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TWKliek apresenta: Rachel Gibson Daisy Volta para Casa ME QUER... Fazia muitos anos que Daisy Lê acreditava ter sacudido de seus sapatos o pó de Lovett, Texas. Entretanto, quando retorna pra casa, ela percebe que tudo segue mais ou menos como era antes. Sua irmã continua louca, sua mãe ainda tem os flamingos rosa de plástico no jardim e Jackson Lamott Parrish, o menino que deixou para trás quando partiu está tão sexy como antes. Gostaria de evitar qualquer contato com Jackson, mas Daisy voltou para contar algo, e não irá de Lovett até que ele escute o que ela tem a dizer... NÃO ME QUER... Jackson aprendeu a lição das mãos de Daisy da forma mais dura possível, e a única coisa que interessa dela é ouvir de seus lábios um adeus. Entretanto Daisy tem atravessado demais seu caminho e Jack acredita que isto não seja pura coincidência. Parece que a única forma de conservar a tranquilidade que Jack é beijando-a, mas isso seria uma rendição. Será que Jack irá resistir? Será forte para ver Daisy sair outra vez de sua vida? Será forte para conseguir que fique? Disp em Esp: não tinha no arquivo Envio do arquivo: Nadia Bruna Revisão Inicial: Cris Reinbold Revisão Final: Carol Moreira Finalização: Matias Jr. Formatação: Greicy Capa: Élica Leal TWKliek

Rachel Gibson - Daisy Volta para Casa TWkliek · mocinho por ser tão turrão, a mocinha por ser uma verdadeira idiota quando era novinha e com isso fez uma grande besteira ou o amigo

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TWKliek apresenta:

Rachel Gibson

Daisy Volta para Casa

ME QUER... Fazia muitos anos que Daisy Lê acreditava ter sacudido de seus sapatos o pó de Lovett, Texas. Entretanto, quando retorna pra casa, ela percebe que tudo segue mais ou menos como era antes. Sua irmã continua louca, sua mãe ainda tem os flamingos rosa de plástico no jardim e Jackson Lamott Parrish, o menino que deixou para trás quando partiu está tão sexy como antes. Gostaria de evitar qualquer contato com Jackson, mas Daisy voltou para contar algo, e não irá de Lovett até que ele escute o que ela tem a dizer... NÃO ME QUER... Jackson

aprendeu a lição das mãos de Daisy da forma mais dura possível, e a única coisa que interessa dela é ouvir de seus lábios um adeus. Entretanto Daisy tem atravessado demais seu caminho e

Jack acredita que isto não seja pura coincidência. Parece que a única forma de conservar a tranquilidade que Jack é beijando-a, mas isso seria uma rendição. Será que Jack irá resistir? Será

forte para ver Daisy sair outra vez de sua vida? Será forte para conseguir que fique?

Disp em Esp: não tinha no arquivo Envio do arquivo: Nadia Bruna Revisão Inicial: Cris Reinbold

Revisão Final: Carol Moreira Finalização: Matias Jr.

Formatação: Greicy Capa: Élica Leal

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Comentário da Revisora Cris Reinbold: Não sei quem eu quero matar primeiro, se e o

mocinho por ser tão turrão, a mocinha por ser uma verdadeira idiota quando era novinha e com

isso fez uma grande besteira ou o amigo (que mais parece amigo da onça) que utilizou de uma

situação para seu próprio proveito. Este livro me deu instintos muito fortes de cometer

assassinatos em massa!!!!!!

Comentário da Revisora Carol Moreira: Gostei do livro, mas confesso que tive vontade de

jogar o computador longe, imaginando atingir a cabeça da mocinha (Daisy). O Jack tinha tudo pra

ser um cara durão, do tipo que usa e joga fora... Na verdade ele era assim, mas a autora conseguiu

que eu tivesse pena dele e raiva dos outros. A história fala de paixão, perdão, amor, enfim, é boa

em alguns momentos, mas em muitos outros deixa a desejar.

Comentário do Revisor Matias Jr: Temos nesse romance uma antiga e ainda presente

história de um triângulo amoroso. Como as partes desconhecem as manias "hot" de nossa lista, o

drama centra-se no desespero e posterior arrependimento de uma decisão errada... A difícil

escolha de perdoar para poder continuar a viver e alcançar a felicidade roubada... Boa leitura.

Capítulo 1

Uma rajada de ar quente varria o asfalto quando o Thunderbird 63 surgiu da escuridão da

oficina mecânica. O motor de oito cilindros em V com carburador Holley de dupla boca

ronronavam como uma mulher feliz: com voz afetuosa, sexy e insinuante.

O tórrido sol do Texas arrancou mil brilhos da calota metálica, passeou pelos aerofólios

cromados e acariciou a brilhante pintura negra. Enquanto essa beleza ia se aproximando, seu dono

a observava com um sorriso de orgulho no rosto. Fazia só uns meses que aquele Sports Roadster

era pouco mais que um montão de sucata, mas agora tinha novamente toda sua glória original e

um aspecto deslumbrante: era um aviso de uma época em que à indústria automobilística de

Detroit preocupava mais bater recordes de aceleração que rentabilizar os litros de gasolina por

quilômetro, conseguir estruturas de segurança ou encontrar o lugar adequado onde colocar o

descanso.

Jackson Lamott Parrish estava sentado em seu automóvel, um T-Bird com bancos de couro

vermelho, seu braço apoiado sobre o volante, também vermelho. A luz fez brilhar seus volumosos

cabelos castanhos, e formaram pequenas rugas quando entreabriu os olhos deslumbrado pelo sol.

Pisou no acelerador uma vez mais, tirou as mãos do volante e desligou o carro. Abriu a porta e

plantou uma de suas botas de cowboy sobre o asfalto. Saiu do carro com muita calma e o dono do

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Roadster restaurado se aproximou e lhe estendeu um cheque. Jack deu uma olhada, comprovou

que todos os zeros estavam no lugar certo e o guardou no bolso de sua camisa branca.

— Aproveite bem! — disse o dono do Roadster antes de dar meia volta e retornar à oficina.

Jack passou junto a um Cuda 446 de 1970 cujo enorme motor Hemi estava pendurado por um

elevador automotivo. Por cima do estrondo dos compressores de ar e do resto das ferramentas,

Jack ouviu a voz de Billy, seu irmão mais novo, que estava debaixo de um Dodge Custom Royal

Lancer 59 e chamava por um mecânico.

O vazio que o T-Bird havia deixado seria ocupado no dia seguinte por um Corvette 54.

Localizaram esse esportivo clássico em uma garagem desvencilhada do sul da Califórnia, onde Jack

havia parado fazia três dias para dar uma olhada. Ao descobrir que o velocímetro original indicava

somente setenta mil quilômetros e que todo o resto parecia em ordem, comprou imediatamente

por oito das grandes.

Uma vez restaurado, aquele Corvette faria ganhar dez vezes mais pelo o que pagou por ele.

Em matéria de restaurar carros antigos, a Clássicos Americanos Parrish eram os melhores no ramo

e isto todo mundo sabia.

Os irmãos Parrish levavam o rugir dos motores e o aroma da gasolina no sangue. Jack e Billy

trabalhavam na oficina de seu pai desde pequenos e repararam seu primeiro motor sendo

pirralhos. Podiam distinguir um oito cilindros em V de 260 em um de 289 com os olhos fechados, e

eram capazes de reparar um injetor de gasolina inclusive dormindo.

Orgulhosos filhos da comunidade de Lovett, Texas, com uma população de dezenove mil e

três habitantes, os irmãos Parrish cresceram adorando futebol americano, cerveja fria e

queimando pneus em estradas longas e plainas, geralmente acompanhados de alguma dessas

mulheres de longos cabelos e baixa moralidade que retocavam a maquiagem nos retrovisores dos

carros.

Os rapazes cresceram em uma pequena casa com três dormitórios situada atrás da oficina

mecânica. O negócio original mudou muito. Substituíram por um local maior e moderno com

espaço para oito automóveis. Também limparam o jardim que se estendia na parte traseira. Os

carros velhos e as peças desprezadas desapareceram dali fazia tempo.

A casa, entretanto, seguia igual como sempre. As mesmas roseiras que plantou sua mãe, as

mesmas partes de terra e grama sob o gigantesco quintal. A mesma fachada com o chão de

cimento e a mesma porta com tela, que seguia necessitando de uma mão de verniz. A casa

recebeu uma boa pintura, tanto por dentro como por fora.

A cor, isso sim, seguia sendo a mesma. A única diferença real era que agora Jack vivia

sozinho nela.

Billy se casou com Rhonda Valência já fazia sete anos e deixou para trás, felizmente, seu

selvagem modo de aguentar a vida de solteiro. Quanto a Jack, todos no povoado sabiam que não

tinha a mínima intenção de abandonar esse tipo de vida, já que pelo que se sabia dele, não havia

conhecido nenhuma mulher que despertasse o desejo dele de formar um casal, muito menos que

o fizesse se casar.

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Entretanto, na cidade não sabiam tudo dele.

Jack chegou a seu escritório, na parte de trás da oficina, fechou a porta, guardou o cheque

em uma gaveta e sentou no escritório. Antes de comprar o Corvette 54 investigou todos seus

antecedentes e depois voou para a Califórnia para assegurar de que a estrutura do carro não

sofreu nenhum dano grave. Informar-se do histórico de um veículo, encontrar as peças para troca

e restaurá-lo, obrigava a dedicar até o último minuto de seu tempo, até conseguir que o carro

estivesse de novo em perfeitas condições. Reparado. Melhorado. Completo.

Penny Kribs, a secretária de Jack, entrou no escritório e entregou a seu chefe a

correspondência do dia.

— Preciso ir ao cabeleireiro - recordou a Jack.

Jack elevou a vista e observou que Penny prendeu o cabelo no alto da cabeça. Foi colega de

estudos de Penny durante doze anos, e jogou futebol americano na equipe da escola com seu

marido, Leon.

Jack ficou em pé e pegou as cartas.

— Vai ficar bonita para mim?

Ela tinha anéis em todos e cada um dos dedos, e suas longas unhas, sempre pintadas de rosa

escuro, pareciam garras. Jack se perguntava frequentemente como conseguia teclar sem

pressionar mais de uma tecla ao mesmo tempo, e também como conseguia passar toda aquela

maquiagem pelo rosto sem tirar um olho. Não se atrevia a imaginar o que devia sentir Leon

quando sua mulher lhe agarrava o membro.

Cada vez que pensava, um calafrio percorria-lhe as costas.

— Claro — respondeu com um sorriso. — Sabe muito bem que você foi meu primeiro amor.

Sim, sabia. No terceiro ano, Penny disse que estava apaixonada por ele e, depois, lhe deu um

pontapé na tíbia com seus sapatos de verniz. A partir de então, Jack pensou que não necessitava

dessa classe de amor.

— Não diga a Leon.

— OH, já sabe. — Fez um gesto com a mão em sinal de despedida e se encaminhou para a

porta, deixando atrás de si o aroma de seu perfume. — Também sabe que jamais me envolveria

com você.

Jack cruzou os braços e apoiou os cotovelos na borda da mesa.

— Por quê?

— Porque você faz com as mulheres o mesmo que as anoréxicas fazem com as barras de

chocolate. Prova um pouco daqui, outro pouco de lá. Às vezes, inclusive, dá algumas mordidinhas,

mas nunca come uma inteira.

Jack se pôs a rir.

— Conheço mais de uma que não diria o mesmo.

Penny não viu graça na resposta.

— Já sabe a que me refiro — respondeu por cima do ombro enquanto saía pela porta.

Sim, Jack sabia perfeitamente a que ela se referia. Como a maioria das mulheres que

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conhecia, Penny estava convencida do que devia fazer era casar, formar uma família e comprar

um SUV. Entretanto, ele considerava que seu irmão já havia completado com esse tipo de

expectativa pelos dois. Billy tinha três filhas, a maior de cinco anos e a menor de seis meses.

Viviam em uma rua sem saída mais tranquila e tinham um par de balanços pendurados no jardim;

Rhonda, além disso, conduzia um Tahoe, o SUV preferido pela maioria de mães do país. Com

tantas sobrinhas, Jack não sentia absolutamente necessidade de trazer outro Parrish ao mundo.

Era "tio Jack", uma denominação que encaixava bem com seu caráter.

Voltou a sentar na cadeira e desabotoou os punhos da camisa, arregaçou até os cotovelos e

colocou mãos à obra. Era sexta-feira e tinha muito que fazer antes de poder dar por inaugurado o

fim de semana. Às cinco da tarde Billy abriu a porta para dizer que estava indo pra casa. Jack jogou

uma olhada ao relógio com forma de Buick Revisse que tinha junto ao monitor do computador.

Estava três horas ali sentado.

— Vou sair com Amy Lynn — disse Billy referindo-se a sua filha de cinco anos. — Passará

pelo parque?

Amy Lynn era a maior das filhas de Billy e Jack sempre tentava arrumar para assistir as

partidas de beisebol nas quais ela participava.

— Hoje não — respondeu deixando a caneta sobre a mesa. — Esta noite será a despedida de

solteiro do Jimmy Calhoun no Road Kill — acrescentou. Até pouco tempo, Jimmy foi um conhecido

farrista. Agora estava disposto a mudar sua liberdade por algumas alianças de ouro. — Prometi

que passaria por lá.

Billy sorriu.

— Vai ter strip-tease?

— Suponho que sim.

— Não me diga que prefere ver mulheres nuas a assistir a partida de sua sobrinha?

Jack também sorriu.

— Sei, a decisão é difícil. É duro ter que escolher entre mulheres que tiram a roupa e

meninas de cinco anos brincando de correr pelo campo de uma base a outra.

Billy soltou uma de suas particulares gargalhadas, jogando a cabeça para trás. Sua risada era

tão parecida com a de seu pai, Ray, que Jack estava convencido de que se devia a algo genético.

— Pouca sorte a tua — disse Billy meio de brincadeira. Ambos sabiam que Billy preferia ver

sua filha correr pelo campo. — Se necessitar que alguém te leve pra casa depois do Road Kill —

acrescentou da porta — me chame.

— É obvio. — Um condutor bêbado acabou com a vida de seus pais quando Jack tinha

dezoito anos. Os dois irmãos prometeram não dirigir jamais sob os efeitos do álcool.

Jack trabalhou uma hora mais antes de desligar o computador e atravessar a oficina

verificando os elevadores. Todos já haviam partido, e seus passos ressonavam rompendo o

silêncio. Fechou a porta com chave, ativou o alarme e montou em seu Mustang Shelby. Quando

saía de Lovett começou a chover. A fina garoa mesclou com a terra e o vento, e a brilhante cor

negra da carroceria foi adquirindo um apagado tom cinzento.

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O Road Kill era muito parecido a outros bares dessa zona do estado do Texas. A máquina

cravava um disco de música country atrás de outro enquanto os clientes não deixavam de

consumir cerveja Lone Star. Sobre o espelho da parede pendia um enorme pôster em letras

vermelhas, brancas e azuis no que se lia NÃO SE META COM TEXAS. Velhos sinais de circulação,

tatus e serpentes de cascavel dissecadas formavam parte da decoração do local. O dono era

taxidermista1, e se algum cliente insistia o suficiente, ou estava o bastante bêbado, podia comprar

um cinto de pele de serpente ou uma chamativa bolsa de pele de tatu, a um preço bastante

razoável.

Quando Jack entrou no bar levantou a asa de seu chapéu de vaqueiro e permaneceu na

porta durante um bom momento, à espera que sua vista se adaptasse à iluminação do local.

Saudaram alguns conhecidos, e em seguida localizou o grupo da festa de despedida de solteiro de

Jimmy no fundo do local: faziam tanto alvoroço que ao pobre Clint Black, o cantor que estava

soando nesse momento, quase nem se ouvia.

— Me dê uma Lone Star — pediu ao garçom. Quando a garrafa apareceu sobre o balcão,

Jack estendeu uma nota de cinco dólares. Sentiu então o roce de uma mão suave sobre seu braço

e, quando se voltou para olhar por cima do ombro, encontrou com o rosto de Gina Brown.

— Tudo bem, Jack?

— Olá, Gina.

Gina tinha a mesma idade que Jack e passou por dois divórcios. Era uma mulher alta e

magra, e que gostava de montar no touro mecânico de Slim Clem's, junto à autoestrada Setenta.

Usava jeans Wrangler muito ajustados metidos em umas botas de vaqueiro e estava com os

cabelos pintados de ruivos. Jack sabia que ela tingia o cabelo porque, além de montar em touro

mecânico, Gina também gostava de montar nele.

Mas ultimamente deu a entender que estava começando a pensar nele como seu possível

terceiro marido. Com o fim de tirar aquela absurda ideia da cabeça, Jack esfriou de forma drástica

sua relação.

— Veio pela despedida de solteiro? — Seus profundos olhos azuis olharam de soslaio. Jack

teria que ter sido cego para não apreciar o convite que havia na curvatura de seus lábios.

— Assim é. — Jack elevou a garrafa de cerveja e deu um gole. Não tinha a mínima intenção

de que as coisas voltassem a esquentar entre ambos. Gostava de Gina, mas não estava de fato

voltado para o matrimônio. Recolheu as moedas do troco e as colocou no bolso da calça. — Nos

vemos por aí — acrescentou, e se virou com a intenção de se afastar.

A pergunta de Gina o fez parar em seco.

— Já Viu Daisy Lê?

Jack baixou a garrafa e, de repente, teve a sensação de que a cerveja não conseguia descer

por sua garganta. Voltou-se para Gina.

— Vi esta manhã no posto de gasolina. Estava colocando gasolina no Cadillac de sua mãe. —

1 É a arte de montar ou reproduzir animais para exibição ou estudo. É a técnica de preservação da forma da pele, planos e tamanho

dos animais.

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Gina sacudiu a cabeça. — Me fez pensar... Quanto tempo faz que se foi daqui, dez ou doze anos?

"Quinze, para ser exato."

— Reconheci imediatamente. É a mesma Daisy Lê Brooks de sempre.

Exceto pelo fato de que Daisy Brooks era agora Daisy Monroe e passou quinze anos longe

dali. Isso fazia que tudo fosse diferente.

Gina se aproximou e brincou com um dos botões de sua camisa.

— Me dá muita pena de Steven. Sei que foram amigos.

Steven Monroe e ele foram virtualmente inseparáveis desde que tinham cinco anos e se

sentavam juntos na igreja Baptista de Lovett para entoar ao uníssono "Sim, Jesus me ama". Mas

isso também mudou: a última vez que viu Steven foi a noite em que chegaram de mãos dadas

diante do olhar aterrorizado de Daisy. E essa foi também a última vez que viu Daisy.

Embora Jack não estivesse mostrando interesse algum pela conversa, Gina seguiu insistindo.

— Morrer na nossa idade, parece algo horrível, não acha?

— Se me desculpar, Gina — respondeu Jack, e desapareceu entre as pessoas. Uma onda de

ira, algo que ele supunha estivesse enterrado para sempre, ameaçou arrastá-lo de volta ao

passado. Resistiu a esses pensamentos e conseguiu reduzi-lo a base de força de vontade.

Já não sentia nada.

Com a cerveja na mão, abriu caminho entre a multidão que começava a abarrotar o bar e

chegou até o grupo que ocupava a sala do fundo. Apoiou o ombro no marco da porta e centrou

toda sua atenção em Jimmy Calhoun.

O anfitrião estava sentado em uma cadeira no meio da estadia, rodeado por uma dúzia de

homens. Todos tinham os olhos fixos em algumas garotas vestidas de rainhas do rodeio, que

foram se esfregando uma contra a outra enquanto as Dixie Chicks cantavam algo sobre um trem

pecaminoso. Estavam de calcinha, mas ainda usavam o torso coberto por uma blusa sedosa. Nesse

momento, as duas garotas abriram a blusa de um puxão e deixaram que fosse deslizando por seus

ombros bronzeados e seus corpos perfeitos: seus grandes seios, cobertos simbolicamente por

diminutos biquínis, ficaram à vista de todos.

Jack baixou o olhar até as minúsculas calcinhas brilhantes.

Marvin Ferrell também parou junto ao Jack, na entrada da sala para presenciar o espetáculo.

— Parece que esses seios são naturais? — perguntou.

Jack deu de ombros e levou a garrafa de cerveja aos lábios. Era evidente que Marvin fazia

muito tempo que estava casado: começava a falar como uma mulher.

— A quem importa?

— Tem razão — respondeu Marvin com um sorriso. — Sabia que Daisy Brooks voltou?

Jack olhou Marvin e retirou a garrafa dos lábios.

— Sim, já me disseram isso.

De novo foi invadido por uma onda de ira, e de novo conseguiu se controlar até não sentir

nada. Voltou a prestar atenção nas dançarinas, que nesse momento emparedaram ao Jimmy entre

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seus corpos quase nus e começaram a se beijar por cima de sua cabeça. A visão dessas bocas

entreabertas, dessas línguas se misturando, excitou aos moços, que agora já pediam algo mais.

Jack inclinou a cabeça para um lado e sorriu: estava ficando interessante.

— Vi Daisy no Minute Mart — prosseguiu Marvin. — Merda, Jack, segue estando tão boa

como na escola.

O sorriso de Jack se esfumou: a inesquecível lembrança de seus grandes olhos pardos e

lábios suaves e rosados, ameaçava arrastá-lo de novo para o escuro poço de seu passado.

— Recorda como ficava bem com o traje de animadora?

Jack se separou da porta e entrou na sala, mas não serviu de nada. Parecia que todo mundo

queria recordar o passado. Todo mundo exceto ele.

Enquanto as dançarinas foram tirando mutuamente a parte de cima do biquíni, o assunto da

conversa não era outro senão Daisy. Entre assobios e uivos, Cal Turner, Lester Crandall e Eddy

Dean Jones perguntaram se já a viu.

Chateado, Jack se afastou dali e retornou ao balcão. Não era direito que não lhe deixassem

desfrutar do espetáculo de ver algumas mulheres montando justo diante de seus narizes. Não

tinha nem ideia de quanto tempo ia ficar Daisy na cidade, mas desejou com todas suas forças que

se tratasse de uma visita relâmpago. Possivelmente deste modo as pessoas voltassem a ter algo

melhor do que falar. Mas, sobretudo, esperava que Daisy tivesse o suficiente bom senso para não

cruzar em seu caminho.

Deixou a garrafa vazia sobre o balcão e se dispôs a sair de Road Kill, deixando para trás os

comentários e as fofocas sobre Daisy. A chuva golpeava com força a aba de seu chapéu e ia

empapando os ombros à medida que cruzava o estacionamento. A cada passo as lembranças se

faziam mais presente. A lembrança daqueles formosos olhos pardos enquanto a beijava. A

suavidade de suas coxas quando deslizava a mão por debaixo de seu uniforme azul e dourado de

animadora. Daisy Lê com seu par de botas de vaqueira com corações branco... e nada mais.

— Já vai? — perguntou Gina correndo atrás dele.

Jack se virou para olhá-la.

— Estava me aborrecendo.

— Poderíamos fazer uma festa por nossa conta. — Muito típico de Gina: nunca esperava que

ele desse o primeiro passo. Em geral, essa atitude incomodava Jack. Mas essa noite não. Gina

aproximou os lábios para beijá-lo: tinha sabor de cerveja e avidez. Jack devolveu o beijo. Quando

seus firmes seios se estreitaram contra seu corpo, Jack sentiu o primeiro arremesso de desejo em

suas vísceras.

Atraiu Gina para si e a temperatura entre ambos foi aumentando, até sentir unicamente o

impulso da luxúria e a umidade da chuva que impregnou sua camisa. Apagou de sua mente

qualquer pensamento relacionado com olhos pardos e uniforme de animadora e os substituiu pelo

roce daquela fêmea contra sua virilha.

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Daisy Monroe estendeu a mão para a porta com tela, mas a retirou. O coração pulsava

rápido e tinha um nó na boca do estômago. A chuva batia no telhado do alpendre e a água caía

sobre o leito de flores. À suas costas, o letreiro da oficina mecânica iluminava tudo o que brilhava

ao redor de Clássicos Americanos Parrish. A zona onde se encontrava Daisy, entretanto, estava às

escuras; era como se a luz não se atrevesse a entrar no jardim da casa.

A oficina era nova; remodelaram por completo desde que ela se foi. Também limparam o

jardim e retiraram os carros velhos e as peças soltas. Ao que parecia, a casa seguia exatamente

igual; recordou então a brisa do verão perfumada de rosas revolvendo o cabelo, e todas essas

noites que passou nesse mesmo alpendre, sentada entre Steven e Jack, rindo com suas estúpidas

piadas.

Os trovões explodiram a distância e os relâmpagos iluminaram o céu noturno, alterando

suas lembranças. Era como se algo quisesse dizer que partisse e voltasse em outro momento. Não

gostava das confrontações. Não era uma dessas pessoas que gostam de olhar os problemas cara a

cara. Melhorou um pouco nesse sentido, mas... talvez devesse ter chamado antes por telefone.

Não era o mais adequado se apresentar na casa de alguém às dez da noite sem avisar; e menos

ainda com a aparência de gato encharcado que estava.

Antes de sair da casa de sua mãe, usava o cabelo perfeitamente escovado com todas as

pontas para dentro, havia se maquiado com cuidado e colocado uma camisa branca e calças cáqui.

Agora tinha o cabelo em um completo desastre, a maquiagem desapareceu completamente e

estava com as calças manchadas de barro. Voltou com a intenção de partir, mas então parou em

seco e forçou-se a permanecer ali. Seu aspecto era o de menos, e sabia muito bem que nunca ia

encontrar o momento adequado para fazer o que devia fazer. Estava já há três dias na cidade.

Precisava falar com Jack. Essa mesma noite já o havia retardado muito. Precisava dizer o que

escondeu durante quinze anos.

Estendeu a mão uma vez mais e quase deu um salto quando a porta de madeira abriu antes

de dar tempo de chamar. Através da tela da porta, e apesar de que estava tudo bastante escuro,

pôde ver a silhueta de um homem. Não usava camisa, e a luz que brilhava ao fundo da casa

contribuía a seus braços e ombros nus um quente alo dourado. Não havia dúvida: deveria ter

telefonado antes.

— Olá — apressou-se a dizer antes que a invadissem as dúvidas de novo. — Estou

procurando Jackson Parrish.

— P... mas... — Sua voz ressonou na penumbra. — Vá... Daisy.

Passaram-se quinze anos, mas tinha a mesma voz de sempre. Era um pouco mais profunda

que a do rapaz que conheceu, mas esse tom malicioso a fazia inconfundível. Só Jack podia

transmitir tal carga de brincadeira unicamente com a voz. Descobriu fazia tempo, e agora sabia o

que se ocultava por trás desta. Já não enganava a si mesma achando que o conhecia.

— Olá, Jack.

— O que quer, Daisy?

Ela olhou através da tela tentando descobrir entre as sombras a silhueta desse homem que

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tão bem chegou a conhecer no passado. O nó que tinha no estômago se estreitou ainda mais.

— Queria... Preciso falar com você, e p... pensei que... — Respirou fundo e se esforçou para

deixar de gaguejar. Tinha trinta e três anos. A mesma idade que ele. — Queria dizer que estava na

cidade antes que avisassem os outros.

— Muito tarde. — O repicar da chuva no telhado do alpendre evitava o silêncio entre os

dois. Sentiu o peso do olhar de Jack sobre seu rosto e a parte dianteira de sua capa de chuva

amarela; e justo quando Daisy se convenceu de que Jack não voltaria a abrir a boca, disse:

— Se isso for o que veio me dizer, já pode ir.

Mas havia algo mais. Muito mais, de fato. Prometeu a Steven que entregaria a Jack a carta

que escreveu poucos meses antes de morrer. Estava no bolso da capa de chuva. Devia contar a

Jack tudo o que realmente se passou fazia quinze anos e a seguir entregar aquela carta.

— Preciso falar com você, é importante. Por favor.

Olhou-a durante um bom momento; logo voltou-se e entrou no interior da casa. Não abriu a

porta para que passasse, mas tampouco a fechou na cara. Deixou bem claro que não ia ser fácil.

Mas acaso facilitou as coisas alguma vez? Como antigamente, a porta com tela chiou quando Daisy

a abriu. Seguiu da sala para a cozinha. Sua alta silhueta desapareceu ao dobrar a esquina, mas ela

conhecia com perfeição o caminho.

O interior da casa cheirava a pintura fresca. Pareceu ver móveis escuros e a grande tela de

um televisor; entreviu a silhueta do piano de parede da senhora Parrish; perguntou-se quanto

teria mudado tudo desde a última vez que andou nessa casa. A luz da cozinha se acendeu quando

ela entrou, e então teve a sensação de ter cruzado o túnel do tempo. Pareceu ver a senhora

Parrish diante do forno, fazendo pão ou preparando as bolachas preferidas de Daisy. As marcas

que os pés da pia de linóleo verde tinham, ainda seguiam ali e as bancadas eram da mesma cor

azul turquesa e pintalgado.

Jack tinha a metade superior do corpo oculta atrás da porta aberta da geladeira. Agarrava o

puxador cromado com seus bronzeados dedos, e tudo o que Daisy podia ver era a curva de suas

nádegas e suas longas pernas. Um dos bolsos de seus ajustados jeans Levi's tinha um rasgão em

forma de triângulo, e o cerzido parecia um pouco gasto.

A adrenalina corria livre pelas veias de Daisy, que teve que fechar os punhos com força para

evitar que tremessem as mãos. Jack se ergueu e então tudo pareceu ir devagar, como se fosse em

câmara lenta. Jack, com uma caixa de leite na mão, se voltou enquanto fechava a porta da

geladeira. A atenção de Daisy centrou-se durante uns segundos na fina linha de pelo que subia da

cintura da calça e que acabava rodeando o umbigo. Passeou o olhar por seu ventre, totalmente

plano, e chegou aos marcados músculos do peito. Se havia alguma dúvida sobre o tempo que

transcorreu, a visão de Jack a apagou de repente. Sem dúvida, aquele não era o rapaz que ela

conheceu. Aquele era um homem em toda regra.

Obrigou-se a elevar o olhar para seu robusto queixo, o definido contorno de seus lábios, e

fixou em seus olhos. Sentiu que lhe secava a garganta. Jack Parrish sempre foi um menino muito

bonito, mas agora sua beleza tinha um toque letal. Uma mecha de cabelo pendurava sobre a

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frente roçando uma sobrancelha. Aqueles claros olhos verdes que ela tão bem recordava, aqueles

olhos que antigamente a olharam com uma mescla de paixão e posse, olhavam agora com o

mesmo interesse que teriam mostrado por um cão vira-lata.

— Veio aqui só para me olhar?

Daisy deu alguns passos pela cozinha e meteu as mãos nos bolsos da capa de chuva.

— Não, vim para dizer que passarei uns dias na cidade visitando minha mãe e a minha irmã.

Ele elevou a caixa de leite e deu um gole, como se esperasse que ela elaborasse um pouco

mais sua resposta.

— Acreditei que devia saber.

Olhou-a com a caixa de leite ainda na boca. Algumas coisas não mudam. Apesar de ser um

menino mau e ter fama de briguento, Jack Parrish sempre foi um voraz bebedor de leite.

— O que faz pensar que isso ia importar? — perguntou secando a boca com o dorso da mão.

— Não sabia se importaria. Ou seja, perguntei o que pareceria, mas não o deixava claro.

Estava resultando muito mais duro do que imaginou. E o certo é que o que imaginou já era

bastante.

— Agora já não precisa perguntar isso. — Assinalou para a porta com a caixa de leite. — Se

tiver acabado, ali está a porta.

— Não, não acabei. — Daisy olhou a ponta das botas, a chuva umedeceu o couro negro. —

Steven queria que dissesse algo. Queria que dissesse que lamenta... Tudo. — Sacudiu a cabeça e

corrigiu a si mesma. — Não... O que quero dizer é que lamentava. Já faz sete meses que morreu,

mas segue me custando muito falar dele no passado. De algum modo, não me parece correto. É

como se, ao fazer, ele deixasse de existir para sempre. — Olhou Jack, sua expressão não variou um

ápice. — Agradeço muito que enviasse flores.

Jack deu de ombros e deixou o leite sobre a bancada.

— Foi Penny quem as enviou.

— Penny?

— Penny Colten. Casou-se com Leon Kribs. Agora trabalha para mim.

— Pois dê obrigado a Penny de minha parte. — Mas Penny não as teria enviado nem teria

assinado seu nome se ele não tivesse dado seu consentimento.

— Não dê mais importância.

Ela sabia o muito que Steven significou para ele durante uma época.

— Não finja que não te afetou a morte dele.

Jack arqueou uma de suas escuras sobrancelhas.

— Esquece que tentei matá-lo?

— Você não teria matado Jack.

— Não, tem razão. Suponho que o esforço não teria valido a pena.

A conversa estava tomando um rumo equivocado e ela precisava fazer todo o possível para

endireitar.

— Não seja desagradável.

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— Pareço desagradável? — Jack deixou escapar uma risada forçada. — Isto não é nada,

florzinha. Se ficar um momento mais, vai ver como posso ser desagradável.

Ela já estava à corrente de como podia ser desagradável. Mas embora Daisy pudesse ser

bastante covarde, também era muito teimosa. Assim como Jack tinha pouco que ver com o rapaz

que ela conheceu, Daisy tampouco era a mesma garota de antes. Foi a sua casa para contar a

verdade. De uma vez por todas. Para poder seguir adiante com sua própria vida, devia falar de

Nathan. Demorou quinze anos chegar até aí, de modo que Jack podia ficar o desagradável que

quisesse, que de todos os modos teria que escutá-la.

Logo depois de que Daisy percebesse um brilho branco com a extremidade do olho, uma

mulher entrou na cozinha vestida com uma das camisas brancas de Jack.

— Olá a todos — disse a mulher aproximando-se de Jack.

Ele a olhou.

— Disse que ficasse na cama.

— Senti-me aborrecida.

Daisy ficou ruborizada; foi a única da cozinha que se sentiu incômoda pela situação. Jack

tinha uma namorada, assim que aquilo não era nada raro. Sempre saiu com alguém. Houve um

tempo em que a situação teria destroçado Daisy.

— Olá, Daisy. Não sei se lembra de mim. Sou Gina Brown.

Agora já não doía, e quase dava vergonha admitir que, em grande medida, o que sentiu

nesse momento foi uma assustadora sensação de alívio. Viajou de Seattle para falar de Nathan, e

tudo o que sentia nesse momento era alívio... Como se de repente algo tivesse liberado seu

estômago do nó que o esteve oprimindo. Disse que possivelmente era mais covarde do que

acreditava.

Daisy sorriu e cruzou a cozinha para estender a mão a Gina.

— É obvio que me lembro de você. Íamos juntas as aulas de história no último ano da escola.

— Com o senhor Simmons.

— Exato.

— Recorda quando tropeçou com o rascunho? — perguntou Gina como se não estivesse na

cozinha vestida apenas com uma das camisas de Jack.

— Rimos do lindo. Foi como...

— Que demônios é isto? — falou Jack. — Uma maldita reunião de ex-alunas?

Ambas as mulheres olharam e Gina disse:

— Estava tentando ser amável com sua convidada.

— Não é minha convidada, e além disso, ela já estava de saída. — Dedicou a Daisy um olhar

tão frio e implacável, como o que viu em seus olhos na sua chegada.

— Foi um prazer, Gina — disse Daisy.

— O mesmo digo eu.

— Boa noite, Jack.

Ele apoiou o quadril na bancada e cruzou os braços.

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— Nos veremos em breve. — Daisy percorreu a casa às escuras e saiu pela porta. Deixou de

chover, mas teve que se esquivar dos atoleiros até chegar ao Cadillac de sua mãe, que estacionou

junto à oficina. Sem lugar a dúvidas, a próxima vez telefonaria antes.

Quando chegou à altura do carro sentiu que a agarravam pelo braço. Daisy se virou e se

encontrou com o rosto de Jack. As luzes da rua o iluminavam por cima e deixavam na penumbra a

expressão severa de sua boca.

Olhou fixamente. Já não era um olhar frio a não ser bravo.

— Não sei o que veio procurar aqui, se o que quer é a absolvição ou o perdão — disse com

um acento sulino mais marcado que nunca. — Não vai ter nenhum dos dois. — Baixou a mão

como se incomodasse o mero feito de tocá-la.

— Sim, já sei.

— Muito bem. Pois mantenha-se afastada de mim, Daisy Lê — espetou— ou me ocuparei de

que sua vida seja um inferno.

Ela observou seu rosto, tocado por uma paixão e uma raiva que não diminuíram em quinze

anos.

— Se afaste de mim — repetiu uma última vez antes de voltar-se e desaparecer entre as

sombras.

Daisy sabia que a opção mais inteligente era fazer caso. O mau era que não tinha mais

remedeio que desobedecer.

Embora ele ainda não soubesse.

Capítulo 2

Daisy soprou o café para esfriá-lo um pouco e levou a xícara aos lábios. O sol estava a ponto

de sair e sua mãe ainda dormia no quarto do fundo do corredor. Além de alguns pequenos

eletrodomésticos novos, poucas coisas mudaram na cozinha de sua mãe. O chão e as bancadas

seguiam tendo o mesmo tom azulado de sempre, e as campainhas azuis tão típicas do Texas que

antigamente pintaram nos móveis brancos ainda apareciam.

Tentando fazer o menor ruído possível, Daisy colocou a capa de chuva que pendurava da

porta desde a noite anterior. Muito lentamente, colocou primeiro um braço e logo o outro; uma

vez posto, cobria por completo a curta calça do pijama que usava debaixo. Colocou os tamancos

que sua mãe utilizava para trabalhar no jardim e inundou nas profundas sombras da madrugada.

O ar frio acariciou o rosto e as pernas nuas, e a ligeira brisa liberou de seu rabo-de-cavalo algumas

mechas de cabelo. O ar do Texas encheu seus pulmões e lhe arrancou um sorriso. Não sabia por

que, nem tampouco como explicá-lo, mas nesta parte do mundo o ar era diferente. Era como se

tivesse no interior de seu peito e de ali irradiasse para o exterior. Sentia como sussurrava por toda

sua pele dando resposta a um desejo que, sem nem sequer sabê-lo, guardava oculto no mais

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profundo de sua alma.

Estava em casa. Embora fosse por pouco tempo.

Vivia em Seattle, no estado de Washington, há quinze anos. Acabou por gostar de lá.

Adorava a verde paisagem, as montanhas, a baía. Gostava de esquiar, tanto na neve como na

água, e navegar. E muitas coisas mais.

Mas Daisy Lê era do Texas. Gravou no coração e no sangue. Formava parte de seu DNA,

como o fato de ser loira. Era como a marca de nascimento parecida com um chupão que tinha na

parte superior de seu peito esquerdo. E, igual a essa marca, Lovett tampouco mudou nesses

quinze anos. A população aumentou em algumas centenas de pessoas; havia algumas lojas novas

e uma nova escola primária. Recentemente acrescentou à paisagem do povoado um campo de

golfe de dezoito buracos e um clube de campo, mas, ao contrário do que acontecia no resto do

país, ou nas grandes cidades do Texas, Lovett seguia fiel a seu ritmo tranquilo.

Daisy contemplou as sombras que se formavam no jardim de sua mãe. A silhueta de um

moinho de vento de um metro e meio de altura, uma estátua do Annie Oakley e uma dúzia de

flamingos se destacavam na escuridão. Durante a adolescência, tanto a ela como Lily, sua irmã

menor, o peculiar gosto de sua mãe pela decoração exterior fez ruborizarem-se em mais de uma

ocasião. Agora, ao contemplar o desfile de flamingos, não pôde evitar sorrir.

Deu um gole no café e se sentou no degrau de cimento, junto a um tatu de pedra com vários

cachorrinhos colados às costas. Daisy não dormiu bem a noite anterior. Tinha os olhos inchados e

a cabeça funcionava mais devagar. Sentiu um calafrio e deixou repousar a taça sobre o joelho.

Antes de ver Jack sabia muito bem o que ia fazer. Voltou para Lovett, por um lado, para visitar sua

mãe e sua irmã e passar com elas uns dias, e, por outro, para falar com Jack e contar sobre

Nathan. Em um princípio, pensou ficar doze dias, e até a hora de falar com Jack na noite anterior

pareceu tempo de sobra.

Sempre soube que não seria tarefa fácil, mas tinha tudo muito claro sobre o que devia dizer.

Com Steven, falou disso longamente antes de sua morte. No bolso seguia levando a carta que

Steven escreveu antes de perder definitivamente a capacidade de ler e escrever. Quando aceitou

que ia morrer, que sua enfermidade não tinha cura, que não ficavam mais medicamentos

experimentais nem operações por experimentar, quis esclarecer algumas questões com as

pessoas às que fez dano ao longo de sua vida. Uma dessas pessoas era Jack. A princípio pensou em

mandar a carta por correio, mas, depois de falar com Daisy, decidiram que o melhor seria entregar

em pessoa. E que fizesse Daisy. Porque, no final, era ela a que devia esclarecer coisas com Jack

Parrish, foi ela a que mais mal fez.

Nunca pretenderam ocultar de Jack o Nathan. Sua mãe sabia. E sua irmã. Nathan também

estava a par. Sempre soube que seu pai biológico se chamava Jackson e que vivia no Texas.

Disseram-lhe assim que consideraram que era capaz de entender, mas nunca expressou o menor

interesse de conhecê-lo. A todos os efeitos, Steven foi um pai para ele.

Já começava a ser hora de que se conhecessem. Talvez depois de contar a Jack que tinha um

filho. Daisy deixou escapar um leve gemido e levou a xícara de café aos lábios. Um filho de quinze

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anos com uma crista pintada de verde, um piercing no lábio e um montão de correias em seu

vestuário, tantas que parecia ter assaltado o canil municipal.

Nathan não passou nada bem os últimos dois anos e meio. Quando diagnosticaram a

enfermidade de Steven, asseguraram que ficavam apenas cinco meses de vida. Não morreu até no

final de dois anos, mas não foram dois anos fáceis. A Daisy resultou muito duro ser testemunha da

luta de Steven por seguir vivo, mas para Nathan foi um autêntico calvário. Além disso, embora não

gostava de admitir, precisava reconhecer que em certos momentos não se mostrou muito

considerada com seu filho. Houve inclusive noites nas que não se deu conta de que o rapaz não

estava em casa até que retornou. E quando o viu entrar pela porta, jogou uma soberana bronca

por não ter dito aonde foi. Ele a olhou com esses olhos azuis claro e disse: "Perguntei se podia ir

na casa do Pete e me disse que sim." E ela não teve mais remedeio que admitir que possivelmente

falaram do assunto e, como estava totalmente centrada no cuidado de Steven, esqueceu: pode ser

que estivesse pendente de seus remédios, ou da seguinte operação, ou possivelmente se tratava

do dia em que Steven perdeu a capacidade de usar a calculadora, de dirigir ou de amarrar os

sapatos. Observar os esforços de seu marido por manter sua dignidade ao mesmo tempo que

tentava recordar como fazer coisas que fazia desde os quatro ou cinco anos, resultava desolador.

Em muitas ocasiões, Daisy se esquecia por completo de conversas que manteve com Nathan.

O dia em que Nathan apareceu em casa com aquela crista, Daisy disse que as coisas estavam

escapando das mãos. De repente compreendeu que seu filho já não era um menino disposto a

jogar futebol e ver o canal de desenhos animados deitado no sofá agarrado a sua manta preferida.

Embora não foi a cor de seu cabelo o que mais chamou a atenção, a não ser o olhar perdido que

encerravam seus olhos. O vazio desse olhar a obrigou a sair do estado de depressão e dor no qual

esteve sumida durante os sete meses posteriores à morte de Steven.

Steven morreu. Nathan e ela lamentariam sempre sua perda, sentiriam como se tivessem

talhado um pedaço de suas almas. Steven foi o melhor amigo de Daisy e um bom homem. Foi um

refúgio para ela, um apoio, alguém que fez que sua vida fosse melhor. Mais fácil. Foi um marido e

um pai estupendo.

Nathan e ela jamais esqueceriam, mas Daisy não podia seguir vivendo no passado. Devia

viver no presente e começar a olhar para o futuro. Por Nathan e por ela mesma. Entretanto, era

consciente de que para seguir adiante com sua própria vida devia revisar algumas coisas de seu

passado. precisava revelar o segredo.

Os raios do sol começaram a pulverizar pela grama e as gotas de orvalho que cobriam o

jardim começaram a brilhar. O sol dessa hora da manhã se projetava sobre alongadas sombras de

erva úmida, subia pelo moinho de vento, arrancava brilhos do rifle prateado de Annie Oakley.

Daisy sentiu falta de sua câmera Nikon com grande angular. Tinha em seu quarto, mas sabia muito

bem que se ia em sua busca, embora fosse a toda velocidade, perderia definitivamente aquele

espetáculo de luz. Em poucos segundos o sol chegou até seus pés, passeou por suas pernas e

iluminou o rosto; Daisy fechou os olhos e deixou que a banhasse com seu calor.

Depois de viver tantos anos no norte, Daisy perdeu o acento, mas seguia tendo debilidade

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pelos espaços abertos e a visão do amplo céu azul sobre o horizonte. Abriu os olhos e lamentou

que Steven não estivesse ali para vê-lo. Ele amou aquela terra tanto como ela. Baixou a vista e

observou os tamancos que cobriam seus pés. Desejou que as coisas tivessem sido de outra

maneira. Teria gostado, por exemplo, dispor de um pouco mais de tempo antes de ter que

enfrentar Jack. Não gostaria de absolutamente voltar a ver o desdém em seu rosto. Sempre soube

que não ia recebê-la com os braços abertos, mas mesmo assim surpreendeu que depois de todos

esses anos seguisse odiando-a tanto como a última vez que se viram.

"Pareço desagradável? — disse — Isto não é nada, florzinha. Se ficar um momento mais, vai

ver como posso ser desagradável."

Perguntou-se se Jack teria sido consciente de que a chamou de "florzinha". Assim era como

a chamava nos velhos tempos. Assim foi como a chamou a primeira vez que a viu na escola

primária de Lovett.

Ainda recordava como estava nervosa e o medo que tinha naquele dia, agora tão longínquo.

Temia que ninguém a quisesse, e tinha a sensação de que com esse laço vermelho no alto de sua

cabeça parecia uma menina tola. Sua mãe o tirou de uma cesta de presente que continha um

montão de cupons, um livro de receitas e todos os ingredientes para preparar um bom Chile

texano. Daisy não queria levar aquele laço, mas sua mãe insistiu: ficava muito bem e além disso,

combinava com o vestido.

Ninguém falou com ela em toda a manhã. À hora do almoço estava já tão preocupada que

resultou impossível comer seu sanduíche de queijo. Finalmente, durante o recreio, Steven e Jack

se aproximaram da cerca metálica em que Daisy estava apoiada.

— Como se chama? — perguntou Jack.

Daisy olhou-o nos olhos, esses olhos verdes emoldurados em longas pestanas negras, e

sorriu. Por fim alguém falava, e seu coração deu um pulo de alegria.

— Daisy Lê Brooks.

Jack se apoiou nos calcanhares de suas botas enquanto a olhava de cima abaixo.

— Bom, florzinha, acredito que leva o laço mais ridículo que vi em minha vida — espetou, e

Steven e ele puseram-se a rir.

Quando Daisy ouviu dizer que seu laço era ridículo, todos seus temores ficaram confirmados

e os olhos se encheram de lágrimas.

— Sim, mas vocês dois são ainda mais ridículos — respondeu orgulhosa de poder se

defender sozinha. Embora ato seguido arruinasse sua atuação tornando a chorar.

Ao recordar esse dia, seus lábios desenharam um triste sorriso. Prometeu a si mesma que

odiaria a esses dois moços durante o resto de seus dias. Mas o aborrecimento durou até o

momento em que Jack perguntou se quereria jogar em sua equipe de beisebol infantil no final de

três semanas. Foi Steven quem lhe ensinou a jogar na segunda base sem que a bola a golpeasse no

rosto.

A princípio, Jack a chamou "florzinha" ao pegar no cabelo, mas anos depois sussurrava

aquele nome enquanto a beijava docemente no pescoço. Sua voz foi adquirindo mais gravidade à

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medida que descobria novas maneiras de pegar no cabelo. Houve um tempo no que o mero feito

de recordar seus beijos acendia uma labareda de paixão em seu peito, mas fazia já muitos anos

que não sentia nada por ele.

Recordou então o aspecto de Jack a noite anterior, meio nu e fora de si. O modo em que

entreabria os olhos, seus atraentes olhos verdes e seu sorriso sardônico. Era inclusive mais bonito

que antigamente, mas Daisy também era mais velha e mais inteligente, e já não se deixava tentar

pelos tipos bonitos com maus modos.

Nathan não se parecia muito a Jack. Exceto talvez em certos traços de seu caráter. Embora

decidisse que Nathan se instalaria na casa da irmã de Steven, em Seattle, enquanto Daisy estivesse

em Lovett, o menino sabia qual era o verdadeiro motivo da viagem de sua mãe. Daisy acabou

aprendendo a lição sobre as mentiras, por bem intencionadas que estas fossem, e jamais mentia a

seu filho. De todos os modos, decidiu fazer a viagem na última semana do curso para que Nathan

não pudesse acompanhá-la. Daisy não tinha nem ideia de qual seria a reação de Jack quando

contasse sobre Nathan. Não acreditava que pudesse se mostrar cruel com o moço, mas não estava

absolutamente segura disso. Não desejava que Nathan estivesse presente se Jack ficasse furioso.

Nathan já conheceu de sobras o que era a dor.

Ouviu os movimentos de sua mãe dentro da casa. Ficou em pé e voltou para dentro.

— Bom dia— disse enquanto tirava a capa de chuva. Percebeu imediatamente o quente

aroma da cozinha de sua mãe. O aroma de pão recém assado e a comida caseira a envolveu como

uma manta. — Contemplei a saída do sol. Foi precioso. — tirou os tamancos e olhou a sua mãe,

que nesse instante estava jogando um pouco de leite a seu café. Louella Brooks colocou uma

camisola de nylon, tinha o cabelo loiro e o usava recolhido no alto da cabeça com uma rede para

cabelo.

— Que tal a festa de ontem à noite? — perguntou Daisy. A segunda sexta-feira de cada mês,

o clube de solteiros do Lovett organizava um baile, e Louella Brooks não perdeu nenhum desde

que se inscreveu no clube, em 1992. Pagava cinquenta dólares ao ano e estava decidida a tirar

rendimento desse dinheiro.

— Veio Verna Pearse, e asseguro que parecia dez anos mais velha do que é na realidade. —

Louella deixou a colherinha na pia e levou a taça aos lábios. Olhou a Daisy por cima da xícara.

— Estava frouxa, encurvada... para o arrasto.

Daisy sorriu e encheu de novo a xícara de café. Verna trabalhou com Louella no restaurante

Wild Coiote. Durante um tempo foram amigas. Nos dois últimos anos de escola, Daisy também

trabalhou ali, mas não conseguia recordar por que acabou a amizade.

— O que aconteceu a Verna e você? — perguntou a sua mãe.

Louella deixou a xícara sobre a bancada e agarrou uma barra de pão da despensa.

— Verna Pearse tem menos crânio que um mosquito — respondeu. — Durante um ano não

deixou de me repetir que ganhava dez centavos mais a hora que eu porque era melhor garçonete.

Não deixou de pavonear-se diante de meu nariz, mas acabei descobrindo que esse dinheiro

ganhava de outra forma.

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— Como?

— Com o Big Bob Jenkins.

Daisy recordava ao dono do restaurante, mas não sabia que alguém o chamasse Big Bob.

— Deitava com Big Bob?

Louella negou com a cabeça e entreabriu a boca.

— Gratificação oral no armazém.

— Sério? Isso é algo menos que um delito.

— Sim. É uma forma de prostituição.

— Eu me referia há algo parecido à escravidão. Verna chupava Big Bob por algo assim

como... uns oitenta centavos ao dia? Isso não é justo.

— Daisy — exclamou sua mãe enquanto tirava a torradeira do armário. — Não diga palavras

grosseiras.

— Você foi quem tirou o assunto! — Nunca entenderia sua mãe. "Gratificação oral" parecia

bem, mas "chupá-lo" era para ela uma palavra vil.

— Passou muito tempo no norte.

Talvez tivesse razão, porque não conseguia ver qual era a diferença. Embora o certo seja que

houve uma época em que nunca teria ocorrido utilizar essa palavra em semelhante contexto.

Louella cortou uma fatia de pão.

— Quer uma torrada?

— Não como nada pelas manhãs. — Daisy bebeu um gole de café e colocou no canto da

mesa. A brilhante luz da manhã penetrava por entre os vidros da janela e iluminava a mesa

amarela.

— Saiu ontem à noite? — perguntou sua mãe enquanto torrava uma fatia de pão.

O que queria dizer era se teve coragem para ir ver Jack.

— Sim. Passei por sua casa.

— Contou-lhe?

Daisy se sentou em um dos bancos e fixou o olhar em suas mãos: desprendeu um pouco de

esmalte vermelho de uma das unhas.

— Não. Tinha companhia. Sua namorada estava com ele, assim não era o momento

adequado.

— Talvez seja um sinal de que deva deixar em paz.

A sua mãe sempre gostou mais de Steven do que de Jack, embora também gostasse desse.

Quando os três se metiam em problemas, Jack estava acostumado a ser o que levava a bronca. E

enquanto ele estava acostumado a aceitar a reprimenda, Daisy e Steven tentavam livrar-se por

todos os meios.

— Não posso fazê-lo — disse Daisy — Preciso contar.

— Sigo sem entender por que. — A torrada saltou e Louella a colocou em um pequeno

prato.

— Já sabe por que. — Daisy não tinha intenção de voltar a discutir com sua mãe os motivos

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que a levaram até ali. Abriu o frasco de esmalte de unhas que deixou sobre a mesa no dia anterior

e reparou a falha.

— Bem, se estava tão claro não tinha por que ir ontem à noite. — Louella tirou a manteiga

da geladeira e estendeu um pouco sobre sua torrada. — As pessoas em seguida mexericarão sobre

as viúvas. Dirão que está desesperada.

O pai de Daisy morreu quando ela tinha sete anos, mas nunca ouviu dizer a ninguém que sua

mãe estivesse desesperada.

— Não me importa. — Cobriu a unha com esmalte vermelho e depois voltou a fechar o

frasco.

— Pois deveria importar-se. — Louella agarrou o prato com a torrada e a xícara de café e se

sentou na mesa, frente a sua filha — Não acredito que você goste da ideia de que as pessoas

pensem que anda procurando envolvimento.

Daisy soprou a unha para evitar tornar a rir. Fazia dois anos que não mantinha relação

alguma com ninguém, e já nem sequer estava segura de saber como fazia. Depois do diagnóstico

do Steven e a primeira operação, tentaram manter uma vida marital normal, mas no final uns

poucos meses tudo complicou muito. No princípio sentiu falta de fazer o amor com seu marido.

Mas à medida que foi transcorrendo o tempo, foi passando a vontade. E o certo é que agora

virtualmente não pensava nisso.

— Como ocorreu pôr esses flamingos no jardim? — perguntou Daisy para mudar de assunto.

— Pareceram bonitos — respondeu sua mãe. No passado, a Louella gostou de tudo

relacionado com Walt Disney. Branca de Neve e os Sete Anões e alguns personagens de Alice no

País das Maravilhas, ocuparam durante um tempo seu jardim — O flamingo grande com o livro de

bolso no bico é da loja do Kitty Fae Young. Sua neta os faz por encomenda. Lembra da Amanda,

verdade?

Daisy sentiu que a invadia a onda de aborrecimento que tantas vezes foi vítima quando

pequena. Sua mãe sempre teve o costume de divagar sem descanso sobre gente a quem Daisy não

conhecia e que nunca conheceu, e que não importava nada. No passado, ela e Lily foram vítimas

involuntárias dessa tendência, obrigadas a escutar fofocas picantes relacionadas com o

restaurante, que habitualmente acabavam por não ser tão picantes. De pouco servia que tanto ela

como sua irmã declarassem de vez em quando o pouco que importava quem comprou um Buick,

quem tinha artrite ou quem preparava umas bolachas muito ruim; Louella era como um disco

rachado e não podia parar de falar até que considerasse que chegou ao final.

Daisy negou com a cabeça e respondeu em voz baixa:

— Não.

— Claro que lembra — disse sua mãe. — Tem os dentes muito grandes. Parecia um castor.

— Ah, sim — retificou Daisy; seguia sem ter nem ideia de quem era, mas ao oeste do Texas

havia algumas moças com os dentes grandes.

Daisy foi deslizando pelo banco e ficou em pé. Enquanto sua mãe falava de Amanda e suas

ideias sobre decoração de jardins, Daisy se aproximou da pia e enxaguou sua xícara. Levantou os

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olhos para os cristais chumbados verdes e vermelhos que formavam brilhos de cores sobre o

batente. Fixou em uma foto emoldurada e a agarrou. Nela apareciam Steven e Nathan em seu

quarto aniversário. Daisy utilizou um grande angular para distorcer o enfoque curto. Ambos

usavam chapéus de festa e riam como lunáticos escapados de um manicômio, com os olhos muito

abertos. Daisy fez aquela foto quando começou o curso de fotografia; ainda estava

experimentando. Todos eram muito felizes naquela época.

Começou a franzir o cenho e acabou afastando a vista. Não queria pensar no passado. Não

queria ser apanhada por uma maré de emoções. Deixou a xícara na máquina de lavar pratos e

posou o olhar na lista de compras que estava presa em um clips de recados.

— Mas então você já não vivia aqui — prosseguiu sua mãe. — Foi o ano em que um tornado

levou o trailer de Rede Cooley.

— Vai comprar? — perguntou Daisy interrompendo a sua mãe.

— Necessito algumas coisas — respondeu enquanto levantava da mesa e guardava o pão. —

Lily Belle e Pippen deverão comer amanhã depois da missa. Pensei que necessitamos um pouco de

presunto.

Lily era três anos mais nova que Daisy, e Pippen era seu filho de dois anos. O marido de Lily

fugiu com uma vaqueira, por isso estavam sumidos em um desagradável processo de divórcio.

Estava passando uma má época, daí que Lily tivesse os homens, a todos os homens, no ponto.

— Irei eu comprar nos Albertsons — se ofereceu Daisy. Desse modo, poderia escolher algo

mais que presunto. Nunca se apaixonou por porco e, depois do funeral de Steven, um montão de

gente bem-intencionada a presentearam com presunto cozido. Ainda ficava um pouco na

geladeira, em Seattle.

Tomou uma ducha e colocou uns jeans e uma camiseta azul. Secou o cabelo e se maquiou

um pouco. Com a lista de compras no bolso traseiro da calça, montou no Cadillac de sua mãe. O

carro tinha vários arranhões de ambos os lados, todos devido ao mesmo: a miopia de sua mãe.

Um ambientador com forma de flamingo pendurava do retrovisor, e ao carro chiavam as rodas

quando pegava as curvas.

No fio musical do supermercado Albertsons soava a canção Mandy, do Barry Manilow, uma

aberração em qualquer estado do país, mas especialmente no Texas. Daisy colocou uma caixa de

bolsas de chá e uma lata de café no carrinho, e dirigiu-se à seção das carnes. Gostava de algo para

assar, assim agarrou um pacote de costelas.

— Olá, Daisy. Ouvi que estava na cidade.

Daisy separou o olhar das costelas. A mulher que tinha em frente resultava familiar, mas não

recordava de quem se tratava. Tinha o cabelo recolhido com uns enormes cachos de cor rosa e

segurava uma lata do Super Hold Aqua Net em uma mão e um pacote de rosquinhas na outra.

A Daisy custou alguns segundos associar aquele rosto a um nome.

— É Shay Brewton, a irmã mais nova de Sylvia, verdade? — Ela e Sylvia foram companheiras

na equipe de animadoras da escola Lovett. Foram boas amigas, mas perderam o contato quando

Daisy e Steven se foram da cidade.— Como está Sylvia?

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— Bem. Vive em Houston com seu marido e seus filhos.

— Em Houston? — Daisy deixou a carne em seu lugar e colocou um pé na barra traseira do

carrinho. — Vá. Lamento que mudasse. Esperava vê-la antes de partir.

— Vai passar aqui o fim de semana. Vem para minhas bodas.

Daisy sorriu.

— Vai casar? Quando? Com quem?

— Jimmy Calhoun, na igreja Baptista. Esta tarde, às seis.

— Jimmy Calhoun? — Foi à escola com o Jimmy. Era ruivo e usava aparelhos nos dentes. Os

Calhoun eram seis irmãos, todos eles problemáticos. Se tivesse tido que apostar, teria assegurado

que todos eles estavam vivendo agora em Huntsville com o corpo coberto de tatuagens.

Shay soltou uma gargalhada.

— Não me olhe como se tivesse ficado louca.

Daisy não se deu conta de que tinha a boca aberta, e a fechou de repente.

— Parabéns. Estou segura de que será muito feliz — disse.

— Passe depois pela festa. É no clube de campo. Começará às oito.

— Justo depois das bodas?

— Será uma festa em grande estilo. Haverá muita comida e bebida, e contratamos Jed e os

Rippers para que toquem para nós. Estará Sylvia, e sei que adorará te ver. Também estarão

mamãe e papai. A senhora Brewton foi uma das treinadoras da equipe de animadoras. O senhor

Brewton tinha sua própria destilaria no abrigo de sua casa. Daisy sabia por própria experiência que

aquele licor podia furar o esôfago.

— Talvez passe um momento.

Shay assentiu.

— Bem. Direi a Sylvia que te vi e que passará na festa. Adorará.

Daisy não trouxe roupa adequada para ir a um casamento. O único vestido que tinha ali era

branco, muito pouco apropriado para semelhante evento. Talvez pudesse enviar um presente.

— Tem lista de casamento em algum lugar?

— OH, não se preocupe com isso — sorriu. — Mas sim, tenho lista na Donna's Gift, na

Quinta.

É obvio. Todo mundo tinha sua lista de casamento na Donna'S.

— Bom, pois nos vemos esta noite — disse Shay enquanto se afastava.

Daisy a viu desaparecer atrás de uma esquina e voltou a sorrir. A pequena Shay Brewton ia

casar-se com Jimmy Calhoun. Em sua época na escola, poucos rapazes estavam tão malucos como

Jimmy e seus irmãos.

Bom, Jack, sem dúvida, estava entre eles.

Jack sempre teve um halo de loucura. Não era o bastante andar com a moto a toda

velocidade; precisava soltar as mãos do guidão ou ficar de pé sobre o assento. Não bastava

perseguir os redemoinhos de pó; precisava sair a brincar quando o serviço meteorológico dizia

tornados de força um. Acreditava que era invencível, uma espécie de super-homem.

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Steven era mais atrevido que Daisy, mas não chegava a fazer nem a metade das coisas que

Jack fazia. Nunca quebrou uma perna ao saltar do telhado de sua casa sobre um leito de folhas.

Nem tampouco colocou um motor de motocicleta a um kart de fabricação caseira e passeou pela

cidade como se estivesse em um circuito de corridas.

Jack sim, fizera todas essas coisas. Fizera apesar de saber que seu velho ficaria furioso. Ray

Parrish sempre era severo com Jack, mas este estava convencido de que valia a pena passar por

isso.

Steven Monroe sempre tomava precauções, era mais sério e cumpridor; Jack, em troca, vivia

a toda velocidade, como se tivesse pressa por chegar a alguma parte. Ter por amigo o menino

mais maluco da escola foi divertido. Manter uma relação sentimental com ele foi um tremendo

engano.

Um engano pelo qual Daisy, Steven e Jack tiveram que pagar um alto preço.

Capítulo 3

O clube de campo de Lovett estava localizado em um extremo do campo de golfe de dezoito

buracos. Duas fileiras de pés de pera flanqueavam o caminho que conduzia até o edifício principal.

Os visitantes precisavam cruzar uma ponte para chegar à porta de entrada. Um pequeno

riacho corria por debaixo da ponte para acabar desembocando em um lago coberto de nenúfares,

cujos caules vermelhos e brancos balançavam na lenta corrente.

Às oito e meia, Daisy deixou o carro no estacionamento, junto a um Mercedes. Era a

primeira vez que saía desde que Steven havia falecido e sentia algo estranho... Como se houvesse

esquecido algo em casa.

Era parecido à sensação que estava acostumado a assaltá-la quando estava na fila do

aeroporto disposta a embarcar: por um momento temia ter esquecido o bilhete em cima da mesa

da sala, apesar de saber que estava com ela. Perguntou quanto demoraria para desaparecer de

sua vida essa sensação. Provavelmente até que se acostumasse a sair sozinha. E a ter encontros.

Nesse caso, essa sensação ia acompanha-la para sempre, porque nunca ia estar preparada para

isso.

Daisy cruzou as portas de cristal e, depois de atravessar o restaurante, ao passar pelo

comprido corredor que conduzia ao salão de banquetes, observou o reflexo impreciso de sua

imagem no corrimão de metal. Usava um vestido vermelho, sem mangas, que pegou emprestado

de Lily. Daisy era alguns centímetros mais alta que sua irmã, que media pouco menos de um metro

e sessenta, e tinha um pouco mais de peito.

O vermelho não era a cor mais adequada para um banquete de bodas, mas outros vestidos

de Lily ou foram muito curtos ou marcavam muito o busto. Uma fileira de botões forrados de seda

percorria um dos lados do vestido. Carregava uma pequena bolsa vermelha de sua mãe com uma

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longa alça dourada.

Daisy deixou o presente que comprou essa mesma tarde sobre a mesa que havia junto à

porta e entrou no salão. Parecia uma festa de casamento bastante tradicional. Um fotógrafo ia de

um lado para outro tirando fotos instantâneas dos presentes com uma câmara digital.

