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7/26/2019 Questões Teórico-metodológicas Da História http://slidepdf.com/reader/full/questoes-teorico-metodologicas-da-historia 1/6  Anais do IV Seminário Nacional QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA HISTÓRIA NARRATIVA E HISTÓRIA  Edgar Salvadori de Decca Têm sido freqüentes, hoje em dia, os debates sobre a questão da narrativa e da história. Apesar de encontrarmos inúmeros artigos em revistas especialiadas abordando este tema tão atual, sentimos que e!iste uma indefini"ão muito grande no enunciado destes conceitos. #a maioria das vees os autores não e!plicitam de forma clara o que e como estão sendo tratados e definidos tais conceitos. $iante de tal situa"ão poder%amos tentar enfrentar tais problemas para nos localiarmos melhor e mais confortavelmente nesses debates. &ma primeira providência seria buscar o au!%lio da teoria liter'ria onde o problema da narrativa tem sido objeto de refle!ão, j' fa muito tempo. (oder%amos dier que, desde a Antigüidade, a narrativa se define como um modo comunicacional diferente da l%rica e do drama. Assim, seria poss%vel afirmar que, a narrativa, como modo funcional e comunicativo, pode ser encontrada como narrativa de imprensa, de of%cios e relatórios, de historiografia e porque não, anedótica, sem contar com a narrativa cinematogr'fica, das revistas em quadrinhos e enfim, a própria narrativa liter'ria. #esta defini"ão ainda provisória  podemos entender a proposta teórica de )a*den +hite para o estudo da historiografia e das teorias da história do sculo -. /ua proposta situar a história no modo narrativo e estudar os seus efeitos funcionais e comunicacionais no plano das manifesta"0es culturais. 1ontudo, este autor muito esperto e esconde com muita habilidade quest0es importantes. (or e!emplo, em sua obra Meta-história 1  ele propositadamente fa coincidir os dois termos2 história e narrativa. 3sto , procura nos convencer que a história uma narrativa ou se quisermos, o que e!iste apenas narrativa historiogr'fica, nada mais nada menos. Tal  proposta nos incomoda profundamente, pois o autor não afirma que o real não e!iste, enquanto objeto e!terior visado pela narrativa da história. 4le apenas nos di que, a narrativa histórica uma dentre tantas outras narrativas que procuram entender e interpretar o real, ou se quisermos, prefigur'5lo. A partir desta afirma"ão, não fica dif%cil para o autor estudar a historiografia e a teoria da história em termos formais, reduindo todos os te!tos 6s suas dimens0es modais. A narrativa historiogr'fica torna5se, portanto, num modo funcional de comunica"ão e de pre5figura"ão daquilo que est' acontecendo ou aconteceu. 7s modos assumidos pela narrativa historiogr'fica seriam, segundo +hite, quatro2 met'fora, sindoque, meton%mia e ironia. #estes modos, segundo ). +hite, estaria contida toda a historiografia do sculo -, sendo ela mesma a e!pressão do que podemos chamar de consciência histórica. Assim, analisando os modos de e!pressão da narrativa historiogr'fica,  poder%amos alcan"ar as diferentes maneiras de manifesta"ão da consciência histórica. Alm disso, como a narrativa historiogr'fica se constrói a partir de diferentes enredos, instituindo um referencial de temporalidade, ela pode se manifestar como história romanesca, c8mica, tr'gica ou sat%rica. 4sta arquitetura muito intrigante e polêmica dei!a alguns pontos em suspensão. #ão discordamos da proposi"ão de ). +hite de que a história uma narrativa que pretende pre5 1 +hite, )a*den 5 Meta-História, 4dusp, -9 -

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 Anais do IV Seminário Nacional

QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA HISTÓRIA

NARRATIVA E HISTÓRIA

 Edgar Salvadori de Decca

Têm sido freqüentes, hoje em dia, os debates sobre a questão da narrativa e dahistória. Apesar de encontrarmos inúmeros artigos em revistas especialiadas abordandoeste tema tão atual, sentimos que e!iste uma indefini"ão muito grande no enunciado destesconceitos. #a maioria das vees os autores não e!plicitam de forma clara o que e comoestão sendo tratados e definidos tais conceitos. $iante de tal situa"ão poder%amos tentar enfrentar tais problemas para nos localiarmos melhor e mais confortavelmente nessesdebates.

