23
Questões atuais sobre a formação de professores: a política de formação de professores da UNESCO no Projeto Principal de Educação (1981- 2001) Edil Vasconcellos de Paiva Introdução O foco deste projeto são as orientações formuladas pela UNESCO para a formação de professores no Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (1981- 2001) e suas repercussões nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica ( Parecer 009 CNE/CP/2001). As reformas na formação de professores, enquanto estratégias que refletem políticas de ação, foram analisadas como uma tendência internacional ligada às exigências dos organismos multilaterais que visam atender ao processo de globalização concebido neste projeto como um processo que pretende aplicar os princípios da economia de mercado ao conjunto dos países como uma saída da crise do capitalismo e uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem estar (Maués, 2003). Estudos recentes sobre as políticas no campo da formação de professores ( Catani et al. 2000, Oliveira, 2000) têm enfatizado que o conjunto de medidas adotadas pelo poder público nesta área está intimamente relacionado com a questão da melhoria da qualidade da educação, com ênfase na educação básica buscando concretizar soluções que coloquem o sistema educacional em sintonia com as mudanças econômicas e sociais hoje em curso e ao modelo de reestruturação produtiva que marca essa passagem de século. Oliveira (2000) mostra que as reformas educativas ocorridas no Brasil a partir dos anos 90 estão sendo implementadas de forma gradativa e difusa, porém com rapidez surpreendente e com uma mesma orientação, na qual prevalecem os conceitos de produtividade, eficácia e excelência, importados das teorias administrativas. Estas reformas segundo Catani et al. (2000) partem de uma redefinição 1

Questões atuais sobre a formação de professores: a ... · 1 A pesquisa deu origem ao livro : PAIVA, Edil V. e PAIXÃO, Léa P. A americanização do ensino elementar no Brasil?

Embed Size (px)

Citation preview

Questões atuais sobre a formação de professores: a política de formação de

professores da UNESCO no Projeto Principal de Educação (1981- 2001)

Edil Vasconcellos de Paiva

Introdução

O foco deste projeto são as orientações formuladas pela UNESCO para a formação

de professores no Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (1981- 2001)

e suas repercussões nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para

a Educação Básica ( Parecer 009 CNE/CP/2001).

As reformas na formação de professores, enquanto estratégias que refletem políticas

de ação, foram analisadas como uma tendência internacional ligada às exigências dos

organismos multilaterais que visam atender ao processo de globalização concebido neste

projeto como um processo que pretende aplicar os princípios da economia de mercado ao

conjunto dos países como uma saída da crise do capitalismo e uma reação teórica e política

contra o Estado intervencionista e de bem estar (Maués, 2003).

Estudos recentes sobre as políticas no campo da formação de professores

( Catani et al. 2000, Oliveira, 2000) têm enfatizado que o conjunto de medidas adotadas pelo

poder público nesta área está intimamente relacionado com a questão da melhoria da qualidade

da educação, com ênfase na educação básica buscando concretizar soluções que coloquem o

sistema educacional em sintonia com as mudanças econômicas e sociais hoje em curso e ao

modelo de reestruturação produtiva que marca essa passagem de século. Oliveira (2000) mostra

que as reformas educativas ocorridas no Brasil a partir dos anos 90 estão sendo implementadas

de forma gradativa e difusa, porém com rapidez surpreendente e com uma mesma orientação,

na qual prevalecem os conceitos de produtividade, eficácia e excelência, importados das

teorias administrativas. Estas reformas segundo Catani et al. (2000) partem de uma redefinição

1

da teoria do capital humano, que teve grande impacto nas décadas de 60 e 70 e que hoje busca

articular a educação às novas demandas do mercado de trabalho, priorizando a polivalência e a

flexibilidade na definição de novos perfis educacionais. Neste contexto é dada ênfase a

modificações na educação básica e as deficiências detectadas neste nível de ensino são

relacionadas com a má formação dos professores que nele atuam o que coloca a formação

docente como um elemento central para que as inovações propostas sejam assimiladas e

desenvolvidas no âmbito do ensino básico.

Medidas que vêm sendo implementadas no campo da formação de professores,

principalmente em países da América Latina têm se fundamentado em orientações emanadas de

organismos internacionais, com destaque para os organismos de financiamento. Torres (1996),

analisando o conjunto de medidas propostas pelo Banco Mundial aos sistemas educativos dos

países em desenvolvimento, aponta conclusões contidas em documento do Banco sobre o que

funciona e o que não funciona em relação à educação básica desses países. Em relação à

formação de professores, longos programas iniciais de formação docente situam-se no primeiro

grupo. A formação em serviço realizada por meio da educação à distância e de programas

curtos, considerada fundamental para a melhoria deste nível de ensino, é colocada no

segundo grupo.

As Conferências Mundiais de Educação realizadas de 1990 a 2000 apontaram para que

a prioridade da educação fosse a educação básica com um mínimo de oito anos de

escolarização tendo como meta o crescimento econômico e uma escola que prepare para as

exigências do mercado de trabalho. Foram fixadas metas que deveriam ser atingidas, em

matéria de educação, pelos diferentes países. A formação de professores foi considerada ponto

central na seqüência das prioridades de universalização da educação.Meu interesse pelo estudo de orientações provindas de organismos internacionais na

educação brasileira teve início com a pesquisa sobre o Programa de Assistência Brasileiro-

Americana ao Ensino Elementar (1956-1964)1 desenvolvido por meio de um acordo

assistência técnica norte-americana, primeiro com o Ponto IV e posteriormente com a USAID.

Neste estudo buscou-se investigar o surgimento e trajetória institucional do Programa e seus

efeitos na reprodução de recursos humanos e na difusão de idéias pedagógicas e materiais de

ensino. Verificou-se, no que se refere ao trato das questões de ensino, que do ponto de vista da

1 A pesquisa deu origem ao livro : PAIVA, Edil V. e PAIXÃO, Léa P. A americanização do ensino elementar noBrasil? Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2002.

