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Quântica CEDERJ Completo

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Introdução à Mecânica Quântica

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  • Raul Jos Donangelo Rodrigo Barbosa Capaz

    Volume 1 - Mdulo 12a edio

    Introduo Mecnica Quntica

    Apoio:

  • Material Didtico

    2009/1 Referncias Bibliogrfi cas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.

    Copyright 2007, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.

    D676m

    Donangelo, Raul Jos.

    Introduo mecnica quntica. v. 1 / Raul Jos Donangelo;

    Rodrigo Barbosa Capaz. 2. ed. Rio de Janeiro : Fundao

    CECIERJ, 2009.

    120p.; 21 x 29,7 cm.

    ISBN: 978-85-7648-395-3

    1. Mecnica quntica. I. Capaz, Rodrigo Barbosa.

    II. Ttulo.

    CDD: 531.12

    ELABORAO DE CONTEDORaul Jos DonangeloRodrigo Barbosa Capaz

    COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto

    DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISO Marcelo Bastos MatosPatrcia Alves

    COORDENAO DE AVALIAO DO MATERIAL DIDTICODbora Barreiros

    AVALIAO DO MATERIAL DIDTICOLetcia Calhau

    EDITORATereza Queiroz

    REVISO TIPOGRFICACristina FreixinhoElaine BaymaPatrcia Paula

    COORDENAO DE PRODUOJorge Moura

    PROGRAMAO VISUALSanny Reis

    ILUSTRAOJefferson Caador

    CAPAJefferson Caador

    PRODUO GRFICAAndra Dias FiesFbio Rapello Alencar

    Departamento de Produo

    Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001

    Tel.: (21) 2299-4565 Fax: (21) 2568-0725

    PresidenteMasako Oya Masuda

    Vice-presidenteMirian Crapez

    Coordenao do Curso de FsicaLuiz Felipe Canto

  • Universidades ConsorciadasUENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho

    UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves

    UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitora: Malvina Tania Tuttman

    UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Motta Miranda

    UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Alosio Teixeira

    UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles

    Governo do Estado do Rio de Janeiro

    Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia

    Governador

    Alexandre Cardoso

    Srgio Cabral Filho

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  • Introduo Mecnica Quntica

    SUMRIO

    Volume 1 - Mdulo 1

    Aula 1 Experincias com projteis e ondas ______________________________7 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 2 Experincias com eltrons ___________________________________ 19 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 3 O Princpio da Complementaridade e o papel do observador na Mecnica Quntica__________________________ 31 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 4 Funo de onda e Equao de Schrdinger_______________________ 39 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 5 Operadores momento e energia e o Princpio da Incerteza ___________ 49 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 6 O caso estacionrio em uma dimenso _________________________ 59 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 7 A partcula livre___________________________________________ 71 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 8 O degrau de potencial. Caso I: energia menor que o degrau __________ 83 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 9 O degrau de potencial. Caso II: energia maior que o degrau __________ 95 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Aula 10 Exerccios______________________________________________105 Raul Jos Donangelo / Rodrigo Barbosa Capaz

    Referncias ___________________________________________119

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  • objetiv

    os1AULAPr-requisitos

    Meta da aula

    Experincias com projteis e ondas

    Descrever experincias de interferncia por uma fenda dupla com projteis e ondas.

    analisar o comportamento de projteis ao passar por uma fenda dupla;

    avaliar o comportamento de ondas ao passar por uma fenda dupla;

    relembrar o conceito de interferncia em ondas.

    Para esta aula, importante revisar interferncia de ondas: Aula 12 da disciplina Fsica 2B

    e Aula 8 da disciplina Fsica 4A.

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    Voc teve uma breve introduo a algumas idias e experimentos iniciais da fsica quntica na disciplina Fsica 4B. Na presente disciplina, vamos explorar com muito mais profundidade o mundo quntico.

    A MECNICA DOS OBJETOS MICROSCPICOS

    Iniciamos nosso estudo de Fsica pela chamada mecnica

    newtoniana ou mecnica clssica. A mecnica clssica, que foi o objeto

    de estudo nas disciplinas Fsica 1A e Fsica 1B, a mecnica dos objetos

    macroscpicos, ou seja, aqueles de dimenses palpveis ou visveis a olho

    nu: bolas, projteis, carros, avies, planetas etc. Aprendemos que tais

    objetos obedecem muito bem s leis de Newton. Em muitas situaes,

    podem ser descritos como partculas ou corpsculos, ou seja, sua estrutura

    interna pode muitas vezes ser ignorada e eles podem ser descritos

    como objetos pontuais que se movem no espao. O comportamento destes

    objetos consiste na fsica mais corriqueira do nosso dia-a-dia, aquela que

    aprendemos de forma intuitiva desde que somos bebs, de modo que

    pensamos ter uma noo bem clara de como deve se comportar uma

    partcula em uma determinada situao.

    Em seguida, aprendemos a fsica das ondas na disciplina

    Fsica 2A. Por exemplo, vimos que as ondas sonoras ou as ondas na

    superfcie de um lago apresentam um comportamento bem diferente

    daquele das partculas (apesar de o ar e a gua, os meios onde estas

    ondas se propagam, serem formados por partculas). Surgem, por

    exemplo, os fenmenos de difrao e interferncia, que no podem ser

    descritos pela mecnica das partculas. Aprendemos, ainda, na disciplina

    Fsica 4A, que a luz um tipo de onda eletromagntica.

    Neste curso, iremos introduzir uma mecnica comple-

    tamente nova e diferente da mecnica clssica e da mecnica

    ondulatria. a mecnica que descreve os objetos microscpicos,

    como tomos e eltrons, por exemplo. Veremos que tais objetos

    se comportam em muitas situaes como partculas e, em

    outras, como ondas. Mas no so nem uma coisa nem outra!

    Eles obedecem s leis da mecnica quntica.

    !

    No leve essa aula muito a srio... apenas relaxe e desfrute dela.

    Vou contar para vocs como a natureza se comporta. Se voc

    admitir simplesmente que ela tem esse comportamento, voc

    a considerar encantadora e cativante. No fique dizendo para

    si prprio: Mas como ela pode ser assim? porque nesse caso

    voc entrar em um beco sem sada do qual ningum escapou

    ainda. Ningum sabe como a natureza pode ser assim.

    Richard Feynman

    Prmio Nobel de Fsica 1965

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    Apesar de lidar com objetos de dimenses atmicas, pouco familiares a ns, a mecnica quntica no uma teoria abstrata ou sem aplicaes no mundo real. Pelo contrrio, muitas invenes que fazem parte do nosso dia-a-dia s foram possveis por causa da mecnica quntica: o computador, o laser, a energia nuclear, as imagens de ressonncia magntica etc. Em 2000, a revista Scientific American estimou que 1/3 do produto interno bruto dos EUA estava ligado mecnica quntica!

    Apesar de estarmos descrevendo-a como nova, a mecnica quntica j uma anci, tem mais de 100 anos de idade! E ela no surgiu de uma inspirao terica, pelo contrrio, foi uma necessidade imposta (a contragosto de muitos) pelos experimentos realizados naquela poca, que mostravam resultados em contradio marcante com a fsica clssica. A histria destes experimentos e do desenvolvimento e aceitao graduais da nova teoria quntica est descrita em vrios livros e extremamente rica e interessante, mas est alm dos objetivos desta disciplina.

    UMA EXPERINCIA COM PROJTEIS

    Para mostrar que os objetos microscpicos no se comportam

    nem como ondas nem como partculas, escolhemos um experimento

    onde este comportamento se manifesta de forma marcante: a experincia

    de interferncia por uma fenda dupla. Voc se lembra quando viu esta

    experincia no caso de ondas de luz na Aula 8 da disciplina Fsica 4A?

    Tornaremos a tratar deste caso (ondas) em breve, mas, inicialmente,

    iremos descrever o comportamento de projteis (balas de canho ou

    bolinhas de gude, por exemplo) ao passar por uma fenda dupla. Em

    seguida, iremos analisar o comportamento das ondas e, finalmente, o

    de objetos microscpicos, como os eltrons.

    O aparato experimental est esquematizado na Figura 1.1.a.

    H uma metralhadora que dispara projteis, um de cada vez, em direes

    aleatrias. Em frente metralhadora, h uma parede que impede a

    passagem dos projteis, exceto por dois pequenos buracos. Mais adiante,

    h um anteparo, onde os projteis que conseguem passar pelos buracos se

    alojam, e sua chegada verificada por um detetor deslocvel. Este detetor

    pode ser uma caixa com areia, por exemplo, onde os projteis se depositam.

    Depois, podemos contar quantos projteis chegaram em cada posio da

    parede em um certo intervalo de tempo. A posio ao longo da parede

    descrita por uma coordenada x, medida a partir do centro.

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    Nossa primeira observao parece um pouco bvia, dada nossa

    grande intuio com partculas clssicas: cada projtil chega intacto

    ao detetor, como se fossem pacotes idnticos, um de cada vez.

    claro, estamos supondo que so projteis indestrutveis... No se

    observa a chegada de meio projtil ou a chegada de dois projteis

    simultaneamente em lugares diferentes. Projteis sempre chegam em

    pacotes idnticos.

    Em seguida, usando esse aparato simples, podemos tentar

    responder seguinte pergunta: Qual a probabilidade de um projtil

    acertar a posio x? Naturalmente, temos de falar em probabilidades,

    pois impossvel saber com certeza absoluta a trajetria de cada partcula,

    j que elas so lanadas em direes aleatrias e podem ricochetear de

    forma imprevisvel nas bordas dos buracos. Mas a probabilidade pode

    ser facilmente medida, tomando-se a frao de projteis que chegam a

    uma certa posio em relao ao nmero total de projteis que acertam

    todo o anteparo, no mesmo intervalo de tempo. Se fizermos a medida,

    obteremos a distribuio de probabilidades P12 mostrada na Figura

    1.1.c, que tem este nome porque os projteis podem passar tanto pelo

    buraco 1 como pelo buraco 2. A curva P12 tem um mximo em torno de

    x = 0 e decai para valores muito pequenos se tomamos valores de x

    muito distantes da origem.

