

“Em três e cinco anos, veremos que pelo menos 10% das ocupações atuais serão eliminadas sem

reposição, devido à inovação disruptiva. Provavelmente teremos algo semelhante a um furacão

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político"25, declarou Richard Baldwin, professor de Economia Internacional do Instituto de Graduação

de Genebra, na conferência “O Futuro do Trabalho” coorganizada entre o instituto e a revista The

Economist, em Genebra no passado dia 2 de novembro de 2017. Não retirando valor à opinião

partilhada é, contudo, relevante sublinhar que a expressão “furacão político” ajuda a fazer manchetes,

à custa de alarmismos desnecessários. O mundo é palco de inovação desde que se conhece e o que

esta comprovadamente tem trazido chama-se mudança, não desemprego.

Parece mais sensata a posição expressa pelo McKinsey Global Institute, que refere num estudo

publicado em janeiro de 2017 e intitulado “A future that works: automation, employment, and

productivity”, que a automação e a inteligência artificial irão, sem dúvida, suprimir ocupações, mas

irão também criar funções inteiramente novas, que exigirão recursos humanos ainda melhor

qualificados ou, pelo menos, com diferentes competências.

“Embora grande parte do debate atual sobre a automação, se tenha concentrado no potencial de

desemprego em massa, as pessoas precisarão continuar a trabalhar junto com as máquinas para

produzir o crescimento do PIB per capita, que os países em todo o mundo aspiram. Assim, as nossas

estimativas de produtividade assumem que as pessoas deslocadas pela automação encontrarão

outro emprego. Muitos trabalhadores terão que mudar, e esperamos que os processos de negócios

sejam transformados. No entanto, a escala de mudanças na força de trabalho, durante muitas

décadas, que as tecnologias de automação podem desencadear, tem precedentes. É de uma ordem

de grandeza semelhante às mudanças tecnológicas de longo prazo, que afastaram a força de trabalho

da agricultura nos países desenvolvidos no século XX. Essas mudanças não resultaram em

desemprego em massa a longo prazo, porque foram acompanhadas pela criação de novos tipos de

trabalho. Não podemos dizer definitivamente se as coisas serão diferentes desta vez. Mas a nossa

análise mostra que os seres humanos ainda serão necessários na força de trabalho: os ganhos de

produtividade total que estimamos só ocorrerão se as pessoas trabalharem ao lado das máquinas.

Isso, por sua vez, alterará fundamentalmente o local de trabalho, exigindo um novo grau de

cooperação entre os trabalhadores e a tecnologia.”26

25 Texto citado acessível em https://www.swissinfo.ch/por/economia/futuro-do-trabalho_su%C3%AD%C3%A7a-pretende-frear-revolu%C3%A7%C3%A3o-rob%C3%B3tica/43658958?srg_evsource=newsletter&ns_mchannel=email&ns_source=swi-nl&ns_campaign=nl-w%5b46 26 Texto citado acessível em https://www.mckinsey.com/global-themes/digital-disruption/harnessing-automation-for-a-future-that-works

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6. O PRESENTE É DESIGUAL

O presente é desigual e desequilibrado. Se ouvirmos as notícias hoje, a escassez é atualidade.

Também o será amanhã. Vende jornais e conquista audiências. Faltam água, petróleo, sardinhas,

dinheiro, pessoas qualificadas. Abundam dívidas, riquezas, emissões nocivas, consumismo,

extremismo, conflitos, pobreza. A biodiversidade continua presente, porém ameaçada.

Em algumas sociedades, tudo falta e tudo está por fazer. As conjunturas instáveis e corruptas

ameaçam e sufocam as oportunidades e as pessoas. A questão não reside na ameaça da

automatização e, muitas vezes, nem sequer na falta de recursos financeiros ou minerais; o foco incide

na falta de pessoas, preparadas para desenhar e construir o futuro, a partir de um presente atrasado

no tempo. A qualificação de recursos humanos é aqui a maior das prioridades. A solução não passa

por oferecer peixe, mas sim por ensinar a pescar.

Em outras sociedades morre-se literalmente de abundância. Embora persista a desigualdade, os

níveis de vida podem classificar-se como elevados, sustentados por pessoas infoincluídas, sistemas

de ensino qualificados, abundantes e acessíveis, empresas inovadoras e políticas efetivas. O amanhã

não está garantido e a mudança é verbo. Embora pareça residir aqui uma ameaça, é esta energia

que cria dinâmicas educativas, sociais e empresariais, inspirando e motivando as pessoas a

desenvolverem competências e a adaptarem-se a um meio em permanente mudança. Sobrevive e

cresce não apenas os que se adaptam às mudanças, mas principalmente os que se adaptam

rapidamente. A agilidade com eficácia é a chave do sucesso: selecionar e implementar rapidamente

as soluções corretas. Infelizmente a abundância conduz muitas vezes à escassez de propósito,

conduzindo muitas pessoas, de todos os extratos sociais, a caminhos adjetivados por narcóticos,

tráficos, abusos, e até suicídio.