2

prática pedagógica não houve uma ruptura. Aprofundou-se, outrossim, uma forma de enfrentar

na prática as tarefas de ensinar na escola primária fortalecendo-se uma reificação da

metodologia como via privilegiada de atuação dos profissionais, dos responsáveis por políticas

públicas. Com Juscelino Kubstichek na presidência da república o país assistiu a uma alteração

qualitativa do desenvolvimento capitalista que evoluiu de um projeto capitalista nacionalista

para um capitalismo dependente. O estado assumiu a condução do processo de

desenvolvimento, acelerando a industrialização (Ianni, 1971). No âmbito da política mais geral

de governo estimulava-se a importação de técnicas elaboradas nos países mais avançados para

acelerar o crescimento econômico, acompanhado de projetos de assistência técnica via ONU,

OEA e Ponto IV. No campo da formação de professores a orientação dominante no PABAEE

era a do estudo de métodos e técnicas de ensino. Um pressuposto do processo de capacitação

neste enfoque é que, para melhorar o ensino primário era necessário instrumentalizar os

professores na utilização de métodos e técnicas de ensino consideradas modernas.

Dando continuidade ao meu interesse pelas questões relacionadas à assistência técnica

internacional estou, no momento, orientando um projeto de dissertação no Programa de

Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da UERJ, que busca fazer uma

reconstituição histórica da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTEC). Esta

Comissão resultou de um acordo entre o Ministério de Educação e Cultura, o Sindicato

Nacional dos Editores de Livros e a USAID. O acordo foi assinado em 1967 com o objetivo de

disponibilizar cerca de 51 milhões de livros aos estudantes em três anos, principalmente nas

séries iniciais do ensino fundamental. A pesquisa prioriza a implantação da Biblioteca da

COLTEC no Estado do Rio de Janeiro desde a sua implantação até a sua extinção em junho de

1971.

Este estudo esta voltado para as orientações que a UNESCO, por meio do Projeto

Principal para a Educação (1981- 2001), apresentou em relação à formação de professores. As

contribuições da UNESCO para a educação têm sido objeto de vários estudos, entretanto as

suas contribuições em relação à formação de professores não têm sido privilegiadas em estudos

recentes. Tal fato motivou a realização deste estudo pretendendo contribuir para a discussão da

política de formação de professores e para a compreensão da influência de organismos

internacionais na definição de políticas públicas que vêm sendo formuladas neste campo.

3

Orientações da UNESCO para a educação e de modo específico do Projeto Principal

para a Educação, com o foco na IV e V Reunião do Comitê Intergovernamental, são

apresentadas a seguir buscando contextualizar e problematizar a investigação a ser realizada.

1. A UNESCO e o Projeto Principal de Educação

As Conferências Regionais de Ministros da Educação e do Planejamento Econômico,

assim como as Reuniões do Comitê Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para

América Latina e Caribe, promovidas pela UNESCO, nas décadas de 80 e 90, são momentos

onde foram consubstanciados eixos para a construção das políticas públicas no campo da

educação nesta região que repercutem em nossos dias.

Duas etapas podem ser apontadas neste processo de debates, coordenados pela

UNESCO, que envolveram diferentes países do continente. A primeira inicia-se com a

aprovação do Projeto Principal de Educação para América Latina e Caribe, em 1981. A

segunda etapa tem início com a IV Reunião do Comitê Intergovernamental do Projeto

Principal de Educação em abril de 1991.

O Projeto Principal de Educação foi proposto no México, em dezembro de 1979,

durante a Conferência Regional de Ministros de Educação e de Ministros do Planejamento

Econômico dos países latino americanos. Na Conferência que aprovou o Projeto Principal

(1981) os participantes identificaram na Região a persistência de baixa escolaridade, a

existência de grandes contingentes de analfabetos entre os adultos, altos índices de evasão

escolar, desajuste entre educação e trabalho, escassa articulação da educação com os

desenvolvimentos econômicos, sociais e culturais. Foram ainda destacadas a deficiente

organização e administração dos sistemas educacionais, caracterizados por uma forte

centralização (UNESCO, 1998:23).

O Projeto Principal foi coordenado pela Oficina Regional da UNESCO (UNESCO-

OREALC) em Santiago. De dois em dois anos o projeto foi avaliado em Reunião de Ministros

da Educação da região quando também eram discutidos temas de política educativa. As

reuniões, no total de sete, são referidas pela sigla PROMEDLAC (Reuniões do Comitê

Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe).

4

O Projeto Principal de Educação apresentou um planejamento a ser desenvolvido na

América Latina e Caribe em 20 anos (1980-2000) e dentre outros objetivos visou “garantir e

oferecer, até o final de 1999, uma educação mínima de 8 a 10 anos para todas as crianças em

idade escolar; eliminar o analfabetismo até o fim do século e desenvolver e ampliar os serviços

educacionais para adultos; melhorar a qualidade e a eficiência dos sistemas através das

reformas necessárias” (UNESCO,1989:23).Verifica-se que o Projeto deu destaque às

estratégias para a universalização da educação básica, para o enfrentamento do analfabetismo e

para a melhoria da qualidade do ensino. O documento do Projeto diferenciou a questão da

expansão dos sistemas de ensino da qualidade do ensino oferecido por tais sistemas e revelou

otimismo com relação à eliminação do analfabetismo na América Latina e Caribe. Foi

enfatizada a questão da eqüidade, incentivando-se o desenvolvimento de políticas

educacionais inclusivas, tais como políticas interculturais bilíngües, a questão da integração de

alunos com necessidades educativas especiais ao sistema de ensino regular e do financiamento

da educação (UNESCO, 1998).

A IV PROMEDLAC (1991), em Quito, contou com a participação de 29 dos 33

estados membros. Nesta reunião, foram discutidas as decisões da Conferência Mundial de

Educação da Tailândia (1990). Mais uma vez foi constatado que a expansão dos sistemas de

ensino, detectada no continente, não havia sido acompanhada da melhoria da qualidade de

ensino. Diversos países haviam conseguido ampliar o acesso à escola nos anos 70 e 80, mas

ainda não haviam conseguido responder as questões da qualidade de ensino. De acordo com

Tedesco (1992) havia reconhecimento de que o padrão de desenvolvimento sócio-econômico e

educativo adotado nas décadas precedentes não era suficiente para execução dos objetivos

propostos no Projeto Principal. Não bastaria, portanto, a ampliação dos recursos financeiros.

Era igualmente necessária a modificação das estratégias de utilização desses recursos. Na

avaliação dos participantes da IV Reunião as estratégias tradicionais que sustentaram os

sistemas de ensino, na América Latina e Caribe, haviam esgotado suas possibilidades de

harmonizar a expansão do sistema de ensino com a sua qualidade. Assim era preciso que a

região empreendesse uma nova fase de desenvolvimento da educação, em consonância com as

exigências do mundo do trabalho (UNESCO, 1991). A UNESCO era na década de 80 a única agência do sistema das Nações Unidas que

atuava na educação no continente. Os bancos e outras agências multilaterais ainda não

5

promoviam ações no campo educacional com a intensidade verificada nos anos 90.