Umas duzentas pessoas brindaram pelo feliz casal elevando suas taças de champanhe. Os

adornos dourados estavam por toda parte, e nas mesas, redondas e cobertas com toalhas brancas,

tinham acendido velas coloridas. À esquerda de Daisy havia várias fileiras de buffet com frango

rústico, rosbife, verduras e cebolinhas. A maioria dos presentes estavam sentados, mas havia

alguns que andavam de um lado para outro.

O fotógrafo do casamento não utilizava uma câmera especial para captar o brilho da sala, o

qual pensou Daisy, era um engano. Se a tivessem contratado, teria levado consigo várias câmaras

e uma boa variedade de lentes. Nessa sala teria empregado filme em cor 1600, o flash da própria

câmara e uma câmera de vídeo light para destacar a luz ambiental de fundo. Claro que cada

fotógrafo tinha seu próprio modo de trabalhar. Certamente, esse faria tudo muito bem.

— Pelo Jimmy e Shay Calhoun - exclamou alguém.

Daisy agarrou uma taça de champanhe e deixou de prestar atenção ao fotógrafo. Depois de

fazer um repasse visual dos convidados, levou a taça aos lábios, procurando não borrar o batom

carmim.

Daisy sorriu ao ver sua antiga amiga da escola: com esse vestido se diria que Sylvia acabava

de sair de um harém. Tinha um aspecto terminante. Não é que estivesse gorda; estava grávida.

Muito grávida. Parecia um pouco cansada, mas Daisy a viu tão graciosa como sempre, apesar de

que era mais baixa do que a recordava. Seguia levando o cabelo comprido e franja curta.

Shay estava muito formosa com aqueles cachos tipo Texas que acariciavam os ombros e o

véu que flutuava a seu redor, suave como uma nuvem. Jimmy Calhoun tinha muito melhor

aspecto que no passado. Claro que possivelmente só se devia a que se asseou antes de vestir o

smoking. Não teria posto a mão no fogo, mas o vermelho de seu cabelo era um ou dois tons mais

escuro que antes.

— Desculpe — disse alguém a suas costas.

Daisy reconheceu a voz imediatamente. Se afastou ligeiramente da porta, girou a cabeça e

posou o primeiro olhar na definida linha que formavam os lábios de Jack Parrish e a seguir em seus

formosos olhos.

Ele ficou olhando aos seus, ao passar junto a ela, a manga de seu casaco cinza acariciou a

pele do braço. Jack ficou tão surpreso que parou por um instante, uma fração de segundo, e, no

fundo de seus olhos, Daisy pareceu distinguir um brilho de calor. Mas se desvaneceu em seguida e

Daisy começou a pensar que não foi mais que o reflexo dos candelabros que pendiam sobre suas

cabeças ou de alguma das velas que haviam ali acesas. Passou ao lado, e ela ficou olhando seus

largos ombros e sua nuca enquanto Jack abria passagem entre a multidão em busca da noiva e do

noivo.

O cabelo escuro roçava a gola da camisa e parecia como se o tivesse penteado com os

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dedos, como se tivesse tirado o chapéu há só um instante, tivesse deixado no assento do carro e

passado as mãos pelo cabelo.

Com o traje, diria que acabava de sair de uma revista de moda. E, como sempre, avançava

com passo lento e tranquilo, dando a entender que não tinha pressa para chegar a nenhuma

parte. Um leve comichão, que tinha pouco a ver com o aspecto de Jack, mas tudo com o que

representava para ela e para seu filho, instalou em seu estômago.

— Daisy Lê Brooks! — exclamou Sylvia; Daisy se voltou imediatamente. — Veio. — A

potência da voz da Sylvia não correspondia com seu aspecto delicado, mas graças a isso se

converteu em uma estupenda animadora.

Daisy riu e avançou para Sylvia. Tentou não se colocar atrás de Jack, que nesse momento

estava falando com o noivo. Abraçou a sua amiga e ao senhor e a senhora Brewton. Sylvia

apresentou a seu marido, Chris, e disse:

— Suponho que lembra de Jimmy Calhoun.

— Olá, Daisy. — Jimmy sorriu; já não usava aparelho dental. — Está estupenda.

— Obrigado. — Dedicou um olhar de soslaio ao Jack, que agia com toda naturalidade como

se ela não existisse. Baixou a vista até seus ombros e ao retalho de camisa azul que se apreciava

entre as lapelas do casaco do traje. Não usava gravata. Voltou a centrar no noivo.

— Você também tem muito bom aspecto. Não posso acreditar que tenha casado com a

pequena Shay Brewton. Ainda lembro quando Sylvia e eu tentamos te ensinar a montar a bicicleta

e bateu contra uma árvore.

Shay se pôs a rir, e Jimmy disse:

— O certo é que supunha que a estas alturas já devia estar na prisão.

No sétimo ano, Jimmy e seus irmãos se meteram no Monte Carlo de seu pai, baixaram as

calças e mostraram seus traseiros nus a todos os alunos da escola secundária. No décimo ano,

Jimmy chamou à escola para avisar de uma ameaça de bomba porque queria sair algumas horas

antes. Pegaram ele porque utilizou a cabine pública que havia junto ao despacho do diretor.

— Jamais teria passado pela cabeça.

Sylvia explodiu em uma gargalhada, porque sabia perfeitamente o que sua amiga pensava.

Daisy se sentiu um pouco mais relaxada. O comichão que sentia no estômago se suavizou. Não era

nem o momento nem o lugar para falar com Jack de Nathan. O melhor era esquecer da ideia, e

relaxar. Divertir-se com os velhos amigos... Fazia muito tempo que não se divertia.

— Jack, lembra de quando nos detiveram Steven, você e eu por fazer corridas na velha

autoestrada? — perguntou Jimmy.

— Como não. — subiu um pouco a manga do casaco e olhou à hora em seu relógio.

— Esteve ali àquela noite, Daisy?

— Não. — Jogou outro olhar ao homem que tinha ao lado. — Eu não gostava que Steven e

Jack fizessem corridas com os carros. Dava medo que tivessem um acidente.

— Eu sempre controlava. — Jack colocou a mão a um flanco e seus dedos roçaram o vestido

de Daisy. Baixou a vista e a olhou; não havia expressão alguma em seus olhos. — Nunca me

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aconteceu nada.

Entretanto, estando com ele, sempre acabava ocorrendo algo.

— Lamentei muito sobre Steven — disse Jimmy; Daisy olhou de novo. — Era um bom tipo.

Daisy nunca sabia o que responder ante essa classe de comentários, assim levou a taça aos

lábios.

— Shay me disse que foi por um tumor cerebral.

— Sim. — Tinha um nome técnico, glioblastoma, e suas consequências sempre eram fatais.

— Fazia tempo que queria ir ver sua mãe para saber como estava — disse Sylvia.

— Estou bem. — O qual era certo. Estava bem. — Deus bendito, quando vai sair à criatura

que leva aí dentro? — perguntou a Sylvia para mudar de assunto.

— O mês que vem. — esfregou o volumoso ventre. — Já estou mais que preparada. Tem

filhos?

— Sim. — Era muito consciente da presença de Jack, da manga de seu casaco quase roçando

seu braço; um leve movimento e a textura do tecido contra sua pele. — Tenho um filho, Nathan —

acrescentou sem revelar sua idade.

— Ficou em Seattle com Junie, a irmã de Steven, e seu marido, Oliver. — Olhou a Jack e

descobriu que a surpresa se instalou em seus olhos e tinha uma sobrancelha levantada. — Se

lembra de Junie, verdade?

— É obvio — respondeu Jack afastando imediatamente o olhar.

— Me lembro — prosseguiu Sylvia. — Era mais velha que nós. Lembro que os pais de Steven

também eram mais velhos.

Steven, de fato, foi toda uma surpresa para seus pais, que já estavam por volta dos

cinquenta quando ele nasceu. Ambos tinham sessenta e três anos quando ele saiu da escola. Sua

mãe morreu, e seu pai vivia em uma residência para aposentados no Arizona.

— Shay e eu vamos colocar mãos à obra esta noite para fabricar um filho — disse Jimmy

atrás soltando uma gargalhada. - Não queremos esperar muito para ter descendência.

Jack rebuscou nos bolsos de seu casaco, mas acabou encontrando o charuto no bolso

superior de sua camisa.

— Parabéns — disse estendendo a Jimmy.

Jimmy sustentou o charuto entre os dedos.

— Um de meus favoritos. Obrigado.

— E não me felicita? — protestou Shay com um sorriso.

— Não sabia que fumava charutos — disse Jack alargando a mão para ela. Tomou a mão da

noiva e a levou a boca. — Parabéns, Shay. Jimmy é um homem muito afortunado. — Beijou os

nódulos e acrescentou quase em um sussurro. — Se não te tratar bem, me avise.

Shay sorriu e tocou graciosamente os cachos com a mão que tinha livre.

— Tomará uma dessas bebidas energéticas em minha honra?

— Por você vou tomar duas. — Jack soltou a mão de Shay e se despediu.

Daisy se fixou em seus largos ombros enquanto se encaminhava para o balcão que havia na

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esquina.

— Não há mulher que resista — suspirou Sylvia. — E é assim desde a quinta série.

Daisy voltou a olhar Sylvia ao mesmo tempo que outros começavam a falar de futebol

americano. Enquanto debatiam sobre se os Cowboys de Dallas necessitavam um reforço em

defesa ou em ataque, Daisy inclinou ligeiramente a cabeça para sua amiga.

— O que aconteceu entre Jack e você na quinta série? — perguntou.

Um sonhador sorriso se instalou nos lábios de Sylvia e ambas se voltaram para Jack, que

estava pedindo uma cerveja no balcão.

— Vamos, diga-me. — Inquiriu Daisy.

— Pediu-me que lhe mostrasse o traseiro.

"Na quinta série?" Na quinta Jack, Steven e ela não brincavam de médicos, brincavam com

carros da NASCAR.

— Como?

— Disse que ele me mostraria o seu se eu mostrasse o meu.

— Isso foi tudo?

— Não tenho irmãos e ele não tem irmãs. Sentíamos curiosidade. Não aconteceu nada

errado. Foi muito amável.

Nunca suspeitou que quando se aborrecia das estatísticas dos pilotos de corridas, Jack se ia

por aí a ver o traseiro de outras garotas. Perguntou o que outras coisas desconheceria dele.

— Não me diga que foi amiga de Jack Parrish durante todos estes anos e nunca mostrou o

traseiro?

— Na quinta série, não.

— Querida, cedo ou tarde, todo mundo mostra o traseiro a Jack. — passou a mão por seu

volumoso ventre. — É só questão de tempo.

Quando Daisy tinha dezessete anos, virtualmente teve que suplicar que desse uma olhada a

seu traseiro. Se mal não recordava, as palavras exatas de Jack foram: "Para, Daisy. Não quero me

atar com virgens."

Mas fez, e começaram a manter uma selvagem relação sexual escondido de todo mundo.

Inclusive de Steven. Especialmente de Steven. Foi algo amalucado, emocionante e intenso.

Uma viagem pelo amor, o ciúmes e o sexo... que acabou em um desastre.

De repente, lembranças que estavam muito tempo enterradas revoavam pela cabeça de

Daisy. Lembranças desconexas. Uma estranha mescla de imagens e caóticas emoções, como se

alguém os tivesse encerrado todos juntos em uma caixa e tivessem estado esperando todos esses

anos para que se abrisse a tampa para poderem sair em correria.

Recordou seu próprio casamento. Steven e ela na prefeitura. Sua mãe e os pais de Steven

junto a eles. Steven apertando a mão com força para que deixasse de tremer. Esteve apaixonada

por Steven

Monroe desde muito antes de casar. Talvez não se tratasse de um amor imenso. Talvez não

o necessitasse como se necessita uma droga, mas se tratava de um amor eterno, dos que nunca

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morrem. O amor que sempre sentiu por Steven era quente e reconfortante, parecido ao que

alguém sente ao se aconchegar diante da lareira de seu salão depois de chegar à casa morto com

frio e cansaço. Era um amor dos que não se esgotam, e assim foi até o dia em que Steven faleceu.

Recordava a viagem de carro que fez com Steven para comunicar ao Jack que se casaram. A

gravidez produziu náusea, e ao pensar no que iam fazer formou um nó na garganta.

Começou a chorar mesmo antes de entrar na rua de Jack. De novo, Steven apertou sua mão.

Steven e ela tinham passado por muitas coisas juntos e todos esses anos os uniram ainda

mais. Os primeiros anos de seu casamento, enquanto Steven seguia estudando, foram tempos

economicamente muito duros. Mas quando Nathan fez quatro anos, Steven encontrou um bom

trabalho e decidiram ter outro filho. Steven, entretanto, tinha uma baixa produção de esperma.

Tentaram tudo, mas nada funcionou.

Depois de cinco anos de testes, decidiram seguir adiante com suas vidas e desfrutar com o

que tinham. O salão se obscureceu de repente e Daisy se sentia presa pelo passado. Um foco

iluminou o centro da pista de baile e ela tentou com todas suas forças separar aqueles

pensamentos de sua mente. Jed e os Rippers começaram a tocar e Jimmy e Shay dançaram seu

primeiro baile como marido e mulher. Quando Daisy decidiu voltar para Lovett para contar sobre

Nathan a Jack, não teve em conta as lembranças. Nem sequer era consciente de que essas

lembranças estavam aí, enterradas em sua memória, dispostas a sair à luz à mínima oportunidade.

Daisy se afastou da pista de baile e deixou a taça vazia sobre uma mesa. Encaminhou-se para

o serviço que havia junto ao balcão e, enquanto lavava as mãos, olhou no espelho. Já não era uma

garota assustada com o coração quebrado. Era muito mais forte que em sua época de

adolescente. Não estava ali para relembrar seu passado, mas tampouco ia evitar as lembranças.

Estava ali para contar a Jack tudo referente à Nathan. Queria pedir desculpas e esperava que ele

entendesse seus motivos. Entretanto, agora tinha bastante claro que Jack não só não ia entender,

mas também não tinha intenção alguma de fazer fácil. Mesmo assim, devia fazer o correto. Não

queria seguir mantendo o segredo.

Retocou o carmim dos lábios e colocou o batom na bolsa. Não importava que Jack ficasse

uma fera. Inclusive pode ser que ela merecesse, mas sobreviveria a suas investidas. Precisou lutar

o pior que podia reservar a vida e nada do que fizesse Jack seria tão duro como isso.

Daisy parou no balcão do bar e pediu uma taça de vinho; depois se dirigiu de novo para a

mesa nupcial. Jack estava de pé no salão principal, apoiado com o ombro na parede. Segurava o

telefone móvel com uma mão; a outra estava metida no bolso.

Elevou o olhar e viu que Daisy se aproximava dele.

— Muito bem — disse pelo telefone. — Verei na segunda-feira pela manhã, na primeira

hora.

O primeiro impulso de Daisy foi passar direto a toda pressa, mas em lugar disso parou.

— Olá, Jack.

Ele cortou a comunicação e meteu o telefone móvel no bolso.

— O que quer, Daisy?

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— Nada. Só me mostro cordial.

— Eu não quero ser "cordial" com você. — Jack se separou da parede e tirou a mão do bolso.

— Pensei que deixei suficientemente claro ontem à noite.

— OH, sim. — Daisy bebeu um gole de vinho e perguntou: — Como está Billy? —

Virtualmente tudo o que recordava do irmão de Jack eram seus brilhantes olhos azuis e seu cabelo

loiro.

Jack olhou para o salão por cima da cabeça de Daisy.

— Billy está bem.

Ela esperou que completasse a breve explicação, mas não fez.

— Está casado? Tem filhos?

— Sim.

— Onde está Gina? — Olhou Jack diretamente nos olhos; nesse momento pareciam mais

cinzas que verdes, talvez devido ao reflexo do traje.

— No Slim Clem's, suponho.

— Não veio ao casamento?

— Não a vejo por aqui.

Bebeu outro gole de vinho. Ia ser amável com ele embora custasse à vida. Ou embora tivesse

que matar.

— Não a trouxeste com você?

— Por que teria que ter feito?

— Não é sua namorada?

— O que a fez pensar isso?

Ambos sabiam o que levou a pensar.

— Não sei, talvez que ontem à noite usava uma de suas camisas... e nada mais.

— Nisso se equivoca. Também usava uma calcinha de renda. — Em sua boca desenhou um

leve sorriso de meio lado; o muito imbecil estava tentando provocá-la.

— E no rosto um sorriso de satisfação. Lembra desse sorriso, verdade, Daisy?

Não ia perder a calma, era justo o que ele queria.

— Não seja presunçoso, Jack Parrish. Não é tão memorável.

— De que fala? Me referia ao sorriso de Gina. — Sorriu então abertamente e junto à

extremidade dos olhos formaram pequenas rugas de expressão. — A que referia você, florzinha?

Ambos sabiam que não se referiu ao sorriso de Gina.

— Não mudou nada desde a escola. — Daisy dedicou um olhar fulminante e decidiu se

afastar antes de perder a calma e dizer algo do que talvez se arrependesse depois. Algo como que

já era hora de que crescesse.

Jack a olhou enquanto se afastava. Seu sorriso esfumou e fixou o olhar no cabelo loiro, liso e

suave de Daisy, logo na parte traseira do vestido vermelho e finalmente em suas nádegas e suas

coxas.

Quem demônios acreditava que era para julgar? Adquiria o costume de deitar com ele,

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jurava amor eterno e logo se casava com seu melhor amigo na mesma semana em que faleceram

seus pais.

Tal como ele via, algo assim só podia fazer uma pessoa sem coração.

Daisy desapareceu no salão e Jack esperou uns segundos antes de segui-la. Agora, com trinta

e três anos, Daisy estava muito mais bonita que aos dezoito. Pôde comprovar na noite anterior, na

cozinha de sua casa, e também nesse mesmo instante. Seguia tendo o cabelo de um loiro radiante,

mas já não o usava comprido encaracolado e imobilizado pelo laquê. Agora o usava liso e dava um

aspecto muitíssimo mais sexy. Cresceu alguns centímetros, devia medir um metro setenta, mas

seguia se movendo como se ainda fosse a rainha do Festival da Rosa de Lovett. Seus grandes olhos

tinham ainda aquele tom mogno, mas perderam o ponto de inocência e paixão que em outros

tempos tanto o fascinaram.

Jack percorreu o corredor e entrou no salão. Marvin parou para comentar algo relativo à um

Ford Fairlane 67 que acabava de comprar.

— Conserva original — disse enquanto Jed e os Rippers tocavam uma canção de Jim McGraw

que falava de uma garota de minissaia.

Como se de um ímã se tratasse, o olhar de Jack acabou encontrando Daisy. Estava em um

lado do salão conversando com o J.P Clark e sua esposa, Loretta. Embora não era muito apertado,

o vestido vermelho de Daisy destacava as marcadas curvas de sua anatomia. Não ganhou peso.

Não tinha as coxas fofas nem o traseiro flácido, mas como, paradoxalmente, supunha um grande

problema para Jack.

Durante anos conseguiu esquecer-se dela e de Steven. Enterrou-os em sua lembrança e

tinha seguido adiante com sua vida. Mas agora ela estava ali, desenterrando tudo com sua mera

presença.

Cal Turner aproximou-se dela e Daisy o seguiu até o centro da pista de baile. Todos sabiam

que Cal era um depravado e que provavelmente interpretaria a presença de todos esses botões no

vestido de Daisy como um convite a desabotoá-los. Talvez era isso o que ela desejava; se ligar com

Cal. Jack não se importava. Não era coisa dele.

— Será preciso mudar a capota de vinil — disse Marvin, e a seguir começou a falar do

interior do carro.

Cal agarrou Daisy pela cintura e sorriu. Os brilhos da bola de cristal acariciaram as bochechas

e também o cabelo. Seus lábios vermelhos abriram ao rir. Daisy Lê Brooks, a fantasia de qualquer

rapaz febril da escola Lovett, voltou para a cidade, atraindo todos os olhares e criando falsas

esperanças com um simples sorriso.

Há coisas que não mudam nunca.

Mas agora ela já não era Daisy Lê Brooks, a não ser Daisy Monroe, e tinha um filho. Um filho

de Steven. Jack não sabia dizer por que, mas isso o surpreendeu. Não deveria ter sido assim.

É obvio que tinham um filho. Se parasse para pensar nisso, o verdadeiramente assombroso

era que só tivessem tido um. De forma inesperada e indesejada, veio à memória a lembrança do

ventre plano de Daisy. Recordou quando beijava sua pele nua, justo por cima do umbigo, com os

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olhos cravados em seu rosto, o brilho de paixão que se acendia em seus olhos enquanto ele,

pouco a pouco, ia descendo, fixando o olhar em seus lábios úmidos e ansiosos.

— Me desculpe — disse Marvin quando começou a falar apaixonadamente dos dois

carburadores do Ford.

Jack caminhou para a porta e saiu do salão. Percorreu o corredor e saiu do clube de campo.

O suave ar daquela noite de junho acariciou seu rosto. O zumbido dos insetos rompia o silêncio.

Havia uma espécie de lago à direita de Jack e os vaga-lumes cintilavam como luzes natalinas, sobre

o campo de golfe. Apanhou a lembrança de Steven, Daisy e ele mesmo caçando vaga-lumes. Foi

antes que os inseticidas acabassem de forma drástica com o número de insetos, quando ainda era

relativamente simples coloca-los em potes de cristal. Steven, Daisy e ele colocavam os vaga-lumes

nos braços, e o rastro fluorescente que deixavam não desaparecia até no final de dez minutos.

Jack tirou um charuto do bolso superior e caminhou até uma mureta de pedra que estava

além das luzes do clube. Sentou e retirou a ponta do charuto. O levou a boca e começou a apalpar

os bolsos em busca dos fósforos que comprou no estanque. Não estava acostumado a fumar, mas

de vez em quando dava-se o luxo de comprar um bom charuto.

Não encontrou a caixa de fósforos, por isso teve que devolver o charuto ao bolso de onde o

tirou. A luz que provinha das janelas do restaurante se refletia na água do lago. Passou a mão pelo

cabelo e apoiou a cabeça na parede para observar a noite. Sua vida não estava nada mal. Tinha

mais trabalho do que podia abranger e ganhava muito mais dinheiro de que necessitava. Era o

encarregado de Clássicos Americanos Parrish e ampliou e melhorou o negócio muito mais do que

seu pai teria se atrevido a sonhar. Tinha uma empresa e uma casa. Conduzia um Mustang que

valia uns setenta mil dólares e uma caminhonete Dodge RAM com a que transportava seu iate de

seis metros e meio de comprimento.

Era uma pessoa satisfeita. Então, por que tinha que aparecer agora Daisy e despertar nele as

lembranças que fazia tanto tempo que conseguiu enterrar? Lembranças dela e dele. De Steven e

dele.

Lembranças dos três.

Virtualmente desde o primeiro dia de colégio, tanto ele como Steven estiveram um pouco

apaixonados por Daisy Brooks. A coisa começou como um jogo inocente. Dois meninos no pátio

olhando a uma menininha de cabelo loiro e olhos castanhos. Uma menina que podia jogar

beisebol, nadar e correr com eles. A atração que sentiam por ela era algo natural e cândido.

No terceiro ano, quando Daisy começou a se preocupar por saber com qual dos dois se

casaria quando fosse maior, decidiram conjuntamente que teria que casar com os dois. Viveriam

em uma casa que construiriam no alto de uma árvore, e Jack ficaria rico e famoso como piloto da

NASCAR. Steven seria advogado como seu pai e Daisy seria modelo. Não ouviram falar nunca de

poligamia, e tampouco pensaram sexualmente em Daisy. E não porque Steven e ele não falassem

de sexo. Simplesmente não relacionavam o sexo com Daisy.

Mas tudo isso mudou no verão entre o sétimo e o oitavo ano. Daisy foi trabalhar no rancho

de sua tia no Passo, e, quando retornou, trazia consigo seios perfeitos. Já não parecia com a

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menina que, magra e lisa como uma tábua, conheceram: parecia outra. Suas pernas eram mais

longas. Tinha os seios maiores que as mãos, os lábios muito carnudos. Inclusive seu cabelo parecia

mais brilhante. Naquela época, Jack não precisava de muitos estímulos para ter uma ereção.

Ocorria a todos os meninos nessa idade, assim, sem mais, e resultava do mais embaraçoso; às

vezes em lugares tão excitantes como a aula de geometria ou quando estava cortando a grama.

Mas aquele verão, quando pôs a vista em cima de Daisy, seu corpo reagiu de forma muito

clara diante daquelas duas poderosas razões que se destacavam sob sua camiseta. Todos seus

pensamentos se centraram em sua virilha; foi tanto o sangue que baixou àquela zona de seu corpo

que seu cérebro quase ficou seco. Daisy foi visita-lo para falar do rancho de sua tia, e enquanto

sentou-se a seu lado, contando que montou a cavalo e todo o resto, ele se esforçava para não

olhar seus seios. Maravilhosos melões!

Aquele verão, tanto Steven como ele souberam, sem necessidade de mediar palavra, que a

atração que sentiam por Daisy deixou de ser inocente. Podiam notar. Pela primeira vez sua

amizade enfrentava a um sério problema. Um problema que não poderia solucionar com uma

desculpa ou dando de presente uma lesma.

Tempo depois falaram disso, pelo que sentiam por Daisy. Decidiram que nenhum dos dois a

teria. Prometeram não tentar nada com ela pelo bem de sua amizade. Daisy ficava fora de sua

jurisdição. Jack quebrou a promessa, mas Steven foi o que acabou ficando com ela.

A porta principal do clube abriu. Como se seus pensamentos a tivessem conjurado, Daisy

saiu ao ar livre. Colocou bem a alça da bolsa no ombro e olhou a seu redor como se não

recordasse exatamente onde deixou o carro. Seus olhares se encontraram, e ela deixou os olhos

cravados nele, na distância. A luz proveniente do clube iluminava parte de seu rosto; o resto ficava

na penumbra.

— Shay vai lançar seu buquê de noiva dentro de um minuto — disse como se tivesse

perguntado. — E não tenho a mínima intenção de competir por ele.

— Não quer voltar a se casar?

Ao negar com a cabeça, o cabelo acariciou os ombros.

Jack não perguntou por que. Dava no mesmo. Centrou o olhar na curva de seus seios, que

pressionavam o tecido vermelho de seu vestido, e lentamente deixou cair pelos botões que

passavam a um lado.

— Esta manhã recordei meu primeiro dia na escola primária — disse dando um passo para

ele - Se lembra?

Ele incorporou e a olhou diretamente nos olhos.

— Não.

Os lábios de Daisy se curvaram ligeiramente para cima.

— Disse que o laço que usava no cabelo era ridículo. E então comecei a chorar.

— Minha mãe me obrigou a usá-lo.

Jack passou o olhar por seu rosto, por sua pele suave e perfeita, seu nariz reto e seus

carnudos lábios vermelhos. Seguia sendo tão bonita como antes, talvez inclusive mais, mas

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conseguiu afogar todo tipo de sentimento. Nem raiva. Nem desejo. Nada.

— O que está fazendo aqui?

Ela se aproximou um pouco mais. Se Jack tivesse estendido o braço teria podido tocá-la.

Daisy ficou olhando fixamente com seus grandes olhos castanhos e respondeu:

— Shay me convidou à festa esta manhã quando me encontrei no Albertsons.

Não era isso ao que Jack se referia.

— Por que veio a Lovett? Para desenterrar o passado?

Ela deixou cair o olhar até seu peito, mas não respondeu.

— O que é que quer, Daisy?

— Quero que sejamos amigos.

— Não.

— Por que, Jack? — Voltou a elevar a vista. — Houve um tempo em que fomos amigos.

Ele deixou escapar uma gargalhada.

— Sério?

Ela assentiu.

— Sim.

— Eu acredito que fomos algo mais.

— Sei, mas refiro-me a antes de tudo isso.

— Antes do sexo?

Jack teve a impressão de que Daisy se ruborizava.

— Sim.

— E também antes que deitasse com meu melhor amigo? — Cruzou os braços. Talvez sim,

sentia algo. Talvez tudo aquilo desagradava mais do que acreditou, pois acrescentou. — Voltou

para começar outra vez desde o começo? Para seguir de onde o deixamos?

Ela separou a vista.

— Não.

— Sei que não deveria me dar adulação, mas está segura de que não quer dar uma queda no

assento traseiro de meu carro? — Viu que ela negava com a cabeça, mas ele não parou. — Nem

pelos velhos tempos?

Daisy olhou-o nos olhos.

— Jack? — Levantou a mão e colocou os dedos sobre os lábios dele. — Não diga nada mais.

O roce dos dedos de Daisy o pegou com a guarda baixa. Captou o aroma de seu perfume,

mas também o de sua pele. Daisy podia colocar todo o perfume que quisesse e estar ausente

durante quinze anos, mas seu aroma não mudava. Inclusive aos dezessete anos, quando

trabalhava no restaurante The Wild Coiote, sob o aroma de batatas fritas e azeite, emanava seu

aroma a brisa cálida do verão.

Enquanto Daisy tampava a boca com os dedos ele a olhou sem se mover durante uns

segundos. Às vezes teve que se esforçar para captar seu aroma por trás do cheiro de óleo, mas

sempre acabou encontrando. Em geral, na base de seu pescoço. Jack a agarrou pelo pulso e deu

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um passo atrás.

— O que quer de mim?

— Já disse isso. Quero que sejamos amigos.

Devia haver algo mais.

— Isso nunca será possível.

— Por quê?

Soltou o braço.

— Casou com meu melhor amigo.

— Você brigou comigo.

— Não, disse que necessitava tempo para pensar. — E, para se vingar, casou-se com Steven.

— Não foi uma pergunta, a não ser uma constatação dos fatos.

Ela negou com a cabeça.

— Não entende. Não foi assim.

Foi exatamente assim.

— Nós fomos amantes. Fazíamos todas as horas. Mas então casou-se com meu melhor

amigo na mesma semana em que tive que enterrar meus pais. Que se supõe que é o que não

entendo?

Entre sombras, viu que Daisy franzia o cenho.

— Foi uma época horrível.

Jack riu com amargura.

— Sim.

— Sinto muito, Jack. — Parecia realmente arrependida.

Dava no mesmo se sentisse ou não.

— Não sinta. Foi a melhor solução.

— Voltei porque preciso falar com você.

Jack não estava interessado em ouvir absolutamente nada do que ela pudesse dizer.

— Economize o esforço, Daisy — disse enquanto passava junto a ela a caminho da ponte que

separava a entrada do estacionamento.

— Essa é a razão de que esteja aqui — disse enquanto Jack se afastava.

— Então perdeu seu tempo.

— Não me obrigue a ir atrás de você.

Ao ouvir essas palavras, Jack parou e voltou-se para olhá-la. Daisy tinha as mãos apoiadas

nos quadris e, apesar de que não podia ver com clareza seus traços, distinguiu seu olhar. Era como

olhar à antiga Daisy.

— Estou tentando fazer o mais fácil possível, mas você não está me dando nenhuma opção.

Vai me escutar. E se ficar desagradável, tal como você mesmo disse ontem à noite, me converterei

no pior de seus pesadelos.

Aí estava a antiga Daisy. Era uma mulher de caráter, briguenta, com o aspecto de uma

garota doce. Jack teve que se esforçar para não sorrir.

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— Muito tarde, florzinha — disse enquanto dava a volta. — Se converteu no pior de meus

pesadelos faz anos.

Capítulo 4

Daisy guardou o vestido no armário e colocou uma camiseta vermelha e as calças curtas do

pijama. Depois lavou o rosto. Eram um pouco depois das dez horas e sua mãe já estava dormindo.

Sentou na borda da cama e chamou Seattle para falar com seu filho. No estado de

Washington eram só as oito da noite; estava segura de que Nathan não teria ido dormir ainda.

Estava certa.

— Olá, querido — disse quando Nathan respondeu do outro lado da linha ao quarto toque.

— Ah, mamãe?

De acordo, não era um grande princípio para uma conversa, mas era estupendo escutar sua

voz.

— Como vai tudo?

— Estupendamente.

— Sinto sua falta.

— Então volta para casa.

— Estarei aí dentro de pouco mais de uma semana.

— Mamãe, não quero ficar aqui uma semana mais.

Manteve a mesma conversa com seu filho justo antes de partir. Junie e Oliver não eram seus

parentes favoritos. Não é que parecessem horríveis, simplesmente eram aborrecidos.

Especialmente para um garoto de quinze anos.

— Vamos, não pode ser tão mau.

— Como sabe? Alguma vez viveu com a tia Junie e o tio Olly o "sabichão"?

— Nathan, vão ouvir! — Por desgraça, Oliver era um desses homens que gostam de

impressionar a outros com seus limitados conhecimentos sobre qualquer matéria humana. Foi

Steven quem começou a chamá-lo Olly, o "sabichão".

— Não podem me ouvir. Não estão aqui. Deixaram Michael Ann e Richie para que eu seja

babá.

Daisy aguentou o telefone entre o ombro e o queixo.

— Michael Ann só tem um ano menos que você.

— Sei. E é como um grão no traseiro. Me segue a toda parte e não deixa de me perguntar

tolices.

— O que acredito é que está apaixonada por você.

— OH, Meu Deus! Isso seria horrível, mamãe — respondeu Nathan indignado — Como pode

dizer isso? É minha prima.

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— Essas coisas acontecem — disse Daisy para incomodar.

— Mas se não sabe nem amarrar os sapatos!

Daisy se pôs a rir e a conversa se centrou na escola. Só faltavam cinco dias para as férias de

verão. Completou quinze anos em dezembro e estava contando os dias que restavam para poder

aprender a dirigir. Ainda faltava um ano, mas já escolheu seu futuro carro. Ao menos o futuro

carro preferido dessa semana.

— Terei um Nova Super Sport. E também um quatro por quatro. Nada desses trastes com

três marchas. Para que, a não ser poder queimar os pneus? Será genial. — Daisy nem sequer fingiu

saber do que estava falando.

Era um fanático dos carros. Disso não havia dúvida. Sua mãe supunha que estava escrito no

DNA. E mais, era altamente provável que tivesse sido concebido no assento traseiro de um

Chevrolet.

Nathan estava condenado a ser um amante da velocidade.

— De que cor? — perguntou, não porque acreditasse que ia dirigir um Nova SS ou a queimar

pneus. Nathan não trabalhava.

— Amarelo com a capota negra.

— Como um besouro?

Nathan esperou uns segundos antes de responder:

— Branco com a capota negra.

Falaram durante alguns minutos mais, sobre o tempo e de aonde iriam de férias quando ela

retornasse. Nathan acabava de ver um desses filmes eróticos de adolescentes, assim pensou que

Ford Lauderdale estaria bem.

Ou talvez Havaí.

Quando desligaram o telefone, decidiram pela Disney World; embora Daisy sabia que

Nathan podia trocar de opinião da próxima vez que falasse com ele. Daisy lambuzou os braços

com um pouco de loção com aroma de amêndoa. No dedo anelar da mão esquerda, onde usou o

anel de casada durante quinze anos, ficou uma pequena marca branca. Colocou as duas alianças

no bolso do traje com o qual enterraram Steven. Pensou que o mais apropriado era que

descansassem junto a seu coração.

Enquanto estendia a loção por suas mãos jogou uma olhada ao quarto. Era seu antigo

dormitório, mas não ficava dele mais que a cama. Seus diplomas da escola de fotografia, as placas

que recebeu como animadora e o pôster do Rob Lowe, que ela grudou na parede quando acabava

de estrear St Elmo, ponto de encontro, foram substituídos por um pôster do Álamo, outro do River

Walk, no Santo Antonio, e vários de moinhos de vento.

Ficou em pé, foi até o armário e o abriu. Não havia nele mais que alguns vestidos que usou

em bailes de graduação da escola, algumas velhas botas de vaqueiro com corações brancos e uma

enorme caixa que usava seu nome escrito em letras negras. Arrastou a caixa até deixá-la junto à

cama, sentou-se e ficou olhando durante um bom momento. Sabia o que ia encontrar ali dentro.

Retalhos de sua vida, lembranças que manteve enterradas durante muito tempo. Durante o

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banquete de casamento conseguiu manter a raia todas essas lembranças, mas agora ia enfrenta-

las. Realmente gostava de fazer um repasse do passado?

Para falar a verdade, não, não muito.

Retirou a fita e abriu a caixa.

Em cima de tudo viu um buquê seco, o boné de sua graduação e algumas etiquetas que

diziam OLÁ, MEU NOME É DAISY. Não recordava o motivo pelo que guardou todas essas etiquetas,

mas sim reconheceu o ramalhete.

Tocou os casulos secos e amarelados que em seu momento foram rosáceos e brancos. Os

aproximou do nariz e aspirou profundamente. Cheiravam a pó e a velhas lembranças. Deixou

sobre a cama, a seu lado; tirou então da caixa uma manta de bebê e a toga batismal. O seguinte

foi uma caixa com forma de coração que continha o colar que seu avô deu e os anuários da escola.

Procurou o do décimo curso e o abriu. Foi passando as páginas e parou ao ver uma fotografia em

que apareciam os professores em frente à porta principal. Essa foto tirou ela durante seu primeiro

curso de fotografia, antes de aprender todo o necessário sobre composição e iluminação.

Chegou às fotos instantâneas da equipe de animadoras, nas que aparecia Sylvia e também

ela. Estavam com seus uniformes dourados e azuis, e estavam dando saltos e cambalhotas. Foi o

ano em que ela cortou o cabelo ao estilo da princesa Diana de Gales. Mas embora em Diana

ficasse estupendo, ela parecia um menino com minissaia vincada.

Fixou na foto de sua classe e encolheu o coração. Usava aparelho nos dentes e tinha

manchas escuras debaixo dos olhos devido a toda a maquiagem que se pôs. Passou algumas

páginas até chegar às fileiras de fotos de alunos. Parou a contemplar a de Steven. Roçou com os

dedos e sorriu. Sempre pareceu o típico exemplo de moço americano, bonito e com cabelo loiro

ondulado, faiscantes olhos pardos e aquele sorriso texano tão dela, como se não tivesse

preocupação alguma na vida. Jogava futebol americano e basquete, e foi representante de sua

classe durante o último ano.

Daisy teve que passar algumas páginas mais até chegar à foto de Jack. Ao contrário de

Steven, Jack sempre estava sério. Não é que fosse mais sério que Steven, simplesmente não

desejava gastar energia rindo sem tom nem som.

Aquele ano acabava de cumprir dezesseis anos, um ano mais que Nathan na atualidade.

Ambos tinham a mesma cor de cabelo e de pele, e a forma de seu nariz também parecia similar.

Mas Daisy não encontrou nenhum outro ponto em comum.

Nesse ano, Jack deixou a equipe de futebol americano porque seu pai necessitava que

trabalhasse na oficina depois da aula. Jack foi o quarterback titular da equipe até o último ano de

escola. Quando o deixou, Steven ocupou sua posição. Pelo que podia recordar, Jack nunca teve

ciúmes de Steven; só entristecia não poder seguir jogando.

Esse foi o ano em que ela se apaixonou por Jack. Sempre havia sentido algo por ele, no

mesmo sentido em que o sentiu por Steven, mas de repente começou a olhá-lo de um modo

distinto.

O dia em que tudo mudou, Jack estava esperando que Steven acabasse seu treinamento

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sentado na parte de trás da velha caminhonete de seu pai. Daisy ficou na escola depois da aula

para fazer os pôsteres do próximo baile e ao sair o viu no estacionamento, contemplando a seus

companheiros em lugar de treinar com eles.

Possivelmente não foi mais que a luz da tarde, esses raios dourados que lhe iluminavam o

rosto, mas para Daisy pareceu mais bonito do que o habitual. Não se tratava só das pestanas, mais

longas que as suas, nem de sua barba incipiente no queixo. Não era só o relevo de seus bíceps, tão

visíveis quando cruzava os braços: Jack não levantava pesos, levantava motores de carro.

— Que tal — disse Jack enquanto indicava que se sentasse a seu lado.

— O que está fazendo? — perguntou ao sentar-se. Apoiou os livros em seu colo e olhou para

o campo: os Mustangs de Lovett acabaram de treinar e dirigiam-se aos vestuários.

— Estou esperando Steven.

— Sente falta de jogar, Jack?

— Do que sinto falta são das garotas bonitas. — Era certo que os jogadores se acostumavam

a sair com as garotas mais bonitas, mas que não sentisse falta de jogar não era.

— Agora tem que se conformar com as feias — disse burlando dele e olhou pela

extremidade do olho.

— Daisy, acaso não sabe que não há garotas feias no Texas?

Ele sempre insistia nisso.

— Quem disse isso?

Jack deu de ombros.

— É um fato. Como O Álamo ou o Rio Grande, isso é tudo. — Pegou a mão e acariciou os

nódulos enquanto examinava seus dedos. — Além disso, você seguirá se encontrando comigo,

verdade?

Ela voltou a cabeça e o olhou fixamente. Esteve a ponto de dar uma resposta engenhosa,

mas quando encontrou com seus olhos verdes, algo a parou. Por um instante, o modo como a

olhou fez pensar que a resposta era importante para ele. Como se sentisse inseguro. Surpreendeu

apreciar no interior de Jack algo no que nunca se fixou. Possivelmente finalmente havia coisas que

afetava, possivelmente tinha sentimentos como todo mundo. Ou inclusive mais.

Mas então sorriu e tudo voltou para a normalidade.

— É obvio, Jack — respondeu Daisy. — Seguirei me encontrando com você.

— Sabia que podia contar com você, florzinha. — Pela primeira vez, sua voz chegou ao

coração e a emocionou. Ficou aniquilada diante do incrível e fantástico que resultou tudo. Mas era

algo impossível. Não podia se apaixonar por Jack. Era seu amigo, e não queria perdê-lo. E mesmo

que não tivesse sido seu amigo, teria sido uma idiotice permitir que acontecesse.

Apertou a mão e ficou de pé.

— Quer que te leve para casa?

Daisy levantou o olhar e o viu ali, diante dela, com as mãos metidas nos bolsos de seus Levis.

Assentiu. Jack Parrish tinha muitas qualidades, mas a fidelidade não era uma delas. Quebraria o

coração como se fosse de cristal. E se isso acontecesse, não poderiam seguir sendo amigos.

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Nesse momento, Steven saiu do vestuário com o cabelo úmido penteado para trás e Daisy

disse a si mesma que não cederia ao impulso de se apaixonar por Jack. Teve um momento de

confusão, isso era tudo. Como quando eram meninos e passavam muitos momentos no carrossel.

Jack fazia rodar com tanta rapidez que Daisy não podia pensar ou ver com clareza.

Mas agora já estava bem. Podia pensar com clareza de novo. Graças a Deus.

— Vão a algum lugar? — perguntou.

— Vamos ao Chandler — respondeu Jack referindo-se a uma cidade do tamanho de Lovett a

uns setenta quilômetros ao oeste.

— Por quê?

— Há um Camaro Z28 69 que quero dar uma olhada.

— De 69? — Nunca entendeu a fascinação que sentia Jack pelos carros velhos. Ou

"clássicos", como ele os chamava. Ela preferia os carros novos, com uma tapeçaria que não

rasgasse as meias.

Essa tendência de Jack não tinha muito que ver com a escassez de dinheiro. Embora,

obviamente, tinha, mas bem pouco. Nesse sentido, Daisy tinha mais em comum com o Jack que

com o Steven. O pai do Steven era advogado e sua família vivia com folga. A máxima

responsabilidade de Steven era manter suas notas. A mãe de Daisy, em troca, era garçonete e

dependia das ajudas do governo, e a família de Jack possuía uma oficina mecânica que não parecia

muito próspera. Lily e ela precisavam se encarregar da limpeza da casa e de começar a preparar o

jantar, enquanto Jack ajudava no negócio familiar.

— E o carro funciona? — perguntou.

— Ainda não.

Claro.

— Olá, Daisy — disse Steven enquanto se aproximava. — O que faz aqui tão tarde?

— Estava preparando os pôsteres do baile. Irá ao baile?

— Sim. Pensei em pedir a Marilee Donahue que fosse comigo. Acredita que aceitará? —

Steven sorriu. Não havia dúvida alguma de que Marilee aceitaria.

Daisy deu de ombros.

— Você vai, Jack? — perguntou, embora estava quase segura de conhecer a resposta.

— Por nada. Já sabe que só coloco traje quando minha mãe me obriga a ir a missa ou se for a

algum funeral. — Fechou a parte de trás da caminhonete e se dirigiu ao assento do condutor. —

Além disso, eu não gosto de dançar.

Daisy suspeitava que não se tratava tanto de que não gostasse, como de que não sabia. Era

desse tipo de pessoas que quando não sabem fazer algo, não se atrevem a prová-lo.

— Poderia pôr simplesmente uma camisa bonita e uma gravata — disse ela. Mas, por

alguma razão, o fato de que Jack não levasse a nenhuma garota ao baile agradou mais do que

deveria, tendo em conta que superou sua anterior confusão.

— Nem pensar. — Montaram todos na velha caminhonete e Jack arrancou.

— E já pediu isso alguém? — perguntou Jack a Daisy, como sempre, sentada entre os dois,

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enquanto saíam do estacionamento.

— Sim. — Sentiu tanta falta de que alguém a tivesse convidado a ir ao baile que ela não quis

dizer nada mais.

— Quem? — perguntou Steven.

Ela tinha a vista cravada à frente, por cima do painel.

Steven elevou uma sobrancelha.

— Vamos, Daisy Lê. Quem pediu isso?

— Matt Flegel.

— Vai com Inseto?

— Já não gosta que o chamem assim.

Jack olhou ao Steven por cima da cabeça de Daisy.

— O que tem de mau Inseto? quero dizer, Matt? — Daisy levantou a mão antes que

tivessem tempo de responder. — Retiro a pergunta. Não me importa o que pensem nenhum dos

dois. Eu gosto de Matt.

— Não para sair com um e com outro.

— Não é o menino adequado para você — acrescentou Jack.

Daisy cruzou os braços e permaneceu em silêncio até que chegaram a sua casa. Esta sim que

era boa, tanto um como o outro saíram com montões de garotas, assim não estava disposta a

escutar sua opinião; além disso, se havia algum "menino inadequado" com o que ela ou qualquer

outra garota podia sair, esse era Jack. E então se alegrou ainda mais de não estar apaixonada por

ele.

Daisy passou o resto do curso saindo com meninos que nem Jack nem Steven aprovavam,

mas não importava. Como a maioria das moças de sua idade, não demorou para aprender do que

gostava os meninos. E o que era ainda mais importante, aprendeu a parar as coisas antes de

chegar muito longe. Como resultado, ganhou certa reputação de garota fácil; embora ela opinava

que era de tudo injusto. Os moços a beijavam. Ela também os beijava. Pelo que podia ver, as

garotas eram dissimuladas, as que não soltavam nem um tímido beijo, ou fáceis, as que beijavam

e talvez algo mais, ou "porcas".

E todo mundo sabia o que isso significava.

Naquele verão deixou que Eric Marks tocasse em seus seios por cima da camiseta. A coisa

chegou aos ouvidos de Jack e Steven, que não demoraram para aparecer em sua casa para falar

com ela. Daisy ficou uma fúria e fechou a porta nos narizes dos dois.

Pequenos hipócritas.

Foi animadora universitária no último ano da escola. O cabelo chegava até os ombros e fez

permanente. Steven seguia jogando basquete e futebol americano e, se não bastasse, seguia

sendo o representante de classe. Jack percorria com seu Camaro as plainas estradas do Texas e

Daisy seguia dizendo a si mesma que não se sentia atraída por ele, que queria, mas que não estava

apaixonada por ele, que o coração não doía quando via passar o Jack em seu carro acompanhado

de alguma garota. Era seu amigo, como sempre foi. Nada mais. E ela não ia se dar ao luxo de sentir

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outra coisa por ele.

Tudo mudou poucas semanas antes das férias de Natal desse último curso, quando JT

Sanders pediu a Daisy que o acompanhasse ao baile da escola. JT era um moço bonito e tinha um

Jipe Wrangler negro. Daisy trabalhava pelas noites no restaurante Wild Coiote, e economizou o

dinheiro suficiente para comprar o vestido perfeito. Era de cetim branco. Sem mangas e com

pedrinhas brilhantes no sutiã e a saia.

Era o mais bonito que já teve. A noite antes do baile recolheu o vestido durante um

descanso no restaurante. Quando chegou a casa, JT chamou para cancelar o encontro. Disse que

sua avó morreu e que tinha que ir ao funeral em Amarelo. Todo mundo sabia que começou a sair

com outra garota justo uma semana antes. Deixou Daisy a ver navios.

E todo mundo se inteirou.

O dia do baile, Daisy trabalhou no Wild Coiote no turno do almoço. Manteve a compostura e

atuou como se não a tivessem humilhado. Fingiu não sentir-se doída e brincou com suas

companheiras: no final JT não era mais que um perdedor.

Nenhuma delas acreditou. O pior que podia ocorrer a uma garota era que a deixassem

pendurada a noite antes de um baile dando uma desculpa absurda.

E isso todo mundo sabia.

Quando acabou seu turno foi pra casa e se encerrou em seu quarto. Pendurou o vestido na

porta do armário e se tombou na cama a chorar. Às quatro, sua mãe apareceu com a cabeça pela

porta e perguntou se queria um pouco de sorvete de chocolate com hortelã. Respondeu que não.

Lily preparou seu sanduíche preferido, mas tampouco o comeu.

Às cinco e meia Jack bateu na porta de seu quarto, mas ela não o deixou entrar. Tinha o

rosto e os olhos inchados, e não queria que a visse assim.

— Daisy Lê — gritou do outro lado da porta. — Sai daí.

Ela se sentou na cama e tirou um lenço de papel da caixa.

— Vai embora, Jack.

— Abre.

— Não — disse assoando o nariz.

— Tenho algo para você.

Ela olhou para a porta.

— O que é?

— Não posso dizer isso; terá que vê-lo.

— Tenho uma aparência horrível.

— Não me importa.

"De acordo", pensou ela. Levantou da cama e entreabriu a porta. Estendeu a mão.

— De que se trata?

Ele não respondeu e ela se viu obrigada a jogar uma olhada pela fresta da porta. Jack estava

no corredor, iluminado pela luz proveniente do quarto de sua irmã, e parecia um anjo, ou ao

menos um moço do coro da igreja. Usava seu traje azul marinho dos domingos e uma camisa cor

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nata. De seu pescoço pendurava uma gravata vermelha.

— O que acontece, Jack? Teve que ir a um funeral?

Ele se pôs a rir e tirou a mão que ocultava às costas. Nela usava um ramalhete de rosas

brancas e encarnadas.

— Gostaria de ir ao baile comigo?

— Você odeia os bailes da escola — disse com a porta ainda entreaberta.

— Sei.

Daisy aproximou o ramalhete à cara e aspirou com força. Tinha o nariz obstruído, assim não

pôde desfrutar muito do aroma. Mordeu o lábio superior para que deixasse de tremer. Ao vê-lo

ali, no corredor de sua casa, com um traje que odiava e pedindo que fosse com ele a um baile que

revolveria as tripas, sentiu-se desesperadamente apaixonada por Jack Parrish. O amor que sentia

emanava de seu coração e se expandia por seu peito assustando-a a não poder mais. Todos seus

anos de luta e resistência se converteram em nada.

Estava apaixonada por Jack e era inútil tentar evitá-lo.

Essa noite Jack a beijou pela primeira vez. Ou, melhor dizendo, ela o beijou. Durante o baile,

enquanto ela sentia o que era o amor pela primeira vez em sua vida, ele a tratou como sempre

fez, como uma amiga.

Daisy sentia bulir todo seu corpo, estava mais viva que nunca, entretanto ele permanecia

impassível. Foi maravilhoso e incrível, e, depois do baile quando ele a acompanhou até a porta de

sua casa, Daisy o rodeou com seus braços e o beijou.

A princípio Jack ficou imóvel, com os braços caídos. Em seguida a agarrou pelos ombros e a

separou de seu lado.

— O que faz?

— Me beije, Jack. — Se ele a rechaçasse estava convencida de que cairia morta

imediatamente. No alpendre de sua casa.

Ele a agarrou com mais força, atraiu-a para si e a beijou na fronte.

— Não, não me trate como a uma amiga. — Tragou saliva com dificuldade — Por favor —

sussurrou olhando nos olhos — Quero que me beije como beija às outras garotas. Quero que me

toque como toca a elas.

Jack se separou e observou os lábios de Daisy.

— Não brinque comigo, Daisy. Eu não gosto.

— Não estou brincando. — Acariciou o ombro e depois o pescoço. — Por favor, Jack.

Então, como se não desejasse fazer, mas se sentisse incapaz de opor-se por mais tempo,

beijou-a muito devagar. Nesta ocasião o roce de seus lábios fez que Daisy ficasse sem fôlego.

Jogou a cabeça para trás e se aferrou a seu peito. Até então, acreditou saber o que era beijar a um

menino. Jack demonstrou que não tinha nem ideia do assunto. Aquele beijo foi quente e úmido e

despertou nela uma necessidade que mudaria sua vida para sempre.

Depois de todos os anos transcorridos, Daisy seguia recordando com todo detalhe a noite

em que, no alpendre de sua mãe, Jack mudou sua vida por completo. Abraçou com força a ele

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enquanto Jack seguia entregando esses beijos líquidos que faziam que doessem os seios e que seu

corpo tremesse. Jack não separou nem um momento as mãos dos ombros de Daisy e nela se

acendeu o desejo de algo mais.

Desejou que a tocasse por toda parte, em lugar de partir, e deixá-la aturdida e cheia de

desejo.

Capítulo 5

No dia seguinte Daisy chamou Jack, mas ele não atendeu o telefone. Quanto mais

demorasse para falar de Nathan, mais difícil resultaria. Sabia muito bem: passava quinze anos

adiando. Entretanto, até que pôs de novo os pés em Lovett, não se deu conta de que, quanto mais

demorasse para contar maior número de lembranças a assaltariam. Antes de empreender a

viagem Daisy pensava falar com Jack, entregar a carta de Steven e aguentar com seu

aborrecimento; nunca acreditou que seria fácil, mas sim que seria rápido. Agora sabia que não era

assim. Mas precisava fazer. E só tinha sete dias pela frente.

Tentou contatar com Jack algumas vezes mais durante essa manhã, mas não obteve

resposta. Supôs que provavelmente não respondia a propósito. Foi à igreja com sua mãe, e depois

comeram com Lily e Pippen.

Phillip Pippen Darlington já havia completado dois anos, era loiro e usava o cabelo comprido

atrás porque sua mãe não suportava a ideia de cortar os cachos da nuca. Tinha uns enormes olhos

azuis, como Lily, e adorava desenhos animados. Também adorava levar seu gorro de pele sintética

e gritar "NÃO" bastante alto para que o ouvissem do condado vizinho.

Não suportava comidas granulosas, as aranhas e seus chinelos de lona com veleiro.

Daisy ficou olhando-o enquanto estava sentado em sua cadeirinha frente à mesa da cozinha

de sua mãe, e tentou não franzir o cenho quando o viu colocar o suco de uva que serviu em sua

taça do Tommy Tippy em cima do prato de batatas fervidas. Lily e sua mãe se sentaram à mesa

frente a Daisy, sem prestar especial atenção a desagradável confusão que estava formando

Pippen.

— É um idiota de merda! — disse Lily referindo-se, obviamente, ao que muito em breve se

converteria em seu ex-marido, "Ronald Darlington, o idiota de merda" — Poucos meses antes que

fugisse com essa jovenzinha, esvaziou todas nossas contas bancárias e levou todo o dinheiro.

Louella assentiu e disse com tristeza:

— Provavelmente para o México.

— Se quando meninas tivesse ocorrido pronunciar a palavra idiota na mesa, sua mãe as teria

enviado imediatamente a seu quarto.

— O que está fazendo seu advogado a respeito? — perguntou Daisy.

— A verdade é que não pode fazer muito. Podemos demonstrar que o dinheiro estava

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nessas contas, mas não sabemos onde foi parar. O juiz pode obrigar a me devolver a metade do

dinheiro, mas isso não quer dizer que ele vá fazer. Ronnie passou muitos anos evitando os

impostos, assim, dos setenta e cinco mil dólares que tínhamos, só declaramos vinte mil. — Lily

cortou um pedaço com ares de vingança.

Apesar de serem irmãs e de terem crescido juntas, nunca estiveram muito unidas. Quando

eram adolescentes, quando não estavam brigando, simplesmente se ignoravam. Lily ainda estava

na secundária quando Daisy se foi da cidade, e depois não mantiveram uma autêntica relação. Ao

perder Steven, Daisy se deu conta de como era importante a família para ela. Precisava refazer a

relação com sua irmã.

— Ronald me disse que se falasse do dinheiro que sonegou dos impostos, prosseguiu Lily —

lutaria pela custódia de Pippen. O que vou fazer?

Quando Lily e sua mãe fixaram o olhar nela, Daisy se deu conta de que não se tratava de

uma pergunta retórica. Daisy fixou nas escuras olheiras de sua irmã: ao que parece, fazia bastante

tempo que não dormia em boas condições. E os curtos cachos dourados que emolduravam seu

formoso rosto perderam a suavidade. A verdade era que Lily parecia terrivelmente assustada.

— Me pergunta isso? Como vou saber?

— Darren Monroe é advogado — respondeu sua mãe.

— O pai de Steven se aposentou e agora vive no Arizona. Além disso, era advogado

criminalista, e Steven desenhava programas de computadores. E eu não tenho nem ideia de casos

de divórcio. — Reconheceu o terror nos olhos azuis de sua irmã. Era o medo de ficar só com a

responsabilidade de criar um menino. Mas, diferente de Daisy, Lily não tinha assegurada sua

economia, nem tampouco uma carreira trabalhista que retomar. A carreira de Daisy tampouco

deu grandes dividendos, mas era uma boa fotógrafa e tinha contatos. Se tivesse que manter a si

mesma e a Nathan poderia fazer. Lily era como sua mãe, dona-de-casa, e, embora fosse algo

admirável, não servia de muito na hora de procurar trabalho. Estava aterrorizada.

— Já pensarei em algo — disse Daisy, embora ela já tinha muitos problemas e só ia estar ali

uma semana.

Lily sorriu.

— Obrigada, Daisy.

— Fui ao Darma Joe Henderson outro dia — disse Louella, enquanto revolvia o guisado

dando momentaneamente por resolvidos os problemas de Lily. — Suponho que lembram da

Darma Joe. Trabalhava nos armazéns Trusty, frente ao Wild Coiote. Seu filho Buck sofreu um

acidente há alguns anos e tiveram que amputar uma perna logo abaixo do joelho. Pois bem, tem

uma filha que canta no coro da igreja. Suponho que terão se fixado nela esta manhã. — parou

para tomar um bocado e ato seguido continuou: — Se parece um pouco a Buck, a pobre, mas tem

caráter e uma voz maravilhosa. Está saindo com esse menino... OH, como se chama? Acredito que

começa por George ou Geoff ou algo assim. Em qualquer caso...

Daisy olhou a sua irmã. Lily pôs os olhos em branco e jogou a cabeça para trás. Algumas

coisas não mudaram muito desde sua partida. Sabia que era inútil pedir a sua mãe que fosse ao

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ponto, porque na realidade não queria dizer nada em concreto.

Daisy se pôs a rir. Lily baixou o olhar e o posou em sua irmã. Também começou a rir. Pippen

se lançou no chão e começou a gargalhar como se entendesse a brincadeira. Só tinha dois anos,

mas passou com sua avó tempo suficiente para saber de quem riam.

Louella levantou a vista do prato.

— Do que riem?

— De que a filha da Darma Joe se pareça com seu irmão Buck — mentiu Lily entre risadas. —

A pobre.

— É uma desgraça para ela — disse Louella franzindo o sobrecenho. Suas filhas seguiam

rindo e ela sacudiu a cabeça e acrescentou: — deixam-se levar e Pippen as imita.

Depois de comer, Daisy fez provisão de forças e chamou, pela quarta vez em um mesmo dia,

Jack. Embora tampouco agarrou o telefone, mas nesta ocasião deixou uma mensagem: "Aqui é

Daisy. Não vou partir até que possa falar com você."

Naturalmente não devolveu a chamada, assim ao dia seguinte telefonou no trabalho.

Conversou com Penny Kribs durante um momento sobre os velhos tempos e deu obrigado por

enviar as flores ao funeral de Steven.

Depois pediu que passasse para Jack.

— Não diga que sou eu — pediu — quero fazer uma surpresa.

— Possivelmente se trate de uma surpresa desagradável — alegou Penny — Está de um

humor de cão.

Genial. Daisy esteve na espera durante um bom momento e, depois de escutar mais da

metade do assunto The Night the Ligths Went Out in Georgia, Jack foi ao aparelho.

— Jack Parrish falando— disse.

— Olá, Jack. — Ele não respondeu, mas tampouco desligou. — Surpreso? Sou eu, Daisy.

— Eu não gosto que me incomodem no trabalho, Daisy Lê — respondeu por fim. Falou

marcando com ênfase cada uma das sílabas: sim, sem lugar a dúvidas não estava de bom humor.

— Pois então não me obrigue a fazer. Nos encontremos mais tarde.

— Não posso. Preciso ir ao Tallahasee esta tarde.

— Quando voltará?

Jack não respondeu e ela se viu obrigada a chantagear.

— Se não me disser isso, chamarei todos os dias. Todos e cada um deles. — Jack seguiu sem

dizer uma palavra. — E todas as noites.

— Isso é perseguição.

— Certo, mas formalizar uma demanda é muito pesado. — Nem por um momento acreditou

que Jack tivesse intenção de acusa-la de perseguição. — Me diga quando vai voltar?

— Não posso. É o aniversário de Lacy Dawn.

— Lacy Dawn? O que é, bailarina de strip-tease ou prostituta?

— Nenhuma coisa nem a outra.

— Soa como nome artístico.

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— Pois Daisy Brooks também soa.

Tinha razão.

— Nos encontremos depois da festa.

— Nem pensar. Os chiquiparques2 acabam comigo.

— Jack?

— Adeus.

Desligou o telefone pensando no que ia fazer agora. Chiquiparques? A que se referia Jack?

— Olá, mamãe — gritou da cozinha; sua mãe estava na sala. Tentando vencer o som das

sirenes que provinha do televisor, perguntou: — Há algum lugar na cidade que tenha um

chiquiparque?

— Chiquiparque? — As sirenes emudeceram. A cabeça de sua mãe apareceu pela cozinha. —

O único que me ocorre é o Showtime. É uma pizzaria, mas também celebram festas de aniversário

para crianças.

Aí é onde Lily celebrou o aniversário de Pippen. Mas não era o bastante maior para entender

que aqueles enormes bonecos de plástico em forma de urso não iriam fazer nada. Gritava como

um condenado. Juanita Sánchez estava ali com seu neto, Hermie. Lembra da Juanita, verdade? A

pobre vive no final da rua, na casa de estuque rosa. Um dia...

Daisy não perguntou por que viver em uma casa de estuque rosa merecia um "a pobre".

Telefonou a informação e riscou um plano. Conseguiu o número do Showtime e chamou. Depois

de falar com vários adolescentes que não faziam ideia de nada, finalmente conseguiu que

passassem com a programadora de eventos.

— Olá — começou Daisy — perdi meu convite da festa de aniversário de uma menina

chamada Lacy Dawn. Não estou segura de seu sobrenome, mas se não ir à festa, minha filha vai

ter um desgosto. Poderia me dizer a que horas começa?

A programadora de eventos parecia um pouco mais velha do que as adolescentes que

trabalhavam ali, e levou uns trinta segundos para dar uma resposta.

— Não vejo nenhuma Lacy Dawn, mas sim Lacy Parrish.

— É essa.

— Sua mãe tem mesa reservada das seis às sete e meia.

— No sábado?

— Não. Na quarta-feira.

— OH, Meu Deus. Menos mal que liguei. Obrigado. — De modo que Lacy Dawn era Lacy

Parrish? Sem dúvida se tratava da sobrinha de Jack.

Telefonou a Lily sem sentir o menor indício de culpa pelo que ia fazer. Advertiu Jack que se

converteria em seu pior pesadelo. Quando disse estava brincando, mas agora não. Ia seguir

adiante. Não pensou em falar sobre Nathan durante a festa de aniversário de sua sobrinha, mas

queria que compreendesse que não ia deixa-lo em paz até que pudessem conversar.

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Quando Lily respondeu a sua chamada, Daisy perguntou se Pippen e ela quereriam

acompanhá-la ao Showtime na quarta-feira pela tarde. Sua irmã quis saber o motivo e expôs a

situação.

— Está bem — disse Lily. — Poder ir com Pippen é uma cobertura perfeita, mas além disso

eu fui ao colégio com Billy e Rhonda. A irmã de Rhonda, Patty Valência, tem sua idade.

— É uma garota de origem hispana com uma longa cabeleira negra?

— Sim, as duas irmãs são muito bonitas. Embora ouvi dizer que Rhonda e Billy tiveram vários

filhos seguidos, assim é fácil que esteja um pouco curvada.

— Provavelmente. — Daisy jogou uma olhada ao calendário com fotografias de paisagens de

sua mãe. — Está segura de que quer me ajudar? Mamãe me disse que Pippen ficou a gritar como

um energúmeno a última vez que o levou a esse lugar.

— Já não se assusta por isso. — separou do aparelho e disse a seu filho — Pippen, agora já é

maior. Não é o queridinho da mamãe?

— Não!

Estupendo. Daisy desligou e passou o resto da tarde ajudando a sua mãe a arrancar as ervas

daninhas do jardim. Tirou sua câmara Nikon e ajoelhou-se entre os flamingos rosa para fixá-la.

