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Ano 43 • Nº 438 • Março – Abril 2011 Leia a entrevista com a pesquisadora e doutora em história, Nadia Luz. Págs. 4 e 5 C erta vez, diante da pergunta: “quem é o criminoso”, Emmanuel sabiamente respondeu: “qualquer um de nós que foi descoberto”. O assunto abordado nesta edição não pretende dar voz a qualquer uma das partes dia- riamente envolvidas em infelizes ocorrências – vítimas, fa- miliares ou criminosos, mas rastrear os nossos sentimentos, muitas vezes contraditórios, considerando o esforço para a nossa prática sobre tudo o que aprendemos no Evangelho. O editor Cristian Fernandes, levado às grades por acusação infundada, conviveu por quatro meses com detentos em São Paulo. Ele traz uma visão diferenciada, num depoi- mento real sobre o outro lado da história, mostrando-nos que criminosos não podem ser considerados seres à par- te da sociedade. “São pessoas que agem de maneira ruim em determinadas situações. Fora disso, são boas com suas famílias e sentem falta da sua convivência! Quando você olha, tendo a certeza de que todos somos criaturas que batalham pelo crescimento espiritual, consegue criar uma relação isenta de preconceito”. Leia mais nas páginas 8 e 9. CORREIO FRATERNO SEMPRE ATUAL, COM O MELHOR DO CONTEÚDO ESPÍRITA ISSN 2176-2104 Uma análise espírita da história Centro espírita sustentável Iluminação, ventilação natural, coleta de água da chu- va, adaptação em válvulas de descargas. Dicas de como aju- dar a sua casa espírita ser mais ecologicamente correta você encontra em artigo de André Trigueiro. Leia na pág. 15. Encontro reúne 450 jovens no Alto Paraíso - GO Nem a chuva que teimava em não dar trégua foi capaz de atrapalhar a programação da 22ª Confraternização das Mocidades Espíritas do Movimento da Fraternidade, um dos principais encontros da OSCAL – Organização So- cial Cristã-Espírita André Luiz, na cidade da Fraternida- de, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Leia na pág. 3. MEDO, INDIFERENÇA, PRECONCEITO Acesse o nosso site: www.correiofraterno.com.br E também siga-nos no TWITTER: www.twitter.com/correiofraterno

Quando estive preso

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Matéria "Entre o preconceito e a indiferença" e depoimento "Quando estive preso", publicados no jornal Correio Fraterno, edição 438, de 2011.

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A n o 4 3 • N º 4 3 8 • M a r ç o – A b r i l 2 0 1 1

Leia a entrevista com a pesquisadora e doutora em história, Nadia Luz.Págs. 4 e 5

Certa vez, diante da pergunta: “quem é o criminoso”, Emmanuel sabiamente respondeu: “qualquer um de nós que foi descoberto”. O assunto abordado nesta

edição não pretende dar voz a qualquer uma das partes dia-riamente envolvidas em infelizes ocorrências – vítimas, fa-miliares ou criminosos, mas rastrear os nossos sentimentos, muitas vezes contraditórios, considerando o esforço para a nossa prática sobre tudo o que aprendemos no Evangelho. O editor Cristian Fernandes, levado às grades por acusação infundada, conviveu por quatro meses com detentos em São Paulo. Ele traz uma visão diferenciada, num depoi-mento real sobre o outro lado da história, mostrando-nos que criminosos não podem ser considerados seres à par-te da sociedade. “São pessoas que agem de maneira ruim em determinadas situações. Fora disso, são boas com suas famílias e sentem falta da sua convivência! Quando você olha, tendo a certeza de que todos somos criaturas que batalham pelo crescimento espiritual, consegue criar uma relação isenta de preconceito”. Leia mais nas páginas 8 e 9.

CORREIOFRATERNO

SEMPRE ATUAL, COM O MELHOR DO CONTEÚDO ESPÍRITA

ISSN

217

6-21

04

Uma análise espírita da história

Centro espírita sustentável

Iluminação, ventilação natural, coleta de água da chu-va, adaptação em válvulas de descargas. Dicas de como aju-dar a sua casa espírita ser mais ecologicamente correta você encontra em artigo de André Trigueiro. Leia na pág. 15.

