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1 ba BOLETIM ARQUITECTOS / JUNHO 2012 / ANO XX R227 Concursos de Concepção “(...) apesar de carregados de defeitos ainda não se descobriu melhor.” ¶ “(...) brutal acumular de bites e neurónios.” ¶ “(...) um trabalho verdadeiramente planeado e organizado (...)” ¶ “(...) oportunidade de troca intelectual (...)” ¶ “(...) modo raro de escolha de projectos de arquitectura (...), de confrontar res- ponsabilidades (...)” ¶ “Como lidar com o quadro legislativo nacional e comunitário nesta área?” ¶ “O processo e o resul- tado dos concursos é cada vez mais fonte de crispação (...)” ¶ “(...) nem todos os problemas são passíveis de resolução através de concursos.” ¶ “(...) reconhecer as mais-valias cul- turais e a especificidade dos serviços de arquitectura.” ¶ “(...) actuação exemplar do Estado na promoção da qualidade arquitectónica (...)” ¶ “concepção/construção (...) o sistema ge- ralmente acaba em construção/concepção (...)” ¶ “É a lingua- gem da sociedade de consumo.” ¶ “Os concursos são depósitos de esperança, (...) são roletas russas (...)” ¶ “(...) criar novos có- digos deontológicos e respectivas sanções, aplicáveis às enti- dades promotoras, obviamente.” ¶ “(...) “porta-estandarte” de uma classe mais aberta, democratizada e massificada (...)” ¶ “(...) não é uma tese, pode ser apenas a primeira fase de ex- pressão de uma ideia (...)”

R227 Concursos de Concepção - Ordem dos Arquitectos · 2 Concursos de Concepção Pôr em concurso os textos que seguem, na sua maioria publicados em JA temáticos ou no boletim

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baBOLETIM ARQUITECTOS / JUNHO 2012 / ANO XX

R227

Concursos de Concepção“(...) apesar de carregados de defeitos ainda não se descobriumelhor.” ¶ “(...) brutal acumular de bites e neurónios.” ¶ “(...)um trabalho verdadeiramente planeado e organizado (...)” ¶ “(...) oportunidade de troca intelectual (...)” ¶ “(...) modo rarode escolha de projectos de arquitectura (...), de confrontar res-ponsabilidades (...)” ¶ “Como lidar com o quadro legislativonacional e comunitário nesta área?” ¶ “O processo e o resul-tado dos concursos é cada vez mais fonte de crispação (...)” ¶ “(...) nem todos os problemas são passíveis de resoluçãoatravés de concursos.” ¶ “(...) reconhecer as mais-valias cul-turais e a especificidade dos serviços de arquitectura.” ¶ “(...)actuação exemplar do Estado na promoção da qualidade arquitectónica (...)” ¶ “concepção/construção (...) o sistema ge-ralmente acaba em construção/concepção (...)” ¶ “É a lingua-gem da sociedade de consumo.” ¶ “Os concursos são depósitosde esperança, (...) são roletas russas (...)” ¶ “(...) criar novos có-digos deontológicos e respectivas sanções, aplicáveis às enti-dades promotoras, obviamente.” ¶ “(...) “porta-estandarte”de uma classe mais aberta, democratizada e massificada (...)”¶ “(...) não é uma tese, pode ser apenas a primeira fase de ex-pressão de uma ideia (...)”

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Concursos de Concepção

Pôr em concurso os textos que seguem, na sua maioria publicadosem JA temáticos ou no boletim e devidamente referenciados, de-corre do inquérito recente aos leitores do boletim: os concursosforam o tema de interesse mais votado. Esta edição não oferececoncursos, antes proporciona uma reflexão, que aconteceu aolongo das duas últimas décadas, de colegas, uns a eles ligados pelasua prática profissional, outros, porventura, mais interessados nasua dimensão cultural. ¶ Num momemto em que a oferta de con-cursos é sobretudo internacional, e quantos com colegas portu-gueses distinguidos, parece-nos interessante esta compilação pararenovar o debate e entusiasmar para ele aqueles que não tiveramainda a oportunidade de submeter o seu trabalho de concepção aum júri. ¶ Apesar de meio alargado de abertura à prática profis-sional existem condicionamentos legais que a renegam; o legisladornacional nunca foi capaz de definir o conceitro de trabalho de con-cepção! ¶ Os arquitectos detêm respostas e propostas para expri-mir as suas ideias e conceitos num ambiente de concorrência leale razoável. ¶ Os agradecimentos a Alexandre Alves Costa; Alexan-dre Marques Pereira; Ana Vaz Milheiro; André Tavares; AntónioMarques Miguel; Carlos Abrantes; Carlos Guimarães; EduardoSouto de Moura; Fernando Bagulho; Fernando Gonçalves; FranciscoSilva Dias; Gonçalo Byrne; João Nasi Pereira; João Paulo Bessa; JoséBarra; Leonor Figueira; Luís Vassalo Rosa; Manuel Graça Dias; Mi-chel Toussaint; Olga Quintanilha e Pedro Brandão, autores dos tex-tos editados. ¶ O convite a um envolvimento neste debate ficalançado; o boletim, também em resultado do inquérito, está dispo-nível para acolher a participação de todos os membros da Ordemdos Arquitectos. Esperamos os seus contributos na caixa de e-mail:[email protected]

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uadro de intervenção da associação

profissional dos arquitectos no processo de encomenda

——1. do conviteFaz agora pouco mais que dezanove anos, alguémdo Conselho Directivo Nacional, desejando preen-cher um espaço ainda em aberto no Boletim daépoca, disparou-me à queima-roupa: “Oh, Car-los Abrantes, não quer escrever qualquer coisasobre Concursos, para entrar na próxima edi-ção do Boletim?”

Olhei-a um pouco atónito, pelo inesperadodesafio e, quase que instantaneamente, respondi-lhe: “Eu? Não, ainda só cá estou há seis mesese não me sinto ainda à vontade para falar destesassuntos… que nem me parecem nada fáceis.”

Quando, hoje, recordo este episódio e ocruzo com o convite que agora me foi dirigidopelo Secretário do Conselho Directivo Nacio-nal, não posso deixar de considerar que, efecti-vamente, a vida, por vezes, reserva-nossurpresas incríveis.

Façamos, então, uma reflexão sobre o Qua-dro de Intervenção da Associação Profissionaldos Arquitectos no processo de Encomenda etentemos entender a sua evolução e os facto-res que a têm condicionado.——2. da génese de uma decisãoSabe-se que, já nos anos 30 do século passado,a nossa associação profissional se envolvia emConcursos para trabalhos de concepção, nessaaltura limitando-se quase exclusivamente, e sem-pre que a análise dos processos merecesse asua concordância, a aceitar os convites que asentidades promotoras lhe dirigiam para se fazerrepresentar nos Júris.

O reconhecimento do mérito dessa interven-ção, quer por parte dos promotores, quer porparte dos seus próprios associados, foi-se consa-

grando e à medida que o número de Concursosaumentou maior passou a ser também o númerode solicitações que passaram a dirigir-lhe, bemcomo o grau de envolvimento requerido.

A problemática dos Concursos foi assumindo,progressivamente, contornos mais nítidos e aAssociação dos Arquitectos Portugueses co-meçou, então, a ter a percepção que devia pri-vilegiar a sua participação em Concursos nãosó por se tratar de um sistema de acesso à en-comenda que facultava uma maior igualdade deoportunidades na adjudicação de projectos eplanos, mas também porque ele contribuía parauma maior divulgação da acção e consequenteresponsabilidade da intervenção dos Arquitec-tos e, simultaneamente, para o reconhecimentodo interesse público da nossa actividade.

Não se pense que foi tarefa fácil, como, aliás,ainda hoje o não é, sensibilizar quer a opiniãopública, quer em particular certos promotores,para a necessidade de reconhecerem, numconcurso para trabalhos de concepção, a exis-tência de uma dimensão cultural que constitui asua própria essência.

Mas já que esta reflexão irá versar sobreconcursos para trabalhos de concepção, julgoque convirá, desde já, entendermo-nos sobre oque consideramos ser, na realidade, um traba-lho de concepção.

E, digo isto, porque a nossa formação huma-nista, por vezes deixa-nos resvalar para um nar-cisismo que nos afunila o raciocínio o que temcomo consequência, neste particular, admitir-mos que trabalhos de concepção serão apenasaqueles em que intervimos como arquitectos oucomo urbanistas. De facto, não é bem assim.

No entanto, o que é mais preocupante é queo próprio legislador nacional também nunca foicapaz de definir o conceito de trabalho de con-cepção, limitando-se tão-somente a estabele-cer os casos em que deve ser aplicado. Estaincapacidade, julgo ser, só por si, suficiente-mente esclarecedora sobre a sua imprepara-ção para legislar sobre matéria tão específica.

A Ordem dos Arquitectos, enquanto repre-sentante de uma classe profissional tradicional-mente convidada a participar em concursospara trabalhos de concepção, naturalmenteque tem que ter a sua própria noção do con-ceito de trabalho de concepção.

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Na realidade, consideramos que deve entender--se por trabalho de concepção toda a actividadede génese intelectual que, através de um processode representação evolutivo, se traduz numa pro-posta, materializável ou não em obra, nos domíniosartístico, do planeamento urbanístico de pormenor,da arquitectura, da engenharia, do paisagismo, dodesign ou da computação gráfica.

Consoante o maior ou menor grau de desen-volvimento exigido às propostas a apresentar econforme confiram, ou não, o direito à celebra-ção de um contrato de prestação de serviços,por ajuste directo, na sua sequência, assim se es-tará em presença, respectivamente, de um con-curso de projecto ou de um concurso de ideias.

Definidos os conceitos, fácil se torna, agora,entender as razões porque, ao fazerem apelo auma reflexão crítica que pode ser mais ou menosalargada, mas que está sempre presente, e pro-porcionando uma escolha decorrente da compa-ração, do confronto e do debate das soluçõesconcorrentes, com base numa avaliação fundadaem critérios de qualidade previamente estabele-cidos, os trabalhos de concepção se destacamdas demais formas de adjudicação e o carácterintelectual do desempenho que exigem aos con-correntes nada tem a ver com a natureza daspropostas que um qualquer promotor esperaconseguir quando abre Concurso para obter, nasmelhores condições de preço, qualidade e prazode entrega, um fornecimento de, por exemplo,fotocopiadoras, fardas ou medicamentos.

Consciente desta realidade, a Associaçãodos Arquitectos Portugueses, há cerca de unsvinte e cinco anos, entendeu que era impor-tante começar a intervir de maneira mais ac-tuante na defesa de um conjunto de princípiosque a própria experiência lhe foi demonstrandodeverem passar a ser considerados normativos.

Um desses princípios, que não raras vezesainda é gerador de larga controvérsia, é o prin-cípio do anonimato, o qual voltarei a abordarum pouco mais adiante.

Centrando, agora, a nossa atenção sobre ocontexto socioeconómico do País, será bom re-cordar que, no dia 1 de Janeiro de 1986, Portu-gal era membro, de facto, da União Europeia eaté 1991 decorreu o período transitório de ade-são à Comunidade Económica Europeia (CEE)o que determinou um período de expansão da

actividade económica e a entrada de fundos es-truturais que visavam a sua modernização.

O sector da construção civil e obras públicascomo que ressurge, tentando recuperar, denovo, a dinâmica dos fins dos anos 60 e o inves-timento público potencia, então, a concretizaçãode um promissor conjunto de oportunidades detrabalho para a nossa classe profissional.

Para se ter uma ideia do volume de trabalhoentão gerado, basta referir que a Secção Regio-nal do Sul, a partir de 1986 passou a interviranualmente em mais de uma dezena de concur-sos, valor que atingiria o seu pico máximo em1993, com 28 concursos. A partir daí, esse nú-mero sofreu uma queda abrupta em 1994 (4concursos) e foi decrescendo até atingir valoresmínimos nos anos de 2000, 2002 e 2003 comapenas 1 concurso em cada um desses anos.

Consciente desta realidade e, sobretudo, daproliferação de concursos mal organizados, aque se vinha assistindo, a Direcção da entãoAssociação dos Arquitectos Portugueses, deci-diu criar, no âmbito da Secção Regional do Sul,um Serviço de Concursos profissionalizado,dado que era cada vez maior o desajustamentoque se notava existir entre o volume da procurae a capacidade de resposta da nossa Associa-ção, porque exclusivamente baseada num louvá-vel voluntarismo dos membros da sua Direcção.

Para nós é, agora, incontornável que foi no pe-ríodo de 1986-1993 que, graças às oportunida-des criadas pelo investimento público no sectorda construção civil e obras públicas, designada-mente nas construções universitárias, mas nãosó, que começou a despontar uma nova geraçãode arquitectos, hoje, nomes consagrados quer noâmbito nacional quer internacional e a quem a ar-quitectura nacional tanto deve.——3. da criação dos serviços de concursosda secção regional do sul da AAPE é assim que, em Maio de 1993, os Serviçosde Concursos, agora de forma profissionali-zada, dão início à sua actividade que, numa faseinicial, passou a abranger não apenas a área es-pecífica dos Concursos, mas também a consul-tadoria técnica aos associados.

O âmbito territorial da acção dos Serviçoscoincide com a delimitação geográfica corres-pondente à competência territorial da Secção

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Regional do Sul, mas o intercâmbio com a Sec-ção Regional do Norte foi, desde sempre, umarealidade que se procurou fomentar nos váriosdomínios de actuação, porque, mais que qual-quer competição entre Secções Regionais, im-portava, sim, harmonizar procedimentos nosentido de garantir a unidade na acção porforma a credibilizar o nosso trabalho colectivo.

Em resultado da longa prática que o tempoconsolidou e beneficiando dos contactos que,no âmbito desta matéria, mantém a nível inter-nacional, designadamente com o Conselho dosArquitectos da Europa, com a União Interna-cional dos Arquitectos e com as suas congéne-res europeias, pode-se dizer que a Ordem dosArquitectos é, hoje, a entidade que, a nível Na-cional, maior experiência detém em matéria deConcursos para Trabalhos de Concepção deArquitectura e de Urbanismo.

Não é por acaso que a importância da acçãodesenvolvida pelos Serviços, é consagrada noEstatuto da Ordem dos Arquitectos onde, cla-ramente, se estabelece na alínea q) do Artigo 3º(Atribuições), serem atribuições da Ordem:”Co-laborar na organização e regulamentaçãode concursos que se enquadrem nos seus ob-jectivos e participar nos seus júris.”——4. dos condicionamentos legais que regema encomenda públicaÉ evidente que o acesso à encomenda de Ar-quitectura e Urbanismo não se esgota, nem talseria defensável, no recurso a concursos, masessa foi desde sempre uma estratégia defen-dida pela Associação dos Arquitectos Portu-gueses e prosseguida pela Ordem dosArquitectos, enquanto sua sucessora, não sópor constituir um meio alargado de abertura àprática profissional, mas também pelos benefí-cios culturais decorrentes do processo críticoe do potencial criativo que determinam.

A atenção que foi dada às características es-pecíficas deste tipo de concursos ao longo dosanos impôs o apuramento de procedimentosapropriados, necessariamente diversos dos con-cursos para a obtenção de serviços de naturezaconcreta, já que em trabalhos de concepção,mesmo visando assuntos de natureza técnica, sóse pode ser seleccionado através duma qualifi-cação fulcrada numa avaliação profissionalizada.

Porém, as condições base dessa metodologiade apuramento não estavam, até 1995, apoiadasem qualquer estrutura legal, o que só veio aacontecer com o Decreto-Lei n.º 55/95 (cor-respondente à transposição da Directiva n.º92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de1992). Este diploma passou a consagrar uma au-tonomização de procedimentos aos concursospara trabalhos de concepção, ainda que essa suadesagregação apresentasse ambiguidades deforma, passíveis de causar leituras contraditórias,conduzindo, não raras vezes, ao recurso a forma-lidades próprias de outro tipo de concursos.