(UNESCO,1989:24).A Declaração de Quito, denominação dada ao documento final da IV PROMEDLAC

(1991), sustentava que, para superarem a crise econômica e incorporarem-se ao mundo

moderno, os países precisavam investir na integração regional e na formação de recursos

humanos, pois, sem educação de qualidade não haveria crescimento, eqüidade, nem

democracia (UNESCO, 1991). A educação é colocada pelos participantes como elemento

central para o desenvolvimento econômico, devendo ser objeto de consensos nacionais que

garantissem o compromisso de toda sociedade e a continuidade das políticas públicas.A ênfase na qualidade desponta, deslocando a antiga preocupação com a

democratização da educação. O avanço da retórica da qualidade, sua ênfase nas políticas dos

anos 90, parece colaborar para o arrefecimento das demandas democráticas que caracterizam o

período, ao mesmo tempo em que representa a vitória da lógica mercantil que invade a esfera

educativa. Nas décadas precedentes (70 e 80) em muitos países da América Latina,

movimentos sociais, grupos representativos de diferentes setores, buscavam ampliar os canais

de participação política e restringir o exercício ditatorial de poder. Os governos são instados a

criar um consenso em torno de um projeto educativo, mobilizando para tanto forças sociais e

políticas. A ênfase nos acordos nacionais parece estar relacionada ao estabelecimento de um

consenso acerca de um determinado projeto de sociedade modelado por instâncias

internacionais. Diversos países da América Latina promoveram discussões amplas nos anos 90, além

de organizarem planos e pactos educativos nacionais. Segundo Casassus (2001), em termos de

abertura do sistema, os países da região ingressaram em um período em que apareceram as

mais variadas formas de acordos, tratando de formar coalizões para obter maior estabilidade

nos processos educacionais. Entre as diferentes formas de abertura que se criaram, estão: os

Congressos Pedagógicos, que são a forma histórica de debate social na educação. Entre eles

figuram os da Argentina (1987), Bolívia (1993) e Chile (1997); (...) os Acordos Nacionais, em

particular o Acordo Nacional para a Modernização da Educação no México (1992) e o Acordo

Nacional de Educação 2000 no Equador (1993), que constituíram a assinatura de protocolos

nacionais mobilizando entidades docentes e intelectuais e os Planos Decenais, que apareceram

sob diferentes modalidades estratégicas.

6

Casassus (2001) observa que o Brasil passou de uma primeira etapa, ao estabelecer um

Compromisso Nacional de Educação para Todos entre representantes das três esferas da

federação (1993), para a elaboração e discussão horizontal; estado/sociedade civil; e vertical,

até mesmo nas escolas, de um Plano Decenal de Educação para Todos (1994). A República

Dominicana, em uma perspectiva participativa, também elaborou seu Plano Decenal em 1992,

enquanto na Venezuela, o Conselho Nacional de Educação desenvolveu linhas orientadoras do

Plano Decenal mediante planos qüinqüenais (1993); (1994). As Leis de Educação expressam

outro âmbito de acordos, desta vez no quadro legislativo. Assim, foram criadas leis de

educação na Argentina e México (1993), Bolívia (1994), Colômbia (1993 e 1994), Chile

(1994/1997) e Brasil (1996). Mediante essas medidas de gestão, as autoridades dos Estados da

região convocaram diferentes setores sociais para que participassem na discussão dos

problemas educacionais e assumissem compromissos com a educação pública.

Na Declaração de Quito (1991) foi veiculada a idéia de que a educação deveria ser

assumida como política de Estado e não como proposta governamental, tendo em vista os

longos prazos que esta atividade requer. Foi considerado um requisito fundamental da nova

estratégia a resposta às demandas sociais e não somente as da própria administração educativa.

A educação deveria ser responsabilidade de todos, devendo ser criados mecanismos de

articulação e participação entre a administração educacional e organismos não governamentais,

empresas privadas, comunidades e famílias. Para assegurar o caráter intersetorial das ações

educativas, assim como a sua vinculação com as demandas postas pelo mundo social e do

trabalho, seria preciso modificar os estilos de planejamento e de administração (UNESCO,

1991). A transformação da gestão sugerida aponta para um outro papel e uma nova

administração do Estado, reformulando sua atuação, organizando alianças e compartilhando

com outros setores suas anteriores atribuições. É preconizada a implementação de um vasto

processo de descentralização das ações educativas e a superação do modelo burocratizado e

centralizado de Estado. A defesa destas idéias insere-se no movimento maior de reforma do

Estado, no contexto da orientação neoliberal que atribui a este ineficiência e responsabilidade

pelas mazelas sociais e econômicas. Tais orientações apregoam a necessidade das políticas de

estabilização macro-econômicas serem acompanhadas da desregulação dos mercados,

privatização do setor público e redução do Estado. A prioridade concedida aos aspectos

7

administrativos da reforma, com a implantação de um novo modelo de gerenciamento, é a

porta de entrada para modificações dos aspectos curriculares e pedagógicos (Torres, 2000).Para a viabilização das mudanças sugeridas na Declaração de Quito (1991) tornava-se

necessária uma nova forma de regulamentação para a atividade educacional. A promulgação

de novas leis de educação em diversos países do continente nos anos 90 (Casassus, 2001)

permitiu que a esfera educativa fosse reconfigurada com base em novos marcos. O

estabelecimento de um novo aparato legal indica o caráter refundacional da reforma educativa

dos anos 90, voltada não mais para o investimento em novos prédios escolares, mas para a

construção de novas relações institucionais e pedagógicas. Para Diaz Barriga e Espinosa

(2001) a intenção refundacional consiste em reajustar as fórmulas e modos em que são

pensadas as necessidades educativas.

O consenso nacional acerca das estratégias de mudança e a transformação dos modelos

de gestão foram apresentados, na Declaração de Quito (1991), como marcos nos quais devia-se

promover a melhoria da qualidade da educação (Tedesco, 1992). O documento lembrava que as

aprendizagens escolares eram pouco significativas, não refletindo os aspectos da cultura

contemporânea e as demandas sociais. Foi sugerida a promoção de mudanças curriculares que

concretizassem propostas baseadas na satisfação das necessidades educativas básicas do

indivíduo e da sociedade. Tais propostas deveriam possibilitar o acesso à informação que

permitisse pensar e expressar-se claramente e que fortalecesse capacidades para resolver

problemas, analisar criticamente a realidade, vincular-se ativa e solidariamente com os demais,

proteger e melhorar o meio-ambiente, o patrimônio cultural e as suas próprias condições de

vida (UNESCO, 1991:45).