&ma primeira providência seria buscar o au!%lio da teoria liter'ria onde o problemada narrativa tem sido objeto de refle!ão, j' fa muito tempo. (oder%amos dier que, desde aAntigüidade, a narrativa se define como um modo comunicacional diferente da l%rica e do

drama. Assim, seria poss%vel afirmar que, a narrativa, como modo funcional ecomunicativo, pode ser encontrada como narrativa de imprensa, de of%cios e relatórios, dehistoriografia e porque não, anedótica, sem contar com a narrativa cinematogr'fica, dasrevistas em quadrinhos e enfim, a própria narrativa liter'ria. #esta defini"ão ainda provisória podemos entender a proposta teórica de )a*den +hite para o estudo da historiografia edas teorias da história do sculo -. /ua proposta situar a história no modo narrativo eestudar os seus efeitos funcionais e comunicacionais no plano das manifesta"0es culturais.1ontudo, este autor muito esperto e esconde com muita habilidade quest0es importantes.(or e!emplo, em sua obra Meta-história1  ele propositadamente fa coincidir os doistermos2 história e narrativa. 3sto , procura nos convencer que a história uma narrativa ouse quisermos, o que e!iste apenas narrativa historiogr'fica, nada mais nada menos. Tal

 proposta nos incomoda profundamente, pois o autor não afirma que o real não e!iste,enquanto objeto e!terior visado pela narrativa da história. 4le apenas nos di que, anarrativa histórica uma dentre tantas outras narrativas que procuram entender e interpretar oreal, ou se quisermos, prefigur'5lo. A partir desta afirma"ão, não fica dif%cil para o autor estudar a historiografia e a teoria da história em termos formais, reduindo todos os te!tos6s suas dimens0es modais. A narrativa historiogr'fica torna5se, portanto, num modofuncional de comunica"ão e de pre5figura"ão daquilo que est' acontecendo ou aconteceu.

7s modos assumidos pela narrativa historiogr'fica seriam, segundo +hite, quatro2met'fora, sindoque, meton%mia e ironia. #estes modos, segundo ). +hite, estaria contidatoda a historiografia do sculo -, sendo ela mesma a e!pressão do que podemos chamar deconsciência histórica. Assim, analisando os modos de e!pressão da narrativa historiogr'fica,

 poder%amos alcan"ar as diferentes maneiras de manifesta"ão da consciência histórica. Almdisso, como a narrativa historiogr'fica se constrói a partir de diferentes enredos,instituindo um referencial de temporalidade, ela pode se manifestar como históriaromanesca, c8mica, tr'gica ou sat%rica.

4sta arquitetura muito intrigante e polêmica dei!a alguns pontos em suspensão. #ãodiscordamos da proposi"ão de ). +hite de que a história uma narrativa que pretende pre5

1 +hite, )a*den 5 Meta-História, 4dusp, -9

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figurar aquilo que aconteceu, tomando como referência o campo das a"0es humanas. 7 quenos incomoda a maneira como ele funde a história e a fic"ão liter'ria num mesmouniverso de comunica"ão e de funcionamento lingü%stico. Ambas pertencem ao campo dasnarrativas que se constróem tomando como referência as a"0es humanas, mas e!istem

diferen"as nos seus modos de enuncia"ão. 4stas diferen"as, no meu modo de entender, nãocriam uma hierarquia de percep"ão e de pre5figura"ão das a"0es humanas, nem garantemmaior ou menor consciência na apreensão deste universo instituinte do social. A narrativahistórica e a narrativa ficcional apenas se colocam em campos diferentes na maneira delas sereferirem ao real. 1onsidero muito prudente a coloca"ão de (aul :icoeur de que " a

história e a ficção referem-se ambas à ação humana, embora o façam na base de duas

 pretensões referenciais diferentes Só a história pode articular a pretensão referencial de acordo com as regras de evid!ncia comum a todo o corpo das ci!ncias;9, ao passo que,;as narrativas de ficção podem cultivar uma pretensão referencial de outro tipo, de

acordo com a refer!ncia desdobrada do discurso potico Esta pretensão referencial não

 senão a pretensão de redescrever a realidade segundo as estruturas simbólicas da ficção;<.