Aliás, saliente-se que o âmbito daquele De-creto-Lei já encarava a problemática da presta-ção de serviços numa mera perspectiva deregulamentação de procedimentos para a reali-zação de despesas públicas.

Após cerca de quatro anos e meio de vigên-cia, o Decreto-Lei n.º 55/95 é revogado por umnovo diploma que transpõe, para a ordem jurídicainterna, a Directiva n.º 97/52/CE, do ParlamentoEuropeu e do Conselho, de 13 de Outubro. Tratava-se do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 deJunho que, segundo o respectivo preâmbulo,pretendia corrigir uma alegada desadequação daregulamentação do anterior diploma.

No que aos trabalhos de concepção respeita,não parece que os objectivos pretendidos hajamsido alcançados uma vez que, não só o númerode formalidades aumentou significativamente, oque conduziu a uma excessiva burocratizaçãodos procedimentos, em vez de os simplificar,mas também porque a problemática da presta-ção de serviços, continuou a ser encaradanuma mera perspectiva de regulamentação deprocedimentos inerentes à realização de des-pesas públicas.

Ora, no domínio da concepção, os referen-ciais de apuramento são outros e visam garantiressencialmente a qualidade, fazendo-a dependerduma apreciação que se pretende o mais isentapossível – daí a institucionalização do princípiodo anonimato dos trabalhos –, gerada pela con-frontação do saber especializado dum Júri, oque distingue, assim, a natureza eminentementesubjectiva destes serviços, dos de natureza maisconcreta, cuja apreciação poderá ser feita numasimples base de preços e prazos, sem qualquernecessidade de recurso àquele princípio.

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Conforme referido atrás, analisemos então,de forma um pouco mais circunstanciada, oprincípio que constitui a pedra angular dos con-cursos para trabalhos de concepção e sobre oqual assenta a singularidade que os distinguedos demais procedimentos concursais.

Para o esclarecimento desta questão, con-virá tecer algumas considerações prévias sobrea problemática do anonimato, no âmbito dosconcursos de concepção, uma vez que ela sus-citou sempre divisão de opiniões, constituindo,aliás, conforme já admitido, motivo de largacontrovérsia.

Os detractores consideram que as imagensdas propostas acabam por, invariavelmente, re-velar a autoria dos trabalhos e que, não sendopossível garantir o cumprimento deste princípio,seria preferível aboli-lo e, com vantagem, facultaraté aos concorrentes a possibilidade de apresen-tarem, oralmente, ao Júri, os seus trabalhos.

Os defensores entendem que a natureza dosatributos das propostas de solução apresenta-das no âmbito dos Concursos de Concepçãopotenciam a utilização de alguns padrões deapreciação cujo carácter subjectivo importa re-duzir ao mínimo, mantendo-os dentro de limitesaceitáveis.

Facilmente se compreende, portanto, que umadas formas mais expeditas de alcançar esses ob-jectivos é o de evitar que a apreciação e subse-quente avaliação dos trabalhos de concepçãoseja influenciada por qualquer factor exógeno àqualidade por eles revelada, daí que se tente,tanto quanto possível, evitar saber-se, a priori,a quem pertencem as respectivas autorias.

Não deixa de ser curioso que, por diversasvezes, tive oportunidade de assistir, a apostasentre membros de Júris sobre a eventual autoriade determinados trabalhos a concurso, tendoconstatado, posteriormente, que eles estavamredondamente enganados, sobretudo quando osconcursos começaram a estar abertos à con-corrência de outros colegas da União Europeia.

Em minha opinião pessoal, esta tese feneceperante a realidade dos factos e confesso queme causa estranheza que ela seja normalmenteinvocada por arquitectos já consagrados ou poraqueles em quem eles depositam a tarefa dadefesa dos seus interesses pessoais.

Se outras razões não houvesse, bastaria re-

cordar que o princípio do anonimato foi um dosaprovados, por unanimidade, na AssembleiaGeral do Conselho dos Arquitectos da Europa(CAE), que teve lugar em Bruxelas nos dias 14e 15 de Maio de 1993 e que a própria União In-ternacional dos Arquitectos (UIA), no Artº 9º dodocumento C/. 85:88, emanado do seu Secre-tariado-geral, defende também este princípio,considerando que ele deve ser observado, es-crupulosamente, até à decisão final do Júri, querse trate de concursos com apenas 1 (uma) fase,quer de concursos com 2 (duas) fases.

Citámos apenas duas instituições nas quais aOrdem dos Arquitectos se encontra filiada,mas a título de mera curiosidade poderemosainda referir que as Recomendações relativasaos Concursos Internacionais de Arquitecturae Urbanismo aprovadas na 20ª reunião daUnesco, que teve lugar em Paris em 27 de No-vembro de 1978, também contemplam o res-peito pelo anonimato e a sua aplicação nostermos atrás indicados.

É do senso comum que não é possível ga-rantir o anonimato a 100%, no entanto, a expe-riência permite-nos afirmar que a suainobservância em espaços geográficos (países)mais relutantes quanto à observação de lisurade processos, teria consequências bem gravo-sas e perversas.

No nosso país, o anonimato dos trabalhos –que não dos concorrentes –, começou por sergarantido, exigindo-se aos concorrentes que aspeças escritas e desenhadas que constituíamas suas propostas fossem referenciadas atravésde um número de seis algarismos que era es-colhido por cada concorrente. O Júri do con-curso fazia a avaliação dos trabalhos sem sabera identidade dos autores, os quais só eramidentificados no Acto Público do concurso,quando eram abertos os invólucros que conti-nham os seus elementos identificadores e res-pectivos códigos, para lhes ser comunicada aproposta de classificação do Júri.

Este sistema manteve-se até à entrada emvigor do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho,altura em que o legislador, talvez apercebendo--se das fragilidades do anterior método, esta-beleceu que os códigos de identificação dostrabalhos seria aposto sobre eles, já não pelosconcorrentes, mas sim pelo próprio Júri

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quando, no início do Acto Público, procedesseà abertura dos trabalhos.

O actual Código dos Contratos Públicos(CCP) revogou o diploma atrás referido, mascontinuou a assegurar a mesma formalidade,ainda que agora efectuada em sessão privadado Júri, caso a entrega dos trabalhos se pro-cesse através de plataforma electrónica.

Tem-se, pois, que caso esteja previsto umActo Público e uma vez que o anonimato se re-fere aos trabalhos e não aos concorrentes,desde que o Júri não possa, em qualquer caso,relacionar um trabalho com o respectivo autor, oprincípio do anonimato estará sempre garantido.

Mas para além deste princípio, existem outros,designadamente o da obrigatoriedade de premia-ção dos concorrentes ou o da fixação do critériode selecção dos trabalhos tendo em conta, eapenas, os factores e eventuais subfactores rela-tivos aos seus méritos artístico e técnico.

São estas especificidades, geradoras de exi-gências particulares, sendo que, algumas delasnão foram, uma vez mais, observadas no De-creto-Lei n.º 18/2008 de 29 de Janeiro que, revo-gando o anterior Decreto-Lei n.º 197/99, aprovouo Código dos Contratos Públicos (CCP).

Na realidade, este diploma que concretiza aintenção que inicialmente presidira à publicaçãodo Decreto-Lei n.º 55/95, anteriormente refe-rido, dedica um Capítulo do TÍTULO IV (Instru-mentos procedimentais especiais) ao concursode concepção; contudo, muitas das especifici-dades que são estruturantes na caracterizaçãoe desenvolvimento deste tipo de procedimentoespecial não são contempladas e, por vezes,são associadas a outros procedimentos de na-tureza absolutamente distinta.

É certo que ele representa um visível esforçode racionalização de meios, quer no que res-peita à simplificação e consequente celeridadeprocedimental, quer na permeabilidade à evolu-ção tecnológica e às possibilidades proporcio-nadas pelas vias electrónicas. Contudo, é delamentar que o legislador nacional não tenhautilizado a margem de livre decisão que lhe foireservada pelo legislador comunitário, paracorrigir algumas regras instituídas pelo anteriorDecreto-Lei n.º 197/99, designadamente, a daimpossibilidade de um Júri poder modificar, emsede de audiência prévia, o teor e as conclu-

sões do seu relatório preliminar, após a identifi-cação dos concorrentes.

Esta possibilidade, que era admitida no De-creto-Lei n.º 55/95, não consta da directiva co-munitária e constituiu uma puradiscricionariedade do legislador nacional que,salvo melhor opinião, não se justifica, face à ex-periência real por nós adquirida durante a vi-gência do já referido Decreto-Lei n.º 55/95.Trata-se, quiçá, de um autêntico atestado dedesconfiança passado aos Júris.

Em consequência deste raciocínio, só res-tava ao nosso legislador eliminar pura e sim-plesmente a audiência prévia dos concorrentes,retirando-lhes uma garantia jurídica de rele-vante importância, e ao Júri um elemento fun-damental para a formação da sua própriadecisão final. E foi isso mesmo que sucedeu.

Mas a simplificação foi ainda mais longe e ex-cluiu a possibilidade de as associações públicasprofissionais, sempre que possível, poderemcontinuar a designar um dos seus membrospara integrar os Júris, retirando a estes a van-tagem de usufruírem da experiência de técni-cos qualificados cujo inestimável contributosempre foi considerado de grande valia para odesempenho daqueles órgãos colegiais e factorde credibilização dos próprios concursos.

Atentos estes e outros desajustamentosentre a intenção do legislador e a realidade ob-jectiva condicionante dos trabalhos de concep-ção, considera-se que existe todo um conjuntode particularismos de formalidades e um reper-tório de nomenclaturas que se torna imprescin-dível salvaguardar, com vista à revisão urgenteda legislação actualmente aplicável.

Para concluir, e se me é permitido, desejoapenas formular o desejo de que a nova gera-ção de colegas que pretenda dedicar-se ao es-tudo desta problemática, ainda que fustigadapor circunstâncias extremamente adversas, nãose sinta tentada a adoptar a novidade pela novi-dade, renegando os valores que sempre nosdistinguiram dos demais.

Carlos Abrantes21 Junho 2012

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1990Ainda não se descobriu melhorOs concursos estão para a distribuição de en-comenda de Arquitectura como a democraciapara os sistemas políticos de organização dassociedades: apesar de carregados de defeitosainda não se descobriu melhor.

As resoluções das instituições democráticas– e os júris de concursos são-no como tantasoutras – garantem aos interessados uma legiti-midade – e consequente eficácia – asseguradapelas numerosas e complexas instâncias emque se organiza a sociedade. (...)

João Nasi Pereirain “Editorial”, JA 91, Setembro 1990, p. 7

Concursos públicos de ArquitecturaVoltamos, de novo, aos concursos públicos deArquitectura. Referindo, agora, não a regula-mentação, a constituição e funcionamento dojúri, o programa ou as relações com a entidadepromotora, etapas em que a Associação parti-cipa e normalmente pode controlar, mas sim auma problemática que se localiza para além daelaboração do projecto ou mesmo para alémda abertura do concurso para a construção daobra premiada.

Concretamente, a anunciada anulação porparte da Secretaria de Estado da Cultura doconcurso para a valorização da Zona Especialde Protecção de Sagres, Beliche e S. Vicente.

Concurso em que na fase de promoção, pro-gramação, divulgação, selecção e contrataçãointervieram as seguintes entidades: Presidênciado Conselho de Ministros, Secretaria de Es-tado da Cultura, Instituto Português do Patri-mónio Cultural, Grupo Interministerial para oAproveitamento Monumental Museológico eTurístico de Sagres, onde estavam incluidos re-presentantes do Ministério do Plano e da Ad-ministração do Território, Comissão Nacionalpara a Comemoração dos DescobrimentosPortugueses, Ministério das Obras Públicas,Transportes e Comunicações, Departamentoda Marinha, Secretaria de Estado do Turismo eDirecção-Geral do Ordenamento do Território.

Constituiu-se um júri onde, para além destas,estavam representadas a Câmara Municipal deVila do Bispo e a Associação dos ArquitectosPortugueses (AAP). Decorreu o processo con-forme as normas internacionais que regem osconcursos públicos de Arquitectura e exige asua natureza de carácter cultural mas, quandotudo parecia conducente à concretização doprojecto premiado, da autoria do Arq. João Car-reira, a comunicação social anuncia a suspensãodo concurso para adjudicação das obras.

Se a suspensão for definitiva e assim o pro-cesso chegar ao seu termo, estamos perante arepetição de um acto, infelizmente, frequentedurante o Estado Novo e de que, curiosa-mente, alguns projectos para Sagres foram víti-mas: após uma escolha criteriosa feita por umjúri idóneo, os governantes “não gostam”, ou al-guém lhes diz para “não gostarem” e o con-curso é anulado ou esquecido.

Foi assim, ainda recentemente em Lisboa,com o notável projecto do arquitecto AntónioSerrano para o monumento ao 25 de Abril queo presidente Abecassis fez abater.

No caso do monumento em Sagres o actocensório em que parece basear-se a decisãode suspender a adjudicação da obra vem deum grupo de historiadores que, contrapondo--se ao júri e a todas as entidades participantes,evoca argumentos formais e estéticos para seabater sobre o projecto escolhido.

Sem necessidade de evocar razões corpora-tivas, vemo-nos obrigados a recordar uma pala-vra de ordem que tem norteado a acção dasúltimas direcções da AAP, em relação à revisãodo Decreto 73/73 – “A Arquitectura para osarquitectos, a Engenharia para os engenheiros,a Construção para os construtores” e, agora, aHistória para os historiadores...

Pois, no caso do monumento de Sagres, por-que se trata de uma proposta que nasce nomundo das formas, em que estão em jogo pro-blemas de interpretação da paisagem, da mate-rialização de ideias e porque essa materializaçãopossui carácter emotivo, trata-se, sem dúvida,de um problema de Arquitectura.

Têm as relações entre a Secretaria de Es-tado da Cultura, a quem cabe a promoção e apresumível suspensão do concurso, e a AAPsido cordiais e frutuosas.

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das entregas nos envolvamos em A0’s de k.linee os besuntemos de spray cola, fabricandopainéis com peças obrigatórias sendo o último“livre”) e, de modo mais ou menos estatístico,observa-se que, em cada 20 concorrentes, 5terão sido premiados, outros 5 serão trabalhosoportunistas ou disléxicos, e os restantes 10são esforços honestos, com mais ou menos ta-lento, numa envolvência, num adivinhado es-forço, numa enorme actividade, num brutalacumular de bites e neurónios.

Que sentido faz isto? Porque uma entidadequer escolher uma equipa projectista (um chefede projecto, as mais das vezes), que sentido fazobrigar cada uma das 15 equipas a desenharem6 plantas a 1:200, 4 cortes a 1:200, 4 alçados a1:200, uma perspectiva “cavaleira” (ou “aponta-mentos perspécticos”), um organigrama comexplicitação das circulações principais e mais 6plantas com esquema estrutural previsto, emais 6 plantas com as redes de águas e esgo-tos explicitada, e mais 6 plantas com a localiza-ção dos quadros eléctricos gerais e os quadroseléctricos de piso e a central de segurança eos circuitos para as redes de iluminação e asredes de computadores, e mais 6 plantas coma extracção e renovação do ar bem assinalado,a localização provável dos difusores de insufla-ção, o sítio onde ficam. E não só os desenhos eesquemas; convirá descrever em “memória” otipo de projecto proposto (e pressupondo quecada projecto é um novo projecto, não se ima-gina que esses textos passem de concurso emconcurso, mas antes que sejam todos originaise o mais correctos possível).

Que sentido faz, volto a perguntar? Porqueuma entidade quer escolher um projectista,porque razão se arroga o direito de abrir con-cursos e esperar que 50 arquitectos compremo regulamento e que desses, pelo menos me-tade, metam mãos à obra, sabendo o “totoloto”em que se metem?