7. AS EMPRESAS SÃO HARDCORE

Por mais políticas de crescimento e de emprego que se implementem, e estratégias que se escrevam,

são as empresas que verdadeiramente constroem os resultados. E muitas não esperam por políticas.

Seguem um instinto visceral e nem sequer controlam as ideias. São as ideias que as lideram e as

fazem desenvolver e construir todos os dias.

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São hoje muitas as empresas, as mais inovadoras e determinadas, que levam a informação, o

equilíbrio, a mudança social e até a esperança, a países e a zonas do mundo esquecidas e

subdesenvolvidas. Seguindo a sua missão, geram resultados que financiam passos gigantes que

muitos ainda atribuem como deveres das nações. Movem-se por ideias e por planos, que executam

com equipas motivadas e preparadas. Pensam para acertar, calam para resistir, agem para vencer.

Medem, gerem e melhoram. Aproveitam as políticas boas, contornam as que não têm qualquer valor

e ultrapassam a inexistência de políticas. As boas empresas são imparáveis. Se não existe estrada

para chegar ao futuro, encarregam-se de a construir. Se a educação e o ensino são o esqueleto que

suporta a sociedade, as empresas são o sangue da economia. E o dinheiro é o seu oxigénio, pelo

que o lucro é razão de sobrevivência.

Quando falamos de empresas, falamos de pessoas, o seu maior ativo. Quanto mais inovadora for

uma empresa, maior impacto tem na sociedade, conseguindo desmontar paradigmas e pressupostos,

construindo através de um processo destrutivo criativo. A turbulência que provocam à sua passagem

é sentida por muitos, e muitos são atraídos pelo turbilhão magnético gerado. As oportunidades são

apelativas, reais e sexy. As pessoas atentas apressam-se a adquirir as competências chave para

entrarem na espiral, camuflando-se com as cores certas num processo de mimetismo camaleónico.

A maior parte das pessoas, senão todas, querem fazer parte, querem ser percebidas e ambicionam

crescer sucesso. As empresas precisam delas e da sua atitude e determinação. O papel dos governos

consiste em proporcionar os meios e disponibilizar os recursos, para a edificação da qualificação

crescente e progressiva. A educação, ensino e formação são vetores fundamentais em todas as

políticas e alicerce do crescimento e futuro sustentável. Apesar de muitas vezes estarem

completamente desenquadrados da realidade, ou subnutridos por orçamentos de estado enviesados

para sistemas de despesas herdadas, “porque sempre foi assim”.

8. PESSOAS AO CENTRO

Pessoas. A maior viagem, a mais intensa descoberta, a última fronteira. Falámos já de futuro, de

presente, das empresas. Falamos agora do denominador comum de todos os temas focados: as

pessoas. Não existe presente, não existe futuro, nem existem empresas, sem pessoas.

Os nossos antepassados que viveram na época do renascentismo (século XIV a XVI), em particular

os que criaram e alimentaram o humanismo (século XIV) - filosofia moral, corrente de pensamento e

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movimento intelectual que mudou o mundo para melhor - colocaram o homem no centro do universo.

E foi precisamente deste antropocentrismo, que surgiram grandes ideias e grandes descobertas em

variadas áreas do conhecimento, incluindo a física, a matemática, a engenharia, a medicina, etc.

levando a europa a uma fase de expansão marítima, desenvolvimento do comércio e de pequenas

indústrias.

Dessa época até aos dias de hoje muita coisa mudou. Passámos por uma revolução industrial nos

séculos XVIII e XIX, que mecanizou processos e criou riqueza a um ritmo nunca visto. As revoluções

continuaram ao longo do tempo e hoje continuam a suceder, e agora a um ritmo acelerado e de

enorme impacto nas sociedades. O homem foi sempre o engenho de mudança, mas, aparentemente,

em algum momento perdeu a sua noção de centralidade, tornando-se ferramenta, recurso, objetivo,

consumidor, número, estatística, audiência, um meio para atingir um fim.

