Quando o passado não passa

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Ttulo: Quando o passado no passa Mdium: Elisa Masselli Pginas: 346Sinopse O livro conta a histria de Rosa Maria, uma portuguesa que encontra o destino no Brasil, e de sua eterna amiga, Maria Lusa, moa muito rica, que se apaixonou po r Tobias, um negro escravo. Os dois tiveram que lutar contra o preconceito e o p oder e contaram, para isso, no s com ajuda espiritual, mas tambm com o auxlio de doi s negros velhos, sempre ao lado deles. uma histria repleta de suspense e emoo. A do r e o sofrimento fazem parte da vida dos personagens que no final, entendem que o bem mais precioso a amizade e a lealdade, e que apesar de tudo, viver sempre v ale pena. Afinal, tudo pode acontecer, Quando o passado no passa. Sumrio Prefcio Uma famlia...um lugar....uma amizade A festa de Santo Antnio Previses se realizando Uma terra distante Compra de escravos Encontro inesperado Conhecendo os deuses dos negros O acidente Mais forte que tudo O resultado do amor Uma porta que se abre Viagem para Portugal Planejando o mal Traio Encontrando o cu Notcia indesejada A hora da vingana A deciso de Rodolfo Um anjo enviado pelo cu Reencontrando o vidente A deciso de Jos A descoberta de Celeste Preconceito Tentao Conhecendo a Corte A volta de Felipe O reencontro EplogoPrefcio Aconteceu comigo Este foi o primeiro livro que escrevi. Surgiu quando eu tinha cinquenta e quatro anos e em um momento da minha vida em que julguei estar tudo perdido. Embo ra eu houvesse trabalhado muito em minha vida, naquele momento, havia perdido tu do. Meu ltimo negcio, como o outro tambm no deu certo. Trabalhava com artigos para n oiva. Era um negcio que tinha tudo para dar certo. Acho que, como todas as pessoa s que trabalham assim, eu vendia com cheques pr-datados e pagava a mercadoria, ta mbm com cheques pr-datados. Eu tinha vrias pessoas que trabalhavam para mim e sabia que elas dependiam do sucesso do meu trabalho. Tudo corria bem, at que um cheque de cinco mil reais voltou o que me causou um mal irreparvel, no tinha como pagar as mercadorias que havia comprado. Para continuar trabalhando recorri a agiotas e esse foi o comeo do meu fim. Em pouco tempo estava devendo muito, uma quantia i mpagvel. Para fugir das pessoas que, com razo, me cobravam, fugi para o litoral e fui morar em um apartamento que minha filha havia terminado de comprar. Fiquei l, sozinha e desesperada. Eu, que nunca havia ficado devendo nada para ningum, que sempre tive meu nome limpo, estava ali sem saber ou ter o que fazer. Meu corao doa, parecia que ia estourar e eu pedia que estourasse, pois, para mim, no havia mais um caminho e eu no conseguia me suicidar. Alm de me considerar velha, vi que toda minha vida de trabalho no tinha dado em nada. Sempre que algum trabalho no dava certo e eu tinha que trocar por outro, nervosa, gritava: Deus no quer que eu trabalhe! O tempo foi passando. Eu dormia no cho e tinha s uma geladeira, um fogo e uma televiso velha. O meu salrio de pensionista permitia que eu me alimentasse, nada m ais. Estava to desesperada que no conseguia fazer nada. No conseguia ler, assistir televiso, nada... s chorava... Em uma manh, depois de ter passado uma noite quase sem dormir e sem ter o que fazer, liguei o rdio e, por estar na praia, so poucas as estaes que entram. Com ecei a rodar o boto e ouvi a voz de um homem falando bem acaipirado. No sabia quem era aquele homem, nunca hav ia ouvido falar nele, mas mesmo assim, parei e fiquei ouvindo. Ele estava atende ndo a uma mulher que falava pelo telefone. Ela dizia: - Meu marido perdeu tudo o que tinha, est desesperado! Ele calmamente perguntou: - Ele t vivo? Ela, parecendo no entender, respondeu: Est, graas a Deus. Ento ele num perdeu nada... s continuar... Dali para frente, no lembro mais como foi a conversa, somente fiquei pensand o: ele est certo. Eu ainda estou viva! Como sempre trabalhei vou encontrar um out ro trabalho e vou conseguir consertar a minha vida! Senti um novo nimo. No sabia c omo, mas sentia que alguma coisa ia acontecer, algum trabalho, como sempre, ia a parecer. Os dias foram passando. Continuei ligando o rdio na mesma hora e descobri que aqu ele homem que falava acaipirado era Calunga, o guia espiritual de Luiz Gasparett o, que eu j conhecia pelas muitas vezes que o havia visto na televiso pintando qua dros maravilhosos. Em uma manh, acordei com um pensamento estranho. Via um lugar, uma famlia em Portugal. No entendia o que estava acontecendo e deixei pra l. Mas aquela famlia e aquele lugar no saam da minha cabea. Tentei pensar em outras coisas, mas no consegui a. Peguei um livro para ler e uma das personagens dizia: J tive filhos, j plantei u ma rvore s falta escrever um livro! Parei e sorri, pensando: Tambm j tive trs filhos, e quando minhas filhas foram ser e scoteiras, plantei muitas rvores, s falta escrever um livro. Aquela famlia, aquele lugar voltaram ao meu pensamento, no entendia o que est ava acontecendo. Pensei: E se eu escrevesse um livro sobre essa famlia, sobre esse lugar? Ao mesmo tempo, pensava: No, como vou escrever? No tenho escola! S estudei at o quarto ano primrio! No tenho c mo escrever um livro! Os dias foram passando e eu no parava de pensar naquele lugar. Em uma manh, s urgiu o rosto de uma mocinha linda e que morava naquela casa. Enquanto tomava o meu caf, pensei: Ser que isso vai dar uma histria? Tambm, no tenho o que fazer. Estouaqui, sozinha e sem ter o que fazer. Vou tentar escrever, no menos vou ter o que fazer. Fui at o supermercado, comprei um caderno e comecei escrevendo sobre aquel e lugar, aquelas pessoas e, principalmente, sobre aquela mocinha. Assim que come cei a escrever, as imagens foram se tornando mais ntidas. Elas vinham com tanta f ora que minha mo no conseguia acompanhar meus pensamentos. Minha mo doa, pois eu no es tava acostumada a escrever, mas mesmo assim eu no parava. A histria foi surgindo e eu escrevia chorando, pois no conseguia acreditar que estava escrevendo coisas to lindas. Muitas vezes, enquanto escrevia, tive de parar para poder enxugar os me us olhos. A cada dia que passava ela ia ficando mais linda. Por algum tempo eu l evantava pela manh e no sabia o que escrever. Estava ansiosa, como um leitor quand o est lendo um livro, queria saber a continuao, mas, nada. Em outra manh, acordei co m a continuao. Assim foi at quando o livro terminou. Quando ele estava pronto, eu e stava feliz, mas, ao mesmo tempo, sabia que seria muito difcil publicar. Meus fil hos no acreditavam que eu tinha escrito uma histria. Estavam felizes, pois durante todo o tempo em que escrevi eu havia renascido, parecia outra pessoa. Antes dis so, eles estavam preocupados, com medo que eu entrasse em depresso. Minha filha, Adriana, quando comecei a escrever, disse que se eu escrevesse ela ia corrigir. Quando o livro ficou pronto e pedi para que corrigisse, ela desconversou e deixa va sempre para o outro dia. Ela sabia que eu estava empolgada e ficou com medo d e ter de me dizer que o livro era ruim e eu voltasse a ficar como antes. Um dia, eu estava ouvindo o programa do Gasparetto e ele disse: Temos uma editora onde so publicados os meus livros e os da minha me. Mais tarde, dona Zibia me disse que ele nunca tinha dito aquilo, pois no fal ava sobre a editora no programa, mas sei que disse, eu ouvi! Resolvi que ia mand ar o livro para a editora. Disse para minha filha que se ela no corrigisse ia man dar daquele jeito que estava. Ela, no tendo como escapar e com medo que eu me dec epcionasse, resolveu corrigir. Nessa altura, depois de muito penar, eu, que nunc a tinha chegado perto de um computador, j havia passado o livro para um. Enquanto eu imprimia as pginas, minha filha ia lendo. Depois de mais ou menos uma hora qu e estava lendo, ela veio, muito nervosa at a sala onde eu estava e perguntou: Me, de onde a senhora tirou essa histria? Plgio d cadeia! Comecei a rir e disse: No plgio, no tirei de lugar algum! Surgiu na minha cabea! Eu s escrevi. Ela, um tanto temerosa, terminou de ler. Depois mandou encadernar e eu coloquei no correio. Quinze dias depois, recebi um telegrama da dona Zibia, pedindo que e u fosse at a editora. Eu comecei a tremer. Fui at a editora. Tremia muito de emoo, p rimeiro por conhecer, pessoalmente a dona Zibia. Uma escritora maravilhosa que e u acompanhava de h muito tempo e depois por saber o que ela havia decidido sobre o meu livro. Assim que cheguei, ela me recebeu muito bem. uma pessoa maravilhosa , simples e carinhosa. Sorrindo, disse: Eu sabia que ia chegar um livro para que eu publicasse. Chegam muitos, todo s os dias, mas eu estava esperando o seu. Assim que terminei de ler, sabia que e ra ele. Vamos publicar. Nem preciso dizer da emoo que senti. Por causa dos erros de gramtica, a correo levou muito tempo, quase um ano. Nes se tempo escrevi mais dois livros: A misso de cada um e Nada fica sem resposta. Final mente o dia chegou. Recebi um outro telefonema de dona Zibia para me avisar que o livro estava pronto. Quando cheguei l e vi o livro, s no chorei na frente dela, p or vergonha e por fazer um esforo muito grande. Senti a mesma emoo de quando peguei meus filhos nos braos pela primeira vez. Ele estava ali. Com uma capa linda, que ser muito difcil fazer outra igual. Foi publicado e at hoje, de todos os meus livr os, o mais vendido. Depois dele, vieram outros. E, atravs de cartas e mensagens p ela internet, sei que todos eles tm ajudado a muitas pessoas. Essa a minha maior felicidade. Hoje eu brinco, dizendo: - Deus no queria que eu trabalhasse, ele queria que eu escrevesse e, quando viu que no havia outra maneira, disse: Vamos tirar tudo o que ela tem, assim ela vai p arar de procurar trabalho e sem ter alternativa, s a de escrever. Por isso, quando estou dando autgrafos em algum dos livros eu escrevo: Quando pensamos que tudo te rminou, para Deus, est apenas comeando.Isso foi o que aconteceu comigo. Isso nos d, a todos, a certeza de que nunca estamos ss. Que, para que nossa misso seja cumprida, ajuda no faltar e a vida, inev itavelmente nos conduzir. S precisamos acreditar que somos filhos de um Deus perfe ito e sbio e entregarmos nossas vidas em Suas mos, todas as portas se abriro. Sem m ais, s posso agradecer a Deus, meus mentores e a todos vocs que gostam dos livros e de mim. Elisa MasselliUma famlia...Um lugar...Uma amizade... Esta histria aconteceu h muito tempo, mas seu reflexo se estende at hoje. Em Portugal, havia um pequeno stio chamado Vila das Flores. Tinha esse nome porque a famlia que l morava, alm de criar ovelhas, possua uma linda plantao de flores , que era conhecida em todo o povoado. Esse pequeno povoado ficava na regio de Trs -os-Montes. Nesse stio, morava uma famlia constituda por cinco pessoas. O chefe da famlia, senhor Tadeu, homem de mais ou menos cinqenta anos, trabal hador e honesto, herdou a vila de seu pai. Desde criana, cuidou de ovelhas e come rcializou sua l. Sua mulher, dona Maria Teresa, me dedicada, que, juntamente com o marido, s tinha um desejo na vida: o bem-estar de seus filhos. Tadeu, que levava o nome paterno por ser o filho mais velho, estava com vinte e quatro anos e, as sim como o pai, cuidava das ovelhas. Jos, o filho