Adivinha-se uma classe exaurida (de dinheiro,recursos materiais e humanos mas sobretudoinvenção e entusiasmo) arrastando-se penosa-mente de concurso em concurso, de “dossierde referências” em “dossier de referências”, osdedos queimados dos lacres das entregas às sex-tas-feiras, os olhos papudos das directas, a foto-copiadora cambada a cuspir papel acinzentado,

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Nem de outra maneira poderia ter sido: ambosos organismos têm objectivos comuns, entre osquais o mais importante é a conservação, valori-zação e criação do património edificado com raí-zes no nosso país. Acreditamos que em relaçãoao monumento de Sagres se tratará de umasuspensão temporária, possivelmente um mo-mento de reflexão que não conduzirá, certa-mente, à não construção do monumento.Porque se assim não fosse, a decisão do Secre-tário de Estado da Cultura seria despresti-giante para os serviços que conduziram oprocesso, decepcionante para promotores econcorrentes, além de desrespeitadora do júrie, sobretudo, sendo um acto censório em rela-ção a uma obra de concepção artística, para-doxalmente, um acto de anti-cultura.

Francisco da Silva DiasJA 91, Setembro 1990, p. 17

1993Um sufocante ano de “concursos”Pedem-se reflexões (no campo da arquitectura)sobre 1993.

Talvez expôr aquela que mais me obcecoudurante este ano, aquele em que mais reflecti,em que mais pensei, seja um modo de balançaro ano; muito pessoal, já se verá.

Em 1993 participei em alguns concursos dearquitectura e fui júri de um.

A quantidade de trabalho, o esforço quecentenas de plantas, esquemas, cortes, organi-gramas, memórias descritivas, “críticas ao pro-grama”, e estimativas orçamentais revelam emostram, a quantidade de inteligência convocada,a quantidade de esforço, as directas, os sábadose domingos à volta de papel de esquisso (en-volve/sobrepõe/pinta/recorta/apaga/cola/re-pete/espelha/printa/risca/assinala/aumenta/in-verte/repete/resolve/relê/retoca/mede/calcula/surpreende-me!) que cada projecto repre-senta! Que sentido faz todo este papel dese-nhado, depois de se fazer o primeiro, osegundo, o terceiro concurso no mesmo ano?

Vêem-se exposições (porque os regulamen-tos também obrigam a que duas horas antes

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os ateliers irrespiráveis de spray cola e amo-níaco. Dir-se-á que é o único método justo dedescobrir “novos valores”. Mas os “novos valo-res” têm de se fazer acompanhar de credíveiscurricula e equipas, sob pena de serem prete-ridos à boca da escolha; primeira contradição.

E os júris são mais sensíveis a quem não“mijar muito fora do penico”, a quem aparentar“segurança”, a quem inspirar mais savoir faire,sabemo-lo também; segunda contradição.

Se os organizadores de concursos estãorealmente irmanados do filantrópico propósitode “descobrir novos valores”, podiam estabele-cer uma cláusula não aceitando inscrições deequipas anteriormente premiadas, por exemplo;talvez fosse então possível conquistarem osseus piedosos intentos. Mas não será hipocri-sia? Não falam os júris e os representantes dasentidades nos júris, de “garantias”, “custos”, “ca-pacidade visível das equipas”, etc?

Dir-se-á, também, que só vai a concursosquem quer, o que é verdade. Mas não deixa deme chocar, este “aproveitamento” (que aindapor cima é inútil) de capacidades, de talentos,de inteligência, de saberes, espécie de exercíciopermanente em que andam envolvidos atelierspara conseguirem (?) um trabalho em cada ano,em vez de, por exemplo, serem pagos para, emcada ano, desenvolverem (com tempo, reflexão,saudável criatividade) um único projecto.

Diferentes serão os concursos por convites;também se diz.

Aparentemente concorda-se: três, quatroequipas são convidadas a dar resposta em ter-mos de Estudo Prévio a um programa de pro-jecto. A entidade organizadora paga (às vezes)1.000, 2.000, 5.000 contos por cada um dosque chegarem a entregar o trabalho e um delesserá premiado. Muito bem; tratando-se de tra-balhos que por vezes envolvem honorários daordem dos 30.000, 40.000 ou 50.000 contoscompreende-se que raramente a despesa totaldo promotor chegue aos 25% previstos paraum Estudo Prévio único (quanto mais paraquatro). E ainda que cada um dos três, dos queficarão de fora, venha a receber 1/3 dos hono-rários de Estudo Prévio previstos, que saúdehá nesta situação?

Para além da equipa de Arquitectura, todos ostécnicos envolvidos (Estruturas, Instalações Me-

cânicas, Instalações de Águas e Esgotos, Instala-ções Eléctricas e de Segurança, Sinalética, Pai-sagismo, etc.) receberão um 1/3 do que lhesseria devido. Porque razão? O seu trabalho é re-conhecidamente correcto, de qualidade, satisfa-tório (senão teria sido convidada aquela equipa)porquê, então, a penalização? Porque se acreditaque o que excede esses (raros) 1/3 dos honorá-rios são chorudas “mais-valias”? (ainda que fos-sem, trabalha-se para aquecer? “gastaste 10fotocópias e uma rotring, toma lá 10 folhas A4brancas e uma esferográfica!”. “Estamos quites.”).

A aparente “correcção” dos concursos pagose por convites também não existe e sobretudo,no que me interessa mais, não se vislumbra a utili-dade da convocação de 3, 4 ou 7 prestações di-ferentes pelo capricho de “variar” a escolha dopromotor. [A Arquitectura não é um forneci-mento de aquecedores ou de máquinas de calcu-lar em que os diversos fornecedores se esganampara vender o produto deles (que está guardadoem armazém à espera de colocação) ao melhorpreço e pelas melhores das razões práticas...].Dado a nossa produção não existir em depósito,“fazendo-se” à medida de cada encomenda, a ve-leidade de “opção” dos promotores só poderáexistir se pagarem completamente a fase de es-forço que pretendem para visualizar e informar asua escolha (se querem pagar menos não enco-mendem Estudos Prévios nos Esbocetos, ouRelatórios de intenções; ou peçam apenas cur-ricula e exerçam a escolha através de trabalhosjá feitos, de provas já dadas).

Parece-me também que seria mais avisadohierarquizar os concursos face à complexidadedos programas.

Isto é: para desenhar uns balneários em San-tiago do Cacém talvez fosse possível dispensaro concurso público; ou uns quiosques para Lis-boa, ou para umas coisas assim.

Os concursos talvez pudessem apostar maisna imagem e nas volumetrias sugeridas pelosconcorrentes antes de os bombardearem coma exigência de articulação de 250 comparti-mentos diferentes (“programas” as mais dasvezes estabelecidos aleatoriamente por funcio-nários cujo único “concurso” terá sido o de ad-missão à função pública) já que a componentede diálogo com a instituição (cliente) fica com-pletamente apartada da fase mais crucial do

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jogo do projecto (o Estudo Prévio). Poder-se--ia apostar em uns concursos mais livres, maisconceptuais, menos (mono) funcionais, maisperto do pulsar imediato da frescura de umaideia e menos presos a um trabalhosíssimaoperacionalidade que se deitará fora em todosos casos, para se aproveitar (?) a dos primeirosclassificados. Ou então, pagar-se correcta-mente esse esforço. Pagar-se para ter 20 equi-pas a trabalhar num só projecto; luxo exageradonão? – mas só se repara no exagero quando sefala em “pagar”; enquanto se imaginam as mes-mas 20 equipas a trabalhar, todos admitem tra-tar-se de um cenário possível, escudado aindanos bons propósitos de uma suposta igualdadede oportunidades de acesso ao trabalho. Por-que temos de trabalhar tanto para aceder ao“trabalho”? Que utilidade visível tem esse nosso(outro) “trabalho”?

Esta reflexão não é alheia às experiênciasque vou tendo mas penso que não me movemquaisquer amarguras especiais pelo facto donosso atelier ter participado em alguns con-cursos/desaires este ano. Os mais interessan-tes trabalhos que temos tido chegaram-nosatravés de concursos públicos como é sabido(Pavilhão de Portugal na Expo’92 e Nova Sededa AAP/Banhos de S. Paulo).

Por coincidência ou não com o tema da minhareflexão esses foram concursos atípicos; qual-quer um deles compreendia um grau de liber-dade (Pavilhão de Portugal, Concurso de Ideiasem duas fases e AAP, Concurso em forma deEstudo Prévio só de Arquitectura) muito maispróximo das minhas palavras anteriores que agrande maioria de concursos que entretantotêm tido sido lançados. Foram concursos ondefoi possível um dispêndio alegre de energia,ideias e dinheiro; onde foi quase possível um es-boço de investigação especulativa sem um pesodesproporcionado face ao desenrolar paralelode outros trabalhos no atelier. Trabalhos paraclientes privados, aqueles que escolhem só pelonome, ou por outras obras que vão conhecendo.

Manuel Graça DiasJA 130, Dezembro 1993, p. 12-13

1994O chorrilho competitivo“As competições são para cavalos, nãopara os artistas” – Bela Bartok

Vem o tema a propósito do “chorrilho com-petitivo” que assola a prática profissional, comose não bastasse tanta desolação e tão poucoque agarrar, lugares cada vez mais pobres edesventrados, programas sem alma e sem poe-sia, dando ideia que tudo o que é próprio danatureza humana lhes está vedado.

Em cima de tudo isto, e como se a desgraçanão bastasse, cai-nos em cima o “chorrilho com-petitivo” com o seu arsenal de conceitos esvazia-dos de significado, valorizados por “pesosespecíficos” e coeficientes numéricos, como fun-damento da selecção com base na álgebra objec-tiva de uma análise que só pode ser subjectiva.

A intenção seria boa, mas a equação estámatematicamente errada, seja ela qual for, poissó nos momentos finais do seu trabalho é quequalquer júri domina uma questão, como frutoda análise das diferentes abordagens que estu-dou, sendo um absurdo e um desafio à inteli-gência desvalorizar essa informação e ficarpreso a uma qualquer fórmula pré-definida.

A transparência das decisões do júri decorreda sua própria humanidade e não de uma fórmulamatemática, sendo os dois factores relevantespara defesa da transparência a publicitaçãoimediata do relatório e a exposição pública dostrabalhos.

Pelo caminho que seguimos nunca mais al-cançaremos a paz, nunca mais recuperaremosuma arquitectura que nos transmita a sensaçãode pertença àquele lugar, de ter nascido na-quele sítio “apenas” porque sua disposição (àmaneira dos Gregos) foi medidata e inventada(à maneira de Vítruvio) simplesmente para ali

e pronto, sem que a sua REPRESENTAÇÃOMEDIÁTICA tenha que provar perante uma“comissão/júri” que possui um chorrilho de qualidades e é fruto de muitas habilidades (adequado ao programa, imaginativo, inovador,etc., balelas que somadas dão resultados entre59,464 e 56,123 permitindo arrumar tudo do 1.º ao último classificados).

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A Arquitectura reserva-nos a experiência doespaço, o circo conta-nos uma história num es-paço mágico.

Deixemos estar assim as coisas que estãobem, não levemos o circo para a Arquitectura,pois ela nada ganhará com isso e poderemosdeitar tudo a perder, pelo menos para o circo.

Fernando BagulhoBA 15, Junho 1994, p. 7

1995O melhor projecto e as menções honrosas(...) Os concursos públicos são um bem neces-sário, de males está o vazio cheio, e o mundoprofissional não está tão cheio de ideólogosnem de idiotas como se poderá imaginar.

Mas vamos a eles, o trabalho escasseia equem concorre nem sempre o faz para ganhar.

Esta é uma das realidades pragmáticas dosconcursos.

O Promotor ao deitar mão de um concursopúblico fica ilibado de uma escolha de gostopessoal, quanto ganha pela ajuda – normal-mente pouco dispendiosa – de ter tido umaequipa a escolher “o melhor projecto” de um“qualquer” arquitecto.

Entretanto “concursos públicos vão estandocheios de especialistas convidados pelos Pro-motores!

Talvez académica mas uma outra questãome preocupa também nos concursos (...) – aque trabalhos se devem atribuir menções hon-rosas? O que premeiam?

Os quartos, quintos ou outros lugares ou asmelhores peças mas votadas como “inexequí-veis” por alguns jurados? (...)

António Marques MiguelJA 143/144, Janeiro/Fevereiro 1995, p. 12

As sete Lâmpadas da Arquitectura e os Concursos——1. A Lâmpada do SacrifícioImpôr o “difícil” debate sobre as questões da arquitectura, e do desenho urbano, entre

o poder político, a sociedade civil e os arquitectos.2. A Lâmpada da VerdadeContrariar a prática corrente, que aponta paraa gestão casuística, desorganizada e desre-grada do território nacional, obrigando toda asociedade a um trabalho verdadeiramente pla-neado e organizado, com vista a evitar a espe-culação e a política do facto consumado.3. A Lâmpada do PoderCultivar entre o poder político, a noção de queas questões da arquitectura são coisa pública,e não assunto interno das gestões políticas etécnicas.4. A Lâmpada da BelezaDestruir o mito que dos concursos públicosnão saiem projectos de qualidade, a história da arquitectura tem provado exactamente ocontrário.5. A Lâmpada da VidaTendo em conta o facto de vivermos numa sociedade democrática, só através da práticasistemática do debate e da participação dos cidadãos se poderá chegar ao real exercício da democracia.6. A Lâmpada da MemóriaDar reais oportunidades aos profissionais maisnovos, de exercerem o ofício que escolheram econstruirem também eles o património de amanhã.7. A Lâmpada da ObediênciaSó através duma política clara e transparentena atribuição da obra pública se poderá evitar o tráfego de influências, e a prática dos lobbies.

Alexandre Marques Pereira7.º Congresso da AAP, 1 a 3 de Junho 1995

O avesso dos concursosA grande implementação dos concursos, de háuma dezena de anos para cá, começa já a ofe-recer, entre outras vantagens, a possibilidadeduma leitura global da sua prática efectiva, per-mitindo identificar as principais distorções aque, entre nós, este processo de encomendatem sido sujeito nos últimos tempos.

Tal como alguém disse da Nostalgia que “jánão é o que era”, também os concursos pare-cem estar a afastar-se do seu arquétipo.

Aparentemente, a sua proliferação tem contri-buído para neutralizar a essência eminentemente

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cultural que lhes é própria, transformados queforam os concursos numa praxis de mera res-posta à obrigatoriedade legal da sua adopção ecomo via de candidatura a financiamentos, sub-vertendo as motivações mais profundas deordem conceptual especulativa (ainda que estas,por vezes, se confundam com o desejo de afir-mação do prestígio institucional do promotor).

Assiste-se pois, da parte dos nossos orga-nismos oficiais e até de muitas instituições privadas, a um recurso muito insistente a con-cursos para a encomenda de obras de Arqui-tectura e Urbanismo (embora nem sempre emmodalidades aceitáveis e adequadas a trabalhosde concepção, reconhecendo-se também quea sua maioria escapa à intervenção da AAP).Nos concursos públicos e limitados em que foiprestada essa colaboração técnica, vem-seconstatando também que, para obras mais sin-gelas, a pesada máquina de um concurso, nasmodalidades convencionais, se mostra porvezes desproporcionada, pelo muito que exigedo concorrente e do promotor, resultando numprocesso desgastante para ambas as partes,tanto mais que raramente são oferecidas ascontrapartidas próprias dum exercício alargadode pesquisa e debate, que o transforme numamais-valia da prática profissional, mesmo paraos que não ganham.

Também para obras de maior vulto se veri-fica que, na sua generalidade, os concursos nãotêm primado por ser marcadamente estimulan-tes, nem por fomentar a exigível exemplaridadedo processo.