    Figura 1.1: (a) Esquema do experimento de fenda dupla com projteis. (b) Situao experimental e distribuies de probabilidades obtidas quando uma das fendas fechada. (c) Situao experimental e distribuio de probabilidade obtida quando as duas fendas esto abertas.

    a b c

    Detetor

    P12 = P1 + P2

    x

    P12

    P2

    x

    x

    1

    2

    1

    2

    1

    2

    1

    2

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    ATIVIDADE

    Mas por que o valor mximo de P12 fi ca em torno de x = 0? De fato,

    isto acontece apenas se a distncia entre os buracos for sufi cientemente

    pequena (veja a Atividade 1 desta aula), mas com esta situao

    que queremos lidar. Podemos entender isto se fi zermos novamente o

    experimento, mas, desta vez, fechando um dos buracos, como mostra

    a Figura 1.1.b. Se fechamos o buraco 2, medimos a distribuio de

    probabilidades P1 mostrada no painel superior. E se fechamos o buraco 1,

    medimos a distribuio P2 mostrada do painel inferior. Como esperado,

    a distribuio P1 tem seu valor mximo na posio x na parede que

    est ao longo da reta tracejada que vai da metralhadora ao buraco 1.

    E a distribuio P2 se comporta de forma anloga.

    A distribuio conjunta P12 simplesmente a soma das distribuies

    parciais:

    P12 = P1 + P2 (1.1)

    Ou seja, o efeito obtido quando temos os dois buracos abertos

    a soma dos efeitos de cada buraco individualmente. Isto quer dizer que

    projteis no sofrem interferncia, como veremos a seguir que ocorre

    com ondas.

    Isto resume nosso entendimento sobre projteis incidindo em uma

    fenda dupla: primeiro, eles chegam em pacotes idnticos; segundo, no

    apresentam interferncia.

    Uma metralhadora despeja balas em uma fenda dupla, como mostrado na Figura 1.1. As balas passam pelo buraco 1. Elas, ento, se depositam no anteparo, de acordo com uma distribuio de probabilidades que pode ser aproximada por uma gaussiana com largura e mximo em x = d, ou seja, P1(x) = Ae

    (x d)2/22, onde A um fator de normalizao. J as balas que passam pelo buraco 2 se depositam em torno de x = d de forma anloga: P2(x) = Ae

    (x + d)2/22. Se a largura for muito maior que d, a distribuio resultante (P12 = P1 + P2) ter um nico pico, como na Figura 1.1.c. Porm, se for muito menor que d, a distribuio resultante ter dois picos. Encontre, em funo de d, o valor de que separa estes dois regimes.

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    RESPOSTA COMENTADA

    Graficamente, muito claro observar se uma curva tem um pico

    ou dois picos. A dificuldade deste problema est em expressar

    matematicamente estas situaes. Bem, sabemos que uma funo

    que apresenta um mximo local tem derivada nula neste ponto e

    derivada segunda negativa. J se a funo tiver um mnimo local,

    ela ter derivada nula e derivada segunda positiva. Faa agora um

    esboo da distribuio P12 nas duas situaes: com um pico e com

    dois picos. Quais as diferenas essenciais entre os dois grficos que

    voc fez? Uma delas bvia: uma distribuio tem um pico e a outra

    tem dois. Mas repare tambm no comportamento de P12 na posio

    x = 0. Note que P12 ser mxima neste ponto se tiver um pico (na

    verdade, o pico ocorre precisamente em x = 0) ou ser mnima se

    tiver dois picos. Como dissemos, o que distingue matematicamente

    estas duas situaes o sinal da derivada segunda. Assim, o valor

    limtrofe de d que separa estes dois regimes pode ser encontrado

    impondo a condio de derivada nula, ou seja, nem positiva nem

    negativa. Portanto, imponha a condio que voc

    chegar na resposta depois de fazer um pouco de lgebra.

    UMA EXPERINCIA COM ONDAS

    Vamos ver agora o que acontece quando usamos o mesmo

    aparato experimental para estudar o comportamento de ondas de gua

    (e no mais de projteis). O esquema da experincia est mostrado na

    Figura 1.2. No lugar do canho, temos agora um dispositivo gerador de

    ondas circulares, uma fonte de ondas. Pode ser, por exemplo, um pequeno

    objeto que oscila para cima e para baixo na superfcie da gua. Temos

    ainda a parede com dois buracos e, mais adiante, um anteparo absorvedor

    de ondas, construdo de modo que as ondas no sejam refletidas ao

    incidirem sobre ele (uma praia em miniatura, por exemplo). No anteparo

    absorvedor, coloca-se um pequeno detetor da intensidade das ondas, do

    qual podemos variar a posio x. Este detetor pode ser uma pequena

    bia que oscila para cima e para baixo, ao sabor das ondas que chegam

    at ela. Lembre-se da Aula 11 de Fsica 2A: a intensidade da onda no

    exatamente a amplitude da oscilao deste objeto, mas sim proporcional

    ao quadrado da amplitude!

    d Pdx

    x

    2122

    0

    0=

    =

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    O que observamos quando fazemos o experimento? Em primeiro

    lugar, observa-se que a onda que chega ao detetor pode ter qualquer

    intensidade. Ou seja, a bia pode ser mover com qualquer amplitude,

    ainda que seja muito pequena. Este resultado bastante diferente do que

    observamos com projteis: partculas chegam ou no chegam em

    pacotes iguais, ou seja, com intensidades discretas ou quantizadas.

    J as ondas chegam com qualquer intensidade, ou seja, a intensidade

    varia de forma contnua.

    Figura 1.2: Esquema do experimento de fenda dupla com ondas. As intensidades I1 e I2 correspondem s situaes onde apenas os buracos 1 ou 2 esto abertos, respectivamente. J a intensidade I12 corresponde situao em que os dois buracos esto abertos simultanemente.

    Quando medimos a intensidade da onda I12 em funo da posio

    x do detetor, obtemos o grfico mostrado na Figura 1.2. Note que a

    intensidade oscila fortemente com a posio, passando por valores mximos

    (picos) e mnimos (vales). Este grfico nos familiar dos nossos estudos

    em fsica ondulatria e tica (Fsica 2A e Fsica 4A): trata-se do conhecido

    padro de interferncia por uma fenda dupla. Conceitualmente, ele pode

    ser entendido a partir da idia de que os buracos atuam como geradores

    de novas ondas circulares, que interferem construtiva ou destrutivamente.

    Se tamparmos um dos buracos, a interferncia desaparece. A curva I1 da

    referida figura corresponde situao em que apenas o buraco 1 deixado

    aberto e, para a curva I2, apenas o buraco 2 aberto. Note que estas

    curvas no tm as oscilaes fortes da curva I12, de modo que, claramente,

    notamos que I12 I1 + I2.

    Detetor

    I12

    xAnteparo x

    I1

    I2

    Fonte

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    Se I12 I1 + I2 , como podemos ento obter matematicamente uma

    expresso para a intensidade I12? Lembre-se: quando h interferncia, a

    funo que representa a onda resultante a soma das funes das ondas

    que a compem. No caso de ondas na superfcie da gua, a funo de

    onda apropriada a altura do nvel da gua. Se soubermos a altura como

    funo da posio e do tempo, teremos a informao completa sobre a

    propagao da onda. Assim, podemos representar a altura da onda que

    chega no detetor a partir do buraco 1 pela seguinte funo:

    h1(x) = A1(x)eit , (1.2)

    onde x a posio do detetor. O fator exponencial complexo eit

    d conta da dependncia temporal da altura, enquanto a amplitude

    A1 um nmero real e positivo, que depende da posio x. Como

    dissemos, a intensidade desta onda proporcional a A12. Para nossa

    argumentao, no necessrio saber exatamente quanto vale o fator

    de proporcionalidade, de modo que podemos definir a intensidade desta

    onda simplesmente como

    I1 = A12 . (1.3)

    De forma semelhante, a altura h2 da onda que chega no detetor

    a partir do buraco 2 dada por:

    h2(x) = A2(x)ei(t + ). (1.4)

    Note que surge uma diferena de fase entre as duas ondas

    devido diferena entre as distncias percorridas desde os dois buracos

    at o ponto x. Da mesma forma, a intensidade dada pelo quadrado

    da amplitude:

    I2 = A22 . (1.5)

    Na verdade, a altura deve ser uma quantidade real, de modo que altura da onda que vem do buraco 1 , de fato, a parte real de h1(x). O mesmo vale para a onda 2. Mas usamos o j familiar artifcio matemtico de generalizar as funes de onda para valores complexos, de modo a facilitar as contas, tendo sempre o cuidado de tomar a parte real no final delas. Note que a intensidade real, como deve ser!

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    Estamos agora prontos para obter a altura da onda resultante h12.

    Basta somarmos as alturas das duas ondas:

    . (1.6)

    mais fcil fazer esta soma graficamente, usando o conceito de

    fasores, como voc viu na Aula 19 de Fsica 4A. Isto est mostrado na

    Figura 1.3. A partir da lei dos cossenos, obtemos a intensidade da onda

    resultante:

    (1.7)

    ou, em termos das intensidades:

    (1.8)

    Figura 1.3: Esquema da soma das duas funes complexas h1 e h2 atravs de fasores.

    O ltimo termo precisamente o termo de interferncia. por

    causa dele que I12 I1 + I2 .

    Podemos, ento, resumir nosso entendimento sobre o experimento

    da fenda dupla com ondas de gua nos seguintes resultados principais:

    primeiro, a intensidade pode ter qualquer valor; segundo, h

    interferncia.

    h x h x h x A x e A x ei t i t12 1 2 1 2( ) ( ) ( ) ( ) ( )( )= + = + +

    I A A A A A12 122

    12

    22

    1 22= = + + cos .