Encontro reúne 450 jovens no Alto Paraíso - GO

Nem a chuva que teimava em não dar trégua foi capaz de atrapalhar a programação da 22ª Confraternização das Mocidades Espíritas do Movimento da Fraternidade, um dos principais encontros da OSCAL – Organização So-cial Cristã-Espírita André Luiz, na cidade da Fraternida-de, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Leia na pág. 3.

MEDO, INDIFERENÇA, PRECONCEITO

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Uma análise espírita da história

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PRISÃOPRISÃOEntre o preconceito

e a indiferença

ESPECIAL

Por ELIANA HADDAD

A revista Veja São Paulo (edição 23 fev. 2011) destacou como capa matéria palpitante, cujo assunto

requer a atenção da sociedade – o duro ca-minho da recuperação dos menores infra-tores. Presos pelos mais variados motivos, dos atos mais corriqueiros aos mais impres-sionantes, além de impactos noticiosos na sociedade, provocam inúmeras indagações: Como saber o que vai no coração de cada um? O que levam pessoas agirem de formas tão diferentes? O fato é que, disfarçada, fi ca evidente a incômoda insegurança com rela-ção a esses momentos de desequilíbrio dos comportamentos humanos. E ninguém se atreve a atirar a primeira pedra, muito me-nos a dizer “desta água não beberei”, por-que não pode afi rmar-se totalmente livre de fazer aquilo que condena nos outros.

Socialmente, a questão é séria e mul-tidisciplinar. Cumprida a pena, o infrator estaria quite com a sociedade. Mas não é assim que acontece. Poucos conseguem desfrutar efetivamente das mesmas opor-tunidades de quem nunca passou pela detenção. É difícil recomeçar. Exemplos? Ninguém quer morar com um presídio por perto. O próprio imóvel desvaloriza--se. Você daria, sem restrições, trabalho ou abrigo para um ex-detento ou concordaria que seus fi lhos convivessem com um deles?

Não se pretende aqui de forma ingênua retirar-se a gravidade dos crimes, nem des-prezar os problemas sociais causados pela delinquência. Temos medo, sim. E, se já é difícil perdoar, mais difícil ainda é exercer o perdão com relação ao ‘inimigo’. Natural.

“Esse sentimento resulta de uma lei física: a da assimilação e repulsão dos fl uidos”, explica O evangelho segundo o espiritismo, no capítulo “Amai os vossos inimigos”, evidenciando inclusive o ‘equívoco’ sobre o sentido da palavra amor nessas circunstân-cias, ao esclarecer que Jesus não quis dizer que se deve ter pelo inimigo a ternura que se tem para com o amigo, pois a ternura supõe confi ança.

de uma liberdade sem limites, porque esse não conhece entraves. Pode-se impedir sua manifestação, mas não aniquilá-lo”, explica o espiritismo. Por isso somente a Deus, pela perfeição, caberia o direito de julgar. A jus-tiça divina não é externa, mas se dá no foro íntimo de cada criatura, na própria consci-ência, onde está escrita a lei eterna e imutá-vel do amor, não por vingança ou castigo, mas pela perfeição do Criador na criatura, que deixa sua marca como autor, a marca do Bem na obra. Na convivência com detentos (ver texto ao lado), percebe-se a extensão da explicação dos espíritos sobre a justiça, na lei humana. Misturam paixões aos julgamen-tos, aos sentimentos, ao considerarem os fatos sob um falso ponto de vista. Certa vez, diante da pergunta “quem é o criminoso?”, respondeu Emmanuel sabiamente a Chico Xavier: “Qualquer um de nós que foi desco-berto”, referindo-se claramente à nossa fra-gilidade como seres que ainda se enganam, crendo-se inatingíveis por qualquer pedra em nossos telhados de vidro.