A instabilidade e outros fenómenos sociais extremos que conhecemos hoje, como o radicalismo e

extremismo de ideias e de ações, culminando no terrorismo, têm afastado o homem da sua

preocupação de construção interior e exterior, fomentando o egoísmo e a competição, com ou sem

colaboração. A qualificação dos recursos humanos transformou-se numa obrigação, um caminho a

prosseguir para alcançar melhores posições, para projetar poderes, muitas vezes para ultrapassar

outras pessoas, esquecendo valores, ética ou moral.

Pensar nas pessoas como centro implica uma mudança radical. As pessoas transformam-se em

recurso humanos mais qualificados, não por obrigação, mas porque compreendem o seu propósito e

posição, valorizando o ser criativo, construtivo e a sua interação em comunidade. Recuperando um

novo humanismo, as pessoas aprendem e procuram conhecimento e competências voluntariamente

e por vocação, por valores, por missão e por razão, completando e cumprindo a sua missão como

seres humanos.

Face ao exposto, torna-se claro que, para promovermos a qualificação de recursos humanos, não

basta criarmos mais estruturas e sistemas. Não se trata de uma questão de quantidade ou de

qualidade, na forma como atualmente interpretamos esta palavra. Trata-se de um reposicionamento

radical, uma autêntica revolução – um regresso ao futuro. Os sistemas e estruturas que precisamos

têm de estar orientados para servir, para cumprir uma missão, e esta nada tem a ver com política,

poder, interesses nocivos, dinheiro ou território – antes e apenas com pessoas. Bem dizia Peter

Drucker, o maior pensador de gestão, no seu conselho de substituir a procura de sucesso pela procura

da contribuição.

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9. MAIS E MELHOR EDUCAÇÃO

Muito antes do ensino, encontramos o desafio da educação. E que gigante desafio. Maria de Sousa

Pereira Coutinho, Professora Associada com Agregação (Universidade Nova de Lisboa) e Doutorada

em Filosofia da Educação – Educação e Desenvolvimento, apresentou, em maio de 2017, a maior

definição para este tema27:

“No centro de um sistema educativo deve situar-se o ser humano a educar, num horizonte de

plenitude, ser que não é fechado nos seus próprios limites, mas um ser-a-caminho que se anulará

como pessoa quando não entrar nessa dinâmica. A tarefa educativa consiste, na verdade, na

capacidade de identificar e de acompanhar esta presente inquietação do homem, mantendo vivo o

amor pelo saber, despertando o coração e pondo em marcha a sua razão e a sua liberdade.”

A educação começa na transmissão das características, do conhecimento e da sensibilidade do

mundo adulto, para as novas gerações. Bem cedo, através da educação informal promovida pelas

famílias e nos círculos sociais e afetivos. Numa sociedade desigual, tal transmissão é também ela

desequilibrada. A herança recebida pelo mundo adulto é diferenciada, o acesso à informação não é

uniforme e a igualdade de oportunidades é uma miragem. Tirando uma radiografia instantânea à

sociedade adulta, facilmente poderíamos concluir que uma gigante parte não está preparada ou não

tem meios para bem-educar, por definição “acompanhando a presente inquietação do homem,

mantendo vivo o amor pelo saber, despertando o coração e pondo em marcha a sua razão e a sua

liberdade”.

A globalização e o ritmo acelerado de vida nos dias de hoje, associados a fenómenos de consumismo

e desvirtuação de princípios, não facilitam a tarefa da educação, quando esperamos tanto de uma

sociedade adulta que, a maior parte das vezes, está ela própria mal-educada.

Para recuperar o tempo perdido e preparar um futuro diferente, cabe aqui ao Estado agir com sentido

de urgência, alargando o orçamento dedicado à educação, e ampliando o alcance de medidas de

educação informal para todos – crianças, jovens e adultos. A educação continua depois e em

simultâneo, formalmente, através do sistema de ensino e de formação que complementa o sistema

educativo.

27 Texto publicado em http://observador.pt/opiniao/uma-revolucao-na-educacao-ou-uma-educacao-como-empresa-de-desumanizacao-do-homem/

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10. ENSINAR E FORMAR

Passamos ao domínio da educação formal, aquela que se realiza de forma intencional e com objetivos

determinados, normalmente em escolas. Importa também esclarecer que existe ainda a educação

não formal, que inclui os processos de ensino e de aprendizagem com intencionalidade educativa,

mas sem a obtenção de graus ou títulos, sendo esta comum em organizações sociais.

Em Portugal, no domínio da educação com impacto na economia do mar, existem vários casos de

sucesso, tendo vindo a ser realizado um trabalho notável nos vários níveis de ensino do currículo

escolar, nomeadamente através do projeto “Conhecer o Oceano” da Ciência Viva - Agência Nacional

para a Cultura Científica e Tecnológica28.