    I I I I I12 1 2 1 22= + + cos .

    h2h12

    t + h1

    Re(h)

    t

    Im(h)

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    Vamos recordar os conceitos mais importantes associados interferncia? Diz-se que h interferncia construtiva quando a intensidade atinge um valor mximo (picos na curva I12). Isto ocorre quando as ondas provenientes dos dois buracos esto em fase (ou seja, = 0). Note que a intensidade da onda resultante maior que a soma das intensidades das duas ondas! Geometricamente, esta condio obtida quando a diferena entre as distncias percorridas pelas duas ondas, desde os respectivos buracos at o detetor, for um mltiplo inteiro n do comprimento de onda : (interferncia construtiva)

    J a situao de interferncia destrutiva corresponde aos mnimos de intensidade, ocorrendo quando as duas ondas estiverem fora de fase (ou, mais precisamente, com uma diferena de fase de ). Esta condio obtida quando a diferena das distncias percorridas for um mltiplo inteiro mpar de um meio comprimento de onda:

    (interferncia destrutiva)

    ATIVIDADE FINAL

    Obtenha algebricamente a Equao (1.8) a partir da Equao (1.6).

    ___________________________________________________________________________

    ___________________________________________________________________________

    ___________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Para chegar resposta, voc precisar apenas lembrar que

    e, depois de chegar a uma expresso para h12 , obter seu mdulo ao quadrado | h12|

    2.

    d d n1 2 2 1 2 = +( )

    d d n1 2 =

    e cos iseni = +

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    R E S U M O

    Analisamos o experimento de fenda dupla realizado de duas formas distintas:

    uma com projteis e a outra com ondas. Observamos que projteis chegam ao

    detetor em pacotes idnticos e no apresentam interferncia. Em contraste com

    este comportamento, as ondas podem ser detetadas com qualquer intensidade e

    apresentam interferncia. Esses comportamentos so caractersticos das partculas

    e das ondas clssicas. Ser interessante compar-los com o comportamento de

    partculas qunticas, o que faremos na prxima aula.

    INFORMAO SOBRE A PRXIMA AULA

    Na prxima aula, descreveremos o experimento de fenda dupla realizado com

    partculas qunticas, como eltrons.

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  • objetiv

    os2AULAPr-requisitos

    Meta da aula

    Experincias com eltrons

    Descrever uma experincia de interferncia por uma fenda dupla com partculas qunticas.

    analisar o comportamento de eltrons ao passar por uma fenda dupla;

    comparar este comportamento com o de projteis e ondas, descritos na aula anterior desta disciplina;

    introduzir o conceito de interferncia de eltrons.

    Para uma melhor compreenso desta aula, importante a reviso dos seguintes contedos: interferncia por uma fenda dupla

    com ondas (Aula 8 de Fsica 4A); ftons e dualidade onda-partcula (Aula 8 de Fsica 4B); ondas de matria e o comprimento

    de onda de de Broglie (Aula 9 de Fsica 4B).

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    UMA EXPERINCIA COM ELTRONS

    Vamos ver agora o que acontece quando realizamos o mesmo

    experimento de fenda dupla, mas agora com eltrons. Para isso, usamos

    um canho de eltrons. Este pode ser um fio metlico de tungstnio (como

    o filamento de uma lmpada) que, quando aquecido, emite eltrons. Como

    nos dois experimentos descritos na aula anterior, os eltrons incidem sobre

    uma parede que tem dois buracos e atingem um anteparo no qual h um

    detetor deslocvel. Um detetor para eltrons pode ser um CONTADOR GEIGER

    ou um multiplicador de eltrons que, conectado a um alto-falante, produz

    um rudo toda vez que for atingido por um eltron.

    A primeira coisa que notamos que a chegada dos eltrons no

    detetor produz sons de cliques bem definidos, vindos do alto-falante.

    Se interpretamos um som de clique como sendo a chegada de um

    eltron no detetor, quase todas as nossas observaes levam a crer que

    os eltrons se comportam como projteis:

    a. Todos os cliques so idnticos: no existem meios-cliques,

    por exemplo. Portanto, os eltrons chegam em pacotes idnticos.

    b. Os cliques acontecem de forma aleatria, ou seja, ouve-se

    algo como: clique.... clique......... clique-clique.. clique..... clique-clique-

    clique............ clique. A anlise desse padro parece indicar que o instante

    de chegada de cada eltron imprevisvel.

    c. Nunca escutamos dois cliques simultaneamente, mesmo que

    coloquemos vrios detetores cobrindo totalmente o anteparo. Isso quer

    dizer que os eltrons chegam um de cada vez.

    d. Se aumentarmos a temperatura do fio, teremos mais eltrons

    chegando ao detetor por unidade de tempo. Assim como fizemos com

    projteis, podemos associar a taxa mdia de chegada dos eltrons

    probabilidade de chegada, para cada posio x no anteparo.

    CONTADOR GEIGER

    Instrumento usado para detectar eltrons ou outros tipos de partculas qunticas. formado por um tubo de gs (normalmente argnio) que conduz a eletricidade quando uma partcula passa por ele, ionizando-o. O instrumento amplifica o sinal, produzindo um clique para cada partcula que passa pelo gs.

    Figura 2.1: Esquema do experimen-to de fenda dupla com eltrons. As probabilidades P1 e P2 correspon-dem, respectivamente, s situaes nas quais apenas os buracos 1 ou 2 esto abertos. J a probabilidade P12 corresponde situao em que os dois buracos esto abertos simul-tanemente.

    Fonte de eltrons

    Detetor deslocvel

    Anteparo P2

    P1P12

    xx

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    O que acontece ento quando computamos esta probabilidade?

    Bem, todos os resultados descritos anteriormente parecem ser consistentes

    com o fato de o eltron ser um projtil, como uma pequenssima bolinha

    de gude. Portanto, nada mais razovel do que esperar que observemos

    a mesma curva descrita na Figura 1.1 da Aula 1 desta disciplina. Alis,

    toda a nossa intuio clssica nos leva a pensar no eltron como uma

    bolinha. Pois bem, este o momento crucial em que nossa intuio

    falha. A probabilidade P12 que medimos para o eltron est mostrada

    na Figura 2.1. Note que ela tem oscilaes que no existiam no caso dos

    projteis. De fato, elas lembram muito as oscilaes que observamos no

    caso das ondas e que interpretamos como interferncia.

    Decididamente, o eltron no uma bolinha...

    INTERFERNCIA DE ONDAS DE ELTRONS

    Mas como pode surgir um padro de interferncia de

    projteis? Vimos, no caso das ondas, que h uma interferncia entre

    as ondas que passam pelo buraco 1 e as que passam pelo buraco 2.

    As ondas passam ao mesmo tempo pelos dois buracos. Poderiam

    os eltrons que passam pelo buraco 1 estar interferindo de alguma

    forma com os que passam pelo buraco 2? Sabemos que os eltrons so

    partculas carregadas negativamente e que, portanto, devem interagir

    entre si de acordo com a Lei de Coulomb, como vimos na disciplina

    Fsica 3A. Poderia o padro complicado de interferncia surgir por

    meio da interao coulombiana ou, em outras palavras, a partir de um

    intrincado mecanismo de colises entre os eltrons?

    Podemos testar experimentalmente esta hiptese. J dissemos que

    os eltrons chegam um de cada vez no anteparo. Mas talvez eles estejam

    sendo emitidos com uma taxa muito alta, de modo que possamos ter

    vrios eltrons em vo ao mesmo tempo e, portanto, interferindo uns

    nas trajetrias dos outros. Mas se reduzirmos bastante a temperatura

    do filamento, podemos diminuir cada vez mais a taxa de emisso de

    eltrons, at o limite em que tivermos certeza de que h apenas um

    eltron viajando de cada vez desde o emissor at o anteparo. Dessa

    forma, no h como ocorrer uma interao entre eles. Se fizermos o

    experimento, a taxa de deteco dos eltrons no anteparo realmente

    diminui bastante. Os cliques se tornam cada vez mais espaados.

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    Mas, depois de deixarmos o experimento funcionando por um longo

    tempo, vai se formando, lentamente, o mesmo padro de interferncia

    que observamos anteriormente. Nada muda. Parece incrvel, mas os

    eltrons passam um de cada vez pelos buracos e, ainda assim, interferem!

    como se o eltron interferisse com ele mesmo!

    Dizer que um eltron interfere com ele mesmo parece ser uma contradio. Afi nal, a prpria palavra interferncia sugere a atuao de dois ou mais objetos no processo. Quem primeiro props esta expresso, propositalmente contraditria, para enfatizar a natureza no-intuitiva da interferncia quntica, foi o fsico ingls Paul Dirac. Na ocasio, ele se referia experincia de fenda dupla realizada com ftons, as partculas de luz que foram apresentadas a voc na Aula 8 de Fsica 4B. Mas a mesma idia vale para eltrons tambm.

    Na sua edio de setembro de 2002, a revista Physics World elegeu o experimento de fenda dupla com eltrons como o mais belo da histria da Fsica! Veja este artigo em http://physicsweb.org/articles/world/15/9/1.

    1. H vrios sites na internet nos quais voc pode explorar o experimento de fenda dupla de forma virtual. Um deles :

    http://www.physik.uni-muenchen.de/didaktik/Computer/Doppelspalt/dslit.html

    Vamos aprender a interagir com este experimento virtual, pois ele ser muito til para nos ajudar a entender o fenmeno que estamos descrevendo. Siga os seguintes passos:

    a. Entre no site e inicie o programa.

    b. Voc ver um quadro com retratos dos grandes nomes da Fsica Quntica. Selecione a linguagem que lhe mais familiar e clique ok. O programa se iniciar imediatamente, abrindo uma janela.

    c. Voc ver a montagem do experimento de fenda dupla, reproduzida na Figura 2.2. Esta montagem consiste em uma fonte de partculas, uma fenda dupla, uma lmpada e um anteparo.