4sta cuidadosa observa"ão de :icoeur muito importante, pois, apesar de assumirmos, junto com (aul =e*ne, que a história não uma ciência, tal como a f%sica, ela se estrutura,ao fim e ao cabo, no campo epistemológico das ciências, por ser um conhecimento baseadonas evidências emp%ricas e portanto sujeito ao critrio da prova, no caso, documental. Algunsautores bastante conceituados como #orbert 4lias, por e!emplo, afirma categoricamente, quea única coisa digna de verdade no trabalho histórico são os documentos. Tal afirmativa vindade um sociólogo d' bem a medida de como as ciências humanas em geral avaliam a possibilidade de uma ci!ncia do passado, como se pretende a história.> 

 #esse sentido, a narrativa historiogr'fica não pode ser analisada, única ee!clusivamente, em seus aspectos formais. 7 que podemos dier a respeito da história,como bem alertou ?evi5/trauss, que ela trabalha quase sempre no campo da significa"ão

dos eventos humanos, dei!ando de lado as suas dimens0es significantes. /egundo ?ev*5/trauss, a história seria uma narrativa de eventos de um outro tomando como referência ocampo de significados de nossa cultura. 3sto não quer dier apenas que a história julga por critrios etnocêntricos culturas que coe!istem, mas tambm o modo como o presente d'significa"ão ao passado.@ 7 discurso da história se constroe por fora da e!periência do vividoe por isso mesmo, ela tem dificuldades de trabalhar no campo dos significantes, estelugar problem'tico, quando pretendemos tratar das percep"0es produidas pelos sujeitosque desencadeiam os eventos humanos. 7 maior problema para a história o de que o seuobjeto de investiga"ão, isto , as a"0es humanas ressignificam as e!periências vividas, e, aomesmo tempo, imprimem determinados significados aos eventos, que nem sempre sãoapreendidos pelos quadros referênciais de nossa cultura. A história tem uma concep"ão

cumulativa do tempo, por isso o presente tem melhor condi"ão de entender o passado, do queeste mesmo passado teve condi"0es de entender a si mesmo. A história, portanto, trabalha nocampo dos sentidos e das significa"0es e por isso mesmo, e!istem filosofias da históriacapaes de avaliar as diferentes tendências e significados dos eventos humanos. (or fim, a

2 :icoeur, (aul 5 Te!" e Narrati#a, =ol -,(apirus 4ditora, ->3 :icoeur, (aul 5 op. cit.

4 4lias, #orbert 5 La s"$ie%a% $"rtesa&a, ondo de 1ultura 4conomico, -B

5 ?ev*5/trauss 5 Ra'a e História, 4d. (resen"a, ?isbooa, -@9

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história se d' conta, atualmente, das dimens0es de significa"ão de outros discursos, onde seelabora, inclusive, a fic"ão liter'ria como estrutura simbólica, isto , como uma outranarrativa que, seguindo outras estratgias, organia a partir de um outro referencial, osmesmos eventos humanos, sem precisar se valer da prova emp%rica ou da evidência,

 prerrogativas indispens'veis de uma narrativa que se pretende cient%fica, como o caso dahistória.

/em dúvida, ). +hite nos incomoda enquanto cr%tico liter'rio se arvorando queconhecedor da historiografia , pois ao invs de analiar a historiografia do sculo - a partir de seus significados, ele a toma em dos elementos figuracionais das narrativa liter'ria,desmontando as narrativas segundo os seus modos de e!pressão em linguagem verbal.&ma an'lise historiogr'fica levada 6 cabo a partir dos modos de narrar de uma determinadacultura letrada, seduida pela verdade que se poderia e!trair dos livros. A historiografia, comonão traduir este termo por narrativas históricas, que se constitui no interior de uma culturaletrada elaborada por cima das tradi"0es das culturas orais, utiliar' modos determinadosde e!pressão, que, segundo +hite, produir' a credibilidade e a dimensão de veracidade

destes discursos. (ortanto, não est' no significado das histórias narradas a credibilidade dahistoriografia, mas sim nas formas narrativas por ela mobiliadas para construir suaestrutura de enredo. 3nteressa a este autor, o modo como a história narrada, seus modos deelabora"ão dos enredos e de que maneira estes enredos constroem significados. /em dúvida,uma proposta bastante inovadora e instigante, mas por isso mesmo sujeita a interpela"0es ecr%ticas.