Ficou à sombra da Louella para que a luz do sol não desse de frente. Gostaria de ter a

câmara carregada com filme de branco e preto; desse modo os vibrantes tons rosados dos

flamencos não destacariam mais que sua mãe. Também pensou que se houvesse trazido sua Fuji

digital, depois teria podido descarregar as fotos no computador e as fazer ainda mais impactantes.

Deitou de barriga para baixo e apoiou o peso da câmara nos cotovelos. Enfocou para sua

mãe e fez uma foto com Annie Oakley ao fundo.

— Daisy Lê — disse sua mãe franzindo o cenho — não tire fotos.

Daisy suspirou e sentou. Passou muito tempo desde a última vez que havia sentido a

necessidade de tirar fotos de algo que gostasse. Teve que deixar de trabalhar para Ryan Kent, um

fotógrafo artístico de Seattle, a fim de poder cuidar de Steven.

Começou a se interessar pelo mundo da fotografia estando na escola, e quando Nathan fez

quatro anos, se matriculou na Universidade de Washington. No final de quatro anos obteve o

título e começou a se relacionar com os fotógrafos locais mais destacados. Suas fotografias

penduravam de alguns estúdios e galerias da cidade e uma revista de Seattle publicou a foto

instantânea de um homem frente a um automóvel, maltratado devido às consequências de um

terremoto, tirada no ano 2001.

A princípio planejou voltar a trabalhar com Ryan quando as coisas se acalmassem o

suficiente, mas ultimamente, inclusive pensava na possibilidade de abrir seu próprio estúdio. Um

dos fotógrafos mais bem-sucedidos com os que ela trabalhou disse em uma ocasião que a chave

do êxito era encontrar um lugar no que fosse visível e permanecer nele durante cinco anos. O

talento era importante, mas se deixar ver resultava imprescindível para começar com o pé direito.

Quanto mais pensava nisso, mais convencida estava de que isso era exatamente o que devia

fazer. Uma vez que deixasse para trás o passado, poderia começar do zero com total liberdade.

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Possivelmente, venderia sua casa. Depois da morte do Steven, o seguro cobriu a hipoteca. Talvez

vendesse a casa e se mudasse com Nathan para um loft, em Belltown.

Deu de ombros e enfocou uma rosa de cor alaranjada.

— Estou pensando em vender minha casa quando retornar a Seattle — disse a sua mãe ao

mesmo tempo que tirava a fotografia.

— Não se precipite — disse sua mãe. — Collen Forbus vendeu sua casa pouco depois de que

seu marido, Wyatt, empreendesse a viagem ao outro bairro e ainda se arrepende.

Talvez pudesse esperar alguns meses mais para se assegurar. Naturalmente, primeiro

comentaria com Nathan a fim de saber o que pensava. Mas no final começou a sentir que havia

muitas coisas que a unia a essa casa.

Não precisava decidir nesse momento. Devia meditar com calma. Teria que dar um posto

prioritário em sua espera de coisas pendentes. Apoiou o cotovelo no joelho e ajustou o diafragma

da câmara para enfocar bem os flamingos e as rosas que havia atrás de Louella e, assim,

proporcionar à fotografia riqueza de matizes e profundidade de campo.

Fez a foto e pensou no muito que gostaria que em sua vida tudo se esclarecesse com a

mesma facilidade com a que se enfoca uma fotografia.

Capítulo 6

Jack chegou tarde. Esperou até essa mesma manhã para ligar para Rhonda e perguntar o

que podia dar de presente a Lacy. Rhonda disse que a menina queria um brinquedo chamado

Gatinha Mágica. Rogou que se assegurasse de que se tratava da Gatinha mágica e não de Amigos

peludos. Segundo Rhonda, esta última não cuidava de seus bebês. Finalmente desejou sorte: não

ia ser fácil encontrar esse presente.

Ligou a algumas lojas de brinquedos de Lovett, mas no final teve que ir até Amarelo. Passou

a tarde procurando o maldito brinquedo e finalmente o encontrou na última loja em que entrou.

Jack leu com atenção o que estava escrito no reverso da caixa, para assegurar de que se

tratava da gata adequada. A tal Mamãe gatinha era muito peluda e trazia dois gatinhos de pelúcia

consigo.

Os três tinham todo tipo de brinquedinhos e laçinhos para suas cabeças e também uns

horrorosos óculos de vovó em forma de coração.

Seguiu lendo e exclamou: "Pelo amor de Deus!" Segundo o que dizia a caixa, a mãe dos

gatinhos ronronava, dizia "Te amo" e fazia sons maternais quando um de seus filhotes estava a seu

lado.

Perguntou que demônios seriam os sons maternais.

Envolveram o presente em um brilhante papel cor de rosa com desenhos de fadas.

Adornaram o pacote com um laço rosa do tamanho de sua cabeça. O laço era excessivo, mas às

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filhas de Billy gostavam dessas coisas. Era o tipo de coisas próprias de meninas das que ele e seu

irmão não tiveram notícia quando eram pequenos. Eles brincavam com carros, pistolas e

soldadinhos dispostos a entrar em combate. Adoravam esse tipo de brinquedos, mas assim que

nasceu a primeira de suas filhas, Billy não demorou para sentir-se como um peixe na água entre

bonecas, complementos da Barbie e frufrus cor de rosa. Dava a impressão de que para ele tudo

isso era fácil e natural. De sua parte, Jack observava seu irmão a certa distância perguntando de

onde teria originado seu instinto paternal. Jack não o tinha absolutamente.

Ou ao menos isso acreditava. Apesar de estar aprendendo a toda pressa, não sabia muito

sobre meninas pequenas. Talvez porque até que apareceu Amy Lynn não tratou com nenhuma, à

exceção de Daisy, e se ela brincou alguma vez com bonecas ou se disfarçou de princesa como as

filhas de Billy, fez com alguma de suas amigas. Nunca com ele ou Steven.

Abriu a porta do Showtime e entrou. Não via Daisy fazia quatro dias. Com um pouco de

sorte, teria desistido de seu plano de fazer reviver o passado, e com um pouco mais teria partido

da cidade.

O interior do Showtime era uma mescla de cores brilhantes e de ruídos das máquinas de

vídeo games e dos tubos de plástico pelos quais os meninos se lançavam de sinos, sirenes e de

gritos de meninos. Jack já esteve ali antes, no aniversário da Amy Lynn, e se perguntou como

podia alguém trabalhar neste lugar e não perder a cabeça.

Chegou até a zona de comidas e viu que estava relativamente tranquila... no momento.

Sabia que tudo mudaria assim que começasse o espetáculo. Seu irmão, Rhonda e as meninas

estavam sentados em uma mesa redonda perto do cenário.

E também Daisy.

Parou a uns três metros da mesa. Daisy Monroe ficou para participar da festa de sua

sobrinha.

Seguiu a pista. Quando disse que ia converter-se em seu pior pesadelo, não brincava. Jack

sentiu que a raiva começava a se apoderar dele, mas conseguiu controlá-la. Tentou manter o

controle.

Ela não devia estar ali. Tratava de sua família.

Olhou à mulher que estava sentada junto a Daisy; era Lily, e supôs que o menino que usava o

cabelo comprido atrás devia ser o filho de alguma das duas. O menino tinha todo o rosto sugo de

bolo, como se estivessem dando com um estilingue. Pensou que possivelmente fosse o filho de

Daisy e Steven.

— Tio Jack! — gritou Amy Lynn, a menina de cinco anos. Saltou de sua cadeira e correu para

ele. A anfitriã da festa, a menina que fazia três anos, Lacy, também pôs a correr para seu tio.

Lacy olhava os pés enquanto corria, e Jack a agarrou com sua mão livre antes que se

chocasse contra seus joelhos.

— Que tal — disse Jack. — Me disseram que hoje alguém faz três anos.

— Eu — disse a menina elevando três dedos.

— Eu tenho cinco — acrescentou Amy Lynn abraçando a sua perna. Enquanto se aproximava

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da mesa com a Amy Lynn agarrada a uma perna e Lacy nos braços, Billy, com sua filha pequena

nos joelhos, ergueu o olhar e disse com um sorriso: — Olá, Jack, olhe quem está aqui.

Daisy olhou-o com seus brilhantes olhos pardos. Recolheu o cabelo em um rabo-de-cavalo e

pintou os lábios de rosa. Usava uma rodeada camiseta negra de alças da Ralph Lauren.

— Não disse a Billy que estava na cidade — respondeu ao mesmo tempo que se desenhava

um sorriso em seus lábios.

Jack deixou Lacy em sua cadeira. Seu irmão não sabia nada de sua história com Daisy. Billy

era muito jovem naquela época, e Jack nunca teve necessidade de falar disso. Nem sequer com

seu irmão.

Billy, entretanto, lembrava dela. Daisy passou muito tempo em sua casa, e Billy devia

acreditar que ainda seguiam sendo amigos. Provavelmente pensava que ia se alegrar muito de vê-

la.

— Suponho que foi a cabeça — disse ao mesmo tempo que Amy Lynn soltava sua perna e

sentava.

Daisy pôs-se a rir, e a irritação de Jack cresceu um pouco mais.

— Lembra de minha irmã Lily? — perguntou.

— É obvio. Como está?

Lily aproximou-se dele e o abraçou depois que Jack deixou o presente sobre a mesa.

— Tive épocas melhores.

Embora tinha os olhos azuis, parecia com Daisy quando era mais jovem; nesse momento,

entretanto, parecia bastante cansada.

— E você, como está, Jack?

Olhou Daisy por cima do ombro de sua irmã.

— Tive épocas melhores.

— Este é o filho de Lily, Pippen.

Então, era o filho de Lily. Por alguma razão, Jack se sentiu aliviado de que não fosse o filho

de Daisy e Steven. Embora não sabia muito bem por que.

Lily voltou para seu lugar e meneou a cabeça.

— Tem tão bom aspecto como sempre.

— Obrigado, Lily. Você também — disse Jack. — Olá, Rhonda. — Sua cunhada tinha umas

olheiras tremendas: estava claro que não dormia em boas condições há pelo menos cinco dias. —

Você está bem?

Billy me disse que passou uma má noite.

— Foi por causa de Tanya. Tinha dor de ouvido, mas hoje demos seu remédio e está melhor.

Retirou a cadeira que havia entre Lacy e Rhonda e se sentou em frente a Daisy e Lily.

— Deu uma olhada à embreagem?

— Tinha razão — respondeu Billy. — Terá que trocá-la.

— Encontrei uma em Rena — disse Jack.

— E que tal pelo Tallahasee? — perguntou Daisy.

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— Quando esteve em Tallahasee? — quis saber Billy.

— O ano passado — respondeu Jack.

Daisy entreabriu os olhos e abriu a boca em certa atitude de assombro.

— Mentiu.

Jack sorriu ao mesmo tempo que se inclinava para frente para servir um pouco de Dr.

Pepper. Olhou como quando eram dois moços, como o fizeram a outra noite, e depois se voltou

para seu irmão.

— Se importa que eu pegue a Tanya?

— Absolutamente. — Billy passou a menina e Daisy a apoiou em seu colo. Jack esperava que

a menina, de seis meses de idade, começasse a gritar, mas em vez disso sorriu quando Daisy

acariciou sua bochecha.

— Olhe, Pippen — disse Daisy a seu sobrinho, que estava sentado em uma banqueta a seu

lado. — Tanya não é doce como um caramelo?

— Não!

— Posso abrir o presente de tio Jack? — perguntou a pequena Lacy.

— Se a tio Jack parecer bem? — respondeu Rhonda.

— Adiante — disse ele; mas a verdade era que teria preferido que Daisy não estivesse aí

sentada quando a menina abrisse a caixa dessa ridícula gatinha. Embora tampouco não entendia

por que isso importava o mínimo.

Lacy arrancou o laço do pacote e o colocou sob o braço. Rasgou o papel de presente e foi

rompendo e deixando que os pedaços caíssem ao chão.

— A Gatinha mágica! Meu presente favorito!

— O mesmo disse esta manhã quando abriu o carro da Barbie - recordou Billy.

Lily inclinou-se para frente sobre a mesa e conversou com a Rhonda sobre o que fizeram

desde que saíram da escola. Enquanto Lacy e Amy Lynn foram tirando os gatinhos da caixa, as

duas mulheres falaram de seus filhos e suas respectivas vidas; quando Lily se referiu a um homem

como "Ronnie, o idiota de merda", Jack supôs que estava falando de seu processo de divórcio. Isso

explicava por que parecia tão cansada.

Jack bebeu um bom gole de seu Dr. Pepper e meteu um cubo de gelo na boca. Olhou Daisy,

Tanya e Pippen. Tanya seguia em seu colo fazendo gracinhas.

O menino pôs-se a rir e Daisy também riu. Jack olhou para suas mãos, concretamente em

suas unhas pintadas de vermelho sangue. Um fino bracelete de prata rodeava seu pulso e um

diminuto coração se apoiava sobre a pele. O bracelete cintilava com a luz; como se tivesse sentido

o peso do olhar de Jack, Daisy ergueu a vista. Seu sorriso se desvaneceu e franziu ligeiramente o

cenho. Daisy cravou nele esses olhos cor castanho, que a Jack faziam pensar em chocolate quente.

Mas isso era quando tinha dez anos e acreditava que o chocolate era a melhor coisa do mundo.

Depois cresceu e descobriu que havia coisas melhores. Havia algo mais escuro e matizado no

fundo daqueles olhos. Jack notou que formava um nó no estômago. Não podia dizer que se

tratasse de desejo, mas tampouco era precisamente uma amostra de desinteresse.

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Billy agarrou a gata mãe, pegou as pilhas e a deixou sobre a mesa. Lacy ficou em pé sobre a

cadeira e Jack centrou a atenção em sua sobrinha. A menina colocou os filhotes junto com a gata

mãe e esta começou a fazer estranhos ruídos.

— É uma... gatinha muito maternal. — Daisy separou a vista do brinquedo. — Jack, não te

parece adorável?

— Isso que tem aí são mamilos? — quis saber Billy.

— Parecem mais com corações — disse Jack.

— E isso por quê? — quis saber Amy Lynn. Em casa tinha uma gata de verdade e sabia que o

que tinham aí não eram corações.

Nem a Billy nem a Jack ocorreu uma resposta. Daisy olhou a Amy Lynn e disse:

— Porque os corações ficam melhor que os mamilos.

Em caso de terem estado sozinhos, Jack poderia ter explicado com toda precisão por que sua

explicação não era correta. Em vez disso, apertou com força os dentes para partir o cubo de gelo

que tinha na boca.

— E têm óculos de sol, Lacy — assinalou Amy Lynn.

O pano de fundo do cenário se abriu e apareceram três ursos mecânicos dançando e

fingindo tocar seus instrumentos. Uma canção a respeito de três rãs felizes se apropriou do local, e

Lacy começou a bater palmas. O filho de Lily gritou com todas suas forças. Daisy passou sua filha a

Billy e agarrou nos braços o menino. Disse algo a Lily e se afastou dali com o pequeno, que seguia

gritando a todo volume.

Jack não pôde evitar dar uma olhada a suas costas e a seu traseiro embainhado naquelas

curtas calças jeans.

— Viu Monster garage a outra noite? — perguntou Billy esforçando por vencer o volume da

música.

Jack via o programa de vez em quando, mas Billy era um fanático.

— Não, perdi o último programa.

— Pode acreditar que transformaram um ônibus escolar em um barco? — disse, mas o ruído

dos ursos mecânicos não permitiu seguir com a conversa.

Jack esperou cinco minutos antes de sair atrás dos passos de Daisy e seu sobrinho.

Encontrou em uma zona de jogos. Limpou o rosto de Pippen e o menino estava agora jogando em

uma piscina de bolas coloridas.

Ela estava fora, observando enquanto ele deslizava entre as bolas como se estivesse

nadando contra corrente.

— Como conseguiu o convite para a festa de aniversário de Lacy? — perguntou-lhe quando

chegou a seu lado.

Olhou-o nos olhos.

— Lily, Pippen e eu já estávamos aqui quando chegaram.

— Então, teve uma boa surpresa.

Ela negou com a cabeça e o rabo-de-cavalo balançou roçando os ombros.

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Daisy Volta para Casa

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— Não. Sabia que iria vir aqui, embora não esperava que Billy e Rhonda fossem pedir que

nos uníssemos a eles.

— O que devo fazer para que me deixe em paz?

Daisy voltou a fixar-se em seu sobrinho. O menino agarrou uma bola de plástico e a lançou.

— Já sabe o que quero.

— Conversar.

— Sim. Devo dizer uma coisa muito importante.

— O que?

Explodiram as sirenes de um dos jogos e o ruído alagou tudo.

— É algo muito importante para falar aqui.

— Então, por que veio? Você gosta de nos acossar a mim e a minha família?

— Não te estou acossando. Só queria que recordasse que sigo aqui e que não vou até que

fale com você — olhou os pés. — Tenho uma carta que Steven escreveu para você. Mas não

trouxe comigo.

— E o que diz essa carta?

Daisy voltou a negar com a cabeça, depois olhou-o nos olhos.

— Não sei. Não a li.

— Envia isso à oficina.

— Não posso fazer isso. Steven me pediu que a entregasse pessoalmente.

— Se for tão fodidamente importante, por que não me deu isso ele mesmo? Por que enviou

você de mensageira?

— Pippen, não faça isso! — disse a seu sobrinho antes de voltar-se para Jack. As luzes

vermelhas e azuis de um vídeo game se refletiram em seu ombro nu, no pescoço e na comissura

de sua boca.

— A princípio, tencionava fazê-lo. Durante o primeiro ano de sua enfermidade, estava

convencido de que superaria o câncer. Sabíamos que ninguém sobreviveu a um glioblastoma, mas

era jovem e são e ao que parecia os primeiros tratamentos estavam dando bom resultado. Lutou

com todas suas forças, Jack — voltou-se para Pippen e agarrou à malha metálica. — Quando

aceitou que ia morrer já era muito tarde para falar com você pessoalmente.

— O pequeno coração de seu bracelete balançou em seu pulso. Jack o olhou, tentando

manter a raia qualquer sentimento a respeito de Steven ou Daisy. Não queria ceder nem um

centímetro. Mas precisava fazer uma pergunta.

— Uns oito ou nove meses.

Isso supunha. Steven sempre procurava alguém que "quebrasse o gelo" por ele, como dizer

a Daisy que usava um laço horroroso, para saltar de um telhado ou para lançar tomates podres

aos carros. Quando era um moço, a Jack não importava, mas passaram-se muitos anos.

— Portanto, teve tempo de falar comigo antes de morrer. Não tinha por que ter enviado

você.

Ela riu com um toque de amargura.

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— Obviamente, não esteve perto de ninguém que está seguindo a um tratamento radical

contra o câncer. Do contrário, não diria algo assim. - Deixou cair uma de suas mãos para o flanco e

seus olhos começaram a encher de lágrimas enquanto o olhava. — Não o teria reconhecido, Jack.

— Uma das lágrimas percorreu a bochecha. Apertou as mãos para não leva-las ao rosto. — Na

última etapa — prosseguiu, esqueceu inclusive como amarrar os sapatos, mas insistia em vestir-se

todos os dias. Assim que amarrava os sapatos... todos os dias. Como se isso tivesse alguma

importância.

Suponho que fazia porque contribuía com um pouco de dignidade. O fazia sentir que seguia

sendo um adulto. Um homem.

Jack começou a encolher o coração e custava respirar.

— Já basta, Daisy.

— Jack?

— Não. — Sabia que não pararia até chegar ao mais fundo. Igual no passado. Não podia

deixar que ocorresse. Por nada do mundo. — Não quero ouvir nada mais. —- Sentia por Steven.

Sentia mais do que acreditou a apenas fazia dois minutos, mas não queria que ela seguisse por

esse caminho.

— Não tencionava falar disto agora. — enxugou uma lágrima da bochecha. — Encontremo-

nos depois para que possa dizer o que devo te dizer.

— A única palavra que quero ouvir de seus lábios, Daisy Monroe, é adeus - disse ele justo

antes de voltar-se e começar a andar. Retornou ao restaurante e disse a seu irmão e a Rhonda que

partia.

Deu um pouco de dinheiro para as fichas dos jogos de suas sobrinhas e se foi. Não viu Daisy

ao sair, e tampouco fez o mínimo gesto de procurá-la.

Respirou fundo e seguiu caminhando. Pensou que não conseguiria voltar a respirar com

normalidade até que chegasse em casa. Fechou a porta. Entrincheirou-se para deixar fora as

lembranças de Daisy e Steven.

Mas as lembranças penetraram na casa, Jack se deixou cair na banqueta do piano de sua

mãe e colocou as mãos sobre seus joelhos.

Odiou Steven durante quase tantos anos como o quis. Mas nunca desejou sua morte, nem

nos momentos em que sua raiva foi mais intensa. Ao menos não seriamente. Talvez houve um

tempo, quando tudo aconteceu, em que a ideia de que Steven desaparecesse da face da Terra

resultava uma ideia certamente atraente, mas jamais quis que morresse do modo em que Daisy

havia descrito. Assim não. Nem sequer quando, no passado, ardeu de raiva e dor.

Bem pensado, nunca desejou sua morte. Porque, no fundo entendia Steven. Era consciente

de que ele traiu Steven na mesma medida em que Steven o traiu. Foi Steven quem contou que

Daisy foi deixada plantada justo antes do ditoso baile da escola de seu último ano. Os dois

pensaram que o melhor era que Jack fosse ao baile com Daisy, afinal, Steven já tinha um encontro.

Naquele momento pareceu algo muito simples. Levar Daisy ao baile para que não passasse a

noite chorando sozinha em seu quarto. Era fácil, mas aquela noite acabou trocando o discorrer de

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Daisy Volta para Casa

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suas vidas.

Jack quase não se lembrava do baile, salvo de que tentou tocá-la o menos possível.

Entretanto, recordava muito bem o momento do alpendre. Aquele grande desejo que empurrava

para Daisy, enquanto sua cabeça insistia uma e outra vez em que devia ir e que o melhor era que

subisse ao carro e saísse voando dali.

Então, se beijaram.

Comparado com os beijos que deu em outras garotas, não foi grande coisa, limitou-se a

apertar os lábios contra os seus. Entretanto, algo se ativou no interior de seu peito. Ficou perplexo

e se zangou; então a separou de seu lado. Mas Daisy acariciou seu pescoço e olhou, e ao Jack

pareceu ver em seus olhos tanto desejo como o que ele sentia por ela. Tanto como o que sempre

sentiu por ela.

"Por favor, Jack" - murmurou. E quando já inclinava a cabeça para voltar a beijá-la, disse que

estava cometendo um grave engano. Inclusive enquanto a beijava, enquanto degustava o sabor de

sua boca, disse que devia deixá-la imediatamente. E também quando a atraiu para si, e sentiu o

impulso de seus seios. E apesar de repetir uma e outra vez que não devia voltar a ocorrer, sabia

que não poderia evitar. Desejou-a durante anos, e essa pequena amostra não seria satisfação

suficiente.

Nem de longe.

Disse que devia se afastar dela, mas por muito que fosse capaz de exercer um amplo

controle sobre sua luxúria adolescente, Daisy não ia permitir que se distanciasse. A noite seguinte

ao baile, na festa do Jimmy Calhoun, ela o arrastou até o interior de um escuro armário e conduziu

a mão de Jack até seu seio.

"Me toque, Jack" — sussurrou em sua boca, e ele esteve a ponto de gozar nas calças.

Poucos dias depois, Jack disse a Steven que não podia sair com ele porque não tinha nem um

centavo. Montou no Camaro, foi recolher Daisy em sua casa e a conduziu até uma estrada deserta.

Estacionou e falou de Steven, de que ambos se sentiam atraídos por ela, e disse a Daisy que

deviam acabar com o que começou no baile.

Ela disse que o entendia. Estava de acordo, mas então beijou o lóbulo de sua orelha e disse

que Steven não tinha por que sabê-lo.

"Amo Steven. É meu amigo — disse Daisy. — Mas não penso nele do mesmo modo que

penso em você. Estou apaixonada por você, Jack. Quero algo mais de você. Quero que me ensine a

fazer amor."

Aquela noite, Jack tirou a camisa de Daisy e desabotoou o sutiã. Eram azuis. Seus seios eram

a coisa mais formosa que jamais viu, firmes e pálidos, e seus mamilos rosados pareciam ter a

medida de sua boca.

Essa noite não fez amor. Não, Jack quis se mostrar cavalheiro. Disse que não se envolvia com

virgens. Convenceu-se de que enquanto não pusesse as mãos em sua calcinha tudo iria bem. Disse

que iria passo a passo, mas seus propósitos duraram muito pouco, tanto como um caramelo nas

mãos de um menino. Então decidiu que não aconteceria nada enquanto deixasse intacto seu

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hímen.

Depois de duas semanas de carícias e beijos, colocou-a em seu carro e a levou a um hotel

nos subúrbios de Amarelo. Passaram a noite juntos, e Jack aprendeu a diferença entre praticar o

sexo e fazer amor. Aprendeu a diferença entre o sexo que só implica as genitálias e o sexo que

tem que ver com a alma. Aprendeu que estar dentro de Daisy Lê acendia uma espécie de fogueira

no mais profundo de seu peito.

Nem por um momento duvidou de que o que faziam estava errado. Sabia que Steven queria

Daisy tanto como ele, mas acabou convencendo-se de que Daisy tinha razão: tudo iria bem

sempre que Steven não soubesse.

Em público, Daisy e Jack se comportavam como haviam feito sempre, como amigos, embora

não resultou fácil. Ver Daisy e não poder tocá-la fazia-o subir pelas paredes. Vê-la passeando pelos

corredores da escola ou saltitando com sua minissaia de animadora despertava nele um ciúme

doentio. Embora não fosse o único a quem desenquadrava a situação. Daisy sempre quis Jack

tanto como ele a ela, pior quando ele não podia ficar, o qual acontecia muito de vez em quando,

acusava de não querê-la suficiente.

Acusava-o de ir com outras garotas. Dizia então que já não estava apaixonada por ele, mas à

mínima oportunidade se arrancavam a roupa um do outro e satisfaziam seus desejos com total

entrega. Nenhum dos dois pretendia ferir o Steven, assim decidiram esperar a que acabasse o

curso para mostrar-se como casal de forma mais óbvia. A Universidade de Washington aceitou a

solicitude de Steven, que, depois de sua graduação, pensou em ir viver com sua irmã e seu

cunhado até que encontrasse um apartamento. Tanto Jack como Daisy planejaram seguir seus

estudos na West Cobre A&M, que estava a uns cem quilômetros ao sul do Lovett. Concordaram

explicar a Steven quando voltasse para casa para as férias de Natal.

Jack levantou da banqueta em frente ao piano e entrou na escuridão da cozinha. Acendeu a

luz e abriu a geladeira. Separou uma caixa de leite e estendeu a mão para tirar uma cerveja Lone

Star.

Estar com Daisy foi como experimentar um comprido orgasmo subindo uma montanha

russa. Terrivelmente excitante, mas absolutamente depravado.

Abriu a garrafa de cerveja e a deixou sobre a bancada. Duas semanas depois da graduação

na escola, seus pais morreram em um acidente de carro. Foram montados em seu Bonneville de

59 quando um condutor bêbado bateu neles. Aquele velho Pontiac tinha o aspecto de um tanque,

mas carecia de qualquer medida de segurança. Seu pai morreu no ato. Sua mãe, a caminho do

hospital. Da noite para o dia, aos dezoito anos, Jack se converteu no responsável não só de sua

própria vida, mas também da de seu irmão Billy.

Jack levou a garrafa à boca e deu um gole. Sempre que pensava nesse episódio do passado o

assaltavam as lembranças de todos os dolorosos detalhes. Sentiu-se sacudido, confuso e

atemorizado. E não era mais que um pirralho. Sua vida mudou em apenas um instante, e quanto

mais tempo necessitava para refletir menos permitia Daisy. Quanto mais tentava separar de si

para poder respirar, mais fortemente se aferrava ela. Recordava a noite em que disse que

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precisava estar sozinho durante um tempo, que precisava distanciar-se para poder pensar com

clareza. Que precisavam deixar de se ver durante uma temporada. Ficou histérica. Quando

voltaram a se ver, estava convertida na esposa de Steven.

Recordava com total nitidez a roupa que Daisy usava aquela noite. Um vestido azul com um

estampado de florzinhas. Ela e Steven se apresentaram no jardim de sua casa e pediram que

saísse. Recordava a imagem de Daisy à medida que ele ia se aproximando, o maravilhoso aspecto

que tinha, e o intenso desejo de abraçá-la que havia sentido, de estreitá-la entre seus braços com

todas suas forças e dizer que não se separasse de seu lado durante o resto de seus dias.

Mas então Steven disse que se casaram nessa mesma tarde. No princípio não acreditou.

Daisy não estava apaixonada pelo Steven. Estava apaixonada por ele. Mas ao ver a culpa refletida

no rosto de Daisy soube que era certo. Agarrou-a pelos braços e disse que pertencia a ele. Tentou

beijá-la, acariciá-la e obriga-la a admitir que era por ele que estava apaixonada. Steven se colocou

entre os dois e Jack lhe deu um murro no rosto. Então começaram a brigar, mas Steven Monroe

nunca se destacou nesse terreno e foi quem levou a pior parte.

Perdeu seu melhor amigo. O rapaz com quem compartilhou todas suas aventuras. Talvez

Steven era dos que enviavam sempre a um quebra gelo, mas Jack sempre soube que o tinha justo

atrás, respaldando. Aquela noite os dois foram embora e o deixaram sozinho.

A noite em que perdeu tudo aprendeu uma grande lição. Aprendeu que ninguém pode tirar

o que não quer que tirem. Ninguém pode cortar em pedacinhos se não der uma faca. Não

considerava que tudo isso tivesse lhe azedado o caráter; mas bem o converteu em um homem

capaz de aprender com seus enganos.

Se as coisas tivessem sido de outro modo, teria se casado. Jamais descartou a ideia do

casamento, embora tampouco era um de seus objetivos vitais. Se devia chegar, chegaria. Já tinha

uma família. Billy, Rhonda e as meninas eram suficiente para ele, mas também havia em sua vida

espaço para alguém mais. Só tinha trinta e três anos. Tinha todo o tempo do mundo pela frente.

Daisy era outra coisa. Jamais voltaria a haver espaço em sua vida para Daisy. Não só o

quebrou em pedaços, além disso, o pisoteou. Jamais permitiria que Daisy voltasse a entrar em sua

vida.

Não, por uma vez já foi suficiente.

Capítulo 7

Daisy baixou o Vuarnet até a metade da ponta do nariz e olhou por cima dos arreios a Lily,

que ocultava seus olhos atrás de uma Adrienne Vittadinis com cristais cor lavanda. Como se

tratasse de um policial em uma operação de vigilância, Lily estacionou sua Ford Taurus entre um

caminhão e uma caminhonete. Soavam os últimos compassos de Earl Had to Die, e as notas finais

do teclado se desvaneceram entre as duas irmãs. Daisy não tinha nada contra as Dixie Chicks, de

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fato tinha dois de seus discos, mas se Lily voltasse a pôr uma vez mais essa canção, Daisy não

responderia por seus atos.

— Viu-o em alguma parte? — perguntou Lily enquanto passava o olhar pelo estacionamento

até encontrar com o edifício de apartamentos da Rua Eldorado. Baixou a mão que apoiou no

volante e apertou o botão de rebobinamento.

— Merda, Lily! — exclamou Daisy fora de si. — É a quinta vez que põe essa canção.

Lily a olhou e franziu o cenho.

— Contou? Isso é obsessivo, Daisy.

— O que? Ouça, não sou eu que escuta uma e outra vez Earl Had to Die metida no carro em

frente ao apartamento de meu iminente ex-marido.

— Não é seu apartamento. Alugou uma casa em Locust Grove, perto do hospital. O

apartamento é dela, de Nelly, essa besta — disse Lily voltando-se de novo para escrutinar o

edifício.

As Chicks começaram a cantar outra vez a mesma canção. Daisy se inclinou e desligou o

aparelho. Fez silêncio. Depois de sair do Showtime, a noite anterior, Lily deu um rodeio com o

carro e passaram pela frente do apartamento da tal Nelly. De fato passou três vezes, como uma

perseguidora desgraçada, antes de deixar Daisy na casa de sua mãe.

Essa manhã foi deixar Pippen à primeira hora com a desculpa de que precisava "procurar

trabalho". Daisy observou o simples penteado de sua irmã e a roupa enrugada que usava e soube

imediatamente que algo não se encaixava. Disse a Lily que a acompanharia. Colocou umas calças

jeans curtas, uma camiseta negra e umas sandálias, e recolheu o cabelo com uma presilha.

— Desde quando vem fazendo isto? — perguntou.

Lily aferrou com força o volante.

— Há um tempo.

— Por quê?

— Preciso vê-los juntos.

— Por quê? — voltou a perguntar. — É uma loucura.

Lily deu de ombros, mas não separou o olhar do edifício de apartamentos.

— O que fará se os vê juntos? Vai atropelá-los com o carro?

— Seria o melhor.

Não acreditava que sua irmã tivesse realmente a intenção de atropelar Ronnie, mas o mero

feito de estar ali sentada, pensando nisso pareceu motivo suficiente para preocupação.

— Lily, não pode matá-los.

— Talvez pudesse dar um golpe com o para-choque, ou passar por cima das bolas de Ronnie

para inutilizar e que não possa as usar com sua noiva.

— Não pode amassar as bolas de Ronnie Darlington. Iria para prisão.

— Isso se me pegarem.

— É certo que pegariam. Sempre pegam às ex-mulheres — inclinou-se para sua irmã e a

acariciou no ombro. — Deve deixar de fazer estas coisas.

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Lily negou com a cabeça enquanto uma lágrima aparecia sob os óculos e descia por sua

bochecha.

— Por que tem que ser feliz? Por que pode ir viver com sua noiva e ser feliz enquanto eu

sinto que a raiva me corrói por dentro? Teria que doer o que nos tem feito, Daisy. Teria que sofrer

como Pippen e eu.

— Sei.

— Não, não sabe. Ninguém nunca te quebrou o coração. Steven morreu, não fugiu com uma

mulher te quebrando o coração.

Daisy retirou a mão do ombro de sua irmã.

— Acaso acredita que ver morrer Steven não me quebrou o coração?

Lily voltou para Daisy e enxugou as lágrimas.

— Suponho que sim. Mas é diferente. Steven não te deixou por vontade própria. — Inspirou

pelo nariz, tomou fôlego, e logo acrescentou: — Teve sorte.

— O que? Acaba de dizer algo horrível.

— Não quero dizer que teve sorte porque Steven morreu, só que não tem razões para

imaginar Steven fazendo amor com outra mulher. Não teve que se perguntar se a estaria beijando,

tocando ou a abraçando.

— Tem razão. Tenho razões para imaginá-lo morto no chão. — Daisy cruzou os braços e

olhou a sua irmã. — Não vou levar em conta suas palavras porque sei que tem um mau dia. — Mas

na realidade não estava preparada para deixá-la correr, assim acrescentou: — Sei que não

pretende te comportar como uma fedelha insensível, mas isso é justo o que tem feito.

— E eu estou segura de que não pretende se comportar como uma egoísta, mas isso é

exatamente o que faz.

Daisy abriu a boca de par em par. Estava sentada no carro de sua irmã com a intenção de

evitar que esta fizesse alguma estupidez, e resultava que ela era a egoísta.

— Sim, é certo, e vim aqui para vigiar o apartamento de Ronnie porque não tenho nada

melhor que fazer.

— Acaso pensa que eu queria ir ontem a tarde ao Showtime para que você pudesse acossar

Jack Parrish?

— Não é o mesmo. Sabe muito bem que é fundamental que fale com Jack. — Voltou a

cabeça e ao olhar pela janela viu uma idosa com um casaco rosa passeando com seu cão pela

calçada. — Não estava acossando.

— Não acredito que ele opine o mesmo.

Não, seguro que não. E depois do que aconteceu na tarde anterior, precisava dar razão. Ir ao

Showtime e aparecer na festa de sua sobrinha, não foi uma de suas ideias mais brilhantes, mas o

tempo jogava contra ela.

Só dispunha de uns poucos dias mais, e se Jack não tivesse mentido a respeito da sua viagem

fora da cidade, teria perdido quatro dias. Estava contra a espada e a parede e os nervos

começavam a dar sinal.

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— Viu como se comportava com as filhas de Billy? — perguntou Daisy. Quando o viu

aproximar-se com as duas meninas, sentiu uma pontada no coração. — É muito bom com elas, e

as meninas o querem de verdade. As crianças não fingem a respeito dessas coisas.

— E isso te fez pensar que não deveria ter casado com Steven?

Daisy afundou em seu assento e olhou para a frente.

— Não, mas me fez compreender que quando contar de Nathan provavelmente se zangará

muito mais do que acreditei. Não é que pensasse que não ia se irritar, mas havia uma parte de

mim que esperava que, no fundo, entendesse — tirou a presilha do cabelo e recostou a cabeça no

assento. — Jack não estava preparado para ter família. Acabava de perder seus pais, não teria

podido assumir o fato de que estivesse grávida. Fiz o correto.

— Mas? — inquiriu Lily.

— Mas nunca permiti me perguntar que classe de pai teria sido. — Deixou a presilha sobre o

painel. — Nunca quis pensar nisso.

— E agora pensa?

— Sim. — Embora sem dúvida teria sido melhor não fazer, não podia evitar pensar nisso.

A porta de um dos apartamentos abriu e apareceu Ronnie de braços dados com uma mulher

morena. Daisy só viu Ronnie em algumas ocasiões, quando Lily e ele foram lhe visitar em Seattle,

mas o reconheceu imediatamente. Era um homem atraente, com o cabelo loiro despenteado e um

desses sorrisos sedutores que fazem perder a cabeça a algumas mulheres. Ao contrário de Lily,

Daisy nunca teria se impressionado, e muito menos perdido a cabeça.

— Desliga o motor — disse Daisy a sua irmã. Essa manhã, o chapéu de vaqueiro de Ronnie

deixava seu rosto e a parte superior de sua camisa vermelha na sombra. Usava um cinturão com

uma fivela do tamanho de uma bandeja e calças tão justas que parecia que tivessem lhe pintado

as pernas de azul.

— Não vou atropelá-lo.

— Desliga, Lily. — O casal estava muito longe para poder ver o rosto de Nelly com clareza,

mas inclusive a essa distancia, Daisy pôde apreciar que recolheu o cabelo no alto da cabeça em um

rabo-de-cavalo e que usava seu considerável traseiro embainhado em calças negras.

O motor deixou de soar e Daisy estendeu a mão para tirar as chaves. Agarrou Lily pelo braço

para evitar que abrisse a porta.

— Não vale a pena, Lily.

O casal montou em uma caminhonete Ford branca com chamas de uma cor vermelha

metalizada pintada nos flancos. Ronnie ajudou Nelly, essa safada, a subir a seu assento, depois pôs

em marcha a caminhonete e se foram. Quando já saíam do estacionamento, sentiu um broto de

ira no estômago. Lily cobriu a boca com a mão e um agudo gemido escapou entre os dedos. Daisy

inclinou para sua irmã e a atraiu para si para abraçá-la com todas suas forças.

— Lily, esse cara não merece que chore por ele — disse acariciando-lhe o cabelo.

— Sigo apaixonada por ele. Por que já não me quer? — Lily chorava enquanto Daisy a tinha

entre seus braços e sentiu que lhe rasgava o coração. Que classe de tipo era capaz de abandonar

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sua mulher e seu filho?

Que classe de homem amoral ia viver com outra mulher e esvaziava as contas bancárias para

não ter que entregar o dinheiro de seu filho? Quanto mais voltas dava, mais se irritava.

De algum modo, Ronnie pagaria pelo dano que estava fazendo a sua irmã.

— Querida, expos a possibilidade de iniciar uma terapia? — perguntou a sua irmã.

— Não quero falar disso com estranhos. É muito humilhante. — A partir daí, seu discurso

ficou incoerente; sua voz parecia o grito de um golfinho angustiado.

— Deixa que eu conduza — disse Daisy. Lily assentiu e enquanto Daisy rodeava o carro, Lily

sentou no assento do carona.

— Gostaria de uma Dr. Pepper? — perguntou enquanto saíam do estacionamento. —

Ajudará a limpar a garganta.

Lily limpou o nariz com a manga e assentiu.

— Certo — foi tudo o que pôde dizer.

Daisy conduziu até um supermercado Minute Mart e estacionou frente à porta. Colocou as

chaves no bolso no caso de a Lily passar certas ideias pela cabeça, tirou cinco dólares de sua bolsa

e agarrou os óculos de sol do painel.

— Volto agora mesmo — disse depois de abrir a porta. Uma vez dentro da loja, encheu um

copo grande com Dr. Pepper, fechou com sua correspondente coberta e agarrou um canudo.

Quando Lily se acalmasse um pouco, falaria com ela de seu advogado: queria saber o que estava

fazendo por ela.

— Bom dia — disse o atendente; estava tão magro que o uniforme verde parecia pendurar

de um cabide. Em seu crachá de identificação estava escrito "Chuck" e "Tenha um bom dia". Daisy

duvidava que isso fosse possível.

— Bom dia. — Ao entregar ao moço a nota de cinco dólares, viu que uma caminhonete Ford

branca com chamas vermelhas nos flancos se detinha no estacionamento a escassos metros do

Ford Taurus de Lily. Viu que Ronnie e Nelly saíam dela e viu também que começava uma

catástrofe. — OH, não.

A porta do carona do Taurus se abriu como se movimentado por uma mola e Lily saiu

disparada. Ficou frente ao casal quando alcançaram a frente do supermercado. Daisy pôde ouvir

os gritos histéricos de Lily através dos vidros, e estava segura de que as pessoas que estavam

abastecendo no posto de gasolina eram testemunhas de um bom espetáculo.

Daisy deixou o canudo sobre o mostrador e, com a mão erguida, disse:

— Volto em seguida.

No momento em que Daisy saiu pela porta, Lily estava chamando "puta" e "traseiro gordo" a

Nelly, e esta, a modo de resposta, deu uma bofetada. Daisy viu passar voando os óculos de sol de

sua irmã. Lily elevou então a mão para devolver o golpe, mas Ronnie a agarrou pelo braço e deu

um empurrão. Lily caiu no chão e então Daisy sentiu que lhe encolhia o coração. A ira correu por

suas veias como um fluido tóxico, e pôs-se a correr a toda velocidade, lançando-se contra o que

logo seria seu ex-cunhado.

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Anos atrás, Steven e Jack ensinaram-na a se defender. Não teve que jogar mão daquelas

lições até então, mas não as esqueceu. Era como montar uma bicicleta. Cravou o ombro no

esterno.

Ele grunhiu e a agarrou pelo cabelo. Puxou dele, mas ela não teve tempo de senti-lo, pois

deu-lhe um murro no olho.

— Ah, idiota!

Sem pensar sequer, deu-lhe uma joelhada justo debaixo da fivela do cinturão. Não

acreditava ter acertado totalmente, mas o golpe resultou bastante eficaz para deixa-lo sem fôlego.

Ronnie soltou o cabelo de Daisy e deu um passo atrás. A seguir se dobrou pela metade; tinha

alguns cabelos de Daisy entre os dedos.

— Se voltar a tocar em minha irmã — disse Daisy entre ofegos — te matarei, Ronnie

Darlington.

Ronnie grunhiu e a olhou com olhos entre abertos.

— Tenta, idiota estúpida.

A Daisy não importava que a chamassem "idiota estúpida"; no final era uma expressão que

em certas ocasiões a definiu bastante bem. Mas "idiota estúpida"? por aí não passava. Equilibrou

para ele de novo, mas algo a segurou pela cintura e puxou ela.

— Ganhou, florzinha.

Tentou livrar-se do braço que a aprisionava pela cintura, mas Jack a levantou do chão.

— Me solte! Vou chutar o traseiro dele!

— Temo que é mais provável que ele acabe chutando o seu traseiro. Então eu teria que

intervir e castigá-lo por lhe colocar a mão em cima. E não quero fazer isso. Buddy e eu viemos aqui

pôr gasolina e tomar um café, isso é tudo. Não pensamos em brigar.

Daisy piscou e recuperou desse modo a visão periférica. Quando voltou-se para olhar por

cima do ombro, notou que o coração pulsava na garganta.

— Jack?

A sombra de seu chapéu cor bege cruzava o rosto, e, embora de seus lábios saiu um "bom

dia", o tom de sua voz parecia indicar que não tinha nada de bom. Procurou Lily com o olhar e a

viu apoiada na parede da loja. Tinha um corte na ponta do nariz e o sinal vermelho dos dedos de

Nelly na bochecha. Um homem com uma camiseta azul falava com ela.

Nelly estava sentada no chão e o rabo-de-cavalo que usava no alto da cabeça desdobrou

para um lado. Ronnie se ergueu com um grunhido e tocou a virilha como se tentasse assegurar de

que tudo estava em seu lugar.

— Espero que não possa utilizá-lo durante um mês — espetou Daisy, e Jack a apertou com

mais força contra seu peito.

Jack se dirigiu então a Ronnie. Daisy notou sua voz na têmpora.

— Vão embora daqui enquanto ainda podem ficar em pé.

Ronnie abriu a boca, mas voltou a fechá-la imediatamente. Agarrou Nelly pelo braço, que

não parava de gritar com todas suas forças, levou até a caminhonete, pôs em marcha o motor e se

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afastaram dali com um potente chiar de pneus.

— Está bem, Lily? — perguntou a sua irmã.

Lily assentiu e recolheu os óculos de sol que o homem da camiseta azul lhe entregou.

— Que demônios aconteceu? — perguntou Jack. — Não têm nada melhor a fazer que brigar

com os outros?

— Não soltou Daisy, e ela voltou a cabeça para olhar. A brisa pulverizou alguns de seus

cabelos loiros sobre a camisa de Jack.

Daisy levantou o olhar e o cravou na sombra que projetava o chapéu. Os profundos olhos

verdes de Jack a olhavam fixamente. Esperando.

— Eram o marido de Lily e sua noiva.

Jack inclinou a cabeça e a sombra desceu até seus lábios.

— Ah.

Daisy de repente sentiu-se muito débil: não era mais que o efeito da adrenalina correndo

por suas veias, mas agradeceu que Jack a estivesse segurando com força.

— É um rato asqueroso.

— Isso ouvi dizer.

A Daisy não surpreendia que a reputação do Ronnie o precedesse. Lovett era uma cidade

relativamente pequena.

— Esvaziou a conta bancária para não ter que dar dinheiro a Pippen.

Jack deslizou a mão sobre o ventre de Daisy ao soltar o braço. Deu um passo atrás e o fresco

ar da manhã substituiu o roce de seu robusto peito nas costas de Daisy. A mão palpitava, doía a

cabeça e também o ombro, e os joelhos fraquejavam. Fazia muito tempo que não sentia a força de

um homem ao abraçá-la, e nada teria gostado mais que voltar a apoiar a cabeça contra o peito de

Jack. Porém, a ideia era absurda.

— Machuquei minha mão.

— Deixa que dê uma olhada. — Pegou a mão entre as suas. Usava as mangas da camisa

arregaçadas até os cotovelos, e sobre o bolso podia ler "CLÁSSICOS AMERICANOS PARRISH" em

letras bordadas em negro.

— Move os dedos.

Tinha a cabeça inclinada sobre sua mão e faltou pouco para que a asa de seu chapéu roçasse

os lábios. Cheirava a sabão, a limpeza e goma. Passou o polegar pela palma da mão e notou uma

leve espetada subindo para seu pulso e o resto do braço. A adrenalina estava jogando com ela. Ou

possivelmente tivesse algum nervo maltratado.

Jack a olhou nos olhos. Durante uns segundos não fez nada mais. Daisy esqueceu que os

olhos de Jack tinham umas bolinhas verdes que só se apreciavam se olhasse muito de perto.

— Não acredito que te tenha quebrado nada, mas suponho que deveria fazer uma

radiografia. — Soltou a mão.

Ela fechou os dedos e agarrou o punho com a outra mão.

— Como sabe que não há nada quebrado?

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— Quando rompi a mão, incha quase imediatamente.

— Como a quebrou?

— Em uma briga.

— Com Steven?

— Não. Em um bar de estrada, no Macon.

Macon? O que teria estado fazendo no Macon? Não sabia nada a respeito da vida que levou

nos últimos quinze anos. Sentiu curiosidade, mas supunha que se Jack respondia a suas perguntas

não ia fazer profundamente.

O atendente saiu da loja e se aproximou de Daisy para lhe entregar seus óculos de sol.

— Obrigado, Chuck — disse antes de pegar. Também entregou o copo de Dr. Pepper, que

Daisy aceitou com a mão sã.

— Acredita que deveria chamar à polícia? — perguntou o rapaz. — Vi que primeiro pegaram

à outra mulher.

Um relatório policial talvez resultasse útil no divórcio de Lily, mas ela não era

completamente inocente neste caso. Lily esteve acossando Ronnie. Não sabia se Ronnie se deu

conta disso, mas existia a possibilidade de que assim fosse.

— Não. Está bem.

— Se mudar de opinião, faça-me saber— disse Chuck antes de voltar para a loja.

Daisy olhou Lily e o homem que falava com ela.

— Está com você? — perguntou a Jack.

— Sim. É Buddy Calhoun.

— É mais velho ou mais novo que Jimmy?

— Um ano mais novo.

Daisy recordava muito pouco de Buddy, exceto que seus dentes eram um desastre e que era

ruivo como o resto dos Calhoun. Olhou a seu redor, observou às pessoas que havia no

estacionamento e no posto de gasolina.

As consequências do que acabava de fazer começaram a tomar corpo em sua cabeça.

— Não posso acreditar que tenha brigado em público. — Apoiou o copo de Dr. Pepper em

sua bochecha. — Nem sequer digo palavrões quando estou com outras pessoas.

— Se servir de consolo, direi que não disse nenhum. — Não, não servia de consolo, e menos

ainda depois de ouvi-lo acrescentar. — Mas sua irmã tem a língua de um caminhoneiro. Ouvimos

do posto de gasolina.

Daisy já não vivia em Lovett, mas sua mãe sim. A esta cairia o rosto de vergonha. Daisy e Lily

certamente seriam o assunto da conversa no próximo baile do clube de solteiros.

— Acredita que muitas pessoas viram?

— Daisy, estamos no cruzamento de Canyon com Vim. Se por acaso não recorda, é o ponto

mais concorrido do povoado.

— Então, todo mundo vai saber que dei um murro no olho de Ronnie Darlington. — Separou

o refresco de sua bochecha. Deus bendito, poderia ir pior as coisas?

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Sem dúvida.

— E também deu uma joelhada nas bolas.

— Viu?

— Sim. Lembre-me que não me coloque contra você. — Jack olhou por cima da cabeça de

Daisy. — Está preparado, Buddy?

Buddy Calhoun voltou-se e dedicou a Jack um radiante e perfeito sorriso. Buddy desfez-se da

má dentadura dos Calhoun. E tinha o cabelo de um vermelho escuro, não do tom cenoura de seus

irmãos. Também era mais bonito.

— Preparado, J.P. — bramou.

J.P?

— Não se meta em problemas, disse Jack antes de voltar-se. — da próxima vez é possível

que eu não ande por perto para evitar que cometa alguma estupidez, como querer brigar com um

homem que pesa o dobro de você.

Ela apoiou sua mão avermelhada sobre o braço de Jack para detê-lo. Tinha toda razão.

— Obrigado, Jack. Se não tivesse me detido, poderia ter acontecido algo grave. — Sacudiu a

cabeça. Talvez não a odiasse tanto como pretendia dar a entender. — Quando vi que empurrava a

minha irmã... Não sei o que aconteceu, perdi a cabeça e me lancei contra ele.

— Não tem importância, Daisy. — Ou ao menos não tanta como para que se sentisse

especial. — O faria qualquer mulher. — Jack baixou a vista e ficou olhando fixamente a mão que

colocou sobre o braço.

— Mas como não sou qualquer mulher, deveria deixar que lhe agradeça por isso como é

devido — disse Daisy com a esperança de que a partir desse momento começassem a se

relacionar em termos mais amistosos e pudesse falar por fim de Nathan.

Jack esboçou um meio sorriso e foi levantando o olhar passando por seus seios e seu queixo

e fixando finalmente em sua boca. Não gostou da sua proposta e tentava lhe fazer sentir

incômoda.

— No que está pensando?

— Não no que você acredita.

Da sombra que projetava a asa de seu chapéu, Jack a olhou por fim nos olhos.

— Então...?

— Em convidá-lo para almoçar.

— Não me interessa.

— Para jantar.

— Não, obrigado. — Jack desceu da calçada e acrescentou voltando ligeiramente a cabeça.

— Vamos, Buddy.

Daisy o observou enquanto cruzava o estacionamento para o Mustang clássico de cor negra

que estava em frente a um dos tanques do posto de gasolina. Duas costuras percorriam as costas

de sua camisa até entrar em seus Levis. Não usava cinturão e marcava a carteira no bolso traseiro.

Buddy o seguia. Daisy olhou sua irmã. A marca do bofetão começava a desaparecer de sua

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bochecha.

— Está bem? — perguntou Daisy a sua irmã enquanto se aproximava dela.

— Estou bem. — Lily estendeu a mão, agarrou o copo de Dr. Pepper e bebeu um gole. —

Acredito que perdi o controle.

— Sério? Um pouco — reconheceu Daisy.

As duas se dirigiram para o Ford Taurus de Lily e entraram. Lily disse ao colocar o cinto:

— Lamento o que disse sobre Steven. Tem razão. Comportei-me como uma idiota insensível.

— Acredito que o que disse foi que foi uma fedelha.

— Já sei. Vamos para casa.

Daisy pôs o carro em marcha.

— Quanto tempo acredita que demorará mamãe em descobrir o que aconteceu?

— Não muito — disse Daisy com um suspiro. — Provavelmente tente nos surrupiar o que

aconteceu.

Pelo retrovisor viu o carro de Jack sair do estacionamento.

— Daisy?

— Sim?

— Obrigado. Foi muito boa se lançando sobre Ronnie.

— Não me dê obrigado. Me prometa que não voltará a perseguir Ronnie nem Nelly, a besta.

— De acordo. — Lily bebeu um gole e acrescentou: — Olhou seu traseiro?

— É enorme — respondeu Daisy.

— E caiu — particularizou Lily.

— Sim. Você é muito mais arranjada e tem o cabelo mais bonito — observou Daisy.

Lily sorriu e acrescentou:

— E tenho melhor fôlego.

Daisy soltou uma gargalhada e assentiu.

Quando chegaram na casa de sua mãe, Lily agarrou Pippen no braço e sentou no sofá com

ele. Pôs um vídeo de desenhos animados e afundou o nariz no cabelo de sua nuca.

— Te Amo, Pippy — disse a seu filho.

Sem separar os olhos da televisão, o menino jogou ligeiramente a cabeça para trás e deu um

beijo em sua mãe no queixo.

— Encontrou trabalho? — perguntou Louella da cozinha enquanto preparava umas

bolachas: toda a casa cheirava à manteiga de amendoim.

— Disseram que me chamariam — respondeu Lily escondendo seu sorriso atrás da cabeça

de seu filho.

— Galinha — sussurrou Daisy.

Lily era uma perturbadora, disso não cabia dúvida.

Daisy tinha só três dias pela frente antes de retomar sua vida em Seattle. Esse dia em

concreto era o último de aula para o Nathan, por isso pensou ligar e perguntar como foi.

Tinha um montão de coisas pra fazer. Dispunha de três dias para conseguir que sua irmã

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endireitasse sua vida, entregar a carta de Steven a Jack e dizer que tinha um filho. Depois de tudo

isso, poderia retornar para casa e seguir adiante com sua vida junto a seu filho. Ela e Nathan

poderiam ir passar uns dias em alguma praia e torrar um pouco no sol. Tomariam alguns abacaxis

decorados enquanto o rapaz desfrutava vendo garotas de biquíni: estariam na glória.

Mas justo nesse momento, a única coisa que desejava era tomar banho, colocar gelo na mão

e tomar alguma coisa. O fluxo de adrenalina diminuíra, e estava cansada e dolorida, mas, se não

fosse por Jack, agora se sentiria muito pior. Lançar-se contra Ronnie não foi uma decisão muito

inteligente, mas nem sequer pensou no que fazia. Limitou-se a reagir ao ver que empurrava Lily.

"Temo que é mais provável que ele acabe chutando o seu traseiro. Então eu teria que

intervir e o castigar por lhe pôr a mão em cima", disse Jack. Também veio a dizer que faria por

qualquer mulher. Disse que não tinha importância.

Mas agora que podia pensar com um pouco mais de clareza, duvidava que tivesse abraçado

qualquer mulher alguns minutos mais do que o necessário como fez com ela. Ao menos não do

mesmo modo, apertando com força contra seu peito. E duvidava seriamente que tivesse

esfregado a mão de qualquer outra mulher com o polegar. Também duvidava que fosse

consciente do que estava fazendo.

Ela estava tão concentrada no que acontecia a seu redor que não percebeu de que o roce de

Jack foi mais pessoal do que ditavam as normas de comportamento do bom samaritano, e o

manteve durante alguns segundos mais.

Deu-se conta nesse momento, e a mera lembrança de seu roce fez conter o fôlego. Quando

Daisy subia as escadas a caminho de seu quarto, sua mãe a chamou para que a ajudasse.

— Já vou — respondeu, depois fechou a porta a suas costas. Apoiou-se nela ao mesmo

tempo que sentia uma forte pontada de calor no ventre e entre as coxas. O calor se estendeu por

todo seu corpo e notou especialmente nos seios. Não havia sentido nada parecido há muito

tempo, mas sabia de que se tratava. Desejo. Desejo sexual. Anos atrás aquele impulso a dominou.

Fechou os olhos. Talvez lembrasse o roce de Jack. Talvez não fossem mais que fantasias, mas

não pôde evitar imaginar o quanto estupendo seria sentir outra vez o corpo sólido e forte de um

homem. Era maravilhoso sentir-se protegida. Era maravilhoso sentir o peito de um homem contra

as costas, seus braços ao redor da cintura. Que Deus tivesse piedade dela, mas sentia falta dessa

sensação.

Fazia tanto tempo que desejou fundir-se com Jack. Perguntou-se o que teria acontecido se

tivesse dado a volta e tivesse o beijado no pescoço. O que teria acontecido se tivesse percorrido o

pescoço com a língua enquanto acariciava com as mãos seu peito robusto. Nu, como ele estava na

cozinha de sua casa a noite em que voltou a vê-lo. Meio nu, com as calças pendurando

despreocupadamente de seus quadris, como preparado para que ela pudesse introduzir neles as

mãos depois de deslizar por seu ventre plano, se ajoelhar diante dele e afundar seu rosto na

braguilha.

Daisy abriu os olhos. Jack era o último homem da Terra com o qual devia ter fantasias

sexuais. O último homem do planeta que deveria fazê-la pensar em sexo.

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"Passou muito tempo, isso é tudo", disse se afastando da porta. Abriu uma gaveta e tirou

uma calcinha e um sutiã. Tinha trinta e três anos, e antes da enfermidade de Steven sua vida

sexual foi muito ativa.

Daisy gostava de sexo e sentia falta. Só era questão de tempo que seu desejo de intimidade

voltasse a adquirir atenção. Mas que acontecesse nesse preciso momento não era nada bom. E o

pior de tudo era que fosse Jack quem o desencadeasse. Por razões óbvias, que Jack e ela se

envolvessem devia estar fora de consideração.

Daisy foi até o banheiro que havia no outro extremo do corredor. Entretanto, deitar com

qualquer outro homem começava a ser uma possibilidade. Só esteve com dois homens em toda

sua vida; talvez tivesse chegado o momento de experimentar. Dispunha de dois dias e meio antes

de retornar a Seattle. Possivelmente fosse o momento de viver alguma experiência antes de voltar

para casa para exercer o papel de mãe.

Talvez deveria acrescentar "deitar com alguém" na sua lista de tarefas.

De repente se sentiu culpada. Steven estava morto, por que tinha então a sensação de que

ia ser infiel a seu marido? Não sabia, mas assim era. O sentimento de culpa estava aí, e sabia que

muito provavelmente a impediria de levar a cabo qualquer ação. Era uma lástima, porque teria

gostado de desfrutar do sexo sem ataduras: envolver-se com alguém e não voltar a vê-lo na vida.

Abriu o grifo da banheira e colocou a mão sob o jorro de água. Mas possivelmente, se

levasse a cabo seu plano, esse sentimento de culpa se dissipasse para sempre. Talvez fosse como

voltar a perder a virgindade.

A primeira vez foi a mais difícil. Depois tudo se fez mais simples. E muito mais divertido.

Obviamente, não dispunha de candidato algum. Talvez poderia procurar a algum tipo em um

bar. Alguém que se parecesse com o Hugh Jackman ou ao protagonista do anúncio da Coca Cola

light. Não, esses homens recordavam muito a Jack. Teria que escolher a alguém totalmente

diferente. Alguém parecido a Viggo Mortensen ou ao Brad Pitt. Não, melhor Matthew

McConaughey.

OH, sim.

Mas nem pensar em Jack. Jamais. Isso seria pouco menos que um suicídio.

"Embora talvez — sussurrou uma suave voz em seu interior. — Seria como uma bomba."

Tirou as calças curtas e a camiseta. Tinha a sensação de que, se não andasse com muito cuidado,

aquela vozinha interior podia colocá-la em sérios problemas.

Capítulo 8

No fim de semana de noite o Slim Clem's reunia as pessoas procedentes de lugares tão

afastados como Amarelo ou Dalhart. A banda local tocava música country ao vivo, um country

ruidoso, e, de vez em quando, algum tema clássico de rock sulista. A enorme pista de baile sempre

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estava abarrotada, e os touros mecânicos, que aceitavam em seu lombo a todos os que chegasse

com os bolsos cheios, não descansavam nem um segundo. Nos três bares do local se servia cerveja

fria sem parar, assim como algum outro licor ou mistura de frutas com diminutos guarda-sóis de

papel.

Das estantes que estavam penduradas na parte superior das paredes, todo tipo de

mamíferos e répteis dissecados observavam às pessoas com seus olhos de cristal. Se Road Kill era

o sonho de um taxidermista, o Slim Clem's era seu sonho erótico. Embora, a verdade, é um

mistério que alguém possa se orgulhar de ter um gambá pendurado na parede.

Na penumbra do Slim Clem's imperavam as calças jeans, Wranglers, Rockies e Lee. As

mulheres combinavam em todas as cores imagináveis e sabiam como usar camisas jeans cheias de

franjas e cavalos estampados nas costas. As camisetas com búzios e plumas, e os baixos

recortados para que parecessem franjas eram outras dos objetos prediletos, assim como as saias

com grandes babados ou vestidos de flanela com gola redonda. Os penteados iam dos tipicamente

texanos, banhados em laquê e rígidos como um casco, até as cabeleiras soltas, lisas e longas até a

cintura ou inclusive até os joelhos.

Os homens se inclinavam pelos Wranglers ou os Levis de cor azul ou negra, e alguns os

usavam tão apertados que era inevitável perguntar como conseguiram colocar ali suas partes

nobres. Apesar de que alguns homens usavam camisas jeans engomadas com chamas estampadas

ou com a bandeira americana, as camisetas ganhavam por goleada. A maioria brilhava anúncios de

cerveja ou de tratores John Deere, embora tinha as que usavam outro tipo de mensagens. O

onipresente "Não se meta com o Texas" podia ler por toda parte, enquanto que a lenda "Sim,

estou bêbado, mas você segue sendo feio" competia em duro conflito com a esperançosa "Vamos

nos dar bem".

As botas texanas se moviam ao ritmo da banda, e as fivelas de alguns cinturões eram tão

grandes que poderiam ter sido consideradas armas letais e cintilavam sob as luzes multicoloridas

da pista de baile.

Daisy nunca esteve no Slim Clem'S. Quando vivia em Lovett era muito jovem para que lhe

permitissem entrar. Mas ouviu falar muito dele. Todo mundo ouviu falar dele, de fato, e disse que

era o momento de viver a experiência por sua conta.

Essa mesma sexta-feira, pela tarde, Lily encontrou trabalho em uma charcutaria das lojas de

departamentos Albertsons, e as duas decidiram ir celebrá-lo no Slim. Daisy não levou consigo

roupa adequada para ir a um desses lugares, mas no fundo de seu antigo armário encontrou suas

velhas botas. As provou e, embora apertassem um pouco, não foram do todo mal. Durante seu

último ano de escola economizou durante meses para comprar umas botas vermelhas com

corações brancos. Por sorte, as botas de vaqueira nunca saiam de moda no Texas.

Da caixa em que guardava os anuários da escola, tirou o cinturão de seu pai com a fivela

chapeada que ganhou no rodeio Top'O Texas poucos meses antes que um touro acabasse com sua

vida. Colocou seu vestido branco de algodão que se fechava na frente com oito pequenos

colchetes, e colocou o cinturão de rodeio de seu pai ao redor da cintura. No couro, pela parte de

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trás podia ler-se "Briguento". A fivela era bastante grande e aproximava um pouco para baixo, mas

era o traje perfeito para uma tarde de vaqueira no Slim Clem'S. Frisou o cabelo e colocou os fios

atrás das orelhas com uns grandes grampos. Pintou os olhos de cor negra e os lábios de um

vermelho brilhante, e quando se olhou no espelho viu uma autêntica garota vaqueira.

Lily colocou uns ajustados jeans e uma blusa rosa que amarrou justo por debaixo dos seios

para que se visse o umbigo. Sua maquiagem era mais ostentosa que a de Daisy, e quando beijou a

seu filho no alpendre da casa de sua mãe, deixou a marca rosada na bochecha.

