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Que espaço para produtos vintage portugueses no Brasil? Mais do que oportunidade, a continuação de uma história? O mercado retro é um movimento internacional. Mas quem será o pioneiro a investir neste “novo” mercado de São Paulo com os seus “velhos” produtos? Estudos Alisson Avila Jornalista, produtor cultural e sócio, ao lado do português, Diogo Teixeira da Couture – Decode + Disrupt, empresa de análise de comportamento, estratégia e inovação, com escritórios em Lisboa e São Paulo Marcas 77 \ Marketeer n.º 196, Novembro de 2012 \

Que espaço para produtos vintage portugueses no Brasil?

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Publicação da revista Marketeer (Novembro 2012) que é resultado da sondagem qualitativa realizada na cidade de São Paulo relativamente à aceitação dos produtos "retro" portugueses naquele mercado.

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Que espaço para produtos vintage

portugueses no Brasil?Mais do que oportunidade, a continuação de uma história? O mercado retro é um movimento internacional. Mas quem será o pioneiro a investir neste “novo” mercado de São Paulo com os seus “velhos” produtos?

Estudos

Alisson Avila

Jornalista, produtor cultural e sócio, ao lado do português, Diogo Teixeira da Couture – Decode + Disrupt, empresa de análise de comportamento, estratégia e inovação, com escritórios em Lisboa e São Paulo

Marcas

77 \ Marketeer n.º 196, Novembro de 2012 \

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MarcasEstudos

A herança cultural portuguesa no Brasil é muito mais diversa e fascinante do que se pos-sa imaginar. E peço-lhe que não interprete esta primeira frase, escrita, como tudo o que vem a seguir, à revelia do acordo ortográfico, en-quanto um chamariz barato para a leitura deste texto, como se fôssemos promotores do Ano de Portugal no Brasil.

Enquanto brasileiro nascido numa região “híbrida” do país (o extremo sul, território de disputa ou esvaziamento histórico entre espa-nhóis e portugueses ao longo do tempo), e que ao mesmo tempo teve a oportunidade de viver em Portugal e ser sócio de uma empresa que tem como ponto de partida o entendimento das pessoas, sinto-me à vontade para humil-demente lhe dizer, patrício do mercado portu-guês que lê este artigo, que a ampla dimensão de tal herança é directamente proporcional ao seu desconhecimento.

Possivelmente, nem o mais optimista dos portugueses imaginaria o quão presentes es-tão as raízes do antigo império no comporta-mento, no status quo e nas relações sociais dos brasileiros. Isso, para além das evidentes refe-rências da arquitectura das cidades históricas, por exemplo, ou ainda de toda a imensa cultura popular, pagã ou religiosa, vinda de Portugal e que foi ruminada e devolvida ao próprio povo, ao longo dos séculos, pela já consagrada postu-ra antropofágica da sociedade brasileira.

De facto, não existe outra palavra que não seja “fascinante” para descrever os permanen-tes momentos de subtil identificação desta li-gação histórica na rua, ao longo do dia, quando se conhece e se está em qualquer um dos dois países. Esqueça o detalhe e concentre-se na big picture: está tudo lá, na base.

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Porém, sabemos que a nossa relação, como já diria qualquer psicanalista, tem problemas de aceitação. Especialmente por parte do Bra-sil. Se é o resultado de um sentimento de su-blimação (afinal, num dado momento o Brasil transformou-se na própria sede do império), ou se é o efeito de diferentes planos de cons-trução de identidade nacional levados a cabo por republicanos verde-amarelos, não sabe-mos definir. O que sabemos é que quem nega quer conhecer, assim como quem desdenha quer comprar, conforme reza o ditado. Exis-tem oportunidades nesta subtileza: basta olhar qualquer pesquisa, das mais primárias às mais analíticas, para confirmar o encanto propor-cionado por Portugal junto da maioria dos via-jantes oriundos do Brasil.

Por isso, foi um somatório de factores que nos levou à decisão de realizar uma pesquisa sobre o potencial dos produtos vintage por-tugueses dentro do mercado de 11 milhões de pessoas (ou seja, um Portugal) que representa a cidade de São Paulo. Portugal Retro no Brasil é consequência de diferentes observações feitas pela Couture: 1) o interesse do viajante brasi-leiro médio, curioso pelo consumo de outros estilos de vida, pela busca de algum tipo de resgate e identificação com Portugal; 2) o es-paço em aberto para um nicho de importação de itens de consumo ligados a questões emo-cionais, de design e de imaginário - onde os vi-nhos e azeites, principais presenças portugue-sas no consumo diário do brasileiro, são apenas a porta de entrada; 3) a galopante emergência do mercado gourmet na cidade de São Paulo; 4) e o omnipresente mercado retro espalhado pelo planeta, onde de marcas de moda a bebi-das e automóveis, passando por electrodomés-ticos e alimentos, praticamente todos tratam de revirar o seu passado para reviver antigos produtos: não só para satisfazer a necessidade intrínseca das pessoas pela segurança perdi-da, a qual o excesso informativo e o contexto recessivo de hoje atentam diariamente, como ao mesmo tempo para garantir às marcas uma profundidade, perspectiva e garantia de anco-ragem, que a “amnésia da internet”, como diz Umberto Eco, jamais ajudará a restabelecer.