A partir destas considera"0es podemos agora definir melhor as rela"0es entre anarrativa e a história. /egundo Todorov, em seu artigo  #es catgories du rcit literaire,devemos distinguir a história do discurso, pois a história, isto , os acontecimentos, as personagens, corresponde 6 realidade que deve ser pr5figurada no te!to narrativo, ao passoque o discurso seria o modo que um narrador utiliaria para tornar compreens%vel para osleitores uma determinada realidade. (ortanto, a história seria o campo factual ou o lugar deeventos reais que produem o significado ou, se quisermos, o conteúdo narrativo e anarrativa seria o modo de e!pressão utiliado pelo narrador. #esse sentido, devemosestar precavidos para distinguir o plano dos conteúdos, a história, do plano da e!pressão, anarrativa. A história seria, portanto, o plano onde transcorrem as a"0es, as inúmerasrela"0es que envolvem os personagens, a conte!tualia"ão dos eventos, enquanto anarrativa seria o plano da e!pressão. #esse sentido, a narrativa poderia ser produida por imagens, como a narrativa cinematogr'fica, por linguagem verbal, como a narrativa jornal%stica, teatral ou historiogr'fica, e assim por diante. #esse sentido, podemos admitir que e!iste um terreno de significa"ão aut8nomo, o campo da história, independente dosmodos de e!pressão que são utiliados para transmit%5los. 4videntemente, devemos ser 

cuidadosos com estas afirma"0es, pois se e!iste o fen8meno da transcodifica"ão no planoda história, quer dier, ela pode ser narrada por meios de e!pressão diferentes, nãodevemos desprear tambm o fato de que a forma de e!pressão mantm estreita solidariedadecom a forma de conteúdo, pois não ser' a mesma coisa a narrativa histórica por linguagem verbal, e essa mesma história ser narrada cinematograficamente.

A partir destas precau"0es não h' nenhuma dificuldade em aceitar que a história uma narrativa de eventos reais, diferente da narrativa ficcional que não dei!a de ser 

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tambm uma narrativa de eventos humanos. A diferen"a est' no fato de que, a narrativahistoriogr'fica moderna sustenta5se a partir de elementos pr5te!tuais, emp%ricos, que são osdocumentos, submetendo5se, assim, aos critrios da prova, uma e!igência própria do campodas ciências. 3sto deve ser muito bem entendido, porque nem sempre a narrativa histórica

obedeceu tais princ%pios. (rovavelmente, foi com os historiadores5filósofos do 3luminismoque tal e!igência passou a e!istir, pois eles pretenderam, pela primeira ve, elevar a história6 categoria de uma ciência, tão racional quanto a f%sica, com a diferen"a de que a primeira procuraria interpretar eventos humanos, ao passo que a f%sica procuraria interpretar oseventos da naturea. #esse sentido, o critrio da prova documental passou a ter um peso cada ve mais significativo na narrativa historiogr'fica e ele ainda hoje se mantmcomo elemento fundamental da credibilidade da história no campo do conhecimento. #essesentido, não seria apenas na forma de estrutura"ão do enredo na narrativa histórica, queestaria sendo elaborado um campo de significa"0es e de verdade. A constru"ão da verdadehistórica se processa desde a defini"ão dos elementos pr5te!tuais, isto , as sriesdocumentais, pela estrutura"ão do enredo e tambm na e!plicita"ão ou não dos elementos

interpretantes do te!to narrativo. As notas de rodap de cita"0es bibliogr'ficas, ondedetectamos a forma"ão dos conceitos a partir dos quais uma teoria e uma metodologia dahistória se configuram no interior de uma narrativa, são e!emplos de elementosinterpretantes, que nem sempre estão presentes no te!to narrativo. 4sses interpretantes muitasvees se elaboram nas bordas da narrativa historiogr'fica, nas notas de rodap, mas sãoindispens'veis para a produ"ão da verdade histórica. /em dúvida, ao trabalharmos comos significantes, vamos nos dando contra da estrutura narrativa do te!to histórico desde ascita"0es documentais, sempre entre aspas, 6s notas de rodap que funcionam comointerpretantes da narrativa histórica e tambm como sinal de uma interte!tualidade nointerior da narrativa, que 6s vees o autor quer dei!ar e!plicitada. 1omo bem assinalouC3chel oucault, ;as fronteiras de um livro nunca são bem definidas2 por tr's do t%tulo, das primeiras linhas e do último ponto final, por tr's de sua configura"ão interna e de sua formaaut8noma, ele fica preso num sistema de referências a outros livros, outros te!tos, outrasfrases2 um nó dentro de uma rede.;