Nestes casos, mais que em qualquer outro,julgo ser essencial a AAP fomentar na prática, nopromotor, a consciencialização do importantesignificado e potencialidades dum concurso deconcepção. Tal atitude poderá forjar um pro-cesso mobilizador da convergência de atençõesa nível nacional e até internacional, que se tra-duza no prestígio e na qualificação da iniciativa.

Mas voltando aos concursos mais quotidia-nos, não há dúvida, tanto para quem concorracom alguma frequência, como para quem osorganize ou participe em júris, que se constataa sua crescente trivialização, patenteada nosseus múltiplos passos, onde, desde a falta deprofissionalismo de organização, à leviandade(e não só) do desempenho da avaliação da

maioria dos júris, pouco resta que exalte à ade-são à modalidade, a não ser pelo que cada umfaz dela, como oportunidade de trabalho mera-mente individual.

Para todos os profissionais envolvidos nestamatéria, que não são necessariamente apenasos concorrentes, seria interessante levar maislonge o nível de observação da aparente reali-dade dos concursos.

Parece impôr-se, de facto, uma leitura in-terna, crítica e sistemática dos elementos emjogo, para nos apercebermos das falhas e lacu-nas que lhes vem conferindo tal imagem. Emmeu entender, é a AAP quem está melhor posi-cionada para centralizar esse estudo, visto quetem parte activa e até liderante na preparação e funcionamento duma apreciável faixa dos con-cursos do mercado, dispondo de toda a infor-mação referente àqueles que apoia e assessora,para além de lhe chegarem os protestos e osecos da sua prática (pedidos de contestação,declarações de voto, artigos de opinião, etc.).

Também será significativo conhecer objecti-vamente as razões dos concursos que amesma não recomendou aos associados.

Todos estes dados ajudam a fazer a históriacrítica do desenvolvimento do processo, desdea própria escolha da modalidade, à análise doselementos fornecidos aos concorrentes, comatenção especial à formulação do programa eàs respostas aos pedidos de esclarecimento,que são seu complemento (verificando se asentidades convidadas para júri tiveram ou nãoparticipação na feitura desse programa), até àconstituição e nomeação do júri e sua actuação(metodologia de avaliação adoptada, verifica-ção da análise explícita e individual dos traba-lhos que proceda a avaliação comparativa,incluindo o tempo dedicado à avaliação daspropostas), e ainda a verificação da realizaçãoda exposição.

Julgo que este material, devidamente tratado(não haverá um voluntário que aproveite o as-sunto para uma tese?) poderia reconstituir comobjectividade o cenário da realidade internados concursos que, em contraponto com osseus resultados públicos – as propostas desolução – nos proporcionaria algumas pistassobre os referidos factores intervenientes nasua prática, esses mais privados.

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Para o Grupo de Trabalho de Encomenda daAAP, este estudo teria especial interesse, vistoque estão em preparação propostas tanto anível das modalidades dos concursos de con-cepção e da sua relação com a Directiva92/50/CEE, como a nível da problemática danomeação e responsabilização dos represen-tantes da AAP em júris dos concursos.

Mas o que talvez nenhuma modalidade,norma ou código, conseguirá salientar é que oque caracteriza um concurso é, antes de tudo,a oportunidade de troca intelectual, o pretextode um processo crítico, que só acontecerá, sefor assumido em todo o seu desenvolvimento aprática da interrogação:

Desde o antes do concurso, que deve cons-tituir, para quem o promove, uma tomada deconsciência da problemática que tem em mãos,e portanto a etapa ideal para se fomentar a in-vestigação e o diálogo com todos os interve-nientes do processo; ao durante, que comporta,por um lado, o trabalho de concepção dos con-correntes e, por outro, o trabalho de opiniãocrítica dum júri; até ao depois com a apresenta-ção pública das propostas, onde acabam porser mostradas e avaliadas duas espécies de tra-balho: o dos concorrentes e o do júri.

Esta última fase, a ser devidamente divul-gada, representa um pólo enriquecedor de co-nhecimento, cujo debate merece ser exploradoprincipalmente a nível das Faculdades, vistocriar a oportunidade dos alunos despertarempara a questão da amplitude do processo cria-tivo: um programa – várias soluções.

Quanto a mim, este espectro de influência éo valor intrínseco que é específico dum con-curso de concepção, afinal o que distingue daencomenda directa, onde tudo se passa a dois.

Só é de lamentar que, actualmente, ele nãoesteja a ser fomentado entre nós...

Leonor FigueiraJA 145/146, Março/Abril 1995, p. 10-11

Modo excepcional de selecção(...) Habitualmente acusam-se os concursos delentidão, de custos acrescidos e outros males.Assim se esconde a dificuldade em ser neutroe objectivo perante mais um negócio, mais umaprestação de serviços, pois é assim que um

projecto de Arquitectura é habitualmente enca-rado, pois ele implica não só os honorários dosprojectos, como também um determinadoefeito sobre o processo construtivo, e aí as ver-bas e os interesses são muito maiores.

Deste modo, pode-se concluir que à enco-menda excepcional está associado o concurso.Afinal ainda (e por quanto tempo?) modo raro deescolha de projectos de Arquitectura por partedas entidades públicas e quase absolutamenteignorado pelos outros, como empresas imobiliá-rias, grupos económicos que constroem a suasede de prestígio, agentes turísticos, etc. (...)

Michel Toussaintin “Editorial”, JA 143/144,

Janeiro/Fevereiro 1995, p. 9

Responsabilidades em confrontoConseguir organizar um concurso de Arquitec-tura já é alguma coisa como se sabe. As entida-des públicas que os promovem estão deparabéns, pois muitas vezes lutam ou contra aopinião de quem as tutela ou contra a vontadedaquele que dirige o serviço que se albergarános espaços construídos segundo o projectoescolhido por concurso.

Assim, aliás como é habitual no exercício dopoder (público) por cá, as decisões não sãoclaramente e (ou) publicamente discutidas, mas são sujeitas às lutas de corredores e daíresultam documentos normativos e programasde concursos coxos, com pouca lógica, que arquitectos e membros dos júris têm enormesdificuldades em compreender e, portanto, emcumprir.

Muitas vezes essas lutas passam-se dentrodo júri, nomeado por conveniências de mo-mento e com desequilíbrios de conhecimentosmuito acentuados, tornando, por seu lado, asdecisões desses júris assentes em autênticas“mantas de retalho” e , por fim, resultando emescolhas mais “políticas” que seriamente alicer-çadas num atento e conhecedor debruçarsobre os trabalhos concorrentes.

Estas são algumas das realidades que enfor-mam muitos dos concursos. Mas mesmo assimvale a pena que existam pois a alternativa dadecisão pessoal e causal traria com certeza umabaixamento qualitativo pois nem publicamente

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haveria que dar justificação, nem sequer haviaescolha ou confronto qualitativo. (...) Os con-cursos de Arquitectura são assim também ummodo de confrontar responsabilidades.

Michel Toussaintin “Editorial”, JA 145/146,

Março/Abril 1995, p. 9

Dos concursos e da acção da AAP: novas reflexões necessáriasÉ matéria particularmente sensível, na avaliaçãodo trabalho das Direcções da AAP, a sua atitudeface às questões da encomenda em geral e dosconcursos em particular. Devemos reconhecerque, mesmo ao nível da formulação dos objecti-vos da AAP, se revelam ainda grandes fragilida-des: a parcela da encomenda que é objecto deconcursos deve ser maior ou menor? A atitudeface aos tipos de concurso deve ser mais flexível,ou menos? A AAP deve ter maior interferência,ou menor, e em que momentos do processo daencomenda deve ser privilegiada essa interferên-cia (formulação do programa, dos regulamentos,avaliação, contratação)? Como preservar osprincípios próprios de um concurso de arquitec-tura compatibilizando-os com as questões co-merciais envolvidas nos conceitos básicos dasregras da concorrência? Como lidar com o qua-dro legislativo nacional e comunitário nesta área?

A evolução das condições do exercício daprofissão apanha frequentemente a AAP des-prevenida. Muito do que já deveria estar feitoainda está por fazer.

Alguns anos atrás, em Portugal como nou-tros países, os concursos de arquitectura reve-lavam basicamente preocupações de naturezacultural. Tratava-se de momentos excepcionaisem que algumas (poucas) entidades revestidasde grande credibilidade propiciavam estesexercícios disciplinares. Mais do que oportuni-dades de acesso ao mercado de trabalho, osconcursos eram práticas de emulação profis-sional das quais os arquitectos não dependiampara sobreviver (predominam as referências aconcursos de “ideias”). As organizações profis-sionais de arquitectos nacionais e internacionaisadoptavam uma postura de representantes dosconcorrentes, exigindo uma obediência estritaàs regras por si previamente elaboradas. Fre-

quentemente afastavam-se das iniciativas con-siderando, por exemplo, que só mereciam a suaparticipação os processos públicos (ficou céle-bre o afastamento do SNA em relação ao con-curso para a Fundação Gulbenkian com aconsequência infeliz de um certo afastamentode Keil do Amaral em relação ao SNA).

Hoje a concorrência é mais feroz, os norma-tivos legais mais constrangedores, a aberturadas fronteiras mais real (em especial nos gran-des projectos), as pressões dos promotores(quanto aos prazos, aos custos e ao controlodo processo de selecção) mais insistentes. Osconcursos têm assumido cada vez mais o papelde um instrumento normal na regulação daconcorrência, papel por vezes contraditóriocom o das suas funções “culturais”.

No processo dos concursos convergem estra-tégias de acesso à encomenda de empresas eateliers consagrados , perspectivas de “ingresso”na carreira profissional de recém-formados e ló-gicas de exercício profissional precário (em equilí-brio instável, com uma carreira na função públicaservindo de balastro). E convivem também nosconcursos, promotores e encomendas de diversadimensão e natureza, por vezes submetidos anormativos legais dificilmente compatíveis com asnormas que os arquitectos privilegiam, por vezesdependentes dos concursos para obter financia-mentos ou autorizações, mas que neles não têmconvicções sérias e autênticas.

Esta generalização, “massificação”, ou pelomenos multiplicação dos concursos tem tido con-sequências para a acção da AAP, com duas lógi-cas contraditórias: por um lado, a tendência paraa flexibilização, visando o objectivo de estar pre-sente num maior número de processos e estarpresente o mais cedo possível na sua preparação;por outro lado, a tendência para a formalizaçãodos procedimentos não só através de instrumen-tos normativos mais elaborados e com enqua-dramentos legais mais complexos, mas tambématravés de maior formalização no relacionamentoentre as “partes” (promotor, AAP, júri, concorren-tes). A redução do nível cultural do debate emtorno dos concursos e o aumento do número deintensidade dos conflitos de natureza legal e regu-lamentar desloca o centro das atenções da AAPpara uma área “arbitral”, de “regulação da concor-rência” ou de “fiscalização da legalidade”.

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O processo e o resultado dos concursos écada vez mais fonte de crispação, pondo emcausa frequentemente a própria AAP, e provo-cando da parte desta o natural reflexo de defesapela “formalidade”. A AAP adquiriu uma certaforma de “interesse próprio”, como instituição,na sua função negociadora com os promotorese outras instituições envolvidas no processo dosconcursos. O estatuto “arbitral” ou de “regula-ção” da concorrência tende a modificar a pos-tura da AAP, vincando-a com uma perspectivainevitavelmente mais economicista e legalista.——De uma conduta irrepreensível a uma estratégia de intervençãoA isenção da AAP, nas decisões dos seus órgãosdirectivos relativas aos concursos, merecetambém algumas reflexões. Refiro não só as tão“contestáveis” nomeações de representantesem júris, mas também as decisões quanto àparticipação nos processos, quanto aos princí-pios normativos aceitáveis e ao nível de flexibili-dade das excepções, quanto às condições deassessoria aos promotores, ao nível de exigên-cia das prestações pedidas aos concorrentes, à forma de avaliação e seus critérios, etc.

Num quadro de intensa mutação do mercadoe das condições do exercício profissional, quandoos concursos são afectados das referidas ten-dências de “banalização” e “conflitualidade”, aAAP tem de ver protegidos os seus valores eprincípios. Desde logo as suas atitudes devemser cada vez mais pautados por um código deconduta (hoje ainda insuficientemente discutidoe apurado), que preserve o máximo de isençãoe credibilidade no papel da nossa organizaçãorepresentativa.

Não raro surgem entre nós comentários e insi-nuações quanto à acção das estruturas represen-tantes ou dirigentes da AAP nesta área. É umcriticismo que não encontra paralelo noutras clas-ses profissionais ou mesmo noutros “ramos denegócio” altamente competitivos. Se tal criticismona maioria dos casos tem escasso fundamento epoderá ser resultado tão só das tensões emocio-nais que envolvem os concorrentes o facto é quenoutros casos têm evidente pertinência.

Mais não seja pelo desgaste que causa talcriticismo, ele deve ser encarado de espíritoaberto.

Mas se é necessário estabelecer com maisrigor o código de conduta da AAP em matéria deconcursos, o esforço de reflexão quanto à isen-ção do trabalho associativo em geral deve serfeito com realismo. O certo é que não se podeexigir dos dirigentes da AAP que se abstenhamtotalmente de exercer a sua profissão enquantodurarem os seus cargos associativos. Se é dese-jável o profissionalismo do trabalho da AAP, e seé exigível dos seus dirigentes um comportamentoque não levante qualquer dúvida quanto ao con-flito de interesses entre as funções associativas eos interesses profissionais, nem por isso tal racio-cínio nos deve conduzir ao beco sem saída da“profissionalização total” das direcções da AAP. A ética é codificável, mas não o é totalmente. Sea revisão estatutária nos permitiu pela primeiravez propôr um leque de incompatibilidades comos cargos associativos, tal não dispensa o terreno“estratégico” desta discussão [parto do princípioque a publicação deste artigo ocorrerá depois da votação estatutária e que o seu resultado terásido favorável. (Whishfull thinking?)].

A urgente discussão do papel da AAP nofuncionamento do mercado da Arquitectura, daEncomenda e em especial dos Concursos teráde não se limitar ao domínio das “aparências”.Numa insttituição como a AAP, que dia a dia seamplifica (e complexifica) tudo é necessário, enenhum dos valores envolvidos na abordagemdesta matéria deve ser silenciado: a vigilânciados associados, a transparência e a fluência dainformação, a reflexão permanente participadapor todos. E em última análise a democracia,que nos permite decidir em conjunto e escolherquem nos representa.

Mas a questão estratégica da política asso-ciativa na área da encomenda e dos concursos,primeiro que tudo estará na fixação de objecti-vos. Dois modelos se nos abrem.

Um será um modelo “liberal”, de uma asso-ciação de profissionais que não ambiciona in-tervir no exercício profissional e portanto nofuncionamento do mercado. Para quem advo-gue este modelo, a AAP não deverá procurarintervir a não ser quando a procurem, devendoprivilegiar a excepcionalidade dos concursosem relação ao funcionamento normal do mer-cado, cujas “vicissitudes” dirão respeito apenasa quem nelas se vê envolvido.

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O outro será um modelo “interactivo” emque a AAP aspira a contribuir para uma maissaudável regulação da concorrência e dos inte-resses profissionais sem desvalorizar o papelcultural e o papel “democrático” da cultura dosconcursos. Assim, haverá que procurar intervirna legislação, fazer o marketing dos bons pro-cessos junto dos promotores, oferecer aos ar-quitectos uma cada vez maior protecção eenquadramento da sua acção, lutando na frentedifícil da criação das melhores condições parauma concorrência pela qualidade, e um saudá-vel debate disciplinar.

Para fugir mais facilmente às conflitualidades,para proteger as direcções do criticismo e paraevitar uma maior exigência de comportamentoético de todos os envolvidos, o primeiro caminhoserá o mais fácil. Uma AAP que não intervémnão suscita adversários. Mas não será o cami-nho da facilidade, cada vez mais, e apenas, ocaminho das aparências, das inconsequências,das complacências e das conivências.