O conceito de necessidades educativas básicas de aprendizagem foi empregado na

Conferência Mundial de Educação para Todos em 1990. Numa aproximação do conceito,

Torres, (2000) observa que são conhecimentos teóricos e práticos necessários ao indivíduo para

sobreviver, desenvolver suas capacidades, participar do desenvolvimento, melhorar sua

qualidade de vida, tomar decisões e continuar aprendendo. A satisfação das necessidades

básicas de aprendizagens não seria resultado apenas da ação da escola. De acordo com a “visão

ampliada” de educação básica defendida nesta Conferência somos educados ao longo de toda a

vida, em diferentes ambientes de aprendizagem e através de diversos meios. Foi salientado na

Conferência Mundial o papel complementar de outras instâncias educativas na satisfação das

necessidades básicas de aprendizagem. Os países participantes firmaram princípios, estratégias

8

e metas para a educação no decênio. As nações com maior taxa de analfabetismo do mundo,

entre elas o Brasil, foram levadas a desencadear ações, comprometendo-se a desenvolver

políticas educativas que implementassem os princípios acordados na Conferência.Além destas reuniões, merece destaque a 24ª Reunião do Comitê para Economia na

América Latina (CEPAL), efetuada no Chile em 1992. Neste encontro, foi salientado o papel

da educação como estratégia de crescimento, como investimento central para o

desenvolvimento dos países latinos; a PROMEDLAC V, onde foram debatidos caminhos para

a melhoria dos níveis de aprendizagens, e o Seminário Internacional organizado pela

UNESCO, sobre descentralização e currículo. A V Reunião e o Seminário ocorreram no Chile

em 1993. Nesses debates construíram-se reflexões e recomendações para as políticas

educativas regionais. Foram definidos três grandes objetivos para as reformas no continente,

assim como os instrumentos para alcançá-los. Em primeiro lugar, foi salientada mais uma vez a

importância da educação como fator para o desenvolvimento econômico. Em segundo, foi

proposta uma nova fase de desenvolvimento educacional, tendo como eixo a transformação na

gestão dos sistemas de ensino. E, em terceiro, foi destacada a preocupação com a melhoria da

qualidade de ensino, a ser alcançada por intermédio de intervenções no nível macro, com a

criação de sistemas de avaliação e, no nível micro, com intervenções na gestão escolar e nos

currículos (Casassus, 2001). Na PROMEDLAC V (1993) foi constatado que a região passava por um processo de

modernização na educação, mas com ritmo desigual. Era preciso um maior impulso nas

mudanças, produzindo dinâmicas mais efetivas. Na avaliação da UNESCO, as reformas do

passado não haviam produzido os resultados desejados devido à instabilidade das políticas,

escassa informação existente, desarticulação entre os diversos setores, além das dificuldades

das propostas para alcançarem as salas de aula. O desafio era profissionalizar a ação educativa

no marco de consensos e acordos democráticos. Para melhorar a qualidade da aprendizagem

dos alunos era necessário intervir nos processos internos ao sistema, sem descuidar da

expansão das oportunidades educacionais. Foi proposta a modificação dos componentes

institucionais e pedagógicos em todos os níveis do sistema (UNESCO, 1998).

As discussões efetuadas na PROMEDLAC V tiveram como marco os princípios da

Conferência Mundial de Educação (1990) e as conclusões da proposta CEPAL/OREALC

elaborada em 1992, denominada: Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva

com eqüidade . Este documento tinha como fundamento o reconhecimento da vinculação entre

9

recursos humanos e desenvolvimento. A CEPAL, já vinha fazendo propostas na mesma direção

no documento Transformación productiva con equidad (1990). Nele foi afirmado que pós os

anos 80, década considerada perdida, os anos 90 exigiriam o enfrentamento de desafios

extraordinários como fortalecer a democracia e, ao mesmo tempo, ajustar as economias,

estabilizando-as e incorporando-as a uma mudança tecnológica mundial intensificada, ao novo

paradigma de desenvolvimento e ao novo reordenamento mundial (CEPAL, 1990).

A proposta apresentada no documento “Educação e conhecimento: eixo da

transformação produtiva com equidade” tinha como fundamento o reconhecimento da

vinculação entre recursos humanos e desenvolvimento. Objetivava-se delinear linhas de ação

para políticas e instituições que pudessem favorecer as relações sistemáticas entre educação e

desenvolvimento, tendo em vista as condições sócio-econômicas existentes nos anos 90.

Tratava-se de esboçar estratégias que favorecessem a capacitação e a incorporação do

progresso tecnológico no continente, tornando possível a transformação das estruturas

produtivas com eqüidade social. O ponto central era melhorar a qualidade das aprendizagens

para alcançar competitividade internacional (UNESCO, 1998). Estes objetivos para a CEPAL

só seriam viabilizados mediante a reforma dos sistemas educacionais. No que tange à formação

de professores, é assinalada a necessidade de políticas que favorecessem a profissionalização e

o protagonismo docente.As reuniões do Comitê Regional de Educação da UNESCO de 1991 e 1993

(PROMEDLAC IV e PROMEDLAC V), dedicaram atenção especial à questão docente, em

particular a sua formação e profissionalização. É enfatizada a necessária melhoria das

condições de trabalho dos professores e não só das condições de sua formação. É salientada

também a necessidade de integrar-se formação inicial e em serviço, assegurando espaços de

trocas e de análise sobre a prática.

O Projeto Principal de Educação foi submetido a uma avaliação em 2000, tendo em

vista que este foi o prazo final delineado para sua execução. Além da análise retrospectiva de

vinte anos do Projeto Principal a avaliação incluiu uma análise prospectiva da educação na

Região para os quinze anos seguintes (2000-2015). Na VII PROMEDLAC, em Cochabamba,

quando foram apresentados os resultados do balanço de 20 anos do Projeto Principal de

Educação para América Latina e Caribe. Os ministros de educação da região solicitaram à

UNESCO a elaboração de um novo projeto regional, com mais 15 anos, segundo os marcos da

Declaração de Dakar (1990). Os participantes destacaram que as metas estabelecidas pelo

10

Projeto Principal de erradicar o analfabetismo na América Latina e Caribe e melhorar a

qualidade de ensino, não haviam sido alcançadas, embora a cobertura educacional tenha sido

ampliada. Há o reconhecimento de que o Projeto Principal havia fracassado na execução destas

metas. São lembradas algumas ausências neste projeto, tais como o ensino superior, alvo de

uma tímida referência, a articulação entre educação e trabalho, a questão da educação

ambiental e o esquecimento do papel central dos docentes. Ao mesmo tempo, é assinalado o

papel norteador exercido pelo Projeto para as políticas educativas desenvolvidas no continente.