$e fato, devemos levar em considera"ão a questão da narrativa, mas nãodevemos reduir a história a esta única dimensão, posto que sua cr%tica seria e!clusivamente pautada por critrios e conceitos da teoria liter'ria. #uma ocasião, (eter Da* discutindo aquestão da narrativa e dos estilos em história, lembrou muito bem que ;os ob$etos da pes%uisa

do historiador são e&atamente isso, ob$etos, e estão l' fora, num passado real e (nico )

controvrsia histórica não compromete, de maneira alguma, a integridade ontológicadesses ob$etos *o passado a 'rvore na mata só caiu de uma determinada maneira, não

importa o grau de fragmentação ou de contradição dos relatos sobre a %ueda, não

importa se em seu futuro não h' historiadores, se h' um (nico historiador ou diversoshistoriadores, %ue discordem entre si, para registrar e debater essa %ueda;E. #ão dei!a deser uma visão bastante materialista, esta esbo"ada por (eter Da*, mas nisto ele não est'soinho, se lembrarmos das distin"0es que o linguista Todorov fa entre narrativa e história.

7 ponto polêmico nos parece ser aquele levantado por ). +hite. 4le não nega ae!istência do passado, o que ele afirma que este passado só pode ser conhecido por meio de

6 Da*, (eter 55 O Esti(" &a história, 1ia das ?etras, -B

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relatos te!tualiados e interpretados. 4 mais, o que torna esse passado verdadeiro e real paranós, o que ;usa a m'scara do sentido, a naturea completa e plena que sóconseguimos imaginar, jamais vivenciar.; 4nfim, porque ele passado narrado, que oaceitamos como verdadeiro. 4m outras palavras, para +hite, a credibilidade da história est'

em sua forma de e!pressão, sua narratividade, forma comunicacional que se tornou predominante no sculo -, da qual a história ainda est' inevitavelmente presa. 4nfim, ahistória seria prisioneira de uma cultura do sculo - que instituiu a credibilidade de umentendimento do passado, a partir de narrativas te!tualiadas e interpretadas. (ara este autor acr%tica historiografica só poss%vel quando consideramos essencial as formas e!pressivas deelabora"ão de enredos narrativos. /em levarmos em considera"ão esta condi"ão da história,como forma de atividade intelectual, fundada na narrativa, nada mais pertinente, pois ahistória produto de uma linguagem verbal, não est' constitu%da por códigos aceites por todos,como o caso da matem'tica e da f%sica, ela pertence ao campo da narrativa e somentedentro dela a história adquire valor de verdade. (artindo desta premissa, o valor do trabalhohistoriogr'fico estaria na sua capacidade de mobilia"ão dos elementos modais da linguagem

e por esta raão, alguns livros de história criam mais efeitos de verdade do que outros. 7que torna polêmico o trabalho de ). +hite o fato dele e!igir da cr%tica historiogr'fica uma postura mais consistente para a an'lise dos aspectos narrativos da história, questão, at bem pouco tempo, completamente negligenciada pelos historiadores. (artindo desse pressuposto, a historiografia pode alcan"ar, enfim, os seus idias, descobrindo que ahistória ; ao mesmo tempo potica, cient%fica e filosófica em suas preocupa"0es 5 comofoi durante a idade de ouro da história no sculo -.;

(oder%amos aproveitar estas coloca"0es de +hite para revaloriar o trabalhohistoriogr'fico. Afinal de contas, ele apenas est' nos diendo que a cientificidade e a posturafilosófica da história se fundam em bases narrativ%sticas, poticas, portanto, profundamenteligadas 6s formas comunicacionais e aos meios de e!pressão utiliados para descrever os

eventos humanos. A f%sica, com certa dose de desconfian"a, talve não precise mais dessesmeios de linguagem verbal para comunicar os seus conhecimentos sobre os eventos danaturea. 1ontudo, esta não a posi"ão da história, ela transmite o seu conhecimento doseventos humanos sobre base narrativ%stica e não podemos desprear os efeitos comunicativosdos significantes que comp0em o te!to historiogr'fico. 7s que rejeitam tal posicionamento,colocam5se na posi"ão de assumir no plano da cr%tica historiogr'fica o problema doconteúdo e do significado dos te!tos historiogr'ficos. 3sto, evidentemente, não deve ser dei!ado de lado, pois muita controvrsia e!iste e continuar' e!istindo no campo dasinterpreta"0es dos eventos do passado. A interpreta"ão das fontes, as teorias emetodologias assumidas pelo historiador para a compreensão do passado, são econtinuarão sendo, momentos fundamentais do trabalho historiogr'fico. 7 que não