Não está aqui, mais uma vez, em ques-tão o que leva as pessoas a terem compor-tamentos destrutíveis para com a socieda-de. Muito menos conivência com o mal, valendo recordar, aliás, exemplos ampla-mente divulgados pela mídia de pessoas que perdoaram algozes, assassinos de seus próprios fi lhos, libertando-se do ódio, do sentimento de vingança, o que mostra que a prática do amor não é uma utopia. O po-tencial do perdão está em todos nós. “Sois luzes, podeis fazer o que eu faço e muito mais”, alertou Jesus.

O criminoso é

qualquer um de nós que

foi descoberto(Emmanuel)

A visão espiritual Ninguém sabe o que se passa na in-

timidade de cada ser, com suas milenares experiências. Por isso fi ca impossível saber o que leva o outro a praticar certas ações. “É pelo pensamento que o homem goza

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MARÇO - ABRIL 2011 CORREIO FRATERNO 9

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Fui preso no mesmo dia em que compareci à delegacia para prestar

esclarecimentos. Claro que tive grande receio sobre o que aconteceria atrás das grades, já que ouvimos e lemos muita coisa a respei-to. Mas a grande surpresa foi perceber que são apenas pessoas que escolheram um caminho de vida diferente.

Percebi que a grande maioria usava uma máscara para não deixar demonstrar a fraqueza por estar ali afas-tado da família e por não conseguir mudar de vida. Quando as conversas fica-vam mais frequentes e os detentos conseguiam se abrir, era essa fraqueza que aparecia de forma intensa.

Por que chegam a esse ponto? Como acontece com qualquer um de nós, somos levados a fazer diversas escolhas ao longo da vida. Para grande parte deles, as escolhas não eram muito saudáveis, e acabaram entrando neste mun-do de crimes. Sair dele se tornava uma tarefa muito difícil, assim como é difícil para nós mudar atitudes às quais nos acostumamos. Existiam, porém, muitos adolescentes que estavam ali apenas por não terem encontrado no lar uma educação moral firme; claro que a falta de educação não justifica a escolha que eles tomaram, mas existe a responsa-bilidade dos pais.

Os criminosos não são pessoas más, mas pessoas que agem de maneira ruim em determinadas situações, como o momento de um crime. Fora disso, são pessoas boas com suas famílias, com seus amigos, amam seus pais, suas esposas, seus filhos. Sentem muita falta da convivência com eles!

Quando você olha a pessoa tendo certeza de que todos somos criaturas que batalham pelo crescimento espiritu-al, consegue-se criar uma relação isenta de preconceito, e penso que só consegui isso em função do conhecimento

Quando estive presoPor CRISTIAN FERNANDES

do espiritismo. E era divertido compartilhar com eles este conhecimento, porque muitos ainda acreditam em céu e inferno e têm medo dos espíritos. Criei com a ajuda de pes-soas de fora uma biblioteca espírita circulante, e as histórias que surgiam por causa dos livros eram sempre emocionan-tes, para eles e para mim.

Foram grandes lições. A primeira foi a da paciência, porque eu não sou muito paciente; fiquei preso injusta-mente por quatro meses, e consegui compreender o que os espíritos falam sobre a fé sincera ser sempre calma e dar a “paciência que sabe esperar”. A segunda lição foi o enten-dimento de que, por mais distantes que possamos parecer de determinados grupos de pessoas, um objetivo maior nos une: a necessidade de melhor compreender e praticar as leis de Deus.

Estive preso com muitas pessoas que representam gran-de perigo do lado de fora das grades, é verdade, mas durante os meses em que lá estive, fui muito bem tratado por eles.

Cristian Fernandes é editor de livros da editora Correio Fraterno e palestran-te espírita. Foi acusado e detido indevidamente em 2008, em São Paulo. Sua história foi contada na revista Universo Espírita, edição 59, cuja reporta-gem pode ser lida no site do Correio Fraterno (www.correiofraterno.com.br).

Cristian Fernandes: Percebi que a grande maioria dos presos usava máscara para não demonstrar a fraqueza por estar afastado da família e por não conseguir mudar de vida