A caminho do Slim Clem's, Lily não parou de rir e de brincar; parecia preparada para iniciar

sua nova vida. Daisy também estava. No dia seguinte planejou falar com Jack de Nathan, e nessa

ocasião nada a pararia. Nem seus próprios medos, nem nenhuma festa de aniversário, nem sequer

que aparecesse uma mulher meio nua em sua casa. Ia embora de Lovett no domingo pela tarde,

assim tinha que contar no dia seguinte. Não tinha alternativa.

Entraram no bar após as nove horas. Quando pagaram os cinco dólares da entrada a banda

estava tocando uma canção do Brooks e Dunn, My Maria. Enquanto a banda enfrentava às notas

mais agudas do tema, Daisy e Lily abriram passagem entre a multidão, chegaram ao bar mais

próximo e pediram duas Lone Star. Daisy pagou a primeira rodada. Se afastaram do bar e

encontraram uma mesa perto da pista de baile.

Sentaram uma junto à outra e começaram a criticar todo mundo.

— Dê uma olhada àquele tipo, o da camisa de vaqueiro cor bege e o chapéu — disse Lily

aproximando-se ao ouvido de sua irmã. Como a metade dos homens ali presente encaixava com

essa descrição, Lily teve que destacar com o copo. — Essas calças vão tão apertadas que seguro

que teve que coloca-las quando estavam molhadas.

O vaqueiro em questão era um tipo alto e magro, e parecia o bastante duro para lutar com

novilhos.

— "Os traseiros embainhados de Wranglers nos põem como motos" — recitou Daisy com

um sorriso levando a cerveja aos lábios.

— Assim é — concordou Lily.

Daisy não podia recordar a última vez que saiu com suas amigas; esqueceu inclusive o muito

que sentia falta do quanto precisava relaxar e rir um momento... E o que mais a surpreendia era

pensar no quanto estava gostando de estar ali com sua irmã. Ambas riram estudando o desfile de

traseiros masculinos que passou frente a elas na pista de baile. Lily assinalou a um tipo que usava

uns Roper's, e Daisy inclinou a cabeça para um lado enquanto o observava. Precisava admitir, era

necessário ter um traseiro realmente de categoria para que ficasse bem apertado em uns Roper'S.

Daisy pontuou com um oito, Lily deu um dez; acabaram acordando um nove.

— Viu Ralph Fiennes nu no filme "Dragão Vermelho"? — perguntou Lily.

Daisy negou com a cabeça e respondeu:

— Eu não gosto de ver filmes que dão medo agora que vivo sozinha.

— Bom, pule as cenas de terror. Precisa alugar o vídeo para ver o traseiro de Ralph. Tem um

traseiro realmente estupendo - aconselhou Lily.

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— Vi em "Aconteceu em Manhattan". O filme era uma merda, mas ele estava estupendo —

reconheceu Daisy depois de beber um gole de cerveja.

— Aprovado com nota alta — disse Lily assinalando com o copo a um homem com colete de

vaqueiro e uma camiseta sem mangas. — O filme era uma merda por causa de Jennifer López.

Deveriam ter escolhido uma outra.

— Lily sorriu. — Alguém como eu.

Daisy sentiu o peso de uma mão no ombro e ao voltar-se encontrou com o rosto de Tucker

Gooch, que usava uma camiseta em que podia ler "Me segure a cerveja enquanto beijo a sua

noiva". Daisy graduou-se no mesmo ano que Tucker. Sua mãe, Luda Mae, foi professora de

economia doméstica na escola Lovett. Tucker frequentemente era enviado à sala de Daisy como

castigo por algum de seus vandalismos, como espiar no banheiro das garotas.

Daisy ficou em pé. Pelo que podia reparar, o escuro cabelo do Tucker começava a escassear

no alto de sua cabeça, mais seus olhos seguiam brilhando com malícia e tinha um sorriso

irresistível.

— Olá, Tucker. Como vai? — disse Daisy.

Deu um forte abraço.

— Estou bem. — Ao abraçá-la apertou um pouco contra seu peito, mas suas mãos não

desceram para o traseiro de Daisy, como teria feito anos atrás. — Vêem dançar comigo.

Daisy olhou a Lily e perguntou:

— Se importa?

Lily negou com a cabeça e Daisy seguiu Tucker até a pista de baile. A banda começou a tocar

Who's Your Daddy, de Toby Keith, e Tucker a levou a ritmo de passo doble. Antes de sua

enfermidade,

Steven e ela foram dançar algumas vezes a alguns locais de Seattle. Durante os primeiros

compassos, Daisy temeu ter esquecido como dançar. Mas dançar country estava no sangue, e

pegou o ritmo em um abrir e fechar de olhos. Enquanto Tucker a levava pela pista, ela sentiu que

outra parte de si mesma recuperava seu lugar. A parte de si mesma que era capaz de relaxar e rir e

passar bem.

Ao menos essa noite.

Jack, no bar, agarrou sua garrafa de cerveja Pearl e a levou aos lábios. Observou a pista de

baile por cima da garrafa e também ao balcão, e um brilho de cor branca chamou sua atenção.

Percebeu-se da presença de Daisy assim que cruzou a porta acompanhada por Lily. Não é

que ele estivesse à espreita, mas era difícil não passar por cima a essas duas mulheres. Não

encaixavam no Slim Clem'S. Eram como dois pastéis de chocolate em um prato de costelas assadas

com batatas, e Jack não teve dúvida alguma de que mais de um naquele bar começou pensar na

ideia de comer a sobremesa antes do jantar.

Baixou a garrafa e colocou a mão livre no bolso dianteiro de seus Levis. Se virou para seguir

falando de touros mecânicos com Gina Brown. Parece que, como ia tanto ao Slim, lhe deram um

trabalho como monitora durante os fins de semana.

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— A mulher com a que tive que lutar esta tarde tinha uns sessenta e cinco anos — disse Gina

— Subi em Trovão e...

Ao Jack importava um cominho o Trovão. O que ele desejava saber era se seu "pior

pesadelo" sabia que ele estava ali. Não tinha vontade de se ver com ela, mas se Daisy veio com a

intenção de conversar com ele, não teria mais remedeio que desiludi-la. Em geral, Jack preferia os

bares um pouco menos concorrido que o Slim, pior era que esta era a última noite do Buddy

Calhoun na cidade, e este pediu que o acompanhasse. Nesse preciso instante Buddy estava

experimentando a sorte com um dos touros no fundo do bar. Jack não entendia o atrativo que

tinha para certas pessoas o fato de que uma máquina sacudisse até lançar a pessoa ao chão.

Sempre acreditou que se o que alguém queria era montar em um touro, devia tentar com um de

verdade.

— ...Juro isso, quase morro. Teria partido o traseiro de risada se tivesse estado aqui — disse

Gina.

Apesar de ter perdido o conteúdo da brincadeira, Jack sorriu e murmurou:

— Certamente.

— O que está fazendo Buddy em Lovett? — perguntou Gina.

— Veio por questões de negócios. — Jack apoiou o peso do corpo na outra perna e voltou a

fixar a atenção em Daisy e Tucker Gooch. O suave deslizamento de seus pés seguia à perfeição o

ritmo marcado pela canção de Toby sobre uma garota doce e seu jovem noivo. A Jack nunca caiu

bem Tucker. Era o tipo de homem que, à mínima oportunidade, explicava a frequência com que

fazia amor e com quem.

Segundo a opinião de Jack, se um tipo estava satisfeito não sentia a necessidade de falar

disso.

— Está trabalhando para você? — perguntou Gina.

— Sim — assentiu Jack.

Da posição em que Jack se encontrava, a única coisa que podia ver eram retalhos do

brilhante cabelo de Daisy e fragmentos esporádicos de seu vestido branco. Claro que não

precisava estar na primeira fila para saber que vestido colocou. A imagem de Daisy cruzando a

porta do Slim com esse vestido apareceu-lhe na consciência.

Um vaqueiro embelezado com um enorme chapéu se colocou em sua linha de visão e Jack

perdeu toda sua visibilidade.

— Maldita seja — disse Buddy ao se aproximar de Jack. — Esta última vez durei quase dois

minutos, mas caí sobre o ovo esquerdo e não pude me levantar durante um bom momento.

— Experimentou com Tornado? — quis saber Gina. — Quando Tornado vai a toda marcha é

alucinante.

— É o que está mais perto da porta, não? — perguntou Buddy; deu um gole a sua cerveja e

acrescentou. — Teria que experimentá-lo, Jack.

Buddy era um tipo estupendo, mas às vezes Jack se perguntava se realmente encaixavam

quando saíam juntos.

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— Em geral, evito algo que possa me esmagar o ovo esquerdo — informou Jack.

— Já? — Buddy sacudiu a cabeça e jogou uma olhada para a multidão.

Gina deixou escapar uma gargalhada.

— Vou ao fundo, vai ficar um momento? — perguntou ao Jack.

— Não estou seguro.

Ela apoiou uma mão sobre a camisa texana de Jack e ficou nas pontas dos pés.

— Bom, não vá sem se despedir— disse Gina roçando os lábios. E então beijou-o, dando a

entender que estava interessada em partir com ele. — Não se esqueça.

— Gina e você dormem juntos? — perguntou Buddy quando Gina se afastou o suficiente.

— De vez em quando — respondeu Jack. Não estava claro se gostaria de ir dali com Gina.

Dois fins de semana seguidos poderiam dar a aquela mulher um motivo para pensar.

— Olhe quem está sentada naquela mesa dali. É Lily Brooks, e está sozinha— observou

Buddy — Quis chamá-la pelo telefone ontem, mas não sei seu sobrenome de casada.

Jack jogou uma olhada à irmã de Daisy e perguntou:

— E por que quis chamá-la?

— Para saber como estava depois da briga no Minute Mart e isso. Pensei que, como está

passando por um processo de divórcio, talvez quereria falar com alguém — explicou Buddy.

Jack levou a garrafa de Pearl aos lábios.

— Queria falar com a Lily Brooks a respeito de seu divórcio? — perguntou Jack e pensou:

"Sim, claro."

Buddy sorriu e reconheceu:

— Essas irmãs Brooks são muito bonitas, e além disso, têm um tipo estupendo.

Jack deu um longo trago à cerveja e passou a língua por uma gota que ficou no lábio. Nisso

estava de acordo com Buddy. A não ser que não tivesse visto com seus próprios olhos que Daisy

estava tão atraente como sempre, o vestido que brilhava essa noite teria deixado muito claro.

Inclusive do outro extremo do bar pôde apreciar que aderia tanto ao corpo que parecia que o

tivesse pintado.

Buddy deixou a cerveja sobre o balcão.

- Vou pedir a Lily que dance comigo antes que alguém se adiante - disse a Jack.

Jack o viu abrir caminho entre a multidão e pensou que provavelmente a vida seria mais

simples se parecesse mas a Buddy Calhoun. Dava a sensação de que nada o preocupava em

excesso, nem sequer que um touro mecânico o lançasse pelos ares. Já também foi assim, mais

despreocupado, mas disso fazia já muito tempo, tanto que se esqueceu por completo.

Tirou a mão do bolso e olhou para a pista de baile, em direção ao brilho de cor branca.

Esboçou um sorriso e se perguntou como se sentiriam essa noite Lily e Daisy depois da briga em

frente no Minute Mart.

Jack viu mulheres brigar entre si, mas nunca a uma mulher enfrentando um homem. E

menos ainda a um homem que a superava muito em peso. Jack se voltou e apoiou os cotovelos no

balcão. Na manhã da briga estava no Minute Mart apoiado em seu Mustang esperando a que

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enchessem o tanque, com os pensamentos em outra parte, quando ouviu os gritos.

Olhou do outro lado do estacionamento e reconheceu Lily. Renegava como um

caminhoneiro, e quando o homem com quem gritava a empurrou e ela caiu ao chão, Jack se

encaminhou para ali.

As portas da loja se abriram quando estava no meio do caminho, e Daisy apareceu feito uma

fúria e se equilibrou contra Ronnie como um jogador de futebol americano, investindo com o

ombro. Foi como um redemoinho no que só se via uma camiseta negra e cabelo loiro, e no tempo

que Jack demorou para chegar até ali, Daisy golpeou Ronnie no olho e deu uma joelhada na

virilha.

Jack a agarrou por trás para evitar que saísse mal parada, mas o certo é que não esperava

que em seu interior explodisse aquela estranha mescla de raiva e desejo de amparo.

Quando eram dois jovenzinhos, Daisy era pouco mais que uma contradição andante,

temerosa e temerária ao mesmo tempo. Por isso ele sempre se debatia entre o desejo de sacudi-la

e de abraçá-la com todas suas forças, de gritar e ao mesmo tempo de querer lhe acariciar o

cabelo.

Mas nesse caso a abraçou, recordou. Agarrou-a por trás e a apertou contra seu peito,

notando a pressão de seu traseiro contra a braguilha. Tocou-a, e percebeu o aroma de seu cabelo

e de sua pele.

Elevou a vista para o vistoso anuncio luminoso da Budweiser que havia em cima dos

fornecedores de cerveja. Uns tubos de néon perfilavam o carro de corrida de Dê Earnhardt Jr. As

rodas giravam desenhando o legendário número oito, como se Júnior fosse a trezentos

quilômetros por hora no circuito Cobre Motor.

Daisy partiu fazia quinze anos, mas havia algo que não mudou em todo esse tempo.

Chateava ter que admitir, mas apesar de odia-la, seguia desejando-a. Ainda. Depois do tempo

transcorrido. Apesar do que fez.

Não fazia nenhum sentido, mas não podia negar o evidente. A mera visão desse vestido

ajustado provocou uma ereção ali mesmo, no meio do Slim Clem'S. A desejava com a mesma

intensa inconsciência que quando tinham dezoito anos: a pontada do desejo recordava o sabor de

sua boca e o induzia a prová-lo de novo inundando nas suaves curvas de seu corpo. Mas já não

tinha dezoito anos. Possuía um maior controle sobre seus atos, e o fato de que estava duro não

significava que tivesse que fazer nada a respeito.

Não, ia ficar ali mesmo observando com atenção o pôster da Budweiser atrás do balcão. Isso

era tudo. Terminaria sua cerveja e iria para casa. Se Buddy não queria ir com ele, teria que

procurar outro que o levasse. Quando a banda começou a tocar a musica No Problem de Kenny

Chesney, Buddy e Lily se uniram a Jack no balcão. Justo no instante em que ia dizer a Buddy que

partia, viu que Tucker e Daisy se encaminhavam também para ali. Quanto mais Daisy se

aproximava, mais desejava Jack que estivesse na outra ponta do bar. Pintou a raia dos olhos de cor

negra, os lábios de um vermelho escuro e usava o cabelo encaracolado. Tinha essa pinta de

mulher fogosa que normalmente tanto gostava Jack, mas não essa noite. Não se tratando de

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Daisy.

— Olá, Jack — disse Tucker estendendo a mão. — Como vai?

Jack deu um apertão e depois levou a cerveja à boca.

— Não posso me queixar — respondeu Jack depois de beber um gole. — Que tal sua mão?

— perguntou a Daisy.

Ela fechou os dedos lentamente e respondeu:

— Melhor que ontem.

— Ouvi dizer que Lily e você brigaram com Ronnie Darlington e Kelly Newman — disse

Tucker.

— Ronnie é um rato asqueroso e Kelly uma besta — disse Lily.

— Quem disse isso? — quis saber Daisy.

— Fuzzy Wallace passava por Vim e viu — explicou Tucker.

Daisy fechou os olhos e amaldiçoou entre dentes.

Jack passeou o olhar por seu rosto, e logo fez um bom repasse ao vestido. Devia ter todo o

corpo bronzeado: as alças e as suaves bordas das taças que usava ressaltavam ligeiramente os

seios sobre sua pele.

Deslizou o olhar pelos colchetes que se fechavam sobre os seios, desceu por seu plano

ventre até chegar ao cinturão e se fixou na grande fivela chapeada suspensa justo em cima de seu

monte de vênus. O vestido chegava até a metade das coxas, e quando baixou até seus pés, quase

perdeu o fôlego. Usava as botas vermelhas com corações brancos. Recordava perfeitamente

dessas botas.

Usava sempre. Fizeram amor sem que as tirasse em mais de uma ocasião. Quando usava

saia, ou algum vestido como o que brilhava essa noite, Jack baixava a calcinha e nem sequer se

preocupava com as botas.

— Se tiver algum outro problema, me chame — disse Tucker a Daisy enquanto passava as

mãos por diante do olhar de Jack.

— De acordo, terei em conta — disse Daisy. Deu um passo para trás e agarrou Jack pela

mão. — Jack prometeu que dançaria comigo. — Olhou-o com ar de súplica. — Verdade?

— Se você diz... — murmurou Jack.

— Sim — afirmou ela.

Jack tinha duas opções: deixar Daisy nas mãos de Tucker ou dançar com ela. Deixou a cerveja

no balcão e passou o braço pela cintura até alcançar o cotovelo.

— Temo que me falha a memória — disse. Agarrou-a pelo braço e a levou para a pista.

A banda atacou um tema lento dos Georgia Satellite, Keep Your Hands to Yourself. Jack

parou na metade da pista e agarrou a mão de Daisy. Colocou a outra em sua cintura e começou a

mover-se ao ritmo da música.

Através do fino vestido sentiu o calor da pele de Daisy.

— Vai com Gooch? — perguntou Jack.

— Pediu isso. — Ela apoiou ligeiramente a mão sobre o ombro de Jack. — Mas não, não vou

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com ele.

Jack sentiu-se aliviado, e disso não gostou nada.

— Não sei de onde terá tirado a ideia de que poderia aceitar seu convite — falou Daisy.

Passaram junto ao cenário e as luzes rosa cintilaram no cabelo de Daisy, acariciaram sua

fronte e suas bochechas e entraram pela fina abertura que deixaram seus lábios.

— Talvez porque leva um vestido muito apertado — esclareceu Jack.

— Não é tão apertado.

Jack a separou de si um pouco e depois voltou a aproximá-la sem perder o ritmo. Seus seios

estavam a poucos centímetros de distância, e Jack disse que queria se concentrar em suas

palavras, o melhor era não aproximar-se mais. Acariciou com os polegares o tecido do vestido e

disse-lhe ao ouvido:

— É tão apertado que pude ver o sutiã — confessou Jack.

— E por que tinha que olhar o sutiã, Jack?

— Aborrecimento, suponho — explicou ele.

— Ah, não. — Daisy separou-se o suficiente para olhar Jack nos olhos. — Está tentando me

imaginar nua.

Jack sorriu enquanto a banda cantava algo sobre o amor verdadeiro e o pecado.

— Florzinha, já sei que aspecto tem nua.

Entre as sombras da sala de baile, Jack viu que lhe subiam as cores. Ficou vermelha do

pescoço às bochechas.

— É curioso, eu não recordo que aspecto tinha nu.

Daisy olhou-o nos olhos durante um segundo e depois separou a vista e tentou centrar o

olhar em algo que não fosse Jack. Daisy nunca se deu bem mentindo. Jack não recordava que isso

tivesse incomodado nunca antes, mas, por alguma razão, nesse momento fez.

— Sabia que ia estar aqui? — perguntou Jack.

Ela voltou a olhá-lo nos olhos e respondeu:

— Não. — Não sabia se acreditava. — Estará em sua casa amanhã?

— Por quê? — perguntou ele.

— Porque pensei passar para verte.

Jack contemplou o rosto de Daisy. A sexy linha de seus olhos, seus lábios carnudos.

— Não recordo ter te convidado — espetou Jack.

— Antes disse que tem má memória — recordou Daisy.

- Para certas coisas, talvez. Para outras, entretanto, tenho uma memória estupenda -

particularizou ele. — Por exemplo, lembro perfeitamente de suas botas.

Daisy sorriu e deslizou a mão pelo ombro de Jack.

— Sei — disse ela. — É alucinante que ainda me entrem. Lembra de quando as usava com

meus Wranglers de cor vermelha?

"Wranglers de cor vermelha"... fez dar algumas voltas rápidas com a intenção de enjoá-la um

pouco. Ele pensava em seu sutiã e não podia apagar de sua mente a lembrança daquelas botas

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roçando as orelhas, mas ela só pensava em coisas que não interessavam absolutamente e das que

não tencionava falar.

Apertou-a contra si e ela disse:

— E lembra daquela saia de camponesa cor fúcsia? Meu Deus, a moda de então era como

um pesadelo.

"Saia de camponesa"? Já basta de tolices! Só pelo que acabava de dizer, ia dar volta e mais

volta até fazê-la cair no chão. Não fazia mais que falar de bobagens para tirá-lo do sério.

Como se ela não estivesse pensando também em sexo puro e duro. Como a atração sexual

que existia entre eles só fosse coisa de Jack, quando ele sabia perfeitamente que ela também

sentia.

— Ah, sim, a saia de camponesa cor fúcsia — disse Jack sem estar seguro do que era uma

saia de camponesa. Estreitou-a contra seu peito ainda um pouco mais, até que seus seios se

apertaram contra ele, e então disse: — Lembro como ela ficava quando a levantava até a cintura.

Daisy falhou o passo e se afastou um pouco para olhá-lo à cara. Em sua boca começou a

desenhar um sorriso, e disse:

— Não quero falar de sexo.

Em geral, tampouco gostava de falar do assunto. Era um homem mais reservado.

— Que lástima — começou a dizer Jack enquanto deslizava a mão para o final da coluna de

Daisy. — Já que você quer falar comigo, serei eu o que escolha o assunto a tratar.

— Na vida há coisas mais importantes que sexo — respondeu Daisy.

Jack também acreditava, mas nesse momento não podia pensar em nada mais.

— Me diga uma — pediu Jack.

— A amizade — respondeu ela.

— Certo — admitiu ele. — Muito próprio de uma garota.

— Não, muito próprio de um adulto — corrigiu Daisy.

Estava acontecendo com ele. Até que voltou a aparecer pela cidade, Jack foi levando com

sua própria vida. Já ingeriu uma elevada dose do que supunha ser adulto sendo bem jovem.

Depois da morte de seu pai, teve que criar seu irmão e conduzir o negócio. E agora ali estava

Daisy, com suas botas vermelhas e seu vestido branco, revolvendo o passado.

— O sexo foi uma parte importante de nosso passado, Daisy, mas pelo visto, não quer falar

disso.

— Não foi uma parte tão importante, Jack.

— Já, claro.

A canção chegou a seu fim e ela separou-se dele.

— Talvez para você sim foi. Mas para mim não representou o mais importante — disse

Daisy; depois voltou-se e se afastou de seu lado.

Daisy ergueu o queixo e se encaminhou ao lavabo de senhoras. Uma vez dentro, umedeceu

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uma toalha de papel e a passou pelas bochechas. O coração pulsava na garganta e observou seu

rosto no enorme espelho que pendurava em cima dos lavabos. Seus olhos brilhavam talvez em

excesso. Estava muito avermelhada. Sua pele parecia extremamente sensível; cada uma de suas

células respondeu aos roces de Jack.

Ele a atraiu para perto de seu corpo e ela se sentiu tão bem ao sentir a força de seu peito...

Foi um chateio ter que prescindir dessa sensação tão logo, mas Jack estava empenhado em

recordar coisas que ela preferia manter no esquecimento. Recordava, por exemplo, o tempo que

fazia que não se deitava com um homem, ou o que era sentir aquela pontada de luxúria, quente e

vital, nos seios e entre as coxas.

E não era só porque tivesse falado de sexo, era por ele, pelo contato de suas mãos, por seus

polegares roçando a cintura, pelo tom profundo de sua voz junto ao ouvido, pelo aroma de sua

pele.

Se não tivesse acabado a canção justo quando acabou, Daisy poderia ter se consumido ali

mesmo, em meio da pista de baile. Uma mulher com camiseta com franjas negras se aproximou

até onde estava Daisy para maquiar-se frente ao espelho.

— Faz um calor de mil demônios aí dentro - disse para justificar o rubor de suas bochechas.

— Isso parece — disse Daisy, e, depois de atirar as toalhas ao cesto de papéis, abriu a porta

para sair.

Jack a esperava apoiado na parede da frente, e quando a viu se incorporou imediatamente.

— Quando volta para casa, Daisy? — disse dando um passo para ela.

Daisy olhou por cima do ombro de Jack para o balcão lotado de gente e respondeu:

— Quando Lily queira.

A voz de Jack ficou um pouco mais grave para esclarecer a pergunta.

— Quando volta para Seattle?

Jack a olhou com os olhos entreabertos. Ela retrocedeu alguns passos para não ter que

inclinar a cabeça para cima ao olhá-lo e respondeu:

— No domingo.

Ele deu um passo para diante.

— Ou seja, depois de amanhã? - falou Jack.

— Sim.

— Estupendo.

— Por isso temos que falar amanhã - acrescentou Daisy dando outro passo para trás.

Ele a seguiu.

— Porque quer que sejamos amigos e conversemos sobre o passado?

— Entre outras coisas — esclareceu Daisy; seus ombros toparam então com a porta, e Jack

estendeu a mão para a direita e agarrou o puxador. A porta se abriu e a obrigou a sair ao exterior.

A cálida brisa acariciou o rosto e a nuca de Daisy e revolveu o cabelo. Jack também saiu e

fechou a porta a suas costas. A luz que havia em cima da porta passou entre os cabelos de Jack e

iluminou seus olhos verdes e também seu sorriso.

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— Você tem tão pouca vontade de falar como eu — disse Jack.

— Não é verdade — respondeu Daisy.

Ela tentou afastar-se dele mas, de algum modo, acabou presa contra a cerca de madeira que

delimitava os domínios do Slim. Ficaram entre as profundas sombras do edifício e um enorme

contêiner de lixo de cor azul.

Graças a Deus, no bar não serviam comidas, e o único aroma do contêiner fechado era o da

cerveja e o pó. Jack apoiou as mãos na parede do edifício a ambos os lados da cabeça de Daisy,

que ficou presa entre o corpo dele e o contêiner.

— Nunca soubeste mentir — afirmou Jack, e inclinou a cabeça para ela e disse quase em um

sussurro. — Não me importa que o tenha negado toda a noite, Daisy, mas eu sei o que quer.

Daisy apoiou as mãos em seu peito para pará-lo, mas imediatamente soube que cometeu

um engano. Através do suave tecido de sua camisa de vaqueiro e dos robustos músculos de seu

peito, pôde notar o batimento de seu coração: esquentaram as palmas das mãos e o pulso

acelerou. Voltou o rosto para um lado para poder respirar, mas não teve forças para baixar as

mãos. Já não.

— Não acredito— disse Daisy.

Agarrou-a suavemente com dois dedos e a obrigou a olhá-lo.

— Quer que a leve para casa, que nos joguemos no assento traseiro de meu carro, ou que

façamos amor contra esta parede agora mesmo? — Jack roçou os lábios dela com os seus, e a

Daisy cortou a respiração.

— Como nos velhos tempos?

Um de seus dedos enredou com a camisa de Jack. OH, sim. Desejava Jack com todas suas

forças, mas também gostaria de comer bolo de chocolate todos os dias, e nem por isso cedia a

esse impulso.

— Isso não estaria bem, Jack — disse ela.

— Não, Daisy. Estaria muito bem.

Durante uns segundos recordou que teve esse mesmo pensamento não fazia muitas horas.

Então voltou a roçá-la com os lábios e ela se estremeceu. Não pôde evitá-lo. Não estava em sua

mão parar o que parecia que ia ocorrer. Deslizou as mãos pelo peito de Jack, para cima, até chegar

a seus ombros, depois desceu de novo até seu ventre e a cintura de suas calças. Tinha tão perto o

rosto de Jack que seus narizes se tocavam. Não podia ver com clareza seus olhos, mas sentia o

peso de seu olhar. E então a beijou. A suave pressão de seus lábios fez que fraquejassem os

joelhos. Daisy abriu a

boca e suas línguas se tocaram, quentes e úmidas; e com isso bastou para que seus sentidos

se paralisarem. O calor, o desejo e a gula percorreram todo seu corpo como uma exalação, e ela já

não podia fazer nada para parar aquele fluxo. A única coisa que podia fazer era seguir adiante.

Os peitorais de Jack esticaram quando ela deslizou as mãos de novo para os ombros.

Correspondeu ao beijo apaixonado de Daisy, e a devorou. Uma luxúria sem restrições abriu

caminho no ventre de Daisy, levando-a a tocar o corpo de Jack com ânsia, como se desejasse

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engoli-lo primeiro e preocupar-se por isso depois. Estava tão bem... Era um homem são e excitado.

Aquele beijo ativou todas as molas de sua natureza enquanto o acariciava sem descanso,

enredando os dedos em seu cabelo e liberando os botões da camisa.

Separou-se dela uns centímetros e a olhou à cara. Respirava com dificuldade, como se

tivesse se deslocado dez quilômetros.

— Daisy — sussurrou Jack antes de enterrar o rosto em seu pescoço. Um profundo gemido

fez que seu peito estremecesse e deslizou a boca para um flanco do pescoço. Baixou a mão para

sua cintura e depois rodeou o cinturão. Passou a mão por debaixo do vestido até tocar sua coxa e

não demorou para alcançar sua calcinha de seda.

— Alguém poderia nos ver — advertiu Daisy com um fio de voz, em forma de tênue

protesto.

Jack a fez ficar nas pontas dos pés e perguntou com voz áspera:

— Acaso importa?

Parecia que não, pois acabava de abrir a camisa e apoiar as mãos em seu ventre plano. A

pele de Jack estava quente ao tato e também um pouco úmida devido ao suor; um brilho de

desejo e testosterona percorreu as pontas dos dedos de Daisy e subiu por seus braços direto até

sua cabeça. A cálida e úmida boca de Jack posou no vão de sua garganta e Daisy fechou os olhos.

Fazia muito tempo que não se sentia arrastada pelo desejo. Pelo impulso febril e a dor carnal.

Agora podia sentir, apagando por completo qualquer outra sensação ou pensamento.

Jack fez que Daisy passasse a perna ao redor de sua cintura, por isso ela pôde sentir a

pressão de sua ereção contra sua virilha através das capas de tecido do vestido e as calcinhas. Jack

agarrou a outra coxa, elevou e abraçou com ela sua cintura enquanto apoiava Daisy na parede.

Olhou nos olhos e pressionou a pélvis.

— Faz muito tempo — gemeu ela.

Com a mão livre, Jack desabotoou o peitilho de seu vestido. Olhou fixamente e perguntou:

— Quanto? — Suavemente, passou o reverso dos dedos pelo decote de Daisy, acariciou o

cetim de seu sutiã e percebeu a turgidez de seus seios. O vestido se abriu por completo e Jack

deixou cair o olhar e o deixou cravado nos seios de Daisy. Sem elevar a vista, perguntou de novo.

— Quanto tempo, Daisy?

Todas as sensações que embargavam seu corpo provinham dos pontos em que ele posava

seus dedos. Daisy acariciou seu peito nu e, enquanto passava de novo os dedos pelo cabelo,

perguntou:

— A que se refere?

— Quanto tempo passou desde a última vez que fez amor? — precisou Jack.

Daisy não tinha nenhuma intenção de confessar em voz alta, e respondeu:

— Bastante.

Jack abrangeu com a mão um de seus seios e insistiu:

— Quanto é o bastante?

Mas já era muito tarde para tornar atrás.

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— Dois anos — admitiu finalmente Daisy.

Jack passou os dedos pela parte dos seios que o sutiã deixava a descoberto, e sussurrou:

— Não podemos passar daqui.

Ela deixou escapar um gemido e apertou as coxas. Jack dobrou os joelhos e apoiou as mãos

contra a parede a ambos os lados da cabeça de Daisy para sustentá-la. Separou os pés e ela notou

de novo sua ereção.

— Não tenho camisinha, e tampouco tenho no carro — disse Jack; beijou-a na fronte e

acrescentou. — Vêm comigo à minha casa, Daisy.

Fazia muito tempo que ela não precisava se preocupar com a camisinha. Não a necessitou

desde que descobriram que Steven não podia ter filhos. Passou muitos anos sem preocupar-se em

ficar grávida.

E fazia mais de quinze anos que não estava com alguém que não fosse Steven. Recorreu a

última fresta de racionalidade que restava, e disse que não podia fazer. Não com Jack. Não ali.

Nem tampouco em sua casa.

Simplesmente, não podiam fazer.

— Não posso fazer — disse Daisy para não cometer o segundo maior engano de sua vida.

Jack a beijou no pescoço e sussurrou:

— Claro que sim.

— Não, Jack — insistiu Daisy; baixou então os pés ao chão e separou as mãos dos ombros de

Jack. — Não vou me deitar com você.

Ele deu um passo atrás e o foco que havia sobre a porta iluminou o rosto. Passou então as

mãos pelo cabelo, fechou os olhos e respirou fundo.

— Maldita seja, Daisy. — Em sua voz se mesclavam o desejo e a raiva. — Segue sendo tão

perturbadora como sempre.

— Não vim aqui nem para atar nem para me deitar com você — assegurou Daisy. O peito nu

de Jack estava muito perto, e sob a luz cintilava o suor que cobria sua pele. Daisy apoiou as mãos

na parede e lutou contra o impulso de tocá-lo, de apoiar o rosto contra seu peito e o lamber como

se fosse um caramelo. Daisy levantou os olhos e olhou-o no rosto. - Já disse por que vim a Lovett.

Jack a olhou, e em seus olhos verdes Daisy descobriu o brilho da frustração.

— Segue pensando que podemos conversar? — perguntou ele.

— Não, esta noite não.

— Eu opino o mesmo — disse Jack, ao mesmo tempo que limpava o rastro de carmim da

comissura dos lábios.

— Amanhã.

Jack soltou uma risada forçada e, enquanto abotoava a camisa, disse:

— Daisy, se amanhã aparecer por minha casa, vou te dar o que anda procurando. Asseguro

isso.

Ela franziu o cenho e, embora não fizesse falta que ninguém explicasse o que Jack quis dizer,

ele acrescentou:

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— Vou fodê-la até que perca o sentido - disse; depois deu meia volta e se foi.

Ela o viu se afastar. Seus largos ombros desapareceram ao dobrar a esquina do edifício. Em

poucos segundos, a escuridão engoliu e a única coisa que Daisy pôde escutar foi o som de suas

botas e o agudo murmúrio dos insetos. Sabia que devia se sentir escandalizada. Zangada.

Horrorizada. E, sobre tudo, aliviada por ter recuperado a prudência antes de fazer amor com Jack.

Sim, sabia que devia sentir todas essas coisas, e talvez as sentisse no dia seguinte. Mas essa

noite... Essa noite não sentia nada além de frustração, enquanto a luxúria ainda corria por suas

veias.

Sentia, também, curiosidade. Era possível fazer amor com alguém até perder o sentido?

E, se for assim, sabia Jack por própria experiência?

Capítulo 9

Essa noite, Daisy sonhou que voava sobre o Lovett, por cima das árvores e os postes de alta

tensão, vestida unicamente com a calça curta do pijama. Quando sobrevoava a planície sul do

estado do Texas, o monte Rainier começou a crescer de repente. Embora cada vez voasse mais

alto, roçou as cúpulas nevadas com os dedos dos pés. Perdeu o controle e, como se tratasse de

um globo de hélio, ascendia cada vez mais enquanto o terror ia apropriando-se dela. Sabia que só

havia uma saída possível para aquela situação: cedo ou tarde cairia. Era inevitável e ia doer muito.

E então, justo quando estava a ponto de abandonar a atmosfera terrestre, a força da

gravidade a puxou pelos pés. Em sua descida, deixou atrás o monte Rainier e as copas das

árvores... Sabia que ia morrer.

Antes do impacto, Daisy abriu os olhos e se deu conta de duas coisas. Uma, que não ia

esmagar-se contra o chão, e a outra, que estava prendendo a respiração. A luz da manhã

começava a lamber sua cama, e Daisy soltou um suspiro de alívio. A sensação de alívio, entretanto,

durou pouco: desapareceu assim que recordou o que aconteceu a noite anterior.

A humilhação que não havia sentido a noite anterior despertou essa manhã como um jarro

de água fria. À luz do dia rememorou todos os acidentados detalhes. A cálida boca de Jack, o tato

de seu peito nu...

Grunhiu e tampou o rosto com o travesseiro. A imagem de si mesma rodeando a cintura de

Jack com as pernas resultou especialmente dolorosa. Não se comportava assim desde... desde...

desde que se colocou com Jack em um armário durante o último ano da escola. Naquela época era

uma inocente jovenzinha. Agora não era nenhuma dessas duas coisas.

Agora era uma idiota.

A noite anterior quis se envolver com Jack. Hoje devia contar sobre Nathan. Como ia poder

olhar nos olhos dele, depois de tê-lo beijado e acariciado daquele modo? "OH, Deus", disse entre

dentes ao recordar que confessou que fazia dois anos que não mantinha relações com ninguém.

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Como poderia enfrentar a ele depois disso?

Pois fazendo: não tinha alternativa.

Jogou o travesseiro a um lado e saiu da cama. Desceu as escadas vestindo as mesmas calças

de pijama que usava no sonho. Depois de que Jack a deixasse apoiada na parede da parte traseira

do Slim Clem's, Daisy retornou dentro, falando que estava se sentindo mal pelo jantar e conseguiu

que Lily a levasse a casa. Não voltou a ver Jack, o qual, ao menos, foi melhor.

Sua mãe estava sentada frente à mesa da cozinha; colocou uma camisola de náilon cor rosa

e tinha um lado de seu vaporoso cabelo ligeiramente amassado.

A noite anterior, quando chegaram em casa, Pippen estava profundamente adormecido,

assim Lily o deixou na casa de sua avó. Agora estava reinando perto da Louella, comendo cereais e

bebendo suco em seu copo preferido. Usava seu gorro de pele, seu pijama com a imagem dos

Blues Clues e uma pintura na bochecha.

— Bom dia, mamãe - disse Daisy enquanto servia uma xícara de café. — Que tal Pip?

— Desenhos — respondeu Pippen.

— Poderá ver os desenhos quando acabar de tomar o café da manhã — disse sua avó;

depois olhou Daisy e disse em um tom que expressava profunda decepção. — Me contaram o que

aconteceu.

Thelma Morgan me telefonou esta manhã e deu todos os detalhes.

Daisy sentiu que ardiam as bochechas e perguntou:

— Thelma Morgan me viu?

Onde se escondeu? Atrás do contêiner? Só eram as oito da manhã e tudo indicava que esse

dia seria um autêntico pesadelo.

— Parou no Minute Mart para tomar uma xícara de café e uma massa e viu tudo — explicou

sua mãe.

Como era possível?

— OH. — Daisy deixou escapar um sonoro suspiro de alívio e pôs-se a rir. — Isso.

— Sim, isso. Que demônios pretendiam Lily e você? Montar um espetáculo em público? —

Louella deu uma mordida em sua torrada e acrescentou. — É para chorar.

— Paramos no Minute Mart para tomar uma Dr. Pepper — explicou Daisy, deixando de lado

intencionalmente a parte da perseguição de Lily a seu ex. Cruzou a cozinha e sentou-se junto a sua

mãe.

— Nelly e Ronnie — acrescentou detendo-se para olhar ao Pippen — estacionaram o carro

no estacionamento, e uma coisa levou a outra. Então, Ronnie empurrou Lily.

Louella mordeu o lábio inferior e deixou a torrada no prato.

— Deveria ter chamado à polícia - disse Louella.

Provavelmente.

— Nem sequer pensei nisso — admitiu Daisy. — Vi que a empurrava e perdi os estribos. Não

parei para pensar, golpeei-o no olho e dei uma joelhada na virilha.

Ainda não podia acreditar que se comportou desse modo.

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Daisy Volta para Casa

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Sua mãe esboçou um sorriso e perguntou:

— Fez-lhe mal?

Daisy negou com a cabeça e soprou o café de sua xícara.

— Não acredito — respondeu.

— Que vergonha! — exclamou sua mãe enquanto afastava o prato de seu lado. — Viu Jack?

Sim, é obvio que viu. Seu peito nu e seu ventre suarento. Seus olhos entrecerrados e seus

úmidos lábios beijando-a. Mas não era isso o que sua mãe queria saber.

— Ainda não falei de Nathan — respondeu Daisy, e bebeu um gole de café. — Vou esta

manhã falar com ele.

Louella elevou uma sobrancelha e disse:

— Deixou até o último momento.

— Sei— reconheceu Daisy com o olhar baixo. — Antes estava totalmente segura de ter feito

o correto. Acreditava que não diria a Jack de Nathan e ir viver a Washington foi o mais adequado

para todos.

— E foi — assegurou Louella.

— Agora não estou tão segura — admitiu Daisy; colocou o cabelo por trás das orelhas e

tomou fôlego. — Antes de vir a Lovett estava segura. Estava convencida de que ir com Nathan foi

a melhor escolha, também para Jack. — Voltou a elevar a vista e acrescentou: — Sempre

quisemos dizer, mamãe. Queríamos dar a Jack alguns anos para que recompusesse sua vida e

depois tínhamos pensado dizer-lhe.

Pippen pegou a xícara vazia do chão e Louella a recolheu.

— Sei — assegurou Louella, e deixou a xícara sobre a mesa.

— Mas, quanto mais atrasávamos, mais difícil nos resultava fazer. Passavam os meses e os

anos e sempre encontrávamos uma desculpa para não dizer. Estava tentando ficar grávida outra

vez, ou Nathan parecia muito feliz e não queríamos alterá-lo... Sempre encontrávamos algo.

Sempre tínhamos uma desculpa, porque, como se diz a um homem que tem um filho de que não

sabe nada?

— Daisy se inclinou e apoiou os braços na mesa. — Agora já não estou segura de ter feito o

correto todos estes anos. Começo a acreditar que não deveria ter ido contar.

— O que eu acredito é que agora tem dúvidas e questiona isso tudo — a tranquilizou sua

mãe.

— Talvez.

— Daisy, era jovem e estava assustada. Em seu momento, foi a decisão correta.

Ela sempre acreditou assim. Agora já não podia dizer o mesmo. A única coisa que estava

claro era que se equivocou ao esperar tanto tempo. Como poderia corrigir semelhante engano?

— Jack não estava preparado para ser pai— insistiu sua mãe. — Steven, sim.

— Você sempre gostou mais de Steven.

Sua mãe refletiu durante uns segundos e depois respondeu:

— Isso não é exatamente verdade. Sempre pensei que Steven era o mais estável dos dois.

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Jack era mais selvagem. Não pode culpar ninguém por ser como é, mas tampouco pode te pôr em

suas mãos.

Seu pai também era assim, e olhe o que aconteceu. O que aconteceu a todos.

— Papai não morreu de propósito...

— Certamente que não, mas morreu. Me deixou sozinha com duas meninas e trezentos

dólares. — Louella sacudiu a cabeça e prosseguiu. — Steven estava mais preparado para cuidar de

você e do bebê.

— Porque sua família tinha dinheiro — disse Daisy.

— O dinheiro é importante — respondeu Louella e elevou a mão para evitar que sua filha

discutisse com ela. — Sei que o amor também é. Eu amava seu pai. Ele me queria, e a vocês

também, mas o amor não põe a comida na mesa. Com amor não pode comprar um casaco para o

inverno ou uns sapatos para ir ao colégio. - Estendeu o braço e agarrou a mão de sua filha.

— Mas até no caso que tivesse tomado a decisão equivocada, agora não há modo de voltar

atrás. Nathan desfrutou de uma boa vida. Steven foi um pai maravilhoso. Fez o melhor para seu

filho.

As palavras de sua mãe faziam que tudo parecesse mais lógico. Mas Daisy já não estava tão

convencida de que uma decisão assim tivesse que se apoiar na lógica. Que fosse jovem e estivesse

assustada justificava que não houvesse dito nada ao Jack naquele momento. Mas não justificava

que se calasse durante quinze anos.

— Olhe Lily — disse sua mãe quase em um sussurro. — Sua vida era um caos desde muito

antes que Ronnie aparecesse. Errava constantemente. Sempre estava fazendo loucuras. Nunca

teria que ter casado com ele, e agora Pippen está pagando pelos pecados dos outros. Não fala

bem para a idade que tem, e ainda tem que usar fralda. Sofreu um retrocesso.

Daisy acreditava que Lily poderia ter se esforçado um pouco mais na hora de proteger e

cuidar de Pippen, mas não quis comentar com ela. Daisy não foi precisamente uma mãe perfeita e

não se achava com o direito de julgar o trabalho das demais mães.

— Vou ligar para Nathan para lembrar a hora que vou chegar amanhã. — levantou-se e

acrescentou. — E logo irei ver Jack. — Se tivesse tido alguma outra opção, teria se inclinado por

ela.

Jack disse que não passasse por sua casa, e logo fez essa advertência a respeito de que ia

perder o sentido. Agora, quando fosse vê-lo, acreditaria Jack que ia em busca de sexo?

Provavelmente.

Levou o café a seu quarto e telefonou a Nathan.

— Estou desejando que chegue logo — disse Nathan ao responder a chamada. — Quero

perder de vista Michael Ann.

— Pare com isso Nathan. Não é tão idiota assim — disse Daisy.

— Mamãe, ainda brinca com Barbie. Ontem à noite me pediu que eu fosse Ken.

— Parece muito velha para brincar com Barbie? — perguntou Daisy.

— Sim, e Ollie tentou me convencer de que brincasse de bonecas com ela — disse com uma

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voz nítida de indignação adolescente. — Não suporto estar aqui.

— Bom, só resta uma noite. — Deixou a xícara sobre a mesinha de cabeceira e tirou a carta

do Steven da gaveta. — Amanhã te levarão pra casa e eu chegarei por volta das três ou as três e

meia.

— Graças a Deus. Mamãe?

— Sim, querido — respondeu Daisy.

— Me prometa que nunca mais me obrigará a ficar aqui?

Daisy se pôs a rir e disse:

— Prometo isso se você me prometer cortar o cabelo.

Produziu-se um longo silencio e então o moço disse:

— Trato feito.

Depois de desligar o telefone, Daisy tomou uma ducha e pensou no acontecido a noite

anterior. Jack devia estar furioso com ela. Com toda probabilidade ele teria procurado uma mulher

para passar a noite.

Enquanto ela sonhava que voava por cima de Lovett, Jack certamente esteve fazendo amor

como um selvagem, com o qual teria esquecido de que Daisy parou todo o lance antes de ir muito

longe. Além disso, uma vez passada a febre da noite anterior, provavelmente nem sequer se

lembraria de sua ameaça.

Era curioso, mas pensar que Jack passou a noite com outra mulher a incomodou mais do que

estava disposta a admitir. Ao imaginá-lo acariciando a outra mulher formou-se um nó no seu

estômago, coisa que não aconteceu na primeira noite ao vê-lo com a Gina na cozinha de sua casa.

Daisy colocou uma calcinha e um sutiã negro e tentou analisar a mudança que experimentou

seus sentimentos em tão breve espaço de tempo. Enfiou-se em uma simples camiseta negra e

disse que, quanto mais tempo estava perto de Jack, mais detalhes do passado saíam a tona. Era

inevitável. Pensou no Jack como um amigo durante muitos anos, e depois se apaixonou por ele.

Apaixonou-se até o tutano, mas, apesar do que assegurou a noite anterior, o sexo foi uma parte

importante de seu passado em comum. Estar perto de Jack despertava sentimentos que estavam

muitos anos adormecidos: a velha luxúria, a obsessão e o ciúme.

Acreditou que poderia voltar para Lovett tranquilamente, contar a Jack sobre Nathan e

evitar tratar todo o resto. Acreditava que tudo estava morto e enterrado fazia muito tempo. Mas

estava equivocada.

Não desapareceu absolutamente. Não, todas essas coisas estavam aí, esperando no ponto

exato em que as deixou quando se foi de Lovett.

Tirou umas calças curtas de uma gaveta. A única coisa que aliviava seu estado de confusão

era pensar que quando estivesse de volta em casa, em Seattle, tudo teria acabado. Nada mais de

segredos. Nada mais de confusão.

Nada mais de beijos com Jack Parrish.

"Daisy, se amanhã aparecer por minha casa vou te dar o que anda procurando — advertiu

Jack — Vou fodê-la até que perca o sentido."

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Na noite anterior, essa advertência lhe intrigou. Essa manhã a fez repensar. Não tinha

nenhuma intenção de aparecer pela casa de Jack para que fizesse perder o sentido. Não, isso era a

última coisa que desejava de Jack.

Voltou a colocar as calças curtas na gaveta e foi ao quarto de sua mãe. Rebuscou em seu

armário até que encontrou um vestido sem mangas de robusto tecido vaqueiro. Era tão largo que

não necessitava nem botões nem zíper. Tinha desenhos bordados do Tiger e Winnie the Pooh no

peito e ao redor da prega. Com ele Daisy parecia tão sexy como uma professora de creche: não

havia modo de confundi-lo com um vestido pensado para inspirar que a deixassem sem sentido.

Recolheu o cabelo em um rabo-de-cavalo e colocou suas sapatilhas negras. Não podia sair de

casa sem se maquiar um pouco, assim colocou um pouco de rimel e de ruge, e pintou os lábios em

um tom rosa. Deu uma última olhada no espelho e chegou à conclusão de que seu aspecto não

resultava nada inspirador para um homem. Especialmente para um homem como Jack.

Meteu a carta do Steven em um dos bolsos do vestido e saiu com as chaves do carro de sua

mãe. Daisy esteve todo o caminho lutando contra o impulso de dar meia volta. Agora já não

precisava fazer conjeturas a respeito de como ia se sentir Jack quando falasse de Nathan: viu-o

brincando com suas sobrinhas. Entrou na rua de Jack. Agarrava com tanta força o volante que seus

dedos perderam a cor. Provavelmente sua mãe tinha razão: fez o que acreditou mais adequado no

momento. Todo mundo faria o mesmo.

Todo mundo exceto Jack. Este sem dúvida teria uma visão diferente do assunto; quando

Daisy chegou até Clássicos Americanos Parrish tinha um forte nó no estômago e se sentia

fisicamente mal.

O Mustang de Jack estava estacionado em frente à casa e Daisy deixou o carro de sua mãe

justo ao lado. As sapatilhas foram golpeando nos calcanhares à medida que percorria o caminho

até a porta de entrada. A casa continuava pintada da mesma cor branca que recordava de sua

infância. As venezianas conservavam sua cor verde. Também havia rosas amarelas, embora não

estavam tão bem cuidadas como antigamente.

Agora cresciam livremente, à exceção das roseiras que havia em frente ao alpendre, que

sofreram algumas podas.

Daisy bateu na porta com tela tal como fez a uma semana. Esperava que desta vez Jack

estivesse sozinho; se estivesse com uma mulher, iria embora imediatamente.

Não houve resposta. Colocou a cabeça e chamou. A única coisa que ouviu foi o ligeiro

zumbido do ar condicionado no escuro interior. Voltou a cabeça para o Mustang de Jack e deu-se

conta de que havia uma luz acesa dentro da oficina. Os velhos olmos que flanqueavam a rua

projetavam preguiçosas sombras sobre o asfalto, e uma ligeira brisa balançava o rabo-de-cavalo

de Daisy em seu caminho para a oficina mecânica. Com todo o silêncio de que foi capaz, Daisy

abriu a porta e entrou. A luz que entrava pelas altas janelas desenhava manchas retangulares

sobre os cinco carros clássicos que estavam sendo restaurados ali. A alguns tiraram o motor, que

pendurava de umas guias, outros davam a impressão de que tivessem arrancado o chassi. Junto às

paredes, ocultas pelas sombras da garagem, havia enormes peças de equipamento, bancas de

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trabalho e ferramentas. Passou entre um Corvette aberto sobre o canal e outro brilhante e muito

longo de cor vermelha e branca.

As quatro luzes traseiras daquele clássico pareciam outras tantas barras de carmim.

Esperava encontrar recipientes com óleo e graxa e peças metálicas pelo chão. Não foi assim.

A oficina estava muito limpa (muito mais limpo que nos tempos do pai de Jack) e cheirava a

pinheiro.

Apesar de seu caráter, Jack conseguiu fazer algo por si mesmo. Melhorou o que o deixaram.

Muito mais do que ninguém esperava dele, e apesar do medo que dava falar com ele essa manhã

se sentiu orgulhosa de Jack.

Olhou para a porta que conduzia ao escritório e parou junto à parte traseira de um carro

branco e vermelho. Jack estava apoiado no marco da porta, com os braços cruzados, observando.

— Surpresa — disse Daisy com voz um pouco tremente; Jack esteve a ponto de provocar um

ataque ao coração.

À luz dos fluorescentes que iluminavam o escritório, a camiseta de Jack parecia

incrivelmente branca. Franziu o cenho e uma mecha de cabelo caiu sobre a fronte.

— Não muita, na verdade. Essas sapatilhas tuas fazem muito ruído — disse Jack.

Daisy olhou para o chão e depois voltou a olhar Jack.

— Estava se escondendo de mim? — perguntou ela.

Jack negou muito devagar com a cabeça e respondeu:

— Para falar a verdade, não.

Parecia muito tranquilo, mas a tensão que havia entre eles era evidente. Jack a olhava

intensamente; passeou os olhos por seu vestido e esboçou um sorriso zombador.

— A oficina mudou muito — disse ela rompendo o silêncio. — Deve se sentir orgulhoso,

Jack.

Voltou a olhar à cara e ao deixar cair os braços aos lados, disse:

— Não veio aqui para me dizer isso.

— Não — admitiu Daisy.

Jack se separou da porta e aproximou-se dela. O eco de suas botas tinha um tom

ameaçador. Daisy se apoiou a um dos lados do carro para se obrigar a não sair correndo.

— Adverti o que aconteceria se viesse aqui hoje — recordou Jack.

Não precisou perguntar a que se referia. Sabia perfeitamente. Daisy sentia o coração em sua

garganta.

— Vim conversar.

— Então não teria que ter se vestido assim — insistiu Jack.

Daisy observou o vestido de sua mãe e perguntou:

— Refere-se a isto? — Apesar do nó que oprimia a garganta, Daisy riu. — É horrível.

— Exatamente. Está pedindo a gritos que tire isso e o jogue ao fogo. — Jack estava tão perto

dela que Tiger e Winnie the Pooh quase roçavam a camiseta.

Por cima do ombro de Jack, Daisy viu o pôster de uma mulher seminua deitada sobre o capô

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de um Nova.

— Precisamos falar agora mesmo — insistiu Daisy.

Jack passou a ponta dos dedos pelo queixo para obrigá-la a olhá-lo e disse:

— Agora não. — Repassou a linha da mandíbula de Daisy com o dedo e inclinou a cabeça até

que seus narizes se tocaram. — Mesmo com esse ridículo vestido, me põe a cem. — O coração de

Daisy despencou; não podia respirar.

— É inclusive mais bonita agora que antes. E já então era tão bonita que me doía te olhar. —

Acariciou os lábios com os seus e beijou um extremo de sua boca.

— Passei a manhã desejando e temendo que cruzasse essa porta. — Roçou sua bochecha

com os lábios. — Não deveria ter voltado, Daisy Lê. Deveria ter ficado onde estava, mas não o fez.

Agora está aqui e não posso pensar em outra coisa que em possuir-te. Entrar em seu úmido e

quente interior, onde sei que deseja que esteja. — Tocou o lóbulo de sua orelha com a ponta da

língua e a bolsa de Daisy caiu ao chão.

— A primeira noite que te vi, disse que isto não ocorreria. Mas me equivoquei, Daisy.

O calor de seu fôlego se estendeu por seu pescoço e percorreu a pele de todo o corpo. O

desejo endureceu os mamilos e umedeceu a virilha. Precisava parar aquilo imediatamente ou se

deixaria ir.

— Jack, escuta... — rogou Daisy.

— Isto era inevitável desde que pôs os pés na cidade. Estou cansado de me opor— disse Jack

interrompendo ao mesmo tempo que colocava a palma da mão em sua bochecha e acariciava a

têmpora com o polegar tentando acalmá-la.

— Me diga que você também o sente. Me diga que você o deseja tanto como eu.

— Sim, mas...

— Podemos falar depois... depois de fazer amor — insistiu ele.

Daisy apoiou as mãos no peito de Jack, sobre sua camiseta. Seus músculos esticaram e tudo

em seu corpo pareceu paralisar; exceto seu coração, que pulsava tão rápido como o de Daisy. Se

faziam amor, resultaria ainda mais difícil falar de Nathan. Não tomou a decisão de maneira

consciente; simplesmente deixou levar. O desejo que sentia era muito potente para fugir por mais

tempo. Fazia mais de dois anos que não estava com um homem que a desejasse, e não dispunha

agora de força de vontade suficiente para resistir a Jack. Tinha razão, era inevitável.

— Promete que depois falaremos? — rogou Daisy.

— Deus, sim — respondeu Jack com ímpeto agarrando-a pelo vestido. — O que você quiser,

Daisy.

Durante dias, o corpo de Daisy respondeu à presença de Jack como se revivesse a paixão que

a fez sentir. E aí estavam agora. Um em frente do outro. Daisy se separou ligeiramente, olhou à

cara e perguntou:

— Ontem à noite, quando foi embora, acabou com outra mulher?

— Quase, mas desejava você.

Tirou o vestido por cima da cabeça e o lançou sobre o Corvette. Ela não tentou detê-lo e a

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camiseta que usava por baixo foi reunir se com o vestido. Daisy estava de calcinha, sutiã e

sapatilha, iluminada pela luz do sol que entrava pelas janelas. Sem dar tempo a pensar, Jack a

apertou contra seu peito e Daisy quase perdeu o contato com o chão. Passou os braços ao redor

do pescoço, e quando seus seios se esmagaram contra o peito de Jack, ele inclinou a cabeça e a

beijou com paixão.

Incapaz de se conter, Daisy se viu imersa em um torvelinho de luxúria e desejo. E gostou.

Talvez inclusive muito. O roce carnal da língua de Jack provocou uma resposta de sua parte

igualmente carnal. Ao sentir o algodão da camiseta de Jack e o roce de seus Levis contra a pele

nua, um calafrio percorreu suas costas. Ela enredou os dois dedos em seu cabelo enquanto ele a

beijava sem descanso. Apertou-se contra ele, tentando sentir ainda mais. Desejava-o com tal

intensidade que sua pele parecia em carne viva.

Fazia tanto tempo. Muito tempo para ir devagar. Um gemido de frustração se afogou em sua

garganta ao voltar a apoiar os pés no chão. Daisy sentiu a dura ereção de Jack contra seu ventre

enquanto lambia a pele de seu pescoço.

— É gostoso. Quero te comer de cima abaixo — sussurrou Daisy.

— OH, sim, Daisy — grunhiu Jack enquanto suas mãos percorriam as costas nua dela...

Puxou o elástico que segurava os fios dos cabelos e deixou que caíssem sobre os ombros.

Puxou algumas mechas para que jogasse a cabeça para trás e a beijou de novo. Com a mão livre se

encarregou de desabotoar o sutiã. Tirou-o e o lançou sobre o porta-malas do carro branco e

vermelho. Seguiu beijando-a enquanto abrangia os seios com as mãos. Seus mamilos se apertaram

contra as palmas de suas mãos, e Daisy deslizou as suas por debaixo da camiseta de Jack para

acariciar o peito, o ventre e as costas.

Ele levou as mãos para o traseiro de Daisy e aferrou suas nádegas. Elevou e a apoiou no

porta-malas do carro, e Daisy colocou os pés descalços sobre o para-choque cromado. Ao notar o

frio do metal, abandonou por um momento a nuvem em que se encontrava, e se deu conta de que

estava sentada sob um capô, sem mais nada sobre o corpo alem de sua calcinha.

Cobriu os seios com as mãos.

— Que carro é este? — perguntou Daisy para dissimular seu repentino desconforto.

— O que tem debaixo é um Custom Lancer — respondeu Jack, tirando a camiseta e lançando

para onde jazia o vestido. — Me parece do mais apropriado para fazer o que tenho pensado.

Ela mordeu o lábio e perguntou:

— O que é que tem pensado?

— Vamos experimentar os níveis de suspensão. — Jack separou os joelhos e se colocou

entre suas coxas. — Baixa as mãos, florzinha.

Quando deu a luz a Nathan, seus seios cresceram bastante e já não haviam tornado a perder

volume.

— São maiores que antes — disse Daisy.

— Já me dei conta. — Jack a agarrou pelos pulsos e acrescentou. — Quero comprovar se

segue tendo aquela pequena marca em forma de chupão.

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— Sim.

Não a obrigou a baixar as mãos, simplesmente limitou a dizer:

— Segure-me.

— Tenho estrias— advertiu Daisy. As finas linhas brancas não eram visíveis, mas estavam aí.

— Quero te ver inteira, Daisy.

— Estou mais velha, Jack— lamentou ela.

— Eu também.

Daisy inclinou-se para frente e beijou-o no ombro nu.

— Não, está melhor que antes — disse Daisy. Beijou no vão da garganta e ele separou as

mãos dos seios de Daisy e as colocou na cintura de sua calça.

— Desabotoe — disse Jack apaixonadamente. Introduziu a mão no bolso traseiro de sua

calça e extraiu uma camisinha que deixou em cima do porta-malas do Custom.

Daisy brigou com o botão metálico até que o abriu. Não usava roupa interior; abriu pouco a

pouco o zíper e deixou ao descoberto a linha de pelos que ia do umbigo até a virilha. Daisy

levantou o olhar e o cravou em seu rosto enquanto introduzia a mão dentro da calça. Pressionou

seu duro pênis com a palma da mão e Jack a olhou fixamente: seus olhos ardiam de paixão.

— Tira-o - disse Jack com voz rouca.

Puxou a calça e a baixou até as coxas. Sua ereção saltou para ela, apontando como uma

figura de mármore grande e suave. Ela aferrou seu membro com a mão. Notou seu calor enquanto

percorria sua alongada forma.

Daisy deslizou até sentar no para-choque e o beijou na ponta. Não planejou fazer isso, mas

fazia muito tempo que ela não passava por algo assim e o anseio a dominava. Ficava um resto de

umidade na fenda e ela o lambeu. Cheirava bem, saboreava ainda melhor, e era maior do que ela

recordava. Embora talvez simplesmente o esqueceu. Ele grunhiu de prazer, um prazer que ardia

no mais profundo de seu peito, e separou o cabelo do rosto de Daisy. Ela elevou o olhar e olhou

nos olhos ao mesmo tempo que enchia ainda mais a boca.

Respirou fundo pelo nariz.

— Ah, Daisy — sussurrou Jack jogando a cabeça para trás. Foi ele, muitos anos atrás, que

ensinou-a a agradá-lo desse modo. Não esqueceu seus conselhos. Com uma mão acariciou a coxa

e depois apertou a nádega.

Com a outra mão abrangeu os testículo. Com a língua notou o pulsar de Jack justo em cima

da glande. Daisy tinha a impressão de que nem havia começado quando Jack a obrigou a se retirar.

— Não quero acabar assim — disse Jack, e voltou a sentá-la sobre o porta-malas do carro.

Fez que se tombasse e tirou a calcinha. Depois ficou entre suas pernas. Com o olhar percorreu seu

rosto, seu pescoço e seus seios. Inclinou-se para diante e se acoplou entre suas coxas. — Faz que

volte a me sentir como um adolescente — disse apoiando todo seu peso nos antebraços, perto

dos ombros de Daisy. — Como se fosse gozar antes que comece o bom.

Ela arqueou as costas e disse em um gemido:

— Então comecemos com o bom.

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— Daisy.

— Mmm?

Jack beijou a marca de nascimento de Daisy e roçou com os lábios seus mamilos.

— Seus seios são tão formosos como sempre.

Ela teria rido ou haveria feito algum comentário, mas Jack abriu a boca e abraçou com os

lábios o mamilo. Assim Daisy não falou, limitou-se a segurar os cabelos com os dedos. Daisy

fechou os olhos e deixou que as ondas de sensações percorressem seu corpo até que começou a

temer ser ela a que gozasse antes que começasse o bom.

— Daisy, abre os olhos e me olhe.

Assim fez. E Jack, por sua vez, dedicou um olhar intenso e febril. Agarrou a camisinha e abriu

o pacote.

— Quero ver seu rosto quando estiver dentro de você — disse Jack, e colocou o preservativo

fazendo rodar por seu pênis até tocar o pelo púbico. Passou as mãos por debaixo das nádegas de

Daisy e a puxou até colocá-la na borda do porta-malas. — E quero que me veja.

Daisy se inundou nos profundos olhos verdes de Jack, tão familiares para ela.

— Estou vendo — disse quando Jack a agarrou pelas coxas.

Penetrou-a com um movimento suave mas direto que chegou ao cérvix. Jack apertou as

coxas com mais força e ela arqueou as costas. Daisy gritou de prazer e dor, não estava segura de

qual das duas sensações era mais aguda.

— Merda — disse Jack entre dentes, e depois emoldurou com suas mãos o rosto de Daisy. —

Desculpa. — Beijou-a na bochecha e no nariz e sussurrou junto a sua boca. — Sinto, Daisy. Sinto

muito. Agora não te farei mal. Prometo isso. — retirou e voltou a entrar com mais cuidado.

Daisy pensou em o bem que cumpria Jack suas promessas. Muito devagar, proporcionou um

incrível prazer mediante cuidadosas investidas.

Olhou-a nos olhos sem deixar de mover e perguntou:

— Melhor agora?

— Mmm, sim.

— Diga isso — pediu ele.

— Magnífico, Jack. — apropriou-se dela uma sensação de gravidade zero e se agarrou aos

ombros de Jack — Não pare. Faça o que faça, não pare.

— Não tenho intenção — assegurou ele enquanto ia inclinando a pélvis para cima sem

deixar de entrar e sair.

Uma onda de calor que nascia no ponto no que ambos os corpos se uniam percorreu a pele

de Daisy, e apertou os dedos com força. Esse ritmo pausado a estava pondo a cem.

— Mais. Me dê mais, Jack.