Pedro BrandãoJA 143/144, Janeiro/

Fevereiro 1995, p. 10-11

1996É a conversar... sobre concursosEstive em Frankfurt, a convite do Museu Ale-mão de Arquitectura, para discutir os proces-sos e procedimentos nacionais de encomenda,no quadro da Directiva 92/50/CEE, com cole-gas delegados das outras organizações profis-sionais europeias. O consenso foi geral. Umconcurso público de arquitectura ou de urba-nismo permite uma distribuição do trabalho ba-seada em princípios éticos e estéticos quetomam forma em “construções” importantes naevolução histórica e cultural de um povo.

Um concurso de arquitectura ou de urba-nismo procura a harmonia entre os interesses daobra, do promotor e dos arquitectos. Contudo,quer pela natureza, quer pelos seus objectivos,nem todos os problemas são passíveis de resolu-ção através de concursos. A sua generalizaçãosistemática teria efeitos nocivos em termos dos

objectivos propostos e em termos do esforçoque seria necessário pedir aos arquitectos, so-bretudo por um enorme desperdício de esforços.

No que diz respeito aos concursos, a AAPdefende os arquitectos enquanto protagonistasde um papel indispensável, tanto no processode estabelecimento de normas como naquelede avaliar os efeitos da sua aplicação. O debateentre arquitectos permite o confronto de expe-riências e de pontos de vista que contribuempara o enriquecimento dos critérios de orienta-ção do Serviço de Concursos da AAP.

Uma associação de direito público devepreencher funções delegadas pelo Estado emqualquer acção que releve da qualidade do am-biente construído. Se entendermos a qualidadecomo um valor para a comunidade então omercado de trabalhos de concepção é o domí-nio no qual se deve manifestar a capacidade deconciliar o interesse público e a gestão dos di-ferentes intervenientes, políticos, económicos esociais. A AAP tem vindo a acompanhar a evo-lução do comportamento dos promotores, pú-blicos e privados, na condução do processo deencomenda de Arquitectura.

A transposição da Directiva estabeleceu, emMarço de 1995, o quadro legal da encomendapública de serviços em Portugal. À semelhançados seus parceiros europeus, a AAP continua abater-se pelo reconhecimento e total autonomiados serviços de concepção – ordenamento, ur-banismo, arquitectura e engenharia civil – dada asua especificidade e o seu carácter intelectual.O parecer conjunto dos Paisagistas, Engenhei-ros e Arquitectos, resultado de outras tantasconversas, foi entregue ao Governo. A AAP pre-tende que a prática de concursos de concepçãoobrigue um acompanhamento profissional e es-pecializado. Para uma exigência de rigor em todoo processo: rigor no programa, rigor na organi-zação, rigor na avaliação... rigor nas soluções.

Olga QuintanilhaBA 45, Dezembro 1996, p. 1

A encomenda e os concursosOs concursos de arquitectura organizados se-gundo boas regras são em Portugal, no total daencomenda e apesar da acção didáctica daAAP e de algumas experiências de sucesso,

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virtualmente insignificantes. O quadro legal deencomenda pública, recentemente melhoradocom a transposição da Directiva 92/50/CEE,necessita ainda de uma regulamentação dosConcursos para trabalhos de concepção: pro-gramas bem organizados e uma prestação pro-fissional, permitindo a um júri qualificado aavaliação e a selecção pela qualidade, segundocritérios transparentes e relevantes para o su-cesso da futura contratação e seu resultado.

Com a transposição para a ordem jurídica in-terna da Directiva 92/59/CEE relativa à Enco-menda Pública de Serviços, através do Decreto--Lei 55/95, ficou estabelecido o regime de reali-zação de despesas públicas com a aquisição debens e serviços. Genericamente, é um docu-mento razoável porque substitui toda a legislaçãosobre esta matéria que era pouco transparente,incompleta e incongruente. Um dos pontos po-sitivos é a universalidade do âmbito de aplica-ção que se estende desde o Estado até àsautarquias, passando pelas pessoas colectivasde direito público, entidades dotadas de auto-nomia administrativa e financeira, etc.

O aspecto mais positivo, no que à Arquitec-tura diz respeito, é a criação de procedimentospróprios a seguir nos trabalhos de concepção(definidos nos artigos 94 e 95 da secção VII docapítulo II deste Decreto). A noção de regula-mentação própria deverá ser implementada comvista à sua adequação, em função da realidade eda experiência. Ora esta vai-se ganhando nasAssociações Públicas representativas das profis-sões envolvidas nos trabalhos de concepção,como é o caso da profissão de arquitecto.

Estabelece-se no referido Decreto-Lei que,por Portaria, serão aprovados os modelos deprograma de concurso e caderno de encargos--tipo (até agora os trâmites processuais nestamatéria consistiam na aplicação decalcada dasnormas relativas às empreitadas de obras públi-cas, o que conduzia a gritantes aberrações). A nova normativa e a elaboração dos referidosinstrumentos a criar por Portaria não dispen-sam a participação das associações públicas,que deve ser solicitada desde o início dos pro-cessos, no sentido de estas colaborarem nadefinição dos objectivos a atingir, na escolha damodalidade mais apropriada, na definição doselementos de avaliação, etc.

Deve-se ter bem presente a realidade domundo da encomenda. A prática excessiva deconcursos públicos, tal como estão previstospara todo e qualquer tipo de empreendimento,pode ser negativa para o frágil tecido dos pro-jectistas e ser prejudicial, a prazo, à própria in-tegridade e especificidade do concurso deArquitectura.

Deste modo, terá de existir uma criteriosaponderação na opção pelas modalidades e pro-cedimentos mais convenientes, balizada natural-mente por princípios claros. No caso dosserviços de Arquitectura e Urbanismo, as re-gras referentes aos intervalos financeiros nãosão suficientes: a complexidade dos projectos, asua localização, o tipo de uso dos edifícios, sãoparâmetros da maior importância para determi-nar o nível de exigência dos procedimentos epara a escolha das modalidades adequadas.

Admite-se a necessidade de, em certos casos,haver recurso a procedimentos simplificados,com suportes de avaliação padronizados, impli-cando prazos curtos de concepção, apreciaçãoe adjudicação. É também necessário respeitarprincípios como o da existência de prémios paraos classificados, em número e importância queestejam de acordo com os elementos exigidosaos concorrentes e com o valor previsível doshonorários das especialidades envolvidas.

Para privilegiar a qualidade do projecto, acomposição urbana, os valores estéticos e aspreocupações culturais e sociais, os concursosde Arquitectura e Urbanismo deverão sempreincluir o critério da qualidade como orientador.

AAP – “A Prática: o Mercado; a encomenda e os concurso” in Livro Branco

da Arquitectura e do Ambiente Urbano em Portugal. Lisboa: 1996, p. 75-76.

2003Encomenda pública e concursos de arquitecturaPerante a responsabilidade com que se con-frontam as entidades públicas na escolha deum arquitecto e de uma forma construída paraas intervenções arquitectónicas a construir, os

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concursos de arquitectura configuram-se comooportunidades únicas de escolha, perante umleque variado de soluções de projecto. Assimse pode garantir a melhor opção das institui-ções e a salvaguarda do interesse público.

Perante o cenário que hoje se observa não háuma forma inquestionável de padronizar a enco-menda pública de arquitectura visto que a adju-dicação de projectos envolve um conjunto decomplexidades e exigências muito específicas.

Ao nível do planeamento e do ordenamentodo território, a definição dos programas e a rela-ção entre a entidade comitente pressupõe umclaro entendimento metodológico entre as partesque exige níveis de confiança técnica e, inclusiva-mente, de confiança política, que não podem serquantificadas pela simples enumeração de “pro-jectos similares já realizados”. Há que acres-centar a estas dificuldades a ausência de umtabelamento de honorários que permita umquadro de referência mais seguro do que amera competição de mercado.

Na edificação, as exigências técnicas e acomplexidade dos programas apontam para aconveniência de optar por formas de concursa-mento que permitam uma primeira selecção deideias, que em segunda fase são desenvolvidase ajustadas. Adequando o volume de trabalhodas equipas concorrentes à capacidade dos ju-rados se envolverem nos programas e identifi-carem as particularidades das soluções.

A aceitação da margem de risco que os con-cursos comportam para as equipas concorrentesé também um factor determinante, na capacidadede aceitação dos resultados e na naturalidade dodecurso dos processos para entidades encomen-dadoras. Contudo verifica-se que uma parte sig-nificativa dos procedimentos contestados sãodecorrentes de incoerências e falta de cuidadona organização formal dos concursos. A expe-riência que a Ordem dos Arquitectos tem acumu-lado no apoio a entidades promotoras permiteconstatar que apenas uma parte reduzida dosconcursos conta com a participação e envolvi-mento da Ordem dos Arquitectos e que estesconcursos, salvo raras excepções, têm sido ob-jecto de procedimentos correctos e qualificados.

Uma questão em aberto que é determinanteavaliar é a perda da racionalidade económica naprodução de trabalho que o aumento significativo

do número de concursos pode implicar. É neces-sário ajustar e desenvolver a actual legislação,quer em aspectos particulares como a publicita-ção dos júris na abertura dos procedimentosquer a possibilidade de organizar concursos emduas fases de projecto, quer em aspectos defundo, reconhecendo as mais-valias culturais e aespecificidade dos serviços de arquitectura.

Carlos Guimarãeswww.oasrn.org/obs_temperatura.

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Encomenda pública de arquitectura e ci-dadania – conclusões e recomendações1. As bases da encomenda pública, incluindoas que garantem a qualidade arquitectónica,devem ser explícitas e comuns a todos os ser-viços públicos, sejam da administração geral doEstado, sejam da administração local autárquica.

Equacionar a oportunidade de se estabele-cer um regime jurídico da encomenda pública,eventualmente inspirado na experiência fran-cesa, designadamente na loi n.º 085-704 du12 juillet 1985 relative à la maîtrise d’ou-vrage publique et à ses rapports avec lamaîtrise d’oeuvres privée.

2. Os princípios que regem a encomenda pú-blica devem ser tutelados por entidade pública,de carácter ad hoc, que evolua no sentido deuma futura Direcção-Geral da Arquitectura,concebida como um organismo especialmentevocacionado para promover a qualidade arqui-tectónica dos empreendimentos de construçãoda iniciativa do sector público.

Um possível modelo seria a Dirección Geralde Arquitectura y Vivienda, do Ministério doFomento espanhol.

3. Caso o anterior modelo organizacional nãosuscite consenso é imprescindível que o Minis-tério das Finanças assuma a qualidade arquitec-tónica como interesse público a seu cargo,enquadrando a alienação do património do Estadoem critérios de ordem estética que superem umavisão estritamente económica do aproveitamentode terrenos bem posicionados na malha urbana.

Veja-se a experiência britânica do CABE,Commission for Architecture and the BuiltEnvironment, e, em especial, da iniciativa Better Public Buildings.

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4. A política de encomenda pública deverá privilegiar os concursos de arquitectura e de urbanismo, encarados como uma forma de com-provar a actuação exemplar do Estado na pro-moção da qualidade arquitectónica, bem comoum meio de formação do gosto do cidadão e deeducação democrática do seu juízo crítico.

Todos os Estados-membros da União Europeia que adoptaram uma política pública dearquitectura (veja-se o site http://www.architec-ture-forum.net [actualmente http://www.efap-fepa.eu] encaram a exemplaridade do sectorpúblico como um aspecto essencial e prioritárioda promoção da qualidade arquitectónica.

5. Na sequência da parte final da anterior con-clusão, a política de encomenda pública de arqui-tectura deverá ser apoiada pela constituição decentros de arquitectura, capazes de suscitar e se-dimentar o debate local da arquitectura da cidade.

Veja-se International Architecture Cen-tres: Critical Guide Book, organizado porHannah Ford e Bridget Sawyers (London: JohnWiley & Sons, 2003). No sítio do CABE lê-se oseguinte: Following on from The Value of Ar-chitecture Centres conference hosted in theUK in June 2002, this is the first substan-tial directory of architecture centres in Eu-rope and North America. Public interest inarchitecture has increased significantlyover the last few years, and this, combinedwith social developments of increased de-mocracy, citizen and public participationhas stimulated the development of architec-ture centres around the world. Many havedifferent directions but they all overlap intheir aim to provide education and infor-mation about architecture at all levels.

Fernando Gonçalveswww.oasrn.org/obs_temperatura.

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2004Elefantes à solta – a fogueira dos concursos de arquitectura(...) Diz o ditado: “Quem não sabe é como quemnão vê”. E ninguém sabe o que se passa nos con-

cursos de arquitectura em Portugal. Quantos são,quem concorre, quem não concorre, como sefazem, quanto valem, o que produzem, etc., et., etc.Não há um sistema de informação, registo e inven-tariação da prática que permita, de um modo ob-jectivo, avaliar e fazer a crítica do que significam erepresentam os concursos de arquitectura. Qual-quer ensaio crítico ou propostas de aperfeiçoa-mento têm-se realizado sempre segundo umaperspectiva pessoal, circunstancial e seguramentedistorcida em relação a um panorama misterioso edesconhecido. Desconhecimento que é instru-mento útil para manipular argumentos e fazer re-dundar qualquer debate em becos sem saída.

Sabemos que a legislação existente, apesar deobrigar, é paradoxalmente dissuasora da práticado concurso, em particular do concurso de arqui-tectura, porque os métodos que exige não corres-pondem às suas especificidades, não se adequamàs necessidades dos promotores, não respeitam otrabalho dos concorrentes e não valorizam conve-nientemente o desempenho dos júris. A adminis-tração pública, teoricamente a maior produtorade concursos de arquitectura, não os encaracomo um trabalho sério porque ignora o valor quelhes é inerente. Tomar um concurso, actividade degrande importância cultural, por uma mero actoadministrativo (e esta é a prática que tem vindo aganhar cada vez mais expressão) só contribuipara a sua banalização e desvalorização. O traba-lho acrescido que significa organizar um concurso– na preparação e organização dos procedimen-tos, na gestão administrativa dos processos, nadisponibilidade de investimento dos arquitectos,na capacidade de análise dos júris, na possibilidadede debate público que se abre – é inacreditavel-mente desprezado, entendendo-se o concurso dearquitectura como um mal necessário.

Conhecer a realidade é um instrumento deargumentação a que os arquitectos devem re-correr, num momento em que a realidade doexercício profissional se está a transformar aolhos vistos, com a explosão numérica de ar-quitectos, em que o anonimato vai naturalmentesubstituir o carácter familiar em que o grupoprofissional vivia há não muitos anos.——O elefanteA tarefa dos júris de concursos, mais do que es-colher, consiste em rejeitar trabalhos. Os concur-

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sos de arquitectura são uma forma muito inter-veniente no progresso da cultura arquitectónica,sobretudo porque excluem e inviabilizam alterna-tivas, estratégias, hipóteses, descartando solu-ções alternativas à que se vai construir. Nãoestamos a falar da escolha consensual que con-duz à neutralidade ou à mediocridade das pro-postas vencedoras. A possibilidade de se fazeruma história da arquitectura portuguesa contem-porânea através das escolhas do júri demonstraque esse argumento é válido mas não absoluto:os arquitectos portugueses que se exportarampara o estrangeiro construíram obras importan-tes como resultado de primeiros prémios emmomentos decisivos dos seus percursos profis-sionais (Siza em Kreuzberg, Eduardo Souto deMoura na Casa das Artes, Gonçalo Byrne emBraga, Carrilho da Graça na 2.ª Circular, porexemplo). Haverá necessidade de construir ummonumento ao arquitecto não premiado?

André TavaresJA 216, Julho/Agosto/

Setembro 2004, p. 45-47

Um sorriso ao pé das escadas (a propósitodos concursos de concepção/construção)Caro Manuel Graça Dias,Acontece que, sempre que me pedes um textopara o JA, eu me atraso.