do meio, com vinte anos, no gost ava do trabalho, mas tambm ajudava o pai a cuidar das ovelhas. Os quatro viviam p ara fazer os desejos de Rosa Maria, a caula, que era amada por todos. Dezesseis a nos, bonita, com um longo cabelo negro e olhos castanho-claros, parecendo duas g otas de mel. Rosa Maria era quem cuidava da plantao de flores e ajudava a me nos af azeres da casa. As flores, cultivadas com carinho, eram vendidas no povoado. Viviam uma vid a tranqila, cada um cuidando de sua obrigao. Tadeu pai e Tadeu filho iam at o centro do povoado comercializar as ovelhas, a l e as flores. Todos os anos, no ms de jun ho, havia uma grande festa no povoado em homenagem a Santo Antnio de Pdua. Essa fe sta era muito esperada, no s por todos os moradores das redondezas, mas tambm por a queles de lugares distantes. Sempre nessa data, dona Maria Teresa preparava com carinho as roupas de todos para que fossem bem arrumados, porque l se encontraria m com conhecidos. Neste ano, ela preparou com esmero a roupa dos rapazes, no se e squecendo da faixa da cintura, que teria de combinar com a boina. Para Rosa Mari a, fez um lindo vestido rosa com uma saia bem rodada, fitas e muitas rendas. Seu cabelo seria preso com um lindo lao de fita. Nesta festa, havia muitos jogos, danas e, principalmente, muita comida, que o que o portugus mais gosta. A imagem de Santo Antnio, toda enfeitada em um andor, seguiria em procisso por toda a cidade. O senhor Tadeu fazia questo de todo ano c omprar um chapu novo. Era essa sua nica vaidade. Chegou o grande dia. Enfeitaram a carroa com flores e bandeiras feitas de pa pel. Ao chegar ao local da festa, Rosa Maria no conseguia esconder a emoo. Tudo mui to colorido e enfeitado com bandeiras. Pessoas indo e vindo. Moas e rapazes, feli zes, desfilavam garbosamente suas roupas novas. A famlia encaminhou-se para o loc al onde era servida a comida: muita batata, bacalhau, couve troncha e ovos cozid os, tudo regado com muito azeite portugus e vinho, muito vinho. No se pode imagina r uma festa portuguesa se no houver vinho. Todos comeram vontade. Quando se trata va de comida, o senhor Tadeu no fazia economia. Aps o almoo, ele e sua mulher ficaram conversando com um casal de amigos que havia muito tempo no viam. Tadeu filho, sendo o mais velho, no gostava de andar com os pequenos, como chamava Jos e Rosa Maria. Saiu andando sozinho. Rosa Maria e Jos, muito apegados, saram de mos dadas o lhando tudo, parando para jogar em algumas barracas, rindo, felizes por estarem ali. Viram no longe algumas pessoas cercando um homem que estava sentado com as pernas cruzadas na posio de Buda. Em sua frente, havia ervas medicinais de todas a s qualidades. Era o curandeiro da cidade. Diziam que ele com suas plantas curava m qualquer tipo de doena. Elas eram cultivadas no quintal de sua casa, que ficava distante do povoado, mas mesmo assim as pessoas iam at l. Diziam, tambm, que ele f azia adivinhaes e previa o futuro. Rosa Maria j ouvira falar dele, mas no o conhecia . Ele no cobrava nada para atender as pessoas, mas todos sabiam que vivia de suas plantas e curas, por isso cada um dava o que podia em pagamento. Ele usava o ne cessrio para viver. Dava o que sobrava s pessoas mais pobres. Por muitos, era cons iderado um santo. Rosa Maria e Jos aproximaram-se para observar e conhecer aquele homem to comentado por todos. Aps consultar, receitar e dar algumas ervas a algum, o velho curandeiro levan tou a cabea e ficou olhando sua volta. Seus olhos encontraram-se com os de Rosa M aria. Ficou olhando para ela durante algum tempo e falou: Menina, venha para perto de mim. Rosa Maria olhou assustada para Jos, que fez um sinal com a cabea, dizendo-lh e que fosse. Ela se aproximou timidamente. O velho pediu que se ajoelhasse sua f rente para que ele pudesse v-la melhor. Rosa Maria ajoelhou-se e ficou bem de fre nte a ele, olhos nos olhos. Menina, qual seu nome? Rosa Maria, senhor Rosa... o nome da rainha das flores. Graas a seu perfume e beleza, desperta, tanto em quem d como em quem recebe um sentimento de ternura e de amor. Enfeita todos os lugares em que for apresentada. bem aceita em uma festa, casamento ou e nterro, mas apesar de toda essa beleza possui espinhos pontiagudos que servem pa ra proteg-la, mas que podem tambm ferir. Voc, menina, ter uma vida longa. Voltou a T erra para cumprir uma misso. Sua vida ser cheia de surpresas. Haver vezes em que se sentir perdida, sem rumo e sem saber o que fazer. Ser muito feliz e muito infeliz . Amar e ser amada. Ser trada e enganada. Na hora de maior desespero, seus espinhos a protegero. Ir para uma terra distante, alm-mar. Vai se sentir sozinha, desprotegi da. Voltou para resgatar, ajudar e proteger. Ter toda a ajuda necessria para poder cumprir sua misso com xito. Tudo depender de voc. Mas lembre-se: por pior que parea o momento, nunca, nunca esquea que Deus nosso pai e que nunca, jamais nos abandon a. Criador de tudo e de todos, sabe tudo e permite que o ser humano evolua sempr e para o bem. Lembre sempre que a nica coisa que conduz a essa evoluo o perdo. Perdo e sempre. o nico caminho para se chegar a Deus. Lembre-se tambm de que tudo est cer to como est, que todos esto sempre na hora e no lugar certo e com as pessoas certa s. Nunca duvide da bondade de Deus e nunca duvide que Ele est a seu lado em todos os momentos de sua vida. Ele parou de falar, virou-se para outra moa que o estava escutando e pergunt ou: Qual seu nome? Jos pegou Rosa Maria pela mo e puxou-a rapidamente. Tremendo, ela disse: Esse homem louco! Assustou-me! Como vou ficar sozinha? Tenho todos vocs. Ima gine ir para terra distante! Misso? Que misso essa? Voltei?! Voltei como, se nunca sa daqui? Jos acalmou-a da melhor maneira que pde. Tambm estava furioso, mas precisava a calmar a irm. No ligue. Esquea isso. s um louco querendo dar uma de esperto. Voltaram para j unto dos pais, que, alheio a tudo aquilo, conversava animadamente com seus amigo s. Rosa Maria estava muito nervosa, mas no quis estragar a tranqilidade dos pais. Jos tambm se calou. Fazia muito calor. Dona Maria Teresa pediu aos filhos que fossem at a fonte pegar gua, que jorrava fresca e agradvel. Rosa Maria pegou uma jarra e juntamente com Jos foram buscar gua. No caminho, viram Tadeu danando com uma moa. Os dois se olharam com olhar de cumplicidade e riram. Alguns amigos chamaram Jos, que comeou a conversar com eles. Rosa Maria, entediada com aquela conversa, falou: Jos, continue conversando. Vou at a fonte pegar a gua. Est bem, irei em seguida. Na fonte, Rosa Maria bebeu um pouco daquela gua fresca e cristalina. Encheu a jar ra. Estava voltando para junto de Jos quando ouviu gritos de dor e muito alarido. Foi at o local e viu um homem batendo com um chicote em um mendigo que, com as mo s cobria o rosto e pedia socorro, mas ningum o ajudava. O homem que batia era alt o, bem vestido, usava um terno e uma linda capa preta com o forro vermelho, alm d e uma cartola e luvas nas mos. Era um homem bonito e elegante. Ela deu um pulo e abraou-se ao mendigo com tanta rapidez que quase levou uma chicotada tambm. Levant ou a cabea e perguntou: Por que est fazendo isso? Esse maldito! Atreveu-se a tocar em minhas roupas. Isso no lhe d o direito de espanc-lo! Ele a olhou com tanto dio que ela chegou a estremecer, mas no desviou os olhos. El e recolheu seu chicote e saiu, rapidamente. Ela se levantou e ajudou o mendigo a se levantar. Iria dar um pouco de gua a ele, mas a jarra estava no cho, vazia. Qu ando pulara para ajudar o mendigo, a jarra cara e ela nem percebera. O mendigo be ijou suas mos e saiu correndo, chorando. Jos e os amigos, que estavam conversando, ouviram todo aquele barulho. Foram at l ver o que estava acontecendo. Quando cheg aram, tudo j havia terminado. S Rosa Maria estava ali, parada, esttica, chorando co m muito dio. Ele um animal! Como o odeio! Jos perguntou: O que aconteceu aqui? Por que est chorando? Ela contou. Olharam para o lado. O homem no estava mais l. S restavam algumas pesso as que comentavam o acontecido. Jos e os amigos no podiam fazer mais nada. Foram p egar mais gua, depois voltaram para junto dos pais, que continuavam conversando s em nada saber. No final do dia, voltaram para casa. Rosa Maria estava calada, tr iste e pensando: "Quanta coisa desagradvel aconteceu hoje. Primeiro, o adivinho m e falando todas aquelas coisas horrveis, depois aquele homem maldoso. Esperei tan to por este dia... No foi nada agradvel." Ao chegar a casa, dona Maria Teresa, que notara a tristeza da filha, pergun tou: Minha filha, o que aconteceu hoje? Voc me parece to triste. Estava to ansiosa para ir festa! Ela contou tudo para a me. Dona Maria Teresa ouviu Pacientemente. Quando Rosa Mar ia parou de falar, ela a abraou, dizendo: No se preocupe com tudo isso. Aquilo que o curandeiro falou nunca vai aconte cer. Voc tem uma famlia que a adora. Se eu morrer, ficar seu pai. Se ele morrer, fi carei eu. Se ns dois morrermos ao mesmo tempo, ainda ter seus irmos. Minha filha, t udo isso bobagem. Nunca sairemos daqui. Voc nunca ir para terra estranha. Vai se c asar e com certeza construir sua casa aqui e continuaremos por muito tempo juntos . Quero conhecer meus netos, tanto seus filhos como os de seus irmos. Agora, v se deitar. No se preocupe. Tem a vida toda pela frente e muito amada por todos ns. Te r sempre nossa proteo. Seu pai nasceu e foi criado aqui. Aqui nos casamos, tivemos vocs. Amamos este lugar e no sairemos daqui jamais. Aqui seremos enterrados. Quant o ao outro homem, no guarde tanto dio. No v que, apesar de ter tanto dinheiro, ele u m infeliz? Esquea tudo isso. V dormir. Amanh ser outro dia. Deus vela por todos ns. Rosa Maria foi para o quarto acompanhada pela me, que a colocou na cama e, beijan do sua testa, falou: Boa noite, minha filha. Deus proteja seu sono e sua vida. Boa noite, mame. Gosto muito da senhora. Dona Maria Teresa deu um sorriso. Saiu do quarto, pensando: Deus proteja meus fil hos. No permita que nada de ruim acontea com eles." Rosa Maria fechou os olhos, mas no conseguia dormir. A imagem daqueles dois homen s que estragaram seu dia no saa de seu pensamento. Rolou de um lado para o outro, at que finalmente adormeceu. Sonhou que estava em uma clareira no meio de uma mat a colorida com vrios tons de verde e com muitas flores. O cu estava claro e brilhante pelo sol. Percebeu estar sentada em cima de uma pedra bem alta. Seu vestido era de um rosa claro, quase branco. O vestido, muito longo, descia pela pedra. V estido e cabelos enfeitados por flores minsculas brilhantes. A sua frente, homens , mulheres e crianas danavam e colocavam a seus ps flores e frutas de vrias qualidad es e cores. Ao longe, o barulho de um riacho. O barulho era alto. Ela se virou e viu uma linda cachoeira. Achou aquele lugar mgico. Do meio das guas, viu um moo qu e vinha em sua direo, sorrindo e trazendo em suas mos um lindo ramalhete de rosas. Ela tambm estava feliz por v-lo. Alto, bonito e com um lindo sorriso. Ela o conhec ia. Estava vestido de branco com os olhos brilhantes de felicidade. Quando ele e stava chegando perto, surgiu aquele homem com o chicote nas mos e comeou a chicote ar a todos. Ela se assustou e acordou. Sentou-se na cama. Olhou para