 podemos negligenciar, como refor"a ). +hite, são os elementos e!pressivos das narrativashistóricas, a forma como os seus elementos significantes produem efeitos de verdade.Afinal de contas, os documentos, como alguns j' disseram, não falam por si, oshistoriadores obrigam que eles falem, inclusive, a respeito de seus próprios silêncios. 4 pararealiar tal empreendimento, utiliamo5nos de teorias e de procedimentosmetodológicos que são, por sua ve, lugares de linguagem, modos de narratividade. Asteorias da história estão carregadas de elementos modais de linguagem, como a met'fora, asindoque, a meton%mia, entre outras. 1omo negar que os os conceitos de superestrutura, de

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refle!o são metafóricos no interior da teoria mar!ista. 7 autor se utiliae!austivamente destas met'foras quando precisa desmontar as armadilhas do discursoideológico. #este caso, ele estaria utiliando modos de e!pressão da linguagem verbalcapaes de criar efeitos de interpreta"ão do real e efeitos de verdade. #ão devemos

desprear os significantes na nossa atividade intelectual e em nosso esfor"o deconhecimento do real. Afinal, devemos considerar tambm que, a apreensão do real, aoinvs de ser poss%vel apenas por rigor matem'tico, pode ser realiada por efeito potico,como bem demonstra, at hoje, a literatura, a poesia, e por que não, a história. 3sto nãocomprometeria as bases cient%ficas da história, ali's poderia at renovar os ares de uma'rida ciência que prevaleceu e fincou ra%es, principalmente, com o formalismo teórico deAlthusser.

4sta formalia"ão do conhecimento histórico recebeu uma cr%tica violenta de umnot'vel historiador inglês, 4. (. Thompson, um radical e polemista, muito chegado aosefeitos retóricos da argumenta"ão. 4 não pensem que ele perdeu o seu tempo de bom polemista com advers'rios insignificantes. Fulgou importante desmontar o edif%cio

formalista de Althusser na an'lise da história, como tambm julgou decisivo abrir  polêmica com :onald :eagan, a respeito do desarmamento nuclear. Thompson, estemar!ista peculiar, que segundo o 1itations inde!, o historiador mais citado do sculo 9B eest' entre os 9@B autores mais citados de todos os tempos, nunca dei!ou de lado oselementos e!pressivos da narrativa histórica, estava convencido dos efeitos de verdadesobre os eventos humanos mobiliados pelo uso inteligente da linguagem. /abia muito bemque a linguagem instituinte e que, portanto, a narrativa histórica não deveria desprear esta sua dimensão construtiva. A história, para este historiador, herdeira da narratividade,que em sua forma te!tual e letrada fe submergir a literalidade e a narratividade dastradi"0es orais, que segundo o poeta alemão )ans C. 4nsenberg, fa da história uma fic"ãocoletiva, que se espraia nos universos insond'veis e infind'veis da memória dos grupos

sociais. As vees temos a impressão de que a história procura se comunicar, neste seu retorno 6narrativa, com este seu elo perdido, que a tradi"ão dos relatos orais que tiveram e ainda temgrande significado para a manuten"ão das memórias coletivas. #arrar uma maneira quenossa culturas encontrou de lidar com o tempo e o anunciado retorno da narrativa, talve sejaum sinal de uma reorienta"ão das rela"0es entre passado, presente e futuro.

7 retorno da narrativa acreditamos ser tambm uma postura pol%tica na procura dosdireitos de cidadania, fundados na preserva"ão e manuten"ão das identidades dos grupossociais. G o retorno da memória e de sua capacidade de reatualia"ão do passado, como quereinvindicando o direito ao passado para uma sociedade que vive cada ve mais em fun"ão do presente. 4sta discussão deve ultrapassar os horiontes de uma cr%tica formalista.:econhecer o car'ter narrativo da história, alm de nos colocar problemas na ordem dos

critrios e dos fundamentos da verdade em história, deve5nos alertar tambm para osconflitos emergentes no que se refere 6s quest0es relativas 6 apropria"ão do passado, pois atmuito recentemente, tal direito estava reservado apenas aos discursos oficiais e por quenão dier, 6 autoridade da ciência histórica.

E