Importa também enaltecer o trabalho realizado pela DGPM (Direção-Geral de Política do Mar de

Portugal) na divulgação da literacia do oceano, através dos projetos “Kit do Mar”, “Escola Azul” e

“Leva Portugal ao Mundo”29.

No domínio da formação especializada para adultos, destaque para o trabalho desenvolvido pelo

FOR-MAR – Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar30, com os seus 12 polos

distribuídos de norte a sul de Portugal. Esta instituição pública tem como principal atribuição a

promoção de atividades de formação profissional para a valorização dos recursos humanos dos

setores ligados às atividades marítimas, disponibilizando vários cursos de formação na área de

mestrança e marinhagem e também formação de acordo com a Convenção STCW. Infelizmente esta

instituição, criada por protocolo celebrado entre o IEFP Instituto do Emprego e Formação Profissional

e a DGRM Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, tem pouca

autonomia e impossibilidade de gerar riqueza através da inovação, pelo que depende fortemente de

subsídios governamentais.

No domínio do ensino superior, destaque para a ENIDH - Escola Superior Náutica Infante D.

Henrique31, a única escola superior portuguesa vocacionada para a formação de oficiais da marinha

mercante e quadros superiores para o setor marítimo-portuário. A oferta formativa da ENIDH inclui

mestrados e licenciaturas em várias áreas, incluindo pilotagem, engenharia de máquinas marítimas,

engenharia eletrotécnica marítima, engenharia de sistemas eletrónicos marítimos, gestão de

28 Sítio em http://www.cienciaviva.pt/oceano/home 29 Sítio em https://www.dgpm.mm.gov.pt/literacia-do-oceano 30 Sítio em http://www.for-mar.pt 31 Sítio em http://www.enautica.pt

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transportes, e logística e gestão portuária. Adicionalmente, inclui cursos técnicos superiores

profissionais TESP.

11. VOCAÇÕES PROCURAM-SE

A identificação de uma vocação numa fase precoce da vida, pouparia muitas dores de cabeça e

recursos financeiros, às pessoas, famílias e países. Sem vocação identificada nos alunos, o ensino

perde eficácia e eficiência. Tudo se torna mais difícil e por vezes, até insuportável.

A procura da vocação de cada um deve ser uma tarefa interminável e prioritária, a iniciar bem cedo

na vida de cada um. Nesta caminhada, os círculos sociais devem evitar a imposição e falsa liderança

privilegiando a partilha e a exposição a temas e ações.

Nurturing é a palavra chave, que se traduz por sensibilização, estímulo, educação, informação,

esclarecimento, formação, inspiração, motivação, promoção, valorização e desenvolvimento.

O setor marítimo oferece vastas oportunidades de desenvolvimento de carreiras profissionais

desafiantes e gratificantes. Muitos portugueses, jovens e menos jovens, estariam interessados em

saber mais sobre este mundo, mas infelizmente e para muitos, o mar ainda é terra dos segredos.

É notável o trabalho já referido, desenvolvido através dos projetos “Conhecer o Oceano”, “Kit do Mar”,

“Escola Azul” e “Leva Portugal ao Mundo”. Há ainda muito a fazer, por parte das instituições ligadas

à economia do mar e da sociedade em geral, mobilizando iniciativas públicas e privadas, distribuindo

“megafones a formigas” e amplificando talento de novas gerações.

Destaque para o trabalho desenvolvido pela APORMAR - Agência Portuguesa de Marítimos32,

entidade que serve a comunidade que trabalha e que quer trabalhar em navios, promovendo o

emprego e o desenvolvimento de carreira. Uma das suas iniciativas, de divulgação das oportunidades

de carreiras marítimas e de promoção de emprego a bordo de navios – a Feira de Emprego e

Congresso Trabalhar num Navio33 – tem inspirado e motivado milhares de portugueses, com

resultados objetivos e mensuráveis no encontro de vocações e na criação de emprego.

Também a IMO tem desenvolvido um trabalho meritório no campo da promoção das carreiras

marítimas junto de jovens, através da iniciativa sua iniciativa de nomeação de Maritime

32 Sítio em http://www.apormar.com 33 Sítio em http://www.trabalharnumnavio.pt

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

35

Ambassadors34. Estes são encorajados a partilhar a sua paixão pelo mundo marítimo com os outros,

em particular os jovens que estão a iniciar a sua educação, aprendizagem ou em vias de início de

carreira, convidando-os a considerar carreiras no mar ou nas indústrias marítimas. O objetivo é

alcançar novos públicos-alvo e inspirar uma nova geração de especialistas marítimos.