todos os la dos. Estava em seu quarto. Viu que fora somente um sonho, mas parecera to real! P or algum tempo, ficou pensando no sonho: "Foi tudo to real! E aquele moo? Quem ser? To bonito como nunca vi antes! Eu conheo, tenho certeza, mas de onde?" Pela manh, acordou com uma sensao de felicidade. Estava muito bem. Contou o so nho para a me, que perguntou: Est vendo como no precisa se preocupar com nada? Esse sonho foi um aviso para lhe dar a certeza de que est tudo bem. E o homem do chicote? Apareceu porque voc deve ter ido dormir pensando nele e estava com muito dio. Enquanto tomava caf, Rosa Maria no conseguia esquecer aqueles olhos e pensava: "Qu em ser ele?" Como todas as manhs, Rosa Maria pegou a trouxa de roupa e foi at o ria cho para lav-las. Era l um lugar de encontro para as moas e mulheres que moravam na quelas redondezas. L, elas cantavam e conversavam enquanto a roupa ia sendo lavad a em cima de tbuas colocadas para esse fim. Isabel era amiga de Rosa Maria. Tinha m quase a mesma idade. Foram criadas juntas. Isabel morava em um stio vizinho ao seu. Conversavam muito e trocavam confidncias. Quando Rosa Maria chegou, Isabel j estava l. Comearam a conversar. Isabel apresentou uma moa que estava a seu lado: Esta Joana, minha prima. O marido dela foi para o Brasil j h dois anos. Ela f icou aqui trabalhando de copeira na casa do baro Dom Carlos de Albuquerque Sousa. A famlia toda foi passar as frias em uma quinta, l pelos lados de Lisboa. Joana, s em eles em casa, no tem muito que fazer, por isso veio passar uns dias conosco. Muito prazer! Meu nome Rosa Maria, sou a melhor amiga de Isabel. Falando ni sso, Isabel, esta noite tive um sonho estranho, mas maravilhoso! Com detalhes, contou o sonho para as duas. Isabel ficou abismada e disse: Nossa! Esse no foi um sonho, parece mais um romance. Disse Joana: Meu marido est no Brasil j h dois anos. Logo irei encontr-lo. Ele me escreve co ntando coisas de l. Diz que tudo diferente. No com as famlias portuguesas, mas com os nativos. Diz que os negros escravos tm vrios deuses. Tocam tambor, danam e ofere cem flores, frutas e comida a eles. Disse tambm que eles so muito sofridos e humil hados. As duas moas ficaram impressionadas com o relato de Joana. Para quebrar aque le clima, Isabel falou, rindo: Rosa Maria, vai ver voc uma deusa dos negros! Rosa Maria ficou furiosa com o comentrio da amiga, que brincava com um assun to to srio quanto aquele. Voc louca? No sou deusa de nada! As trs riram e continuaram a lavar a roupa. Os dias foram passando, e elas se encontravam quase sempre. Joana continuava a contar coisas sobre o Brasil. Ro sa Maria sabia que o Brasil era uma colnia de Portugal. Sabia que ficava distante . Agora que estava conhecendo outras coisas por meio de Joana. Sabia que Dom Joo havia ido para o Brasil com medo de Napoleo Bonaparte, deixando Portugal ao aband ono. Por isso os portugueses no queriam saber nada sobre o Brasil. Em uma de suas visitas, Joana falou para as amigas: A casa, onde moro e trabalho a coisa mais bonita que j vi. L tudo rico. Os mve is, as cortinas, tudo de primeira. Os lenis so bordados, todos trazidos da Ilha da Madeira. O quarto da menina Maria Lusa parece o quarto de um conto de fadas. Igua l ao quarto de uma princesa. Quando Joana acabou de falar, Rosa Maria suspirou e falou: Gostaria de conhecer essa casa, principalmente esse quarto. Eu tambm gostaria muito. Joana teve uma idia: Meus patres esto viajando. Se quiserem, poderemos ir at l. Vocs olham tudo e mat am a curiosidade. Rosa Maria ficou encantada com a idia. Foi at o pai, contou o qu e estava acontecendo e terminou, dizendo: J que o senhor ir mesmo cidade fazer compras, ento poder nos levar. Quando term inar, tudo que tem para fazer s nos pegar e voltaremos. Depois de muito pensar, o pai falou: Tudo bem, mas s com uma condio. No irei me atrasar por causa de vocs. s trs da de j deverei ter acabado minhas compras. Passarei pela casa e vocs j devero estar me esperando. Tudo bem? Est certo, papai, no se preocupe. No iremos deixar o senhor esperando. Foram para o povoado. O senhor Tadeu deixou-as na casa dos patres de Joana, dizendo: Olhem l, meninas! No vo me deixar esperando! Elas desceram da carroa. Entraram na casa, dando ainda um ltimo adeus para o Senhor Tadeu, que se foi rindo. Ao entrar na casa, Maria Rosa e Isabel no acredit aram no que estavam vendo. Era tudo muito lindo. Tapetes e cortinas combinando. A sala era imensa, com porta-vela de prata espalhados pelas paredes para que a m esma fosse iluminada. Uma cristaleira de madeira macia com muitos pratos e copos. L tudo era divino. Muito limpo, sem nem sequer um pouco de p. Percorreram vrios qu artos e salas. Joana levou-as at o quarto da moa da casa. Quando o abriu, Rosa Mar ia e Isabel ficaram paradas, olhando da porta, sem ter coragem de entrar. Todo d ecorado em rosa, exatamente a cor que Rosa Maria mais gostava. Entraram devagar, olhando tudo curiosamente. A cama era imensa, com uma linda colcha rosa feita de croch, sobre um forro tambm rosa. As cortinas de croch eram de um rosa mais escuro. Rosa Maria foi se ap roximando devagar da cama. Com as mos, apertou o colcho, sentindo a maciez. Olhou para as outras duas e falou, rindo: Estou louca de vontade de fazer uma coisa. Antes que as duas tivessem tempo de falar, ela se jogou em cima da cama. Co meou a pular, rindo como se fosse uma criana. Posso saber o que est acontecendo aqui? Olharam para a porta. Rosa Maria sentou-se na cama, parada, olhando. Joana, assustada, falou: Desculpe senhorita. Estas so Isabel e Rosa Maria, minhas amigas. Elas nunca viram uma casa igual a esta. Eu as convidei para conhec-la. Sei que no deveria ter feito isso, mas achei que a senhorita no se importaria. Foi s por curiosidade. Pe rdoe-me, por favor. J estamos indo embora! Tudo bem que vejam a casa, mas ela precisava ficar pulando em cima de minha cama? S nesse momento, Rosa Maria se deu conta de que continuava em cima da cama. Levantou-se rpido, falando: Desculpe senhorita! Meu nome Rosa Maria. Era s para olhar, mas que aqui tudo to lindo que no resisti. Daqui a pouco meu pai vem nos buscar. Isso no vai se repe tir. No castigue Joana. Era s para olhar. Eu que no resisti. A moa ficou olhando as trs de cima para baixo com as mos para trs, divertindo-s e com o desespero delas. Depois de algum tempo falou: S existe uma maneira para que eu possa perdo-las. Qual? perguntou Rosa Maria. Como mesmo seu nome? Rosa Maria, senhorita. Se aceitarem tomar um lanche comigo. Estou com fome e no gosto de comer sozi nha. Rosa Maria falou: Boa idia. Vamos tomar um lanche, ou pelo menos um pouco de gua com acar. Estou tremendo! Todas riram e saram. Estavam andando, quando Maria Lusa disse: Se no se incomodarem, poderemos ir tomar o lanche na cozinha. Minha me ficaria horrorizada, mas adoro comer na cozinha! Todas concordaram com a cabea e foram para a cozinha. Na cozinha, Joana ajudou Maria, a cozinheira da casa, que no estranhou a pre sena de Maria Lusa ali, pois sempre que os pais no estavam ela fazia as refeies na co zinha. Em pouco tempo, um belo lanche j estava pronto. Maria Lusa, Rosa Maria e Is abel sentaram-se mesa. Maria Lusa perguntou: No vai sentar-se tambm, Joana? No, senhorita. Como no? As convidadas so suas. Se no se sentar, elas no ficaro vontade, por fa or, sente-se. Joana sentou-se. Logo depois as quatro estavam conversando como se j fizesse muito tempo que se conheciam. Maria Lusa falava sem parar: Voltamos antes do tempo porque mame no estava sentindo-se bem. Papai e Rodolf o foram para o povoado. Eles vo voltar novamente para o Brasil. Cheguei louca de saudade de tudo aqui. Principalmente da comida de Maria falou olhando para a coz inheira, que sorriu agradecida. Rosa Maria, que a princpio assustara-se, estava agora olhando aquela mocinha sua frente. Muito bonita, com cabelos louros, compridos, pele clara e olhos azu is. Devia ter mais ou menos a sua idade. Maria Lusa, olhando para ela, voltou a p erguntar: Desculpe, mas esqueci. Como o seu nome, mesmo? Rosa Maria, senhorita. Senhorita? Pare com isso! Devemos ter a mesma idade. Quantos anos voc tem? Dezesseis, vou fazer dezessete em novembro. No falei? Tambm tenho dezesseis, mas s vou fazer dezessete em dezembro. Sou mais nova que voc. Por isso pode parar com essa de senhorita. Meu nome M aria Lusa. Quebrado o gelo por Maria Lusa, que as deixou vontade, logo estavam conversa ndo como se fossem velhas amigas. Gostaram da casa? Achei linda! Nunca tinha visto coisa igual. Tambm gosto, principalmente de meu quarto. Papai fez do jeito que eu sonhei. Ficaram conversando ainda por um tempo, enquanto Maria Lusa falava de sua re cente viagem. Quando o senhor Tadeu chegou, elas estavam prontas. Ao despediremse, Maria Lusa falou: Fiquei muito feliz em conhec-las. Quase no tenho amigas. As moas que conheo so u mas chatas. J que vieram conhecer minha casa, gostaria de conhecer a de vocs. Poss o? Claro! responderam juntas. Rosa Maria continuou: S que nossas casas so muito simples. No se parecem em nada com a sua. Na verdade, no quero conhecer suas casas. Quero encontr-las novamente. Gostei muito de vocs. Despediram-se. Rosa Maria convidou Maria Lusa para ir a sua casa no prximo sba do. Maria Lusa prometeu que falaria com os pais. Se eles permitissem, iria com to do o prazer. O senhor Tadeu, que ouvira tudo, falou: Vamos, meninas, j est ficando tarde. A senhorita ser muito bem recebida em nos sa casa. uma casa humilde, porm poder ir quando quiser. Irei, sim. Pode ter certeza. As meninas subiram na carroa e partiram felizes. No caminho, foram contando tudo o que acontecera e como Maria Lusa as tratara. J em casa, Rosa Maria contou entusi asmada, para a me o que acontecera. Sua me, como sempre, ouvia-a com ateno. Quando R osa Maria parou de falar, ela disse: A vida mesmo assim. Conhecemos nela muitas pessoas. Umas boas, outras ruins . Devemos sempre agradecer a Deus quando encontramos pessoas boas. E as ruins ta mbm, pois com elas nos aperfeioamos cada vez mais. Maria Lusa tambm contou aos pais o acontecido, omitindo a parte da cama e da cozinha. Sabia que eles no entenderiam. Todos a ouviram com ateno. Ela sempre viveu com muito conforto. Seu falecido av, Dom Luis, fidalgo de famlia, era um conde qu e vivia dentro da corte portuguesa. Com isso, conseguiu muito dinheiro e terras,o que fez com que seu filho, Dom Carlos, pai de Maria Lusa, gozasse at aquele dia de muita influncia na corte. Homem orgulhoso, Dom Carlos sempre usou seu poder p ara conseguir tudo o que queria. Estava, agora, com quarenta e cinco anos. Casar a-se com dona Matilde, tambm da corte e com fortuna. O casamento foi arranjado po r seus pais. Conheceram-se uma semana antes do casamento. Respeitavam-se, mas no se amavam. Fora de casa, Dom Carlos fazia o que fosse preciso para conseguir o que que ria. Era temido e respeitado no mundo dos negcios. Em casa, tratava os filhos e a esposa com carinho e respeito. E pensava: "Meus filhos nunca tero nada de mal pa ra dizer a respeito de minha conduta. Eu os adoro. No precisam saber como consigo dinheiro. O importante que tenham sempre tudo de que precisam." Gostava da espo sa e do filho, mas por Maria Lusa tinha verdadeira adorao: "Ela ser muito feliz. Ir s e casar com um homem rico e fidalgo. Ter sempre na vida tudo com que sonhar." Mar ia Lusa, por sua vez, dominava-o com um sorriso, um olhar. Ele a adorava e ela sa bia. Ele j tinha planejado seu futuro. Quando fizesse dezoito anos, iria para Lis boa e casar-se-ia com Dom Joo Pedro de Miranda e Sousa, muito rico e com boas inf luncias na corte. Assim, a fortuna da famlia aumentaria. Dom Carlos poderia fazer t imos negcios com o pai de Dom Joo Pedro. Maria Lusa no sabia dos planos do pai. Ele ouvia tudo o que Maria Lusa falava a respeito das novas amigas. Ela olhou bem nos olhos do pai e disse: Papai, o senhor deixaria Juvenal levar-me casa de Rosa Maria no sbado pela m anh? Eu passaria o dia l e, tarde, ele voltaria para me pegar. Rosa Maria disse qu e tem uma linda plantao de flores, e o senhor sabe como gosto de flores. O pai olhou para ela e disse: No sei... No conhecemos essa gente. Moram afastados, e muito longe. Dona Matilde, embora de famlia fidalga e criada na corte, no era orgulhosa ne m gostava do modo como seu marido se referia aos pobres. Por isso, desde cedo en sinou a seus filhos que a nica diferena entre eles e os mais pobres era o dinheiro . Deveriam tratar com respeito qualquer pessoa, independentemente de sua classe social. Vendo que para o marido naquele momento o que estava contando era s o din heiro, falou: Se o senhor meu marido no se incomodar, irei junto. Assim, poderei proteg-la, caso acontea alguma coisa. Nossa filha muito sozinha, precisa de amigas. Amigas? Ela pode ter quantas quiser na corte. Eu sei papai, mas aquelas so iguais a mim. Vivem como eu. Gostaria de conhec er pessoas diferentes e saber como vivem. Maria Lusa havia interferido na conversa de seu pai com sua me. E isso era im perdovel. Seu pai, bravo, falou: Fique calada! Sei o que bom para voc. No gosto que ande com essas pessoas sem cultura. Voc precisa aprender e no desaprender! O que aprenderia com essas pessoa s? Maria Lusa percebeu que havia falado em hora errada. Mudou o tom de voz e di sse: Papai, desculpe-me, que gosto tanto da vida no campo e de flores que, quand o Rosa Maria me falou de seu jardim, fiquei louca para conhec-lo. Ela sabia que o pai no resistia quando falava mansamente. Ele ficou pensando mais um pouco e disse: Est bem. Se sua me for junto, permitirei. Maria Lusa olhou para a me e pedia com os olhos que ela dissesse sim. Dona Ma tilde sorriu para a filha e disse: Est bem, filha, eu vou. Tambm gosto do campo e de flores. Maria Lusa beijou o pai, depois a me, dizendo: Eu os amo muito! Seu pai ainda tentou evitar. No adiantou: ela foi mais rpida. Ele no gostava q uando ela o beijava. Naquele tempo, havia uma respeitosa distncia entre pais e fi lhos, principalmente entre pai e filha. Eu e Rodolfo partiremos na sexta-feira para o Brasil. Vocs ficaro sozinhas, no acho conveniente que saiam de casa. Dona Matilde argumentou: Por estarmos sozinhas que ser bom para ns duas passarmos um dia no campo. Iss o nos distrair. No sentiremos nem ao menos por um dia a falta do senhor e de Rodol fo. Juvenal nos levar. Poderei conhecer a famlia e essas meninas que tanto impress ionaram Maria Lusa. Poderei, tambm, avaliar se so boas companhias para nossa filha. Aproveitando o momento em que estamos conversando, preciso pedir uma permisso ao senhor: como sabe, minha me mora a quatro horas daqui. J est velha, gostaria de vi sit-la, com sua permisso. No tendo mais argumentos, ele concordou. Maria Lusa estava ansiosa para que o sbado chegasse.A festa de Santo AntnioNa sexta-feira, Dom Carlos e seu filho despediram-se de dona Matilde e Mari a Lusa. Foram para Lisboa, onde pegariam um navio que os levaria para o Brasil. F icariam l por cinco ou seis meses. Dom Carlos, fiel servidor do imperador, soube que os portugueses com dinheiro obtinham favores da corte, podendo ganhar terras do imperador e assim conseguir muito dinheiro. Sua idia era ir at a colnia, invest igar e adquirir terras. Sabia que o clima no Brasil era bom. Foi convidado pelo imperador para exercer um cargo de confiana junto a ele. Se gostasse do cargo e d o pas, mudaria com toda a famlia para l. Finalmente, o sbado chegou. Dona Matilde e Maria Lusa, conduzidas por Juvenal , foram casa de Rosa Maria. Se dona Matilde gostasse das meninas e da famlia, per mitiria que sua filha as visitasse. Por tudo que Maria Lusa contara, eram simples , autnticas e, com certeza, seriam amigas sinceras. Quando chegaram a casa, foram muito bem recebidas por toda a famlia e por Isabel, que estava l desde cedo. Dona Maria Teresa preparou um almoo especial, com galinha assada, verduras e batatas colhidas na horta. A mesa foi enfeitada com flores e frutas. A presena daquelas p essoas to importantes deixou os demais um pouco constrangidos, mas a alegria de M aria Lusa e a simplicidade de Dona Matilde fizeram com que logo todos ficassem vo ntade. O almoo transcorreu num clima de alegria e descontrao. Dona Matilde no se cansa va de elogiar a comida de dona Maria 'Teresa. Depois do almoo, os mais velhos fic aram conversando. Os jovens foram passear. Rosa Maria e Isabel mostraram a Maria Lusa plantao de batatas, o jardim e a ho rta, onde havia verduras e legumes de todas as variedades, e o pomar, com vrias p arreiras que estavam quase na hora de serem colhidas. Depois foram ao riacho, on de eram lavadas as roupas e onde havia os encontros. Maria Lusa estava encantada com tudo aquilo, com o modo como aquelas pessoas viviam: simples, porm com muita felicidade. Ao chegarem ao riacho, sentaram-se beira da gua e conversaram sobre vr ios assuntos. Maria Lusa contava sobre os lugares que j havia conhecido. Ela j viaj ara por vrios pases da Europa. Embora conhecesse tantos lugares, no se lembrava de ter se sentido to bem como agora com elas. A conversa transcorria alegremente. A certa altura, Isabel confidenciou alg o que nem mesmo Rosa Maria, sua melhor amiga, sabia: Tenho algo para contar. Estou comeando a namorar Jos. Rosa Maria ficou feliz, pois alm de Isabel ser sua melhor amiga, ela seria t ambm sua cunhada. Em seguida, Rosa Maria comentou com Maria Lusa sobre o sonho e s obre o rapaz do rio que tanto a impressionou. At agora no conheci rapaz algum que me impressionasse assim. disse Maria Lusa. Nem eu, Maria Lusa. Foi s um sonho.Dona Maria Teresa tambm levou dona Matilde para conhecer as belezas do stio. Foram ao riacho e encontraram as trs moas, rindo felizes. Dona Matilde, ao ver Mar ia Lusa to descontrada, falou: Sabe dona Maria Teresa, nunca vi minha filha to feliz. As trs, naquele momento, estavam colocando uma mo sobre a mo da outra e faland o, juntas: Amigas para sempre! Juramos que uma sempre proteger a outra em qualquer circ unstncia. Cada uma, por sua vez, repetiu: Juro! Dona Maria Teresa e dona Matilde chegaram ao exato momento em que elas esta vam fazendo o juramento. Quando Maria Lusa as viu, chamou-as e, rindo, falou: Que tal as senhoras tambm fazerem um juramento de nos proteger para sempre? As duas riram e tambm colocaram uma das mos sobre a da outra, olharam-se nos olhos e disseram juntas: Eu, Maria Teresa, juro proteger Maria Lusa e Isabel para sempre. Eu, Matilde, juro proteger Rosa Maria e Isabel para sempre. Todas riram. Dona Matilde falou: Maria Lusa, o juramento est feito, mas j se faz tarde e est na hora de irmos em bora. Maria Lusa e as amigas quiseram protestar, mas Dona Matilde falou: Est na hora, mas gostei de todos aqui. Maria Lusa poder vir quando quiser. E v ocs, meninas, sero sempre bem recebidas na minha casa. Voltaram para a casa. Dona Matilde despediu-se de todos e agradeceu pelo di a maravilhoso que passara. Convidou o senhor Tadeu e famlia para tambm irem passar um dia com elas. Foi realmente um dia muito bom para todos. Desse dia em diante , a amizade entre as duas famlias foi se tornando cada vez maior, forte e sincera . Tadeu estava agora com vinte e cinco anos. Na ltima festa do Santo Antnio, conh eceu uma moa, Roberta. Tadeu e Roberta namoravam j havia trs meses. Decidiram casa r-se no ano seguinte. Ela tinha dezenove anos. De famlia humilde, mas composta po r pessoas de bem. Morava do outro lado do povoado, a uma distncia de duas horas a cavalo. Tadeu visitava-a todos os sbados e domingos. Ele pediu aos pais de Roberta sua mo em casamento, o que foi aceito, porque todos tambm gostavam dele. O pai s fez uma exigncia: Roberta nossa nica filha. E muito apegada me e esta a ela. Gostaria que ficas sem morando perto. Para isso vou dar a vocs um pedao de terra onde podero construir sua casa e fazer uma lavoura ou criar ovelhas. Tadeu aceitou e comeou a construir a casa, junto com os trs irmos de Roberta. Desde que comeara a construo da casa, Tadeu ia para l no sbado pela manh, s voltando n domingo noite. No voltando no sbado, aproveitava o tempo que perderia com a viage m. Jos falou com seus pais e depois com os pais de Isabel e comearam a namorar. Se ndo muito jovens, teriam que esperar para marcar a data do casamento, mas obtive ram a permisso das duas famlias para que iniciassem o namoro. O resto continuava i gual. A amizade entre Rosa Maria e Maria Lusa ficava cada vez mais forte. Uma viv ia na casa da outra. As duas famlias encontravam-se sempre. Faltava um ms para a festa de Santo Antnio. A grande festa! Esse ano seria di ferente. Com Maria Luisa, Rosa Maria tinha certeza que seria bem melhor que a an terior. Desta vez, ficaria longe do adivinho. Nada conseguiria estragar sua fest a. Ela no permitiria. J conversara com Maria Luisa: as duas se encontrariam l. Isab el disse que queria ficar com Jos, com o que as duas logicamente concordaram. Tud o parecia estar bem, mas, quando alguns dias depois, Rosa Maria chegou casa de M aria Luisa, encontrou-a abatida. Preocupada, perguntou: O que aconteceu, Maria Luisa? Por que est to preocupada e abatida? Acabamos de receber uma carta de meu pai. Ele diz que no vai poder voltar pa ra Portugal. Comprou uma fazenda no Brasil, mas disse que Rodolfo chegar em novem bro para providenciar a nossa mudana. Eu quero conhecer o Brasil. Dizem que l muit o bonito, mas no quero deix-la. Meu pai disse que ficaremos l por pelo menos cinco anos. Rosa Maria abraou a amiga, falando: No fique assim. Quem sabe eu no possa ir visit-la? Seria perfeito, Rosa Maria! Depois que estiver l, converso com meu pai e ele mandar uma carta para seus pais com as passagens de ida e de volta! Assim voc pod er me visitar! Depois de tudo combinado, comearam a falar sobre a festa, que seria na prxima semana. Dona Maria Tereza estava preparando roupas novas para todos. Tadeu fica ria com Roberta, e Jos, com Isabel. Maria Lusa e Rosa Maria ficariam juntas. Quem sabe tambm arrumemos um namorado, Rosa Maria. Ah, ah, ah. Rosa Maria tambm riu, mas ficou calada. Dona Matilde disse para Maria Luisa: - Na segunda feira pela manh, iremos para a casa de minha me, sua av. Ficarem os l por algum tempo. Quero ficar um pouco com ela, antes de partirmos para o Bra sil. Gosto muito da vov, mame, vou sentir sua falta quando estiver longe. Por que a senhora no a leva conosco? Sua av? Ah, ah, ah. Jamais sair daqui, ou deixar sua casa e suas coisas, muito menos entrar em um navio! Tambm quero ver a vov, mas h um problema... Combinei