Durante 20 anos, a cada dois anos, os ministros da região haviam se reunido, avaliando os

rumos tomados e traçando novos planos de ação. Estas discussões, segundo os participantes da

Reunião, alimentaram as políticas e as reformas no continente enfatizando-se o esforço de

integração regional, a busca do desenvolvimento econômico e o respeito à diversidade dos

países latino-americanos. A desarticulação entre as agendas dos organismos internacionais, que

caracteriza a atuação destas no continente, foi também alvo das críticas.

Em 2002 é apresentado pela UNESCO, em Havana, o Projeto Regional de Educação

para a América Latina e Caribe ( PRELAC). Este novo projeto reconhece os avanços do

Projeto Principal de Educação, mas, ao mesmo tempo, assinala os aspectos da situação

educacional ainda críticos no continente: persistência do analfabetismo, altos índices de evasão

e repetência, baixos níveis de escolaridade e de equidade, gestão escolar centralizada,

problemas no financiamento da educação, tendência à privatização em vários países o que

contribui para aumentar a distância entre a educação pública e privada, além da questão dos

docentes o que envolve a adoção de políticas de formação inicial e em serviço, revisão dos

requisitos de admissão, permanência e desenvolvimento na carreira, além de melhorias na

remuneração. A finalidade do PRELAC é “promover mudanças educacionais a partir da

transformação dos paradigmas vigentes para assegurar aprendizagem de qualidade para todos

ao longo da vida, com vistas ao desenvolvimento humano.” (UNESCO, 2002:5). Para tanto,

foram estabelecidos cinco focos estratégicos para ação conjunta dos países da região que

deverão ser concretizados em programas prioritários de âmbito regional e nacional: os

conteúdos e práticas da educação para consciência de si mesmo, do outro e do mundo em que

vive; os professores e o fortalecimento de seu papel nas mudanças para que a educação atenda

às necessidades dos alunos; a cultura das escolas para que se convertam em comunidades de

aprendizagem e de participação; a gestão e a flexibilização dos sistemas educacionais para

oferecer oportunidades de aprendizagem ao longo da vida.

11

Torres (2001) destaca que de ator invisível para muitos que atuam na educação,

sobretudo os docentes, a “cooperação internacional” foi objeto de estudos e pesquisas nos anos

80 e 90 que evidenciaram a imposição de um receituário, o verticalismo das decisões, a

ausência da participação social, o não reconhecimento da diversidade, das necessidades de cada

país, além do crescente endividamento. Os processos centralizados de construção dos

planejamentos, assim como os erros reconhecidos a ‘posteriori’ pelas agências, com custos para

aqueles que tomam empréstimos e pagam as assessorias. No centro deste debate, embora a

crítica se estenda a outras agências, temos em especial o Banco Mundial que avançou nas suas

ações no campo da educação na América Latina obtendo uma liderança indiscutível. O discurso

dos ministros registra a demanda pela liderança nestes processos de definição de políticas

educativas para o continente e o descontentamento dos governos latino-americanos com o

papel de executores de propostas definidas pelos organismos internacionais. Assim. de ator

principal nos anos 80, a UNESCO passa a um papel de coadjuvante nos anos 90 quando

sobressai o poder técnico e financeiro hegemônico do Banco Mundial.

Este rastreamento da atuação da UNESCO no Projeto Principal de Educação, dentro de

seus limites, buscou colocar em evidência dimensões das orientações daquele organismo para

a educação na América Latina e o Caribe no período de 1991-2001. Verifica-se que as análises

críticas mais gerais em relação à atuação e orientações da UNESCO para a educação têm sido

recorrentes, entretanto temas específicos têm sido pouco privilegiados. O questionamento

sobre o conjunto de orientações em relação à formação do professor busca suprir esta lacuna.

As dimensões deste questionamento são apresentadas a seguir.

2. Objetivos e justificativas

São objetivos deste projeto rastrear e analisar as orientações da UNESCO, sobre a

política de formação do professores, no Projeto Principal de Educação para a América Latina e

o Caribe (1981-2001) procurando compreender a política que vem sendo proposta, bem como,

examinar a repercussão dessas orientações nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Formação de Professores para o Ensino Básico. Tais objetivos se orientam para duas

dimensões: o da análise dos conteúdos veiculados nos textos das Conferências realizadas no

12

desenvolvimento do Projeto Principal e na caracterização dos contextos nos quais tais textos

foram produzidos.

No processo de desenvolvimento de debates sobre a educação, coordenado pela

UNESCO foram identificadas duas etapas com características específicas. Tais etapas

correspondem aos primeiros e aos últimos dez anos do Projeto Principal de Educação, ou seja,

às décadas de 80 e 90. Assim entre o início e o fim do Projeto tem-se duas décadas marcadas

por importantes transformações não só no âmbito da educação, mas em todos os âmbitos da

vida política, econômica e cultural. Nesta pesquisa, sem descuidar da contextualização das

referidas décadas busca-se ainda investigar como tais etapas se caracterizam em relação às

orientações propostas pela UNESCO para a formação de professores.

Questões específicas dão origem a objetivos da mesma natureza no desenvolvimento

da investigação proposta. Não se desconhece que a questão de como devem ser formados os

professores é bastante controversa. Se há na literatura certo consenso na crítica aos modelos

formais propostos o mesmo não acontece com relação às propostas que vêm sendo

apresentadas pelas instituições educativas. Em um contexto no qual ganha força a discussão e

as divergências acerca do processo de formação de professores o exame das concepções que

vêm embasando a definição de prioridades para a formação de professores torna-se necessária

para que se possa perceber a natureza da formação docente que vem sendo concebida. A

formação de professores é discutida na literatura segundo orientações diversas destacando-se,

dentre outras, a universitarização/profissionalização do docente; a ênfase na

formação/validação das experiências; a formação continuada; a formação a distância e a

pedagogia das competências.