12. CONCLUSÕES

Boas notícias - está tudo por fazer!

E quem vai fazer?

A qualificação de recursos humanos é fundamental hoje e amanhã, nas sociedades menos

desenvolvidas e nas mais avançadas. O ser humano é uma máquina criativa e construtiva de

soluções; a aprendizagem e a melhoria contínua são a melhor garantia da sua sustentabilidade.

O futuro vai influenciar e ser influenciado pela disponibilidade de recursos humanos qualificados,

exigindo a reinvenção de metodologias e processos de qualificação no presente, orientados por

princípios e valores sociais dos quais nos desviámos no passado.

As instituições de ensino deverão ter sempre presente a sua missão – servir a comunidade,

contribuindo para o seu desenvolvimento e harmonia, através da captação de novos alunos,

promoção do ensino e da formação, e apoio à integração profissional e ao desenvolvimento de

carreira.

Infelizmente, muitas instituições estão fortemente politizadas, servindo interesses particulares e

outros, nocivos para a sociedade e atuando de forma limitada, desperdiçando ou não aproveitando

devidamente os recursos postos à sua disposição.

- As pessoas precisam de orientação e vocação;

- As instituições de ensino e de formação precisam cumprir a sua missão e propósito;

- As boas empresas estão no bom caminho;

- A governação precisa de ação; a governação precisa de revolução.

34 Informação disponível em http://www.imo.org/en/MediaCentre/maritimeambassador/Pages/default.aspx

_______________________________________________QUALIFICAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO

36

13. BIBLIOGRAFIA

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2016. [Consult. 10 Nov. 2017]. Disponível na Internet: <URL: https://www.bimco.org/news/press-

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2017]. Disponível na Internet: <URL:

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6 Nov. 2017]. Disponível na Internet: <URL:

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29&DESTAQUESmodo=2>.

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MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE - A future that works: automation, employment, and productivity

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THOREAU, Henry David – Walden ou a vida nos bosques. 2.ª edição. Lisboa: Antígona, 2009. 366

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UNCTAD UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT - Review of

Maritime Transport 2017 [em linha]. Genebra: UNCTAD, 2017. [Consult. 16 Nov. 2017]. Disponível

na Internet: <URL: http://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=1890>.

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38

14. ANEXOS

CONVENÇÃO STCW

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39

CONVENÇÃO STCW-F

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40

CONVENÇÃO MLC 2006

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15. INDICE GERAL

DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ANTI-PLÁGIO .......................................................................... ii

MODO DE CITAR E OUTRAS CONVENÇÕES .................................................................................. iii

LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................................................ iv

DECLARAÇÃO DO Nº DE CARACTERES ......................................................................................... v

RESUMO ....................................................................................................................................... vi

PARTE I - Enquadramento .................................................................................................................. 1

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 1

2. RECURSOS HUMANOS NO SETOR MARÍTIMO ............................................................................ 2

2.1 Convenção do Trabalho Marítimo, MLC 2006 ......................................................................... 2

2.2 Convenção sobre o Trabalho no Setor das Pescas, ILO 188 ................................................... 3

2.3 Lei n.º 146/2015 ..................................................................................................................... 4

2.4 Caraterização dos Recursos Humanos do Setor Marítimo ...................................................... 6

3. QUALIFICAÇÕES NO SETOR MARÍTIMO ..................................................................................... 8

3.1 Convenção STCW ................................................................................................................. 9

3.2 Entidades reguladoras e fiscalização................................................................................... 14

4. EMPREGO – OS NÚMEROS DA ECONOMIA DO MAR................................................................. 17

4.1 Números globais ................................................................................................................. 17

4.2 Números da Europa ............................................................................................................ 21

4.3 Números em Portugal ......................................................................................................... 23

4.4 Os Recursos Humanos Marítimos (Seafarers) ...................................................................... 24

4.4 Mulheres a bordo ................................................................................................................ 26

PARTE II - Prospetiva ....................................................................................................................... 27

5. O FUTURO TRAÇA O RUMO...................................................................................................... 27

6. O PRESENTE É DESIGUAL ....................................................................................................... 29

7. AS EMPRESAS SÃO HARDCORE .............................................................................................. 29

8. PESSOAS AO CENTRO ............................................................................................................. 30

9. MAIS E MELHOR EDUCAÇÃO ................................................................................................... 32

10. ENSINAR E FORMAR .............................................................................................................. 33

11. VOCAÇÕES PROCURAM-SE ................................................................................................... 34

12. CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 35

13. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 36

14. ANEXOS ................................................................................................................................. 38