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Quilombo de Cinzentos: Um Grito de Resistência ! ! ! Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9 • nº 2042 Abril/2015 Planalto Escondido entre as belas montanhas semiáridas do município de Planato-BA, está o Quilombo de Cinzentos, fazendo ecoar seu grito de resistência, através de suas tradições e costumes, ainda muito presentes na história do seu povo. Foi reconhecido como Quilombo pela Fundação Palmares em 09 de Junho 2011, e atualmente é formado por uma média de 30 famílias que, mesmo antes do reconhecimento oficial, se destaca pela sua história de 200 anos de fundação e caminhada frente aos desafios dos tempos passado e presente. Um importante momento celebrado pelo povo de Cinzentos é o 20 de Novembro: o dia da Consciência Negra. Nesse dia todas as comunidades vizinhas, inclusive comunidades quilombolas da região de Planalto e de outros municípios próximos, se deslocam em caravanas e romarias em direção ao Quilombo de Cinzentos, juntamente com entidades da sociedade civil organizada e universidade, que de alguma forma desenvolve um trabalho com este povo, todos/as juntam-se a esse Quilombo de Cinzentos para celebrar/comemorar a data. As mulheres se vestem a caráter, cabelos trançados, turbantes e roupas que remetem às cores do 'Povo de Zumbi'. Exposição fotográfica e histórias escritas expostas na Igreja local, e a presença de juventude com rodas de capoeira e cantigas/cirandas que relembram e traduzem o significado do dia 20. O cume desse dia é a celebração da Missa Crioula, celebrada com os elementos e canções do povo negro. Ambiente preparado, onde todos e todas são chamados/as a cantar as alegrias e tristezas, memórias dos/as negros e negras tombados/as pelo orgulho dos brancos, e negros lembrados por resistir ao chicote do preconceito. “Temos alma, temos orgulho, temos uma história... Antigamente celebrávamos nossas festas com nossa comida no chão, hoje conquistamos nosso lugar na mesa!” , exclama orgulhosamente dona Delcí. E assim, os atabaques dos/as negros/as do ‘Povo de Cinzento’ ressoam seu som, e se unem de forma mística aos tambores do povo de Zumbi, amparados pelo divina proteção da Negra Mariama, convidando a todos/as a celebrarem a história de sua gente no altar da liberdade e da memória, embalados pelo axé do cântico da liberdade. Missa Crioula: momento do ofertório Festejos do 20 novembro: exposição na Igreja local

QUILOMBO DE CINZENTOS: UM GRITO DE RESISTÊNCIA!

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Escondido entre as belas montanhas semiáridas do município de Planato-BA, está o Quilombo de Cinzentos, fazendo ecoar seu grito de resistência, através de suas tradições e costumes, ainda muito presentes na história do seu povo. Atualmente é formado por uma média de 30 famílias que, mesmo antes do reconhecimento oficial, se destaca pela sua história de 200 anos de fundação e caminhada frente aos desafios dos tempos passado e presente.

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Page 1: QUILOMBO DE CINZENTOS: UM GRITO DE RESISTÊNCIA!

Quilombo de Cinzentos:

Um Grito de Resistência ! ! !

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • nº 2042

Abril/2015

Planalto

Escondido entre as belas montanhas semiáridas do município de Planato-BA, está o Quilombo de Cinzentos, fazendo ecoar seu grito de resistência, através de suas tradições e costumes, ainda muito presentes na história do seu povo. Foi reconhecido como Quilombo pela Fundação Palmares em 09 de Junho 2011, e atualmente é formado por uma média de 30 famílias que, mesmo antes do reconhecimento oficial, se destaca pela sua história de 200 anos de fundação e caminhada frente aos desafios dos tempos passado e presente.

Um importante momento celebrado pelo povo de Cinzentos é o 20 de Novembro: o dia da Consciência Negra. Nesse dia todas as comunidades vizinhas, inclusive comunidades quilombolas da região de Planalto e de outros municípios próximos, se deslocam em caravanas e romarias em direção ao Quilombo de Cinzentos, juntamente com entidades da sociedade civil organizada e universidade, que de alguma forma desenvolve um trabalho com este povo, todos/as juntam-se a esse Quilombo de Cinzentos para celebrar/comemorar a data.