A literatura sobre a formação de professores apresenta a contribuição de diferentes

autores que têm procurado analisar as condições do trabalho docente identificando como a

profissão docente tem sido afetada por mudanças econômicas, culturais e sociais hoje em curso

(Enguita, 1998, Gil Vila 1998, Nóvoa, 1995 ). Questiona-se como a UNESCO nas suas

orientações vem focalizando a questão das condições de trabalho e a profissionalização do

professor.

Esta investigação buscará identificar que modelos de formação de professores estão

explicitados ou subjacentes nas declarações e documentos das diversas Reuniões que foram

realizadas pela UNESCO para o acompanhamento do Projeto Principal de Educação.

13

A literatura sobre a formação de professores aponta diferentes tendências no que

concerne à formação docente destacando-se, dentre outros autores, Peres Gómes (1998) e

Garcia (1999). Tais tendências necessitam ser compreendidas com a clareza de seus limites e

vistas como aspectos que predominam nos processos de formação. Perez Gomes identifica

quatro perspectivas básicas dominantes no discurso teórico e nas atividades práticas de

formação do professor: a acadêmica, a técnica, a prática e a de reconstrução social. Garcia

aponta como orientações predominantes a acadêmica, a tecnológica, a personalista, a prática e a

social-reconstrucionista. As Conferências sobre o Projeto Principal de Educação revelaram

uma ênfase no processo de formação de professores marcada por quais perspectivas? Como

foram concebidas? Que outras perspectivas podem ser identificadas?

Após a análise textual das Reuniões do Projeto Principal de Educação será feito o

exame das repercussões da política de formação de professores da UNESCO nas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a formação de professores (Parecer CNE/CP 009/2001. Este

documento com base no diagnóstico dos problemas detectados na formação dos professores

apresenta princípios orientadores amplos e diretrizes para uma política de formação

professores, para sua organização no tempo e no espaço e para a estruturação dos cursos. Nesta

investigação se buscará identificar as orientações do Projeto Principal de Educação que estão

repercutidas nos princípios orientadores amplos e diretrizes para a política de formação de

professores.

Camargo (2004) identifica, para fins explicativos e didáticos, dois tipos de visões que

predominam no campo da formação profissional: (1) um processo de desenvolvimento humano

voltado para a atuação sintonizada com a realidade social, em que o profissional está inserido;

(2) uma formação profissional de um ponto de vista instrumental, em que a educação deveria

estar mais sintonizada com a realidade social em que o profissional está inserido. As

orientações da UNESCO sobre a formação do professor revelam uma orientação ou uma

ênfase em relação a uma dessas visões? Que outras visões do processo de formação foram

explicitadas?

Vimos que findo o prazo de execução do Projeto Principal de Educação a UNESCO

foi instada, pelos governos da região, a elaborar uma nova proposta para os países da região

com a duração de quinze anos. Em 2002 foi apresentado pela UNESCO, em Havana, o Projeto

Regional de Educação para a América Latina e Caribe. Também em 2002 foi realizada em

Brasília, no período de 10-12 de julho a Conferência Regional “El desempeno de los Maestros

14

em América Latina y el Caribe: nuevas prioridades”. Tais documentos serão examinados

buscando identificar a continuidade que a UNESCO deu, às orientações políticas para a

formação do professor após a conclusão do Projeto Principal de Educação (1981- 2001).

3. Indicações teórico-metodológicas

O conceito de campo, um dos conceitos centrais na obra de Bourdieu, orienta

esta pesquisa no sentido de que ele é referência para a visão do objeto da investigação. O objeto

não está isolado, mas situado em um espaço de relações de onde retira as suas propriedades

(Bourdieu, 1989). O objeto sofre pressões, influências e o peso do campo no qual está inserido.

Nesta perspectiva não se ignora a relação entre o objeto desta investigação – as orientações da

UNESCO para a política de formação de professores no Projeto Principal de Educação – e a

esfera política mais ampla da educação nas suas relações macro-sociais.

É um pressuposto deste projeto que os organismos internacionais ocupam uma

posição estratégica no campo político, elaborando e influenciando diretrizes que informam a

formulação das políticas de educação nacionais. Neste projeto o foco é colocado na UNESCO,

considerando-se que as recomendações emanadas daquele organismo para os países da

América Latina e o Caribe no Projeto Principal de Educação (1981-2001) criaram marcos para

a formulação de políticas na região. Tal pressuposto conduz à formulação do argumento de que

para compreender as políticas de educação definidas no âmbito desses países torna-se

importante conhecer as orientações desta agência para a educação na América Latina, contexto

maior para o qual as linhas de ação do Projeto são definidas. Entretanto, julga-se que seria um

erro pensar que os discursos técnico-políticos e as macrovisões da UNESCO incidem de

maneira linear e direta na definição de políticas de educação em qualquer país da América

Latina. Tais discursos estarão sempre influenciados pelos problemas locais e pelas forças

sociais comprometidas com a educação.

A proposta deste projeto parte, portanto do entendimento de que as orientações da

UNESCO se constituem em uma das referências na definição das políticas para a formação de

professores. Esta compreensão se apóia na idéia de que o discurso sobre a formação dos

professores sofreu alterações concretas nos últimos anos passando a incorporar o discurso

15

produzido por intelectuais da área educacional em diversos países e as orientações provenientes

dos organismos internacionais sobre a formação de professores, bem como, a participação dos

movimentos sociais e em especial da organização dos professores. No Brasil destacam-se as

contribuições da ANFOPE a qual vem, por meio de uma concepção sócio-histórica, teorizando

e formulando propostas para a formação docente.

A política é concebida por Ozga (2000:20), como um processo que envolve

negociações, contestação e mesmo lutas entre grupos envolvidos diretamente na elaboração

oficial da legislação. Entretanto, neste projeto, a opção é pela concepção de política como

produto, isto é como macro discurso que apresenta diretrizes para a formação do professor.

Ball (1993) sugeriu que a política pode ser contextualizada enquanto texto e enquanto discurso.

Enquanto texto a política é um elemento que pode ser analisado interpretado e

contextualizado e substitui a contradição da crença de que a política funciona numa linha direta

entre a formulação à implementação. Enquanto discurso a política é parte dominante do

sistema de relações sociais, modelando o que pode ser dito ou pensado. Henry2 apud Ozga

(2000) considera tais categorias relacionais e não dicotômicas uma vez que texto e discurso

operam um em relação ao outro.

Esta investigação será concretizada com a realização de uma análise textual como

propõe Ozga (2000). Segundo esta autora a “discussão e a análise de um texto são um método

útil em investigação em política, pois muitos dos textos estão disponíveis ao público e

prontamente acessíveis, possibilitando uma análise da política ao longo do tempo” (p.170).