Não é por descuido, ou por falta de conside-ração, mas acontece que, fisicamente, não tenhotempo para me concentrar e, psicologicamente,não gosto de escrever.

Escrever é como fazer um projecto; é umacto que necessita de rigor para se poder dizeralguma coisa com interesse, pois é disso que aspessoas estão à espera.

(...) Pediste-me para falar sobre concepção/construção. A minha impressão é que o sistemageralmente acaba em construção/concepção eo projectista ou sai – demite-se – ou faz “umsorriso ao pé das escadas”, como no circo.

Passei – quer dizer, estou a passar – por duasexperiências deste tipo e, apesar das dificulda-des, não estou arrependido.

A primeira, que ainda está em curso, é a deum concurso para um auditório.

Aconteceu que uma Câmara me pediu umprojecto para um auditório, dois auditórios –

afinal – três auditórios, para teatro, concertos,conferências, congressos, ópera, etc.

O orçamento para este tipo de programas é naturalmente elevado. Fiz seguros, garantiasbancárias, assinei um contrato e vi pelo jornalque o Tribunal de Contas tinha chumbado oprocesso.

Os motivos justificam-se, em relação aomontante dos honorários que, segundo me dis-seram, obrigariam a um concurso, conforme asnormativas da União Europeia.

Foi lançado um concurso de concepção/construção, fui convidado por um construtor e,por despeito, nem hesitei em aceitar.

O concurso ainda está por decidir mas umacoisa já verifiquei, de positivo: quando uma equipaprojectista – Arquitectos, Paisagistas, Engenhei-ros de Estruturas, de Segurança, de Mecânica, de Águas e Saneamento, de Arruamentos, deAcústica, de Electricidade, de Iluminação, de Ce-nografia, Medidores Orçamentistas, etc., etc.,apresentam ao Dono da Obra a proposta de ho-norários, a resposta (como já me aconteceu) é,“Tanto dinheiro! No fundo só estou a pagar papel.”

Na concepção/construção, porque os hono-rários dos projectistas são diluídos nos preçosda empreitada geral, e se faz um pequeno des-conto, ninguém contesta, são umas migalhas.“São muitos milhões, mas é chave na mão enão temos chatices...”.

A segunda experiência, que já dura há seteanos, é a do Metro do Porto (trabalho no Metrodesde 1997 e o consórcio que me convidou, aNormetro, foi o seleccionado para fazer a cons-trução). Aí, já é possível tirar mais conclusões:

1.º – Manter os orçamentos que o constru-tor propôs

Se é fundamental alguma coisa mais cara,temos de a equilibrar com outra coisa maiseconómica. É fundamental acabar com a ideiageneralizada, no meio de dezenas de Engenhei-ros, que o arquitecto (peça única) é um “artistasonhador” que vai rebentar com as medições eos orçamentos estabelecidos. No início, no-tava-se que não tinha acesso a todas as ques-tões técnicas – betão, mecânica, electricidade,águas, etc. “Deixamos-lhe as cores do azulejo, atextura da pedra, bem como os candeeiros...”.

2.º – Tipificação de soluçõesPara nos conseguirmos aproximar do orça-

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mento é fundamental tipificar as soluções, de-senhando pormenores simples que resolvammúltiplas situações.

Um exemplo que elucida bem esta ideia: seas pedras não ultrapassarem 90cm na largura,os preços baixam; não são precisas serras es-peciais, e podem trabalhar várias máquinas aquie ali, pois quase todas as pedreiras as têm.

3.º – As soluções têm que ser limpas, sim-ples e generalizáveis

Aqui é que o Less is More funciona mesmoe não há lugar para decorações.

“O ornamento é um delito” que só pode virdepois, a posteriori, caso haja orçamento paraobras de arte.

4.º – A linguagem fica dependente dos mate-riais e do sistema construtivo

Nas estações há duas formas de construção:a) Galeria, e nesse caso o tecto da estação

fica curvo – Estações M1b) A céu aberto, e, então, o buraco é fechado

com uma laje ficando, portanto, plano – Esta-ções M3.

Explorei estas duas formas com variantes,para que os tectos fossem sempre diferentes ecapazes de identificar as estações, já que o soloe as paredes são sempre iguais.

5.º – CoordenaçãoOutra questão importante é a coordenaçãoentre as diferentes especialidades. Pode acon-tecer – e acontece mesmo –, estarmos todosde acordo, mas a questão é “quem faz o quê”,“com quem” e “quem paga o quê”.

Os operários constroem a obra com cotasprecisas. Mas será que, nas dezenas de espe-cialidades, os projectos têm todos as mesmascotas? Será que estamos todos a trabalhar namesma fase ou há especialidades que aindatêm folhas do Anteprojecto?

Os electrotécnicos iluminam, respeitam oslux das tabelas. Mas será que a luz, ao incidirnos azulejos, é confortável?

Os mecânicos abrem canais para ventilar,precisam de um ø. Mas será suficiente? E de-pois, a grelha, não irá cortar algum jardim comárvores?

Os arquitectos escolhem os azulejos, as pe-dras; desenham portas corta-fogo, candeeiros,bancos, escadas, corrimãos, tectos acústicos,elevadores, lojas, máquinas de bilhetes, lette-

ring e publicidade. Reconstroem ruínas encon-tradas na escavação; alteram cotas. Mas seráque conseguem, àquela velocidade alucinante,encontrar coerência em tudo?

Nestes casos, nunca percebi muito bem opapel da fiscalização, já que a obra é entregue“chave na mão” e o consórcio ficará responsá-vel durante uma série de anos.

O fundamental, para que o resultado sejaaceitável, será organizar uma equipa de projec-tistas que coordene, sistematize e fiscalize (nosentido de chamar a atenção; por exemplo, umbanco não poderá ser ali, onde está previsto umpainel informativo que o outro desconhece, porestar apenas a cumprir a sua missão específica).

Convém não esquecer que o Projecto de Exe-cução de betão armado começa com o Antepro-jecto de Arquitectura, e que quando verificamosque alguma coisa afinal não está bem, muitasvezes já é tarde. E é assim, porque há que cum-prir os prazos, porque a inauguração já foi mar-cada e porque depois chegam os Ministros.

É fundamental que o Arquitecto neste tipode projecto – concepção/construção – seja umcoordenador que, não sabendo nada de nadasobre os assuntos específicos, saberá de tudo,sobre o nada que se passa em geral.

Um abraço do,Eduardo Souto de Moura

JA 216, Julho/Agosto/Setembro 2004, p. 22-23

P. S. Não posso deixar de agradecer, ao Arq.Adriano Pimenta e a toda a equipa de cola-boração, as tarefas que acima referi.

A arquitectura está condenada a ser sempre contemporânea(...) Um concurso é sempre uma fase transitóriade um projecto. É preciso que a escolha sejaatenta e se perceba, entre os projectos, aqueleque tem maior potencialidade dentro dos objec-tivos que o concurso fixa. Isso é muito impor-tante. No caso do objectivo do concurso serconstruir um edifício, o projecto deve ser exequí-vel, sem que isso se traduza num excesso de es-forço, de despesa, etc., e deve ter também umcusto de manutenção razoável.

(...) É bom que o regulamento de um con-curso introduza aspectos que obriguem o júri a

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esmiuçar as propostas em toda a sua complexi-dade; que não fique, também, só preso, até fas-cinado, a uma situação, muitas vezes perversa,como, por exemplo, a discussão da linguagemarquitectónica.

A outra condição é que os júris sejam de qua-lidade. Não basta haver boas leis – e isto é ovelho dilema de todas as sociedades –, é precisoque quem as aplica cumpra com responsabili-dade aquilo para que é chamado, que seja com-petente, que saiba exactamente aquilo que faz,que tenha alguma experiência, etc., etc. e, sobre-tudo, que seja exigente em relação ao papel quedesempenha no âmbito do próprio júri. É impor-tante salientar que os júris funcionam semprecomo colégios, como grupos. O ambiente é, fe-lizmente, cada vez mais o da própria arquitec-tura contemporânea: há, muitas vezes, visõesque se sobrepõem, que são opostas; e essedebate é, normalmente, muito necessário paraaprofundar a análise das qualidades do projectoque está a ser estudado.

Um concurso é um excelente método paraestabelecer critérios de qualidade em relaçãoao que se constrói. Fundamentalmente, é ummétodo muito aberto, que acaba por ser alta-mente selectivo. Normalmente, um número ele-vado de candidaturas termina na escolha deuma só. E isso é quase contraditório: como éque um sistema que, por um lado, é profunda-mente democrático e visa a qualidade, no fundoestá condenado a ser um processo de rejeição?É que não há escolha sem rejeição! E isso éuma das coisas mais penosas do júri: deitar foratrabalhos, por vezes, de grande qualidade. (...)

Estamos a gerar outros sistemas perversos:por um lado, dizemos todos que queremos con-cursos, mas, por outro, dizemos que queremosser “estrelas”; e quando dizemos que queremosser “estrelas”, estamos a dizer que não quere-mos concursos. Portanto, há aqui um meca-nismo que é perverso!

(...) A autoria em arquitectura é muito impor-tante se daí surgirem boas obras. Continuo adizer que uma boa obra é sempre muito mais im-portante do que um autor. Mas isso é uma pers-pectiva minoritária. A autoria é importante se forentendida como um critério de exigência, de rigor,de qualidade. Mas passa muito por ser construídaà custa de uma constância, o que também tem

um lado perverso; e tem sido neste ponto quemuitos autores se têm ido “abaixo das canetas”.

(...) A verdade é que, hoje em dia, manter essaconstância de imagem que identifica a pessoaque está por trás da obra é alimentar um sistemade “estrelado”. (...) tem que ver com uma pressãode estilo, porque o problema é esse. A questãoda linguagem é um dos factores centrais da ar-quitectura. O problema é que para entrar no “es-trelado”, essa linguagem tem que tornar-se numestilo. É muito mais garantido. E isto o que é? É alinguagem da sociedade de consumo!

Gonçalo ByrneJA 216, Julho/Agosto/

Setembro 2004, p. 10-21

11 definições incompletas e sem hierarquia1 Os concursos são provas que os arquitec-

tos prestam para poderem, eventualmente, vira ser escolhidos para determinados trabalhos.2 Os concursos são luxos a que os promoto-

res recorrem para escolherem a melhor solu-ção para o(s) seu(s) problema(s).

(...)4 Os concursos são apostas subjectivas que

o(s) júri(s) analisam enfastiados, preenchendofichas com critérios “objectivos”, de modo a eli-minar tudo o que lhes meta medo.5 Os concursos são depósitos de esperança

que os arquitectos cumprem sózinhos, sem diá-logo com o cliente, sem nenhuma espécie deacompanhamento; paredes cegas contra asquais esbarram equipas sem saberem que im-pressão, sentido, significado, lerão os júris, de-pois, do seu trabalho.

(...)7 Os concursos são roletas russas para as

quais, agora, já nem é necessário ser previa-mente conhecida a composição do júri, ou osseus curricula.

(...)10 Um concurso público de Arquitectura

não é um fornecimento ao Estado de um deter-minado serviço; é a elaboração (a partir dozero) de uma resposta adequada a um determi-nado problema.11 Um projecto de Arquitectura é sempre

único; para responder a determinado programa

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posto a concurso não se deveria ter de se fazerprova de já ter construído ou desenhado algode semelhante.

Manuel Graça Diasin Editorial, JA 216, Julho/Agosto/

Setembro 2004, p. 3

Revolução ou concursos1.Uma maratona de dança que pode ir da vitóriaimprovável à derrota de quase todos, passandopelo amor e pela morte, pela procriação, crimeou generosidade, pela exploração da miséria eda fome, metáfora da selva que cada vez menosse associa à natureza e mais ao liberalismo sel-vagem, sobretudo da sociedade self made, mitifica nos Estados Unidos da América. Serbem sucedido na vida é sempre o resultado dalivre concorrência!

A corrida para a glória, na vida e na novelade McCoy*, é uma prova de resistência bruta,com longínquas hipóteses de fim feliz, dada aquantidade de concorrentes no limite da últimaesperança. Mais lancinante é o facto desta cor-rida pela sobrevivência, através da conquistado sucesso, à mão de semear para qualquer umem igualdade de oportunidades, se transformarem espectáculo oferecido à sociedade estabe-lecida que paga para ver a degradação que elaprópria gerou.

Tentava com o braço direito mantê-la erguida, enquanto a esbofeteava com apalma e as costas da mão esquerda. Masela não reagia. Dir-se-ia morta. Cambaleoue, por fim, caiu no soalho inconsciente. O juiz da pista apitou e toda a assistênciase pôs de pé excitada. Marttie Barnes, dopar número dezoito, desmaiou. Foi trans-portada para o vestiário, minhas senhorase meus senhores, onde vai ser submetida à melhor assistência médica.*

O narrador, que não desejava ser estrela decinema mas sim realizador, lembra com can-dura os factos recentes que o arrastaram, porrazões da mais pura humanidade, para o con-curso e para o tiro de misericórdia que lhe con-fere o direito de ser condenado à pena máximapor assassínio qualificado. É o chamado estadode direito a decidir democraticamente (através

dos instrumentos de aplicação da justiça) tirara vida, não admitindo que a sua administração,em tudo objecto de desígnios ditos pessoais eem total liberdade, chegue ao limite de lhe pôrtermo, por solidariedade e a pedido de alguémsem coragem para o suicídio. A sociedade quermanter vivo quem lhe possa proporcionar o es-pectáculo do reverso da medalha do seu pró-prio e “merecido” sucesso, e abater os que lhepõem em causa a demonstração do seu mere-cimento. É nesse cruel equilíbrio que funda-menta a sua estabilidade e a sua auto-estima.

Esta noite é que vamos encarreirar devez. Hão de vir cá uma data de estrelas, epara onde elas vão as multidões vão atrás.Algum par há-de ser eliminado esta noite.Não vale a pena arranjarem sarilhos,porque tudo será feito com lealdade. Todosdispõem das mesma oportunidades.*

Em Esparta não existia concorrência porqueos fracos eram abatidos, nunca tendo, por isso,qualquer possibilidade de “perder” livremente,em jogo leal, com os mais fortes que, assim, donosso civilizado ponto de vista, nunca ganhamo legítimo direito de exercer o seu poder. Bár-bara sociedade a espartana, pensamos, quenão permitia a contraprova que legitima os me-lhores e garante e sustenta a permanente afir-mação dessa legitimidade através doespectáculo ao vivo da miséria dos piores.

Sabemos como é difícil o exercício da demo-cracia, que passa pelo estabelecimento de umpoder, e como na civilização ocidental, fundamen-tada na Revolução Francesa, se foi diluindo o con-ceito de fraternidade e se continuou a discutir aprevalência, em alternativa perversa, da liberdadeou da igualdade. Na incapacidade de construir asíntese, a liberdade foi ganhando, e bem, contraos despotismos iluminados do ditador ou de qual-quer vanguarda. Foi uma vitória por oposição, porcontraste, e transformou-se assim, e mal, em di-reito exclusivo. É difícil a luta dos que se grupus-cularam com o crédito da fraternidade, na defesada indispensável construção da igualdade, porquetem sido fácil, por razões históricas, manipular aideia de que, na prática, defendem uma liberdadeprecária que põe em causa o seu exercício ilimi-tado, fundamento da livre concorrência.