com Rosa Maria de ficarmo s juntas na festa de Santo Antnio. Ser daqui a duas semanas, no sbado. Est bem! Voltaremos na sexta-feira que antecede a festa. Assim, podero ir jun tas. Maria Lusa abraou e beijou a me. J que vamos ficar separadas, poderamos ir neste sbado para a Vila das Flores e passarmos o dia l. No, eu no posso ir. Tenho muita coisa para arrumar antes da viagem, mas vou d eix-la feliz. Se quiser, Juvenal pode levar voc no sbado pela manh e buscar s no domi ngo tarde. O que acha? A senhora a melhor me do mundo! Vou adorar! No sbado pela manh, Juvenal estava esperando Maria Lusa, que rumou feliz, para Vila das Flores. Durante o sbado e domingo, divertiram-se muito. Comeram, cantar am e conversaram. Rosa Maria e Maria Lusa ficaram de longe vendo Isabel e Jos namo rarem. Sabe Rosa Maria, falei com minha me ontem a respeito de sua ida ao Brasil pa ra nos visitar. Ela no viu inconveniente algum. Disse que depois que nos instalar mos, pediremos para papai mandar uma passagem para voc. Antes de partirmos, mame v ai falar com seus pais e deixar tudo combinado. Isso timo. Se ela falar com eles, tenho certeza de que me deixaro ir. No vamos nos preocupar com isso agora. Por enquanto, o que devemos nos preoc upar com a festa de sbado que vem. Na tarde de domingo, Juvenal veio buscar Maria Lusa, que, ao se despedir, co mbinou o lugar onde iriam encontrar-se no dia da festa. No domingo noite, Tadeu no voltou. A famlia toda ficou preocupada. Ele nunca havia feito isso. Alguma cois a devia ter acontecido. Sempre foi um rapaz responsvel. Ele sabia que na segundafeira pela manh teria que ir com o pai entregar ovelhas para o Sr. Cristvo, o comer ciante do povoado. Na segunda-feira pela manh, o Sr. Tadeu e Jos foram para a casa de Roberta sa ber o que havia acontecido. Estavam a uma distncia de meia hora da casa, quando v iram um cavaleiro vindo em sua direo. Pararam os cavalos. Era Raul, irmo de Roberta . Bom dia. Estava indo justamente para sua casa. Tadeu ficou e ainda est com u ma febre muito alta. No tem condies para cavalgar. Que febre? No sabemos. Ontem tarde, quando se preparava para voltar, quase desmaiou. Qu ando fomos socorr-lo, vimos que estava com muita febre e at agora ela no passou. Po r isso eu estava indo para sua casa. Mame e Roberta esto cuidando dele. O senhor Tadeu, nervoso, falou: Ento, vamos logo! Preciso ver o meu filho! Quando chegou, constatou que o filho realmente no estava bem. Ao lado dele, estav a o doutor Jos Maria, mdico do povoado. O senhor Tadeu perguntou, aflito: Que febre essa, doutor? No sei. H na cidade mais quatro casos de pessoas com essa mesma febre. O que est me intrigando que por mais remdio que se d, ela no baixa, e aumenta cada vez mais. O senhor Tadeu pediu a Jos que fosse para casa contar me e Rosa Maria o que e stava acontecendo e que trouxesse roupas para Tadeu. Jos montou no cavalo e parti u rapidamente. Chegou a casa e contou tudo. No conseguiu segur-las. As duas vestir am-se rpido. Dona Maria Teresa pegou algumas roupas para Tadeu, enquanto Jos prepa rava a carroa para lev-las. Enquanto isso, a febre de Tadeu aumentava. Ele comeou a delirar. Abriu os olhos, viu o pai, sorriu e falou: Papai, ainda bem que est aqui. Onde est mame, Jos e Rosa Maria? Jos foi para casa avis-las, meu filho. Talvez venham com ele. Tomara que sim. No estou bem. Mas vai ficar. Essa febre vai passar. Voc vai ficar bom. Tadeu voltou a dormir. Roberta segurava suas mos, com lgrimas nos olhos. Com um pano molhado, enxugava o rosto de Tadeu, que delirava, chamando por ela e pel a me. Dona Maria Teresa e Rosa Maria chegou preocupada. Entraram no quarto onde T adeu, ardendo em febre chamava pela me. Dona Maria Teresa, ao ver o filho naquele estado, comeou a chorar. Rosa Maria, abraada ao pai, tambm chorava. Jos, encostado num canto do quarto, segurava-se para no chorar. Tadeu, delirando, falava coisas que no se podia entender. Abriu os olhos mais uma vez. Viu a me e os irmos. Que bom que vieram! Mame, no chore. Vou ficar bem... Essa febre tem que baixar. Vai, sim, meu filho. Logo estar em casa. A senhora est vendo a vov? Ela tambm veio me visitar. Est sorrindo. Disse para eu no me preocupar porque tudo vai ficar bem. Todos se olharam. O corao de dona Maria Teresa apertou-se. Roberta segurou co m mais fora as mos de Tadeu, como se assim pudesse evitar o que estava pressentind o. Rosa Maria, abraada ao pai e ao irmo, no sabia o que fazer. Tranquilamente, Tade u dormiu para no mais acordar. A morte de Tadeu foi um choque para todos. Seu pai no se conformava. Isso no justo! No podia ter acontecido com ele. No com ele. To jovem, forte e s audvel, com a vida toda pela frente... Um pai nunca imagina que um filho possa mo rrer antes dele. No normal. O certo seria os pais morrerem primeiro. Enquanto fal ava, chorava sem tentar esconder as lgrimas. Dona Maria Teresa, abraada a Rosa Mar ia, tambm chorava, sem poder acreditar que aquilo fosse verdade. O desespero foi geral. Roberta continuou segurando as mos de Tadeu sem se mover. Somente ficou ol hando, com lgrimas correndo mansamente por seu rosto. O senhor Tadeu resolveu que o corpo de Tadeu seria levado para a Vila das F lores, porque l toda a famlia estava enterrada. A viagem de volta foi triste e va garosa. Por todos os lugares em que passavam, as pessoas acenavam e os homens ti ravam o chapu. Tadeu foi enterrado em meio a muita tristeza e sofrimento. Roberta continuava muda e distante. Estava sentada em uma cadeira, alheia a tudo. Dirig ia-se para fora da casa quando caiu. Todos correram para socorr-la. Sua me, ao aju d-la a levantar-se, gritou: Meu Deus! Ela tambm est com febre! O pai de Roberta e o senhor Tadeu foram at o povoado buscar o mdico. No conseg uiam encontr-lo. Muitas pessoas na cidade tambm estavam com febre. Quando, finalme nte, o encontrou, ele disse: No posso ir at sua casa agora. Aqui, muitas pessoas esto com essa febre estran ha. No h muito que fazer. Estou lhes dando um medicamento para febre, mas parece q ue no faz efeito. Vou lhes dar o mesmo remdio que estou usando aqui para tentar ba ixar a febre. Podem tambm ir fazendo compressa de gua morna. Tomara que ela passe! No estou gostando do que est acontecendo. Essa febre surgiu do nada, est se alastr ando por este e outros povoados. No h o que a faa baixar. Muitas pessoas j morreram. O pai de Roberta e o senhor Tadeu voltaram rpido para casa, levando o remdio. Os dois calados temiam o pior. Durante dois dias, Roberta foi cuidada com todo o carinho. Porm no foi possvel fazer com que a febre baixasse. Aquela estranha febr e fazia com que a pessoa fosse perdendo os sentidos aos poucos. No havia dor, som ente aquele torpor. Roberta, num raro momento de lucidez, falou: Mame, papai, no chore! Sei que estou indo para junto de Tadeu. Deus, sabendo que eu no viveria sem ele, vai levar-me para junto de Tadeu. Ela, mansamente, dormiu e, como Tadeu, partiu. O desespero novamente foi geral. Aquela febre terrvel estava levando pessoas jovens e saudveis. Roberta foi enterrada ao lado de Tadeu. Os pais dela, desesperados, voltaram para casa. No entendiam como tudo havia acontecido. Ao invs de uma festa, de um casamento, fizeram dois enterros! Rosa M aria, desolada, foi com Isabel para o povoado ver se conseguiam ajudar em alguma coisa. Estava tudo uma desolao s. Comearam a ajudar no pequeno hospital, que no dava conta de tantos doentes. Aquela estranha febre espalhou-se por toda parte. As p essoas morriam rpido. Sem dor, sem sofrimento. Dona Maria Teresa e o senhor Tadeu , a princpio, quiseram impedir que Rosa Maria fosse para a vila, com medo de que tambm pegasse a febre. Ela os convenceu que, se tivesse que pegar, pegaria de qua lquer maneira, que as pessoas precisavam de ajuda. A contragosto concordaram. Is abel tambm teve dificuldades com seus pais, mas, no fim, tambm concordaram. Dormia m somente algumas horas por dia. As autoridades no davam conta de enterrar as pessoas. Os doentes eram enterrados rapidamente para se evitar o contgio. Nas casas em que havia um doente, era coloc ado um pano branco na janela. Jos veio em busca de Rosa Maria e disse desesperado : Rosa Maria, voc tem que ir para casa. Papai no est bem e quer v-la. O que ele tem? No v me dizer que a febre! Infelizmente . E ele no est bem. Meu Deus! Ele tambm no! Vamos logo! Avisaram Isabel, que os acompanhou. Quando chegaram, Rosa Maria, que j havia visto muitos doentes, percebeu que seu pai, infelizmente, tambm iria morrer. Ent rou em desespero. Conteve-se, quando sua me disse: No fique preocupada, filha. Ele no vai morrer. A febre est baixando. Ela sorriu para a me e abraou-a. Sabia que o pai no estava bem, mas no podia di zer me naquele momento. Sentou-se na cama. Pegou as mos do pai e segurou-as com mu ito carinho. Ele abriu os olhos. Vendo que era ela quem estava l, falou: Minha filha, sei que vou para junto de Tadeu e Roberta. No estou com medo, p orque sempre soube que este dia chegaria. A nica preocupao que tenho deixar voc, to j ovem. Fique sempre ao lado de sua me e de seu irmo. Eles a protegero sempre. No fale assim. Vai ficar bom. Muitas pessoas tm sarado l no hospital. Sabia que no estava falando a verdade, porque todas as pessoas que ficavam c om febre morriam, mas naquele momento foi nica coisa que lhe veio cabea para falar . Ficou ao lado do pai, cuidando dele com compressas e com os remdios que o mdico havia receitado. Sua me, do outro lado da cama, percebendo que o marido iria partir, comeou a chora r baixinho. Estivera casada por vinte e seis anos. Uma vida toda. Sempre se amar am, ele foi um bom marido e, ainda, melhor pai. Colocou as mos dele entre as suas e ficou calada, chorando. Rosa Maria olhou para ela e falou: Mame, a senhora est muito cansada. V se deitar, eu cuido dele. Vai ficar bem p or algum tempo. Descanse um pouco. Dona Maria Teresa estava cansada mesmo. Estava sem dormir havia quase dois dias. Falou: Estou um pouco cansada. Vou deitar, sim. Daqui a meia hora voc me acorda? Pode descansar. Eu a chamo assim que for necessrio. Dona Maria Teresa foi para o quarto de Rosa Maria. Deitou-se e fechou os ol hos, mas no conseguia dormir. Havia perdido o filho, agora estava perdendo o mari do. Como Deus pde fazer aquilo com ela e sua famlia? Dormiu. Enquanto isso, Rosa Maria ficou ao lado do pai, percebendo que aos poucos ele estava indo embora. Sem ter o que fazer, apenas o acariciava, com lgri mas caindo por seus olhos. Jos e Isabel entraram no quarto e se ajoelharam junto ao senhor Tadeu. Ficaram olhando, calados, porque tambm sabiam que nada havia par a se fazer. Duas horas depois, vendo que a me no acordava, Rosa Maria foi at seu qu arto. Ela dormia profundamente. Rosa Maria chamou-a, baixinho: Mame, est na hora de acordar. Papai quer falar com a senhora. Dona Maria Teresa com muito custo abriu os olhos e falou: J vou levantar. Estou mesmo cansada...Rosa Maria colocou a mo na cabea da me e percebeu com horror que ela tambm esta va com febre. Falou, tentando se manter calma: Se no quiser, no precisa se levantar, mame. Papai est bem. Vou me levantar. Quero ficar junto de seu pai. J aceitei que ele tambm ir embo ra. Quero estar a seu lado. Rosa Maria, sem poder evitar as lgrimas, falou: Est bem. Enquanto a senhora se levanta, vou para junto de papai. Ao invs disso, Rosa Maria se dirigiu para onde estavam Jos e Isabel. Nervosa, falou: Jos, vamos at l fora um pouco, preciso falar com voc. Isabel, por favor, fique com papai. Depois falo com voc. Fora do quarto, abraou o irmo, dizendo: Mame tambm est com febre... Ele a afastou com os olhos esbugalhados e disse: No! Voc deve estar enganada. No pode ser! Infelizmente, verdade, meu irmo... Fui acord-la. Ela disse que estava cansada , ento coloquei a mo em sua testa e vi que estava com febre. O que vamos fazer Rosa Maria? No sei... O que temos que fazer agora ficar ao lado de papai, Rosa Maria. Ele no est be m. No sei por quanto tempo vai resistir. Abraaram-se, chorando. Ficaram assim por algum tempo, um nos braos do outro. Enxugaram as lgrimas e foram para o quarto. Do na Maria Teresa j estava l, segurando as mos do senhor Tadeu. No percebeu que estava com febre. Falou: Meu marido, que Deus o abenoe. Obrigada por toda a vida de felicidade e pelo s filhos maravilhosos que me deu. Rosa Maria e Jos choravam. Sentiam que o pai estava indo e temiam pela me. O senho r Tadeu abriu os olhos quando ouviu a voz da esposa. Nada falou. Apertou a mo del a, sorriu e voltou a dormir. Quando dona Maria Teresa percebeu que ele havia ido , comeou a chorar. Deitou-se sobre o corpo do marido e chorou. Chorou muito. Rosa Maria, Jos e Isabel choravam abraados. Pela terceira vez, em muito poucos dias, uma pessoa deixava aquela famlia qu e at pouco tempo era to feliz. Dona Maria Teresa, aps a morte do marido, entrou em profunda tristeza, o que fez com que a febre tomasse conta de seu corpo. O senhor Tadeu foi enterrado ra pidamente ao lado de Tadeu e de Roberta. Rosa Maria sentiu a morte do pai, mas a gora sua me precisava de sua ajuda e cuidado. Com o corao partido, cuidou da me, sem descansar por um momento. Por todos os doentes que j havia visto no hospital, sa bia que a me tambm no resistiria. Dona Maria Teresa tambm percebeu que estava doente e que iria fazer companhia a seu marido e a seu filho. Em um momento de lucidez , falou: Meus filhos, estou indo embora. Deus assim quis. Quero que nunca percam a f. Sigam seu caminho, sempre com a certeza de que, de onde estiver, eu, seu pai e Tadeu estaremos pensando em vocs. Fique sempre juntos, um amparando o outro. Isab el, conheo voc desde que nasceu. Aprendi a gostar de voc como se fosse minha filha. Sei que ama meu filho e que o far feliz. Proteja Rosa Maria. Ela vai precisar mu ito de vocs, ainda muito menina. Que Deus abenoe vocs, meus filhos. Depois de trs dias, assim como os outros, partiu. Rosa Maria entrou em deses pero e chorava sem parar. Isabel tentando conform-la, disse: Sei que, como ns, voc est sofrendo, Rosa Maria, mas, l no hospital, muitas pess oas precisam de nossa ajuda. Vamos voltar para l? Rosa Maria olhou para ela e percebeu que Isabel tinha razo. Decidiu que o me lhor a fazer era ir mesmo para o hospital. Foi o que fez, entregou-se por inteir o na ajuda aos doentes. Depois de vinte dias, aquela estranha febre foi embora. Quarenta por cento da populao foi dizimada. Famlias inteiras morreram. Apesar de te rem ficado em contato direto com os doentes, Rosa Maria, Isabel e Jos no ficaram d oentes. Naquele ano, no houve festa de Santo Antnio.Previses se realizandoSomente quando tudo terminou, Rosa Maria percebeu que de toda sua famlia s re staram ela e Jos. Os dois s se encontraram, quando ela voltou, exausta, do hospita l. Abraaram-se e choraram muito. Ela perguntou: O que vamos fazer meu irmo, agora sozinhos no mundo? No sei e no entendo por que no pegamos a febre... No sei por que no morremos... S sei que precisamos continuar nossa vida. Mame sempre dizia: estamos sempre no lu gar que devemos estar. Sei que no vai ser fcil, mas temos que continuar. Estamos j untos e estaremos sempre. Temos este stio e viveremos aqui. Tenho certeza de que mame, papai e Tadeu esto agora no cu e olhando por ns. Com certeza no iriam querer no s ver triste e desanimado. Rosa Maria ouviu o irmo e, sem parar de chorar, disse: Sei que tudo o que est falando verdade. Sei tambm que papai e mame estariam fa lando a mesma coisa, mas no consigo me conformar. At poucos dias ramos uma famlia fe liz. Como tudo pde mudar dessa forma e to rpido? Gostaria de poder responder, mas no posso. No sei. Vamos ficar juntos e conti nuar vivendo. Jos deu um beijo em seu rosto e saiu. No sabia o que fazer para consolar a ir m. Ele tambm estava desolado, mas sabia que a vida continuava. Tinha que tocar a v ida. Com o tempo, Rosa Maria tambm se conformaria. Rosa Maria no conseguia acreditar em tudo que havia acontecido. Por alguns d ias, ficou andando dentro de casa, de um lado para outro, sem achar nada para fa zer. Depois, foi para o quarto dos pais. Deitou-se e s chorou. No sairia de l para nada. Jos e Isabel fizeram de tudo para anim-la, mas foi intil. Ela s queria morrer para encontrar os pais e Tadeu. Maria Lusa e sua me, que durante a febre estavam n a casa de sua av, ali permaneceram. Depois de um ms que a febre havia ido embora, ela e sua me voltaram. Ela estava ansiosa para rever as amigas. No sabia se estava m bem. No queria ter ficado na casa da av, mas a me insistiu, ou melhor, ordenou. F oi obrigada a obedecer. Assim que chegaram, pediu me que a deixasse ir at a casa de Rosa Maria. Ela p ermitiu e Maria Lusa foi com Juvenal. Quando chegou, estranhou o silncio, que naqu ela casa no era comum. Entrou chamando, mas ningum respondeu. Foi ao quarto de Ros a Maria, mas ela no estava. Continuou procurando e sentindo um aperto no corao, com medo do que estava pensando. Abriu a porta do quarto dos pais de Rosa Maria. So rriu, aliviada. Entrou, falando: Graas a Deus, voc est a! Fiquei com tanto medo quando no a encontrei... Quando Rosa Maria ouviu a voz de Maria Lusa, sentou-se na cama. Abriu os brao s e comeou a chorar. Maria Lusa fez o mesmo e se abraaram. Maria Lusa perguntou: O que aconteceu aqui? Por que est chorando? Onde esto todos? Rosa Maria chorava com tanta emoo que no conseguia responder. Maria Lusa afasto u-se dela, dizendo: Pare de chorar! Preciso saber o que est acontecendo! Por favor, conte! Rosa Maria passou as mos pelos olhos e comeou a falar. Contou tudo, desde o d ia em que Tadeu no voltou. Maria Lusa ia escutando. Seus olhos se encheram de lgrim as. Quando Rosa Maria terminou de falar, estavam as duas chorando, uma nos braos da outra. Maria Lusa, ainda chorando, disse: Eu no devia ter ido embora. Mas fomos s visitar a vov! Devia ter voltado quand o ouvi falar na febre, mas mame no deixou! Ainda bem que voc teve que ir. Seno, talvez estivesse morta tambm. Choraram e conversaram por algum tempo. Maria Lusa disse: Voc sabe o quanto eu gostava de Tadeu e de seus pais, mas acho que Jos tem ra zo. No adianta voc ficar assim. Seus pais e Tadeu, com certeza, no iam querer ver vo c desse jeito. Voc est horrvel! No adianta ficar assim. No vai conseguir traz-los de v lta nem morrer, se o que est pensando. Se tivesse que morrer, teria morrido na fe bre. Se no morreu, algum motivo houve. Por isso, vamos levantando dessa cama! V to mar um banho. Seus cabelos esto oleosos e sujos. Depois que estiver limpa e cheirosa, ns duas vamos rezar por eles e por todos os outros que morreram e agradecer a Deus por ainda estarmos vivas. Jos chegou. Foi direto para o quarto dos pais ver como Rosa Maria estava. Ao chegar perto da porta, percebeu que as duas estavam conversando. Ficou do lado de fora escutando, sem entrar. Quando Maria Lusa terminou de falar, entrou, baten do palmas e falando: Maria Lusa, voc falou tudo o que estou tentando falar, mas no consegui. No enco ntrei as palavras certas. Obrigado! Quem sabe, agora, ela entenda o que estou qu erendo dizer h tanto tempo. Maria Lusa largou Rosa Maria e foi abraar Jos, que comeou a chorar tambm. Jos! Sinto muito por tudo que aconteceu, mas vocs tm que continuar vivendo, no ? Claro que sim. Rosa Maria, quando me ouvia dizer isso, ficava brava, dizia que eu no estava ligando. Eu estou ligando, mas no posso mudar a vontade de Deus. Pode deixar. Agora ela vai ficar bem. Comeando por tomar um belo banho! Enquanto eles conversavam, Rosa Maria levantou-se e abraou-os, chorando. Vocs tm razo. Nunca mais me vero chorando. Sei que eles esto no cu. Um dia, irem s tambm, no ? Maria Lusa abraou a amiga, que abraou o irmo. Um dia iremos todos, mas no vai ser agora. Temos, ainda, muito para viver. S e conseguimos escapar dessa, creio que no vamos morrer nunca! Os irmos, sem perceber, depois de muito tempo, riram. Aps, se soltaram, com u m sorriso nos lbios. Jos saiu, foi avisar Isabel que Maria Lusa estava l. Rosa Maria foi tomar banho. Maria Lusa deitou na cama e, chorando baixinho, pensou: "Como t udo pde mudar desse jeito? Espero que estejam no cu. Eu os amava. Estou sofrendo, mas no posso fraquejar. Preciso estar perto de Rosa Maria, animando-a." Levantou, enxugou as lgrimas, olhou no espelho, arrumou o cabelo e ficou esperando Rosa Ma ria voltar do banho. Logo depois, Jos e Isabel chegaram. As duas se abraaram. Isab el estava abatida, com olheiras bem marcadas. Conversaram sobre vrios assuntos. F alaram levemente sobre o acontecido. Rosa Maria chegou. Jos j havia feito um lanch e. Foram para a cozinha. Rosa Maria, agora que estamos sozinhos neste mundo, resolvi que seria melho r me casar. O que voc acha? - Jos perguntou durante o lanche. Rosa Maria, surpresa, olhou primeiro para o irmo, depois para Isabel, e falo u: At que enfim uma boa notcia! Sei que vocs vo ser felizes. Ainda bem que escolhe u uma mulher que eu tambm amo. Levantaram a xcara de ch que estavam tomando. Jos fal ou: Vamos fazer um brinde e retomar nossa vida. Rosa Maria ficou feliz. Sabia que os dois se amavam. Ela teria que retomar sua vida. Ainda bem que eles estavam l. Poderia agora estar sozinha. Maria Lusa fa lou: Estou tendo uma idia. Que tal, enquanto vocs preparam o casamento, Rosa Maria ir para minha casa? Depois da lua-de-mel ela volta. Jos quis protestar, mas Maria Lusa olhou para ele com um olhar que ele compre endeu. No sei. O que acha Rosa Maria? Antes que Rosa Maria respondesse, Maria Lusa falou: Rosa Maria, por favor! Estou muito sozinha. Com voc l em casa vou ter com que m conversar. Preciso de voc. Rosa Maria entendeu o que Maria Lusa estava querendo fazer. Olhou para ela, com cara de quem estava fazendo um favor. Est bem. J que voc precisa tanto de mim, eu vou, mas s at eles acabarem a lua-de -mel. Isabel, rindo, falou: Jos, creio que ser bom para ela. Jos pensou um pouco e falou: Est bem. Sendo assim, eu permito que voc v para a casa dela. Maria Lusa pegou Rosa Maria pela mo e, juntas, foram para o quarto. Foi pegan do as roupas de Rosa Maria e colocando em um lenol, depois o amarrou. Pegou outro lenol, colocou mais um pouco e amarrou tambm. Falou: Depois viremos buscar o resto. Por enquanto, vamos levar s essas. Rosa Maria se deixou levar. Na sala, Jos abraou a irm, dizendo: No se preocupe. Procure se distrair e se recuperar. Assim que tudo estiver p ronto para o casamento, irei busc-la. Dona Matilde estranhou quando viu as duas chegando e carregando aquelas rou pas. Maria Lusa contou me o que havia acontecido. Dona