Textos políticos são vistos como um recurso de análise, em termos das mensagens que

transmitem ou que procuram transmitir. O texto e o discurso são vistos segundo a concepção de

Hiernaux (1997) como receptáculos, como modos de expressão, de manifestação. Neste sentido

textos e discursos são tomados como um ‘material de observação’ cuja análise serve para fazer

emergir e descrever os ‘conteúdos’, os sistemas de sentido, os sistemas de percepção

(Hiernaux, 1997:158).

Os textos apresentados nas Conferências/Reniões realizadas durante o

desenvolvimento do Projeto Principal de Educação são vistos como recursos de análise em

termos das mensagens que transmitem ou que procuram transmitir. Os textos das

Conferência/Reuniões relacionadas a seguir se constituem em fontes de dados para a pesquisa:

- Conferência que aprovou o Projeto Principal de Educação, México, 1981

2 Henry, M. What is policy? A response to Stephen Ball. Discourse, 4(1:102-105,1993.

16

- I Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a

América Latina e o Caribe (I PROMEDLAC), México, 1984.

- II PROMEDLAC, Bogotá, 1987.

-III PROMEDLAC, Guatemala, 1989 e o Seminário Técnico Regional : Organizaciones de

docentes - Participación de los docentes en el mejoramiento de la calidad de la educación en

América Latina y el Caribe, Santiago do Chile 4-6 de septiembre de 1989.

- IV PROMEDLAC (Declaração de Quito), Equador, Quito, 1991.

- V PROMEDLAC, Santiago, Chile, 1993.

- VI PROMEDLAC, Kingston, Jamaica, 1996.

- VII PROMEDLAC, Cochabamba, Bolivia, 2001 - avaliação do Projeto Principal.

- Conferência que propôs o PRELAC – Projeto Regional para a América Latina e Caribe, em

continuação ao Projeto Principal de Educação, Havana, 20002.

- Conferência Regional realizada em Brasília, no período de 10-12 de julho 2002 “El

desempeno de los Maestros em América Latina y el Caribe: nuevas prioridades”.

A perspectiva do estudo é analisar o que os discursos e os textos, que vêm sendo

produzidos pela UNESCO no Projeto Principal de Educação de 1981 a 2001, contêm sobre a

formação de professores.

A noção de discurso tomada como referência na investigação ultrapassa seu aspecto

lingüístico propriamente dito. A análise a ser desenvolvida estará voltada para o conteúdo e o

contexto da linguagem. A noção de discurso aqui tomada como referência tem como foco de

análise o conteúdo e o contexto em que este conteúdo foi produzido (Osga, 2000). A intenção é

operar sobre os documentos, a partir de seu interior, ordenando e identificando enunciados

referentes à formação do professor nas direções apontadas nos objetivos deste projeto. A

perspectiva do estudo é ainda a de identificar e analisar confluências e divergências porventura

existentes nos diferentes textos, bem como continuidades e descontinuidades de modo a

explicitar as orientações sobre a política de formação de professores que os textos veiculam

buscando recusar as explicações unívocas e as interpretações fáceis.

O trabalho inicial de análise implicará na tomada de conhecimento do material dos

Encontros e Congressos, na leitura e releitura do material e no destaque de passagens “a priori”

significativas em relação aos objetivos de conhecimento visados pelo projeto. A investigação

dos textos e documentos constituirá em um vaivém entre a manipulação concreta dos dados e

um distanciamento analítico a fim de construir interpretações e atribuir sentidos ao material

17

pesquisado. Trata-se simultaneamente de estabelecer categorias e de desenvolver uma grelha de

análise. Tal grelha será sempre provisória, pois será suscetível de ser corrigida em função do

material empírico recolhido. Numa primeira fase a grelha de análise será construída em função

dos objetivos da investigação e posteriormente, supõe-se, será enriquecida com outras

categorias provenientes do material analisado.

4. Atividades

1. Levantamento dos dados via internete e em contatos com o escritório da UNESCO

em Brasília sobre as Conferências e Reuniões já listadas e outras fontes.

2. Organização preliminar dos dados levantados

3. Levantamento e exame de bibliografia analítica sobre a atuação da UNESCO em

educação especialmente na América Latina e Caribe.

4. Análise dos dados sobre do contexto de influência com foco na década de 80.

5. Análise de bibliografia sobre o contexto de influência com foco na década de 90.

6. Organização e aplicação de grelha de análise a partir dos objetivos da investigação.

7. Analise preliminar com a utilização do instrumento.

8. Aperfeiçoamento da grelha de análise ajustando e redefinindo categorias.

9. Continuação da análise com a utilização do instrumento reformulado.

10. Exame da repercussão das orientações da UNESCO para a formação de professores nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica.

11. Comparação das análises realizadas.

12. Interpretação do material analisado e realização de uma primeira síntese teórica.

13. Discussão da síntese teórica preliminar com o grupo de pesquisa.

14. Revisão das análises realizadas.

15. Análise final integrada dos documentos

16. Elaboração do relatório final

5. CRONOGRAMA

18

MêsAtividades1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

0102030405060708

09101112131415161718192021222324252627282930313233343536

19

6. Condições para o desenvolvimento da pesquisa

O Programa de Pós-graduação da UERJ apresenta as condições institucionais para a

realização da pesquisa.Os indicadores apontados a seguir permitem avaliar a viabilidade de

realização do estudo:

- O grupo envolvido com a pesquisa conta no momento com a participação de três

doutorando e três mestrandos;

- O grupo será ampliado com a participação de dois bolsistas de iniciação científica e

um aluno de graduação;

- O Programa de Pós-graduação possui a Linha de Pesquisa Conhecimento e Cultura

Escolar que inclui o estudo das questões relativas à formação de professores;

- Nesta Linha de pesquisa o projeto proposto se insere no Grupo de Pesquisa

(GRPesq) denominado Currículo: sujeitos conhecimento, cultura .

- Este GRPesq contou nos dois últimos anos com auxílio financeiro do CNPq e da

FAPERJ suficiente para criar um ambiente de pesquisa equipado com computadores,

multimídia e contando com uma pequena biblioteca.

Bibliografia

ARAUJO, Flavia M. de Barros. Políticas públicas para a formação do professor: os novos

marcos legais. Trabalho de qualificação ao doutorado do Programa de Pós-graduação em

Educação da Faculdade de Educação da UERJ, setembro, 2004.