As mulheres se vestem a caráter, cabelos trançados, turbantes e roupas que remetem às cores do 'Povo de Zumbi'. Exposição fotográfica e histórias escritas expostas na Igreja

local, e a presença de juventude com rodas de capoeira e cantigas/cirandas que relembram e traduzem o significado do dia 20. O cume desse dia é a celebração da Missa Crioula, celebrada com os elementos e canções do povo negro. Ambiente preparado, onde todos e todas são chamados/as a cantar as alegrias e tristezas, memórias dos/as negros e negras tombados/as pelo orgulho dos brancos, e negros lembrados por resistir ao chicote do preconceito. “Temos alma, temos orgulho, temos uma história... Antigamente celebrávamos nossas festas com nossa comida no chão, hoje conquistamos nosso lugar na mesa!”, exclama orgulhosamente dona Delcí. E assim, os atabaques dos/as negros/as do ‘Povo de Cinzento’ ressoam seu som, e se unem de forma mística aos tambores do povo de Zumbi, amparados pelo divina proteção da Negra Mariama, convidando a todos/as a celebrarem a história de sua gente no altar da liberdade e da memória, embalados pelo axé do cântico da liberdade.

Missa Crioula: momento do ofertório

Festejos do 20 novembro: exposição na Igreja local

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Já no mês de Dezembro, as festanças começam cedo, a principiar pelas comemorações da Excelsa Padroeira do Quilombo: 'A Senhora Santa Luzia', celebrada no dia 13 do mês. Folia essa, que já emenda nos preparativos para o Natal do “Minino Deus”, com a tradição do Terno de Reis, que já é um costume rotineiro quando se chega essa época. Culminado com a 'reza do 06 de Janeiro': dia de Santo Reis, realizando-se a reza do Santo Rosário, Ofício da Imaculada e a Ladainha. Todas essas devoções são realizadas na capela do Quilombo ou nas casas das pessoas, que se tornam verdadeiras Catedrais, sustentadas e movidas pela alegria, fé e muita devoção expressada pelo o 'Povo de Cinzentos'.

Dona Delcí e seu Salviano, agricultores/as e lideranças do Quilombo, contam e explicam o real significado do que é um grito de resistência que ainda se faz ecoar. “Somos um povo que tivemos de aprender a caminhar sem ser olhado por ninguém. Aqui a gente teve de aprender a desenvolver uma sabedoria, porque as coisas são difíceis e precisamos nos virar, e nos valer dessa sabedoria que a gente aprendeu dos nossos ancestrais”, afirma dona Delcí, e completa seu Salviano: “nós os mais velhos, somos e devemos ser esse grito de resistência até os dias de hoje”. Muitos foram os desafios desde os tempos primeiros relatados pelos mais velhos do Quilombo, aquelas histórias das pessoas já falecidas e as histórias

recontadas e transmitidas pelas gerações que perpetua e continuam a escrever sua história. Contam dona Delcí e seu Salviano sobre dona Isidora Maria de Jesus: uma das primeiras pessoas que organizou o Quilombo de Cinzentos, e viveu durante 114 anos de idade. Juntamente com dona Isidora, dona Delcí relembra a importância de dona Ana Miúda e seu Geraldo Pinheiro, como figuras essenciais no processo de resistência e continuação de toda cultura e tradição desse povo. Seu Salviano ainda lembra-se do seu avô, Benedito Pereira, que foi quem trouxe toda sua família para o Quilombo. E dessa forma, cada história relembrada e recontada, revela um olhar profundo segurado por raízes firmes num terreno ainda arredio, mas que são regadas pelo amor às tradições, o respeito aos antepassados e o orgulho de ser negro/a.

E assim, o Povo de Cinzentos segue sua caminhada na estrada da vida, cantando suas tradições, celebrando seus costumes e devoções, fazendo ecoar seu grito de resistência nessas terras sertanejas, protegido pelos encantos da natureza e pelas belas montanhas sob o olhar amoroso de Olorum, Deus criador dos céus e da terra.

Realização Apoio

Seu Salviano e dona Delcí

Missa Crioula: Momento da Comunhão Dona Glicéria em sua casa, 76 anos de idade, uma das mais velhas do Quilombo

Debulhando o feijão e contando a história do Quilombo