    ATIVIDADE

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    Figura 2.2: Montagem experimental e painel de controle do experimento virtual de interferncia por uma fenda dupla.

    d. No canto inferior direito da janela, voc ver um pequeno painel de controle. Do lado esquerdo deste painel, h setas para posicionar o ngulo de viso do experimento da maneira que voc achar melhor. Do lado direito, h vrios botes de controle pequenos. Vamos descrev-los um a um:

    Fonte (source): Aqui voc selecionar o tipo de partcula que ir jogar de encontro fenda. Voc pode optar por projteis clssicos ou por diferentes partculas qunticas. Poder tambm selecionar a energia das partculas que, no caso de partculas qunticas, est relacionada ao comprimento de onda das mesmas. O pequeno boto vermelho direita do Fonte d incio simulao.

    Abertura (aperture): Controla as propriedades da fendas, como a largura das mesmas (slit width) e o espaamento entre elas (slit distance). Pode-se tambm abrir ou fechar cada fenda separadamente.

    Lmpada (lamp): Com este boto, podemos controlar a intensidade e o comprimento de onda dos ftons que podemos fazer incidir nos eltrons para visualizar sua trajetria, como ser descrito na prxima aula. direita deste boto, o pequeno boto com a figura de uma lmpada ativa o fluxo de ftons.

    Anteparo (screen): Aqui voc controla as diversas opes de visualizao de seus resultados. A visualizao normal corresponde a fazer aparecer na tela pequenos pontos vermelhos nas posies em que cada eltron incidiu no anteparo. Se a opo resultado terico (theo. result) for ativada, aparecer, em azul, a distribuio de probabilidades prevista teoricamente para aquelas condies do experimento. Se a opo contagem (evaluation) for acionada,

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    surgir na tela um histograma, em vermelho, com a contagem do nmero de partculas que chegam em cada ponto do detetor. possvel ainda combinar as opes resultado terico e contagem, para que elas apaream simultaneamente na simulao. H ainda botes para controlar a ampliao (zoom), apagar os resultados para iniciar uma nova simulao (reset) e para guardar fotografias de seus resultados em arquivos (photos).

    Depois dessa longa (mas necessria) explicao sobre o funcionamento do experimento virtual, voc deve estar ansioso para fazer sua primeira simulao. Est pronto? Ento vamos l: selecione a fonte para eltrons com energia cintica de 100 keV, correspondendo a um comprimento de onda de 4 pm (vamos relembrar, ainda nesta aula, como se relaciona a energia do eltron a seu comprimento de onda). Ajuste a largura das fendas para 400 nm e a distncia entre as mesmas para 700 nm. Deixe a lmpada desligada. Inicie o experimento e veja o que acontece.

    RESPOSTA COMENTADA

    Observe que os eltrons colidem um de cada vez com o anteparo.

    Mas, gradualmente, surgir na tela o padro de interferncias! No

    interessante?

    Ora, mas se os eltrons so pacotes idnticos e indivisveis,

    poderamos dizer que, diferentemente das ondas, eles passam ou por

    um buraco ou pelo outro, e no pelos dois ao mesmo tempo, certo? Est

    a uma hiptese que poderamos testar:

    Hiptese A: Cada eltron passa ou pelo buraco 1 ou pelo buraco 2.

    Pela nossa intuio com partculas clssicas, nada parece mais

    certo do que isso. Supondo que isto seja correto, todos os eltrons que

    atingem o anteparo se dividem em dois grupos: aqueles que passaram

    pelo buraco 1 e aqueles que passaram pelo buraco 2. Se isto for verdade,

    a curva P12 deve ser obtida pela soma de duas curvas: P1, ou seja, a

    distribuio de probabilidades computada usando apenas os eltrons que

    passaram pelo buraco 1, e P2, idem para o buraco 2. Ser que podemos

    fazer este experimento? Bem, parece fcil: basta fechar um dos buracos

    de cada vez e repetir o experimento, como fizemos com os projteis na

    aula passada.

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    Bem, fi zemos o experimento e o resultado est reproduzido

    esquematicamente na Figura 2.1. Espere um minuto. Nosso resultado

    experimental mostra que P12 P1 + P2!

    Tudo parece muito misterioso. Eltrons chegam em pacotes

    e, ainda assim, exibem interferncia tpica das ondas. Este um dos

    mistrios fundamentais da mecnica quntica: a dualidade onda-

    partcula, que voc estudou na Aula 8 de Fsica 4B, no contexto do

    fton. Como o fsico americano Richard Feynman sugeriu no incio deste

    mdulo, vamos deixar de lado as tentativas de entender esse mistrio.

    Tenha certeza de que muitos fsicos famosos dedicaram boa parte de suas

    vidas tentando faz-lo, sem sucesso. Vamos apenas aceit-lo e explor-lo

    um pouco mais. Ainda vamos descobrir coisas muito interessantes em

    conseqncia dele!

    ATIVIDADE

    2. Vamos retornar ao nosso experimento virtual. Agora deixe apenas uma das fendas aberta. Observe o que acontece.

    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Veja que as oscilaes rpidas que caracterizam a interferncia

    desaparecem. Porm, perceba que algumas oscilaes de menor

    periodicidade permanecem. Elas ocorrem devido difrao

    dos eltrons pela fenda que est aberta, do mesmo modo que

    ocorre com a luz (lembre-se da Aula 8 de Fsica 4A). No nos

    preocupamos muito com a difrao porque queramos concentrar

    nossa ateno no fenmeno da interferncia. Por isso, as curvas P1

    e P2 da Figura 2.1 no mostram as oscilaes de difrao. Estas so

    curvas apenas esquemticas. De fato, a difrao existe e tambm

    uma manifestao da natureza ondulatria dos eltrons, mas no

    momento ela no importante para a nossa argumentao.

    Porm, preciso deixar este ponto bem esclarecido.

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    A experincia de interferncia de eltrons por uma fenda dupla foi realizada pela primeira vez por Claus Jnsson, em 1961. Mais recentemente, em 1991, Carnal e Mlynek realizaram a mesma experincia com tomos em vez de eltrons. Sim, tomos, que so milhares de vezes mais pesados que os eltrons, e ainda assim so partculas qunticas. Surpreso? Pois bem, em 1999, Arndt e colaboradores viram interferncia de fenda dupla com molculas de C60, tambm chamadas de buckyballs. Estas molculas, mostradas na Figura 2.3, contm 60 tomos de carbono, dispostos como se formassem uma bola de futebol. So centenas de milhares de vezes mais pesadas que um eltron. Ento, qual o limite que separa o mundo clssico do mundo quntico? Ser que um dia poderemos ver interferncia entre bolas de futebol de verdade? Voltaremos a esta questo em breve.

    Figura 2.3: Uma molcula de C60 , ou buckyball, formada por 60 tomos de carbono dispostos de forma idntica a uma bola de futebol.

    Se P12 P1 + P2, haver alguma outra maneira de obtermos P12 a

    partir de P1 e P2? Surpreendentemente, a resposta bastante simples.

    Basta usarmos a matemtica das ondas, que relembramos na aula passada.

    Note que a curva P12 muito parecida com a curva de intensidades I12

    que obtivemos na Aula 1 para as ondas. Como no caso das ondas, a

    intensidade no a quantidade fundamental, mas sim a funo de onda.

    Lembre-se: para ondas na superfcie da gua, a funo de onda mais

    conveniente era a da altura do nvel da gua, que consideramos como

    uma varivel complexa, para facilitar a matemtica.

    Vimos na Aula 9 de Fsica 4B que o fsico francs Pierre de Broglie

    foi o primeiro a associar uma onda ao eltron. Na ocasio, chamamos

    essas ondas de ondas de matria. Segundo de Broglie, um eltron (ou

    qualquer partcula microscpica) que se desloca com momento linear p

    tem associada a si uma onda com comprimento de onda tal que:

    , (2.1) = hp

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    onde h = 6,63 10-34 J.s a constante de Planck. Iremos mais a fundo

    nesta idia e vamos supor que o eltron descrito por uma funo

    de onda complexa . Cada situao corresponde a uma funo

    de onda diferente: se apenas o buraco 1 estiver aberto, teremos

    a funo de onda 1; se apenas o buraco 2 estiver aberto, teremos a funo

    de onda 2; e se ambos os buracos, 1 e 2, estiverem abertos, teremos a

    funo de onda 12. Em analogia com as ondas, temos .

    A partir da, como podemos obter a probabilidade? Voc se lembra do

    caso das ondas, onde a intensidade era proporcional ao quadrado da

    amplitude da onda? Algo anlogo ocorre com o eltron, sendo que agora

    a probabilidade proporcional ao mdulo quadrado da funo de onda.

    Como fizemos com as ondas na aula anterior, ignoramos, por enquanto,

    o coeficiente de proporcionalidade e escrevemos:

    (2.2)

    Diz-se que a funo de onda de uma partcula quntica uma

    amplitude de probabilidade.

    Lembre-se: para calcular o mdulo ao quadrado de um nmero complexo, multiplica-se o nmero pelo seu complexo conjugado, ou seja, . Repare que deve ser um nmero real e positivo. Afinal, toda probabilidade que se preza deve ser real e positiva.

    Como se v, a matemtica das ondas nos explica naturalmente

    o resultado encontrado no experimento, pois dela surge naturalmente o

    fenmeno de interferncia. Mas ento, se a soma dos efeitos de cada um

    dos buracos diferente do efeito conjunto dos dois buracos abertos, a

    Hiptese A est incorreta! No verdade que os eltrons passam por um

    buraco ou pelo outro. Mas como pode ser isto, se eles chegam em pacotes?

    Ser que eles fazem algo complicado, como se dividir em dois, passar pelos

    buracos e depois se juntar novamente em um s? Somos tentados a imaginar

    qualquer coisa, por mais absurda que seja, para salvar os conceitos clssicos

    de partcula e trajetria, bastante consolidados em nossa intuio fsica.

    Esta nos parece to afrontada que no resistimos: temos de fazer um outro

    experimento para testar a Hiptese A. Ser que no possvel observar os

    eltrons e ver por onde eles passam? Faremos isso na prxima aula.