Os concursos pressupõem a aceitação tácitae pragmática da desigualdade... Há muitos ar-

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quitectos, os melhores são os bons, como diziao velho professor de Materiais quando relativi-zava as qualidades daqueles.2.É fácil compreender, a partir da leitura deste

contexto geral, como é paradoxal a exigência,por parte dos profissionais de arquitectura, deque existam concursos públicos para atribuiçãode trabalhos pelo Estado, aqui entendido comoentidade reguladora do mercado, acabando como exercício do livre arbítrio por parte de um poderque tenderá sempre a beneficiar alguns, quasesempre os mesmos, fechando as portas a umainfinidade de outros que não tiveram oportuni-dade de afirmar o seu talento e sabedoria. O con-curso público que reivindicamos é, afinal, umagarantia de concorrência leal que garante que osmelhores sejam os beneficiados abrindo terrenoa todos, em igualdade de circunstâncias. Os queperdem, e são a maioria, são a contraprova daqualidade dos que ganham, quase sempre osmesmos. É melhor do que nada e às vezes ha-verá surpresas e um jovem desconhecido podepassar pelas luzes da ribalta. Sim, é melhor doque deixar a solução aos políticos encomendan-tes, porque isso seria aceitar a corrupção que opoder acarreta ou a incúria da qualidade das es-colhas... dizemos nós. A alternativa é o referen-dum e sabemos os benefícios que isso tem dadoà mediocridade: pelo menos assim somos julga-dos por uma maioria dos nossos pares!

Claro que não temos alternativa. Diria revo-lução ou concursos, e por isso vamos defen-dendo os dois em terrenos diferentes da vida,cada vez menos una e indivisível como a quepensámos construir a partir das ilusões de 60.

Fracturado o ser, fomos ganhando consciên-cia de que, mesmo sendo uno, é complexo econtraditório, constituído por uma teia de inte-racções, razões e afectos, a que a vida vaidando visibilidade a partir do exercício da pró-pria vontade ou de alheias e incontornáveis cir-cunstâncias ou vicissitudes exteriores.

Por isso não temos alternativa, embora quan-tas vezes não desejássemos que as entregasfossem directas: em primeiro lugar a nós, evi-dentemente, em segundo lugar ao Siza quesempre é uma garantia!

E o paradoxo está bem clarificado nas exi-gências cada vez maiores e que vão do curri-

culum à demonstração de capacidade técnicae financeira, medidos pelo número de obras dedimensão semelhante, quantidade de computa-dores ou garantias bancárias. Os jovens inexpe-rientes vão ficando de fora e nós achamos beme mal. E vamo-nos consolando: o Convento deCristo? Há que ter cuidado! E há.

E os júris, nossos avaliadores? Representan-tes do dono da obra, normalmente os piores, osoutros sempre são arquitectos: representantesde instituições públicas, da Ordem, ou persona-lidades convidadas. Mas com que provas dadasde um mínimo de cultura arquitectónica e capa-cidade crítica? Para cúmulo, não são conheci-dos à partida pelos concorrentes que, assim, seentregam à decisão de incógnitos, sem rede.

Depois há os degradantes concursos deprazo e preço lançados por tantas instituiçõesdo Estado e autarquias, talvez para favoreceros jovens ou os outros que não “os sempre osmesmos”.

Devíamos reflectir sobre tudo isto e criarnovos códigos deontológicos e respectivas san-ções, aplicáveis às entidades promotoras, obvia-mente. Caso contrário, mais vale deixar mesmolivre a concorrência ou o arbítrio do encomen-dante e dar o tiro de misericórdia na Ordemdos Arquitectos e, porque não, no Estado!3.Os concursos públicos de arquitectura, sujei-

tos a uma legislação genérica que não tem emlinha de conta a sua especificidade, solicitam aoconcorrente uma enorme quantidade de docu-mentos que têm, em trabalho e preocupação,um peso enorme em relação ao que se dis-pende na elaboração da proposta projectual.Além dos que se solicitam a entidades ou quese elaboram de forma quantitativa, pedem-nosreflexões críticas e metodológicas para além daclássica memória descritiva onde nunca sabe-mos bem equilibrar, num texto elaborado paraum júri desconhecido e naturalmente hetero-doxo, a clarificação do conceito com a puradescrição do que pode ser lido nos desenhosou ainda não está lá porque seria, normalmente,objecto de decisão posterior acompanhando odesenvolvimento do projecto.

Sempre nos pareceu de utilidade duvidosa aresposta a esta exigência permanente nos ca-dernos de encargos dos concursos públicos

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chamada abordagem crítica ao programapreliminar. Acaba por constituir uma espéciede muro de lamentações duplamente inútil, por-que dela não decorrerá nenhuma hipótese decorrecção e porque, quando se elabora, o com-promisso do concorrente com o programa estáfirmado, pelo simples facto de se estar a con-correr. No tipo de consulta pública por préviaqualificação, apesar de tudo, existirá, teorica-mente, a possibilidade da entidade promotorado concurso elaborar uma revisão ao programapreliminar, no intervalo que medeia a entrega dascandidaturas e o envio dos convites para apre-sentação de propostas. Não deixará, no entanto,de ser discutível (para além de difícil na prática)introduzirem-se alterações programáticas duranteo processamento global do concurso. É difícilque não seja uma peça puramente burocráticae possa constituir pretexto para uma curta re-flexão que, no melhor dos casos, poderia serútil no desenvolvimento do trabalho, indepen-dentemente do projecto ganhador.

Outra solicitação permanente é o programade trabalhos e a metodologia de intervenção.

O processo de desenvolvimento de qualquerprojecto de arquitectura, embora sempre ali-cerçado num acto de criação, tem de assentarem premissas que uma resposta eficiente a umadeterminada realidade impõe. Se este princípioé condição fundamental para a existência de umprojecto – desígnio –, mais justificadamente es-tará presente quando se trata da sua concreti-zação em espaço físico, ao qual se atribui, paraalém de um determinado valor de uso, o de umelevado valor simbólico, como é normal aconte-cer nos concursos de iniciativa pública.

Não poderemos deixar de referir, no entanto,que não existe uma metodologia para um acto decriação, idêntica ou sequer parecida com o quetradicionalemnte se chama método científico.Num acto de criação artística, como é sempre aarquitectura, entram alguns aspectos de naturezamais subjectiva ou intuitiva que introduzem “per-turbações” numa qualquer matriz que ensaie prefi-gurar um caminho linear. Os caminhos da criação,mesmo em arquitectura, nunca são lineares e, porisso, cada projecto encontrará ao longo do seuprocesso de concretização uma metodologia pró-pria. Assim, uma metodologia para a arquitecturaconstitui uma ilusão, aliás, já desgastada historica-

mente e denunciada pelos seus próprios promo-tores dos anos 60. Christopher Alexander assim orefere em conhecido texto onde assinala os im-ponderáveis a que está sujeito qualquer processoprojectual. A metodologia é uma construção quese vai concretizando ao longo daquele processo ea sua leitura só é possível a posteriori. Por isso,esta peça obrigatória em quase todos os concur-sos públicos constitui mais um exercício de retó-rica formal do que uma verdadeira e credívelproposta metodológica avaliável rigorosamentepor qualquer júri, sobretudo quando constituídomaioritariamente por arquitectos.

Tenta-se sempre, no entanto, estabelecer al-guns pontos de partida e alguns princípios me-todológicos que parecem poder decorrer doque já se conhece da realidade que irá ser ob-jecto de transformação. Diríamos que estes sãopassos obrigatórios. A sua ordem de “entradaem cena” decorrerá das necessidades que oprocesso de concepção for determinando. Noentanto, aquele processo, na sua passagem danebulosa inicial à obra, permanecerá, até à suaprópria concretização, enigmático e imponde-rável. O resultado final nunca será, pois, decor-rente de quaisquer princípios metodológicos ouprograma de trabalhos prefigurados. Será, sim,uma obra de autoria profundamente pessoal,como é sempre a arquitectura.

Se algum dia algum de vós estiver a ouvirde um juiz o mesmo que estou a ouvir deste,então percebereis o que eu quero dizer comisto tudo.*

Alexandre Alves CostaJA 216, Julho/Agosto/Setembro 2004, p. 6-9

——* Os Cavalos Também se Abatem. Lisboa: Prefácio, 2000.

2012Exigentes na expressão e ligeiros na apresentaçãoOs concursos de Arquitectura fazem sentido?Servem para quê? Devem servir para quê?

Realizam-se concursos de Arquitectura parao prestígio da entidade promotora – um bom

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prémio, uma boa estrutura e os nomes impor-tantes, os nomes estrela, aparecerão em nú-mero suficiente para compensar o esforço e aabdicação das imposições do gosto pessoal;outros, são realizados apenas por obrigaçãolegal; outros ainda, fazem-se para procurar umasolução mais interessante do que a expostapelas evidências.

Sejam quais forem – operação de marke-ting, necessidade legal (com excepção do mis-tificador objectivo de conseguir mais barato emais rápido pelo menor preço) ou encontraruma melhor ou mais interessante solução – osobjectivos dos concursos, o seu interesse éóbvio – constitui sempre uma visão do estadoda arte da Arquitectura portuguesa para umdado problema – desde que garantidos algunsprincípios ético-profissionais.

Nos tempos que correm – de falta de trabalhopara um elevadíssimo número de profissionais ar-quitectos – os Concursos de Arquitectura devem,em todas as circunstâncias, ser entendidos comouma oportunidade global para a expressão dos ar-quitectos e proporcionar um alargamento do nú-mero de candidaturas ao trabalho. Como?

Estabelecendo condições de participação,exigentes na sua expressão mas ligeiras na suaapresentação, por forma a possibilitar – numaprimeira fase – o acesso e a presença a qual-quer das formas de prestação de trabalho pro-fissional.

Este último ponto – dimensão do trabalho aentregar – é decisivo: um Concurso de Arqui-tectura não é uma tese, pode ser apenas a pri-meira fase de expressão de uma ideia, de umconceito, que necessitará de muito trabalho ede muitos profissionais – nem todos arquitec-tos – até atingir o nível do projecto de execu-ção para se mostrar possível de concluir oprincipal objectivo: construir.

Exigir trabalho demasiado desenvolvido cons-titui, para além de um desperdício irrecuperávelde dinheiros, tempo e saberes, uma evidentesubordinação das capacidades de expressão daArquitectura às capacidades económicas.

Um Concurso de Arquitectura deve, assim,caracterizar-se por:— apresentar-se como uma oportunidade paratodos os que podem exercer a profissão de Ar-quitectos;

— apresentar claramente os objectivos dospromotores – económicos e funcionais – quenortearão a apreciação;— exigir a apresentação dos trabalhos em moldes e suportes de dimensão exigente masadequada a uma primeira escolha e economi-camente acessível a pequenas equipas ou ar-quitectos individuais;— poder estabelecer uma segunda fase –então já objecto de pagamento previamente es-tabelecido – que, sem aumentar demasiado asnecessidades formais de resposta, permita es-colher o projecto principal de forma mais crite-riosa. Nesta sequência de fases seriaadmissível a existência de dois Júris – um pri-meiro, formado preferencialmente por arquitec-tos; um segundo onde haveria preponderânciade especialistas de reconhecido mérito nasáreas principais do objecto de respostas doconcurso.— garantir que as etapas do concurso permi-tam uma primeira qualificação de projectosatravés de apresentação reduzida dos traba-lhos mas onde possa ficar expressa a concep-ção global de resposta ao pedido.

João Paulo BessaJunho 2012

Pelo Direito à ArquitecturaA livre concorrência do mercado no domínio daArquitectura não dispensa a correcta avaliaçãoda sua qualidade no acto da encomenda pú-blica, porque essa avaliação é determinantepara assegurar a concretização dos objectivosdo Direito à Arquitectura de todos os Cidadãos.

São inúmeros os casos da encomenda pú-blica que não proporcionam essas condições,quando a actual situação económico-financeirae desemprego mais reforça a necessidade degarantir a qualidade e a justiça na atribuição dotrabalho objecto da encomenda.

Perante o número crescente de concursospúblicos que não se enquadram nestas preocu-pações, designadamente no domínio do Urba-nismo, recomendo a promoção das acções queconsolidem, em todos os ramos da Arquitec-tura, a concretização da encomenda públicaatravés de concurso de concepção e a selec-ção através do critério da qualidade.

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O concurso de concepção proporciona a re-novação criativa da Arquitectura, e o seu debatealargado a todos os Cidadãos interessados. Naprática da Arquitectura englobam-se os diferen-tes modos de intervenção, designadamente oOrdenamento do Território e Urbanismo, com oconsequente ajustamento do programa e tipolo-gia dos concursos para os tornar adequados aoobjecto da encomenda. Na promoção dos con-cursos públicos há que garantir a racionalidadeeconómica do trabalho envolvido na sua promo-ção e participação, quer para o promotor querpara o concorrente, e reconhecer as característi-cas específicas dos materiais e conteúdos quepermitam a sua correcta avaliação. Consequen-temente os programas dos concursos não sepodem generalizar, e devem ser elaborados demodo a dar uma resposta correcta a essas preo-cupações, evitando a banalização e desvaloriza-ção opostas ao estímulo requerido para oalargamento da participação a todos os arquitec-tos interessados, e para a selecção da qualidade.

Várias modalidades e quadros legais distintospodem ser adoptados, consoante as condiçõesreais e objectivos, para assegurar a qualidadeda proposta. A concorrência de prazo e preçocomo critério determinante da selecção não as-segura a qualidade técnica do trabalho a reali-zar e desincentiva a participação criativa einovadora. É errónea a avaliação baseada noprazo e preço sem integrar uma correcta ava-liação da qualidade, a qual é determinante doseu desempenho futuro e consequentementedo seu prazo e preço reais.

Os concursos públicos devem estabelecer ocumprimento das condições gerais de admissão,prazos e preços ajustados ao objecto da enco-menda, e centrar a selecção na avaliação da qua-lidade técnica dos trabalhos conceptuaisexpressamente desenvolvidos com esse objec-tivo. Tal procedimento é o que melhor assegura aQualidade da Arquitectura e o Direito à Arquitec-tura, bem como a justa atribuição da encomenda. (...)A prestação dos serviços de Arquitectura é con-cretizada através duma concepção criativa con-jugada com a satisfação das normas e exigênciasde conteúdo e qualidade legalmente estabeleci-das e profissionalmente consolidadas. O que dis-tingue a qualidade do projecto de Arquitectura é,

além do cumprimento dos parâmetros e normasde qualidade legalmente estabelecidos e comotal obrigatoriamente cumpridos, a concepçãocriativa consagrada no direito de autoria. A ava-liação da qualidade em Arquitectura incide maisna síntese criativa da sua concepção e percep-ção de qualidade na sua fruição, do que na verifi-cação e mensuração de factores qualitativos. A qualidade em Arquitectura inscreve-se aindanuma contínua evolução, não se aprisiona numanormativa, porque a constância da normativaauto-destruiria a criatividade, qualidade intrín-seca da Arquitectura. São algumas das razõesporque não é conciliável a avaliação da concep-ção criativa num processo de selecção onde aconcorrência de preços é o factor determinante.

(...) Deve haver uma base de referência econo-micamente sustentada para a formação do seuadequado valor e garantia da qualidade dessaprestação de serviço, de modo a permitir o seudesenvolvimento criativo e independente, e aindaa assegurar a defesa das expectativas e direitosdos cidadãos perante as entidades e executantesda obra. A base de referência do valor dos hono-rários do projecto de Arquitectura que assegurea qualidade, conteúdo e independência da pres-tação do serviço, protege o cliente no seu objec-tivo e o arquitecto no seu trabalho. (...)

Luís Vassalo RosaProvedor da Arquitectura

——Síntese Janeiro 2012

(http://www.arquitectos.pt/?no=2020663215,194)

——Síntese Fevereiro 2012

(http://www.arquitectos.pt/?no=2020663311,194)

EuropanOA-Europan, numa interacção positivaPortugal participou nas últimas sete ediçõesdos concursos Europan, desde 1998.

O projecto tinha sido anteriormente objectode algumas tentativas de adesão, por parte daOA (anteriormente AAP), mas sempre tinha

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sido difícil à OA justificar a pertinência da Euro-pan a parceiros públicos indispensáveis à suaviabilização financeira, parecendo ao “Estado”que as maiores virtualidades no intercâmbio in-ternacional da Arquitectura e do Desenho Ur-bano eram mais um “assunto” de interesse dosarquitectos e da sua organização, que propria-mente do domínio das “políticas públicas”.