Beijou-a na fronte e seu fôlego acariciou a têmpora. Começou a investir mais rápido, com

mais força. Dentro, fora... Levando-a para o clímax.

— Daisy Lê?

O nome de Daisy nos lábios de Jack soou a pergunta, como se desejasse que ela se

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aproximasse ainda mais. Daisy não atendia mais que a seu crescente prazer, até que abriu a boca e

soltou um grito.

O som se afogou em sua garganta enquanto as ondas de satisfação cresciam em seu interior.

Seus músculos contraíram-se, prendendo Jack com força. Não parou, mas sim seguiu bombeando.

O quente fôlego continuou acariciando sua têmpora até que, finalmente, Jack a investiu com tal

força que Daisy foi parar à parte de cima do porta-malas.

Gritou seu nome e de Deus em uma só e indecifrável sentença. Apertou contra seu peito,

como se desejasse absorvê-la e a penetrou uma última vez. Um profundo som ressonou em sua

garganta, um som a meio caminho entre um grunhido e uma exclamação.

Daisy viu manchas ao fechar as pálpebras e começaram a zumbir os ouvidos. Ia perder o

sentido. Em cima do Custom Lancer. Ia acontecer. Tal como Jack disse, e não importava o mínimo.

Entretanto não desmaiou. Na realidade, não. Mas estava tão entontecida que temia mover-

se. Fazia tanto tempo que não praticava o sexo que esqueceu como podia chegar a ser bom. E,

sem dúvida, nesta ocasião foi. Embora, no ponto onde seguiam unidos, ainda sentia um

formigamento. Isso esqueceu. Ou talvez nunca ocorreu antes.

Jack permaneceu dentro de seu corpo, com o peito apertado contra seus seios e a fronte

recostada no carro, junto a sua orelha direita. Podia sentir o batimento de seu coração.

Daisy abriu os olhos e observou a luminária sobre suas cabeças. Jack Parrish a levou a um

lugar no que jamais esteve. Proporcionou um orgasmo devastador que fez contrair os dedos dos

pés e quase fez perder a consciência. Não sabia o que pensar. De fato, não podia pensar. Estava

completamente aniquilada.

Jack se elevou apoiando nos antebraços e a olhou à cara. Um lento sorriso de satisfação foi

desenhando lentamente em seu rosto.

— Vá. É inclusive melhor que aos dezoito — disse Jack assombrado.

Daisy observou aqueles olhos verdes tão sedutores e voltou a se sentir viva. Pois esteve

morta interiormente durante muito tempo e nem sequer o soube até esse momento. Foi como ver

a luz do sol depois de ter ficado presa na escuridão. Uma emoção incontrolável a invadiu, e fez o

pior que podia fazer.

Começou a chorar.

Capítulo 10

Ninguém nunca chorou diante de Jack. Ao menos justo depois de fazer amor com ele. Por

Deus, mas se Daisy nem sequer chorou a noite em que arrebatou a virgindade!

Deixou a camiseta sobre a bancada da cozinha e olhou de soslaio Daisy, que estava do outro

lado do quarto, com os braços cruzados, olhando os dedos dos pés. Jack recordou a noite que

voltou a vê-la depois de sua volta, com sua capa de chuva amarela. Agora usava um ridículo

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vestido com desenhos do Winnie the Pooh, o mesmo que a ajudou a colocar há uns minutos. Essa

mulher ia deixa-lo louco. Há só uns instantes estava desfrutando, ofegando, arranhando-o de

prazer e pedindo cada vez mais. E agora chorava como uma madalena. Que demônios aconteceu?

Jack se desculpou e a deixou uns segundos para ir jogar o preservativo no lavabo dos

empregados, e quando retornou, Daisy estava brigando com o vestido, procurando, sem êxito, o

buraco por onde colocar a cabeça. Jack estava convencido de que, se tivesse podido vestir-se com

rapidez, Daisy já teria ido. E talvez teria sido o melhor.

Estava tão nervosa que teve que ajudá-la a colocar o vestido, apesar de que o que teria

gostado de fazer era atirá-lo ao lixo. Colocou a bolsa no ombro e, em vez de deixar que partisse,

tal como teria atuado com qualquer outra mulher histérica que tivesse posto a chorar, levou para

sua casa. Não sabia dizer por que. Talvez devido a que prometeu que falariam depois de fazer

amor.

Sim, era por isso, mas agora que tinha a mente limpa não gostava de absolutamente escutar

o que ela pudesse dizer. A menos que tivesse que ver com o fato de haver feito amor. Jack

acreditava que o desejo que sentia por Daisy desapareceria uma vez houvessem feito amor. Não

foi assim, e isso incomodou porque não queria ficar pensando o que isso podia significar.

Não queria sentir nada por Daisy. Nem sequer desejo.

Abriu a geladeira e tirou uma caixa de leite. Antes que sua mente começasse a especular

com a possibilidade de levá-la a seu quarto, parou e disse a si mesmo que Daisy estava alterada,

cheia de lágrimas e, sobre tudo, que era Daisy Monroe. Três razões de peso para ficar na cozinha e

enterrar as mãos nos bolsos.

— Antes de me desculpar — disse Jack enquanto fechava a porta da geladeira com o pé, —

eu gostaria de saber do que preciso me desculpar.

Daisy olhou-o. Tinha dois borrões escuros sob os olhos avermelhados e o rosto em desastre.

— Não fez nada, Jack.

Ele tampouco acreditava que fez algo errado, mas quando se tratava de mulheres, nunca

podia estar seguro de tudo. Se não havia nenhum problema, inventavam.

— Quer beber algo? — Ofereceu Jack, mas Daisy negou com a cabeça e ele, sem deixar de

observá-la, levou a vasilha de leite à boca. Deixou de beber e enxugou os lábios. Talvez foi muito

rude. Esqueceu que Daisy estava muito tempo sem fazer amor. — Fiz algum dano?

Ela passou a mão pelas bochechas e disse:

— Não.

Jack deixou o leite sobre a bancada e abriu um armário. Encheu um copo com água e gelo e

cruzou a cozinha para dar. Roçou os dedos ao passar e perguntou:

— Por que chora, Daisy?

— Não sei — respondeu ela.

— Eu acredito que sim, sabe — assegurou Jack. Daisy tinha uma pinta horrível. Parecia

assustada, mas, por alguma razão, a única coisa que assustava Jack nesse momento, era o muito

que seguia desejando-a.

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— Diga o que é, Daisy.

Daisy deu um longo trago ao copo de água e, depois, apoiou o frio cristal em sua bochecha e

reconheceu:

— Dá muita vergonha.

E ficou vermelha como um tomate.

— Conta-o de todos os modos. — Em vez de manter certa distância tal como deveria ter

feito, Jack se inclinou para ela.

Daisy elevou a vista, olhou pela extremidade do olho e se fixou então na caixa com a imagem

do Monstro das Bolachas que havia sobre a bancada.

— O Monstro das Bolachas? - perguntou Daisy.

— As filhas de Billy me deram de presente no último Natal junto com uma bolsa de bolachas

Arejo. Mas não mude de assunto.

Daisy manteve a vista cravada na caixa, respirou fundo e admitiu:

— Esqueci o que era o sexo. — Deu de ombros e logo prosseguiu. — Você me lembrou isso.

— Isso é tudo? — Perguntou Jack, que estava convencido de que devia haver algo mais.

— Bom, não esteve mal — disse Daisy.

— Daisy, esteve melhor que bem. — Corrigiu Jack.

Fizeram amor com a urgência de dois famintos em um bufê livre. As bocas, as mãos febris,

dominadas por uma ânsia insaciável. Daisy se mostrou muito mais excitada que qualquer uma das

mulheres com as que esteve, e o arrastou até um orgasmo que atravessou o corpo de cima abaixo.

Era uma sorte que Daisy se fosse no dia seguinte, porque apesar de que se repetia uma e

outra vez que não iria atrás dela de novo, não podia assegurar-se que não estivesse mentindo.

— Dizer que esteve bem é como dizer que Rio Grande é só um riacho. Dizer isso é não dizer

nada. — Jack agarrou o queixo e a obrigou a olhá-lo. Grudaram as pestanas. Acariciou com as

pontas dos dedos e depois separou a mão.

— Por que passou tanto tempo sem fazer sexo?

A Daisy subiram ainda mais as cores e espetou:

— Isso não é teu assunto.

— Não fez nada em dois anos, mas deitou comigo. Acredito que isso o converte em meu

assunto.

Daisy franziu o cenho e deixou o copo sobre a bancada. Quando Jack acreditava que já não ia

responder, ela disse:

— Durante os últimos anos de sua vida, Steven não pôde fazer.

Isso surpreendeu Jack, que perguntou:

— E você não procurou nada por aí?

— É obvio que não. Que pergunta! — disse Daisy um pouco ofendida.

Tampouco disse algo tão estranho. No final, quinze anos atrás Daisy se casou com o Steven

apesar de estar se deitando com Jack.

— Algumas mulheres fariam - assegurou ele.

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— Eu não. Sempre fui fiel a Steven.

— Morreu faz sete meses — recordou Jack.

— Quase oito — precisou Daisy.

— Oito meses é muito tempo sem manter relações — assegurou Jack.

Daisy ficou olhando a boca de Jack e logo passou os olhos por sua garganta, até parar em seu

peito.

— Talvez para algumas pessoas sim — disse então Daisy.

—- Para algumas não, para a maioria.

Daisy separou a vista e disse:

— Já sabe o que dizem: "Se não fizer se esquece." É certo.

— Pois está claro que você não esqueceu.

Daisy agarrou o copo e o levou a pia. Olhou pela janela, para o jardim, e deu um longo gole

de água. Baixou o copo, apoiou as mãos na bancada, e disse:

— Durante um tempo, esqueci. Quando se vive com alguém que está morrendo, o sexo

deixa de ser uma prioridade. Acredite em mim. Sua vida se concentra em visitas a médicos e busca

de novas terapias. Tenta encontrar a medicação adequada para combater os ataques e a dor.

Jack observou atentamente Daisy. Não queria conhecer todos esses detalhes, não queria

sentir lástima pelo Steven, mas ainda assim não pôde evitar perguntar:

— Sofreu muito?

Daisy deu de ombros.

— Nunca quis admitir, mas sim. Quando perguntava, se limitava a me agarrar pelo braço e

me dizer que não me preocupasse com ele. — Deixou escapar uma gargalhada bem amarga. — Eu

fingia não me preocupar com ele, que tudo ia bem. Para e ele era melhor.

— Steven sempre foi melhor que nós fingindo — recordou Jack. Durante anos Steven

aparentou que Daisy era só uma amiga para ele. Seu colega. Steven soube montar melhor que

Jack.

Ela assentiu.

— Fingiu até o último momento — disse. — Entrou em coma e essa mesma noite morreu.

Estava em casa. — Voltou ligeiramente a cabeça e seus olhares se encontraram. — Nathan e eu o

vimos soltar o último suspiro. Ser testemunha de algo assim muda para sempre. Vê com maior

clareza quais são as coisas realmente importantes. — Tragou saliva com dificuldade. — Te dá

conta de que há coisas que devem fazer bem.

Jack estava imóvel, tinha um nó no estômago. As palavras de Daisy afetaram muito mais do

que teria esperado. Não viu morrer a seus pais, e estava agradecido por isso. Já tinha suficiente

lembrança desagradáveis.

— Sabia que o interior de alguns ataúdes está recoberto de um acolchoado? — perguntou

Daisy.

— Sim — respondeu Jack. Billy e ele tiveram que escolher dois. Naquele momento, Jack não

dispunha de dinheiro suficiente para confrontar um gasto excessivo. Seus pais foram enterrados

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em ataúdes baratos mas com uns bonitos travesseiros. — Sabia.

— OH, claro — exclamou Daisy enquanto voltava a olhar pela janela. — Recordo o enterro

de seus pais. Era muito jovem para ter que passar algo assim. Nesse momento não me dava conta

de como pode chegar a ser duro. Agora sei.

Jack caminhou uns passos até colocar-se às costas de Daisy e elevou as mãos com a intenção

de segurá-la pelos braços. Mas antes de chegar a tocá-la pensou melhor e voltou a baixar as mãos.

Daisy tirou o envelope do bolso de seu horrível vestido e o deixou junto à pia.

— Esta é a carta do Steven da qual te falei — disse.

Jack não queria lê-la e se sentia mal por isso. Entretanto, negava-se a rememorar o buraco

negro que foi seu passado.

— Steven e eu nunca quisemos te fazer mal, Jack— disse ela. — Fomos bons amigos, e nossa

amizade jamais deveria ter acabado desse modo. Fomos jovens e estúpidos. A noite que viemos te

ver, segue sendo uma das lembranças mais negras de minha vida. — Daisy fez uma pausa e

acrescentou em um sussurro. — Aquela noite também usava uma camiseta branca.

Sim. Era uma noite de lua cheia. Pediu a Daisy que não o abandonasse. Deu uma boa surra

em seu melhor amigo, e agora esse amigo estava morto. Algo em seu interior também morreu

aquela noite. Por alguma razão, falar disso essa manhã o fazia mais real do que o foi durante

muitos anos.

— Já basta, Daisy. — Jack a agarrou pelos braços, por debaixo das mangas da camiseta. —

Não diga nada mais.

— Preciso fazê-lo, Jack. — Daisy olhou por cima do ombro e prosseguiu. — Quando me disse

que necessitava que nos separássemos durante um tempo, me assustei. Não soube o que fazer.

Precisa entender como estava assustada...

Elevou o queixo com os dedos e a beijou, silenciando desse modo suas palavras. A atraiu

para seu peito nu e passou as mãos ao redor da cintura. Não queria ouvir nenhuma palavra mais;

só desejava sentir.

Sentir o corpo de Daisy contra o seu. Nus. Queria que o sexo voltasse a envolvê-lo na

inconsciência até conseguir jogar Daisy de seus pensamentos. Até tirá-la de sua cabeça. No

princípio, Daisy não fez nada, mas quando Jack suavizou a intensidade do beijo, ela separou

ligeiramente seus lábios. Era um silencioso convite a seguir adiante. Soou o telefone mas Jack não

se alterou. Ouvia soar enquanto introduzia a língua na boca de Daisy e desfrutava de seu calor e

sua doçura, tal como o fez a uns instantes, em cima do porta-malas do Custom Lancer.

Daisy tinha sabor de coisas durante longo tempo esquecidas: sua suave pele, o desejo e a

luxúria, e também o amor que partiu em dois seu coração.

Jack deixou a um lado todas essas lembranças e abrangeu um dos seios de Daisy com a mão.

Deixou que o telefone seguisse soando e ficou entre suas pernas.

— Daisy — disse junto a seu ouvido inspirando profundamente para sentir o perfume de seu

cabelo. — Vamos para minha cama. Deixa que te recorde uma vez mais o que é sexo.

O telefone deixou de soar, mas começou outra vez quase imediatamente. Daisy se livrou de

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seu abraço e cruzou a cozinha.

— Talvez seja algo importante - disse Daisy.

Fazia uma ideia de quem podia ser. Buddy Calhoun disse que passaria para pegar o Corvair

Monza da oficina e o levaria a sua garagem em Lubbock. Buddy era um dos melhores mecânicos

do estado, e um dos poucos restauradores aos que Jack se atrevia a confiar seus carros. Mas nesse

momento o importunava. Em vez de ir atrás de Daisy, aproximou-se do telefone com passo firme.

— Espero que seja importante — disse Jack para trás desprendendo o auricular.

— Olá — disse uma voz feminina, — sou Louella Brooks. Daisy esta aí?

Jack olhou Daisy.

— Ah, olá, senhora Brooks. Sim, está aqui.

Daisy cruzou a cozinha e agarrou o telefone.

— Sim? — Elevou o olhar e franziu o cenho. — Como? O que aconteceu? Está bem? —

Arqueou as sobrancelhas. — Bem. Onde está Pippen? — levou uma mão à cara. — Graças a Deus.

— Fez uma pausa e acrescentou. — De acordo. Vou agora mesmo. — Pendurou o auricular e se

voltou para o Jack.

— O que aconteceu?

— Minha irmã perdeu definitivamente a cabeça. Isso foi o que aconteceu — respondeu

Daisy enquanto dirigia-se para a bancada para recolher sua bolsa.

Jack tentou esquecer da dor que sentia na virilha e enquanto alongava o braço para colocar

sua camiseta, perguntou:

— Lily está bem?

— Não, está louca. O que faziam ela e minha mãe antes que eu viesse? — perguntou

distraída enquanto procurava as chaves dentro da bolsa. — Ir por aí fazendo coisas estranhas? O

que vão fazer quando eu for? — Cruzou a cozinha e o salão. — Meu Deus, ao que parece sou a

única que tem a cabeça sobre os ombros aqui. O que acha?

Jack não respondeu, supôs que se tratava de uma pergunta retórica e não queria preocupá-

la mais. Através da tela da porta, Jack a viu subir no carro de sua mãe e se afastar. O brilho das

luzes de freio do Cadillac e o chiar das rodas ao voltear a rua... era a última coisa que Jack

esperava ver ou escutar de Daisy Monroe.

Jack retornou à cozinha. Colocou o leite na geladeira e posou o olhar no envelope branco

que deixou Daisy. A carta do Steven. Agarrou e deu uma olhada. Tinha seu nome escrito em

maiúsculas.

Abriu a porta de um armário e deixou-o entre dois pacotes de café. Algum dia a leria. Mas

ainda não. Ao menos enquanto tivesse tão fresca a imagem do corpo nu de Daisy sobre o porta-

malas do Custom Lancer, enquanto tivesse na boca o sabor da mulher de Steven.

Desde que Daisy apareceu pela cidade, Jack não deixou de perguntar se deitar com ela seria

sendo tão estupendo como ele recordava. Agora já tinha a resposta: era ainda melhor. Melhor em

um sentido que não sabia como definir. A única coisa que podia dizer era que estar com ela foi

diferente. Foi algo mais que sexo. Algo mais que o prazer que estava acostumado a receber nos

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braços de uma mulher. Algo mais que uma foda em cima do porta-malas de um carro.

Não era amor. Sabia com segurança que não estava apaixonado por Daisy Lê. Apaixonar-se

por Daisy seria uma completa estupidez, e ele não era estúpido. Não sabia dizer por que estar com

ela foi diferente, e tampouco queria saber. Não era o tipo de homem que dedicasse sua vida

procurando significados ocultos. Uma coisa tinha clara: fazer amor com ela foi a melhor

experiência sexual que teve em muito tempo, de modo que se alegrava de que Daisy partisse no

dia seguinte, pois desse modo poderia retomar o fio de sua vida. A que usava antes que ela

aparecesse pela cidade e desenterrasse um montão de lembranças que mais valia esquecer.

Agora Daisy se foi e não havia razão alguma para seguir pensando nela.

Nenhuma.

Um carro patrulha saiu da casa de Ronnie quando Daisy e Louella passaram pela frente a

caminho do hospital. Pegaram umas poucas quadras de Locust Grove, e queriam ver a destruição

com seus próprios olhos. Ronnie vivia em uma pequena casa de estuque cor bege, e alguém na

entrada colocou a caveira de uma vaca de longos chifres em cima da porta. O jardim da entrada

era pouco mais que um punhado de ervas daninhas e, a não ser pela presença do Ford Taurus

vermelho de Lily embutido contra a sala da casa, poderia dizer que seu aspecto era do mais

insignificante.

— Ronnie se encontrava em casa? — perguntou Daisy justo antes de acelerar. Supôs que os

policiais estariam muito ocupados com o Taurus de Lily para se preocupar por um carro que

acelerasse na metade da rua.

— Não acredito, mas não saberemos até que cheguemos ao hospital — respondeu sua mãe.

Daisy odiava os hospitais. Todos cheiravam igual e davam a mesma impressão,

independentemente da cidade ou o estado onde se encontravam. Eram estéreis e frios. Passou

neles tempo suficiente para saber que podiam dar medicamentos ou conselhos, mas raramente

boas notícias.

Daisy e sua mãe atravessaram a porta de urgências e, depois de uns minutos, chegaram

junto a Lily. Pippen ficou na casa de uma vizinha de Louella; que não estivesse com elas era o

melhor. Assim que a enfermeira abriu a cortina verde e azul que separava as camas, Louella se pôs

a chorar.

— Tranquila, mamãe — disse Daisy, sentindo de repente que era o único membro da família

que estava em condições. Deu a mão a sua mãe e a apertou. — Lily ficará bem.

Mas Lily não parecia estar bem. Tinha o lado esquerdo do rosto inchado e uma ferida na

fronte. O sangue manchou o cabelo e os extremos dos olhos, que mantinha fechados. Uma

bandagem impedia de mover o braço esquerdo, também inchado e, à exceção do ponto pelo qual

sangrou, quase sem cor. No braço direito não usava bandagem: cortaram a manga e colocaram

uma intravenosa. O doutor, um jovem com bata verde, elevou o lençol para escutar o coração e os

pulmões. Olhou Daisy e a sua mãe por trás de uns óculos com arreios metálicos.

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Louella avançou até a cabeceira e Daisy a seguiu.

— Lily Belle. Mamãe está aqui. E Daisy também.

Lily não respondeu e Daisy estendeu a mão para acariciar a parte do rosto que não estava

machucado. Estava muito pálida, e, se não fosse pelo rítmico subir e descer de seu peito, Daisy

teria acreditado que estava morta. Eram muitas emoções para um só dia, e Daisy sentiu que em

seu interior o piloto automático se ativava e todas suas sensações se adormeciam.

— Como vai ela, doutor? — perguntou Louella.

— Pelo que sabemos até agora — respondeu o jovem médico — é que tem feridas no braço

esquerdo e na fronte, e que ao que parece fraturou o tornozelo. Não saberemos nada mais até

que façamos uma exploração.

— Por que não está acordada? — perguntou de novo Louella.

— Levou um bom golpe na fronte. Não parece que fraturou o crânio, e suas pupilas

respondem aos estímulos. Teremos mais detalhe quando virmos as radiografias.

— Houve mais algum ferido no acidente? — perguntou Daisy rogando para que Lily não

tenha levado pela frente Ronnie e Kelly.

— Foi a única pessoa que nos trouxeram — respondeu o agente.

Aquilo não queria dizer nada. Ronnie e Kelly poderiam ser atendidos no lugar dos fatos ou

talvez, Deus não o quisesse, morreram ali mesmo. Daisy não viu Ronnie, mas tampouco parou ali o

tempo suficiente. Ficaram com Lily só uns minutos; logo iriam levá-la. Disseram que o doutor

apareceria em seguida para falar com elas, mas Daisy sabia que esse "em seguida" podia significar

algumas horas.

Levaram a uma pequena sala de espera; era parecida com todas as que Daisy viu antes, que

eram muitas, e supôs que todos os hospitais escolhiam mais ou menos as mesmas cores. Azul,

verde e um toque de granada. Sentaram juntas em um pequeno sofá azul. Sobre a mesinha que

tinham em frente havia um exemplar do Reader's Digest, outro do Newsweek e uma Bíblia. Leu

um montão de Reader's Digest nos dois últimos anos e meio, e nem sequer tinha assinatura.

Junto à porta, um homem e uma mulher falavam em sussurros como se temessem perder o

controle e ficar a gritar se subiam um pouco o tom de voz. Daisy conhecia essa sensação. Passou

por isso algumas vezes: tentava encontrar distrações para não tornar a gritar e conseguir não

desmoronar, concentrar em algo bonito, ou inclusive na própria respiração, para fingir que seu

marido não estava morrendo.

E agora sua irmã estava em uma cama de hospital com seu formoso cabelo loiro coberto de

sangue. Agarrou Reader's Digest e passou as páginas até chegar à seção "Humor em uniforme".

— Estava muito pálida — disse Louella com um ligeiro tremor na voz. — Havia muito sangue.

— O couro cabeludo sangra muito, mamãe — explicou Daisy friamente, como se não

estivesse tremendo por dentro, onde estava acostumado a guardar tudo. No mais profundo de

seu ser, onde ninguém pudesse encontrá-lo. Converteu-se em uma perita na arte de manter

ocultas suas emoções. Não deixava que as coisas se aproximassem muito à superfície, do contrário

sabia que escapariam das mãos. Como aconteceu com Jack essa mesma manhã.

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— Como sabe? — perguntou Louella.

— Steven — respondeu Daisy, e se concentrou ainda mais na revista. Não queria pensar em

Jack. Teria que lutar com ele e com as repercussões do que fez, mas não nesse momento. Colocou

tudo relacionado com Jack no número dois de sua lista de tarefas. Lily e a possibilidade de que a

acusassem de tentativa de assassinato ocupavam agora o número um. Perguntou quanto

custariam as sessões de um bom psicólogo.

— Por que não quiseram nos dizer nada?

— Porque de momento não sabem nada — respondeu Daisy.

Um policial de uniforme entrou na sala e perguntou se eram familiares de Lily. Usava o

cabelo talhado ao corte de barba e parecia um levantador de pesos. Identificou-se como agente

Neal Flegel.

— Estudei na escola com Lily e Ronnie - acrescentou.

— É o irmão mais novo do Matt. — Daisy deu-lhe a mão. — Fui ao baile da escola com Matt

no penúltimo curso. Segue vivendo em Lovett? — perguntou; no final estavam no Texas, e os bons

modos vinham em primeiro lugar.

— Mudou de novo para São Antônio. Direi que perguntou por ele. — Tirou sua caderneta e

colocou mãos a obra. — Te asseguro que me doeu muito ver Lily nesse carro. — Disse que o carro

de Lily entrou um metro e meio no salão da casa de Ronnie. E enquanto Daisy tentava imaginar

uma maneira sutil de perguntar se Lily matou Ronnie, Neal Flegel perguntou.

— Tem algum motivo para acreditar que fez de propósito?

Isso era, de fato, a primeira coisa e a única que Daisy pensou.

— Não — respondeu Daisy negando com a cabeça e tentando parecer surpreendida. — Deve

ter sido um acidente.

— Deve ter escorregado o pé— acrescentou Louella, e Daisy se perguntou se sua mãe

acreditava no que acabava de dizer. — E sofreu umas terríveis enxaquecas ultimamente —

prosseguiu Louella como se acabasse de ocorrer.

— Falamos com Ronnie e nos disse que brigaram recentemente — disse Neal.

— Falou com Ronnie hoje? — perguntou Daisy a ponto de começar a rir devido ao alívio. —

Depois do acidente?

— O localizamos na casa de sua noiva — explicou Neal.

— Então, não estava em casa? — quis saber Daisy.

— Nesse momento, não — precisou Neal.

— Graças a Deus! — exclamou Daisy. Sua irmã não seria julgada por assassinato. Estavam no

Texas. Se as pessoas pensavam assassinar a alguém, Texas não era o melhor estado do país para

fazer.

Por outra parte, as mulheres dos jurados do Texas estavam acostumadas a simpatizar com a

esposa de um cão traidor.

— Pode tratar-se talvez de uma tentativa de suicídio? — Perguntou Neal.

Suas palavras fizeram repensar Daisy e a sua mãe. Lily estava deprimida e cansada, mas

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Daisy não acreditava que queria acabar com sua vida. Com a de Ronnie já era outra coisa.

— Não — respondeu Louella — Acabava de encontrar trabalho na charcutaria3 do

Albertsons. As coisas começavam a ir bem.

— Eu estive com ela ontem à noite, e estava bem — disse Daisy ao agente. E era verdade.

Lily parecia encontrar-se bem. Daisy só teve que escutar Earl Had to Die duas vezes.

Uma quando se dirigiam ao Slim Clem's e a outra no caminho de volta a casa.

Neal formulou algumas perguntas mais e, quando se foi, Daisy disse a sua mãe:

— Acredita que tentava matar Ronnie?

— Daisy Lê, sua irmã escorregou o pé, isso é tudo. — E aí acabou a discussão.

Mas isso não era tudo. Ao menos para Daisy. Lily estava no hospital e cabia a possibilidade

de que a acusassem de assassinato, assim possivelmente não pudesse retornar a Seattle no dia

seguinte. Nathan não ia achar nenhuma graça.

Desculpou-se e se aproximou das cabines de telefone que havia junto às máquinas de

refrescos e de doces. Utilizou seu cartão Telefônico, e quando Nathan respondeu tentou se

mostrar contente.

Mas por quê? Supunha que era o que devia fazer.

— Olá, Nathan.

— Olá, mamãe.

Apesar de estar nervosa, foi direto ao ponto.

— Preciso te dizer uma coisa, e não vai gostar.

Depois de uma longa pausa, o moço perguntou:

— De que se trata?

— Sua tia Lily sofreu um grave acidente de carro esta manhã. Encontra-se no hospital.

Amanhã não poderei estar em casa.

Nathan não perguntou por Lily. Tinha quinze anos e só o preocupavam seus próprios

problemas.

— Não me faça isso — rogou a sua mãe.

— Nathan, tia Lily está muito mal — explicou Daisy.

— Sinto muito, mas me prometeu isso! — recordou Nathan.

— Nathan, não sabia que Lily ia enfiar seu carro no salão de Ronnie.

— Já cortei o cabelo! Não é justo. Não é justo, mamãe. Não vou ficar aqui. Ontem à noite

tentaram me obrigar a comer almôndegas.

Com toda probabilidade não tentaram obrigar, mas Nathan odiava almôndegas e preferiu

ver nisso uma conspiração. Uma razão mais para não querer ficar na casa da irmã de Steven. Daisy

suspirou e ficou entre a cabine e uma das máquinas de refrescos.

— Não sei o que fazer, Nate. Não posso deixar minha mãe e Lily agora. Não pense que estou

todo o dia de festa enquanto você passa mal.

— Então vou até você — disse Nathan.

3 É o ramo da culinária dedicado ao preparo dos produtos de carne de porco, como o bacon, presunto, salsichas...

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— O que?

— Mamãe, não suporto estar aqui, prefiro estar com você.

Daisy pensou no Jack.

— Não pode me fazer isto — insistiu Nathan. Daisy notou que lhe quebrava a voz, apesar de

seus esforços por evitá-lo. — Por favor, mamãe.

Que possibilidades existia que o moço topasse com Jack antes de falar com ele?

Virtualmente nenhuma. O mais provável era que ficasse vendo televisão na casa de sua avó. E em

caso de que se encontrassem de maneira acidental, o que aconteceria? Não se pareciam

fisicamente. Não se reconheceriam um ao outro. Nathan nunca perguntou por Jack, e duvidava

que recordasse sequer seu sobrenome.

— Se isso for o que quer de verdade, farei uma chamada e reservarei um bilhete — disse

Daisy.

Nathan soltou um suspiro de alívio.

— Amo você, mamãe.

— É curioso que só me diga isso quando se sai com a tua — disse Daisy com um sorriso nos

lábios. - Diga a tia June que quero falar com ela.

Depois de ter falado com a irmã de Steven, Daisy chamou para reservar o bilhete de avião de

Nathan. Saía às seis da manhã do dia seguinte, e demorava três horas e quarenta minutos em

chegar a Dallas, e não chegaria a Amarelo até as cinco da tarde. Ocorreu ir procurar Nathan em

Dallas de carro. Era uma viagem de seis horas, só ida. Talvez pudessem passar a noite na cidade. Ir

ao Fort Worth e ao Cow Town a fazer um passeio. Quanto mais pensava nisso mais gostava da

ideia. Necessitava umas férias de suas férias, mas quando voltou a chamar Nathan seu filho disse

que preferia esperar três horas no aeroporto de Dallas que comer carne à churrasqueira e montar

seis horas no carro no dia seguinte. Era um preço muito alto para separar do caos. Em qualquer

caso, pensou Daisy, por muito tentador que fosse, não podia deixar sozinha sua mãe e a sua irmã

nesse momento.

Assim reservou o bilhete de avião e, de caminho para a sala de espera, perguntou se sua

família sempre esteve tão louca ou se começou a estar fazia pouco para simplificar um pouco mais

a vida.

Quando chegou à sala de espera, o doutor estava sentado no sofá junto a sua mãe. Daisy se

colocou ao lado de Louella.

— Despertou? — perguntou sua mãe.

— Despertou a uns quinze minutos. O exploratório não revela danos no cérebro nem nos

órgãos internos. Por sorte, colocou o cinto de segurança e o carro ia equipado com airbag. — O

doutor olhou a Daisy e prosseguiu: — Tem o tornozelo quebrado e terá que operá-lo para pôr os

ossos em seu lugar. Chamamos um cirurgião ortopedista de Amarelo.

Quando o doutor se foi, Louella ficou com Lily no hospital e Daisy foi cuidar de Pippen. Pôs a

fazer a sesta e ela tirou o ditoso vestido de sua mãe com desenhos do Winnie the Pooh. Como não

tinha outra coisa em que ocupar sua mente, começou a pensar em Jack. "Inclusive com esse

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ridículo vestido põe a cem", disse, o que parecia absurdo.

Colocou uma saia cáqui e uma blusa branca e procurou na cozinha algo para comer.

Preparou um sanduíche quente de queijo e se serviu com um pouco de sopa de tomate e um copo

de chá gelado. Levou tudo à mesa do café da manhã, cuja cor amarela brilhava sob a luz do sol.

Fazer amor com Jack em cima do porta-malas de um carro foi um engano. Não, fazer amor

com ele não foi um engano. O problema foi sua total falta de vontade para pôr uma tímida

objeção. Sabia que se arrependeria, mas isso não a parou.

Molhou o sanduíche na sopa e deu uma mordida. Fazer amor com Jack não foi nada mal.

Não, sim esteve mau. O sexo foi bom, fabuloso, de fato. Tanto que se pôs a chorar e faltou pouco

para morrer de vergonha. Ruborizava só de recordá-lo... Ou ao recordar o desejo que expressavam

os olhos de Jack quando a olhava enquanto acariciava cada lugar de seu corpo. Pensar nisso a

excitava.

Soprou a sopa. Chateava admiti-lo, mas se sua mãe não tivesse chamado por telefone

provavelmente teriam acabado na cama. Talvez ainda estivessem ali.

Bebeu um gole de chá. E agora o que? Não tinha nem ideia, e, dado que todos os outros

aspectos de sua vida estavam no ar, o melhor era não pensar em Jack até que as coisas se

acalmassem um pouco. Quando Pippen despertou de sua sesta, Daisy fez algumas fotografias no

jardim de sua mãe. Retratou-o agarrando flores e caminhando entre os flamingos rosa. Durante

esse curto espaço de tempo, enquanto contemplava o mundo através da objetiva de sua câmara,

os problemas passaram a um segundo plano.

Mais tarde, quando Louella chegou em casa, Daisy teria jurado que sua mãe tinha dez anos a

mais do que nessa mesma manhã. As rugas que rodeavam seus olhos pareciam mais profundas, e

suas bochechas estavam mais pálidas. Daisy preparou um pouco de sopa e alguns sanduíches para

sua mãe e Pippen, e depois foi ao hospital.

Sua irmã dormia quando ela entrou no quarto. O corte da fronte estava fechado e enfaixado.

A metade de seu rosto seguia inchado, e debaixo de seus olhos se estendiam umas sombras

negras e azuladas: os restos de sangue, entretanto, desapareceram.

Daisy queria perguntar a sua irmã o que aconteceu aquela manhã, mas Lily estava

totalmente sedada. Cada vez que despertava começava a chorar e a perguntar onde estava. Daisy

nem sequer tentou indagar sobre o acidente.

O fez no dia seguinte.

— Falou já com a polícia? — perguntou a sua irmã enquanto olhava a revista People que

havia trazido consigo.

Lily umedeceu o lábio inchado. Sua voz não era mais que um áspero sussurro quando

perguntou:

— A respeito do que?

Daisy ficou em pé e encheu um copo de plástico com água. Aproximou o canudo à boca de

Lily e disse:

— Sobre o acidente de carro.

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Lily engoliu e a seguir disse:

— Não. Mamãe me disse que destrocei o Taurus.

— Não recorda? — perguntou Daisy.

Lily negou com a cabeça e fez uma careta.

— Em qualquer caso, odiava esse carro.

— Não disse mamãe contra o que bateu?

— Não. — disse Lily.

— Lily, estampou o Taurus contra a casa de Ronnie — explicou Daisy.

Lily olhou a sua irmã e piscou. Não parecia tão surpreendida como Daisy teria esperado.

— Sério? — perguntou Daisy.

— A polícia perguntou a mamãe se tinha intenção de suicidar-se.

— Não me suicidaria me chocando contra Ronnie Darlington — disse Lily com frieza.

— Tentava matar Ronnie? — quis saber Daisy.

— Não.

— Então, no que estava pensando? Aconteceu algo?

Lily ficou então nervosa, separou o olhar e respondeu:

— Não sei.

Daisy teve a sensação de que na realidade sabia e sofria uma curiosa amnésia seletiva.

Aconteceu algo, mas Lily não queria falar disso nesse momento. Muito bem. Sempre poderiam

falar no dia seguinte.

Depois de deixar Lily, Daisy conduziu até o povoado e comprou a Pippen uma cadeira para o

carro. Sua outra cadeira ainda estava no Taurus.

Quando parou diante do semáforo da Terceira com o Main, ouviu um rugido e viu o Mustang

de Jack. Ela ia dois carros atrás dele e duvidava que tivesse descoberto sua presença. Mas o mero

feito de tê-lo visto entre o tráfico fez que sentisse um nó no estômago, como se voltasse a ser uma

estudante de bacharelado que esperava junto a sua bilheteria. Seus sentimentos para ele eram

uma confusa mescla de velhas emoções e novos desejos... Algo que seria melhor deixar de lado.

Às três e meia da tarde, Daisy montou Pippen no Cadillac de sua mãe e se encaminharam

para Amarelo em busca de Nathan. Pippen usava umas calças curtas jeans, botas texanas e uma

camiseta em que podia ler "NÃO SE META COM OS TIRANOSAURIOS DO TEXAS". Daisy estava com

ele nos braços enquanto esperavam na zona de recolhimento de bagagens. A meia hora que

ficaram ali pareceu durar uma eternidade, mas quando viu o familiar rosto de Nathan, foi como se

o sol tivesse decidido começar a brilhar depois de uma semana de chuvas.

Sua crista cor verde desapareceu, e as pontas de seu escuro cabelo eram agora brancas.

Parecia um alto porco espinho conduzindo uma enorme mochila com seu skate enganchado em

um flanco. A Daisy não importava.

Alegrou-se tanto de vê-lo que se esqueceu da norma de não realizar amostras de afeto em

público. Ficou nas pontas dos pés e passou o braço livre por trás do pescoço. Beijou-o na bochecha

e abraçou-o muito forte. Parece que ele também se esqueceu daquela norma não escrita, porque

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deixou cair a bolsa ao chão e correspondeu a seu abraço.

— Por favor, mamãe. Não volte a me deixar nessas condições — rogou Nathan.

Ela se pôs a rir e separou-o de si para observar seus olhos azuis.

— Não te deixarei. Prometo — disse isso voltando-se para Pippen. — Este é seu primo. Não

é bonito?

Nathan o estudou durante uns segundos.

— Mamãe, este menino tem o cabelo comprido.

Daisy tinha um menino que usava uma crista e não ia se surpreender que um menino levasse

o cabelo comprido.

— Não é culpa dele — disse Daisy olhando a Pippen. — Sua mãe não quer cortar os cachos.

Pippen olhou a sua tia com aqueles seus olhos tão grandes e azuis, iguais aos de Lily, e

depois se concentrou em seu primo. Daisy não soube se Nathan captou sua atenção porque era

um menino como ele ou porque surpreendeu o piercing do lábio e as correias de cão.

— Tudo bem, colega. Bonito penteado — disse Nathan.

— Não goze — advertiu sua mãe.

— Não gozo. — Nathan passou a palma da mão pelo cabelo do menino. — Curto pela frente

e comprido por trás. Je, je, je - riu jogando a cabeça para trás.

— Ver desenhos! — disse Pippen, e então pôs a rir, como se também houvesse feito uma

piada.

— Quer que olhe os desenhos animados com ele. Seus favoritos são os Blues Clues —

explicou Daisy.

— Blues Clues é uma merda. — Nathan agarrou sua mochila e acrescentou: — Precisa ver o

Bob Esponja Calça Quadrada.

Nathan não trazia mala e, enquanto se dirigiam para o carro, Daisy se surpreendeu ao

pensar que, se as coisas se desenvolvessem segundo o previsto, nesse momento estaria em

Seattle. Vivendo sua vida. Teria se liberado já do passado. Começaria do zero outra vez. Ela e seu

filho Nathan.

Desde que chegou a Lovett nada saiu segundo o previsto, e agora, precisamente, teria que

manter sua vida em suspense um pouco mais. Sua mãe e sua irmã a necessitavam, e talvez

inclusive poderia as ajudar. Talvez ficar e cuidar de Pippen fosse ajuda suficiente.

Sua vida não foi ao fundo do poço, disse. Já passou uma temporada no inferno. Foram dois

anos terríveis, mas tudo isso já era história. Nathan estava com ela e, a partir desse momento, as

coisas só podiam melhorar.

Capítulo 11

O chiar do torno se ouvia em toda a oficina, chegando inclusive até o escritório de Jack, que

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nesse momento estava dando uma olhada à lista de peças de um Corvette 54; ao mesmo tempo,

ia observando as Polaroides que tirou das diferentes partes do carro. Tudo o que conformava

aquele automóvel, dos para-choque cromados até os parafusos que seguravam as luzes traseiras,

foi catalogado e armazenado.

Extraíram o motor Blue Flame six para desmontá-lo e limpá-lo mais adiante. Teriam que

mudar todas as peças de borracha e substituir a tapeçaria de couro. Dizia que dirigir um Corvette

54 era uma autêntica lata, mas esta não era a questão. O defunto Harley Earl desenhou aquele

carro esportivo de acordo com seu estilo chamativo e um pouco extragrande. Foi planejado mais

para que pudesse viajar nele.

Jack separou as fotografias e ficou em pé. Essa manhã, ao tirar o para-brisa, descobriu que a

ferrugem causou mais imperfeições do que supôs. Teriam que reparar os danos e mudar as

braçadeiras. Agarrou a xícara de café com o desenho de um Dodge Viper que ganhou de Lacy

Dawn por seu aniversário, e saiu de seu escritório.

As segundas-feiras, Penny Kribs não chegava até depois das dez e meia da manhã, por isso

um montão de correspondência cobria seu escritório. Voltou a encher a xícara de café e, de

caminho para a oficina, deixou de ouvir o chiar da banca de trabalho. Jack soprou o café e olhou

Billy de pé junto a banca. Colocou os óculos de segurança sobre a fronte e sustentava o rotor do

freio em uma mão.

Estava falando com um adolescente magricela e ambos se voltaram quando Billy assinalou

para seu irmão. Jack parou. Aquele moço parecia estar em plena adolescência e usava uma correia

de cão ao redor do pescoço e outra pendurada de um flanco de suas calças. Disse algo a Billy e

depois pôs-se a andar para Jack. Este se fixou no atônito sorriso de seu irmão antes de voltar a

olhar ao menino. Deu um gole ao café e baixou a xícara.

No verão, sempre contratava a moços jovens para limpar ou fazer recados. Mas se esse

menino vinha procurando um trabalho podia esperar sentado. Não se tratava tanto de seu

aspecto, mas sim de ter tido o bom tino de vestir-se mais adequadamente e deixar em casa a

correia do cão na hora de pedir trabalho. Usava o cabelo como um ouriço; escuro, mas com as

pontas brancas. Luzia um Piercing em um extremo do lábio superior, e em sua camiseta negra

podia ler a palavra ANARQUIA em letras de um vermelho sangue.

Usava um skate sob o braço e as calças estavam tão largas que, se tivesse colocado bem

reto, deslizariam até os tornozelos.

— Posso te ajudar em algo? — perguntou Jack quando o jovem parou em frente a ele.

— Sim. Minha mãe me disse que conheceu meu pai.

Jack conhecia muitos pais.

— Quem é sua mãe? — perguntou antes de beber outro gole de café.

— Daisy Monroe — respondeu o menino.

Jack quase engasga com o café. Daisy não partiu da cidade.

— Não sei se ela te falou de mim. Sou... — Ao menino tremeu a voz, e tragou saliva com

dificuldade. — Sou Nathan.

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Não formou uma ideia concreta sobre o filho de Daisy e Steven, mas se o fizesse sem dúvida

não teria sido essa. Em primeiro lugar, devia ser muito mais jovem.

— Daisy Monroe me disse que tinha um filho, mas acreditei que rondaria os cinco anos —

disse Jack.

Nathan franziu o cenho e olhou para Jack com seus chamativos olhos azuis. Parecia um tanto

desconcertado, como se não encontrasse motivo algum para que alguém se confundisse sobre sua

idade.

— Não. Tenho quinze — informou Nathan.

Daisy deve ter ficado grávida pouco depois de casar com o Steven. Pensar em Steven e Daisy

juntos conjurou uma antiga animosidade que enterrara há muitos anos, e incomodou mais do que

era esperado. Muito mais do que teria incomodado dias atrás, antes de fazer amor com Daisy

apoiados no porta-malas do carro que estava a escassos metros de onde agora se encontrava seu

filho. Antes de saber como ia ser bom fazer de novo amor com ela.

— Deduzo que sua mãe segue aqui - disse Jack.

— Sim. — Nathan olhou como se esperasse que dissesse algo mais. Ao ver que não era

assim, o jovem acrescentou: — Estaremos na casa de minha avó até que a tia Lily melhore. Minha

mãe calcula que será coisa de uma semana.

Jack perguntou-se o que acontecera para que Daisy partisse a toda pressa de sua casa no

sábado anterior.

— O que aconteceu a sua tia? — perguntou Jack.

— Arremeteu o carro contra o salão da casa de Ronnie.

Vá, ao que parece a briga em frente ao Minute Mart não satisfez a sede de vingança de Lily.

— Ela está bem? — interessou-se Jack.

— Suponho que sim.

O torno começou a chiar de novo e Jack levou Nathan até seu escritório. Mesmo que Nathan

tivesse ido a sua oficina vestido de um modo mais adequado, não teria dado trabalho. Ter ali o

filho de Daisy seria pouco menos que um pesadelo. Vê-lo não deixaria de recordar Daisy. E não

importava como doces pudessem ser agora essas lembranças, o melhor era esquecer tudo.

— Seu pai e eu fomos muito bons amigos durante um tempo. Doeu muito saber que morreu

— disse Jack.

Nathan apoiou um extremo do skate sobre seu tênis de esporte negro e deslocou o peso de

seu corpo sobre essa perna. Depois de um exame mais detalhado, apreciava que na face inferior

do skate tinha desenhado uma enfermeira com escassa roupa.

— Sim. Foi um bom pai — admitiu Nathan.

Jack perdeu a seus pais sendo não muito mais velho que Nathan. Sabia a que se referia.

Lembrar a aquele moço alguma anedota não faria nenhum mal.

— Falou alguma vez das confusões em que estávamos acostumados a nos colocar? —

perguntou Jack.

Nathan assentiu com a cabeça e o brinco que usava no lábio brilhou sob a luz da

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fluorescente.

— Disse que roubavam tomates e que os lançavam nos carros — explicou Nathan.

Steven era loiro como um surfista da Califórnia. Talvez fosse pelo penteado que usava, mas

aquele moço não se parecia em nada ao Steven quando tinha sua idade. Nem sequer um

pouquinho.

Tampouco é que se parecesse muito a sua mãe. Talvez a boca sim. Bom, exceto o piercing.

— Construímos uma casa em uma árvore nesse jardim. Contou isso? — perguntou Jack.

Nathan negou com a cabeça e Jack prosseguiu:

— Demoramos todo um verão. Fizemos com madeira e com velhas caixas de papelão. —Jack

sorriu ao recordar como conduziam com tudo isso por quilômetros de distância. — Sua mãe

também nos ajudou. E justo quando acabamos, um tornado F2 a derrubou.

Nathan riu e, assinalando para a porta com o queixo, perguntou:

— Isso que há aí fora é um Cuda 440?

— Sim. Leva um motor Hemi 426 original —respondeu Jack.

— Vá. Quando tiver trabalho, vou comprar um Dodge Charger Daytona com um Hemi 426.

Agora foi Jack que não pôde evitar rir. Sentou na ponta da escrivaninha, junto ao relógio do

Buick Revisse. Não tinha vontade de aguar a festa do moço, mas sabia que só se construíram uns

setenta Daytona com um motor Hemi 426. Se conseguisse encontrar um, teria que investir uns

sessenta mil dólares para ter ele.

— Com quatro velocidades, verdade? — perguntou Jack.

— Assim é.

Bebeu um gole de café. Como não. O guri reduzia ainda mais suas possibilidades com esse

requisito, pois Dodge só tirou à venda vinte automóveis com caixa de quatro velocidades.

— Uma vez vi um em uma exposição de carros em Seattle — explicou Nathan; teve que

tragar saliva, a voz tremia pela excitação. — O Daytona manteve o recorde de velocidade em

circuito durante treze anos. Nem os Ford nem os Chevrolet puderam fazer sombra.

Deus, era como Billy; também se parecia com o pai de Jack, Ray. Cegava a velocidade. Ao

Jack também gostava dos carros rápidos, mas não com eles. Como arrumaram Steven e Daisy para

trazer para o mundo a um louco da velocidade?

— Vê o programa Monster Garage? — perguntou Nathan a Jack.

— De vez em quando. — Era Billy o autêntico seguidor do programa.

— Viu quando transformaram um carro de corridas em uma dessas máquinas que varrem as

ruas?

— Não, esse programa perdi — admitiu isso Jack, mas Billy contou todos os detalhes.

— Foi um golpe de tralha! — exclamou Nathan.

Golpe de tralha? Jack supôs que queria dizer que esteve bem.

Billy mostrou a cabeça pela porta e disse:

— Temos um problema com o rotor dianteiro da direita do Plymouth.

Sempre surgiam problemas, assim Jack aprendeu a não tomar as coisas à tremenda.

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— Passa, Billy. Deixa que te apresente Nathan, o filho de Steven e Daisy.

Billy entrou no escritório. Usava sua camisa azul escuro abotoada até acima, com o distintivo

de Clássicos Americanos Parrish no bolso do peitilho. Jack os apresentou e se deram um apertão

de mãos.

— Lamento muito por seu pai — disse Billy. — Era um bom tipo.

Nathan baixou a vista e murmurou:

— Sim.

— Billy adora Monster Garage — disse Jack, e ato seguido ambos começaram a discutir

sobre quais foram os melhores programas.

— Converter aquele PT Cruiser em um triturador de madeira foi uma passada - disse Nathan.

— Jesse James, o apresentador, não se aproximou até que começaram a colocar animais

dissecados no triturador — acrescentou Billy.

— Sim. Je, je, je — riu Nathan, jogando a cabeça para trás. — Saíram partes disparadas por

toda parte.

— Fixou na Barbie que ficou presa dentro? — perguntou Billy com os olhos brilhantes, e

também começou a rir.

Jack estava aniquilado. Por fim Billy encontrou alguém que desfrutava tanto como ele vendo

aquele programa.

— Viu o capítulo da colhedora? — perguntou Billy com interesse.

— Sim, teria sido genial se tivesse funcionado — opinou Nathan.

Billy sacudiu a cabeça e acrescentou:

— Queimaram a primeira correia e a bomba esquentou muito, assim não puderam pôr em

marcha os cilindros nem tampouco mover os braços hidráulicos.

— Ouvi dizer que o carro fúnebre estava assombrado e que por isso falharam— disse

Nathan.

— Falharam porque falhou a hidráulica — assegurou Billy.

— Viu Jesse quando se acendeu a ambulância? — perguntou Nathan com os olhos

resplandecentes. — Foi total.

— Esse é meu capítulo favorito — apressou a dizer Billy.

— Fixou em como gritava sua mulher?

Ambos explodiram em uma sonora gargalhada ao uníssono. A voz do Billy era mais grave,

mas Jack percebeu que a risada de ambos era muito similar. Também os dois jogavam a cabeça

para trás ao rir. Quanto mais os olhava, um junto ao outro recordando conjuntamente os

melhores momentos do Monster Garage, mais abstração fazia do penteado e o piercing do Nathan

e mais semelhantes eram seus traços.

Então, de repente, em só uns décimos de segundo, tudo mudou para Jack. Arrepiou o pelo

da nuca. O tempo parou e o mundo veio abaixo. Fazia só um segundo e meio e sua vida ia mais ou

menos bem, mas agora tudo mudou. Depois de dar conta de que seu irmão e Nathan tinham

exatamente a mesma risada, de repente se deu conta de que o moço era a versão adolescente de

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seu próprio pai, Ray Parrish. Levantou do escritório de um salto, e o café quente que restava em

sua taça acabou em cima de sua camisa.

— Merda! — exclamou Jack.

— O que aconteceu? — perguntou Billy.

Jack não tirava os olhos de cima de Nathan. Estudou a forma de seu rosto e o perfil de seu

nariz. Já não havia volta atrás. Estava observando a viva imagem de seu pai. Parecia tão óbvio que

agora não entendia como demorou tanto em se dar conta.

— Não veio procurar trabalho, verdade? — perguntou Jack.

O sorriso esfumou do rosto de Nathan, que enquanto recolhia seu skate respondeu:

— Não.

De repente, tudo adquiriu pleno sentido. A insistência de Daisy para que falasse. A

quantidade de vezes que disse que precisava dizer algo. Algo que não podia contar por telefone

nem na pizzaria Showtime. Algo importante... como um filho. Sentiu como se tivessem dado um

murro no estômago.

— Quando é seu aniversário? — perguntou Jack com urgência.

— Preciso ir.

Jack agarrou Nathan pelo braço e insistiu:

— Diga-me isso.

Nathan abriu muito os olhos e deixou cair o skate. Tentou retroceder mas Jack reteve-o. Não

podia se soltar.

— Em dezembro — respondeu por fim o moço.

— E tem quinze anos, não é assim?

Nathan quase não podia tragar saliva.

— Sim — reconheceu com um fio de voz.

Jack sabia que o estava assustando e que o melhor era soltá-lo. Precisava se acalmar, mas

nesse momento resultava impossível. Um torvelinho de pensamentos descontrolados se agitou

em seu cérebro.

— Filha da puta! — exclamou Jack.

Billy agarrou Jack pelo ombro e, colocando-se entre ele e Nathan, gritou a seu irmão:

— Mas, que demônios te ocorre? Perdeu a cabeça ou o que?

Sim. Perdeu a cabeça. Soltou o braço do menino e Nathan se foi tão depressa que ninguém

diria que esteve ali. Salvo pelo skate: estava no chão, de barriga para cima, com a enfermeira à

vista.

Jack ficou olhando a porta por onde Nathan saiu e perguntou:

— Não viu, Billy?

— A única coisa que vi é que se comportou como um louco — respondeu Billy.

Jack sacudiu a cabeça, voltou-se para seu irmão e afirmou:

— Parece com papai.

— Quem? — perguntou Billy.

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— Nathan. O filho de Daisy.

— O filho de Daisy e Steven?

Jack assinalou para o corredor vazio e perguntou:

— Acaso acredita que se parece com o Steven?

— Para falar a verdade, não recordo bem o rosto do Steven — admitiu Billy.

— Não era como o de nosso pai — disse Jack deixando a xícara sobre a mesa. Tinha um filho.

Não. Impossível. Sempre utilizou preservativos. Bom, com Daisy nem sempre. Era jovem e

estúpido e ainda acreditava que a ele nada poderia afetar. — Estava grávida quando se foi e não

me contou isso.

Billy elevou as mãos e se apressou a dizer a seu irmão:

— Espera um segundo. Eu nem sequer sabia que estiveram atados, mas em qualquer caso,

como sabe que é teu filho?

— Não está me escutando — protestou Jack esfregando o rosto com as mãos. — É como

aquela fotografia, a de papai quando se graduou na escola. É idêntico a ele. — baixou os braços. —

Por isso veio Daisy.

— Expressava todos seus pensamentos em voz alta, como se isso tivesse que dar mais

sentido; mas a verdade é que não tinham nenhum. — Para me contar do guri.

— Isso é uma loucura. Tem quinze anos — disse Billy.

Sim. Era uma loucura. Era louco de pensar que tinha um filho de quinze anos. Um filho de

que não soube nada porque ninguém disse nada.

— Estou convencido, Billy.

Billy se aproximou de seu irmão e, olhando nos olhos, aconselhou:

— Será melhor que te assegure disso antes de voltar a atemorizar o rapaz agarrando-o pelo

braço. Não tem certeza, e mesmo que assim fosse, talvez ele não saiba.

Billy tinha razão.

— Não pretendia assustá-lo — explicou Jack.

Jack olhou para a porta atrás de Billy: Penny estava ali. Jack separou a seu irmão com a mão

e, quando já saía pela porta, disse a sua secretária:

— Vou sair um momento.

Saiu da oficina pela parte de trás e cruzou a rua para chegar a sua casa. Dirigiu-se

diretamente a que foi o quarto de Billy e abriu um armário cheio de caixas. Foi as tirando uma

atrás de outra e as esvaziando no chão.

— Velhos troféus, revistas e lembranças de infância que sua mãe guardou com carinho, se

espalharam por toda parte.

— O que está procurando? — perguntou Billy.

Jack nem sequer se deu conta de que Billy o seguira.

— O velho álbum de fotos de casamento de papai e mamãe. A foto que falei antes está aí.

Encontraram o álbum na quinta caixa que abriram. As tampas estavam cobertas de flores de

renda e seda, o tipo de detalhes femininos que adorava sua mãe. A renda adquiriu um tom

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amarelado e as flores perderam volume. Jack o abriu. A cola que segurava as fotografias se foi,

assim se deslizaram detrás do celofane e caíram aos pés de Jack. A fotografia que andava

procurando estava aí, no chão, e ele se ajoelhou para recolhê-la: era uma foto instantânea em

branco e preto de seu pai aos dezessete anos. Em um canto da fotografia, seu pai escreveu com

tinta preta: "Para minha garota favorita, Carolee. Com amor, Ray."

Jack ficou em pé e estudou a foto. Estava certo. Se imaginava seu pai com o cabelo de ponta

e o piercing no lábio, era parecido a Nathan Monroe. Mas não se tratava do Nathan Monroe.

Aquele guri era um Parrish.

Billy se colocou a suas costas e olhou por cima de seu ombro. Soltou um assobio de surpresa

que ressonou no quarto vazio e perguntou a seu irmão:

— Acredita que Steven sabia?

Jack deu de ombros. Estava grávida de três meses. Steven devia saber. Jack saiu do quarto e

percorreu o corredor até chegar à cozinha. Abriu um dos armários e tirou a carta de Steven de

onde a deixou no sábado anterior. Com a fotografia de seu pai ainda na mão, abriu o envelope e

leu.

Jack:

Por favor, rogo que desculpe minha caligrafia e os erros de ortografia. À medida que minha

enfermidade avança me resulta mais difícil me concentrar. Desejaria que nunca tivesse que chegar

a ler esta carta, desejaria poder superar esta enfermidade e dizer as coisas em pessoa. Mas, se por

acaso não é assim, quero expressar meus pensamentos agora, antes que seja incapaz de fazer.

Deixa que comece dizendo, simplesmente, o muito que senti falta sua, Jack. Não sei se você

me terá sentido falta ou me terá perdoado, mas eu sim tive saudades do meu amigo. Em

inumeráveis ocasiões, ao longo destes quinze anos, desejei te chamar por telefone e falar com

você. Muitas vezes ri para mim mesmo recordando as coisas que fazíamos. O outro dia vi dois

moços montados em bicicletas sob a chuva e recordei o quanto nós fazíamos o mesmo. Íamos por

toda Lovett em busca dos atoleiros mais profundos. Ou quando nos sentávamos no sofá de minha

mãe para ver os velhos programas do Andy

Griffith e nos partíamos de risada quando Barney se encerrava ele mesmo em uma cela.

Acredito que quando mais sinto falta de ti é justamente quando rio sozinho. Sei que é minha culpa.

Mas senti em muitas ocasiões a solidão que entranha ter perdido meu amigo.

Não pude esquecer a última vez que nos vimos nem as terríveis coisas que nos dissemos.

Casei com Daisy, e você estava apaixonado por ela. Mas eu também o estava, Jack. E sigo estando.

Depois de todos estes anos a quero tanto como o dia que me casei. Sei que ela me ama. Sei

que sempre me amou, mas às vezes perde o olhar, e me pergunto se estará pensando em você. Me

pergunto se ela se lamenta de ter me escolhido e de ter vindo comigo a Seattle. Me pergunto se

pensa que teria gostado de ficar com você e se ainda te quer como te queria então. Se por acaso te

serve de consolo, direi que sofri, porque sei o muito que te amou e que, talvez, ama ainda.

A noite em que fomos de Lovett, Daisy estava grávida de três meses e o filho era teu. Sei que

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agora ela está em disposição de dizer isso. Quando me disse que tinha em seu ventre a teu filho,

estava muito assustada, acreditava que você deixaria de amá-la. Eu permiti que seguisse

acreditando, apesar de que sabia que muito provavelmente não era certo. Ela acreditou que o

melhor seria não dizer sobre a criança. Daisy pensava que não poderia suportar a pressão de ter

um filho nesse momento de sua vida. Também deixei que acreditasse. Eu disse que tinha razão,

que não poderia suportá-lo, mas sabia que não era verdade. Eu sabia que poderia levar adiante

tudo o que te propusesse. Assim, me casei com ela e a levei muito longe de seu lado. Sei que

deveria me arrepender por ter feito o que fiz, mas não me arrependo. Não me arrependo de

nenhum dos dias que passei com ela e com Nathan. Mas sim me arrependo de como fizemos as

coisas e de não ter contado antes sobre a criança.

Nathan é um menino estupendo. Parece muito a você. Não tem medo a nada, é impaciente e

o guarda tudo para si. Sei que Daisy fará tudo o que esteja em sua mão para criá-lo, mas acredito

que te necessitará. Desfrutei imensamente cuidando dele, e o que mais lamento, e tenho muitas

coisas das que me lamentar em minha vida, é de não poder ver como se converte em um homem.

Me teria encantado ser testemunha disso.

Para finalizar, peço que me perdoe, Jack. Sei que possivelmente seja pedir muito, mas peço

isso de todos os modos. O que desejo é que seja capaz de deixar a um lado a amargura e que possa

seguir adiante com sua vida. Egoistamente, rogo que me perdoe com a esperança de poder morrer

com a consciência tranquila. E quando nos virmos no outro lado, espero que possamos nos dar um

abraço e voltar a ser amigos. Se não puder me perdoar, entenderia. Não sei se eu poderia chegar a

te perdoar se estivesse em seu lugar. Levei uma grande parte de sua vida, Jack. Mas talvez possa

jogar a vista atrás algum dia e rir de vez em quando ao recordar os bons momentos que passamos

juntos.

Steven

Enquanto Jack tentava recuperar o fôlego, a carta e a foto de seu pai caíram das mãos e

acabaram sobre a bancada. Sentiu que algo em seu interior rompia em mil pedaços, tal como

ocorreu quinze anos atrás.

— É seu filho? — perguntou Billy.

Jack assentiu.

— Merda — disse Billy. — Que sem vergonha.

Durante anos se sentiu traído por seu melhor amigo porque roubou sua namorada. Mas nem

sequer foi consciente da metade do assunto. Jamais teria ocorrido imaginar que ao partir estavam

levando com eles seu filho. Não poderia ter imaginado uma traição de tal magnitude.

— O que vai fazer?

Jack desabotoou a camisa e a tirou das calças.

— Falar com Daisy — respondeu a seu irmão.

— Bom, mas não fique uma fera com ela.

— Acreditava que disse que era uma sem vergonha.

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— E é — admitiu Billy. — Não vou sequer perguntar se deseja formar parte da vida de

Nathan, porque te conheço. Sei quem é. Sei que se sente ferido e está furioso, e tem todo o

direito de estar.

Mas ela é sua mãe e pode fazer a mala e leva-lo para bem longe.

Durante anos fechou suas lembranças com chave. Levantou uma muralha ao redor de sua

dor e sua ira. Desde que Daisy voltou tudo se foi das mãos. Mas nada igualava o que acabava de

acontecer essa manhã.

Essa manhã a muralha ficou reduzida a cinzas.

— Jack, me prometa que não agirá como um energúmeno — rogou Billy.

Jack não tinha a intenção de prometer absolutamente nada.

Capítulo 12

Daisy deixou Pippen sobre a cama de sua mãe e entrecerrou a porta do quarto. Seu pequeno

mundo era agora totalmente caótico e devia estar completamente esgotado por todo o

acontecido. Daisy levou o menino ao hospital essa mesma manhã para que visse sua mãe e não

quis ir. Estava assustado e contrariado e não deixou de chorar em todo o trajeto de volta para

casa, embora finalmente, quando já quase chegou, o sono o venceu. A mãe de Daisy ficou no

hospital com Lily: queria falar com o médico para saber quando daria a alta médica a sua filha.

Daisy colocou uma camiseta verde garrafa sem mangas e umas calças curtas de cor cáqui.

Recolheu o cabelo à altura da nuca com um passador negro muito grande. Estava exausta e

necessitava com urgência uma boa dose de cafeína. Poderia tomar junto a Pippen, mas Nathan

não estava em casa e não queria que a encontrasse adormecida quando retornasse.

Desceu as escadas e tirou uma Coca Cola da geladeira. Na porta, sob um ímã com a forma do

estado de Texas, havia uma nota de Nathan. Nela dizia que saiu para dar uma volta com seu skate.

Não especificava quando ia voltar. Teria que lembrar a seu filho que sempre devia dizer a

hora em que pensava voltar para não preocupá-la sem motivo.