    12 1 2= +

    P

    P

    P

    1 1

    2

    2 2

    2

    12 1 2

    2

    =

    =

    = +

    2 = * 2

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    ATIVIDADE FINAL

    1. Vamos estudar de forma mais quantitativa a interferncia de eltrons. Vamos

    supor que nossa fonte emita eltrons com energia cintica de 10eV.

    a. Qual o comprimento de onda da onda associada aos eltrons?

    b. Suponha agora que os dois buracos so fontes de ondas circulares, exatamente

    como na experincia de interferncia de luz descrita na Aula 8 de Fsica 4A.

    Reproduzimos a seguir a Figura 8.5 daquela aula, que descreve a geometria do

    problema.

    Por analogia com aquela situao (veja a Equao (8.18) da Aula 8 de Fsica 4A),

    podemos propor as seguintes expresses para as funes de onda 1 e 2 no

    ponto :

    , (2.3)

    r1

    r2

    R

    d

    d 2

    1

    2

    Figura 2.4: Descrio geomtrica da experincia de fenda dupla.

    x

    x

    1 21 2= =Ae Aeikr ikr;

    (d sen )/2

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    onde A uma constante. Usando as relaes geomtricas e

    , e expressando sen em termos da coordenada x, obtenha 1 e 2

    em funo de x. Dica: Use o limite R >> d, onde .

    c. Calcule as probabilidades P1, P2 e P12 em funo de x. O que voc pode comentar

    sobre o seu resultado?

    d. Tome os valores numricos d = 1mm e R = 1m. Qual a distncia entre dois

    mximos consecutivos de probabilidade no padro de interferncia?

    e. Repita o item (d) para uma molcula de C60 e para uma bola de futebol de cerca

    de 1kg. Nos dois casos, considere que a energia cintica no se altera, sendo ainda

    10 eV (ainda que seja muito difcil imprimir uma energia cintica to baixa a uma

    bola de futebol!). Considere apenas a variao na massa. Voc agora consegue

    entender por que a manifestao interferncia quntica se torna impossvel com

    objetos macroscpicos?

    RESPOSTA COMENTADA

    Inicialmente, no item a, voc ter de encontrar o comprimento de onda dos

    eltrons, usando a relao de de Broglie ( = h/p) e a relao entre momento

    linear e energia cintica de uma partcula (E = p2/2m). Tome cuidado com a

    converso de unidades!

    No item b, voc dever usar a aproximao (voc consegue

    entender por qu?) e chegar ao seguinte resultado:

    , onde .

    No item c, usando a receita da Equao (2.2), voc chegar ao resultado

    , ou seja, a probabilidade constante, no depende de x. Assim,

    no h as oscilaes tpicas de interferncia. Mas voc pode agora estar confuso,

    pois as probabilidades P1 e P2 mostradas na Figura 2.1 no so constantes, e sim

    curvas com forma de sino. No se preocupe com este ponto. A razo disso que

    o caminho que leva s expresses (2.3) envolve algumas aproximaes. Estas

    aproximaes esto melhor descritas na Aula 8 de Fsica 4A. Mais uma vez, o ponto

    que queremos enfatizar que no aparecem as oscilaes de interferncia.

    No entanto, essas oscilaes aparecem claramente na distribuio de

    probabilidades, no caso de ambos os buracos estarem abertos. Voc deve

    encontrar . No item d, usando os valores numricos

    propostos, voc dever encontrar algo da ordem de 0,1mm para distncias

    entre mximos consecutivos de probabilidade. pequeno, mas mensurvel.

    qkdR

    =2

    P A qx122 24= cos ( )

    P P A1 22= =

    1 2= =Ae e Ae eikR -iqx ikR iqx;

    r Rd

    1 2 sen

    r Rd

    1 2 sen

    sen tan

    sen d R

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    Introduo Mecnica Quntica | Experincias com eltrons

    Em contrapartida, no item e, voc ver que essas distncias se tornam

    muito pequenas quando a massa da partcula aumenta. No caso de C60 ,

    voc deve encontrar distncias cerca de mil vezes menores que no caso

    de eltrons. No caso de uma bola de futebol, a distncia entre mximos

    consecutivos menor por um fator 1017 em comparao com o caso

    eletrnico, tornando-se impossvel de ser medida!

    Explore um pouco mais o experimento virtual de interferncia por uma fenda dupla descrito nesta aula. Entre no site e brinque um pouco com ele, explorando e modificando os diversos parmetros, tentando entender os resultados de cada experimento.

    R E S U M O

    Partculas microscpicas, como eltrons, tm um comportamento peculiar ao passar

    por uma fenda dupla. Este comportamento diferente tanto de projteis como

    de ondas. Ele tem caractersticas de ambos, o que designamos como dualidade

    onda-partcula. necessrio aprender tambm a usar a matemtica das ondas

    para calcular as probabilidades de encontrar o eltron em determinadas posies

    do espao.

    INFORMAO SOBRE A PRXIMA AULA

    Na prxima aula, tentaremos mais uma vez fazer uma medida da trajetria dos

    eltrons, ou seja, procuraremos determinar por qual buraco eles passam. Veremos

    que isto vai nos levar a efeitos muito interessantes!

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    os3AULA

    Pr-requisitos

    Metas da aula

    O Princpio da Complementaridade e o papel do observador na

    Mecnica Quntica

    Descrever a experincia de interferncia por uma fenda dupla com eltrons, na qual a trajetria

    destes observada por partculas de luz (ftons), e discutir o Princpio da Complementaridade e o

    papel do observador na Mecnica Quntica.

    analisar o desaparecimento do padro de interferncia de eltrons, quando tentamos observ-los com ftons;

    rever o conceito de ftons, as partculas de luz;

    discutir o Princpio da Complementaridade;

    discutir o papel do observador na Mecnica Quntica.

    Para uma melhor compreenso desta aula, importante que voc revise: ftons e dualidade onda-partcula

    (Aula 8 de Fsica 4B); ondas de matria e o comprimento de onda de de Broglie (Aula 9 de Fsica 4B).

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    ATIVIDADE

    OBSERVANDO OS ELTRONS

    Como prometemos na Aula 2, vamos agora modifi car um pouco

    nosso experimento para tentar observar os eltrons. Atrs da parede com

    fenda dupla, introduzimos uma fonte de luz muito brilhante, como mostra

    a Figura 3.1. Sabemos que os eltrons espalham a luz, de maneira que

    veremos um fl ash luminoso toda vez que um eltron passar prximo

    fonte de luz. Se o fl ash estiver vindo das proximidades do buraco 2, como

    por exemplo do ponto A da Figura 3.1, saberemos que o eltron passou

    pelo buraco 2. Idem para o buraco 1. Se virmos fl ashes simultneos vindos

    das proximidades dos dois buracos, poderemos concluir que o eltron se

    dividiu em dois. Parece simples, vamos ento fazer o experimento!

    Figura 3.1: Esquema do experi-mento de fenda dupla com eltrons sendo observados por ftons. As probabilidades P1 e P2 correspondem s situaes nas quais apenas os buracos 1 ou 2 esto abertos, respec-tivamente. J a probabilidade P12 corresponde situao em que os dois buracos esto abertos simultanemente.

    1. Vamos voltar ao nosso experimento virtual da fenda dupla descrito na Aula 2. Ajuste as condies do experimento de forma idntica ao que foi feito na Atividade 1 da Aula 2, com uma nica diferena: ajuste a lmpada, para que ela tenha uma intensidade mxima (100%) e um comprimento de onda de 380nm (cor azul). Execute o experimento com a lmpada ligada. O que voc observa?

    ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Fonte de eltrons

    Detetor deslocvel

    Fonte de luz

    Anteparo

    A

    x x

    P12

    P1

    P2

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    RESPOSTA

    Veja que a interferncia desaparece quando ligamos

    a lmpada!

    O que aconteceu? Se pudssemos analisar o experimento com mais

    detalhe, iramos observar que sempre que ouvimos um clique do nosso

    detetor, no importa onde ele esteja, vemos tambm um flash vindo do

    buraco 1 ou do buraco 2, mas nunca dos dois ao mesmo tempo. Ficamos

    um pouco aliviados: seria mesmo um pouco complicado descrever um

    eltron que se divide. Conclumos, por esse experimento, que a hiptese

    A correta, ou seja, que os eltrons passam por um buraco ou pelo

    outro! Mas espere um minuto... Na aula passada, tnhamos concludo

    exatamente o oposto, a partir da anlise das probabilidades (ou seja,

    que P12 P1 + P2).

    Vamos ento computar novamente as probabilidades, desta vez

    com a nossa fonte de luz ligada. Cada vez que um eltron chega ao

    detetor, olhamos a posio do flash para sabermos por onde ele passou.

    Assim, podemos computar duas curvas de probabilidade: P1 (contendo

    apenas os eltrons que passaram pelo buraco 1) e P2 (contendo apenas

    os eltrons que passaram pelo buraco 2). Essas curvas esto mostradas

    na Figura 3.1. Note que elas so bem parecidas com as curvas P1 e P2,

    que computamos na Aula 2, fechando um dos buracos de cada vez. De

    fato, as curvas so idnticas, ou seja, P1 = P1 e P2 = P2 . Isto timo!

    Significa que no faz diferena a maneira como determinamos por qual

    buraco o eltron passa, o resultado final o mesmo. Ou seja, no importa

    se essa determinao feita bloqueando um dos buracos ou observando

    a trajetria do eltron com luz, pois obteremos o mesmo resultado para

    as distribuies de probabilidade. Temos a sensao de que estamos aos

    poucos domando nosso experimento.

    Mas o que obtemos agora para a probabilidade total P12 ? Na

    verdade, bem simples obt-la, basta somarmos: P12 = P1 + P2 = P1 + P2.

    como se fizssemos de conta que no prestamos ateno no flash que

    indica por qual buraco o eltron passou. A distribuio de probabilidades

    total tambm mostrada na Figura 3.1. Ora, ento conclumos que,

    quando observamos os eltrons, o padro de interferncia desaparece!

    Se desligamos a fonte de luz, a interferncia volta a existir.