Matilde ficou admirada e ch ocada. Tentou se desculpar: Fomos embora s para fazer uma visita a minha me. No voltei temendo a febre. De via ter mandado buscar todos vocs. Mas nem pensei. Nunca imaginei que isso pudess e acontecer. Rosa Maria, abraada a dona Matilde, disse: Por favor, no fique assim! J estou comeando a aceitar que tudo tinha que acont ecer e que ningum poderia ter evitado. Est bem. Seja bem-vinda em minha casa. Fique vontade pelo tempo que quiser. Conheo-a h pouco tempo, mas aprendi a gostar de voc, como gostava dos seus. Lembrase do juramento que fizemos eu e sua me? Pois bem, infelizmente chegou a hora de cumprir. Naquele dia, quando fizemos, nenhuma de ns pensava que uma coisa dessas fosse acontecer, mas j que aconteceu, vou cumprir. Tenho certeza de que, se fosse o contrrio, sua me tambm o honraria. Voc no acha? Rosa Maria deu um sorriso triste e falou: Com certeza! Muito obrigada. Um ms depois foi realizado o casamento de Jos, em uma cerimnia simples. Isabel estava linda em seu vestido de noiva. Sorrindo, feliz, abraou Rosa Maria e disse : Tenho certeza de que ns trs seremos felizes, Rosa Maria. Juntos, voltaremos a ser uma famlia feliz. Aps o padre unir os dois com palavras bonitas em relao ao amor e famlia que est ava nascendo naquele momento, Jos e Isabel juraram amor eterno. Embora simples, f oi um casamento bonito. Rosa Maria estava feliz. Sabia que o irmo teria em Isabel uma companheira que o amava. Isso deu a ela conforto e a certeza da felicidade do irmo. Maria Lusa pegou o buque que Isabel jogou. Com ele na mo, falou: Logo eu, que nem namorado tenho? Isabel, rindo, disse: Logo ter, pode acreditar. Quando menos esperar, estar amando. Maria Lusa, com o buqu nas mos, falou: Quem sabe? Vamos esperar. Enquanto falava, jogou-o para Rosa Maria, que o pegou. Rosa Maria, Maria L usa e sua me voltaram para casa. Durante o tempo em que estava morando l, a amizade entre as duas ficou ainda maior. O tempo foi passando, e logo Rosa Maria se aco stumou com a nova vida. Jos, vrias vezes, veio visitar a irm. Maria Lusa, sabendo qu e logo iria viajar para o Brasil, pedia a Jos que no a levasse. Era difcil para Jos ou qualquer outra pessoa dizer no a Maria Lusa. Por isso, Rosa Maria foi ficando. Na realidade, no queria voltar para casa. L, a saudade era maior. Comeou a ter aulas de pintura, piano e boas maneiras. Maria Lusa no permitia q ue ficasse triste. Chegou outra carta de Dom Carlos. Nela ele dizia que a viagem para o Brasil seria adiada, porque a fazenda que comprou precisava de uma refor ma. Queria que elas s fossem quando tudo estivesse pronto. Por seus clculos, demor aria mais uns seis meses. Rodolfo deveria chegar logo. Quando Dona Matilde acabou de ler, Maria Lusa falou: Tenho vontade de ir para o Brasil. Mas tenho um pouco de receio. No conheo ni ngum. Tenho medo de me sentir muito s. Mame estive pensando... E se Rosa Maria for tambm? Juntas, tudo ser mais fcil. Dona Matilde pensou um pouco e falou: Por mim, est bem. Tenho certeza de que uma tima idia, mas voc sabe que no posso resolver sozinha. Existem a trs problemas. Primeiro voc no sabe se ela quer ir. Segu ndo, precisa ver o que Jos pensa a respeito. Terceiro preciso pedir autorizao a seu pai. Como sempre, a senhora tem razo. Esses problemas existem, mas podemos achar uma soluo. Primeiro, Rosa Maria, voc quer ir?Rosa Maria, que estava acompanhando atentamente a conversa das duas, respon deu: No sei. J havamos falado sobre a possibilidade de eu ir para visitar vocs. Conf esso que gostaria, mas s para visitar, no para ficar. Estou praticamente sozinha. Jos est casado. Tem agora sua famlia. Ir para sempre me d um pouco de medo. O lugar mais longe a que fui at agora foi casa de Roberta, que fica do outro lado do povo ado. Quem disse que para sempre? Vou escrever para meu pai, perguntando se voc po de ir por um tempo e se, quando quiser voltar, ele compra a passagem. Dependendo da resposta, voc vai e volta quando quiser. Est bem assim? Foi muito bom a viagem ter sido adiada. Vou escrever hoje mesmo, assim dar tempo para ele responder. Qu e acha? Dona Matilde e Rosa Maria riram. Quando Maria Lusa queria alguma coisa, no ex istia dificuldade. Ela encontrava soluo para tudo. Est bem. Se seu pai concordar, eu vou. Precisamos, antes, falar com Jos. As cartas eram enviadas por navio, por isso demoravam de trs a quatro meses para chegar a seu destino. Por esse motivo Maria Lusa queria mandar logo. Foram a s duas falar com Jos e Isabel. Quando chegou sua casa, eles no estavam. Rosa Maria sentiu um aperto no corao. Pouco tempo atrs, os pais e Tadeu estavam l. Brincavam o tempo todo. Formavam uma famlia feliz e unida. Agora estava tudo to diferente. As ovelhas bem cuidadas. O jardim, o pomar, tudo como antes. Jos e Isabel cuidavam muito bem de tudo, mas havia uma tristeza no ar. Sozinha no quintal, olhando tudo, comeou a chorar com tristeza e saudade. Ma ria Lusa se afastou. Sabia que a amiga precisava, naquele momento, ficar sozinha. Jos e Isabel chegaram um pouco depois. Tinham ido igreja. Ao verem Rosa Maria, c orreram para ela. Abraaram-se com muito carinho. Que bom que voltou. Estava morrendo de saudade. Falei hoje para Isabel que ia buscar voc. Agora que voltou, vamos recomear e tornar nossa famlia feliz novamen te? Rosa Maria abraou-o e disse: Estou contente por ver vocs unidos e felizes. Vim at aqui para ver os dois, m as tambm para conversar. Vocs esto casados. Esto bem um com o outro, mas minha vida est mudada. Os pais de Maria Lusa vo se mudar para o Brasil. Maria Lusa quer que eu v junto. Viemos at aqui para saber o que vocs acham dessa idia. Brasil? Voc est louca? Fica do outro lado do mundo! No! muito longe! Sei disso, Jos, mas tambm terei a oportunidade de conhecer outro pas, outra cu ltura. No ser por muito tempo. Se, por qualquer motivo, eu no me acostumar e quiser voltar, o pai de Maria Lusa providenciar minha volta. Jos ficou pensativo. Lembrou-se do adivinho que tinha dito tudo aquilo. As p revises que fez estava acontecendo, at essa viagem para uma terra estranha, alm mar . Ia comentar com a irm, quando Isabel falou: Jos, talvez deva permitir. Ser bom para ela. Mesmo porque ela sabe que sua ca sa aqui e que estaremos sempre de braos abertos para receb-la. Voc no pode impedir q ue ela faa o que tem vontade. Jos olhou para a irm e pensou: "Parece to feliz. Realmente, no tenho o direito de fazer o que quiser. Se no se lembrou do vidente, tambm no a lembrarei". Olhou co m carinho para a irm e disse: Se isso mesmo que quer, s posso permitir e abeno-la. Rosa Maria abraou e agradeceu ao irmo que tanto amava. Agradeceu tambm a Isabel pel a ajuda. Jos sorriu tristemente, pensando: "Ela to jovem e to querida. Quanto ao ad ivinho, nada poderei fazer como mame dizia, sempre estamos no lugar certo, na hor a certa e com as pessoas certas. Se o lugar for o Brasil, se as pessoas so Maria Lusa e sua famlia, que seja"! Beijou as mos de Rosa Maria, dizendo: Nunca esquea minha irm, que estaremos sempre aqui esperando por voc. Por favor , nunca sofra! Ela nunca sofrer Jos! No permitirei! Eu a amo como se fosse minha irm. Tudo far ei para que seja feliz. Pode ter certeza! Fique tranqilo. isso mesmo, Jos. Ns somos como irms. Sei que Maria Lusa estar sempre ao meu lad . Espero que Deus proteja ambas. V com todo meu amor. Espero que tudo d certo. Ao se despedir, Rosa Maria abraou e beijou os dois com todo o carinho. Chega ndo a casa, Maria Lusa entrou, dizendo: Pronto, mame, tudo resolvido. Jos deu permisso. Rosa Maria pode viajar conosco . Agora s falta papai concordar. Dona Matilde riu, dizendo: Como se voc no soubesse a resposta. Quando foi que seu pai lhe disse um no? El e sempre quer dizer, mas no final, eu sei, voc sabe e ele tambm sabe, que sempre d iz sim. Maria Lusa, disse: Mame precisamos comprar roupas para a viagem. Quando Rodolfo chegar, tudo de ve estar pronto. Ela estava feliz. A viagem que at pouco tempo no sentia vontade de fazer, ago ra, com a ida de Rosa Maria deixou-a ansiosa. No via a hora que o dia chegasse.Uma terra distanteMais de trs meses se passaram desde a ltima carta enviada por Dom Carlos. Na casa de Maria Lusa, estavam tomando o ch da tarde, quando a porta se abriu e um be lo jovem entrou. Maria Lusa e a me deram um grito, ao mesmo tempo em que corriam p ara abra-lo. Meu filho! No pensei que fosse chegar hoje! Por que no avisou? Se tivesse avisado, no estaria sentindo a felicidade de ver em seu rosto ess e ar de surpresa... Oh, meu irmo! Que bom que chegou! Estava morta de saudade e ansiosa para que conhea a minha amiga. Esta Rosa Maria. Rosa Maria, este Rodolfo, meu irmo. Rosa Maria, de p, estava olhando tmida para ele. Bonito, alto, moreno, olhos claro s com um sorriso franco. O oposto de Maria Lusa que era loura. Ele, olhando nos o lhos de Rosa Maria, disse: Ento, voc a famosa Rosa Maria, o assunto principal das ltimas cartas de Maria Lusa? Enquanto falava, beijava a mo que Rosa Maria estendera. Minha me e Maria Lusa gostam muito de voc. Pelo que estou vendo, vou gostar ta mbm. Rosa Maria, ao toque dos lbios dele em sua mo, sentiu um arrepio por todo o c orpo. J tinha ouvido falar dele, j o tinha imaginado de vrias maneiras, mas era dif erente de tudo que havia pensado. Muito prazer, senhor. Que senhor esse? Algum est vendo algum senhor aqui? Maria Lusa e a me responderam juntas: No! A emoo era tanta que Rosa Maria no conseguia falar. Dona Matilde disse: Sente-se, Rodolfo. Tome ch conosco enquanto conta tudo sobre o Brasil e o te mpo que esteve l. Rodolfo, atendendo ao pedido da me, sentou-se e comeou a falar sem parar: O Brasil uma terra maravilhosa! O local onde est fazenda o lugar mais bonito que j vi. Tenho certeza de que vo adorar. Fica no meio de montanhas. No sul das M inas Gerais. Essas montanhas esto sempre verdes. Na primavera, ficam cheias de fl ores de todas as cores. A casa-grande muito bonita. Tem vrios quartos e salas. Co m a reforma que papai fez, ficou parecendo um palcio. O melhor de tudo que ficare mos todos juntos novamente. Antes que me esquea, tenho algo importante para falar . No sei se vo gostar, mas preciso cumprir uma ordem de papai: Rosa Maria pode ir conosco. Maria Lusa pulou em cima de Rodolfo, quase fazendo com que ele casse da cadei ra em que estava sentado. Rosa Maria escutava encantada o que ele contava. Seus olhos, sua voz e seu sorriso. Tudo nele era bonito. Pensava: "O que ser isso queestou sentindo? Por que no consigo olhar em seus olhos?" Terminaram o ch. Foram para a sala de estar. Maria Lusa comeou a tocar uma lin da melodia. Rosa Maria olhava para Rodolfo disfaradamente. Ele a tratava como se fosse sua irm. Ria, brincava e puxava o cabelo ora de uma, ora de outra. Era um r apaz alegre e descontrado. Ele pediu licena e foi para seu quarto. Estava cansado da viagem. Tudo estava pronto para a partida. A casa seria fechada, mas no vendida. Os empregados foram despedidos por Rodolfo, que deu a cada um uma rgia quantia em di nheiro, quantia esta com a qual poderiam viver at arrumarem um novo emprego. Some nte Juvenal e Joana ficariam na casa, para que ela no ficasse abandonada. Os trs s aam sempre. Aos poucos, Rosa Maria perdeu aquela primeira impresso. Percebeu