Embora aquilo era Lovett, disse. Não havia muito que se preocupar ali. Não existiam muitas

possibilidades de se meter em problemas. Embora se algo aprendeu do fato de ter um filho é que

quando não havia problemas os rapazes os inventavam. Se encontravam um atoleiro, se metiam

nele. Se viam uma pedra a convertiam em uma arma. Se tropeçavam com uma lata da Coca Cola a

faziam bola, e se tinham que descer alguns degraus faziam de skate, caíam de bruços e acabavam

com alguns pontos na cabeça.

Soou o timbre da porta justo quando Daisy estava abrindo a lata da Coca Cola. Bebeu um

bom gole a caminho da sala. Havia uma terrina de cristal com frutos secos sobre uma mesinha de

madeira e deixou a lata junto a ele. Abriu a porta esperando que Nathan fizesse alguma de suas

absurdas brincadeiras. Queria que o tratassem como a um adulto, mas às vezes não podia evitar

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se comportar como um menino.

Quem estava na porta, entretanto, não era seu filho.

Jack estava ali plantado no alpendre de sua mãe, banhado pelo sol. As sombras que

projetava seu chapéu cobriam a metade do rosto. Daisy sentiu que dava um tombo o coração e,

antes de poder articular palavra, esboçou um sorriso.

— Tudo bem?

— Está sozinha? — perguntou Jack apagando de repente seu sorriso com o tom frio de sua

voz.

"Sabe"; esse foi o primeiro pensamento de Daisy, embora o rechaçou imediatamente. Não

tinha modo de sabê-lo.

— Pippen está acima, dormindo — explicou Daisy.

— Onde está Nathan? — perguntou ele.

"OH, Meu Deus." A inquietação começou a abrir passagem em seu interior.

— Dando uma volta com seu skate.

Jack não esperou a que o convidasse a entrar.

— Não. Equivoca-se — corrigiu Jack entrando na casa e deixando a sua passagem o aroma

daquela cálida manhã texana. Estendeu a Daisy o skate de Nathan ao passar a seu lado.

Daisy agarrou ele e o abraçou contra seu peito. A rodeada camiseta de Jack marcava os

músculos de seu peito e de seus braços, parecia maior e mais feroz do que o habitual.

— Onde está? — perguntou.

Jack voltou-se e a olhou nos olhos durante uns intermináveis e silenciosos segundos.

— Não sei.

— Por que tem você seu skate?

— Veio ver-me esta manhã.

— Sério? — Que Nathan fosse à oficina de Jack não era fruto da coincidência. Daisy não o

esperava, mas tampouco se surpreendeu: Nathan era desse tipo de meninos que primeiro

saltavam do telhado e depois paravam para pensar. Igual a Jack a sua idade.

— Esqueceu do skate ao partir — explicou Jack.

Não acreditava que dissesse nada a Jack sobre sua paternidade biológica. Mas, por outra

parte, tampouco teria ocorrido jamais pensar que seu filho pudesse apresentar-se por sua conta

na oficina.

— O que te disse? — quis saber Daisy.

— Falou de Steven e do Monster Garage.

"Talvez não saiba." Possivelmente estava ofuscado por alguma outra razão totalmente

diferente. Depois de tudo, tratava-se de Jack. O rei dos ofuscados.

— Isso foi tudo? — perguntou ela.

— Eu acredito que passou por ali para ver-me de perto — disse Jack; elevou a asa de seu

chapéu e Daisy o observou com atenção. A raiva que observou em seus olhos já era bastante

explícita, mas suas palavras dissiparam toda dúvida. — Li a carta de Steven.

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Agora sim que estava surpreendida.

— Como conseguiu a carta do Steven?

— Me deu isso no sábado.

A deu? Não o recordava. Aconteceram muitas coisas esse sábado.

— E não a leu até hoje?

— Não tinha a mínima intenção de lê-la— admitiu Jack e, em um tom frio e aparentemente

calmo, prosseguiu. — Diga isso Daisy. Quero ouvir dizer isso. Depois de todos estes anos.

Sua aparente calma não a enganou nem por um segundo. A ira emanava do corpo de Jack

como uma onda de calor sobre o asfalto. Parecia que o coração ia sair do seu peito. Esperou

quinze anos para enfrentar esse momento. Sabia que devia acontecer cedo ou tarde, assim não

teve mais remedeio que dizer:

— É seu filho, Jack.

A expressão de Jack não variou nem um ápice.

— Ele sabe?

— Sim. Sabe há muitos anos.

— Assim sou o único que não estava à corrente.

— Sim.

— Tem uma remota ideia - disse Jack com a mesma calma aparente - do que eu gostaria de

te fazer neste preciso momento?

Sim, fazia uma ideia. Não acreditava que Jack fosse fazer mal, mas deu um passo para trás.

— Ia contar isso — se explicou Daisy.

— Ah, sim? — Jack arqueou uma sobrancelha e perguntou. — Quando?

— A primeira noite que nos vimos. Fui a sua casa para explicar isso, mas Gina estava ali. Eu

disse que precisava falar com você de algo importante. Eu disse essa noite e também quando nos

vimos no casamento de Shay, e na pizzaria, e no Slim. — Daisy ficou vermelha como um tomate e

deu outro passo atrás para deixar o skate sobre o sofá estofado com motivos florais de sua mãe.

— Fui a sua oficina no sábado para contar isso mas então... Lily estampou seu carro contra a sala

do Ronnie. Por isso esqueci que te tinha entregue a carta do Steven. — tirou o passador do cabelo

e respirou fundo.

Jack tinha todo o direito de se zangar. Deveria ter falado de Nathan fazia muitos anos. Era

uma covarde.

— Por isso vim a Lovett. Vim dizer que tem um filho.

Jack fixou o olhar nos olhos de Daisy e disse:

— Tem quinze anos.

Daisy jogou o cabelo para trás e voltou a recolher.

— Sim, assim é.

— Me está contando isso com quinze anos de atraso. Deveria ter dito isso quando teve a

primeira falta da regra. — Jack repensou durante uns segundos e acrescentou. — A menos que

não soubesse quem era o verdadeiro responsável.

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— Sabia. — Assegurou Daisy. Jack não estava sendo justo. — Você foi o primeiro homem

com o que estive. Como é possível que me diga uma coisa assim?

— Talvez seja porque poucos dias antes de casar com meu melhor amigo, estava se deitando

comigo. Como vou estar seguro de que não deitava com os dois ao mesmo tempo?

— Sabe que não foi assim. Está pondo um pouco a margem.

— Você não sabe o que é ficar a margem— disse Jack e finalmente seus verdadeiros

sentimentos saíram à superfície. Deu um passo para ela e a olhou de frente. Entrecerrou os olhos

e endureceu a mandíbula.

— Fez o mais rasteiro que pode fazer a um homem. Concebeu a meu filho e o separou de

mim. Teria que ter estado presente quando nasceu. Teria que ter estado ali para vê-lo. Para ver

dar seus primeiros passos e montar pela primeira vez na bicicleta. Teria que ter ouvido suas

primeiras palavras, mas não foi assim. Foi Steven. Steven escutou como chamava papai, mas eu

não. — Sua seriedade era extrema quando acrescentou. — Tem sorte de não ser um homem,

porque se fosse daria uma surra de morte agora mesmo. E desfrutaria com isso.

Uma das coisas mais difíceis que Daisy fez em toda sua vida foi estar ali, frente a Jack, e

aguentar o olhar sem retroceder um só passo mais.

— Precisa entender que nunca pretendemos te fazer mal. Os dois o amamos.

— Panaquices — espetou Jack.

— É a verdade — insistiu Daisy.

— Se isso for o que faz às pessoas às que ama, não quero nem imaginar o que tem reservado

às que odeie. A Daisy começou a doer a cabeça e levou uma mão à fronte, mas seguiu aguentando

Jack o olhar e prosseguiu:

— Recorda como eram as coisas entre nós naquela época. Não fazíamos mais que discutir e

brigar. Quando me faltou a regra a primeira vez me assustei muito, mas me disse que devia ser um

atraso. Depois da segunda falta, optei por não prestar atenção, mas com a terceira pensei que já

era muito atraso e que precisava confrontá-lo. — Baixou a mão. — Acabavam de morrer seus pais

e estava passando uma má época. A noite que vim dizer que estava grávida, me disse que

precisava estar sozinho. Acreditei que já não me queria. Não soube o que fazer. — Começaram a

arder os olhos, mas se negou a chorar.

— Não tinha ninguém com quem falar exceto Steven. Fui a ele e me propôs que nos

casássemos. Disse que cuidaria de mim e da criança.

— Se esqueceu de que era meu filho. Me deveria ter dito antes de partir os dois para

Seattle. — Íamos dizer isso, mas achamos que quando se inteirasse se sentiria obrigado a se casar

comigo, e não estava em situação de cuidar nem de mim nem da criança. Só tinha dezoito anos e

muito peso que carregar sobre os ombros. Parecia a única solução possível.

— Não, foi a mais simples para você — disse Jack. — Steven tinha dinheiro e eu não tinha

nada.

— Não me casei com Steven por isso. Sabe que sempre amei Steven. Se não estivesse tão

zangado, recordaria que também o amava. — Daisy apoiou as mãos nos antebraços de Jack. Talvez

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não chegasse a perdoá-la jamais, mas precisava fazer entender. — Me casei com ele porque

estava assustada. Você já não me amava, e eu não sabia o que fazer.

— Como se sentiu, Daisy? — perguntou Jack em um tom mais baixo, com voz áspera e suave

ao mesmo tempo. — Como se sentiu ao me dar as costas por não estar apaixonado por você?

Levar meu filho a fez sentir-se melhor?

Foi uma vingança satisfatória para você?

— Não teve nada que ver com a vingança.

Jack agarrou Daisy pelos pulsos e as separou de seus antebraços.

— Deitar com Steven Monroe fez que deixasse de pensar em mim? Deixou assim de me

querer? Pensava em mim quando fazia amor com Steven?

— Não! — gritou ela.

— Lembra-se de como eram as coisas quando estávamos juntos? — Jack baixou um pouco

mais a voz, agarrou-a pelos pulsos e a colocou de costas. — Era estupenda — atraiu-a para si e

falou no ouvido. — Ainda segue sendo estupendo.

A aba de seu chapéu roçou a cabeça de Daisy.

— Para, Jack.

— Riam juntos todos estes anos quando pensavam no que me fizeram?

— Não, Jack. As coisas não foram assim. Nunca rimos. — Daisy sentia os fortes batimentos

de seu coração no peito. — Acredite em mim. Sei que deveríamos ter dito muito antes.

— Quem figura como pai do menino na certidão de nascimento? — perguntou Jack em voz

muito baixa.

— Steven.

Jack a olhou nos olhos e exclamou:

— Maldita seja, Daisy!

— Achamos que seria o melhor para ele quando fosse ao colégio. Sinto muito.

— Importa uma merda o muito que sinta. Porque não é nem sequer a metade do que vai

sentir a partir de agora.

— A que se refere? — perguntou Daisy.

Jack soltou os pulsos, deslizou as mãos até os ombros de Daisy, e disse:

— Escolheu Steven em vez de mim porque eu era um menino pobre com as mãos sujas de

graxa que trabalhava na oficina mecânica do pai? mas agora as coisas são diferentes. Já não sou

pobre, Daisy.

Posso me permitir um bom advogado, e isso é o que vou fazer. Lutarei contra você.

— Não vamos lutar.

— Quero conhecer meu filho — disse Jack.

— Agora poderá conhecer. Eu também desejo. E quando formos...

— Quando você for — corrigiu Jack. — Ele fica.

— Isso é ridículo. Não vai ficar aqui com você. Vive comigo em Seattle.

— Já veremos.

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— Sei que está zangado. Não te culpo.

— Que consolo saber que não me culpa — disse Jack em tom irônico. Soltou-a e se dirigiu

para a porta.

— Teria que ter falado de Nathan faz muitos anos— admitiu Daisy — mas não há razão para

que o castigue a ele por minha culpa — seguiu Jack até o alpendre. — Teve que passar um mau

pedaço. Perdeu seu pai e agora isto...

Jack voltou-se tão depressa que Daisy se chocou com ele.

— Não perdeu seu pai. Steven Monroe não era seu pai — particularizou Jack.

Daisy preferiu não acrescentar que, para Nathan, seu pai sempre foi Steven e que o amava

com loucura.

— Nathan sofreu estes dois últimos anos. Necessita um pouco de calma em sua vida —

explicou Daisy sem admitir que também convinha. — Falarei com ele. Verei o que é que quer fazer

e te chamarei.

— Não vou esperar a que me chame, Daisy Lê — disse Jack enquanto seguia caminhando em

direção ao mustang que estava estacionado junto à calçada. — Quando falar com Nathan, serei eu

quem te diga como vão ser as coisas — acrescentou enquanto se afastava, com o sol banhando

seu chapéu e seus largos ombros.

— Espera! — exclamou Daisy descendo as escadas a toda pressa. — Não quero que fale a

sós com ele. Eu sou sua mãe. Não te conhece.

Jack rodeou o carro e colocou a chave na fechadura da porta do condutor.

— E quem tem a culpa disso? — perguntou a Daisy.

Olhou por cima do carro e disse:

— Eu estarei presente.

Jack se pôs a rir.

— Como estive estes quinze anos?

Daisy agarrou a maçaneta da outra porta para subir ao carro, mas estava fechada com

chave. Se lembrou então de Pippen e compreendeu que, embora conseguisse se meter no

Mustang pela força, não podia ir com Jack.

— Nathan é meu filho. Não pode me excluir.

— Vá se acostumando.

— Arrumaremos esta situação. Sei que podemos fazer. — Daisy não fazia nem ideia de como

fazer, mas estava decidida a evitar que o assunto escapasse das mãos. — Teria que ter dito isso.

Sei; não posso entregar meu filho, mas farei todo o possível para desculpar meu engano.

— O que? Jogar em cima do porta-malas de um carro? — Jack abriu a porta do Mustang. —

Não me interessa. Não ia ser fácil evitar que as coisas ficassem feias.

Nathan estava sentado no pátio da escola Lovett, com as costas apoiadas na cesta de

basquete. O tabuleiro e o aro projetavam na pista uma sombra oblonga que alcançava até a linha

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de tiros livres.

Olhou para as pistas de tênis, mais à frente do campo de futebol americano. Não imaginou

como seria o Texas, talvez como Montana, havia dito. Mas seu pai e ele estiveram em uma ocasião

em Montana, e Texas não se parecia absolutamente. Texas era plaino. E fazia muito calor. E tudo

era de cor marrom.

Texas não se parecia em nada a Seattle.

Apoiou-se nos pés e, deslizando as costas pelo poste da cesta, levantou. Colocou bem a

correia que rodeava o pescoço e jogou uma olhada ao edifício da escola. "Instituto", balbuciou em

tom burlesco. Não tinha nem sequer o tamanho da escola primária em que ele estudou.

Provavelmente todos os alunos usavam gorros de vaqueiro e chegavam à escola montados a

cavalo. Provavelmente todos escutavam música country e mascavam tabaco. Provavelmente

ninguém montava em skate nem escutava os Korn ou os Weezer, nem jogava ao Sniper Fantasy

com XBOX.

Nathan subiu as calças, e nem sequer notou que voltavam a deslizar até seu quadril. Tinha

problemas muito maiores com os que lutar. O skate escorregou dos dedos na oficina de Jack

Parrish e saiu dali correndo como um menino atemorizado.

Não gostava de ter reagido assim, mas quando Jack agarrou tão forte seu braço, se assustou.

E também quando olhou desse modo. Estavam ali tranquilamente rindo e de repente, sem tom

nem som, Jack o agarrou com força e cravou os olhos com tanta intensidade que esteve a ponto

de mijar em cima. Nathan não sabia se Jack o imaginou tudo nesse mesmo momento, mas pela

expressão pareceu provável que fosse assim. De modo que, sem pensar no que fazia, Nathan pôs-

se a correr como um menino pequeno. Sem dúvida Jack devia acreditar que estava zumbindo.

Nathan deu de ombros e se disse que importava um cominho o que pudesse pensar. Seu pai

contou um montão de histórias sobre Jack. O pintou como um tipo muito legal, alguém a quem

quereria parecer. Mas o certo é que não gostou muito de Jack. Preferia Billy. Billy também gostava

de Monster Garage. Billy sim que era legal.

Agarrou uma pedra do chão e a lançou contra o tabuleiro da cesta. Puxou um bom golpe,

ricocheteou, e pouco faltou para que desse na cabeça. Estava claro que sua mãe não falou ainda

com Jack. Nathan achava que sua mãe já havia contado tudo; se não fosse assim não teria ido à

oficina essa mesma manhã. No final, esse era o motivo pelo que sua mãe voltou para Lovett. Ia

falar dele a Jack. Ou ao menos isso foi o que disse em Seattle.

Cruzou a quadra de esportes em direção à porta da cerca metálica. Estava zangado com sua

mãe, e se sentia estúpido. Além disso, teria que engenhar de algum modo para recuperar seu

skate.

Possivelmente o melhor seria deixar que Jack ficasse; não queria ir à oficina e pedir que o

devolvesse. Não de momento.

Seus tênis negros escorregaram ao pisar na erva e supôs que os esguichos estiveram ligado

há pouco tempo. A pele de seus tênis esportivos estavam recobertos de gotas e fixou em como

foram deslizando pela superfície à medida que avançava. Sua mãe já devia ter tornado do hospital.

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Precisava contar onde esteve. Cabia a possibilidade de que se zangasse com ele, mas não

importava.

Quanto mais pensava nisso, mais zangado se sentia ele com ela. Se sua mãe tivesse falado já

com Jack, ou ao menos tivesse esclarecido que não contou ainda, não teria feito de idiota daquele

modo. Quando elevou a vista viu uma garota que caminhava para ele do outro lado da cerca.

Através do vigamento metálico apreciou o brilho de seu cabelo escuro e se fixou em que estava

bastante morena, como se tomasse o sol frequentemente. Alcançaram a porta da cerca ao mesmo

tempo, e Nathan se fez a um lado para deixá-la passar primeiro. Ela, entretanto, parou e olhou nos

olhos.

— Você não é daqui. Conheço quase todo mundo e nunca te vi — disse com um marcado

acento texano, arrastando as palavras. Tinha uns enormes olhos de cor castanha e, sob um braço,

levava vários cilindros de cartolinas de cores.

— Sou de Washington — disse à garota.

— De Washington D.C.? — Pronunciou "Washington" do mesmo modo em que faziam sua

mãe ou sua avó. Como se houvesse um r na sílaba "Wash". Usava uma camiseta azul com as

palavras "Ambercrombie and Fitch" em brilhantes caracteres chapeados. Era uma nerd, e não

gostava das nerds. Garotas que compravam no Ambercrombie and Fitch e The Gap. Garotas boas.

— Não, do estado de Washington — explicou ele.

— Veio de visita?

Não, não foram nada as nerds? mas essa tinha o tipo de lábios que só deixavam pensar em

uma coisa: beijar. Ultimamente pensou muito nisso.

— Sim, vim ver minha avó, Louella Brooks, e também a minha tia Lily. — embora beijou uma

garota uma vez, no sexto ano, mas esse beijo não era dos que contavam.

A garota franziu o cenho e perguntou:

— Lily Darlington?

— Assim é.

— Bull, um dos primos de Ronnie, está casado com minha tia Jessica. — Riu sonoramente. —

Quase somos família.

Ele duvidava que algo assim convertesse em família.

— Como se chama? — perguntou Nathan.

— Brandy Jo. E você?

Apesar de ter pinta de nerd e de seu acento marcado, Brandy Jo estava muito bem. Era o

tipo de garota que lhe provocava um nó no estômago e que o fazia pensar em quão complicadas

eram as garotas.

E nesses momentos, quando pensava em garotas, fazia muita falta seu pai.

— Nathan — respondeu. Havia certas coisas que um menino não podia perguntar a sua mãe.

Estudou durante uns segundos e ficou olhando o lábio.

— Dói?

Nathan não teve que perguntar a que se referia.

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— Não — disse, esperando que não falhasse a voz. Odiava quando escapava algum galo. —

Tenho pensado fazer uma tatuagem.

Brandy Jo abriu muito os olhos, e Nathan pensou que ficou impressionada.

— Deixariam seus pais? — perguntou ela.

Não. De algum modo, teria que conseguir fazer sem que sua mãe se inteirasse. Meses atrás

fizeram um trato: sua mãe permitiria levar um piercing se prometia que jamais, enquanto vivesse,

faria uma tatuagem. Ele prometeu, mas supôs que só teria que manter sua palavra até cumprir os

dezoito. As tatuagens eram geniais.

— Claro.

— Onde a fará?

Destacou o ombro.

— Aqui. Ainda não sei o que será, mas assim que saiba, a farei.

— Se pudesse fazer um, faria um coração vermelho na cintura.

Nathan pensou que era a típica tatuagem de garota, muito formal.

— Isso estaria bem. — Nathan dirigiu o olhar ao que a garota levava sob o braço. — Para que

é isso?

— Este verão vou dar aulas de arte para crianças. Passarei bem, e além disso me pagarão

cinco dólares e setenta e cinco a hora.

Dar aulas de arte a crianças não tinha nada de divertido para Nathan, mas cobrar cinco

dólares e setenta e cinco a hora soava estupendo. Não demorou para fazer os cálculos

mentalmente. Disse que se trabalhava cinco horas ao dia, cinco dias à semana, poderia conseguir

uns quinhentos e setenta dólares ao mês. Com tanto dinheiro poderia comprar um montão de CDs

e um skate novo.

Um Mustang de cor negra estacionou junto à calçada, ao outro lado da cerca, e Nathan viu

Jack saindo de seu interior. Jogou seu chapéu de vaqueiro ligeiramente para trás e, olhando a

Nathan por cima do carro, disse:

— Esqueceu o skate na oficina.

Jack não parecia tão temível nesse momento, mas a tensão que Nathan sentia no estômago

se incrementou de repente.

— Sei.

Brandy Jo olhou Jack e depois Nathan outra vez.

— Já nos veremos — disse a Nathan.

Nathan devolveu o olhar.

— Certo. Já nos veremos.

Quando ela se afastou, voltou a centrar sua atenção no homem que haviam dito que era seu

pai biológico. Pelo que Nathan podia apreciar, não se parecia muito a Jack.

— Levei o skate a casa de sua avó — disse Jack.

Nathan saiu pela porta da cerca e ficou junto à janela do passageiro. Se aquela pressão no

ventre não desaparecia, acabaria lhe devolvendo. E isso era a última coisa que queria.

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Daisy Volta para Casa

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— Estava minha mãe em casa?

— Sim. Estivemos falando. — Jack apoiou o antebraço no carro. — Me disse que faz muitos

anos que sabe que sou seu pai.

— Sim. — Nathan tragou saliva com muita dificuldade. Não entendia por que se sentia tão

estranho. Não é que importasse muito o que Jack pudesse pensar. Na realidade, foi até a

miserável oficina pela curiosidade. Isso era tudo. Não importava o que pensassem os outros. —

Sabia.

— Bom, alegra-me que ao menos não te mentiram. — Jack jogou uma olhada ao relógio que

usava no pulso e tamborilou com os dedos sobre o capô. — Quer que te leve para casa?

— Certo. — Nathan esperou que Jack tirasse a tranca da porta e depois montou. Ao sentar

sobre a suave pele de cor bege, seu estômago se comprimiu ainda um pouquinho mais. Não sabia

quanto devia custar aquele carro, mas sem dúvida muitíssimo mais que a ridícula caminhonete

que sua mãe tinha em Seattle. Isso seguro.

— É um Shelby? —- perguntou Nathan.

— Sim. Um GT 500 de 1967.

Nathan não sabia muito sobre o Mustang, mas sim tinha claro que, se as pessoas queriam

um Mustang, esse era o modelo adequado.

— Que motor tem? — perguntou depois de fechar a porta.

— Um autêntico Police Interceptor 428.

— Genial.

— Eu adoro. — Jack ligou o motor, olhou pelo retrovisor e se incorporou à rua.

— Que velocidade pode alcançar?

— Duzentos por hora — respondeu Jack. — Não é nada comparado com o Daytona, é obvio.

Que velocidade disse que podia alcançar em circuito?

— Em circuito, trezentos e quarenta. Na feira de amostras de 1969 chegou aos duzentos e

setenta.

Jack deixou escapar uma gargalhada e, aferrando as mãos ao volante, disse:

— Sabe uma coisa? A Billy iria bem um pouco de ajuda com esse Barracuda que temos na

oficina. Dado que vai passar um tempo por aqui e que algum dia terá seu próprio Daytona, talvez

você gostaria de dar uma mão com esse motor Hemi.

Estava de brincadeira? Nathan teria dado tudo simplesmente por tocar um motor Hemi.

— Isso seria estupendo. Mas não sei quanto tempo vou ficar na cidade.

Jack olhou-o nos olhos; a sombra do chapéu chegava até o nariz.

— Falaremos com sua mãe para saber quanto tempo vai ficar. — Voltou a olhar à frente e

colocou a terceira. — Naturalmente, embora sejamos família, não vamos pagar mais que ao resto

dos meninos.

"Me pagar? — pensou Nathan — Receber dinheiro por ter a honra de trabalhar em um

Hemi?" lhe pôs um arrepio. Baixou a vista e fixou na correia que pendurava de suas calças. Clareou

a garganta e assentiu com a cabeça várias vezes.

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— De acordo.

— Começaria ganhando sete e cinquenta a hora.

Tentou calcular mentalmente, mas isso, que em geral se dava muito bem, resultou

totalmente impossível nesse momento.

— Certo.

— Nathan?

Nathan voltou o olhar para Jack e respondeu:

— Sim?

— Teria que ter sabido de você muito antes — disse Jack sem separar a vista da estrada.

Nathan estava totalmente de acordo, mas guardou silêncio.

— Se soubesse — prosseguiu Jack. — Teria estado mais presente em sua vida. Ninguém

poderia ter me afastado de você.

Nathan não soube o que responder, assim permaneceu com a boca fechada.

— Talvez enquanto esteja aqui, possamos nos conhecer um pouco — repôs Jack.

— Claro.

— E se não nos caímos mal de tudo, inclusive poderia expor a possibilidade de passar aqui

todo o verão.

"Todo o verão? Neste lugar remoto? Nem pensar."

— Quando acabarmos com o Cuda, necessitarei alguém para que o prove. Acredita que

poderia fazer? — perguntou Jack.

Nathan mordeu o pendente do lábio para não sorrir. "Seria genial!", pensou.

— Sim — respondeu.

— Tem carta de dirigir, verdade?

Toda sua ilusão se veio abaixo.

— Não, só tenho quinze. Terei que ter dezesseis — repôs.

— No Texas não. Pode tirar isso aos quinze.

— Sério?

— Sim. Terá que tirar a carta para poder provar o Cuda em meu lugar. É a política da

companhia pelos assuntos do seguro. Isso significa que terá que ir a aula. Mais ou menos a metade

do verão.

Desde que tinha uso de razão, Nathan sonhava com o dia em que pudesse dispor da carta de

dirigir.

— Não tem por que me dar uma resposta hoje mesmo. Pense nisso e já me dirá — disse

Jack.

Se ficasse no Texas todo o verão, conseguiria a carta antes do previsto. Além disso,

trabalharia em um motor Hemi e ganharia um bom punhado de dinheiro. Ajustou a correia que

usava ao redor do pescoço.

— Terei que consultar minha mãe.

E não ia fazer nenhuma graça. Sempre dizia a tudo que não. Não queria que se divertisse

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nem que crescesse. Pretendia que se aborrecesse e que fosse um menino pequeno toda sua vida.

— Já falarei eu com ela — disse Jack.

— Faria isso?

— Claro que sim. — E sorriu amplamente, mostrando todos seus dentes. — Será um prazer.

Capítulo 13

— Lembra da Azelea Lingo?

— Não — respondeu Daisy com a mente em outra parte enquanto olhava pela janela da

cozinha de sua mãe.

— Claro que sim. É a que comprou para Lily meio aspirador como presente de casamento —

prosseguiu Louella como se Daisy estivesse presente no casamento de sua irmã.

— Como pode uma pessoa comprar meio aspirador como presente de casamento? —

perguntou Daisy sem ter interesse algum pelo assunto. Fazia mais de uma hora que Jack apareceu

para partir em poucos minutos.

Mais de uma hora e ainda não viu o cabelo de Nathan.

— Deixou um pagamento de sinal e Lily teve que pagar o resto. Um aspirador de noventa

dólares custou cinquenta. E já sabe, Azelea não passa fome precisamente. Está tão gorda que tem

que sentar por turnos, assim não se trata de que não pudesse pagar um aspirador inteiro.

Daisy esteve a ponto de partir uma dúzia de vezes, mas sempre acabou concluindo que a

melhor opção era ficar e esperar.

— Bom, pois o marido da Azelea, Bud, a deixou faz uns anos e se casou com uma moça de

Amarelo. Mas o que a garota de Amarelo não sabe é que Bud vem a Lovett procurar o amor nos

braços de Azelea — seguiu contando sua mãe.

Daisy esfregou o cenho. A cabeça ia explodir.

— O que acontece, meu querido? — Louella fez uma parada em sua história para falar com o

Pippen. — OH, quer seu gorro? Daisy, meu amor, onde está o gorro de Pip?

Daisy apertava com tal força a mandíbula que custou articular para poder falar.

— Possivelmente em seu dormitório — respondeu a sua mãe.

— Vá olhar em cima da cama da vovó — disse Louella a Pippen.

— Não, você — exigiu o menino com sua aguda voz.

— Iremos juntos — acessou então Louella.

Quando saíram da cozinha, Daisy continuou olhando pela janela. Separou a cortina azul de

veludo e apoiou a fronte no cristal. Dado que Nathan não havia voltado, supôs que Jack o

encontrou: ocorreram uma dúzia de possibilidades que foram desde que os dois se sentaram a

conversar em alguma parte, até que Jack sequestrou Nathan. Supunha que algo assim era de tudo

inviável, mas com o Jack nunca se sabia.

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Abriu a porta e tirou a cabeça para dar uma olhada à rua. Não havia sinal algum de nenhum

dos dois.

— Fecha a porta. Está deixando que entre o calor da rua — disse sua mãe ao entrar na sala.

Daisy voltou-se e viu que sua mãe pôs uma blusa rosa que tinha costuradas diminutas pérolas de

adorno e uma saia longa texana. Pippen estava a seu lado, com seu gorro e as fraldas à vista.

— Este meio-dia, justo quando saía do hospital, traziam o Bud Lingo para hospitalizá-lo —

prosseguiu sua mãe. — Parece que sofreu um ataque cardíaco enquanto estava com Azelea. Não

pude ficar no hospital, mas sinto uma terrível curiosidade por saber o que ocorrerá quando sua

mulher siga a pista de Amarelo até aqui. — Louella se aproximou do armário onde guardava as

fitas de vídeo e o abriu.

— A mais nova de suas filhas, Bonnie, também estava ali. É a que teve essa menina tão feia

no dia de São Certontín. Deus, quando levantei a manta que a cobria e vi o rosto da pobre menina,

quase me parou o coração. Não tinha nem um só cabelo na cabeça, e era rosada e magricela como

um rato recém-nascido. É obvio, menti e disse que era preciosa. Lembra do Bonnie? Baixa.

Morena?

Ao que parece, sua mãe se empenhou em conseguir que explodisse a sua cabeça. Daisy saiu

ao alpendre e fechou a porta. Sentou no primeiro degrau e apoiou a têmpora em uma das colunas

brancas de madeira que sustentavam o teto. Estava muito nervosa, e fazia já um bom momento

que perdeu a paciência. Era apenas perto do meio-dia, mas sabia que o dia já não podia ir a pior.

Jack a odiava abertamente: ia fazer de sua vida um inferno, tal como prometeu a primeira noite

que o viu. Embora Daisy entendia o aborrecimento e a indignação de Jack, não podia permitir sair

com a sua, não podia consentir que quem levasse a pior parte fosse o que menos culpa tinha, quer

dizer, Nathan.

Baixou a vista e ficou olhando seu pé nu com as unhas pintadas de vermelho. Pela primeira

vez percebeu que tinha a marca de uns dedos nas coxas. Não teve que perguntar de onde saiu.

Jack.

Deixou seu rastro quando fizeram amor, e dias depois ainda não desapareceu.

Era de se esperar, pensou. A marca que Jack deixou nela em sua juventude esteve ali

durante muitos anos, e não se referia precisamente a Nathan. Marcou onde ninguém podia ver.

Deixou uma marca indelével em seu coração e em sua alma. Uma marca que por muito longe que

se fosse, por muito tempo que passasse, ou por muito que o ocultasse, não perdia um ápice de

sua força.

Apesar dos sentimentos que Jack albergava agora por ela, Daisy tinha a sensação de que

estava se apaixonando de novo por ele. Começou a detectar os sintomas com a mesma clareza

com a que compreendia que não podia permitir que algo assim acontecesse.

Quanto antes agarrasse Nathan e fossem da cidade, melhor. Agora Jack sabia que tinha um

filho. Poderia chamá-lo ou escrever a Seattle, inclusive visitá-lo de vez em quando no futuro. Lily

estava se recuperando e logo lhe dariam alta, mas ela seguia presa. Sim, Daisy tinha seus próprios

problemas, e devia sair dali antes que sua vida se desmoronasse por completo. A uma quadra de

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distância Daisy ouviu o inconfundível som do Mustang de Jack. Elevou a vista e viu o carro negro

que se aproximava da casa. Quando ficou em pé, o carro parou frente ao alpendre. Jack parou o

motor e viu Daisy.

Seus olhares se encontraram: no de Jack havia ira; no de Daisy, resignação. Ela inclinou a

cabeça para ver quem se sentava no assento do copiloto: era Nathan. Seu filho tinha a cabeça

encurvada.

Disse algo, e ambos saíram do carro. Fecharam as portas ao mesmo tempo e Jack esperou

que Nathan rodeasse o carro. Daisy sentiu o sol do Texas esquentando os ombros. Pediu ajuda a

Deus para manter o controle e não começar a correr para seu filho.

Jack e Nathan subiram o caminho de entrada ao mesmo ritmo. Nathan, com as mãos nos

flancos, esforçava por conferir seu andar um ar de aparente tranquilidade. Entretanto, seus olhos

azuis expressavam cautela: não sabia se esperava uma bronca ou um abraço.

Jack usava uma mão metida no bolso de seus Levis e a outra pendurada

despreocupadamente de um flanco. Como sempre, caminhava sem pressa, como se não tivesse

especial interesse por chegar a nenhuma parte.

— Onde esteve, Nathan? — perguntou sua mãe quando parou em frente a ela. Teve que

refrear o impulso de o abraçar e tranquilizá-lo como se fosse ainda um menino pequeno.

— Estava muito preocupada. Sabe que eu não gosto nada que vá por aí e não me diga

quando vai voltar.

— Fomos dar uma voltinha — disse Jack.

Nathan franziu o cenho e Daisy perguntou:

— Está bem?

— Sim.

Mas não parecia estar bem. Parecia cansado e incomodado, e tinha as bochechas

avermelhadas devido ao calor.

— Tem fome?

— Um pouco — admitiu Nathan.

— Entra e diga à vovó que prepare algo para comer.

Nathan se voltou para o Jack e disse:

— Suponho que nos veremos?

— Conta com isso - respondeu Jack. — Ligarei quando tiver falado com o Billy.

— Genial. — Nathan subiu os degraus com as calças à altura dos quadris acompanhado do

tinido de suas correias.

— Onde o encontrou? - quis saber Daisy assim que seu filho fechou a porta.

— Na escola. Estava falando com uma garota — respondeu Jack.

— Aonde o levou? — perguntou Daisy enquanto voltava-se para o olhar à cara. O ardente sol

penetrava pela fina malha do chapéu de Jack e cobria o rosto de pequenos pontos de luz.

— Por aí.

— Por aí, onde? — insistiu Daisy.

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Jack sorriu e disse:

— Simplesmente por aí.

Ela levou a mão à fronte para proteger do sol. Jack estava passando de maravilha com tudo

aquilo.

— Do que falaram? — perguntou Daisy.

— De carros.

— E?

— Vai trabalhar para mim este verão — explicou Jack.

— Impossível — disse Daisy fazendo um amplo gesto com a mão. — Temos planos.

— Troca-os. Nathan diz que quer trabalhar para mim este verão.

Daisy olhou-o fixamente nos olhos, esses olhos verdes rodeados por longas e escuras

pestanas, e disse:

— Pensa que vou acreditar que tudo isso ocorreu a ele sozinho?

Jack negou com a cabeça e um montão de pontos de luz passearam por seus lábios.

— Não importa a quem tenha ocorrido. É o que queremos os dois.

— Não podemos ficar aqui todo o verão — disse Daisy enquanto uma gota de suor descia

entre seus seios. — Já passei aqui mais tempo do que pensei.

— Não há razão alguma para que fique. De fato, talvez seja melhor que vá — opinou Jack.

— Não vou deixar a meu filho aqui com você — assegurou Daisy. — O conhece há uma hora

e já o manipulou para que queira ficar.

— Simplesmente ofereci um trabalho: ajudar Billy a reparar um motor Hemi 426. A ideia o

encantou.

Daisy elevou as mãos e exclamou:

— Pois claro que encantou! Esse menino dormiu com lençóis da NASCAR a maior parte de

sua vida e escolheu seu primeiro carro aos três anos. Um Alpendre 911.

— Por todos os Santos! — exclamou Jack por sua vez. — Deixou que meu filho escolhesse

uma dessas merdas europeias?

Em qualquer outra circunstância Daisy se poria a rir, mas limitou a perguntar:

— Que demônios importa isso?

— É um Parrish. — Jack tirou o chapéu e enxugou a fronte com a curta manga de sua

camiseta. — Nos importa — passou a mão pelo cabelo e voltou a colocar o chapéu. — Se tivesse

sido educado como Deus manda, saberia apreciar a diferença — acrescentou.

Como se atrevia a criticar o modo em que educou Nathan? Talvez não foi sempre a mãe

perfeita, mas fez tudo o que estava em sua mão para ser. Teria matado a qualquer um que tivesse

querido fazer mal a seu filho.

— Se tivesse sido educado como Deus manda — prosseguiu Jack. — Não levaria um anel no

lábio nem correias de cão por toda parte.

Foi a gota que encheu o copo, e em menos de um segundo esqueceu por completo de sua

decisão de levar bem com Jack pelo bem de Nathan. Nesse preciso instante, deixou de importar

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que Jack tivesse direito ou não a estar zangado; cruzou a linha, insultou seu filho.

— É um rapaz estupendo — disse Daisy apoiando o dedo indicador no peito de Jack. — O

aspecto não é o que importa, o que importa é o interior.

Jack observou o dedo de Daisy e depois voltou a olhá-la nos olhos.

— Parece um ouriço.

— Muitos meninos o parecem onde nós vivemos — disse Daisy golpeando Jack com o dedo

duas vezes mais. — Ignorante!

Jack abriu muito os olhos e depois os entrecerrou. Agarrou-a pelo pulso e afastou a mão.

— Converteu-se em uma ianque, esqueceu as boas maneiras e tem um acento horrível —

disse Jack.

Daisy clareou a garganta, disposta a saltar na jugular. Firmou-se sobre os pés e disse:

— Tomarei como um elogio vindo de um mecanicozinho de segunda como você.

— Puta vaidosa. — Agarrou-a pelos ombros como quando tinham dez anos e discutiam para

deixar claro quem tinha a melhor bicicleta. Tiravam a palavra um ao outro, gruíam e se mostravam

os dentes, mas jamais aumentavam a voz. — Sempre acreditou que o sol sai e se põe para seu

próprio traseiro.

— E você sempre acreditou que tinha um presente de Deus entre as pernas. — Daisy

colocou as mãos sobre seu peito e empurrou-o, mas ele não se moveu. — Mas direi uma coisa, em

nome de todas as mulheres, o que tem aí abaixo não é nada do outro mundo.

— Pois não parecia opinar o mesmo no sábado passado, sentada sobre o porta-malas do

Custom Lancer. De fato, o que tenho entre as pernas te fez desfrutar tanto que inclusive te pôs a

chorar.

— Não faça ilusões. Fazia muito tempo que não tinha relações. Teria acontecido o mesmo

com qualquer outro. — Daisy sorriu, estava muito zangada para que isso pudesse incomodá-la.

— Poderia ter sido até com o Tucker Gooch — acrescentou consciente do pouco que ao Jack

gostava de Tucker.

Jack gargalhou e disse:

— Tucker não tem o que precisa ter para te fazer respirar como se estivesse tendo uma

experiência mística.

A porta da casa abriu e Louella apareceu a cabeça.

— Estão oferecendo um bom espetáculo aos vizinhos.

Jack soltou os ombros de Daisy e se ajeitou para parecer contrito.

— Boa tarde, senhora Brooks.

— Olá, Jackson. Faz calor, né?

— Mais ou menos o mesmo que no inferno — respondeu Jack tirando o chapéu e trocando

com a mãe de Daisy os cumprimentos de rigor para demonstrar que educaram-no como Deus

manda.

— Não te via a muito tempo — disse Louella.

— Certo, senhora — admitiu Jack.

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— Como está seu irmão?

— Está bem. Obrigado por seu interesse.

— Bom, saúda-o de minha parte.

— Assim o farei, e você, como se encontra, senhora Brooks?

Daisy se sentou no penúltimo degrau de concreto. Apoiou a fronte na mão disposta a que

sua mãe começasse a relatar a Jack a longa história sobre a ameaça de ataque ao coração que

sofreu quando viu a pouco agraciada filha do Bonnie Lingo. Por uma vez em sua vida, Daisy

agradeceu, pois isso oferecia tempo para se recompor.

Entretanto, Louella limitou-se a dizer:

— É muito amável por me perguntar isso. Estou bem.

— Me alegro de que assim seja, senhora.

Daisy quase pôde sentir os olhos de sua mãe cravados na nuca. Mas já se sentia o bastante

idiota por ter discutido com o Jack no alpendre, assim preferiu não voltar-se e evitar um dos

olhares reprovadores de sua mãe.

— Nathan ouviu? — perguntou Daisy.

— Não. De dentro não podíamos ouvir, mas via perfeitamente — explicou Louella.

— Estupendo— sussurrou Daisy.

Escutou como fechava a porta e olhou ao Jack para dizer:

— Vamos ter que nos dar bem.

Ele negou com a cabeça. Inclusive com aquele absurdo chapéu tinha boa pinta.

— Isso não vai acontecer — disse Jack.

— Então teremos que fingir. Pelo bem de Nathan.

— Escuta, florzinha, direi uma coisa — disse ele tornando o chapéu para trás. — Temo que

não sou bom mentindo.

Daisy recordou sua mentira sobre sua recente viagem a Esculpisse.

— Se você diz...

Jack franziu o cenho e disse:

— Ao menos não tão boa como você.

Daisy ficou em pé sobre o último degrau e olhou-o nos olhos.

— De verdade acredita que Nathan quererá ficar aqui com você sabendo que me odeia? —

perguntou Jack e, sem esperar a que respondesse acrescentou. — Gosta de comportar-se como se

fosse adulto. Gosta de acreditar que me empenho em tratá-lo como um menino pequeno, mas o

certo é que ainda me necessita.

Jack relaxou o enrugar de sua fronte e perguntou:

— Está dizendo que vai deixar que fique durante o verão?

Daisy não acreditava dispor de outra opção. Falaria com Nathan, e se realmente desejava

trabalhar na oficina de Jack e conhecê-lo, Daisy não se oporia.

— Se isso for o que quer... Mas não o deixarei sozinho com você. Deixei-o em Seattle só

algumas semanas aos cuidados de uns familiares e não pôde resistir.

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Daisy deixou sair o ar de seus pulmões e acrescentou como se pensasse em voz alta:

— Nathan só trouxe uma mochila de roupa. Eu só trago uma mala. Não podemos passar

todo o verão com o que temos aqui. — Teria que ir a Seattle em busca de algumas coisas.

Jack cruzou os braços. Ganhou esse assalto e sabia.

— Deve me prometer que não voltaremos a brigar — pediu a Jack.

— Aceito.

— Temos que nos dar bem.

— Diante de Nathan.

Para Daisy ainda não era suficiente.

— Vai tentar fingir que você gosta de mim — advertiu a Jack.

Jack jogou a cabeça para trás e a sombra de seu chapéu percorreu o rosto de cima abaixo.

Então disse:

— Não tente à sorte.

Daisy mudou a água das lilases e voltou a colocar o vaso na prateleira que havia junto à

cama de sua irmã, no hospital. A Daisy desagradava o intenso perfume das lilases. Faziam pensar

na morte.

— Não estarei aqui amanhã quando derem alta — disse a Lily estendendo o braço para

agarrar o vaso com tulipas e rosas brancas.

— Nathan e você voltam para casa? — perguntou Lily enquanto comia a gelatina da bandeja

do almoço.

— Só eu, mas por uns poucos dias. — Daisy caminhou até a pilha e mudou a água do vaso. —

Pelo visto, vamos ficar aqui para passar o verão.

Lily não disse nada e Daisy voltou a cabeça para olhá-la. Lily tinha a fronte coberta por uma

ampla atadura branca que protegia as feridas. Um de seus olhos apresentava um tom entre azul e

negro, o outro ia do verde ao amarelo. Tinha o lábio superior ligeiramente inchado, o antebraço

esquerdo enfaixado e o tornozelo e o pé direitos engessados.

— O que aconteceu? — acabou por perguntar Lily. — falou com Jack sobre Nathan?

— Não exatamente. — Daisy deixou o vaso junto ao pote de lilás e se sentou em uma

cadeira perto da cama de Lily. — Foi Nathan, por assim dizer, que deu a entender — respondeu à

sua irmã; não demorou para contar o resto da história e logo acrescentou: — Tentei dizer a Jack o

muito que lamento, mas ainda não está preparado para receber minhas desculpas.

Lily voltou a cabeça sobre o travesseiro. Seus olhos azuis contrastavam com o mosaico de

cores de seu rosto.

— Sinto muito não são mais que duas palavras, Daisy — disse sua irmã. — E não significam

absolutamente nada se não as sentir seriamente. Ronnie me dizia que sentia muito cada vez que o

pegava em uma mentira, mas o que realmente sentia muito era que eu tivesse pegado de novo. Às

vezes dizer "sinto muito" não é suficiente.

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Ouviram que chamavam o doutor Williams por microfone. Daisy ficou no lugar do outro,

daquele que sentia o mais terrível das dores.

— Sim, sei. — aferrou os braços da poltrona e acrescentou. — Por isso vamos passar aqui o

verão. Devo a Jack. É possível que, em seu momento, tomasse a decisão correta, mas não deveria

ter esperado quinze anos para contar. Me sinto muito culpada.

— Tampouco deixe que a culpa te atormente — retificou Lily deixando a gelatina sobre a

bandeja. — Lembra de quando estivemos no Slim Clem's?

— Claro.

— Essa noite fui para a cama com Buddy Calhoun - confessou Lily.

Daisy ficou com a boca aberta.

— Veio a minha casa e nos envolvemos — começou a contar sua irmã. — Foi muito doce e, a

verdade, esteve muito bem. Mas assim que partiu, comecei a me sentir culpada, como se tivesse

enganado meu marido. Ronnie esteve me pondo chifres durante anos, e logo abandonou Pippen e

a mim, e em troca era eu a que me sentia culpada. — Coçou a fronte, perto da atadura. — Não

tinha nem pés nem cabeça, mas me senti tão mal que montei no carro e fui até sua casa. Não

estava ali, mas comecei a dar voltas com o carro enquanto esperava que chegasse. Fui me

enchendo o saco cada vez mais. Depois disso não me lembro de muito, mas suponho que

adormeci e acabei enfiada em sua sala.

— Lily. — Daisy ficou em pé e se aproximou da cama. — O que quer dizer? Que me sentir

culpada fará que perca a cabeça ou que devo ter em conta a possibilidade de que Jack estampe

seu Mustang contra a porta da casa da mamãe?

— Nenhuma coisa nem a outra. Não sei. A única coisa que digo é que quero voltar a me

sentir como uma pessoa normal. — Lily separou a bandeja e perguntou: — Pode me coçar o dedão

do pé?

Daisy deslocou-se até o extremo da cama e coçou o dedão da sua irmã. Tinha o tornozelo

muito inchado.

— O que contou à polícia sobre o acidente? — quis saber Daisy.

— Que fui ver Ronnie para falar da pensão do menino, que deve ter me dado uma de minhas

terríveis enxaquecas e que acabei apertando o acelerador em vez do freio.

— Acreditaram?

Lily deu de ombros e disse:

— Fui a aula com o Neal Flegel. Nunca se deu muito bem com Ronnie. Pôs uma multa por

excesso de velocidade. Meu seguro cobre as imperfeições da casa, mas estou convencida de que a

multa vai ser tão alta que não poderei dirigir durante um tempo.

O que, segundo o ponto de vista de Daisy, era quase uma bênção.

— Pensou em ir a um psicólogo?

— Sim, pensei. Talvez não fosse realmente ruim — admitiu Lily enquanto passava a mão

para apertar o controle que controlava a posição da cama.

— Embora acredite que depois de enfiar o carro na casa de Ronnie, vejo as coisas mais

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claras.

Isso soava bem.

— Um homem que me faça sentir tão mal comigo mesma, na certa não vale a pena —

prosseguiu Lily. — Quando não me deixo levar pela loucura, sou uma pessoa bastante agradável.

Daisy sorriu e exclamou:

— Claro que sim!

— Ronnie não merece nada, e muito menos que eu sofra por ele.

— Exato — assentiu Daisy.

— Vou concentrar meus esforços em ser uma pessoa melhor e em criar Pippen. Chega de me

sentir uma pelanca por culpa de Ronnie. Necessito um homem que me faça sentir importante.

— Tem razão. — As palavras de Lily pareciam indicar que voltou para o bom caminho.

— Por que deveria depender minha autoestima de um homem que confunde crescimento

pessoal com ereção? — perguntou Lily.

Daisy se pôs a rir e respondeu:

— Não há razão alguma.

Lily puxou o esparadrapo que segurava a bolinha de algodão que tinha no anverso do

cotovelo e acrescentou:

— Os homens são a escória do mundo, terei que matá-los a todos.

Bom, talvez não tivesse recuperado toda a prudência.

Capítulo 14

Jack observou seu filho enquanto Billy ensinava como tirar o virabrequim do motor Hemi

426. Estava tentando não olhá-lo fixamente desde o dia em que o recolheu em frente a escola.

Não queria assustá-lo de novo, mas era o terceiro dia que trabalhava na oficina e a Jack resultava

cada vez mais difícil não parar para estudá-lo. Apesar de seu penteado e do piercing, os traços de

Nathan tinham as características típicas dos Parrish; inclusive mais que os do próprio Jack.

Este arregaçou, aferrou um dos ganchos e tirou os poucos parafusos que restavam. Já não

trabalhava tanto em trabalhos mecânicos como antes. Passava a maior parte do tempo acordando

trabalhos e procurando peças por todos os lugares do país. Ele se encarregava do trabalho de

escritório, e Billy estava no comando das questões práticas; nesses três dias, entretanto, passou

muito mais tempo na oficina, junto aos demais mecânicos.

— Os êmbolos estão atrasados — disse Billy inspecionando a árvore de partidas. — Tal como

pensávamos.

— E isso o que significa? — perguntou Nathan.

— Significa que estão empenados — respondeu Billy.

— E também quer dizer que as válvulas permanecem abertas muito tempo ou não o

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suficiente e que o motor perde força — acrescentou Jack.

Nathan olhou Jack por cima do grande motor de oito cilindros em V e Jack apreciou certa

incredulidade em seu olhar que não o agradou absolutamente. Seguiu olhando nos olhos e disse:

— As peças substitutas estarão aqui quando Billy e você estiverem em disposição de trocá-

los.

"Meu filho."

Billy passou a peça a Nathan para que este pudesse estudá-la.

— E o que vamos fazer com a peça velha? — perguntou o rapaz.

— Atirá-la ao contêiner de metal daí fora, que mostrei outro dia — disse Billy.

Jack esteve um momento observando Nathan, que se movia pela oficina com esse macaco

azul na bolsa pela parte do traseiro, e se disse que deveria sentir algo mais intenso por aquele

moço. Algo mais que um simples nó na garganta e uma ávida curiosidade. Teria que sentir uma

espécie de conexão com Nathan. Uma conexão como a que sentia com seu próprio pai. Mas não

era assim.

Ao que parece, essa conexão se produzia com Billy. Nathan não se separou de seu lado em

toda a semana. Também parecia sentir-se a vontade com os outros mecânicos que trabalhavam na

oficina.

Mas com o Jack se mostrava mais silencioso e reservado.

Essa mesma tarde, no jardim de Billy, Jack comentou todas essas dúvidas com seu irmão

enquanto tomavam uma Lone Star.

— Acredito que Nathan não gosta muito de mim — disse Jack sem tirar o olho de Lacy e Amy

Lynn, que brincavam no pequeno parque que Billy construiu no verão anterior. Eram perto das

sete da tarde e a sombra de dois carvalhos se estendia sobre a erva até onde se encontravam os

dois irmãos. — Me dá a impressão de que gosta mais de você.

— Eu acredito simplesmente que, quando está perto de você, fica mais nervoso —

tranquilizou Billy. Reclinaram-se em algumas espreguiçadeiras Adirondack, com as pernas

estiradas e as botas de vaqueiro apoiadas uma em cima da outra. Jack usava uma camisa texana

com as mangas cortadas, enquanto que Billy usava uma jaqueta. Rhonda levou a pequena filha

junto com ela para uma espécie de reunião de produtos de beleza e deixou Billy ao cargo das duas

meninas maiores.

— Não sei o que posso fazer para que se sinta mais cômodo — disse Jack antes de levar a

garrafa à boca e dar um gole.

— Para começar, quando sua mãe vier busca-lo na oficina, não a olhe como se tivesse

intenção de apunhalá-la, como fez hoje.

Não viu Daisy desde que mantiveram aquela conversa no alpendre da casa de sua mãe.

Esteve em Seattle alguns dias e não soube que voltou até que a viu aparecer pela oficina. Olhou

daquele modo porque não esperava vê-la ali.

— E não se mostre tão displicente - prosseguiu Billy — quando Nathan falar de seu pai.

— Steven não era seu pai — espetou Jack a seu irmão e acrescentou: — E nunca disse nada

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mau dele.

— Não é preciso. Quando Nathan fala dele, seu olhar endurece e começa a soprar como um

compressor de ar. — Billy se ergueu e gritou a uma de suas filhas: — Lacy, não passe pela frente

de sua irmã quando está balançando! Poderia golpear a cabeça outra vez!

Jack deixou a garrafa sobre um dos braços da espreguiçadeira e perguntou:

— Nathan fala de Steven quando eu não estou presente?

— Sim— respondeu Billy enquanto deitava de novo. — Pelo visto, antes que Steven

adoecesse, faziam muitas coisas juntos.

Jack, sem dar-se conta, começou a soprar tal como disse Billy. Estava ciumento. Ciumento de

um morto e ciumento de seu próprio irmão. Não gostava nenhum pingo de se sentir assim.

— Sei que está zangado — disse seu irmão — e tem todo o direito de estar, mas deve ter em

conta que Nathan amava Steven. Você goste ou não, Steven, pelo que parece, foi um bom pai para

Nathan. — Steven não tinha nenhum direito a ser bom, nem mau, nem indiferente. Daisy e ele o

levaram. Casaram e me mantiveram afastado de meu filho durante quinze anos.

— E o que te enche o saco mais? Que Daisy não dissesse nada sobre Nathan ou que

escolhesse Steven e não você?

— Que levasse ao Nathan — admitiu Jack; é obvio isso era o pior, mas ambas as coisas

estavam tão intimamente ligadas que resultava impossível as separar. — Agora olha como se a

odiasse, mas me fixei no modo em que a olhou na festa do aniversário de Lacy. Comia-a com os

olhos.

Sério? Talvez.

— Tive algo muito especial com ela quando fomos jovens — confessou Jack enquanto

observava Amy Lynn, que acabava de saltar do balanço e estava aterrissando de pé.

— Li a carta de Steven, e me deu a impressão de que os dois tinham algo muito especial com

Daisy Brooks. Pelo visto, os dois estavam apaixonados por ela — disse Billy.

Não fazia sentido negá-lo.

— Desde o oitavo ano mais ou menos. Talvez inclusive desde antes. — Admitiu Jack, e sem

deixar de observar a Amy Lynn, começou a pensar em todo o ocorrido antes da noite em que

Daisy e Steven se casaram.

— Estar com ela era como... correr pela autoestrada a duzentos por hora. Já sabe, essa

sensação de sentir arrastado a toda velocidade? O coração te sobe à garganta e a adrenalina te

corre pelas veias fazendo que te arrepie o pelo.

— Sim, sei a que se refere.

— Pois era igual. — Jack sacudiu a cabeça e estendeu o braço para agarrar a garrafa de

cerveja. Nunca falou a ninguém de Daisy. — Estava louco por ela, mas discutíamos muito.

Era muito ciumenta, e eu me punha feito uma fúria se algum menino a olhasse.

Billy voltou a inclinar para frente.

— Amy Lynn, não balance com tanta força! — gritou a sua filha; logo deitou de novo e disse.

— Bom, suponho que tiveram que estar algumas vezes juntos se a deixou grávida.

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Jack recordava com total clareza as vezes que fizeram amor no assento traseiro de seu carro,

ou de pé em algum lugar, com as pernas de Daisy ao redor de sua cintura, ou no quarto de Daisy

quando sua mãe trabalhava no último turno.

— Acredito que brigávamos para poder fazer as pazes no assento traseiro de meu Camaro.

— Típico do excesso de hormônios juvenil — disse Billy olhando com seus claros olhos azuis

como se tudo fosse tão simples.

— Era algo mais que hormônios juvenis. — Jack esteve com outras garotas antes de Daisy,

mas com ela houve algo mais que sexo. O que ocorreu no sábado anterior sobre o porta-malas do

Custom Lancer demonstrava que Daisy ainda era capaz de fazê-lo sentir o mesmo que antes.

Inclusive depois de todos esses anos. Por azar, isso aconteceu antes de descobrir sobre Nathan.

Agora a única coisa que sentia por ela era uma raiva aguda. Deu um gole de cerveja e apoiou a

garrafa sobre sua coxa direita. — Acreditava que foi feita para mim. Não deixava de pensar nela.

— E se estava apaixonado por Daisy, por que acabou com a relação? — perguntou seu

irmão.

— Como sabe que acabei com ela?

— Pela carta do Steven.

— Explicava na carta? — A única coisa que Jack recordava com clareza dessa carta era o que

dizia do Nathan. — Mamãe e papai acabavam de morrer, e eu tive que lidar, ou tentar lidar, com

todo o assunto. — Levantou um dedo da garrafa e assinalou a seu irmão. — Foi um autêntico

inferno, lembra?

— Sim — reconheceu Billy.

— Justo então Daisy ficou mais possessiva e emocional que nunca. Passava todo o dia

pendurada no meu pescoço, e quanto mais eu tentava afrouxar, mais ela apertava. Estava me

asfixiando. Não pude suportar, então, disse que necessitava um pouco de tempo. E depois se

casou com meu melhor amigo.

— As mulheres grávidas se comportam de um modo muito estranho — explicou Billy — me

acredite, passei três vezes por isso.

— Eu não sabia que estava grávida.

— Já, disse a Steven e a você não, porque você a rechaçou.

— Eu não a rechacei.

Billy estava começando a ficar contra.

— Só necessitava um pouco de tempo para pensar. Se soubesse teria atuado do modo

correto.

— Estou convencido disso — disse Billy.

Por fim, um pouco de apoio por parte de sua família.

— Mas o caso é que ela se sentiu rechaçada, foi em busca do Steven e este ofereceu a ajuda

que você negou — prosseguiu Billy.

— Que demônios... É meu irmão. Se supõe que deveria estar do meu lado! — exclamou Jack.

— E o estou. Sempre o estarei. Acontece que está muito zangado, e me dá a impressão de

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que não vê as coisas com clareza. Entendo o que sente, mas alguém deve dizer a verdade: que em

certo modo você mesmo empurrou Daisy a casar com Steven.

— Talvez. — Jack acessou para não discutir, mas não tinha nada claro que assim fosse. —

Mas isso não justifica que não me dissessem nada. Nunca perdoarei Daisy por não me contar

sobre meu filho.

— Sabe o que diz Tim McGraw sobre a palavra "nunca"? — perguntou Billy.

Importava um cominho o que opinasse Tim McGraw. Tim casou com Faith Hill, e esta não o

abandonou, nem levou seu filho e manteve em segredo durante quinze anos. Billy bebeu um

longo gole de sua cerveja e, apesar do pouco interesse que mostrava seu irmão, disse:

— O velho Tim diz algo a respeito de que o problema de dizer nunca é que esse nunca se

cumpre. Acredito que tem toda a razão.

Jack pensou que Billy deveria reduzir o consumo de Lone Star.

— Pensei em pegar o bote e levar Nathan para pescar no lago Meredith — disse Jack para

deixar de falar de Daisy. — Poderíamos acampar e passar a noite ali.

— Rhonda e eu acampamos ali com as meninas este verão. Ficamos no camping Standford

Yake, perto do porto. Os lavabos e as duchas das garotas estavam muito bem.

— Não me importa como estejam os lavabos! — exclamou Jack. Billy se preocupava com

essas coisas porque precisava viver com quatro fêmeas.

— Digo por que talvez tivesse a intenção de pedir a Daisy que os acompanhasse.

Jack ficou em pé e cruzou o jardim.

— Que demônios acontece? — perguntou Jack. Queria conhecer seu filho sem

intermediários. Agora que era consciente de como reagia quando Nathan falava de Steven,

poderia controlar-me. Fala só para me chatear?

Billy soltou uma gargalhada e também ficou em pé.

— Não. Simplesmente pensei que Nathan se sentiria mais cômodo se ela estivesse presente.

Talvez se abrisse mais.

Talvez. Mas não tencionava dormir em uma barraca de acampamento com Daisy. Nem

sonhando. Não tinha nada que ver com o sexo, mas sim, mas bem com a tentação de asfixiá-la

com o travesseiro. Caminhou até a lata de lixo que tinham a um lado da casa, abriu a tampa e

lançou a garrafa dentro.

— Estaremos muito bem sozinhos. — Voltou a colocar a tampa. — Pescaremos um pouco e

o passaremos bem.

— Parece estupendo.

— Ei, vocês duas! — gritou Jack para o outro lado do jardim. — Venham aqui correndo me

dar um beijo antes que vá.

Lacy deslizou pelo tobogã de plástico e, segundos depois, Amy Lynn saltou do balanço. As

duas puseram a correr. Lacy com a cabeça encurvada como sempre. Jack posou um joelho em

terra para evitar uma possível cabeçada na virilha.

Billy levantou e foi jogar sua garrafa de cerveja vazia.

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— Em algum momento da semana que vem, poderia trazer aqui Nathan para que

conhecesse suas primas.

— Para que conheça seus animaizinhos? — perguntou Jack ao mesmo tempo que aferrava

Lacy e a colocava sobre seu joelho.

— Eu não sou um animalzinho — protestou Amy Lynn, mas igualmente passou os braços

pelo pescoço e o beijou na bochecha.

— Então, o que é? Um animal de curral? — perguntou Jack.

— O que é isso?

— Uma galinha — explicou seu tio.

— Não? ou — disse Amy Lynn com incredulidade.

— Juro Por Deus. Assim era como sua avó Parrish chamava as galinhas. O bom é que ela

cresceu em uma granja do Tennessee e nunca tiveram curral algum — explicou Jack; beijou a Lacy

e depois voltou a deixá-la no chão.

Ficou em pé com a Amy Lynn pendurada ainda do pescoço.

— Não vá — protestou a menina.

— Preciso ir — disse Jack fazendo cócegas debaixo do braço; deixou-a no chão e

acrescentou: — Tenho que planejar muito bem minha jornada de pesca.

— Passarão muito bem — prognosticou Billy jogando uma olhada a Lucy e seguindo Jack a

caminho da porta que havia a um lado da casa. — Nathan é um bom moço. É óbvio que recebeu

uma boa educação.

Jack voltou-se para olhar a seu irmão.

— Já viu a pinta que tem. O piercing do lábio e o cabelo de ponta. Usa correias de cão e as

calças tão caídas que quase se vê o traseiro.

— É o aspecto de muitos dos rapazes de hoje em dia. Isso não significa que não esteja bem

educado — explicou Billy.

Tinha razão, mas Jack não estava de humor para reconhecer o mérito de Daisy, e muito

menos agora que Billy elegeu o papel de advogado do diabo.

— Quando tinha três anos, queria um Alpendre 911 — confessou Jack a Billy.

Billy parou em seco e disse:

— É um Parrish.

Finalmente, o convenceu.

Jack bateu na porta de Louella Brooks com os nódulos. Estava começando a descer o sol, e

uma luz cinzenta banhava o alpendre. Abriram a porta e se encontrou cara a cara com Daisy.

Usava o cabelo solto e algo revolto como se acabasse de sair da cama. Pôs um vestido rosa que se

atava na nuca, ia descalça e estava mais sexy que nunca.

Jack sentiu que em seu estômago combatiam a raiva e o desejo.

— Olá, Jack.

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— Olá. Nathan está?

— Saiu com minha mãe, mas... — Daisy franziu o cenho e mordeu o lábio inferior. — Que

horas são?

Jack jogou uma olhada a seu relógio.

— Pouco mais das oito.

— OH. Bom. Mamãe e Nathan foram dar uma mão a Lily com o jantar.

— Como se encontra sua irmã? — perguntou Jack.

Daisy esfregou os olhos e respondeu:

— Melhor. Faz dois dias que está em casa.

— Te acordei? — perguntou Jack.

— Fiquei adormecida vendo um antigo capítulo do Frasier. — Daisy dedicou um sorriso

preguiçoso e acrescentou: — Nathan deve estar aqui ao anoitecer.