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    Como pode acontecer isto? A luz parece alterar o movimento dos

    eltrons de alguma forma, pois com luz eles se distribuem de uma forma

    no anteparo, sem luz, de outra forma. como se os eltrons fossem

    muito delicados, e a luz desse um empurro neles, quando o flash

    fosse produzido, alterando seu movimento. Isso faz algum sentido, pois,

    como sabemos, a luz uma onda eletromagntica, e o campo eltrico da

    luz pode produzir uma fora no eltron.

    Bem, talvez possamos usar uma fonte de luz no to brilhante.

    Pode ser que, diminuindo a intensidade da luz, possamos diminuir o

    empurro que ela d no eltron, recuperando assim o padro de

    interferncia e, ainda assim, observarmos o buraco por onde passa o

    eltron. Vamos tentar?

    Diminuindo cada vez mais a intensidade da luz, observamos

    um efeito interessante. Nem todos os eltrons que chegam ao anteparo

    tm sua trajetria marcada por um flash. Alguns passam sem serem

    vistos. Porm, todos os flashes que ocorrem tm a mesma intensidade.

    Interessante... Voc se lembra do conceito de fton, que foi introduzido

    na Aula 8 de Fsica 4B? Naquela ocasio, j sabamos que a luz era uma

    onda, mas aprendemos que ela tambm pode se comportar como um

    pacote ou partcula, da mesma forma que os eltrons. Essas partculas

    de luz so chamadas ftons. Quando diminumos a intensidade da luz,

    reduzimos a taxa em que os ftons so emitidos. por isso que s vezes

    os eltrons passam sem serem vistos. Provavelmente, no havia um

    fton nas proximidades dos buracos, quando eles passaram. Mas cada

    fton idntico aos demais. Por isso, produzem o mesmo flash, quando

    esbarram nos eltrons.

    Bem, vamos levar adiante o experimento com a luz de intensidade

    reduzida. Desta vez, podemos classificar os eltrons em trs tipos:

    (1) aqueles que so vistos passar pelo buraco 1; (2) aqueles que so vistos

    passar pelo buraco 2; (3) e aqueles que no so vistos. Ao computarmos

    as distribuies de probabilidades para cada um dos trs tipos de eltrons,

    encontramos o seguinte: os eltrons do tipo 1 se distribuem como P1 ,

    os do tipo 2 se distribuem como P2 e os do tipo 3 (aqueles que no so

    vistos) se distribuem como P12 , ou seja, com interferncia. Bem, parece

    ser esta a concluso de nosso experimento: eltrons que so vistos no

    mostram interferncia, eltrons que no so vistos mostram interferncia.

    Parece ser impossvel, reduzindo a intensidade da luz, observar os eltrons

    e ao mesmo tempo manter o padro de interferncia.

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    A difi culdade essencial que, ao reduzirmos a intensidade da

    luz, no reduzimos a intensidade de cada fton ou, de forma mais

    precisa, a energia que ele transporta. Apenas reduzimos o nmero de

    ftons. Como possvel reduzir a energia de cada fton? Como vimos

    na Aula 8 de Fsica 4B, uma das primeiras hipteses da teoria quntica

    diz que a energia de cada fton proporcional freqncia da onda

    associada a ele:

    E = h, (2.1)

    onde a frequncia da luz e h a constante de Planck. Por

    exemplo, ftons de luz vermelha (freqncia menor) tm energia menor

    do que ftons de luz azul (freqncia maior). Eis ento uma sada possvel

    para o nosso enigma: em vez de diminuirmos a intensidade da luz, vamos

    mudar sua cor. Assim, os ftons tero energia e momento linear menores

    e vo dar empurres menores nos eltrons. Quem sabe poderemos

    chegar a uma situao em que os eltrons podero ser vistos e, ainda

    assim, mostrar interferncia?

    Voltamos ao laboratrio. Fazemos o experimento. Iniciamos

    com luz de alta freqncia (pequeno comprimento de onda): como

    antes, enxergamos os eltrons passar pelos buracos 1 ou 2, mas no

    h interferncia. Vamos, gradualmente, diminuindo a freqncia da luz

    (aumentando seu comprimento de onda) at um certo ponto em que

    ATIVIDADE

    2. Verifi que, no experimento virtual, o fenmeno que acabamos de discutir. Para isso, reduza a intensidade da luz para 50% e execute o experimento novamente.

    __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Voc ver que o padro observado na tela parece ser uma mistura

    dos padres com interferncia e sem interferncia. Isso corresponde

    exatamente ao que discutimos anteriormente, ou seja, eltrons que

    so observados no interferem, enquanto os eltrons que no so

    observados interferem.

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    recuperamos o padro de interferncia. Tudo parece funcionar bem. Mas

    quando olhamos agora para os flashes, temos uma surpresa desagradvel.

    Continuamos a v-los, mas eles agora esto maiores, mais difusos, como

    grandes borres. To grandes que no conseguimos dizer se vm da regio

    do buraco 1 ou do buraco 2! Ou seja, ao tentarmos usar ftons de baixa

    energia, de modo que eles no atrapalhem o movimento dos eltrons,

    esses ftons no permitem uma definio da trajetria do eltron.

    Desistimos...

    O que aconteceu? Na verdade, este um efeito familiar da tica.

    Se temos dois objetos muito prximos, eles s so distinguveis entre si

    se forem observados com uma luz de comprimento de onda menor que

    a distncia entre eles. Caso contrrio, os dois objetos aparecero juntos,

    como um borro, sem que possamos distingui-los. Diz-se, ento, que no

    temos resoluo para identificar os dois objetos separadamente.

    Esta a razo fundamental pela qual os microscpicos ticos tm um poder de aumento limitado. No importa o quo poderoso seja o sistema de lentes destes aparelhos, sua capacidade de amplificao est fundamentalmente limitada pelo comprimento da luz visvel, ou seja, no possvel distinguir objetos ou caractersticas menores que este comprimento de onda. Mas voc j deve ter ouvido falar que os microscpios eletrnicos tm maior poder de aumento que os microscpios ticos, certo? E agora voc pode entender como isto ocorre. Como estamos percebendo, os eltrons se comportam como ondas, e essas ondas podem ter comprimento de onda muito menor que o da luz visvel, permitindo que possamos enxergar objetos muito menores com essas ondas eletrnicas.

    O PRINCPIO DA COMPLEMENTARIDADE E O PAPEL DO OBSERVADOR NA MECNICA QUNTICA

    As concluses finais do nosso experimento so as seguintes:

    1. Eltrons so descritos por funes de onda que fornecem

    a amplitude de probabilidade de que certos eventos aconteam.

    A probabilidade dada pelo mdulo quadrado da funo de onda:

    .

    2. Quando um evento pode ocorrer de duas formas distintas, a

    funo de onda dada pela soma das funes de onda correspondentes

    a cada uma das possibilidades: , e a probabilidade dada

    por . Portanto, h interferncia.

    P = 2

    = +1 2P = + 1 2

    2

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    3. Quando fazemos uma medida que permita determinar de

    qual das duas maneiras o evento ocorreu, perdemos a interferncia, e a

    probabilidade dada por .

    Esta ltima concluso merece uma discusso mais profunda. Voc

    se lembra de que falamos sobre a dualidade onda-partcula, isto , que

    os objetos qunticos apresentavam caractersticas tanto de partculas

    como de ondas? Pois bem, h um outro princpio quntico relacionado

    a este conceito: o Princpio da Complementaridade, enunciado pela

    primeira vez pelo fsico dinamarqus Niels Bohr. Segundo ele, as

    caractersticas de onda e partcula so complementares e nunca se

    manifestam simultaneamente, ou seja, se fizermos um experimento no

    qual fique claramente caracterizada a natureza ondulatria de um objeto

    quntico, suas caractersticas de partcula no iro se manifestar; e vice-

    versa. No caso da experincia da fenda dupla, assim que conseguimos

    determinar a trajetria (um conceito tpico das partculas) do eltron,

    o padro de interferncias (um conceito tpico das ondas) desapareceu

    completamente.

    Toda esta discusso traz consigo aspectos interessantes no que se

    refere ao papel do observador na Mecnica Quntica. Ao observarmos

    a trajetria do eltron, destrumos sua natureza ondulatria. Na Fsica

    clssica, sempre imaginamos o observador, isto , a pessoa que realiza

    o experimento, como um ente passivo, que no interfere com o objeto

    de medida. assim, por exemplo, quando observamos as estrelas no

    cu: elas no alteram seu movimento por causa de nossa observao.

    Porm, na Mecnica Quntica, o observador adquire um papel ativo

    e fundamental para a teoria. Torna-se impossvel realizar uma medida

    sem interferir com o objeto que estamos medindo. A medio destri

    a interferncia quntica, causando o chamado colapso da funo

    de onda. Assim, o efeito de observar o estado do sistema faz, como

    conseqncia, que esse estado seja alterado. importante enfatizar que

    isso ocorre no apenas no caso do eltron passando pela fenda dupla,

    mas com todos os sistemas qunticos. Dessa forma, na Fsica Quntica,

    a distino entre observador e observado deixa de ser clara; deve-se

    considerar que o observador tambm um sistema fsico que interage

    com o objeto de medida.

    P P P= +1 2

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    Introduo Mecnica Quntica | O Princpio da Complementaridade e o papel do observador na Mecnica Quntica

    A interpretao probabilstica e do papel do observador na Fsica Quntica que descrevemos aqui conhecida como interpretao de Copenhagen, e seu principal formulador e defensor foi o fsico dinamarqus Niels Bohr. Essa a interpretao aceita pela grande maioria dos fsicos hoje em dia. Mas sempre houve fsicos que discordaram dessa interpretao, entre eles ningum menos que Albert Einstein. Segundo este, a crena em um mundo exterior independente do observador a base de toda a cincia natural.Os debates entre Bohr e Einstein sobre esse e outros aspectos da Fsica Quntica so uma das pginas mais interessantes da Fsica e de seus aspectos filosficos. Voc pode aprender mais sobre esses debates em http://en.wikipedia.org/wiki/Bohr-Einstein_debates, por exemplo.