que e le realmente a tratava como irm. Comeou a falar e brincar normalmente. Rodolfo, em bora no sentisse por ela nada alm de amizade, no pde deixar de notar que era uma pes soa agradvel, educada e inteligente. Tinha sempre uma resposta na ponta da lngua. Ficou prestando ateno em tudo que ela fazia ou falava. Aos poucos, foi entendendo por que a me e a irm gostavam tanto dela. Alguns dias antes da viagem, os trs joven s foram visitar Jos e Isabel. Rodolfo foi apresentado a ambos. Tomaram um lanche. Conversaram muito sobre vrias coisas, principalmente sobre o Brasil, Jos e Isabel queriam saber tudo. Aps o lanche, Jos levou Rodolfo para conhecer a propriedade. Elas foram at o r iacho. Sentaram-se e ficaram conversando por um bom tempo. Rodolfo ficou encanta do com tudo o que viu. Parados no pomar, Jos falou: O senhor est me conhecendo agora. Vai levar minha irm. Por favor, cuide bem d ela. No deixe que nada de mau lhe acontea. muito jovem e a nica pessoa que restou d e minha famlia. Eu a amo muito. Pode ficar tranqilo. Ela j era querida por minha me e minha irm. Agora o por mi m. Gosto dela como de Maria Lusa. Cuidarei dela como se fosse o senhor. Ao despedirem-se, Rosa Maria disse: Vou embora dentro de alguns dias, mas levarei os dois em meu corao. Escrevere i sempre e espero receber muitas cartas suas. Claro que escreveremos sempre. Vou cuidar muito bem de seu irmo, Rosa Maria. Cuide-se e no esquea que sua famlia est aqui disse Isabel. Da a quatro dias foram para Lisboa, onde embarcariam no navio que os levaria para o Brasil. Chegaram a Lisboa noite. Foram para um hotel que Rodolfo deixara reservado. Pela manh, embarcaram. No viram quase nada da cidade. Rosa Maria ficou impressionada com o tamanho do navio. Estava ansiosa. Nunc a sara do povoado. Nunca vira o mar, muito menos um navio. Olhava tudo como se fo sse uma criana diante de um presente novo. Estava prestes a cruzar o mar, indo pa ra um pas estranho e distante. Estavam no convs do navio olhando as pessoas que em terra acenavam. Jos e Isabel l estavam acenando com lgrimas nos olhos. Jos no conseg uia se esquecer do adivinho. Ao mesmo tempo em que estava feliz por ver a irm con tente, temia por ela. Com toda a agitao na preparao da viagem, Rosa Maria no se lembr ou do vidente. Jos comentou com Isabel, que o confortou: Graas a Deus que ela no se lembrou. Assim, vai partir sem preocupao. O navio apitou, avisando que iria partir. Rosa Maria abanava a mo, mesmo no v endo mais os dois. Ela via sua terra desaparecendo. Aos poucos, s foram restando s ondas que o movimento do navio fazia. Era s cu e mar. Tudo muito azul. Ficou l por muito tempo. Estava distrada, olhando o mar, quando Maria Lusa chegou e disse: Vamos conhecer o resto do navio, Rosa Maria? Ficaremos aqui por muitos dias . bom conhecermos as pessoas. Saram andando. Maria Lusa ia conversando com todos e fazendo amizades. Rosa M aria, a seu lado, como sempre, tmida. Rodolfo se divertia com a timidez dela. Pas saram um dia tranqilo. O mar estava calmo. Comeou a entardecer. O sol ia se pondo. O cu, de um azul infinito ia se tornando avermelhado. Uma paisagem que Rosa Maria jamais esquecer ia. Ficou l at que o sol sumisse definitivamente. As duas foram para o camarote pr eparar-se para o jantar. Rodolfo foi para o seu. Elas se vestiram de uma maneira especial. Por ser sua primeira noite, Rosa Maria colocou o vestido rosa, que er a seu preferido. Maria Lusa vestiu um verde-claro, que fazia sobressair seus olhos e cabelos. Dona Matilde, embora discreta, estava elegante. Rodolfo tambm se esm erou, chegando elegantemente vestido. Jantaram alegremente. Aps o jantar, fez-se ouvir uma msica suave. Maria Lusa e Rodolfo conversavam com alguns jovens. Rosa Ma ria pediu licena e voltou ao convs. A noite estava linda. Um cu muito estrelado. A lua cheia, brilhante, refleti a no mar. Parecia haver duas luas. O mar estava claro, iluminado por pontos clar os feitos pelas ondas refletidas pela lua. Estava mesmo uma noite maravilhosa. R osa Maria, encantada com tudo o que via, comeou a se lembrar de seus pais e de se u irmo: "Eles devem estar felizes por me verem aqui. Por que tudo aquilo teve que aconte cer? Por que tiveram que morrer? Por que me deixaram sozinha? Meu Deus! Estou so zinha? Estou indo para uma terra estranha. Alm-mar? Tudo que o adivinho falou est se realizando. Quer dizer que tudo que previu estava certo? Ele disse que eu sof reria muito, seria trada, seria enganada. Oh, meu Deus! Como fui esquecer? Ele di sse que eu voltei para resgatar e ajudar. O que ser que quis dizer? O que estar se ndo reservado para mim nessa terra para a qual estou indo? Papai, mame, Tadeu... ajudem-me!" Comeou a tremer e chorar, sentindo muito medo. Estava assim tremendo, choran do angustiada, quando ouviu uma voz vinda de perto. O que est acontecendo, Rosa Maria? Por que est chorando? Est arrependida da vi agem? Rodolfo estava a seu lado. Ela olhou para ele e respondeu: No sei. Estou com medo. Acabei de me lembrar de algo terrvel que me aconteceu . Do que uma menina to bonita pode ter medo? Ela contou tudo. Ele colocou os braos em seu ombro e falou: No se preocupe com isso. Nada de ruim vai acontecer a voc, aqui ou em qualque r lugar. Eu estava esperando chegar ao Brasil para falar com voc, mas sinto que t alvez agora seja o momento. Eu amo voc! Quando a conheci, a princpio tentei trat-la como uma amiga de minha irm. Depois, com a convivncia, aprendi a am-la. Quero me c asar com voc. Vai depender s de sua resposta. Se disser que aceita, serei o homem mais feliz do mundo. Rosa Maria estava atnita, porque ele nunca deixara transparecer nada. Ele co ntinuou: Se disser que sim, vamos namorar e, mais tarde, depois que falar com meu pa i, nos casaremos. No sei. No esperava por isso... Voc nunca fez nada para eu pensar que gostasse de mim. Algumas vezes, cheguei at a pensar. Mas tentei esquecer, por acreditar s er uma coisa impossvel. Voc est dizendo que tambm me ama? No sei se amor, mas a primeira vez que o vi senti algo estranho. Meu corpo s e arrepiou quando beijou minha mo. Nunca, antes, tinha sentido algo parecido. Ser que amor? Rodolfo, sorrindo, segurou seu rosto e a beijou ardorosamente. Ela correspondeu com todo o amor que estava escondido por muito tempo. Rodolfo falou baixinho em seu ouvido: Estou feliz por ns. Vamos enfrentar problemas, no vai ser fcil. Papai um homem ntegro, mas tambm dominador. Vou falar com ele no momento certo. Por isso, vamos deixar em segredo. No conte a ningum, nem mesmo a Maria Lusa. Quando chegar a hora, contaremos juntos. No posso fazer isso. Maria Lusa minha amiga. No posso deixar de contar. Claro que vai contar... S tem que esperar um pouco... Est bem. Vou esperar. Quando chegarmos ao Brasil, voc promete falar com seu p ai? Posso contar para Maria Lusa? Prometo. Assim que chegarmos ao Brasil, esclareo tudo. Est bem? Est. Vou esperar Rodolfo. Como conversavam muito, Maria Lusa e sua me no desconfiaram de que algo estava acontecendo entre eles. A viagem foi demorada, mas agradvel, principalmente para Rosa Maria e Rodolfo, que fugiam dos demais para rpidos encontros. O amor entre eles era cada vez maior.Finalmente, avistaram de longe as terras do Rio de Janeiro. Foi uma alegria geral no navio. Ao se aproximarem da terra, Rosa Maria, Maria Lusa e Dona Matild e, ansiosas, esperavam o navio atracar. Olhavam tudo. Estavam com pressa. Queria m pisar em terra firme. Elas se admiravam com a paisagem, o contorno do mar e as montanhas verdes. O navio foi chegando ao porto. O corao de Rosa Maria estava bat endo forte. Ainda no convs, pensou: "Hoje dia 22 de maro de 1857, quase cinco hora s da tarde. O primeiro dia de minha nova vida aqui nesta terra. Que Deus me abeno e. Que eu seja feliz".Compra de escravos Ao aportarem, Rodolfo pegou as bagagens de mo e as acompanhou dando a elas t oda a segurana. Quando desceram, Josu, um escravo conhecido de Rodolfo, estava esp erando que eles chegassem. Rodolfo deu a ele uns papis para que fosse providencia r a retirada das bagagens. Havia uma carruagem esperando por eles. Foram para um hotel no centro do Rio. Elas olhavam tudo pelo caminho. No notavam muita diferena , porque as construes eram parecidas com as de Portugal. Trs quartos foram reservad os por Dom Carlos. Josu disse para Rodolfo: U sinh Dom Carlos num pde vim. Pediu pru sinhozinho mi acomod. Di noite ele ve m jant. Vamo amanh bem cedinho pra fazenda. Maria Lusa, Rosa Maria e dona Matilde estranharam o modo como o negro falava . Por que ele fala assim? No entendi quase nada do que falou. Rodolfo respondeu: Ao negro proibido aprender a ler ou escrever, Maria Lusa. Por isso, a maiori a fala assim. No comeo, tambm tive dificuldade para entender, mas logo me acostume i. Vocs tambm se acostumaro. Rodolfo no se admirou com o recado de seu pai. Estava acostumado com seus co mpromissos. No hotel, se acomodaram. Em um quarto ficaram Rosa Maria e Maria Lusa . No outro, ficariam dona Matilde e Dom Carlos. Rodolfo ficou sozinho. Na hora d o jantar, Dom Carlos no veio. Josu chegou com um envelope e entregou para Rodolfo, que abriu, tirou o bilhete e leu: Sejam todos bem-vindos ao Brasil. Meu filho, surgiu um problema e no pude ir esperlos. Acomode a todos. Amanh cedo nos veremos para o caf. Um abraoPapai. Quando Rodolfo terminou de ler, olhou para elas, que escutavam o que ele li a. Aps terminar de ler, disse: O melhor que temos a fazer ir dormir. A fazenda fica longe. A viagem ser fei ta de carruagem, portanto ser cansativa. Viajaremos mais ou menos por trs dias. Po r isso ser bom estarmos descansados. Elas concordaram. Foram para seus quartos. E stavam realmente cansadas. Rosa Maria e Maria Lusa conversaram por pouco tempo e dormiram em seguida. Na manh seguinte, levantaram-se. Maria Lusa perguntou: O que est achando daqui, Rosa Maria? No sei. Ainda no vimos muita coisa. Ontem estava to cansada que no prestei muit a ateno. Hoje, vou prestar mais ateno em tudo. Eu tambm no vi muito. Gostaria de conhecer o Rio de Janeiro, mas vamos partir agora de manh. No veremos muita coisa. Foram para o restaurante do hotel. Rodolfo e dona Matilde j estavam esperand o por elas. Quando estavam todos sentados, dona Matilde falou: Dom Carlos, ontem noite, disse que no poderemos viajar hoje. No conseguiu ter minar o negcio que est fazendo. Por isso, vamos passar o dia aqui. Viajaremos aman h. Pediu a voc, Rodolfo, que nos leve para passear, a fim de conhecermos a cidade. Josu vir nos buscar com a carruagem. Os olhos de Maria Lusa brilharam. Falou: Que bom mame! Ontem, na hora em que fomos dormir, eu e Rosa Maria conversvamo s exatamente isso, sobre no termos conhecido o Rio de Janeiro. Rodolfo se levanto u, fez uma reverncia para Maria Lusa e falou rindo: No sei como voc, irmzinha, consegue tudo o que quer? Pronto! Ser feita sua vont ade. Senhora! Senhoritas! Vamos passear? Terminaram de tomar o caf. Foram at seus quartos para se prepararem para o pa sseio. As meninas estavam entusiasmadas. Quando todos saram, Josu j os esperava. En traram na carruagem, que era grande e puxada por dois cavalos, preta por fora e vermelha por dentro. Rodolfo e a me sentaram-se de um lado. Rosa Maria e Maria Lus a do outro, o que facilita