— Importa-se que o espere aqui?

— Vai ser amável? — perguntou Daisy arrastando as palavras: Daisy Lê recuperou seu

acento.

— Não mais do que o necessário — respondeu Jack.

Ela repensou durante uns segundos e depois se fez a um lado e convidou a passar.

Seguiu pela sala, que estava às escuras. As luzes multicoloridas da televisão projetavam

manchas brancas e azuis sobre suas costas e seus ombros nus. Conduziu até a cozinha e acendeu a

luz. Passaram-se muitos anos desde a última vez que esteve na cozinha de Louella Brooks.

— Quer tomar algo? Chá, Coca Cola, água? — perguntou Daisy; então sorriu, olhou por cima

do ombro e acrescentou: — Bourbon?

— Não, obrigado.

Daisy passou a mão pelo cabelo enquanto abria a geladeira, e tirou uma garrafa de água de

plástico azul. Arrumou o cabelo com os dedos, desenroscou o plugue da garrafa e fechou a porta

com um golpe de quadril.

— Que tal foi Seattle? — perguntou Jack.

— Foi muito triste. — Os sedosos cabelos de Daisy voltaram para seu lugar, apoiou um

ombro na geladeira e olhou ao Jack nos olhos. — Finalmente empacotei a maioria das coisas do

Steven. Junie levou tudo o que quis.

Os da beneficência ficaram com o resto.

Jack apreciou a tristeza em seus olhos castanhos, mas disse que não importava o mínimo.

Daisy levou a garrafa aos lábios e deu um gole. Quando voltou a baixá-la, Jack apreciou a gota que

ficou em seu lábio superior.

— Trouxe algumas fotos para você— disse Daisy; a gota ainda seguiu ali durante um bom

momento; finalmente deslizou e desapareceu entre ambos os lábios.

— Que fotos? — perguntou Jack; se tratava de fotografias dela, Steven e Nathan em Seattle,

já podia ficar com elas.

— Há uma de Nathan no hospital, recém-nascido. Outra montado em um triciclo, soprando

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as velas do bolo em seu aniversário, jogando futebol... Coisas desse estilo. — Daisy levantou um

dedo e disse. — Já volto.

Jack não queria que Daisy se mostrasse razoável. Trazer fotografias ultrapassava a fingida

amabilidade que combinaram mostrar em público. Não queria que fosse agradável. Não queria ver

como se deslizavam as gotas de água por seus lábios. Não queria ver como se afastava, nem

passear o olhar por suas costas até chegar a seu traseiro e finalmente ao final de seu vestido, onde

o tecido acariciava suas coxas.

Quando retornou, trazia sob o braço uma caixa de sapatos.

— Tenho milhares de fotos de Nathan; isto não é mais que uma pequena amostra. Pensei

que você gostaria de ver. — Daisy levou a caixa até a mesa do café da manhã e se sentou. Jack

tomou assento em frente a ela, e Daisy abriu a caixa. Tirou algumas fotos instantâneas e as passou

a Jack. — Essa é no hospital. Tinha uma ferida porque tiveram que tirá-lo com fórceps.

Jack baixou a vista e viu um bebê diminuto com uma ferida na bochecha. Seus olhinhos

pareciam os de um bichinho e tinha os lábios ligeiramente franzidos, como se estivesse a ponto de

beijar a alguém. Na seguinte fotografia Daisy aparecia tal como ele a recordava em seus tempos

na escola. Tal como era o dia em que o abandonou. Usava o cabelo comprido e estava sentada na

cama do hospital com o bebê nos braços envolto em um lençol branco. Seu filhinho. Sua garota.

Embora naquela época já não era dele.

— Não sabia se quereria ficar com esta, como saio eu... — disse ela. — Claro que saio em

todas as fotografias do hospital. — Tirou algumas fotos mais da caixa. — As que não queira as

deixe aqui. — Ao passar as fotos, Daisy se inclinou para frente. — Essa é do primeiro aniversário

de Nathan. — Assinalou um bebê sobre uma cadeira de cozinha. Tinha o rosto e o cabelo

manchados de chocolate, e ria com generosidade.

Os restos de bolo estavam esparramados em cima da mesa que tinha em frente.

— Acabava de fazer o bolo e me pus a lavar os pratos — continuou Daisy. — Quando voltei-

me, estava em cima da cadeira e tinha agarrado vários punhados de bolo. Quando voltei com a

câmara, o havia levado a boca e depois o esfregou pela cabeça. — Jack se pôs a rir, ela elevou a

vista e sorriu. — Era um caso — adicionou voltando a centrar a atenção na fotografia. Jack

deslocou o olhar para o pescoço de Daisy. Tinha os seios apertados contra a mesa e via o canal. Se

tivesse inclinado só um pouco para diante, Jack teria captado o aroma de seu cabelo. — Esta é de

quando tivemos que começar a fechá-lo em nosso quarto — acrescentou.

Jack se tornou para trás na cadeira e perguntou:

— Por quê?

— Porque aos sete meses aprendeu a sair do berço — disse Daisy. — Por medo de que um

dia caísse, decidimos comprar uma cama muito baixa. Então, um dia, pouco depois de seu

aniversário, fazendo sua cama encontrei três chaves de fenda debaixo do travesseiro. — Daisy

sacudiu a cabeça. — A única possibilidade que me ocorreu foi que o menino rondava pela casa

quando Steven e eu dormíamos. Por isso tivemos que fechá-lo em nosso quarto, conosco.

Os três em uma só cama. Uma família feliz. Jack teria que ter sido um dos protagonistas

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dessa história. Teria que ter estado com ela e com Nathan. Mas Daisy escolheu Steven.

Escolheu ele. Era ele o que teria que ter estado naquela cama, mas a crua realidade era que

não podia culpá-la por sua escolha. Já não. Ela escolheu Steven porque tinha dezoito anos e estava

assustada. Mas ter dezoito anos e estar assustada não justificava o fato de que levou seu filho.

Não acreditava que pudesse perdoá-la nunca por esse motivo.

Daisy estendeu outras fotografias sobre a mesa.

— Tenho um montão de fotos de Nathan a todas as idades. É meu assunto favorito. Tenho

algumas em branco e preto, muito bonitas, que tirei faz uns anos, quando subimos pelas rochas

que havia ao pé do Snoqualmie Falls. O branco e preto unificou tudo o que Nathan tinha a seu

redor. — Em sua boca se esboçou o anúncio de um sorriso. — Em cor a foto teria sido excessiva e

Nathan se teria perdido entre tanta variedade de cores e formas.

— Falas como uma perita em fotografia — disse Jack; ele tinha uma dessas câmaras

compactas com enfoque automático, e a seu pesar sempre se esquecia de levá-la às festas de suas

sobrinhas.

— Sou fotógrafa. É assim como ganho a vida — explicou ela.

Jack não sabia. Mas o certo era que sabia muito poucas coisas de sua vida em Seattle.

— É o que tenho planejado fazer no futuro — prosseguiu Daisy — vou abrir meu próprio

Studio. Estive me informando sobre o preço do aluguel de pequenos locais, inclusive falei com um

agente imobiliário sobre um local em Belltown, que está no centro da cidade. — Rebuscou na

caixa e tirou mais fotografias. — No princípio sei que será duro, com o dinheiro que tirei de vender

a casa e o que recebi pelo seguro de vida de Steven, seguiremos adiante.

Ela continuava com sua vida. Olhava para o futuro, enquanto ele seguia ancorado no

passado, incapaz de avançar. Louella entrou na cozinha seguida de Nathan, que carregava com

mais correntes do que o habitual e usava uma camiseta com o desenho de um skate estampado

no peito.

Daisy levantou-se e foi a seu encontro.

— Nathan, Jack veio para falar com você.

Nathan olhou a seu pai por cima da cabeça de Daisy. Jack deixou as fotografias sobre a mesa

e ficou em pé. Centrou sua atenção na avó do moço. Tinha olheiras muito marcadas e o cabelo um

pouco despenteado.

— Boa tarde, senhora Brooks.

— Boa tarde, Jackson — respondeu a mãe de Daisy.

— Como se encontra?

— Tive dias melhores — disse. — Lily insiste em ficar em sua casa, apesar de que aqui estaria

muito melhor. — Deixou sua enorme bolsa negra sobre a bancada e se aproximou de Jack.

— O ano passado, a filha do Tiny Barnett, Tammy, teve problemas femininos e tiveram que

operá-la. Contaram isso?

Jack não estava seguro de se Louella estava falando com ele. Estava olhando, mas não

conhecia ninguém chamado Tiny Barnett, nem tampouco a sua filha Tammy.

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Entretanto, sem esperar resposta, Louella prosseguiu:

— Morreu porque saiu do hospital muito cedo.

— Mamãe — disse Daisy com um suspiro. — Lily não vai morrer.

— Isso foi o que pensou Tammy. E deixou sozinho um menino da idade do Pippen. E também

a um marido. Era um desses ianques do leste, assim quando Tammy passou desta para a melhor,

fez as malas e levou o menino.

Tiny era uma boa mulher. Esteve com o Horace Barnett todos estes anos e todo mundo sabe

que esse homem nasceu cansado e que é um vagabundo exímio. Não acredito que tenha

aguentado mais de um mês seguido em algum de seus inumeráveis trabalhos.

Deixou de falar e então Jack recordou de repente um detalhe fundamental: a razão pela qual

Steven e ele estavam acostumados a esperar Daisy no alpendre. Passaram-se quinze anos, mas

aquela mulher não mudou.

Louella Brooks não calava nem debaixo da água.

— Além disso, Horace tem uma filha retardada, a pobre. Está acostumado a passar pelo

restaurante de vez em quando para comer moelas. Eu acreditava que...

A cabeça de Jack começou a doer; olhou a Daisy e Nathan, que estavam de perfil atrás de

Louella. Nathan era alguns centímetros mais alto que sua mãe e olhava Daisy com a cabeça

ligeiramente inclinada tentando comunicar algo sem falar. Ela deu de ombros como querendo

dizer "Não posso fazer nada pra evitar isso". Enquanto Louella não deixava de tagarelar sobre

moelas e frango frito, Daisy e Nathan mantinham uma conversa sem dizer uma palavra. Mãe e

filho.

Nathan balançou sobre os calcanhares e passou o dedo indicador pelo pescoço. Daisy

tampou a boca com a mão e sacudiu a cabeça. Eram uma família. Uma família de dois membros.

Sentiam amor um pelo outro. E Jack não formava parte dessa união.

Como se tivesse notado seu olhar, Daisy voltou a cabeça para Jack e soltou uma gargalhada.

— Por Deus, Daisy. O que te ocorre? — perguntou Louella voltando para olhar a sua filha.

— É que me lembrei que algo me aconteceu hoje. — Daisy passou o cabelo por trás das

orelhas e acrescentou: — Jack veio falar com Nathan, assim deveríamos deixá-los sozinhos.

— De fato, esperava que Nathan e você me acompanhassem ao carro — disse Jack.

— Legal — disse Nathan.

— Claro.

Jack olhou a Louella e se despediu:

— Boa tarde, senhora. Dê lembranças a Lily de minha parte quando a vir.

— Farei — disse ela.

Os três cruzaram a sala e saíram pela porta principal, com o Jack na frente.

— Por que nunca diz que pare? — perguntou Nathan a sua mãe assim que a porta se fechou

a suas costas.

Deixaram atrás o alpendre e percorreram o caminho de acesso à casa. O pôr do sol tingia o

céu do anoitecer com uma paleta de impressionantes tons avermelhados e alaranjados, que ao

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longe se aproximavam de rosa e púrpura. Sob aquela luz, o cabelo de Daisy parecia ouro puro.

— Uma vez que começa, ninguém pode detê-la — respondeu Daisy.

— Quando vínhamos da casa da tia Lily, não deixou de falar de alguém chamado Cyrus —

disse Nathan.

— Cyrus era seu tio avô; o pobre morreu aos quatorze anos — explicou sua mãe.

— E por que demônios teria que me importar isso? — exclamou o menino.

— Nathan!

Jack se pôs a rir.

— Não o anime a falar mal, Jack — disse Daisy justo quando chegavam ao final da trilha de

entrada.

— Nem sonhe — respondeu Jack voltando para seu filho. — O que te pareceria ir pescar?

Nathan deu de ombros.

— Meu pai e eu estávamos acostumados a ir pescar frequentemente.

Jack se obrigou a sorrir.

— Vou pescar este fim de semana e eu gostaria que viesse comigo — explicou Jack. —

Pensei que poderíamos sair no sábado pela manhã e retornar no domingo.

Nathan olhou Jack e depois se voltou para sua mãe.

— Não temos planos para este fim de semana. Estou de acordo. Ficarão bem — disse Daisy.

Nathan permaneceu calado, e Jack decidiu falar para quebrar o silêncio. Abriu a boca e se

ouviu a si mesmo dizer:

— Daisy, por que não vem conosco?

Não podia acreditar no que acabava de dizer. A dor de cabeça aumentou. Acabava de propor

a Daisy o que tanto o aborreceu que sugerisse seu irmão Billy. A única coisa que podia esperar

agora era que ela rechaçasse sua oferta.

Capítulo 15

Uma suave brisa acariciava a superfície do lago Meredith, e o sol refletia na água como se

estivesse coberta de sementes de prata. Os pássaros revoavam em qualquer parte, os peixes

saltavam no lago... e o som do baixo e da bateria dos Godsmack retumbava no ar.

Daisy estava sentada com as pernas cruzadas na parte dianteira do bote de Jack. Nesse

momento observava Nathan através das lentes da câmara digital Fuji que levou consigo depois de

sua visita a Seattle. Sob uma camiseta vermelha sem mangas e umas calças jeans curtas, usava seu

traje de banho branco; e cobriu a cabeça com um chapéu de aba larga de palha para proteger do

sol.

Nathan levou a vara para trás para lançá-la e sua mãe fez uma foto. Usava uma boina com a

viseira ligeiramente curvada sobre seus óculos de sol Oakley chapeados e negros. Ao lançar a vara

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as calças curtas de cor cáqui que usava deixaram ver as listas brancas e vermelhas de sua cueca.

Calçava sapatilhas de esporte e não pôs meias. Tinha as bochechas vermelhas e tirou a camiseta

apesar das advertências de sua mãe.

— Trata-me como a um menino pequeno — se queixou Nathan, como um menino pequeno.

Mas acabou cedendo e permitiu que sua mãe o cobrisse com creme protetor.

Enfocou ao Jack com a câmara; estava sentado na popa, pescando no lado oposto ao

Nathan. Usava um chapéu de palha de vaqueiro e uns óculos de sol com cristais de espelho azuis.

Pôs-se uma velha camiseta verde com a gola puída e cujas mangas, já muito gastas, não se

ajustavam aos bíceps de Jack. Pilhou Daisy com o olhar fixo no buraco que a camiseta tinha no

ombro, assim teve que explicar que se tratava de sua camiseta da sorte para pescar. Uns gastos

Levi's aderiam a suas nádegas e suas coxas. A cintura estava um tanto desfiada, e os cinco botões

da braguilha marcavam o pênis.

Daisy se perguntou se essas calças também traziam sorte. Certamente muita. Usava botas

vaqueiras. O que se não...

Jack a olhou por cima do ombro e ela tirou uma foto. Enrugou as sobrancelhas com irritação,

mas não demorou para voltar a centrar sua atenção na pesca. Daisy não sabia se estava irritado

pela foto ou porque os Godsmack acabavam de dizer outro palavrão. Embora também ouviu dizer

palavras malsoantes em alguma ocasião. "Vou fodê-la até que perca o sentido", recordou de

repente.

Jack passou para buscá-los de madrugada em uma caminhonete Dodge RAM. Para surpresa

de Daisy, não era um de seus clássicos. Estava bastante nova e puxava um bote de seis metros de

comprimento. Quando pediu que fossem com ele para pescar, Daisy imaginou que iriam em um

bote de alumínio com um pequeno motor. Teria que ter recordado quem era Jack. Ele não podia

ter nada pequeno. A embarcação de Jack estava pintada de cinza e vermelho e tinha dois postos

de comando com assentos próprios de um carro de corridas. Havia um terceiro assento na parte

de trás, junto ao motor fora de bordo.

Sob o relógio e o painel de comandos de madeira havia um reprodutor dos CDs. Antes de

começar a pescar, Jack e Nathan tiveram que acordar fazer um trato; iriam alternando a música.

Primeiro escolheria Jack e logo Nathan. O problema era que Jack usava consigo um estojo

para uns poucos discos, enquanto o estojo do Nathan tinha o tamanho da guia Telefônica de Nova

Iorque.

Já podiam esquecer do silêncio por alguns dias.

Nathan foi o primeiro em pescar algo. Um exemplar de trinta e cinco centímetros. Depois

dessa captura, Daisy apreciou no rosto do moço uma alegria que não via há muito tempo.

Jack o apanhou com a rede e ajudou a tirar o anzol. Daisy inclinou-se sobre o peixe e tirou

algumas fotografias. A música estava muito alta, e Daisy não ouvia o que Nathan e Jack diziam de

onde se encontravam, mas quando Nathan jogou a cabeça para trás e começou a rir, Daisy sentiu

uma agradável sensação no peito. O gozo que sentia em seu interior, entretanto, não se devia

unicamente ao prazer de seu filho.

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Também era por Jack. Notava que estava se esforçando pelo Nathan. Queria estabelecer um

vínculo com seu filho, e, por alguma razão que Daisy não alcançava a compreender, nesse

momento se apaixonou um pouco mais por Jack. Não se tratava de uma explosão de amor

adolescente. Não era o relâmpago de fogo e de paixão que tentou reter inutilmente em outra

ocasião. Agora tudo era mais simples. Era mais de uma variação nos batimentos de seu coração,

de um suspiro abafado no peito; e isso assustava mais do que o esteve a primeira vez que se

apaixonou por ele. Era um amor mais amadurecido.

Daisy era uma mulher mais amadurecida, e sabia exatamente o que precisava fazer com

aquele sentimento. Absolutamente nada.

Matt Flegel chamou-a para jantar há algumas noites. Passou tanto tempo desde a última vez

que um homem pediu para sair com ela que ela ficou aniquilada. Respondeu algo assim como que

o chamaria quando retornasse do acampamento. Nesse momento não tinha nenhuma intenção de

ir jantar com ele. Agora acreditava que talvez não fosse má ideia. Depois de tudo era uma

oportunidade para tirar Jack da cabeça.

Daisy disparou outra fotografia e, através da objetiva, observou Jack lançando a vara uma

vez mais. O sol resplandecia sobre aquela superfície chapeada enquanto o carretel da vara não

deixava de girar. O movimento de suas mãos e seus braços era suave e preciso, e tinha os pés

ligeiramente separados. Cessou a música do CD e Daisy escutou com clareza o leve tictictic do

carretel de Jack.

Daisy teve a sensação de que seu coração começava a pulsar ao mesmo ritmo, e fez a foto

de Jack. A luz do sol iluminava a metade do corpo de Jack, enquanto que o chapéu projetava uma

sombra no rosto. Recolheu o fio e estendeu o braço para tirar uma alga do anzol. Então com um

fluído movimento, fixou a linha com o polegar, colocou a ponta da vara a um lado e voltou a lançar

o anzol. O anzol voava por cima da água enquanto a brisa curvava a linha, prendendo como uma

teia, suspendendo-o no ar durante uns segundos até que o anzol entrava na água e esticava o fio.

Daisy baixou a câmara e olhou para a distância. Não podia esconder-se de Jack ou de seus

próprios sentimentos atrás das lentes. Jack a odiava, e jamais a perdoaria. O deixou bem claro.

Quando estava a seu lado Jack se mostrava muito discreto, e não tinha nem ideia de porque pediu

que fosse com eles a pescar. Atuava como se ela fosse um mal imprescindível. Daisy iria finalizar o

verão e muito provavelmente não voltaria a ver Jack até o ano seguinte. Não havia futuro para sua

possível relação, embora ela desejasse com todas suas forças que, chegado o momento,

pudessem voltar a ser amigos.

Embora sabia que teria que esperar sentada.

Ela precisava se preocupar por seu futuro e o de Nathan, um futuro que estava a milhares de

quilômetros dali, no estado de Washington. Comentou com Nathan a possibilidade de vender sua

casa, e, embora a ideia, como a ela, entristecia um pouco, pareceu bem. A casa guardava, para

eles, um montão de lembranças, tanto boas como ruins, mas a Nathan agradava a ideia de mudar

a um loft em Belltown, embora implicasse uma mudança de escola. Daisy já se pôs em contato

com um agente imobiliário, amigo de Junie, e colocou a casa à venda. Junie tinha cópia das chaves,

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assim fez outra para o agente imobiliário.

Daisy começava a tomar as rédeas de sua vida de uma vez por todas. Nunca teve que se

arrumar sozinha. Nunca foi a única responsável pelas decisões importantes. Daí que estivesse

assustada e se dava muitas voltas ao assunto, a ansiedade acabava dominando; apesar disso,

entretanto, sabia que tudo iria bem.

Fazia um tempo que o meio-dia ficou para trás e quando estiveram de volta no

acampamento, todos tinham fome. Enquanto os meninos limpavam o que pescaram, Daisy

preparou a mesa de piquenique: cobriu com uma toalha xadrez vermelha e branca, e colocou

pratos de plástico e guardanapos.

Quando falou com Jack a noite anterior, Daisy insistiu em que se repartissem as comidas. Ele

faria o jantar. Daisy perguntou se ele se limitaria a tirar um pacote de salsichas e uma bolsa de

batatas fritas. Ela levou frango assado, salada e pão de centeio. Para quando cortaram o frango e

acrescentou os frutos secos e a framboesa à salada, Nathan e Jack já voltavam da beira do lago.

Nathan colocou a camiseta e usava a boina na mão. Tinha o cabelo úmido de suor colado ao

crânio. Daisy não pôde evitar fixar em um detalhe: quando Nathan não tentava parecer um

menino enrolado, caminhava de um modo muito similar a Jack, mais relaxado. Jack tirou os óculos

de sol e secou o suor do rosto com o ombro da camiseta; efetivamente, a camiseta havia trazido

sorte uma vez mais, pois conseguiu três peças.

— Vou me trocar, volto em seguida — disse Jack depois de deixar os óculos e o chapéu sobre

a mesa. Meteu-se na barraca para quatro pessoas que instalaram junto a um álamo da Virginia.

— Tomem cuidado com as formigas de fogo — alertou arrastando as vogais. — Vi um

formigueiro junto aos lavabos. — tirou a camiseta ao mesmo tempo que deixava que a barraca se

fechasse.

— Mamãe? — disse Nathan.

Daisy separou o olhar da barraca e do retalho de costas de Jack, das ondulações de sua

coluna, do elástico branco justo por cima da cintura de seu jeans...

— Sim?

— O que são as formigas de fogo?

Daisy riu com vontade e sacudiu a cabeça.

— São umas formigas que, ali onde mordem, sente como se queimassem com um tição —

respondeu.

Nathan sorriu.

— Vá, com as formiguinhas — comentou divertido.

Daisy serviu um pouco de frango e de salada em um prato e passou a Nathan. Pegou

também um recipiente térmico com chá gelado, colocou alguns gelo em uns copos de plástico e o

serviu.

— Passou bem? — perguntou a seu filho.

Nathan sentou e deu de ombros de um modo que bem poderia ter significado "suponho que

sim". Depois sorriu e bramou com acento texano:

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— Vou encher esse barco de peixes custe o que custar!

— Procura que não os mordam as formigas de fogo — respondeu sua mãe.

Nathan jogou a cabeça para trás e pôs-se a rir.

— Do que riem? — perguntou Jack se aproximando a eles, ao mesmo tempo que abotoava a

camisa. Era bege, de estilo texano, com as mangas cortadas.

— Nathan diz que vai encher seu barco de peixes custe o que custar - explicou Daisy.

Jack elevou o olhar e seus verdes olhos acariciaram o rosto de Daisy do outro lado da mesa.

— Parece muito bem — fez um prato e pôs nele vários pedaços de frango. — O que é isso?

— perguntou assinalando a bandeja de salada.

— Salada.

Jack franziu o cenho e disse:

— Parece comida para meninos. Uma mistura de verduras e frutos secos.

Nathan riu e sua mãe dedicou um olhar reprovador.

— Está muito bom — assegurou Daisy.

— Tomo a palavra — disse Jack; deixou três fatias de pão em seu prato e depois olhou de

novo a Daisy. — E a manteiga?

— Ainda segue comendo manteiga? — perguntou Daisy; fazia já muito tempo que ela não

usava manteiga para nada, e nem sequer ocorreu levá-la. — Tenho queijo para lubrificar.

Jack negou com a cabeça e se afastou da mesa. Caminhou até a traseira de sua

caminhonete, abriu a porta e rebuscou na geladeira. Quando voltou, trazia consigo uma barra de

manteiga. Abriu o pacote e a deixou sobre a mesa.

— Leva muito tempo no norte, Daisy Lê. - tirou uma navalha do bolso e cortou a barra em

várias partes. — Quer um pouco? — perguntou a Nathan.

Nathan assentiu e Jack extraiu algumas aparas com a navalha e as passou. Nathan as colocou

sobre o pão de centeio e ficou um instante observando a navalha antes de devolvê-la a Jack.

— E você, Daisy, quer?

— Quando foi a última vez que lavou essa navalha? — perguntou ela.

— Hmm. — Jack se sentou e fingiu repensar durante uns segundos. — O ano passado? não,

o outro. Foi justo depois de estripar um tatu.

Nathan se pôs a rir e deu uma boa dentada a sua fatia de pão.

Daisy estava segura de que mentia. Bom, quase segura.

— Não, obrigado — acabou respondendo.

— Você perde — disse Jack antes de dar boa conta daquele pedaço de pão coberto com

amarelos pedacinhos de manteiga.

Daisy optou pela salada.

— Covarde. O assustam umas poucas folhinhas de rúcula e um punhado de framboesas —

disse ela.

— Claro que sim — disse Jack, e nos extremos de seus olhos se formaram umas pequenas

ruguinhas. — Quando um homem come dessas, o seguinte passo é vestir-se de cor rosa e

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pendurar um pulôver dos ombros.

Nathan e Jack se olharam rindo.

— Acreditava que vocês gostariam de minha salada de framboesas.

— Não — disse Nathan — Tenho fome.

Daisy não podia acreditar. Jack converteu seu filho em um traidor. Estava convertendo-o em

alguém como ele.

— O que trouxe você para jantar? — perguntou Daisy.

Jack agarrou sua navalha para estripar tatus e cortou o frango.

— Arroz selvagem — respondeu.

— Isso é tudo? — perguntou ela.

— Não, comprei um pouco de alface e um pouco de queijo azul para enfeitá-la — esclareceu

Jack.

— Jantaremos arroz selvagem e salada? — quis saber Daisy.

Jack a olhou do outro lado da mesa como dando a entender que era uma pesada e

acrescentou:

— E o pescado.

— Estava tão convencido do que iria pescar que não trouxe nada mais para jantar?

— Pois claro. Usava minha camiseta da sorte.

Daisy se voltou para Nathan; parecia muito surpreso.

Jack bebeu um longo gole de chá e deixou o copo sobre a mesa; então acrescentou:

— Empanarei com farinha e o fritarei.

— Que bom! — disse Nathan.

Jack separou a mão do copo de plástico vermelho e assinalou para seu filho.

— É a comida que faz que aos meninos saia pelos nas bolsinhas de chá.

A confusão se apropriou do rosto de Daisy, e Nathan se apressou a esclarecer:

— As gônadas.

Por Deus, Daisy poderia ter passado todo o fim de semana para descobri-lo.

— Já — disse quase em um sussurro — mas eu não sou um menino.

— E não tem bolsinhas de chá — esclareceu seu filho desnecessariamente.

Daisy negou com a cabeça e levou a mão ao peito.

— Para falar a verdade, nunca quis ter bolsinhas de chá.

— É o que dizem todas antes de as provar — disse Jack com um sorriso zombador. Depois,

Nathan e ele explodiram em uma sonora gargalhada, como se compartilhassem uma brincadeira

secreta da qual ela ficasse excluída.

Ao observar seu filho rindo, Daisy se sentiu dispensável. Separada do clube dos meninos.

Mas isso era o que ela desejava, ou não? Não foi esse o motivo de voar até ali? Acaso não

desejava que ambos se conhecessem, que Nathan conhecesse seu autêntico pai? Ou seja, que se

impusesse o cilindro das navalhas e as bolsinhas de chá e esse tipo de coisas?

Sim, mas não a suas custas. Não queria sentir-se excluída. Queria formar parte também do

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clube das bolsinhas de chá. Não era justo que a excluíssem por não dispor do material adequado.

Quando eram jovens, Jack empregou essa mesma tática para separá-la de um montão de

coisas.

— Sei o que está tentando fazer, Jack — disse.

Ele a olhou nos olhos.

— Tenta me excluir como faziam Steven e você quando não queriam que estivesse por perto

— esclareceu Daisy.

Jack franziu o cenho e, sem deixar de sorrir, perguntou:

— Do que está falando, florzinha?

— Recorda quando não me deixaram formar parte de seu clube da televisão? Criaram uma

regra que dizia que, para ser membro do grupo teria que urinar de pé contra uma árvore, —

recordou Daisy.

— Isso o recordo, mas não me lembro de nada relacionado com a televisão — disse Jack.

Daisy pensou durante uns segundos e disse:

— Era o clube CBS ou algo pelo estilo.

Jack sopesou o que acabava de escutar e exclamou:

— Ah, refere-te ao CTC! Esqueci disso. — Sorriu. — Acreditava que era um clube de

televisão?

— Claro — respondeu ela.

Ele sacudiu a cabeça e pôs-se a rir.

— Mulher, era o Clube das Tetas e dos Traseiros. Era onde nos reuníamos para olhar revistas

pornográficas.

— Genial! — exclamou Nathan.

— Tinham revistas pornográficas? Iam ao sexto ano, por todos os Santos. — Daisy estava

aniquilada. — Eram uns pequenos pervertidos e eu não tinha nem ideia.

O meio sorriso de Jack deu a entender que não sabia da missa a metade.

Capítulo 16

Depois de comer, Daisy levou uma rede até a borda do lago e tirou as calças curtas. Colocou

os óculos de sol e um traje de banho, aquele traje de banho branco de corte alto sobre os quadris.

Tinha um pronunciado decote e finas alças. Os meninos estavam pescando outra vez, mas

ela optou por ficar em terra. Deitou na rede com o último exemplar de Fotografia de Estudo e

Desenho. Leu um artigo sobre o sistema Hasslblad e imaginou as estupendas fotografias que

poderia tomar com ele. Depois da leitura deve ter ficado adormecida, porque sonhou que ganhou

o primeiro prêmio do concurso Kodak de fotografia, ao que nem sequer se apresentou. Sonhava

que estava no palco, dando um discurso sobre uma fotografia que não recordava ter tirado, e

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Steven estava na primeira fila observando.

Frequentemente sonhava com ele, e em seus sonhos sempre tinha o aspecto anterior à

enfermidade. Estava são e feliz e ela se alegrava muito de vê-lo. Nunca falava, limitava-se a sorrir

dando a entender que tudo ia bem. O som do motor de uma embarcação a despertou e ela abriu

os olhos. Tinha os óculos postos, mas a revista caíra no chão. Ergueu-se perguntando quanto

tempo teria estado dormindo. Colocou os pés a um lado da rede e tirou os óculos. O sol estava

baixo, embora até faltava um bom momento para que se fosse. Sua pele adquiriu um perigoso

tom avermelhado; sem dúvida ia pagar caro por ter dormido sob o sol do Texas.

Deixou os óculos e a revista sobre a rede e caminhou para a borda enquanto a embarcação

de Jack ia se aproximando, dividindo as águas com sua afiada proa. Daisy colocou uma mão na

fronte para sombrear os olhos.

Jack estava de pé, ao leme. Desabotoara a camisa, que ondeava contra seu peito e seu

ventre. Nathan estava sentado no assento do lado; não deixava de olhar Jack.

— Desliga e levanta o motor — ordenou Jack.

Nathan olhou para baixo e o ruído do motor se ampliou quando tirou os sinais de impulsão

da água e finalmente cessou. Pouco a pouco foram aproximando a embarcação até topar

brandamente com a borda.

Jack voltou-se um momento para dizer a Nathan que fez um excelente trabalho. Logo apoiou

um joelho no chão e atou a corda da embarcação.

— Queimou enquanto estávamos pescando — disse Jack ao olhar Daisy.

Daisy deu uma olhada. Pressionou um dedo contra seu peito por cima do traje de banho.

Deixou uma marca branca na pele.

— Fiquei adormecida.

Jack jogou a âncora na água a um flanco do barco e logo saltou da proa e se plantou frente a

Daisy fazendo de tela contra o sol.

— Torrou sua marca — disse Jack.

De novo, Daisy olhou. Visível por cima do traje de banho, sua marca de nascimento era um

pouco mais escura que o resto da pele.

— O que faz olhando minha marca de nascimento? — perguntou Daisy.

Jack esboçou um sorriso muito sedutor.

— Esperava falar sobre ela — respondeu.

Mas sua marca de nascimento não era um assunto qualquer. A última vez que disse algo a

respeito estavam os dois nus. O brilho que apreciou em seu olhar deixou bem claro que Jack

também estava pensando nessa ocasião.

Daisy engoliu em seco. Baixou a vista até a boca de Jack, e seguiu descendo pela fina linha de

pelo de seu peito até chegar a seu ventre. Recordava perfeitamente a textura de sua pele.

— Mamãe, adivinha como foi! — exclamou Nathan.

Daisy olhou Jack com uma labareda de desejo nos olhos, o mesmo desejo que expressavam

os seus olhos.

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— Como foi? — perguntou a seu filho.

— Pesquei um grande. — Nathan saltou do bote e aterrissou junto a Jack.

— Um exemplar estupendo — confirmou Jack, olhando os lábios.

Ela centrou a atenção em seu filho. Fosse o que fosse o que havia entre eles dois, o melhor

era deixar de lado.

— Me deixe vê-lo — pediu Daisy.

Nathan voltou a subir ao barco e foi para a popa. Daisy passou junto ao Jack e se foi

metendo na água até que chegou à cintura. Ficou junto a um dos lados do barco enquanto Nathan

abria o balde e tirava um pescado.

Jack observou seu filho com o exemplar no alto para que sua mãe o visse. Meneou em frente

a seu rosto e ela deu um pulo.

— Segue sendo uma menina — disse Nathan entre risadas.

Jack voltou e pôs-se a andar para a barraca. Nathan e ele passaram um bom momento

pescando. Sentia-se mais perto de seu filho do que estava antes. Enquanto jogavam as varas, seu

filho falou de sua vida, em que Steven teve uma considerável presença.

— Antes de deixar de jogar fui o quarterback da equipe de futebol americano de minha

escola - disse Jack.

— Meu pai explicou que jogaram juntos quando estavam na escola.

"Seu pai." Jack cuidou muito para não mostrar a mais mínima emoção.

— Assim é — disse com um gosto amargo na boca. — Eu jogava de quarterback até que o

deixei em curso antes de me graduar.

Nathan assentiu.

— Isso foi o que me disse papai, que teve que deixá-lo para trabalhar com seu pai, e que por

isso ele pôde ser o quarterback os dois últimos anos e chamar a atenção de todas as garotas

bonitas.

— Seu pai era muito modesto. Jamais teve problemas com as garotas — reconheceu Jack, e

quanto mais falava de Steven, mais fácil lhe resultava fazê-lo. Podia aguentar a amargura com

maior facilidade.

Jack recordava perfeitamente o que supunha perder um pai, a confusão e a solidão que

entranhava. Durante algumas horas foi capaz de deixar de lado a raiva e a sensação de ser traído e

pôde contar a Nathan como foi crescer junto a Steven Monroe.

Até o ponto de que surpreendeu descobrir que, quanto mais falava de Steven mais ia

conhecendo Nathan. E quanto mais sabia de seu filho, mais desejava saber. Ainda não se sentia

seu pai, mas tampouco estava claro o que era que devia sentir um pai.

Jack verteu um pouco de água em uma bacia e lavou as mãos com sabão líquido. Viu que

Nathan tirava as sapatilhas esporte e a camiseta e se lançava ao lago perto de onde se encontrava

sua mãe. Ela gritou seu nome quando salpicou nela. Para Jack estava muito claro o que Nathan

sentia por sua mãe. Talvez se queixasse de que tratava como a um menino, mas a queria com

loucura. Podia levar o cabelo de ponta e um piercing no lábio, mas Billy tinha razão.

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Daisy e Steven o educaram bem, e notava isso. Era um bom menino.

E Jack não tinha nada que dizer disso. Agarrou uma toalha e secou as mãos. Tentou impedir

que a amargura que esteve ocultando de Nathan surgisse e fizesse brecha nele.

Conseguiu mantê-la sob controle, justo debaixo do irreprimível desejo que sentia por Daisy e

que ameaçava deixá-lo louco. Como era possível que seguisse a desejando? Por que queria tocá-la

e beijá-la? Por que desejava enredar os dedos em seu cabelo dourado e sentir o calor de sua pele

sob suas mãos? Por que queria se apropriar do aroma de seu pescoço e inundar em seus olhos

castanhos? Como era possível que, ao mesmo tempo, sentisse o impulso de fazer o mesmo dano

que havia feito a ele? Não encontrava o menor sentido.

Jack pendurou a toalha no ombro e viu como Nathan mergulhava até onde se encontrava

Daisy. Ela gritou quando Nathan puxou ela para baixo. Jack não pôde evitar sorrir. Daisy sempre

engenhava para fazer rir inclusive contra sua vontade, para fazer recordar coisas que desenhavam

um sorriso em seus lábios inclusive sem dar-se conta. Recordava uma e outra vez os bons

momentos que passaram juntos no passado, antes que tudo se fosse ao pó.

Se fechava os olhos, podia rememorar o que sentia quando a tinha entre seus braços. O

peso de seu corpo quando se inclinava para ele. A textura de seu cabelo quando Jack deixava

descansar o queixo sobre sua cabeça. O som de sua voz ao pronunciar seu nome, já fosse com

raiva ou com desejo. Os sabores e as texturas de Daisy Lê. Recordava tudo com absoluta precisão,

embora desejasse esquecer.

Jack colocou o carvão no buraco para fogos, acendeu e tirou uma panela. Colocou um CD do

Jimmy Bufê no aparelho de música e mesclou farinha, sal e pimenta para o pescado. Enquanto em

sua canção Jimmy falava de atletas que corriam em círculos, Jack não podia separar a vista de

certo traje de banho branco que corria pelo lago. Molhado era quase transparente, mas só quase.

Quando retornaram de pescar Nathan e ele, Jack se colocou na proa e viu Daisy caminhar

para a água. Para ele, com o aspecto de uma modelo de roupa interior com uma dessas picardias

de uma peça que mostram a perna até o quadril. Estava sexy não poder mais. Era como um sonho

feito realidade. Durante uns segundos, Jack se perguntou como seriam as horas se o que estava

vivendo fosse sua vida cotidiana, sua autêntica vida. Retornar de uma jornada de pesca com seu

filho para encontrar Daisy esperando. Rodeá-la com os braços e estreitá-la com força. Tocá-la em

tudo que quisesse. Sempre que quisesse.

Ali onde quisesse. Durante um breve instante, ao pensar em semelhante tipo de vida quase

lhe afrouxaram os joelhos. Mas essa não era sua vida. Não era sua autêntica vida, e não fazia

nenhum sentido sequer expor essa ideia.

Jack empanou o pescado com farinha e começou a fazer o arroz na panela. Daisy e Nathan

saíram da água e foram vestir-se na barraca. Quando Daisy surgiu do interior, usava uma ligeira

camisa de cor azul com as letras GAP na parte da frente, combinando com umas calças também

azuis e umas sapatilhas Nike de lona azul. Recolheu o cabelo na nuca com um de seus típicos

prendedores. Pôs a mesa enquanto Jack fritava o pescado em uma churrasqueira em cima do

carvão. Jantaram juntos, como uma família. Conversaram e riram. E Jack teve que voltar a

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recordar que essa não era sua autêntica vida.

Depois de jantar jogaram pôquer com fósforos de madeira. Quando escureceu, Jack tirou os

abajures e seguiram jogando até que Nathan começou a bocejar e decidiu ir à cama.

— Ainda é cedo — assinalou Jack enquanto recolhia as cartas.

— Pareço pó — disse Nathan a caminho da barraca.

— Às vezes faz isso. Outro dia foi se deitar justo depois de jantar e não despertou até a hora

do café da manhã — informou Daisy enquanto Jack ia colocando as cartas em uma pequena caixa.

— Suponho que está crescendo tão depressa que cansa todo o corpo.

Jack ficou em pé e se aproximou de sua caminhonete. Agarrou sua jaqueta texana e

retornou junto ao fogo. As estrelas brilhavam no largo céu do Texas enquanto ele avivava as

brasas. Jogou alguns troncos e sentou em uma das cadeiras dobradiças que ficou junto ao fogo.

Estirou as pernas e ficou olhando o fogo. Começou a pensar em como iriam se organizar para

dormir e se perguntou se teria que ter montado outra das barracas de Billy. Dormirem juntos na

mesma barraca não ia resultar simples. Jack nunca dormiu tão perto de uma mulher. Seria a

primeira vez e, graças a Deus, Nathan dormiria entre os dois. Porque cada vez que pensava em

Daisy acabava pensando em sexo, e inquietava enormemente a ideia de adormecer e despertar

com o nariz colado a seus seios.

— Fazia muito tempo que Nathan e eu não íamos juntos a algum lugar e nos divertíamos

tanto - disse Daisy justo antes de sentar na cadeira do lado. — Muitíssimo obrigado, Jack.

— Não tem de que. — Jack apoiou as mãos sobre o ventre e cruzou os pés à altura dos

tornozelos. Tentou separar de sua mente qualquer pensamento relacionado com os seios de

Daisy. O fogo crepitava.

Entre um silêncio e outro, Daisy falou um pouco mais de seus planos de vender a casa que

viveu com Steven e de montar seu próprio Studio fotográfico. Estava preparada para iniciar sua

nova vida, realmente se sentia ansiosa por botar mãos à obra.

Falaram de Billy e de sua família, e se inteirou das últimas novidades sobre Lily. O divórcio de

sua irmã concretizaria em questão de dias. Segundo Daisy, Lily ordenou por fim e definitivamente

seus pensamentos.

Jack tinha suas dúvidas, mas não disse nada a respeito.

— Estar no Texas outra vez me traz um montão de lembranças — disse Daisy. — A maioria

boas. — Jack sentiu o peso de seu olhar e voltou ligeiramente a cabeça para ela. A luz do fogo

dançava em seu cabelo e em seu rosto.

— Lembra de quando Steven, você e eu construímos aquela cápsula do tempo com uma lata

de café e a enterramos na sua casa? — perguntou.

Sim, é obvio que lembrava, mas negou com a cabeça e levantou a vista para o céu, negro

como o azeviche e pontilhado de estrelas. Limitou-se a esperar que ela se esquecesse disso e

passasse a outro assunto, mas já deveria conhecê-la melhor.

— Colocamos nossos melhores tesouros naquela lata, e dissemos que a desenterraríamos no

final de cinquenta anos — explicou a Jack.

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Daisy riu com gosto e Jack se voltou para olhá-la.

— Não recordo o que coloquei — disse Daisy; repensou durante uns segundos e depois

estalou os dedos. — OH, sim! Um anel com um diamante falso que você ganhou para mim em

uma feira. Também um passador que Steven encontrou em alguma parte e que eu gostava. Você

colocou um carro de brinquedo Matchbox, e Steven alguns soldadinhos de cor verde. — Olhou

fixamente e franziu o cenho. — Havia algo mais.

— Seu diário — disse Jack.

— É verdade. — Daisy se pôs a rir, mas parou de repente. — Como é possível que lembre?

Jack deu de ombros e se colocou em pé para ir avivar o fogo.

— Suponho que tenho boa memória — respondeu.

— Desenterrou a lata? — Jack se manteve em silêncio, e Daisy se levantou e se aproximou.

— O fez? — insistiu.

Ele empurrou um dos troncos com a ponta da bota, e um punhado de brilhos vermelhos se

elevou na escuridão.

— Fizemos Steven e eu.

— Quando? — perguntou ela.

— Uma semana depois de que a enterrássemos. Precisávamos saber o que escreveu em seu

diário. A curiosidade foi mais forte - confessou Jack.

Daisy clareou a garganta.

— Invadiram minha intimidade. Abusaram de minha confiança. Não foi direito!

— Sim, e, se lembra, seu diário era um autêntico tédio. Steven e eu estávamos convencidos

de que leríamos um montão de intimidades suculentas, como que estaria apaixonada por alguém

ou que teria beijado algum menino. Também queríamos saber o que acontecia nessas festas para

garotas às que estava acostumada a assistir. — Jack meteu as mãos nos bolsos de seus Levi's e

apoiou-se na outra perna. — Se mal me recordo, a única coisa que falava era de seu fodido gato.

— Refere-se ao Senhor Skittles? — Daisy abriu a boca de par em par, agarrou Jack pelo braço

e o obrigou a voltar-se para ela. — Leu minhas reflexões privadas sobre o Senhor Skittles?

— Odiava esse gato. Cada vez que ia a sua casa, me encontrava na entrada e me dedicava

um bufo - reconheceu Jack.

— Isso era porque sabia que não vinha com boas intenções.

Jack riu diante da ocorrência e ficou olhando Daisy: o reflexo das chamas dançava por suas

bochechas e seu nariz. No que dizia respeito a Daisy, as intenções de Jack nunca foram boas.

Jack agarrou a mão de Daisy para separá-la de sua jaqueta, mas finalmente não a soltou.

— Não sabe da missa a metade - disse Jack.

— Sylvia me contou que lhe mostrou o traseiro no quinto ano.

Viu alguns traseiros no quinto ano.

— Não era tão bonito como o teu — disse ele, e aproximou a mão de Daisy aos lábios para

beijar os nódulos. Depois a olhou nos olhos e acrescentou: — Seu traseiro foi sempre o melhor.

Daisy piscou e entrecerrou os olhos. Tinha os lábios ligeiramente separados. Jack deseja a ela

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tanto quanto ela o desejava. Teria sido o paraíso passar a outra mão pela nuca de Daisy e atraí-la

para si para beijá-la...

O desejo se enroscava em suas vísceras e insistia a abraçá-la com força. Soltou a mão de

Daisy.

— Senti falta, Jack — disse ela. — Não me dei conta do muito que te tinha saudade até que

voltei aqui. — Deu um passo para ele e ficou nas pontas dos pés. Deslizou as palmas das mãos por

sua jaqueta até chegar a seu pescoço. — Sentiu falta alguma vez? — Beijou com muita suavidade.

— Embora só fosse um pouco?

Jack seguia sem se alterar, olhando-a fixamente nos olhos. Seu peito subia e baixava ao

respirar.

— Apesar de que não queria saber de mim? — insistiu Daisy.

O nó que o desejo provocou em seu estômago apertava cada vez com mais força, assim

aferrou os ombros de Daisy e a separou de si.

— Já está bem, Daisy.

Daisy elevou o olhar e disse:

— Matt Flegel me convidou para sairmos juntos.

"Merda" pensou Jack.

— Vai sair com ele?

— Te importa?

Olhou-a fixamente nos olhos e, tentando dissimular que o que gostaria era de dar um bom

murro a esse Inseto, disse:

— Não. Por mim pode fazer o que agrade.

— Então é provável que saia com ele. — Daisy girou sobre seus calcanhares e deu boa noite

enquanto partia como se, de repente, se desvaneceram os desejos de beijar que sentiu fazia

escassos minutos. Jack a viu desaparecer dentro da barraca e voltou a se concentrar no fogo.

Daisy podia fazer o que quisesse, disse ao se sentar. E ele também. Não se deitou com

ninguém desde que fizeram amor em cima do porta-malas do Lancer. Talvez fosse esse o

problema.

Talvez se deitasse com outra mulher poderia tirar Daisy da cabeça.

Esperou a que as brasas se convertessem em cinzas e entrou na barraca. Quando sua visão

se ajustou à escuridão, descobriu que Nathan escolheu o saco de dormir que estava em um

extremo, assim Daisy estava no meio. Jack não sabia se Daisy se incomodava em dormir tão perto

dele, mas o certo é que não parecia, pois dormia como um tronco.

Jack tirou as botas e a jaqueta e se meteu em seu saco de dormir. Colocou as mãos debaixo

da cabeça e ficou olhando o teto da barraca durante um momento. Ouvia respirar Daisy. Quase

distinguia a suave passagem do ar entre seus lábios.

Voltou a cabeça e a observou na semi penumbra. Dava-lhe as costas e seu cabelo cobria

quase todo o travesseiro. Fez amor com ela. Deixou-a grávida, mas jamais passou uma noite

juntos. Nunca a viu dormir. Seus últimos pensamentos antes que o sono o vencesse estiveram

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dedicados a Daisy: perguntou o que faria ela se passasse o braço ao redor da cintura e a atraísse

para seu peito.

Quando Jack despertou, o teto da barraca deixava passar a tênue luz do amanhecer.

Calculou que teria dormido umas cinco horas; colocou a jaqueta, as botas e saiu da barraca. As

primeiras sombras da manhã estendiam-se pelo acampamento e chegavam até as praias que

rodeavam o lago. Acendeu um fogo e pôs café no filtro da cafeteira. O sol começou a aparecer por

cima da água justo quando servia a primeira xícara. Nathan foi o primeiro em se reunir com ele.

Seu filho tinha o cabelo rígido e usava uma camiseta azul, jeans e sapatilhas de lona. Nathan

agarrou uma garrafa de suco e uma bolsa de Chips Ahoy e acompanhou Jack até a beira.

— Antes de ir — disse Jack atrás do sopro de seu café — iremos em busca de algum peixe

grande de verdade.

— Meu pai e eu uma vez fomos pescar em alto mar — contou Nathan enquanto abria a

bolsa de bolachas; logo estendeu a Jack. — Pescou alguma vez no mar?

— Obrigado. — Jack agarrou uma bolacha e deu uma dentada. — Eu gosto de ir pescar no

golfo ao menos uma vez ao ano. A próxima vez que vá talvez queira vir.

— Genial. — Nathan deu conta de algumas bolachas antes de prosseguir. — Meu pai e eu

estávamos acostumados a falar de nossos assuntos. Jack bebeu um gole de café e jogou uma

olhada ao lago.

Sob a luz da manhã, a superfície da água parecia um espelho. Perguntou se Daisy disse a

Nathan que ficou para sair com o Inseto. Mas esse não era o lugar para a pergunta.

— Que classe de assuntos?

— Coisas de meninos, dessas que não pode comentar com sua mãe — quis esclarecer

Nathan.

— A que se refere? — disse Jack antes de comer outra bolacha.

— Garotas.

— Ah.

— Se preocupa com algo em especial? — perguntou Jack.

Nathan assentiu e bebeu um pouco.

— Talvez possa dar uma mão. Conheci algumas garotas — disse Jack.

Nathan olhou as pontas das sapatilhas e ruborizou.

— As garotas são complicadas. Os meninos não somos — sentenciou Nathan.

— Isso é certo. Não há quem as entenda. Dizem uma coisa e esperam que você entenda

outra.

Nathan voltou-se para olhar Jack.

— Ontem disse que papai e você estavam acostumados a olhar revistas pornográficas. O que

eu quero saber é se... — Piscou algumas vezes e perguntou. — Onde se toca às garotas?

Mostraram um diagrama na aula de saúde, mas era um pouco confuso. Os meninos não são

tão confusos. Tudo o que temos está aí, exposto.

"Vá."

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— Não estamos falando das emoções femininas, verdade? — quis assegurar Jack.

Nathan negou com a cabeça e disse:

— Um amigo meu roubou um livro sobre sexo de sua mãe. O que dava a entender era que

devia tocar uma garota em toda parte ao mesmo tempo.

Nathan estava muito sério. E o estava perguntando a Jack, não a Daisy.

— Há alguma garota em particular que queira tocar? — perguntou Jack.

— Não. Mas eu gostaria de ter claro antes de minha primeira vez.

— Quer ser um perito antes de se lançar à arena? — Jack se disse que Nathan era muito

jovenzinho para se preocupar pelo sexo. Mas então recordou seus tempos do CTC e se deu conta

de que não o era absolutamente.

— Bom, sim. A primeira vez já assusta bastante como, por exemplo, não saber o que precisa

fazer — disse Nathan.

Jack balançou sobre os calcanhares e sopesou suas palavras. Não queria levar as coisas

muito longe. Sentiu de repente uma onda de calor que reconfortava interiormente, à altura do

peito, rodeando o coração.

Pela primeira vez em sua vida se sentiu como um pai. Seu filho o fazia perguntas sobre sexo,

tal como inumeráveis filhos fizeram com seus pais. Tal como ele fez com seu próprio pai.

— A primeira coisa que deve saber é que qualquer tolo pode praticar sexo, mas só um

homem de verdade pode fazer amor. Se não sentir nada por uma garota, então resultará

complicado inclusive baixar a braguilha - explicou Jack.

— Sim.

— Precisa ter camisinhas à mão — aconselhou Jack. — Sempre. Se não for o bastante

amadurecido para proteger a ti mesmo e a sua garota, então é que não está preparado para

praticar sexo.

— Enquanto falava, perguntou se Nathan estaria captando a ironia que entranhavam suas

palavras. Esperava que dissesse que ele era o primeiro que não aplicou o que pregava e, para

ganhar tempo e encontrar uma resposta adequada, bebeu um gole de café. Não tinha mais

remédio que admitir que nem sempre foi responsável, mas...

— Estou ciente do sexo seguro — disse Nathan interrompendo o fio de seus pensamentos.

Jack engoliu o café com dificuldade.

— Isso está muito bem. — Jack sorriu, aliviado de que não houvesse perguntas difíceis a

respeito de sua própria vida sexual.

— O que eu quero saber é... — Nathan jogou uma olhada à barraca de campanha. — Onde

está exatamente o clitóris?

Jack ficou sério e abriu a boca de par em par. Não conseguiu articular palavra, assim voltou a

fechá-la.

A Nathan, ao que parecia, as palavras saíam da boca com total fluidez, de modo que

prosseguiu:

— E que demônios é o ponto G?

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Capítulo 17

Aprender a dirigir não foi tão fácil como Nathan acreditava. Em seu segundo dia de aula,

teve que ficar ao volante de um Saturn. Não era exatamente o tipo de carro que gostava, mas na

primeira aula teve que dirigir uma caminhonete. No final de três semanas já era capaz de dirigir

com soltura o Saturn, assim supôs que também estava em condições de dar uma volta com o novo

carro de seus sonhos: o Shelby Mustang de Jack. Jack ainda não estava de acordo, mas Nathan

queria dirigir esse carro. A coisa não parecia bem.

Depois dessa semana, fez amizade com alguns dos rapazes que foram a aula com ele. Não

montavam a cavalo, nem tampouco escutavam essa porcaria de música. Alguns deles, entretanto,

sim mascavam tabaco, mas isso a Nathan não parecia ruim.

Os dias que tinha aula sua mãe o deixava em frente à escola. Em geral, ao sair passava pela

casa de Jack, que estava a só umas poucas quadras dali. Estava há um mês em Lovett e já não

parecia um lugar tão horrível como aos poucos dias de chegada. Gostava de trabalhar na oficina

de Jack. Gostava de conversar com os outros mecânicos.

Jack mostrou deste modo o lado econômico, por assim dizer, de Clássicos Americanos

Parrish, e também gostou. Tinha a possibilidade de que voltasse a trabalhar ali no verão seguinte;

e depois de se graduar, poderia dedicar-se à mecânica com Billy e Jack em tempo integral.

Isso estaria muito bem, mas teria que falar com sua mãe. Ela queria que fosse à

universidade, como seu pai. Já disse, como se sua opinião não contasse nada. Sua mãe tentava

dirigir sua vida como se ainda não fosse mais que um menino.

Nathan agarrou uma pedra do chão e a lançou contra o tabuleiro da cesta, como fez o dia

em que conheceu Jack. A pedra caiu no chão e então deu um chute.

Já não sabia que tratamento dar a Jack. Chamá-lo Jack o fazia sentir-se estranho, mas não

podia chamá-lo "papai". Seu pai era Steven Monroe, embora estivesse começando a sentir que

Jack também era. Passavam bem juntos. Às vezes, depois de trabalhar, davam uma volta e

conversavam de carros e de coisas de meninos. Nathan esteve na casa de Billy e conheceu o resto

da família. As filhas de Billy não deixavam de gritar e de fazer ruído, e a mediana corria sempre

com a cabeça encurvada, o qual a convertia em um perigo andante.

No geral, iam a casa de Billy, Jack convidava também Daisy, e quase pareciam uma família

unida, mas não eram. Às vezes, Nathan pegava Jack olhando a sua mãe como se estivesse

apaixonado por ela. Mas então piscava, olhava para outro lado ou dizia algo, e Nathan se

convencia de que devia ser imaginação dele. Se Jack estivesse apaixonado por sua mãe, Nathan

não saberia como ficaria.

Talvez fosse o mais adequado, levando em conta que Jack era seu pai, ou algo parecido.

Nathan só se zangou com Jack em uma ocasião. Nathan discutiu com sua mãe na festa de

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Quatro de Julho. Gritou porque ela queria saber aonde ia e o que ia fazer. Jack, ao se inteirar,

olhou com desaprovação e disse: "Não volte a falar assim com sua mãe. Quero que lhe peça

desculpas."

Teria se desculpado de todos os modos. Sua mãe podia tocar o nariz, mas a amava. Doía

muito ver quanto afetava que gritasse desse modo. Sentia como se abrisse um buraco no peito,

mas nunca se dava conta do que fazia até que era muito tarde.

Nathan atravessou o campo até alcançar o portão da cerca metálica. Era sábado e não

precisava ir trabalhar. Talvez pudesse tornar um momento ou jogar com o XBOX que sua mãe

trouxe de Seattle. Diminuiu a marcha quando viu que Brandy Jo se aproximava. Usava um vestido

vermelho com finos suspensórios e umas sapatilhas de sola grossa.

— Olá, Nathan. Fazia muito tempo que não te via. O que faz aqui?

— Vou a aula de direção. — Nathan ficou bem direito e meteu as mãos nos bolsos. Brandy Jo

era a garota mais bonita que jamais viu. Inclusive encarapitada na grossa sola dessas sapatilhas,

Brandy Jo apenas chegava ao queixo. Nathan sentiu que lhe abria um buraco no peito, embora

agora nada tivesse que ver com sua mãe. — E você, o que faz aqui num sábado?

— Esqueci o pulôver na escola — explicou ela.

O sol refletia em seu cabelo escuro, e quando umedeceu os lábios Nathan sentiu um nó no

estômago.

— Necessita ajuda? — perguntou Nathan, e quase deixou escapar um grunhido.

"Por que ia necessitar ajuda?"

— Não, mas estarei encantada de que me acompanhe.

Nathan tragou saliva com dificuldade e tentou não sorrir. Assentiu e disse:

— Estupendo.

— Quando terá a carteira de motorista? — perguntou ela enquanto passeavam pelo

caminho que margeava a escola.

— Falta muito pouco para o exame. — O braço nu de Brandy Jo roçou ligeiramente o seu

justo por debaixo da manga de sua camiseta, e Nathan sentiu um comichão no ombro.

— Eu tirei a minha no mês passado — disse ela.

— Tem carro?

Brandy Jo negou com a cabeça e o cabelo acariciou os ombros.

— E você?

— Jack vai deixar-me dirigir o seu — respondeu Nathan aproximando um pouco mais seu

braço ao de Brandy para ver o que acontecia: um comichão percorreu o peito.

— Quem é Jack?

— É... como se fosse meu pai.

Brandy levantou a cabeça e o observou com os olhos muito abertos.

— O que quer dizer com "como se fosse meu pai"? É seu padrasto?

— Não. É meu verdadeiro pai, mas só o conheço há um mês.

Brandy Jo parou em seco.

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— Acaba de conhecer? — perguntou com esse marcado acento texano que Nathan estava

começando a achar delicioso.

— Sim — respondeu — Sempre soube quem era, mas quando meu pai morreu... Quando

meu primeiro pai... meu outro pai... —- Suspirou. — É um pouco complicado.

— Minha mãe se casou três vezes — disse ela quando puseram-se a andar de novo. — Meu

pai morreu, mas o pai de meu irmão pequeno vive em Fort Worth. Agora tenho outro padrasto,

mas não promete muito. Todas as famílias são complicadas por uma coisa ou por outra.

Entraram no edifício um junto ao outro, deixando que seus braços roçassem e fingindo que

se tratava de algo acidental. Brandy Jo encontrou seu pulôver na classe de arte e, quando saíram,

Nathan pegou sua mão. Tinha um nó na garganta, e quando o olhou nos olhos e sorriu quase

parou o coração. Acreditava que ia sair pela boca e que morreria ali mesmo, junto à grande rocha

onde gravou a ridícula inscrição "Semeie de Lovett"; sob o abrasador sol do Texas, diante da

garota mais bonita que jamais conheceu. E não gostava disso absolutamente.

Nathan não separou os olhos do rosto de Brandy Jo enquanto esta falava de sua família.

Apertou a mão e ela aproximou-se até que seus braços se roçaram. O pulso ia a mil por hora: era

uma sensação agradável, dolorosa e assustadora ao mesmo tempo. Nunca esteve apaixonado.

Bom, esteve apaixonado por Nicole Kidman, mas isso não contava. Essa tarde, entretanto, sob o

infinito céu azul que se estendia sobre suas cabeças, Nathan Monroe soube que se apaixonou pela

primeira vez em sua vida.

Daisy colocou o polegar na boca da mangueira do jardim e o jorro de água abriu sobre o

Cadillac de sua mãe, formando um leque. Depois colocou uma esponja dentro de um balde que

tinha enchido de água com sabão e começou a lavar o carro. Notava o calor do sol em sua pele,

como bronzeava os ombros, o peito e a parte das costas que deixava ao descoberto sua camiseta

de alças.

Passou grande parte do dia na casa de Lily, limpando e fazendo comida enquanto sua irmã

permanecia no sofá com o tornozelo engessado no alto. O divórcio de Lily finalmente se resolveu.

Seu advogado fez bem seu trabalho, mostrando ao juiz os extratos da conta bancária antes que

Ronnie esvaziasse e o juiz resolveu que Ronnie devia pagar a Lily dez mil dólares, pagar uma

pensão mensal para o menino e assumir os gastos do seguro médico de Pippen.

— Sua mãe ficou revolvendo na casa de Lily. Daisy sabia que, desde que saiu do hospital, à

sua irmã eram difíceis até os trabalhos mais simples.

Não se incomodava em ajudá-la, mas, com a caótica vida que levava, ficou um pouco mau-

humorada. De fato, era algo mais que mau humor. Sentia-se perdida, mas, para falar a verdade,

sua irmã não tinha culpa disso. O estado de ânimo de Daisy se devia à soma de todos os

problemas de sua vida mais que a um só aspecto em concreto. Estava desejando começar sua

nova vida, mas também se sentia assustada e insegura. Ainda não vendeu a casa de Washington,

claro que só estava um mês à venda.

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Estava disposta a ter o Studio fotográfico, e, entretanto, produzia certa ansiedade pensar em

que teria que ir embora do Texas. Frequentemente acreditava saber com total clareza o que

queria, mas, no final de alguns instante, ficava perdida em muitas dúvidas. Saiu em algumas

ocasiões com Matt e passou bem. Mais quando a beijou, soube no momento que não haveria uma

terceira vez. Estava apaixonada por outra pessoa, e não teria sido justo para Matt.

Daisy inclinou-se todo o possível sobre o Cadillac para limpar uma mancha que passou por

cima e viu que uma das principais causas de sua confusão estacionava seu Mustang em frente à

casa de sua mãe.

Jack saiu do carro, atravessou o jardim e se aproximou de Daisy. Uma escura mecha de

cabelo pendurava sobre a fronte, e pela primeira vez não usava chapéu. A luz do sol refletia nos

cristais azuis de seus óculos. Vestia uma camisa verde abotoada até em cima e uma Levi's um

pouco gastas. Era sábado e não se barbeou: a sombra da barba incipiente ressaltava ainda mais o

sensual perfil de seus lábios. Cada vez que o via, o coração de Daisy dava um salto, enquanto que

sua cabeça pedia a gritos que se pusesse a correr em direção contrária.

— Olá — disse Daisy depois de erguer e limpar o sabão restante do capô. — O que te traz

por aqui?

— Estou procurando Nathan. Acreditei que passaria em casa quando saísse da aula, mas não

veio.

— Aqui não está — disse ela; apesar de que os olhos de Jack ficavam escondidos atrás dos

cristais azuis de seus óculos, Daisy notava o peso de seu olhar. — Se quiser pode esperar; estou

segura de que não demorará.

— Sim, esperarei um momento — respondeu Jack dando uma olhada à rua. Fazia o mesmo

algumas vezes desde que retornaram de sua excursão ao lago há um mês. Despia Daisy com o

olhar e logo afastava a vista.

Cabia a possibilidade de que não a olhasse com especial interesse. Muito possivelmente só

fosse imaginação dela, fruto de seu próprio desejo. E esse pensamento não só a entristecia, mas

também mostrava uma Daisy patética, fantasiosa e, sobre tudo, tão louca como o resto dos

membros de sua família. Uma imagem estremecedora.

Daisy agarrou a mangueira e o balde e foi ao outro lado do carro.

— Amanhã de noite, Billy e alguns dos meninos vão jogar um jogo de futebol americano no

parque Horizon View — disse Jack deixando cair todo peso do corpo em um pé; olhou-a de novo

nos olhos e acrescentou: — Falei disso com Nathan faz uns dias e ficamos de que me diria se

poderia ir ou não.