    Intrigante a Mecnica Quntica, no? certamente uma das

    disciplinas mais fascinantes de toda a Fsica. Nas prximas aulas,

    entraremos a fundo em seus aspectos mais formais. Com isso, iremos nos

    capacitar para prosseguir em nossa explorao do mundo quntico.

    R E S U M O

    Podemos utilizar ftons para visualizar a trajetria dos eltrons, quando estes

    passam por uma fenda dupla. Mas, quando isso acontece, a natureza ondulatria dos

    eltrons, caracterizada pelo padro de interferncia, desaparece completamente.

    Entendemos isso como uma manifestao do Princpio da Complementaridade.

    INFORMAO SOBRE A PRXIMA AULA

    Na prxima aula, iniciaremos nosso estudo dos aspectos mais formais da Mecnica

    Quntica, enunciando seus postulados fundamentais.

  • objetiv

    os4AULAPr-requisito

    Meta da aula

    Funo de onda e Equao de Schrdinger

    Introduzir a funo de onda e a Equao de Schrdinger.

    interpretar fisicamente a funo de onda;

    obter informao sobre um sistema microscpico, a partir da funo de onda.

    Para uma melhor compreenso desta aula, preciso que voc reveja o conceito de equaes

    em derivadas parciais, tais como a equao de ondas, vista na Aula 11 de Fsica 2B.

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    Introduo Mecnica Quntica | Funo de onda e Equao de Schrdinger

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    FUNO DE ONDA E EQUAO DE SCHRDINGER

    Vimos, nas aulas do Mdulo 1 desta disciplina, que as partculas

    microscpicas, como os eltrons, no se movem seguindo as leis clssicas

    do movimento, dadas pela Mecnica Newtoniana. Essas partculas,

    porm, seguem outras leis que parecem ser mais apropriadas para

    a propagao de ondas. Isso ficou claro, de forma qualitativa, na

    Aula 2, na qual vimos surgir um padro de interferncia, quando um feixe

    de eltrons passa atravs de uma fenda dupla. Neste mdulo, iniciaremos

    um estudo quantitativo da dinmica das partculas qunticas, por meio

    de seus postulados e de sua formulao matemtica precisa. Afinal, quais

    so as leis que regem o movimento das partculas microscpicas?

    Vamos considerar uma partcula microscpica (por exemplo,

    um eltron) que se movimenta em trs dimenses. Vamos aceitar, como

    postulado, que o estado dessa partcula, em um instante de tempo t,

    completamente definido por uma quantidade complexa chamada

    funo de onda, e indicada pelo smbolo (x,y,z,t), em que (x,y,z) so

    as coordenadas espaciais.

    O que queremos dizer com a expresso estado de uma partcula? Na mecnica clssica, o estado de uma partcula conhecido por meio de sua posio e de sua velocidade em um determinado instante. Este conhecimento, somado ao conhecimento da fora (ou, se preferirem, da energia potencial) que atua sobre esta partcula, permite a descrio completa da sua trajetria subsequente atravs da integrao da 2 Lei de Newton. J um movimento ondulatrio, como vimos no Mdulo 1, ser totalmente conhecido, se soubermos a dependncia espacial e temporal da funo de onda. Por exemplo, no caso de ondas na superfcie da gua, vimos que uma funo de onda apropriada era a altura do nvel da gua. Note que, no caso das partculas qunticas, a descrio matemtica muito mais parecida com a das ondas do que com a das partculas clssicas.

    Como vimos na Aula 11 de Fsica 2B, no caso de ondas clssicas,

    a funo de onda a soluo de uma equao em derivadas parciais

    conhecida como equao da onda. Ento, razovel supor que a funo

    de onda de uma partcula quntica deve tambm satisfazer a uma equao

    de onda. Que equao esta? Veremos a seguir.

    Suponha que a partcula quntica tenha massa m e se mova sob

    a influncia de uma energia potencial V(x,y,z,t). Postula-se, ento, que a

    funo de onda satisfaa seguinte equao em derivadas parciais:

    (4.1) im x y z

    V x,y,z,thh

    =

    +

    +

    +

    t

    2 2

    2

    2

    2

    2

    22( )

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    em que , sendo h a constante de Planck.

    Esta a famosa Equao de Schrdinger, proposta pelo

    fsico austraco Erwin Schrdinger (Figura 4.1), em 1926.

    Note que essa equao parece um pouco mais complicada

    que a equao da onda clssica que conhecemos. Mas no

    se preocupe, em breve voc estar bastante familiarizado

    com ela.

    Figura 4.1: O fsico austraco Erwin Schrdinger (1887-1961), que, por seu trabalho de 1926, no qual props a equao que ganhou seu nome para a descrio da dinmica das partculas qunticas, foi agraciado, juntamente com o fsico ingls Paul Dirac, com o Prmio Nobel de Fsica de 1933.

    Notem que estamos postulando que o estudo de um sistema microscpico consiste em encontrar a funo de onda , a qual satisfaz a Equao de Schrdinger. A nica justificativa para a descrio da Fsica Quntica ser baseada nessas suposies que elas funcionam. Em outras palavras, a Fsica Quntica baseada nessas suposies descreve corretamente todos os fenmenos aos quais tem sido aplicada. Existem, na literatura, apresentaes da Equao de Schrdinger como sendo derivada da equao de onda, fazendo, com isso, diversas consideraes que tentam mostrar a sua plausibilidade. Ns preferimos, entretanto, trat-la como de fato ela : um postulado. No possvel chegar Fsica Quntica a partir da Fsica Clssica apenas por uma argumentao lgica!

    A partir de agora, vamos nos restringir ao caso unidimensional,

    em que x a nica coordenada. Alm de levar a uma maior simplicidade,

    esse caso ser suficiente para estudar a maioria das aplicaes que

    consideraremos neste curso. No caso unidimensional, a Equao (4.1)

    se escreve:

    . (4.2)

    Vemos imediatamente que, pelo fato de ser soluo de uma equao

    complexa em derivadas parciais, a funo de onda ser necessariamente

    uma funo complexa. Este fato ser discutido no prximo item. A funo

    de onda (x,t) uma funo contnua e, sempre que o potencial V(x,t)

    for finito, com derivada tambm contnua.

    h = h / 2

    ix,t

    t m

    x,t

    xV x,t x,th

    h

    ( )

    = ( )

    + ( )

    2 2

    22( )

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    INTERPRETAO FSICA DA FUNO DE ONDA

    Antes de comearmos a resolver a Equao de Schrdinger

    em situaes especficas, o que ser feito nas prximas aulas, vamos

    entender melhor o significado da funo de onda. At o momento, ela

    parece apenas como uma quantidade abstrata. Ser mesmo assim? Bem,

    vemos que, pelo fato de a funo de onda ser uma quantidade complexa,

    ela no pode ser medida diretamente por nenhum instrumento fsico.

    Isso significa que no h um sentido fsico imediato para essa funo!

    Portanto, vamos deixar bem estabelecido que, de fato, a funo de onda

    de um sistema nada mais do que uma representao matemtica abstrata

    do estado do sistema. Ela somente tem significado no contexto da teoria

    quntica. Ento, de que nos serve esta funo? Podemos utiliz-la, de

    alguma forma, para descrever o mundo fsico?

    Max Born, em 1926, postulou que a densidade de probabilidade

    p(x,t) de se encontrar a partcula na posio x, no instante t, poderia ser

    obtida a partir da funo de onda pela relao:

    , (4.3)

    de modo que a probabilidade de encontrarmos a partcula em

    uma regio no instante t dada por:

    . (4.4)

    Note que esta apenas uma verso matematicamente mais precisa

    do que encontramos em nossos experimentos de fenda dupla descritos na

    Aula 2. Esse resultado conhecido como interpretao probabilstica

    da funo de onda. Como toda probabilidade que se preza, P[a,b]

    deve ser real e positiva, qualquer que seja o intervalo considerado. Isto

    garantido pelo fato de que real e positivo.

    Lembre-se: o mdulo ao quadrado de um nmero complexo! Alm

    disso, a probabilidade deve ser normalizada, ou seja, a probabilidade

    de se encontrar a partcula em qualquer regio do espao, num dado

    instante de tempo, deve ser igual a 1:

    . (4.5)

    Figura 4.2: O fsico alemo Max Born (1882-1970), que formulou a interpretao probabilstica da funo de onda e, por isso, foi agraciado com o Prmio Nobel de Fsica de 1954.

    p x,t x,t( ) ( )= 2

    a x b

    P a,b x,t dxa

    b[ ] ( )=

    2

    ( ) ( ) ( )*x,t x,t x,t2 =

    ( )x,t dx2 1

    +

    =

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    ATIVIDADE

    Esta condio conhecida como normalizao da funo

    de onda. Toda funo de onda que se preza deve estar devidamente

    normalizada. Em trs dimenses, a relao correspondente

    .

    Figura 4.3: Energia potencial e funo de onda em t = 0 do estado de mais baixa energia do poo infi nito.

    1. Vamos exercitar alguns conceitos associados interpretao probabilstica da funo de onda? A Figura 4.3 mostra, em t = 0, a funo de onda do chamado estado fundamental (o estado de energia mais baixa) do poo de potencial infi nito. O poo infi nito aquele em que a energia potencial zero numa certa regio (no caso mostrado na Figura 4.3, em a /2 < x < a / 2) e infi nita em todo o resto do espao. Trata-se de uma idealizao, mas muito til para estudar os poos de potencial encontrados na natureza. Veremos, nas prximas aulas, como resolver a Equao de Schrdinger para o poo infi nito, mas este no o nosso foco no momento. Conhecemos a soluo e vamos trabalhar um pouco com ela.