BALL, S. Education reform: a critical and post-structural approach. London: Routledge, 1994.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Portugal, Lisboa: DIFEL, 1989.

CAMARGO, Arlete Maria M. de. As políticas curriculares e a formação de professores para

as séries iniciais da escolarização do Estado do Pará. Tese de Doutorado em Educação.

Faculdade de Educação da UFMG, Belo Horizonte, 2004.

CASASSUS, Juan. . A reforma educacional na América Latina no contexto de globalização.

Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.114, nov. 2001.

20

CATANI, Afranio Mendes, OLIVEIRA, João Ferreira de, DOURADO, Luiz Fernandes.

Política Educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular dos cursos de

graduação. Educação & Sociedade. Campinas: Cedes, 2000, no 75, p.15-32.

CARNOY, Martin, CASTRO, Cláudio Moura. Qué rumbo debe tomar el mejoramiento de la

educación en América Latina? Seminário sobre a reforma educativa. Banco Interamericano de

Desenvolvimento. 1987. Documento eletrônico disponível em :

www.iadb.org/sds/publication/publication_1215_s.htm. acessado em 07/07/04.

CEPAL. Transformación productiva con equidad. Santiago do Chile, CEPAL,1990.

CEPAL-UNESCO. Educación y conocimiento: Eje de la transformación productiva con

equidad. Santiago de Chile, CEPAL / UNESCO, 1992.

CORRAGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou

problema de concepção?. In: TOMMASI, Livia de , WARDE, Miriam Jorge e HADDAD,

Sérgio (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2000.

DIAZ barriga, Angel e Espinosa, Catalina Inclán. El docente en las reformas educativas: sujeto

o ejecutor de proyetos ajenos. Revista Iberoamericana de Educación. Organizacion de Estados

Iberoamericanos, n.25, jan.-abr, 2001.

DICKER, Gabriela. A formação e a prática do professorado: passado, presente e futuro da

mudança. In: SILVA, Luiz Heron da et al (org.). Identidade social e construção do

conhecimento. Porto Alegre: Ed. Secretaria de Educação de Porto Alegre, 1997, p.207-240.

ENGUITA, M. Mudanças sociais e função docente. In VEIGA, Ilma Passos A. (org.)

Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus, 1998.

FREITAS, Helena Costa Lopes de. A reforma do ensino superior no campo da formação dos

profissionais da educação básica: as políticas educacionais e o movimento dos educadores.

Educação & Sociedade. Campinas: Cedes, no. 68, p. 17-44, 1999.

as séries iniciais da escolarização do Estado do Pará. Tese de Doutorado em Educação.

Faculdade de Educação da UFMG, Belo Horizonte, 2004.

GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores para uma mudança educativa. Portugal,

Porto: Porto Editora, 1999.

GIL VILLA, Fernando. O professor em face das mudanças sociais e culturais. In VEIGA, Ilma

Passos A. (org.) Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus, 1998.

21

HIERNAUX, Jean-Pierre. Análise estrutural de conteúdos e modelos culturais: aplicação a

materiais volumosos. In ALBARELLO, Luc et al. Práticas e Métodos de Investigação em

Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997.

IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1971.

MAUÉS, Olgaíses Cabral. Reformas internacionais da educação e formação de professores.

Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, São Paulo, no.118, mar.2003.

NÓVOA, Antonio.(Coord.) Profissão professor. Portugal, Porto: Porto Editora, 1995.

OZGA, Jenny. Investigação sobre políticas educacionais. Terreno de contestação. Portugal,

Porto: Porto Editora,2000.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. O Banco Mundial e as políticas de formação docente. X Endipe

– Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Rio de Janeiro, CD Rom, 2000.

PEREZ GÓMES, A.I. A função e formação do/a professor/a no ensino para a compreensão:

diferentes perspectivas. In SACRISTÁN, J. G. e PÉREZ GÓMES, A.I. Compreender e

transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

POPKEWITZ, Thomas S. Política, conocimiento y poder: algunas cuestiones para el estudio de

las reformas educativas. Revista de Educación, núm. 305, 1994. Documento eletrônico

disponível em www.reduc.cl/raes.nsf. acesso em 05/12/02 .

___________ Reforma educacional: uma política sociológica - poder e conhecimento em

educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

RATINOFF, Luis. Las retóricas educativas en América Latina: la experiência de este siglo. .

Boletín Provecto Principal de Educación, no 35, 1948, p.22-38.

SILVA, Tomaz Tadeu. A nova direita e as transformações na pedagogia da política e na

política da pedagogia. In: SILVA, Tomaz Tadeu da e GENTILI, Pablo A.. Neoliberalismo,

qualidade total e educação. Petrópolis: Vozes, 1999.

TEDESCO, Juan Carlos. Neuvas estratégias de cambio educativo em América Latina y el

Caribe. Boletín Provecto Principal de Educación, no 28, 1992, p.7-24.

TORRES, Rosa Maria. Formación docente: clave de la reforma educativa.

UNESCO/OREALC. Nuevas formas de aprender, Santiago, 1996.

___________. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. .

In: TOMMASI, Livia de , WARDE, Miriam Jorge e HADDAD, Sérgio (orgs.). O Banco

Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2000.

22

___________. México, Jomtien, Miami – Dos décadas y três proyetos para la educación em

América Latina. Buenos Aires; Instituto Fronesis, enero, 2001.

UNESCO. La UNESCO y el desarrollo educativo en América Latina y el Caribe. Boletín

Proyeto Principal de Educación, no 45, 1998. p.5-18.

UNESCO. Declaración de Quito.Boletín Proyecto Principal de Educación, n.24, 1991, p.44-49.

UNESCO. Declaración de Cochabamba. Bolivia, 2001. Doc. eletrônico disponível em:

www.unesco.org.br/declaracao_de_cochabamba-revisada.doc. Acesso em 13/06/2004.

UNESCO. Declaración de Santiago. Boletín Proyecto Principal de Educación, no 31, 1991,

p.41-42.

UNESCO. Comentarios sobre la Reunión de Promedlac VII. Cochabamba, 2001. Doc.

eletrônico disponible em: www.fronesis.org/otros/cochabamba.htm, Acesso em 13 jun.2004.

UNESCO. Declaración de Havana. 2002. doc. eletrônico, disponível em: www.unesco.cl.

UNESCO. Declaración de Mexico. 1979. doc. eletrônico, disponível em: www.unesco.cl.

23