Mas passado pouco tempo começou a serpertinente na Europa aquilo a que se chamou a“política de cidades” (a cidade em si mesmacomo domínio de acção política), e aquilo quedaria origem à EFAP, a “Política Europeia de Ar-quitectura” como parte de políticas transversaisde ambiente, competitividade económica e dacultura (não apenas na vista estreita das efé-meras “visibilidades” e das “autorias”, mas a cul-tura integrada, da produção do espaço). Hoje,a Europan resiste apesar das dificuldades, comuma menor dependência de recursos públicose assegurando objectivos relevantes para opaís, para as cidades e para a profissão (e as-segurando também, 2/3 do seu próprio finan-ciamento).

Justifica-se portanto uma tónica de balançodo concurso e dos seus resultados, mas tam-bém da pertinência da Europan como projecto:— para a produção do espaço urbano e a ino-vação na resposta a problemas emergentes. — para os parceiros interessados (stakeholders),especialmente a organização dos arquitectos.——A produção do espaço urbano emergenteTrata-se de um evento com grande impacto in-ternacional que mobiliza por edição quase3.000 equipas, para responder a 50-70 promo-tores e outras tantas cidades em situações ur-banas colocadas a concurso, enfrentandonovas problemáticas emergentes em territóriosurbanos de toda a Europa, cujo número eoportunidade alcança por si só uma massa crí-tica significativa, visando:— Debater temas actuais para as cidades e es-colher as soluções inovadoras mais pertinentespara um projecto urbano estratégico.— Dinamizar a internacionalização das cidades,num processo de intercâmbio com a participa-ção dos promotores, em busca de novos facto-res de qualificação.— Realizar operações envolvendo complexidade

de programas mistos e de espaços públicos es-tratégicos, para um potencial transformador. — Dar oportunidade aos jovens profissionais departicipar num processo internacional, que podeoriginar um projecto de significado inovador.

A inovação no âmbito do desenho do espaçourbano não é um tema que diga respeito a objec-tivos “estilísticos”, de estados de alma impulsiona-dores de ambientes trendy, mais ou menosilusórios (digo, insustentáveis), nem hoje essa linhade acção é credível no quadro de uma realidadeque em muito conhecemos mal e dominamos pior.O que interessa da inovação virá da necessidadede conhecimento: de que é feita a cidade?

A escolha dos sítios é precedida do debatede algumas questões, com perguntas oportu-nas, à escala de uma realidade europeia emque estão presentes hoje fenómenos tão extre-mados quanto complexos como a compacta-ção e a dispersão do urbano:— Residência e Espaço Público: Como pode a vida de proximidade nos bairros residenciaisser uma ferramenta de estratégia urbana a par-tir de uma maior complexidade programática edo objectivo de construção de lugares de iden-tidade e sentido?— Distância e Proximidade: Como criar umambiente urbano em que a mobilidade seja motivadora da oferta de elementos de coerênciaurbana, integrando espaço público, “humanizando”,e infra-estruturas com qualidade ambiental?— Durabilidade: Como pode a cidade dispersaser objecto de um desenvolvimento durável,fundado nas novas exigências sociais, culturais,económicas e ambientais, que emergem nosnossos dias?

O concurso situa-se entre a escala urbana ea escala arquitectónica, isto é, entre a estratégiapara uma área urbana e o projecto de um con-junto edificado. Tentamos fazer emergir novascompetências para pensar e dar novas formasao espaço residencial e às relações entre es-paço público e espaço privado, entre diferentesmobilidades e paisagens em mutação.

A diversidade das situações urbanas disponi-bilizadas pelas cidades europeias encontra nostrabalhos distinguidos do Europan uma interes-sante convergência: é no espaço público quese decidem. Isto é, o espaço público revelou-sepouco a pouco, de importância estratégica:

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— como lugar de conjugação das diversidadesno espaço residencial: da interacção dos usose da apropriação social, da mobilidade e da di-versidade; — como grande infraestruturador das urbani-dades dispersas ou desintegradas, gerador deuma nova visão do espaço urbano, partilhadaentre influências locais e exteriores.

Não porque o espaço público seja ele mesmo oobjecto (mais um), mas porque é, cada vez mais oprocesso, ele é elemento gerador de nova urbani-dade, para tal se articulando com outras compo-nentes da continuidade urbana: a Paisagem, aArquitectura e a Infraestrutura. A interdisciplinari-dade é por isso um must: seja no espaço perifé-rico que nos remete para a cidade expandida, noqual se procura reatar a coerência a cidade, sejaainda na devolução de um estatuto urbano a umaparcela sem estatuto que não seja o abandono, éo novo espaço público que dá forma fundadora eoperacional à nova urbanidade. ——Um balanço para os parceirosNos temas da polivalência do espaço urbano, sejados territórios urbanos já construídos e suas ex-pansões, seja das novas infra-estruturas ou da ló-gica ambiental na cidade, a procura de inovação e qualidade no Europan, não é auto-centrada: écentrada interdisciplinarmente num enquadra-mento temático abrangente e de incontornáveloportunidade para as políticas urbanas. E por issose justifica o empenho das entidades públicas queo apoiam, a par da organização profissional, tor-nando mais abrangente a sua colaboração.

O balanço em Portugal é positivo em váriasdestas dimensões. Mesmo considerando o factormais imponderável, das realizações decorrentesdo concurso que interessam aos municípios quenele investem e aos arquitectos que concorrem,quase 50% tiveram sequência em estudos subse-quentes contratados aos vencedores; podemtambém já observar-se alguns projectos cons-truídos e, em simultâneo, a internacionalizaçãode alguns grupos de jovens arquitectos e outrosprofissionais a partir das iniciativas Europan: ocrescente número de equipas portuguesas aconcurso noutros países (com alguns prémios eoutras distinções) e de equipas estrangeiras queprocuram os locais portugueses (50% no Euro-pan 10) e que neles obtêm distinção.

Mas se a visão da Europan como plataformapara o intercâmbio internacional, interdiscipli-nar, interinstitucional e interprofissional é im-portante, ela não se pode reduzir a uma visãomecânica centrada na oportunidade de “inter-nacionalização” dos jovens profissionais da ar-quitectura, significando com isso algo conotadocom um estímulo a uma entrada de uns privile-giados jovens no mundo já povoado do star-system onde inevitavelmente os nossosargumentos da preparação exigidos e das “co-nexões” coniventes são mais frágeis.

Do que se conhece, o sonho de conseguiratravés duma carreira glamorosa feita de revis-tas internacionais e outros veículos de “distin-ção” são exclusivos de híper-minorias, e deixamà sua volta a secura de um deserto, com osdespojos dos milhares de sacrificados.

Se o objectivo de conseguir diversificar oacesso a oportunidades internacionais e de emgeral ampliar as oportunidades dos jovens, éprosseguido pela Europan, ele é também comodiversificação (e também da aprendizagem daacção colaborativa, da qual teriam a aprenderas próprias escolas de arquitectura, que recu-sam sistematicamente a interacção profissionale alimentam o mito da auto-suficiência (e/ou daomnisciência do arquitecto).

Mais importante, será o emergir progressivode uma cultura de emulação entre as nossas ci-dades com visão estratégica, em busca de umaqualificação na gestão do seu território atravésdeste tipo de pequenos projectos urbanos, emque a qualidade possa resultar de um processonegocial entre agentes mobilizados anterior ouposteriormente ao concurso, mas gerido comoprocesso exigente de qualidades. Matéria queaproveita também de caminho aos arquitectose outros técnicos na administração local, pelaformação e abertura de perspectivas para umnovo exercício de gestão urbana negociadaentre actores da produção da cidade.

Donde se pode finalmente concluir que,sendo uma organização que promove Concur-sos, o Europan “põe a concurso” muito maiscoisas que a encomenda (que também podepromover), ou a qualidade e transparência dosprocessos de competição, para chegar ao ob-jectivo. O que está “a concurso” é afinal umprocesso da produção do espaço urbano, e a

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demonstração da amplitude das missões doseu desenho envolvendo além da arquitecturaoutras, como a arquitectura paisagista, o de-sign de produto e de comunicação, a engenha-ria das infraestruturas, no desenho urbano.——Uma conclusão, prospectivaComo se viu pelos objectivos que a Europaninclui, relativos 1.º) à prática profissional dos jo-vens arquitectos; 2.º) à promoção de formas deinternacionalizar a prática profissional não ex-cluidoras; 3.º) à gestão de uma cultura de rigore relevância cultural dos concursos; e 4.º) àpromoção de interacções com parceiros rele-vantes no desenho urbano, a Europan tem umenorme capital de referência, para a experiên-cia colaborativa e para a afirmação do papelsocial das profissões do desenho no quadro ac-tual do desenho urbano.

Parece assim decisivo que numa convergên-cia de interesses em que a OA está por direitopróprio, mas com outros stakeholders comoCâmaras Municipais (a maioria das AML eAMP), a Junta Metropolitana, a DGOTDU, oIHRU e outros, haja a percepção do que seganha em não estar só fixado no interesse decada corporação, mas em relação com outrosnuma interacção positiva. Sob pena de cada vezmais nos fecharmos, reduzindo o alcance danossa missão, até ficarmos a falar sozinhos, iso-lados na nossa “cerca”, uma interacção positivaé algo que temos sempre de aprender a fazer.

Pedro BrandãoSecretário-Geral Europan Portugal

Projecto de Plataforma de acesso à encomendaDesde há muito que se busca o modelo que ga-ranta que o acesso à encomenda provenientede financiamento público seja feito em igualdadede circunstâncias para todos os arquitectos.

O modelo do concurso de concepção procuraprecisamente responder a esta premissa, ou sejasalvaguardar um acesso livre e democrático à en-comenda através da selecção qualitativa das pro-postas, constituindo-se em simultâneo como umaoportunidade de reflexão e discussão, alargada àsociedade, da condição da arquitectura e conse-quentemente da construção da (so)ci(e)dade.

Se em tempo de gestão democrática sãopoucos os que contestam a bondade dos princí-pios contidos no modelo dos concursos de con-cepção, menos serão os que o consideram umsistema perfeito.

Na verdade, em matéria de concursos de con-cepção a opinião negativa é quase consensual einvariavelmente assistimos ao lançamento dasmais diversas dúvidas sobre os termos e as con-dições de participação, e mesmo a frequentessuspeições sobre a credibilidade destes mes-mos procedimentos. Se em grande medida sãoas suspeições de falta de transparência e lisura,com ou sem razão, que maior impacto produ-zem, na verdade são aspectos perfeitamente le-gais que claramente contribuem para adegradação das condições de participação, per-vertendo por completo o princípio do livreacesso a estes procedimentos.

Se não, vejamos. No actual quadro de escas-sez de encomenda, qualquer concurso públicoatinge facilmente a centena de concorrentes.Nestas condições a premiação, quando existe, eo consequente ressarcimento dos custos do tra-balho produzido, é uma probabilidade estatísticademasiado vaga.

Se considerarmos que para um concurso demédia dimensão é necessário um mês de tra-balho, que envolve necessariamente cerca deuma dezena de técnicos, e somarmos os cus-tos dos serviços externos e dos materiais utili-zados na produção das propostas, cada vezmais elaboradas, obtemos o pesado valor dasdespesas de cada equipa participante.

Regista-se ainda neste âmbito a suprema iro-nia que atualmente obriga os concorrentes aopagamento de “selos eletrónicos” (que são ven-didos em “pacotes de 100 unidades” que custamaproximadamente 200,00€ !), para terem “livreacesso” aos procedimentos concursais que, comentrada em vigor do “novo CCP”, serão obriga-toriamente, e exclusivamente, disponibilizadosem “plataformas eletrónicas” (refira-se que atual-mente se encontram oficialmente certificadas 8plataformas, cada com a sua “oferta” de “paco-tes de selos intransmissíveis”!).

Fazendo este cálculo simples, concluímos fa-cilmente que este sistema, que claramente incitaao trabalho sem qualquer expectativa de remu-neração, é financeiramente insustentável para a

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grande maioria das (míni e micro) empresas na-cionais que prestam serviços de projecto.

Por outro lado se multiplicarmos estes cus-tos pelo número de participantes, percebemosa dimensão dos recursos gastos pelo país emcada operação deste tipo.

Assim, se do ponto de vista da qualificação daarquitectura produzida em Portugal, que neces-sariamente tem reflexo imediato na qualidade devida de todos os seus cidadãos, faz todo o sen-tido desejar que qualquer concurso público deconcepção tenha o maior número de participan-tes possível, e que as respectivas propostas apre-sentem o maior grau de desenvolvimento possívelque, por sua vez, possibilite uma avaliação o maisprofunda e correta possível; do ponto de vista dasustentabilidade financeira das equipas partici-pantes e da gestão dos parcos recursos do país,tal modelo revela-se ...impossível (de sustentar).

Como todos sabemos este dilema não é re-cente, e temos mesmo a consciência que é re-corrente.

Temos conhecimento da existência de diver-sas teses para o solucionar, algumas mais ilumi-nadas – como a proclamada pelo CCP quedeposita nas leis do mercado a solução paratodos os males –, outras nem tanto – como ado procedimento em duas fases, que permitiriadesonerar o esforço financeiro, através da sele-ção de um número restrito de propostas maissumárias (1ª-fase) que numa segunda fase re-munerada seriam desenvolvidas até ao grau ne-cessário a uma avaliação mais aprofundada –,mas que infelizmente (ou felizmente) nunca serevelaram suficientemente consensuais.

A Ordem dos Arquitectos esteve desde sem-pre ligada à programação e acompanhamentode concursos de concepção, assistiu e participouna implementação de diversos modelos, tempor isso mesmo, como nenhuma outra institui-ção deste pais, a experiência e a autoridade ne-cessárias para o (re)lançamento de um debateabrangente em torno desta complexa matéria.

Deste debate, sabemos de antemão, que nãosairão soluções consensuais, e muito menos

perfeitas, mas que, seguindo a conhecida tesetaoísta de que “a perfeição é uma imperfeição”,terá pelo menos a virtude, e a obrigação, decongregar os contributos dos órgãos daOrdem dos Arquitectos, e dos seus membros,que têm lidado com diferentes vertentes da en-comenda pública, em geral, e do concursa-mento, em particular.

Foi no sentido de contribuir antecipadamentepara esse debate, que se deseja alargado a todosos membros, que o Conselho Directivo Nacionalapresentou aos Conselhos Directivos Regionaisuma proposta de constituição da “Plataforma ele-trónica de concursos de concepção da Ordemdos Arquitectos “.

Esta plataforma permitirá responder às necessi-dades processuais específicas dos concursos deconcepção, nomeadamente no respeitante à pre-servação do anonimato, que ainda não se encon-tram plenamente asseguradas por nenhumaplataforma certificada, e assim oferecer aos poten-ciais promotores (públicos e privados) este ser-viço, com a supervisão da Ordem dos Arquitectos.

Acresce ainda que este instrumento possibili-tará reunir as valências dos diversos órgãos daOrdem numa plataforma única, potenciando adescentralização dos seus serviços, assegurandoum contacto concertado e facilitado com todosos membros (evitando a necessidade do paga-mento do acesso a 8, ou mais, plataformas distin-tas) disponibilizando num mesmo suporte toda ainformação específica que hoje se encontra dis-persa por diversas páginas eletrónicas (“portaisgovernamentais”, “plataformas eletrónicas”, web-sites da Direcção Nacional e das Secções Re-gionais, etc.), contribuindo assim decisivamentepara a transparência dos procedimentos e con-sequente democratização do acesso à enco-menda pública e privada. Um projecto premente,a bem dos arquitectos e da arquitectura.

José BarraVogal suplente do Conselho

Directivo Nacional

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