    A funo de onda do estado fundamental a seguinte:

    em que E a energia da partcula no referido estado e A um nmero real chamado de constante de normalizao, a ser determinado.

    dx dy dz x,y,z,t

    =( ) 2 1

    ( )cos ,/

    x,tA

    xe a x a

    x

    iEt

    = <

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    a. Usando o postulado de Born, obtenha a densidade de probabilidade p(x,t) de se encontrar a partcula em um ponto qualquer do eixo x, no instante t. Verifique que esta densidade real e positiva.

    b. Imponha a condio de normalizao e encontre a constante A.

    c. Ache a probabilidade de se encontrar a partcula na metade direita do poo (x > 0).

    RESPOSTA COMENTADA

    a. Para calcular a densidade de probabilidade, basta usar o postulado

    de Born. Assim, obtemos

    Como um cosseno ao quadrado sempre real e positivo, a densidade

    de probabilidade tambm real e positiva. Note ainda que a densidade

    mxima na origem.

    b. A condio de normalizao imposta da seguinte forma: .

    Assim, podemos obter a constante A:

    c. A probabilidade de encontrarmos a partcula na metade direita do poo

    dada pela Equao (4.5):

    Ou seja, a partcula pode estar com igual probabilidade do lado direito

    e do lado esquerdo do poo. Isto esperado, visto que o potencial

    simtrico com relao origem!

    OPERADORES E VALORES ESPERADOS

    A esta altura, voc j deve estar convencido da natureza

    probabilstica do mundo quntico (ou, ao menos, deve ter se conformado

    com ela). Vimos, na experincia de fenda dupla (Aula 2), que no podemos

    prever o resultado de um nico evento (como a posio do impacto de

    um eltron no anteparo). Podemos, porm, fazer uma anlise estatstica

    ( )x,t dx2 =

    1

    P x,t dxa

    xa

    dxa

    [ , ] ( ) cos %02 1

    250

    2

    0

    2

    0

    = = = =

    .

    .

    . *( ) ( )

    cos cos cos ,x,t x,t

    Axa

    e Axa

    e Axa

    a xiEt/ -iEt/=

    =

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    de um nmero muito grande de eventos. Por exemplo, se fizermos vrias

    medidas da posio x do eltron no anteparo, que valor mdio ou valor

    esperado da posio x iremos obter?

    O resultado importantssimo descrito no item anterior nos permite

    fazer este clculo. Uma vez que temos a distribuio de probabilidades,

    isto se torna simples, basta usar um resultado bem conhecido de estatstica

    elementar:

    . (4.6)

    Seguindo essa receita, podemos calcular outras quantidades de

    interesse, tais como o valor esperado f de uma funo qualquer da

    posio x, f(x). Essa quantidade dada pela expresso usual para o

    valor esperado:

    , (4.7)

    mas que escreveremos na forma

    (4.8)

    A Equao (4.8) completamente equivalente Equao (4.7). Mas,

    ento, qual a vantagem de escrev-la desta forma? Na verdade, a Equao

    (4.8) apenas um caso particular do seguinte resultado mais geral:

    (4.9)

    em que O um operador quntico e O seu valor esperado.

    Um operador quntico opera ou atua sobre uma funo de onda, e

    o resultado uma outra funo. Indicamos por o resultado

    da operao do operador O sobre a funo de onda . No caso mais

    simples, um operador pode ser uma funo f(x). Quando isso acontece,

    o resultado da operao simplesmente o produto da funo f pela

    funo de onda , ou seja, . Neste caso, a ex-

    presso (4.9) se reduz (4.8). Porm, no caso mais geral, um operador

    quntico pode envolver operaes mais complicadas, como, por exemplo,

    a diferenciao. Veremos exemplos desse tipo na Aula 5.

    x x x,t dx=

    ( ) 2

    f f x x,t dx=

    ( ) ( ) 2

    f x,t f x x,t dx=

    *( ) ( ) ( ) .

    O x,t O x,t dx= [ ]

    *( ) ( ) ,

    O x,t( )[ ]

    O x,t f x x,t ( ) ( ) ( )[ ] =

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    Afinal, para que servem os operadores qunticos e a Equao

    (4.9)? Certamente no so apenas uma curiosidade matemtica, muito

    pelo contrrio. Os operadores desempenham um papel central no

    formalismo da Fsica Quntica. Este papel definido pelo seguinte

    postulado: A cada grandeza fsica corresponde um operador quntico.

    E mais: supondo uma partcula no estado quntico definido pela funo

    de onda , o valor esperado da medida da grandeza fsica correspondente

    ao operador O (ou seja, o valor mdio estatstico de muitas medidas

    desta grandeza) dado pela Equao (4.9).

    Vale a pena meditar sobre a importncia desse resultado. Na

    Aula 2, aprendemos que na Fsica Quntica impossvel prever, com

    certeza, o resultado de uma nica medida. Na ocasio, voc pode ter

    sentido uma limitao repentina em suas possibilidades de conhecer a

    dinmica de um sistema fsico, algo que no existia na Fsica Clssica.

    Agora, observamos que ao menos o valor mdio de um nmero muito

    grande de medidas pode ser predito pela teoria. Recuperamos, ainda que

    parcialmente, nosso poder preditivo.

    Na prxima aula, conheceremos dois operadores bastante

    importantes, associados energia e ao momento linear. Veremos que

    eles no podem ser definidos por uma simples funo da posio f(x).

    Mas, antes, que tal trabalharmos um pouco com alguns operadores

    mais simples?

    ATIVIDADE FINAL

    Considere mais uma vez a funo de onda do estado fundamental do poo infinito

    Equao (4.6).

    a. Calcule o valor esperado da posio x e interprete seu resultado.

    b. Alm do valor esperado de um conjunto de muitas medidas, podemos calcular

    o desvio-padro . O desvio-padro mede a faixa de valores em

    que a probabilidade de medida alta. Dessa forma, ele d uma idia da incerteza

    da medida. Calcule o desvio-padro da posio para o estado fundamental do

    poo infinito.

    x x x= 2 2

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    RESPOSTA COMENTADA

    a. O valor esperado da posio obtido da seguinte forma:

    Podemos entender este resultado por simetria: a partcula tem igual

    probabilidade de ser encontrada do lado direito e do lado esquerdo do

    poo, de modo que o valor mais provvel x = 0.

    b. Calcular a incerteza

    R E S U M O

    O estado quntico de uma partcula descrito por sua funo de onda, que

    satisfaz Equao de Schrdinger. O mdulo ao quadrado da funo de onda

    nos d a amplitude de probabilidade de encontrarmos a partcula numa certa

    posio. A cada grandeza fsica corresponde um operador quntico. Assim, com o

    conhecimento da funo de onda, possvel obter o valor esperado das medidas

    dessa grandeza.

    x x,t x,t x x,t dxa

    xa

    e xxa

    eiEt/h iEt= =

    * *( ) ( ) ( ) cos cos

    2 2 a

    //h

    a

    a

    a

    a

    dx

    ax

    xa

    dx

    =

    = =

    2

    2

    2

    2

    220cos .

    x x x

    xa

    xxa

    dxa

    a

    x

    a

    a

    =

    = =

    =

    2 2

    2 2 2

    2

    2 2

    2

    222

    2 61 0 033cos ,

    == =x a2 0 18,

    INFORMAES SOBRE A PRXIMA AULA

    Na prxima aula, vamos conhecer os operadores energia e momento linear

    e descreveremos o Princpio da Incerteza de Heisenberg.

    .

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    LO 3

  • objetiv

    os5AULAPr-requisitos

    Metas da aula

    Operadores momento e energia e o Princpio da Incerteza

    Definir os operadores qunticos do momento linear e da energia e enunciar o Princpio da Incerteza de Heisenberg.

    calcular grandezas associadas aos operadores momento linear e energia;

    aplicar o Princpio da Incerteza de Heinsenberg.

    Para uma melhor compreenso desta aula, importante que voc revise a Aula 4 desta

    disciplina e o fenmeno de difrao da luz (Aula 8 de Fsica 4A).

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    OPERADORES QUNTICOS DO MOMENTO LINEAR E DA ENERGIA

    Vimos, na Aula 4 desta disciplina, que devemos associar um

    operador quntico a cada grandeza fsica. Observamos tambm que o

    conhecimento da funo de onda nos permite calcular o valor esperado

    (ou valor mdio) de um conjunto muito grande de medidas dessa grandeza

    fsica. O momento linear (ou quantidade de movimento) e a energia de um

    sistema so duas quantidades de importncia fundamental na Mecnica

    Clssica e isto no diferente na Mecnica Quntica. Ento, quais so

    os operadores qunticos associados a essas grandezas?

    Podemos reescrever a equao de Schrdinger, Equao (4.2), de

    uma forma um pouco diferente:

    (5.1)

    Note que, como esta equao deve ser vlida para qualquer soluo

    (x,t), ela equivalente relao entre operadores diferenciais:

    . (5.2)

    Se compararmos esta relao com a relao clssica

    , (5.3)

    vemos que podemos associar as quantidades clssicas energia

    E e momento linear p aos seguintes operadores diferenciais:

    . (5.4)

    Portanto, postular a equao de Schrdinger, como fizemos na

    Aula 4, equivalente a postular a associao entre as quantidades

    clssicas e as qunticas (5.4).

    it

    x,tm x

    V x,t x,thh

    =

    +

    ( ) ( ) ( ).

    2 2

    22

    it m

    V x,thh

    =

    +

    2 2

    22 x( )

    Epm

    V x,t= +2

    2( )

    p ix

    E it

    h h,

    O procedimento baseado na associao entre as quantidades clssicas e as qunticas (5.4) foi, essencialmente, o seguido por Schrdinger para derivar a sua equao.

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    A partir da defi nio do operador momento linear, primeira das

    associaes da Equao (5.4), podemos calcular o valor esperado do

    momento, utilizando a receita prescrita na Equao (4.9):

    (5.5)

    Da mesma forma, podemos calcular o valor esperado da energia,

    (5.6)

    1. Considere mais uma vez a funo de onda do estado fundamental do poo infi nito, descrita na Aula 4.

    a. Calcule o valor esperado do momento linear p e interprete seu resultado.

    __________________________________________________________________________________________________________________________

    b. Calcule o desvio-padro ou incerteza para o estado fundamental do poo infi nito.

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