Enquanto uma das cidades-alfa do plane-ta, São Paulo não poderia ficar de fora deste zeitgeist todo. Os produtos pesquisados fazem parte da relação directa entre Portugal e Brasil ao longo da História? Não. Mais do que marcas, a presença portuguesa no consumo do brasilei-ro tem a ver com itens específicos, sobretudo de alimentação. Mas os 35 produtos utilizados na pesquisa (da higiene pessoal, vestuário,

Independente da boa vontade em relação aos produtos, o total desco-nhecimento da história das marcas aponta para uma desconfiança inicial, ou um sentimento de falta de qualidade em alguns itens, devido ao facto do design sugerir que os produtos ficaram parados no tempo.

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alimentação e decoração) cumprem todos os requisitos de nossa observação. Seja quanto à abordagem explicitamente retro (de facto, ou construída pelo marketing), à identidade por-tuguesa, ou à ideia de experiência dos sentidos, os itens escolhidos pertencem a um nicho sufi-cientemente interessante para o gigantismo do mercado paulistano: 1% de share, por exem-plo, representa mais de 100 mil pessoas.

Sabendo apenas tratar-se de uma inves-tigação sobre produtos portugueses, os 120 participantes da pesquisa foram convidados a visitar um espaço expositivo com os produtos, sem maiores explicações. As reacções iniciais foram fotografadas e filmadas, para posterior análise postural, de expressões faciais e verba-lizações. A partir deste primeiro contacto, os integrantes dos grupos passaram a responder a perguntas subjectivas, de modo a não indu-zir as respostas, relacionadas com a percepção dos produtos. Após este debate, todos foram convidados a preencher uma tabela individual, onde indicavam o valor percebido de cada pro-duto; o valor que considerariam razoável pagar por cada produto; e ainda uma lista de cinco palavras que descrevesse a gama de produtos em exposição.

Foi deste modo que chegámos a uma das principais conclusões do estudo, no que diz respeito à capacidade de viabilização comer-cial dos itens pesquisados. No valor percebido, as marcas e produtos com melhor performance (ou seja, com custo apontado como o mais aci-ma possível do custo nominal de importação) foram os enlatados da Conserveira de Lisboa e da José Gourmet; os chocolates Arcadia; a pasta dentífrica Couto; os sabonetes de luxo da Ach. Brito/Confiança; e a Ginja Serra da Estrela, da Zimbro. Estes itens também figuraram no topo da lista dos participantes da pesquisa em ter-mos de custo real (o quanto cada pessoa esta-ria, de facto, predisposta a pagar pelo produto).

E o que eles significam? Entre as palavras--chave que descreveram a experiência, para além do esperado “produtos retro-vintage--antigos”, os termos mais citados foram “qua-lidade”, “diferente”, “tradição”, “variedade”, “empório” (em São Paulo, uma palavra asso-ciada a lojas de produtos gourmet), “interes-sante”, “design” e “curiosidade” (veja a nu-vem de tags que ilustra este artigo).

Para completar o processo, a experimenta-ção real: alguns dos participantes foram selec-cionados para levar produtos para casa e, após o uso, responderem a um questionário aberto (sem indicações de possíveis respostas) ou a participarem numa conversa de encerramento

da investigação com a equipa Couture. Foi nes-ta etapa que ganharam corpo os detalhes que fazem a diferença na relação entre produtos e pessoas: utilização de embalagens, relação dos produtos com os sentidos (olfacto, visão, tacto, etc.) e associações visuais entre o uso/consumo dos itens com imagens, escolhidas livremente pelos participantes para descrever a experiência.

A análise da Couture destacou que, ao mesmo tempo que o design retro dos produtos foi apontado como uma mais-valia pela maio-ria dos participantes, houve uma amostragem significativa de pessoas que relacionou a ima-gem de marca dos itens pesquisados à ideia de velho, ultrapassado ou pouco confiável. Inde-pendente da boa vontade em relação aos pro-dutos, o total desconhecimento da história das marcas aponta para uma desconfiança inicial, ou um sentimento de falta de qualidade em alguns itens, devido ao facto do design suge-rir que os produtos ficaram parados no tempo. É aí que entra o outro lado da moeda, e o lado mais forte: por possuírem aquilo que todas as marcas desejam, mas nem sempre possuem (qual seja, uma história própria e genuína para contar), esta possível fraqueza dos produtos vintage portugueses pode rapidamente ser transformada em oportunidade, numa possível entrada no Brasil.

É um facto que existe uma tendência no brasileiro médio de perceber qualidade e pres-tígio nas marcas que olham para o futuro, e não para a tradição ou o resgate do passado. Mas é interessante reparar como o mais contempo-râneo dos apelos de marketing (a experiência somada ao storytelling) pertence ao passado. O mercado retro é um movimento internacional que mistura duas vertentes: os grupos sociais interessados em consumo associado a estilo de vida (o prazer de um passado não vivido ou revivido) e os grupos ligados ao universo glo-balizante do luxo, que permite a construção de reputação e de melhores margens de lucro ao mesmo tempo. Quem será o pioneiro a inves-tir neste “novo” mercado de São Paulo com os seus “velhos” produtos?

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