— Não temos nada planejado, então, por mim pode ir se quiser. — Daisy deixou o balde no

chão e subiu a mangueira até o capô do carro. — Jogarão flag ou trackle football?

— O flag football é para joaninhas — disse Jack enquanto se colocava justo em frente a

Daisy. — E para garotas.

Daisy optou por não fazer caso da provocação.

— Não quero que Nathan jogue sem capacete nem amparos.

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—Asseguraremos de que use o equipamento adequado — a tranquilizou Jack inclinando a

cabeça como se estivesse tomando as medidas. — Por que não vem você também com um

daqueles teus vestidinhos de animadora? Poderia fazer algumas cambalhotas, como quando

estava na escola. — Em seu rosto desenhou-se um sorriso inequivocamente carnal. — Ou um

daqueles saltos. Ofereciam uma boa panorâmica de suas intimidades.

Daisy colocou de novo o polegar na boca da mangueira e a água se pulverizou sobre o teto

do carro, e acabou no peito, os ombros e também nos vidros dos óculos de sol de Jack.

— Vá— disse, e tirou o polegar.

Jack franziu o cenho e suas sobrancelhas desapareceram atrás dos óculos.

— Fez de propósito — espetou.

Ela bufou, escandalizada:

— Não, absolutamente.

— Sim — disse Jack muito lentamente — fez de propósito.

— Se engana — assegurou Daisy negando com a cabeça; colocou então o polegar na boca da

mangueira e apontou o jorro de água para o peito de Jack. A água empapou a camisa. — Vê? —

acrescentou retirando o polegar.

— Agora sim, fiz de propósito.

— Não tem nem a mais remota ideia do que vou fazer — disse Jack enquanto tirava os

óculos e os guardava no bolso de sua empapada camisa.

— Não vai fazer nada — respondeu Daisy.

Seus olhos verdes falavam de vingança à medida que ia se aproximando cada vez mais de

Daisy.

— Se engana — disse Jack em um tom zombador.

Ela deu um passo para trás.

— Quieto aí.

— Tem medo?

— Não. — Daisy retrocedeu um passo mais.

— Pois deveria ter, boneca.

— O que vai fazer?

— Deixa de recuar e descobrirá.

Daisy parou, levantou a mangueira e um potente jorro de água saiu disparado para a cabeça

de Jack. Ele esquivou-se, e antes que ela pudesse correr, Jack jogou-se em cima, a empurrou

contra a porta do carona e arrancou a mangueira das mãos.

— Não, Jack! — Daisy se pôs a rir. — Não o voltarei a fazer. Juro isso.

Baixou a vista e a olhou fixamente nos olhos enquanto o cabelo que pendurava sobre a

fronte ia gotejando em cima de sua bochecha. Tinha as pestanas molhadas.

— Sei que não voltará a fazer — disse Jack puxando o decote da camiseta de Daisy e

colocando a mangueira dentro.

— Está fria! — gritou Daisy agarrando a mão e tentando tirar a mangueira de debaixo da

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camiseta.

— Ria agora, querida — disse Jack apertando seu corpo contra o dela e empapando-se tanto

quanto ela.

— Para! — gritou ela; a água descia entre seus seios e corria pelo ventre. Os mamilos

arrepiaram pelo frio. — Estou ficando gelada.

Com o rosto grudado ao de Daisy, Jack disse:

— Me peça perdão.

Daisy ria com tal frenesi que não conseguia articular palavra.

— Sinto muitíssimo — conseguiu dizer enquanto lutava por escapar de seu abraço. Mas ele a

prendeu.

— Não é o suficiente. — Jack tirou a mangueira e a jogou no chão. — Demonstre-me —

acrescentou isso em tom desafiante.

Daisy deixou de rir e olhou ao Jack nos olhos. Detectou imediatamente o desejo que ardia

neles. Estava em frente a ela, com as pernas ligeiramente abertas, aos lados das suas. Suas coxas,

sua cintura e o ventre pressionavam contra seu corpo, e Daisy notou que alguns centímetros de

seu corpo se alegravam de estar tão perto dela. Sentiu uma onda de calor no ventre.

Seu coração dizia que permanecesse imóvel, enquanto que seu cérebro gritava que saísse

correndo.

— Como? — perguntou ela.

— Já sabe como. — Jack baixou a vista e a cravou em seus lábios. — E faz bem.

Daisy percorreu com as mãos o úmido peito e os ombros de Jack, e depois passou as mãos

pelo cabelo. Inclinou a cabeça e passou a mão pela nuca. Roçou a boca de Jack com seus lábios e

sentiu que seu coração se expandia. Enchia seu peito e quase não deixava respirar; não podia se

enganar a respeito a que respondiam esses sintomas. Sentiu antes. Mas nesta ocasião a sensação

era muito mais intensa, mais definida, como se tivesse enfocado a objetiva da câmara

perfeitamente.

Estava apaixonada por Jack Parrish. De novo. Seu coração ganhou a partida.

Um muito fino fio de luz solar separava suas bocas. Ambos contiveram o fôlego; tinham os

olhos cravados um no outro. Os dois esperavam que alguém desse o primeiro passo.

Então Daisy o beijou muito suavemente.

— Parece bem assim?

Jack negou com a cabeça, e ao fazê-lo seus lábios roçaram os de Daisy.

— Tenta de novo.

— Veja o que te parece isto.

Entreabriu os lábios e sentiu o paladar com a ponta da língua.

Jack respirou fundo e disse com voz profunda:

— É tudo o que sabe fazer?

— Me ponha a prova.

Daisy fechou os olhos e se aproximou dele um pouco mais. Roçou com seus seios a camisa

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de Jack e seus mamilos endureceram por algo mais que o frio. Uma chama de calor percorreu seu

corpo para se instalar entre suas coxas. Abriu os lábios e os fundiu com os de Jack. No princípio

beijou de forma suave e ligeira, para que Jack desejasse algo mais. Um grunhido de frustração

surgiu de sua garganta, inclinou a cabeça para um lado e aumentou alguns graus mais a

temperatura ambiente. Obrigou a abrir a boca por completo e entrou nela.

Com as bocas unidas, passou os braços ao redor da cintura e deu um passo atrás. Aferrou as

nádegas com suas grandes mãos e puxou elas para cima até forçá-la a ficar nas pontas dos pés.

Retirou a cabeça e a olhou à cara.

— Que gostosa que é — sussurrou Jack; muito devagar, afrouxou o apertão, mas ato seguido

voltou a apertá-la com força. — Ninguém e tão gostosa como você. — Voltou a beijá-la. A água fria

que saía da mangueira ia molhando os dedos dos pés de Daisy ao mesmo tempo que aquele beijo

se tornava cada vez mais quente.

Daisy ouviu alguém clarear a garganta a suas costas. Um segundo depois, a voz do Nathan

abriu passagem no labirinto de paixão e luxúria em que virtualmente se perderam.

— Mamãe?

Jack levantou a cabeça e Daisy apoiou os calcanhares no chão e voltou-se.

— Nathan! — exclamou ela. Ainda demorou uns segundos em dar-se conta de que seu filho

não estava sozinho. Acompanhava uma garota. Nathan olhou sua mãe e depois Jack e ficou

vermelho como um tomate.

— Faz muito tempo que estão aí? — perguntou Jack em um tom surpreendentemente calmo

tendo em conta que suas mãos estavam coladas nas nádegas de uma mulher.

— Viemos da rua— respondeu Nathan olhando de novo a Daisy. Não disse nada mais, mas

sua mãe sabia perfeitamente o que estava pensando.

Daisy esboçou um sorriso forçado e disse:

— Não vai apresentar sua amiga?

— Ela é Brandy Jo — apresentou Nathan, e, com a mão estendida — estes são minha mãe e

Jack.

— Encantada de conhecer — disse a moça.

Daisy dispôs-se a aproximar-se de seu filho, mas Jack a pegou pelas calças e não deixou que

se separasse da frente dele. Daisy olhou por cima do ombro, ele elevou uma sobrancelha, e então

entendeu o que acontecia: Jack a estava utilizando para esconder sua ereção. Notou que subiam

as cores, como acabava de acontecer a Nathan. O único que não parecia sentir-se incômodo era

Jack.

Daisy voltou a olhar Nathan e Brandy Jo.

— Vive perto daqui? — perguntou Daisy para quebrar o silêncio.

— Bastante. — Brandy Jo olhou Nathan. — O dia que conheci Nathan, disse que quase

éramos parentes. Minha tia Jessica está casada com Bull, o primo do Ronnie Darlington.

Bom, ao menos não era família direta de Ronnie.

— Lily e Ronnie se divorciaram faz umas semanas.

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— Vá, não sabia. — Brandy sorriu e disse em voz baixa. — Ronnie é um mau inseto, e a todos

custou entender o que viu Lily nele.

Brandy Jo, sem sombra de dúvidas, era uma garota esperta.

— Vim para falar com você sobre a partida de amanhã a noite — disse Jack.

— E enquanto esperava, não te ocorreu nada melhor a fazer que envolver-se com minha

mãe no jardim da frente de casa!

Daisy abriu a boca de par em par.

Jack deixou escapar uma gargalhada.

— Pareceu uma boa maneira de matar o tempo — disse Jack.

Daisy se voltou e olhou-o nos olhos.

— O que acontece? — acrescentou Jack com um malévolo sorriso. — Você também pensou

o mesmo.

Capítulo 18

Daisy viveu quinze anos no noroeste, mas não esqueceu como podia ser sério para as

pessoas do Texas um jogo de futebol americano. Se fosse no Texas Stadium de Dallas, no campo

de uma escola de Houston ou em um pequeno parque de Lovett, o futebol era para todos como

uma espécie de segunda religião.

Amém.

O que Daisy não sabia era que aquela partida em especial era um acontecimento anual. Os

homens se reuniam uma vez ao ano para suar, dar golpes e comparar suas feridas de guerra. Não

havia sinais no chão.

Nem árbitros. Nem postes de gol. Apenas duas linhas laterais, duas zonas de arremesso

marcadas com pintura laranja fluorescente e uma pessoa encarregada do cronômetro.

A equipe de Jack usava jaquetas de cor vermelha e as da equipe contrária eram azuis.

Cada equipe tinha como máximas aspirações não só ganhar, mas também amassar ao

adversário. Tratava-se de futebol americano em estado puro, e Nathan Monroe ia ser o único

jogador com capacete e amparos. Um detalhe que incomodava o inexprimível.

Daisy tentou rebaixar seu desconforto explicando uma e outra vez que ele só tinha quinze

anos e que ia enfrentar a homens muito maiores e muito mais fortes. Ao que parece, não

importava que fizessem mal, o único que chateava era ficar como uma galinha.

— Nathan, sua ortodontia me custou cinco mil dólares — disse sua mãe. — Não vou deixar

que te façam saltar os dentes de um golpe.

Só melhorou um pouco o humor quando Brandy Jo chegou ao campo e disse que gostava de

como ficavam o capacete e os amparos. Daisy, Nathan e Jack foram juntos ao campo, e quando já

estavam perto Jack examinou com mais detalhes o vestido de Daisy.

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— Não parece em nada aos vestidinhos de animadora que estava acostumada a usar na

escola — disse quando Nathan afastou-se para recolher sua jaqueta vermelha das mãos do Billy.

Daisy ignorou por completo a sugestão de Jack a respeito de seu vestuário e escolheu um

vestido que se cruzava nas costas. Daisy se fixou na prega: chegava justo por cima dos joelhos.

— Muito comprido?

— E além disso, não deixa as costas descobertas — acrescentou Jack.

— Não pensei em me colocar a fazer essas piruetas que, ao que parece, você tanto gostava.

Jack se fixou nos integrantes de sua equipe, que estavam reunidos no centro do campo.

— Com este vestido poderá te machucar os "pompons". E isso seria uma verdadeira lástima.

— Não se preocupe por meus pompons. — Daisy parou na linha vermelha. — Estão muito

bem.

Daisy viu-o se afastar e sorriu. Não usava nada debaixo de seu pulôver de ponto e via a pele

através dos buraquinhos. Fixou em suas calças de futebol americano: marcava toda a nádega. Jack

Parrish estava realmente bem. As calças chegavam justo abaixo dos joelhos, e usava meias negras

e botas com saltos. Movia como se nada no mundo pudesse o alterar.

Como se não fosse passar a seguinte hora recebendo mais golpes que uma esteira.

Daisy ouviu que alguém a chamava, voltou-se e, entre os jogadores da equipe azul, viu

Tucker Gooch saudando com a mão. Devolveu a saudação e reconheceu junto a ele a um montão

de antigos companheiros da escola: Cal Turner, Marvin Ferrell, Lester Crandall e Leon Kribs; Eddy

Dean Jones e alguns dos irmãos Calhoun, incluídos Jimmy e Buddy. Perguntou-se se Buddy estaria

à corrente de que Lily, depois de fazer amor com ele, perdeu a cabeça e enfiou seu carro contra a

sala da casa de Ronnie.

Provavelmente não.

Reconheceu a algumas pessoas mais. As pessoas com quem cresceu em Lovett. Penny Kribs

e a pequena Shay Calhoun. A esposa de Marvin, Mary Alice, e Gina Brown.

Daisy notou uma pontada de ciúmes no estômago. Perguntou-se se Gina e Jack teriam

estado juntos desde o mês passado. Provavelmente sim. O ciúme foi subindo por seu estômago

até o coração. Conhecia aquele sentimento, resultava muito familiar. Sentiu quinze anos atrás,

quando a só ideia de que Jack pudesse estar com outra mulher fazia lhe ferver o sangue.

Mas Jack não era de sua propriedade e, além disso, já não era uma menina. Sabia muito bem

como aguentar o ciúme. Não se opôs a ele nem tampouco fingiu não senti-lo. Deixou que se

manifestasse. E depois se limitou a esperar que se fosse por onde veio.

Neste assalto, a cabeça venceu ao coração. Daisy se sentou em uma cadeira dobradiça na

lateral do campo, junto à Rhonda e suas filhas. As três meninas usavam trajes de animadora de cor

vermelha e não deixavam de saltar, como se tivessem molas em lugar de pernas.

— O ano passado Billy lesou um músculo da virilha — disse Rhonda enquanto tirava de

Tanya as meias para que a menina pudesse mover os dedinhos dos pés. — Esteve doendo umas

três semanas.

— Marvin quebrou o polegar — acrescentou Mary Alice enquanto inclinava para frente em

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sua cadeira.

O capacete e os amparos não resguardavam nem a virilha nem os polegares. Daisy ficou em

pé, disposta a tirar dali Nathan, mas voltou a sentar: se fizesse algo assim a seu filho, jamais a

perdoaria.

Assim cruzou os dedos e não se moveu.

A partida teve início às sete e meia. O calor era insuportável inclusive à sombra, e os

jogadores suavam como animais. Jack era o quarterback da equipe vermelha. Daisy esqueceu o

muito que gostava de vê-lo jogar. Cada vez que Jack jogava o braço para trás para lançar a bola,

subia a jaqueta e Daisy vislumbrava um pedaço de seu plano ventre e o umbigo, justo por cima da

cintura das calças.

Quando o placar, poderá ver seu peito por completo.

O parque Horizon View não demorou para ser invadido pelos gritos e as topadas daqueles

homens. Os corpos golpeavam contra o chão de maneira audível, e os espectadores de ambas as

bandas não deixavam de animar.

No primeiro quarto, Jack enviou um passe em curto a Nathan, e este o pescou e correu com

a bola nas mãos umas dez jardas antes que o pegassem. Daisy sustentou a respiração até que viu

que seu filho ficava em pé e se limpava dos restos de grama do capacete. No segundo quarto,

Jimmy Calhoun conseguiu um touchdown para a equipe vermelha. Por desgraça, fizeram um

combate na zona de arremesso e caiu ao chão de mal jeito.

Quando conseguiu voltar a ficar em pé, foi coxeando até seu carro e Shay teve que levá-lo ao

hospital. Todo mundo concordou em que provavelmente se lesou o joelho. Buddy apenas

esperava que não se tratasse de algo mais permanente.

— O desejo de Shay é formar uma família numerosa — disse enquanto observava como

levavam seu irmão. — Espero que Jimmy não tenha sofrido danos irreparáveis em alguma zona

vital.

Durante o descanso, Daisy ajudou Rhonda e Gina a abastecer com as garrafas de água os

membros de ambas as equipes. Os jogadores pareciam bastante cansados, e ainda restava a

metade da partida. Na equipe azul, Leon Kribs tinha um olho roxo e Marvin Ferrell o lábio muito

inchado. Por sua parte, Tucker Gooch teve que enfaixar o tornozelo, e aproveitou o momento para

pedir o telefone a Daisy. Não deu.

Deu alguma absurda desculpa e foi falar com Nathan para assegurar de que estava bem. Billy

passou o braço pelos ombros de Nathan e lhe revolveu o cabelo com a outra mão. Em vez de se

zangar, como esperava Daisy, Nathan riu e deu suavemente com o punho na barriga.

— Billy gostaria de ter um filho — disse Rhonda. — Mas terá que se conformar jogando com

Nathan.

Billy só ia dispor de três semanas mais antes que Nathan e ela retornassem a Seattle. Daisy

se perguntou como confrontaria Nathan a partida: ainda teria as mínimas vontade de voltar para

casa?

E ela? Ao pensar nisso, a inquietação que sentia se transformou em verdadeira ansiedade,

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pois assustava enormemente que a resposta fosse negativa. Justo no dia anterior, ela e Nathan

passaram pelo centro de Lovett no carro e Daisy se fixou em um local vazio junto à loja de

presentes Donna's, na Quinta. Sem nem sequer propor, viu a si mesma ali. Um pôster penduraria

em cima da porta: DAISY MONROE, FOTÓGRAFA. Ou talvez chamasse seu estúdio de "Florzinha"

ou...

Seu coração e sua cabeça estavam liberando uma batalha, e o melhor seria que esclarecesse

as coisas o quanto antes possível... Antes de assinar um contrato de aluguel em Seattle.

Passou uma garrafa de água a Eddy Dean, que tinha sangue nos nódulos, e outra a Cal

Turner, que já coxeava ao andar. A claudicação, entretanto, não impediu de pedir a Daisy que

ficassem no Slim essa mesma noite. Ela deu uma olhada ao Jack, que estava a alguns metros de

distância, muito concentrado em sua conversa com Gina. Jack tinha as mãos apoiadas na cintura e

de um ombro pendurava uma toalha branca. Gina assinalou para a esquerda, mas Jack pôs então

seus olhos em Daisy, que se aproximava com as garrafas.

— Logo falamos — disse Gina encaminhando-se para a beira do campo.

— De acordo; obrigado — respondeu Jack ao agarrar duas garrafas de água; abriu uma.

Tinha uma ferida ensanguentada no cotovelo esquerdo e as calças brancas manchadas de verde.

Bebeu meia garrafa de um gole e verteu o resto sobre sua cabeça.

— Vai sair com Cal esta noite? — perguntou a Daisy enquanto secava o rosto com a toalha.

Ela se perguntou se teria ouvido certo.

— Te incomodaria? — perguntou ela.

Olhou por cima da toalha e depois a pendurou ao redor do pescoço.

— Importaria se assim fosse? — perguntou ele por sua vez.

Daisy se voltou para a beira, para onde estava Gina, e disse:

— Sim.

Jack apoiou as pontas dos dedos na bochecha de Daisy para obrigá-la a que o olhasse e

reconheceu:

— Sim, incomodaria. Não saia nem com Cal nem com o Inseto nem com ninguém.

— Não vou sair com Cal nem com ninguém. — Daisy baixou a vista e se olhou um instante os

pés; depois foi levantando o olhar passeando pelas calças e o pulôver vermelho de Jack e a fixou

finalmente em seus olhos verdes.

— E Gina?

Jack se aproximou tanto a ela que quase se roçaram e passou o cabelo por trás da orelha.

— Não estive com ninguém — disse ele em um sussurro. — Não depois do Custom Lancer.

Daisy se perguntou se estava falando do carro. Conhecendo Jack, podia ser.

— Sério?

— Sim. — Deslizou os dedos pelo pescoço de Daisy. — E você?

Daisy não pôde evitar sorrir.

— É obvio que não.

Ele também sorriu.

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— Estupendo. — Deu um fugaz beijo nos lábios dela e retornou junto ao resto de sua

equipe. Aquele beijo não contava como tal. Não podia receber a denominação de beijo, mas foi o

bastante úmido para deixar nos seus lábios, seu sabor. O bastante quente para acender o fogo em

seu coração.

Durante o desenvolvimento do terceiro quarto da partida, a equipe azul marcou um

touchdown, mas o certo é que Daisy não estava prestando muita atenção ao jogo. Outras coisas

muito mais importantes a preocupavam nesses instantes. Apaixonou-se por Jack. Já não podia

passá-lo por alto. Veio a Lovett para falar com Jack de Nathan. Não albergava a menor intenção de

voltar a se apaixonar por ele, mas assim foi, e agora precisava decidir que passos ia dar a partir

desse momento. Quinze anos atrás fugiu da dor que supunha ao não se sentir amada por Jack.

Nesta ocasião não ia sair correndo.

Se fugisse não teria nenhuma possibilidade de saber o que Jack sentia por ela.

Quando jogavam a quatro minutos do último quarto, Marvin Ferrell, que pesava alguns

quilos mais que Jack, pulou em cima. Caiu no chão com uma exclamação de dor e o coração de

Daisy deu um tombo. Permaneceu deitado de costas durante um bom momento, até que Marvin

ajudou a ficar em pé. Jack moveu a cabeça a um lado e a outro para comprovar que seguia em seu

lugar e, depois, retornou muito devagar junto ao resto da equipe. Seu seguinte lançamento foi um

passe espetacular de vinte metros para Nathan, que, depois de recebê-lo, correu como uma bala

até a zona de marcação.

Nathan tirou o capacete e o lançou contra o chão. Começou a dar saltos e a receber as

felicitações de seus companheiros. Jack passou o braço por cima dos ombros. Pai e filho

caminharam com as cabeças unidas para a beira do campo, ambos sorrindo como se acabassem

de ganhar milhões na loteria.

Depois da partida, Nathan seguia tão alterado que se deixou levar e deu tal abraço a sua

mãe que a elevou do chão.

— Viu o touchdown? — perguntou antes de soltá-la.

— É obvio. Foi precioso.

Nathan tirou os amparos dos ombros enquanto Brandy Jo e um grupo de amigos e amigas

adolescentes se aproximavam. Todos pareciam muito impressionados pelo fato de que os mais

velhos tivessem convidado a jogar um menino de quinze anos.

— Joguei porque Jack e Billy estavam na equipe vermelha— disse.

Um moço com uma camiseta do grupo Weezer perguntou:

— Quem são Jack e Billy?

— Billy é meu tio. — Nathan parou e olhou para Daisy. — E Jack é meu pai.

Daisy sentiu a presença de Jack nas suas costas antes que a segurasse pelos ombros. Olhou

nos olhos e deixou capturar por seu agradável sorriso; depois voltou a olhar a seu filho.

Os dois homens de sua vida estavam se olhando nos olhos e pareciam se entender sem

palavras. Não havia nem choros, nem abraços. Era um reconhecimento parecido a um apertão de

mãos ou uma saudação esportiva.

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Em vez de ir para casa com Daisy e com o Jack para celebrar seu touchdown, Nathan

perguntou se podia ir dar uma volta com seus novos amigos. Dedicou um olhar fugaz a Brandy Jo,

e nesse instante Daisy soube que aquela jovenzinha de quinze anos, com uma longa cabeleira de

cor castanha e um marcado acento do Texas, usurpou o lugar que ela ocupava na vida de seu filho.

Sentiu uma inesperada pontada de ciúmes.

Nathan estava ficando mais velho a passos largos, e ela sentia falta desse menino que estava

acostumado a agarrá-la pela mão e levantar sua cabecinha para olhá-la como se fosse a coisa mais

importante do mundo.

— Vamos? — perguntou Jack inclinando-se para ela. — Quero te tirar daqui antes que

apareça Cal e tente te jogar o laço outra vez.

Jack brincava, mas não totalmente. Daisy detectou a dor em sua voz.

— O que te dói?

— O ombro — disse ele caminhando para o estacionamento. — Me dói muito.

— Não sei por que não põem amparos. — Daisy levantou uma mão e acrescentou. — Não é

necessário que diga. Sei. Os amparos são para joaninhas.

Jack abriu a porta do carona para que Daisy pudesse entrar. Justo antes de montar no carro

jogou uma última olhada para o campo de jogo, para ver uma última vez Nathan.

— Está crescendo muito rápido — disse Daisy enquanto o observava afastar-se de braços

dados com Brandy Jo. — Sempre foi muito agitado e independente. Não podia levá-lo a nenhum

lugar quando era um menino porque saía correndo. Assim que pus uma dessas correias para

meninos pequenos. Sempre me sentia mais segura sabendo que estava do outro lado da correia.

Dava um puxão e deixava de fazer o que estivesse fazendo. — Agarrou a parte de cima da porta

que separava seu corpo do de Jack. — Oxalá pudesse dar um puxão agora para evitar que se

metesse em problemas.

Jack colocou as mãos junto às de Daisy.

— É um bom menino, Daisy. Tudo irá bem.

Olhou nos olhos, inclinou para diante e deu um leve beijo, um beijo que se transformou sem

transição alguma em um beijo suave e lento, capaz de derreter o coração. Jack cheirava a suor e a

ervas. Acariciou as mãos com os polegares enquanto a beijava. Jack tomou seu tempo,

aprofundando-se naquele beijo íntimo. Os rincões mais secretos da alma de Daisy reconheceram o

contato com o Jack.

Foi algo mais que o roce de duas bocas, algo mais que o impulso do desejo, que exigia uma

continuação desse beijo.

Quando se separou, Jack a olhou tal como estava acostumado a fazer anos atrás. Com a

guarda baixa. Seus desejos resultavam absolutamente evidentes em seu olhar verde e cristalino.

— Vêem comigo a minha casa — disse Jack colocando as palmas de suas mãos sobre as de

Daisy.

Ela engoliu em seco e em sua boca se desenhou um sorriso. Não havia necessidade alguma

de perguntar o que planejou fazer.

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— Acreditei que te doía o ombro — disse.

— Não é para tanto.

— Posso te dar uma massagem.

Jack negou com a cabeça.

— Precisa conservar as forças para outro tipo de massagem.

Capítulo 19

Daisy deslizou as mãos pelos ombros de Jack e acariciou com os dedos seus músculos

doloridos. Massageou as costas e percorreu com os polegares a linha de sua coluna vertebral. Do

cabelo molhado de Jack foram desprendendo gotas de água que desciam por suas costas até

infiltrar na toalha azul que usava presa à cintura.

O trajeto do estacionamento até a casa de Jack levou menos de dez minutos. Em geral,

necessitavam uns quinze para percorrer essa distância, mas Jack saltou um ou outro aviso de pare

e não respeitou todos os semáforos.

Nesse momento Jack estava sentado em uma cadeira da cozinha, junto à mesa da sala. Tinha

as pernas a ambos os lados e os braços cruzados sobre o respaldo. Insistiu em tomar uma ducha

rápida antes que recebesse massagem e, quando saiu do banho usando unicamente uma toalha,

para Daisy faltou pouco para pular em cima dele ali mesmo.

— Tudo bem? — perguntou Daisy enquanto suas mãos percorriam seus fortes músculos de

cima abaixo.

— Acredito que poderei voltar a utilizá-los.

O calor da pele de Jack esquentava as mãos, e Daisy ia notando o contorno e a textura de

seus músculos à medida que ia acariciando.

— Daisy?

Ela observou a nuca de Jack. A luz da sala cintilava em seu cabelo úmido.

— Hmm?

— Quando estivemos no lago Meredith, disse que sentiu minha falta. — Levantou o braço e

a agarrou pelo pulso. — Falava a sério? — Jack voltou à cabeça.

A intensidade de seu olhar indicou a Daisy que sua resposta era de suma importância para

ele.

— Sim, Jack. Falava a sério.

Jack puxou o braço de Daisy e o disse junto à bochecha direita:

— Eu também senti sua falta, Daisy Lê. Todos estes anos senti falta de mais do que era capaz

de admitir. — Acariciou a outra bochecha com a mão livre. — Mais do que estava disposto a que

soubesse.

Daisy sentiu que se fazia um nó na garganta, inclinou-se e disse contra os lábios de Jack;

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— Te amo, Jack.

Ele fechou os olhos e deixou escapar todo o ar que tinha nos pulmões. Manteve-se imóvel

durante alguns segundos e depois acrescentou:

— Sempre estive apaixonado por você. Inclusive quando não quis estar.

— Dê a volta— sussurrou Daisy.

Jack abriu os olhos.

— O que?

— Ponha-se de pé — disse ela.

Assim que ficou em pé e se voltou, colocou as mãos em seus ombros e obrigou a sentar-se

de novo.

— Não sei o que acontecerá a nós a partir de agora — disse Daisy ao mesmo tempo que

levantava a saia do vestido para sentar em seu colo. Jack abriu as pernas e o traseiro de Daisy

acabou apoiado no assento da cadeira. Seus pés descalços penduravam a ambos os lados. —

Aconteça o que acontecer, sempre te amarei. Não posso evitar.

Jack acariciou suas coxas sem deixar de olhá-la nos olhos e disse:

— Vou mostrar o que vai acontecer entre nós. — As palmas de suas mãos alcançaram seus

quadris e com os dedos encontrou o fechamento do vestido.

Ela se acomodou melhor entre suas pernas e perguntou:

— Isso que tem aí é a estaca de uma loja de campanha ou é que te alegra de verdade?

Em sua boca desenhou um sorriso carregado de sexualidade.

— Ambas as coisas. Quer vê-la?

— OH, sim! — disse enquanto percorria os ombros e o peito com as mãos. Deixou repousar

suas palmas em cima dos mamilos de Jack e se inclinou para diante para beijá-lo no pescoço.

A única coisa que os separava era a toalha e o fino tecido de suas calcinhas.

Jack puxou o fechamento e o vestido se afrouxou.

— Levanta os braços — disse a Daisy.

Ela obedeceu, e Jack agarrou o vestido e o tirou por cima da cabeça. O cabelo caiu solto

sobre os ombros e Jack olhou com paixão os olhos de Daisy. Jogou o vestido no chão e depois

cobriu os seios nus com as mãos. Arrepiando os mamilos que pressionavam o centro das palmas e

Jack os esfregou com os polegares. Daisy entreabriu a boca e umedeceu os lábios. Jack a conhecia.

Conhecia o peso de seu corpo quando estava em cima dele, e reconhecia o batimento sob seu

coração ao senti-lo sob as palmas de suas mãos, seus suspiros de prazer e o aroma de sua pele.

Era Daisy. Sua Daisy.

— Está seguro de que não te dói o ombro?

O ombro? Importava um cominho o ombro. A única dor que sentia se localizava na virilha.

— A única coisa que noto é o desejo por você. — Todas as fantasias sexuais de sua vida

começavam e terminavam em Daisy Lê. E agora a tinha em frente a si.

Estava sentada sobre seu colo e não usava mais que umas calcinhas. Se jogasse bem suas

cartas, não voltaria a perdê-la.

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Daisy baixou a mão por seu ventre até alcançar a toalha que usava na cintura. Liberou-o da

toalha, estendeu a mão e se apropriou de sua ereção. Estava tão excitado que acelerou o pulso.

Inclusive custava respirar. Cravou seus olhos nos de Daisy e deixou cair seu olhar no rosado de

seus mamilos para passear a seguir por seu umbigo, até chegar a suas calcinhas brancas. Daisy

tinha na mão o seu duro membro. Acariciou a glande com o polegar.

Todos os músculos do estômago de Jack se esticaram levados pela excitação; o ar pouco

chegava aos pulmões. Colocou a mão sobre a de Daisy e a fez ascender e descender com

suavidade. Ela se inclinou para frente e beijou-o na garganta. Sua cálida e úmida língua deixou um

rastro de fogo a sua passagem. Jack levantou o rosto e apreciou o anseio em seus lábios. Beijou-a

com autêntica paixão; não havia ternura nem suavidade nesses beijos. Assim que seus lábios se

tocaram, foi como uma luta, uma busca. Suas línguas avançavam e retrocediam. Daisy arqueou as

costas para Jack, pressionando seu peito com os mamilos e roçando sua ereção com a virilha.

Era justo o que ele desejava. Era a única coisa que esteve desejando durante toda sua vida.

Queria sentir a língua de Daisy dentro de sua boca, o peso de seu corpo ao abraçá-la, o roce de

seus seios enquanto a olhava nos olhos ou a beijava no pescoço.

Desejava-a. Desejava-a por completo. Amava-a. Sempre a amou.

Jack ficou em pé e a toalha caiu ao chão. Colocou Daisy sobre a mesa da cozinha, em frente a

ele, e a olhou fixamente.

- Se deite, florzinha.

Ela deitou apoiando-se nos cotovelos e observou como ele beijava os seios e metia seus

eretos mamilos na boca. Jack não parou até que a respiração de Daisy começou a agitar-se; então,

pouco a pouco, foi descendo, lambendo seu corpo a caminho do umbigo e, uma vez ali, Jack

dispôs-se a baixar ainda um pouco mais. Estendeu a mão para aproximar uma cadeira. Tirou as

calcinhas de Daisy e sentou-se entre suas coxas.

— Jack — disse ela com um fio de voz. — O que está fazendo?

Colocou os pés de Daisy sobre seus ombros e beijou os tornozelos.

— Vou seguir para baixo — disse Jack em um sussurro.

Mordiscou a parte interna das coxas ao mesmo tempo que esfregava suavemente seu

clitóris com o polegar e introduzia um dedo no mais profundo de seu ser.

Colocou uma mão sob seu traseiro e a elevou até que seu sexo posicionou-se à altura de sua

boca. Era o sabor de Daisy. Delicioso. Era sexo e desejo e tudo o que ele desejava em estado puro.

Daisy pronunciou o nome de Jack entre gemidos jogando a cabeça para trás. Beijou-a entre

as pernas. Justo no mesmo ponto que beijou quinze anos atrás; embora agora tudo fosse muito

melhor. Era melhor porque sabia como utilizar sua língua. Abriu e chupou até que ela o separou de

si empurrando-o com os pés.

Daisy se levantou da mesa e ficou diante de Jack. Tremendo ligeiramente, olhou-o nos olhos

para dizer:

— Te desejo, Jack.

Ele recolheu a toalha do chão e enxugou os lábios.

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— Preciso ir em busca de uma camisinha.

Daisy olhou-o como se não soubesse do que estava falando. Então ela disse em tom

apaixonado:

— Quanto tempo passou desde a última vez que fez amor sem camisinha?

Fazia tanto tempo que não conseguia recordar.

— Provavelmente a última vez foi há quinze anos — respondeu Jack.

Ela sorriu, lhe tirou a toalha das mãos e a jogou para um lado. Aferrou-se a seus ombros e

apoiou um pé na cadeira. Passou o braço pela cintura dele e o beijou no peito.

— Tive a regra na semana passada — disse enquanto sentava em seu colo. — Desta vez não

posso ficar grávida.

Jack poderia ter protestado. Talvez pudesse ter feito alguma pergunta, mas a ponta de seu

pênis roçou a virilha de Daisy e não demorou para entrar em seu úmido e quente corpo. De

repente, todas as perguntas e protestos sumiram da cabeça.

Um grave gemido ressonou no interior do peito de Jack. A quente pele de Daisy o rodeava e

um calafrio ia abrindo passagem ao longo de suas costas, para a nuca. Ela entreabriu os lábios.

Respirava agitadamente e tinha as bochechas acesas. O ardor que seus olhos evidenciavam se

centrava por completo nele, como se tratasse do único homem no mundo que pudesse

proporcionar exatamente o que necessitava.

Esticou os músculos ao redor de Jack e ele notou cada minúsculo de sua estreita passagem.

Teve que fazer um enorme esforço para não gozar nesse mesmo instante. Todas e cada uma das

células de seu corpo estavam concentradas em Daisy. No modo em que seu interior se

manifestava, no calor de seus músculos ao se contrair, na doce dor que atendia suas virilhas...

— Meu Deus — exclamou Jack levando as mãos à cintura de Daisy. — É delicioso. — Elevou

e voltou a baixá-la. Era como se um líquido branco e quente o envolvesse. Estava convencido de

que jamais havia sentido algo assim com ninguém, exceto com Daisy.

Emoldurou o rosto dela com as mãos e a beijou.

— Te amo, Jack — disse sem deixar de se mover junto com ele, mantendo um lento e

marcado ritmo que se converteu em pura febre.

Ele a agarrou pelo traseiro atraindo-a para si cada vez com mais força. Ela se segurava uma e

outra vez, convertendo aquele vaivém em uma loucura. À medida que as investidas se faziam mais

profundas, suas respirações ficavam mais agitadas. Ela se agarrou a seus ombros e se pendurou

literalmente nele. Não podiam parar. Mais rápido, mais forte, penetrando-a até deixá-la sem

fôlego.

Daisy gemeu e apertou Jack com todas suas forças, contraindo os músculos em torno de seu

pênis. As poderosas contrações de seu orgasmo proporcionaram a Jack um relaxamento sem igual,

fazendo com que gozasse no mais profundo de seu interior. Inclusive depois dessa última

investida, Jack soube que queria mais.

Queria tê-la para sempre.

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Daisy não chorou nessa ocasião, embora estivesse a ponto de fazê-lo depois. Jack a puxou

pela mão e a levou até sua cama, onde voltaram a fazer amor. Foi doce e amoroso, e a levou a

alcançar um orgasmo múltiplo. O primeiro de sua vida, o qual quase a fez chorar.

Daisy deitou de barriga para baixo sobre os lençóis azuis. O resto da roupa de cama estava

toda uma confusão a seus pés. Jack ainda estava deitado em cima dela, rodeando sua cintura com

um braço. Uma de suas pernas descansava entre as dela, que notava a doce paixão de sua virilha

na parte traseira do quadril. Um abajur banhava a estadia com uma cálida luz amarela, e a única

coisa que se ouvia era o som de suas respirações cansadas. Suas peles estavam ainda aderidas

uma à outra, e uma cálida sensação de satisfação enchia seus corpos. Fazia muito tempo que Daisy

não se sentia tão cheia. Jack a amava. Ela amava a ele. Esta vez tudo iria bem.

Acreditava que Jack dormiu até que o ouviu dizer entre gemidos:

— Meu Deus, foi ainda melhor. Acreditava que nada poderia superar o da cadeira.

Daisy sorriu.

— Deus, gozou duas vezes?

— Sim. Obrigado.

— Não há de que.

Jack puxou Daisy pela cintura, como se desejasse levantá-la, mas não teve forças suficiente

para fazê-lo. Com muito cuidado, voltou a deixá-la na mesma posição. Tinha o cabelo colado à

fronte e os olhos fechados.

— Que horas são? — perguntou Daisy.

Abriu os olhos e elevou a mão. Jack observou o relógio e disse:

— Cedo.

Agarrou o pulso dele e jogou uma olhada à tela digital.

— Preciso estar em casa antes que chegue Nathan.

Jack rodou sobre um flanco e apoiou a mão sobre seu ventre, justo por baixo dos seios.

— Não vá — murmurou antes de lhe dar um beijo no ombro.

— Devo ir. — Daisy sentou-se e separou o cabelo do rosto. — Mas deverei tomar o café da

manhã.

— Não vá de Lovett — precisou Jack; estava de flanco, apoiado sobre um cotovelo. —

Nathan e você poderiam se instalar aqui.

Ela também esteve considerando essa possibilidade. Mas até esse momento não soube que

ele estava pensando o mesmo.

— Quando lhe ocorreu isso? — perguntou Daisy olhando-o nos olhos.

— Suponho que quando estivemos pescando — respondeu. — Mas foi ontem que vi claro,

depois de nos tocarmos um pouco no jardim de sua mãe sem que nos importasse se alguém podia

nos ver. — Sentou-se e apertou a mão de Daisy entre as suas. — Eu queria que nos vissem. Queria

que nos vissem juntos. E hoje também queria que vissem como nos beijávamos. Quero que todo

mundo saiba que é minha. Beijou-a na ponta dos dedos. — Quero viver com você e com nosso

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filho.

Era exatamente o que ela desejava. Ouvir isso de sua boca pareceu menos atemorizador.

— Amo você, Daisy Lê. Estive apaixonado por ti toda minha vida.

Daisy apreciou a dor e a paixão que encerrava seu olhar.

— Eu também te amo, Jack. — "Mas", disse uma vozinha em sua cabeça, "irá tudo bem

desta vez?" Os precedentes não eram esperançosos.

Disse a Jack que precisava ir ao banheiro e, quando retornou, ele já havia colocado os jeans,

pegara sua roupa, antes dispersa por toda a sala, e a deixara sobre a cama. Daisy colocou a

calcinha e ele a ajudou com o vestido.

— O que me preparará para tomar no café da manhã? — perguntou Jack enquanto ajustava

a fita do vestido.

— Algo bom.

— Algo com creme batido?

— E uma cereja.

Jack a rodeou com os braços e apoiou o peito contra suas costas.

— Eu adoro as cerejas — sussurrou junto à orelha dela.

Notou o calor do peito nu de Jack em suas costas, e teve que sobrepor ao impulso de dar a

volta e beijá-lo no pescoço. Se o fizesse, sabia que não chegaria em casa antes de Nathan.

— Jack, desta vez quero que as coisas funcionem.

Ele a abraçou com mais força e disse:

— Funcionará.

Sua voz tinha um matiz de intimidade e confiança que quase obrigou-a a acreditar em suas

palavras.

— Falaremos com Nathan— disse Daisy.

— Quando quiser.

— Não sei o que parecerá para ele se estabelecer aqui, em Lovett, e não quero que pense

que nos estamos precipitando. — Daisy separou-se de Jack e enquanto alisava o vestido

acrescentou: — Não passou nem um ano desde a morte de Steven, e não quero que se sinta

incômodo se nos vir juntos — cravou a vista no chão para ver se encontrava os sapatos. — Não me

importa o que pensem os outros, mas não quero que Nathan ache que estamos juntos para

substituir seu pai — os sapatos deviam estar na cozinha, assim Daisy levantou o olhar e se fixou

em Jack.

O homem atento e amoroso que a abraçou fazia só um instante enquanto dizia que tudo iria

bem, parecia ter se petrificado. Tinha os ombros tensos, apertava com força a mandíbula e seu

olhar endureceu.

— O que acontece? — perguntou Daisy.

Jack percorreu o quarto deixando atrás o foco de luz e entrando nas sombras.

— Quanto tempo mais vamos seguir dizendo que Steven é o pai de Nathan?

Daisy observou suas costas nuas e disse:

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— Acreditava que superou isso.

— Eu também acreditava. — Abriu a porta de um armário e tirou uma camiseta. — Mas não

acredito que jamais possa superar o que me fez esse bastardo.

Daisy fechou os olhos durante uns longos e dolorosos segundos.

— Não fale assim de Steven.

Jack riu com amargura.

— Isto sim que tem graça —disse enquanto introduzia os braços nas mangas. — Volta a te

pôr do lado de Steven Monroe.

— Não me ponho do lado dele — respondeu Daisy.

Jack colocou a camiseta.

— Então, o que está fazendo?

— Amava Steven. Não era só meu marido, foi meu melhor amigo. Rimos e choramos juntos.

Podia falar com ele de tudo.

— Podia falar com ele do que sentia por mim? — perguntou Jack.

Daisy quase conseguiu apanhar seu sonho. Quase, mas de repente escapava entre os dedos

como se tratasse de areia.

— Desse sentimento que corria pelo estômago até hospedar entre suas coxas, esse desejo

de estar comigo? —insistia Jack. Cruzou de novo o quarto e parou a escassos centímetros de

Daisy. —Falou disso?

— Não, mas ele sabia. — Daisy o olhou nos olhos e captou a mescla de paixão e amargura

que destilavam seus olhos verdes. A mesma paixão e a mesma amargura que apreciou a noite em

que voltou a vê-lo. — Estar com Steven não se parecia em nada a estar com você. Era diferente.

Era...

— O que?

— Tranquilo. Não dava medo. Não doía. Podia respirar quando estava com ele. Não sentia

que se não podia tocá-lo morreria. Não era como se uma parte de mim pertencesse à outra

pessoa.

— E não era isso o que se supunha que devia sentir? — perguntou ele. — Não se supõe que

alguém tem que desejar abraçar à pessoa a quem ama com tanta força que siga sentindo o roce

de sua pele mesmo depois de que se foi? — Jack a agarrou pelos ombros e logo colocou as mãos a

ambos os lados de seu rosto. — Respirar ao mesmo ritmo. Sentir o mesmo pulsado?

As lágrimas começaram a correr pelas bochechas de Daisy, e nem sequer se propôs a

impedi-las. Partia seu coração e seus sonhos escapavam entre os dedos. Outra vez.

— Não é suficiente. Não foi da última vez. E tampouco o é agora — disse ela.

— Que mais faz falta? Amo você. Nunca amei a outra mulher.

Daisy acreditava.

— Terá que saber perdoar — disse entre lágrimas. — Precisa me perdoar Jack. Precisa

perdoar a mim e também a Steven.

Jack baixou as mãos e deu um passo atrás.

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— Isso é pedir muito, Daisy.

— Muito?

— No referente a Steven, sim.

— E eu?

Olhou, e seu silêncio foi muito eloquente.

— Como poderíamos estar juntos se for incapaz de me perdoar por algo que aconteceu no

passado? — perguntou Daisy.

— Não pensemos nisso. — Jack agarrou suas botas e as calçou.

— Durante quanto tempo? Quanto tempo poderemos passar sem pensar nisso antes que

volte a sair o assunto? Um dia? Uma semana? Um ano? A sério, acredita que poderíamos viver

com isso?

— Te amo, Daisy — disse sem olhá-la. — Isso é suficiente.

— Mas também me odeia.

— Não. — Jack negou com a cabeça e a olhou nos olhos. — Não, odeio o que fez. Como não

ia odiar que separasse meu filho de meu lado?

— Foi um erro. — Daisy enxugou as lágrimas. — Eu admito. Teria que ter contado sobre

Nathan. Tive medo e atuei como uma covarde. Um dia se transformou em um ano. Um ano em

dois, e quanto mais o adiava mais duro ficava.

— Não tenho desculpa — estendeu uma mão e depois a deixou cair a um lado. —Precisa

entender. Steven...

— OH, entendo perfeitamente o lado de Steven — disse Jack interrompendo-a. — Entendo

que viessem a minha casa aquela noite e me dissesse que casaram. Entendo que a amasse tanto

como eu, e que aproveitasse a oportunidade de te afastar de mim. Mas também levou meu filho.

E o que você deveria entender é que não há modo de justificar algo assim.

— Não estou pedindo que o esqueça, mas que você e eu tenhamos futuro, depende de se

puder ou não aguentar o passado.

— Diz como se fosse tão simples.

— É o único modo possível — disse Daisy.

— Não sei se poderei fazer. Especialmente no referente a Steven — confessou Jack.

— Então não poderemos estar juntos. Não funcionaria.

— Só por isso? Porque você diz? — Jack a assinalou e moveu a mão no ar. — É você a que

tem que dizer se aceita ou sai de minha vida? Acaso acredita que pode forçar meus sentimentos?

Daisy negou com a cabeça e olhou com os olhos alagados em lágrimas. Doía o peito ao

respirar. Sabia que Jack estava sentindo o mesmo. Podia ver em seu olhar e, como no passado,

não havia maneira de mudar o rumo das coisas.

— Não. O que estou dizendo é que tem todo o direito de estar zangado. Tem todo o direito a

estar durante o resto de sua vida. Mas acredito que tudo iria muito melhor se, de algum modo,

fosse capaz de se liberar disso.

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Capítulo 20

Durante o trajeto de volta para a casa da mãe de Daisy, nenhum dos dois abriu a boca. O

único som que se ouvia no escuro interior do Mustang, era o ronrono do motor Shelby. Jack

estacionou junto à calçada e Daisy o olhou uma última vez. Estava oferecendo uma última

oportunidade de mudar as coisas que, ao que parece, ele não podia mudar. De dizer às palavras

que não era capaz de dizer.

Como se atrevia a pedir que esquecesse e perdoasse? Como se isso fosse tão simples. Como

se o acontecido não tivesse aberto um buraco permanente no mais profundo de suas vísceras.

Como se não sentisse sempre, a todo momento, justo sob a superfície.

Assim Jack ficou observando Daisy enquanto esta se afastava e, quando ela entrou na casa

de sua mãe, ele pôs em marcha o carro e se foi. Nesta ocasião, não tentou retê-la. Não houve

briga alguma. Ninguém pegou ninguém.

Mas a dor era tão intensa como a quinze anos atrás. Não, disse no caminho de volta a sua

casa. Agora era muito pior. Agora sabia como poderiam ter sido as coisas. Agora sabia o que

poderia ter sido sua vida.

A cadeira sobre a qual fez amor com Daisy seguia separada da mesa. A mesma mesa em que

ela deitou enquanto ele saboreava sua intimidade. Ao olhar a mesa e a cadeira, sentiu o ardor

daquele buraco nas vísceras. O fogo subia por seu peito até chegar à garganta, impedindo de

respirar. Agarrou a cadeira, levou até a porta traseira e a jogou fora.

Retornou a sala de jantar e observou a pesada mesa de madeira que pertenceu a sua mãe. A

mesma mesa em que a família comeu tantas vezes... Ali comeu também Daisy. Teria levantado a

mesa e a teria mandado junto com a cadeira, mas não passava pela porta de acesso ao pátio. Foi

até o abrigo para agarrar suas ferramentas e, quando retornou, voltou à mesa com uma serra.

O golpe que deu contra o chão resultou inclusive gratificante. Abriu uma cerveja, conectou a

serra Black & Deker e pôs mãos à obra. Quando acabou o trabalho, as peças nas que converteu a

mesa se estendiam pelo pátio traseiro junto à cadeira da cozinha. Deu boa conta de uma caixa de

seis cervejas e começou com o Johnny Walker.

Jack nunca foi o que se diz um grande bebedor. Jamais acreditou que beber solucionasse

nada. Mas essa noite simplesmente queria afogar sua dor. Com o copo na mão, saiu da sala e

passou junto à porta aberta de seu dormitório. Deu uma olhada nos lençóis revoltos da cama e

pensou que muito provavelmente ainda cheirariam a Daisy.

Chegou ao salão e encheu de novo seu copo. Nem sequer se incomodou em acender a luz.

Sentou no sofá de couro negro. Às escuras. Sozinho. A luz da cozinha iluminava o corredor e quase

alcançava a ponta de suas botas. Estava cansado e dolorido devido à partida e a Daisy, mas sabia

que não poderia dormir. Disse que a amava e respondeu que isso não era suficiente. Queria mais.

Fechou os olhos e tudo começou a dar voltas. Sentiu que seu estômago começava a se

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manifestar. Estava fodido. Deixou-a entrar em sua vida. Teria que ter sabido. Teria que saber que

no final, ela voltaria a acabar com ele, como se tivesse um grande X marcado no peito. Abriu os

braços de par em par e ela disparou.

"Tem todo o direito a estar zangado. Tem todo o direito a estar durante o resto de sua vida."

— Isso era o que disse — "Mas acredito que tudo iria muito melhor se, de algum modo, fosse

capaz de se liberar disso."

Jack era um homem acostumado a arrumar as coisas. A trabalhar em algo até que alcançava

certo grau de perfeição. Mas conhecia suas limitações. Reconhecia os impossíveis assim que o via.

E o que Daisy pediu era impossível para ele.

Jack não foi consciente de que dormiu até que despertou com a voz de Billy.

— Que demônios...?

Jack abriu os olhos e a luz o deslumbrou. Billy estava em frente a ele com o macacão de

trabalho posto.

— O que...? — começou a perguntar Jack. Sentia a boca pastosa e custou engolir saliva. — O

que está fazendo aqui?

— São quase dez horas. A oficina está aberta há uma hora — disse Billy.

Jack estava deitado com os pés sobre a mesinha de café, e dormiu com as botas calçadas.

Levantou a cabeça do respaldo do sofá e sentiu como se alguém o tivesse golpeado com um tijolo.

— Deus.

— Esteve bebendo?

— Sim.

— Sozinho?

Jack ficou em pé e o estômago revolveu.

— No momento me pareceu boa ideia. — Foi até a cozinha e tirou a garrafa de suco de

laranja da geladeira. A levou a boca e bebeu sem parar até que conseguiu aliviar a secura de sua

garganta.

— Por que só há cinco cadeiras? Onde está a mesa da sala? — perguntou Billy.

— Estou redecorando a casa.

Billy olhou seu irmão, e depois voltou a observar as cadeiras.

— E onde está a mesa?

— No pátio traseiro, junto à cadeira que falta.

— Por quê?

— Eu gosto mais assim.

Billy caminhou até a porta traseira e olhou para fora. Lançou um bufo e disse:

— Problemas com alguma mulher?

Jack rebuscou em um dos armários e tirou um pote de aspirinas. Problemas com alguma

mulher soava a algo manejável. Como se tratasse de uma pequena discussão ou algum tipo de

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desavença.

— Com Daisy Lê?

— Sim. Voltou para minha vida. Há fodido tudo bem fodido e agora se aspira.

— Está seguro de que está fodido? — perguntou Billy a seu irmão.

— Sim. Seguro. — Jack tomou quatro aspirinas e perguntou a Billy: — Nathan já chegou?

— Sim. Há sua hora.

— Me dê uns minutos. Deixa que tome banho, me barbeie e ordene um pouco as coisas e

agora mesmo vou.

— Talvez devesse tomar o dia livre — sugeriu Billy.

— Não posso. Nathan irá dentro de algumas semanas e quero passar todo o tempo que

possa com ele.

Jack necessitou de quarenta e cinco minutos para estar bastante apresentável para aparecer

pela oficina. Doía todo o corpo e a cabeça explodia.

Nathan olhou-o e, franzindo levemente o cenho, perguntou:

— Você está bem?

— Sim. — Jack assentiu movendo a cabeça com muito cuidado e sentou em sua

escrivaninha.

— Golpearam muito forte ontem na partida?

— Um pouco. — O pior golpe levou depois da partida. — O que vai fazer esta noite?

— Vou jogar boliche com Brandy Jo. — Nathan apoiou todo o peso de seu corpo em uma só

perna e colocou o anel que adornava o lábio no interior da boca. — Pensei em beijá-la. Acredito

que gostará também, mas não quero estragar tudo — cravou os olhos nos de Jack e perguntou: —

Como se sabe quando deverá beijar uma garota?

Jack sorriu e sua dor de cabeça se apaziguou um pouco.

— Com muita prática — disse. — E não se preocupe por fazer exatamente o correto. Se

Brandy Jo gosta de você de verdade, quererá praticar com você.

Nathan assentiu com a cabeça; parece que se encontrava mais tranquilo.

— Você praticou com minha mãe?

Quis dar uma resposta engenhosa, mas o certo era que tinha a lembrança do primeiro beijo

com Daisy no alpendre de sua casa gravado em sua mente, e corroia o cérebro como se tratasse

de ácido.

— Não, eu já era todo um profissional quando comecei a sair com sua mãe — disse Jack.

Nathan sentou e conversaram sobre garotas e sobre o que as garotas gostavam de fazer,

além de se maquiar e ir as lojas. Gostou de saber que Nathan pensava em outras coisas além de

transar com Brandy Jo. Queria comprar algo bonito e fazer o necessário para que gostasse dele.

Falaram sobre carros e Jack se surpreendeu ao comprovar que Nathan já não estava

obcecado com Dodge Daytona. Agora queria comprar um Mustang, como o Shelby de Jack.

Nathan obteria a carta de dirigir na próxima semana. Jack não demorou nem um segundo em dar

conta de por onde foram os tiros. Permitiria que Nathan conduzisse seu Shelby. Não havia

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problema...? sempre que o acompanhasse no carro.

Jack passou o resto do dia sentado em seu escritório, tentando não escutar o irritante ruído

das máquinas e as ferramentas da oficina. Por volta das duas a dor de cabeça desvaneceu, mas o

que sentia no interior do peito seguia aí, recordando em todo momento o que esteve aponto de

conseguir, o que perdeu.

Quando Nathan foi trabalhar na quinta-feira, tudo foi pior. Disse que Daisy ia a Seattle na

segunda-feira seguinte. Venderam sua casa.

Essa noite, depois de conseguir pôr ordem no desastre que criou no pátio traseiro de sua

casa, Jack não pôde evitar em pensar em Daisy e em como ela ia enfocar sua vida a partir desse

momento.

Ela sempre ia para frente, e ele, em troca, seguia ancorado no passado.

Colocou todas as peças da mesa de sua mãe no abrigo que havia junto a casa e também

deixou ali a cadeira. Talvez ele também tivesse que mudar. Pensou algumas vezes. Pensou

transformar a casa em uma ampliação dos escritórios da oficina, o qual deixaria mais espaço na

própria oficina.

Jack se sentou no alpendre traseiro e observou o jardim. Não podia se imaginar longe dali. A

casa guardava muitas lembranças para ele e para Billy. Ali era precisamente onde Steven e ele

desenterraram aquela caixa e também onde leram o diário de Daisy. Justo no canto, sob a borda. E

ali foi onde voltaram a enterrá-la.

Ficou em pé, e sem dar tempo a pensar no que ia fazer, dirigiu ao abrigo e agarrou uma pá. A

terra era compacta e dura. Depois de estar cavando durante mais de uma hora, o suor corria pelo

rosto. Por volta das sete e meia da tarde, iluminada ainda pela luz do sol, a ponta da pá topou com

a velha caixa vermelha de metal. Exumou do buraco no que permaneceu vinte e um anos oculta. A

pintura se apagou quase por completo e estava começando a oxidar. A tampa de plástico

amarelou, mas seguia intacta.

Jack levou a caixa até o alpendre. Sentou nos degraus e a abriu. Soldadinhos de cor verde,

dois bonecos da guerra das galáxias, Han Solo e a princesa Leia, e um pente dobradiço foram os

primeiros objetos a aparecer. O seguinte foi o carro Matchbox de Jack, e um apito. O diário de

Daisy, um prendedor de cabelo cor de rosa e um anel barato ao que faltavam três contas de cristal

estavam no fundo da caixa.

Daisy disse que foi ele quem deu o anel. Jack não o recordava. Tirou o anel e o meteu no

bolso da camisa. Agarrou o pequeno livrinho branco com uma rosa amarela pintada na tampa; o

cadeado ele mesmo quebrou da última vez que teve esse livrinho nas mãos.

As páginas amarelaram e a tinta perdeu parte de sua intensidade. Jack se inclinou para

diante, repousou os antebraços sobre seus joelhos, e leu:

Hoje o senhor Skittles mordeu Lily no nariz. Eu acreditava que ia lhe dar um beijo — escreveu

Daisy quando estavam no sexto ano. — Minha mãe plantou um ridículo boneco de neve em frente

de nossa casa. Foi tão embaraçoso.

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Jack sorriu e passou as páginas sem prestar atenção às referências ao gato ou à decoração.

Parou quando leu seu nome.

Jack ficou em uma boa confusão por subir no telhado da escola. Teve que ficar depois da aula

e acredito que vão lhe bater. Ele disse que não se importava, mas parecia triste. Eu também fiquei

triste. Steven e eu fomos para casa sem ele. Steven me disse que Jack estaria bem.

Jack recordava perfeitamente aquele dia. Não bateram nele, mas teve que limpar todas as

janelas da escola. Olhou algumas entradas mais que falavam do gato, o que comeram aquele dia e

do clima.

Hoje Jack gritou comigo. Me chamou de menina estúpida e me disse que fosse para casa.

Chorei e Steven me disse que Jack não acha na realidade isso de mim.

Jack não recordava essa anedota, mas se gritou com ela foi, possivelmente porque estava

um pouco coado por ela e não sabia o que fazer a respeito.

Steven me deu de presente um adesivo para a bicicleta. É um arco Iris. Disse que era muito

de menina para ficar em sua bicicleta. Jack disse que era estranho. Às vezes fere meus

sentimentos. Steven diz que não faz de propósito. Não tem irmãs.

Jack nunca reparou em que Daisy fosse tão sensível. Bom, sim, pensava que era sensível,

mas nunca imaginou que dizer que um adesivo fosse estranho pudesse ferir seus sentimentos.

Ontem foi Halloween. Minha mãe preparou a fantasia de Annie Oakley outra vez porque diz

que ainda não está pequena. Jack se fantasiou de Darth Vader e Steven de princesa Leia. Colocou

umas roscas grandes em cima das orelhas para imitar seu penteado. Ri tanto que quase fiz xixi na

calça.

Jack soltou uma gargalhada. Recordava aquelas fantasias, mas se esqueceu do resto das

coisas que Daisy comentava em seu diário. Também esqueceu o muito que gostava Steven de

contar piadas.

Muitas delas copiou Daisy naquelas páginas. Esqueceu que Steven era um moço muito

divertido e que passavam horas rindo da senhora Cansem quando passeava com seu velho cão, ou

vendo seu episódio favorito do show do Andy Griffith.

Não entendo por que falam tanto desse programa. É estúpido. Férias no mar é muitíssimo

melhor.

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Sim, Jack recordava perfeitamente que ele e Steven riam com Férias no mar escondido de

Daisy.

Quanto mais lia, mais ria de certas passagens de sua juventude.

Quanto mais ria, mais diminuía sua raiva...

O que o surpreendeu enormemente.

Quanto mais lia, mais se dava conta do padrão de comportamento de Daisy: quando algo a

contrariava, ou quando Jack a feria sem se dar conta de seus sentimentos, ela ia buscar ajuda em

Steven. No domingo anterior disse que Steven não só foi seu marido, mas também seu melhor

amigo. Disse que podia falar com ele de tudo.

Que ela e Steven riram e choraram juntos.

Jack não era desses homens que choravam, ele guardava tudo dentro até fazer desaparecer.

Mas certas coisas não desapareciam. Daisy tinha razão. Não poderiam estar juntos se ele não era

capaz de deixar para trás sua raiva. Sim, tinha direito a estar zangado, mas manter a raiva o

obrigava a estar sozinho.

Jack fechou o diário e deu uma olhada no jardim. Tinha duas possibilidades. Podia passar o

resto de sua vida concentrado em sua raiva e sua amargura. Sozinho. Ou podia deixar para trás o

passado. Como Daisy disse.

No momento em que disse, pareceu tão impossível. Agora sentia o brilho de uma pequena

luz de esperança no mais fundo de sua alma.

Sim, Daisy e Steven manterão em segredo sobre Nathan. Sim, isso era uma sacanagem das

grossas, mas não podia permitir que a raiva seguisse o consumindo durante mais tempo. Precisava

deixar para trás o passado ou muito possivelmente morreria sozinho e amargurado. Não

compartilhou com Nathan seus primeiros quinze anos de vida, mas Jack calculou que ficavam pela

frente os próximos cinquenta no mínimo.

A única coisa que precisava decidir era como queria passá-lo.

Ficou de pé e voltou a colocar todas as coisas na caixa de metal.

Entrou na casa e foi procurar a carta de Steven.

Voltou a ler, e nesta ocasião se deu conta de tudo o que passou por cima da primeira vez.

Steven escreveu sobre sua amizade e sobre o muito que sentiu falta de todos esses anos. Falava

do amor que professava a Daisy e a Nathan. Acabava pedindo seu perdão. Pedia que deixasse para

trás a amargura e que seguisse adiante com sua vida. Pela primeira vez em quinze anos, Jack

tencionava fazê-lo.

Não tinha um plano concreto. Simplesmente pensou em sua vida, sem querer os recuperou,

já fossem bons ou maus. Não queria enterrá-los de novo.

E permitiu-se sentir o que suportavam todos e cada um deles.

Na sexta-feira pela tarde pediu a Nathan que fosse com ele ao escritório. Ficaram de pé, um

em frente ao outro, e Jack tirou a caixa de metal e passou com Nathan o pente dobradiço.

— Isto era de seu pai quando íamos ao sexto ano — disse Jack sem raiva alguma. — Pensei

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que gostaria de ficar com ele.

Nathan apertou o botão que havia no punho e, surpreendentemente, o pente se abriu.

Passou o pente pelo cabelo.

— Genial! — exclamou o menino.

Nathan agarrou uma das figuras da guerra das galáxias, mas acabou decidindo-se pelos

soldadinhos de cor verde.

— Na segunda-feira te darão a carteira de motorista, verdade? — perguntou Jack.

— Sim. Mamãe diz que poderei dirigir sua caminhonete de vez em quando. — Nathan

franziu o cenho e acrescentou: — Eu disse que nem pensar.

— As pessoas não podem correr muito em uma caminhonete — disse Jack tentando não

sorrir; entretanto, não pôde evitar e acrescentou: — Não há modo de queimar os pneus.

Nathan sacudiu a cabeça.

— Mas minha mãe não sabe nada do assunto.

Jack agarrou a caixa de metal e passou o braço por cima dos ombros de Nathan. Saíram

juntos do escritório.

— E não saberá nunca — disse para o rapaz.

— Claro, porque é uma garota.

— Não, filho. Porque não é uma Parrish — esclareceu Jack. Ao menos, não ainda.

— Mamãe! Sabe de uma coisa? — disse Nathan assim que cruzou a porta de casa. — Jack

me deixou dirigir o Shelby! Foi genial!

Daisy estava concentrada na preparação do creme para um bolo. Iriam celebrar uma festa

para Pippen, que fazia três dias que não usava fraldas.

— O que? Quer te matar? — disse sua mãe.

— Foi muito prudente — a tranquilizou Jack da porta. — Inclusive me recordou que

colocasse o cinto de segurança.

Ao vê-lo ali com calças cor cáqui e uma camisa branca com as mangas arregaçadas, o

coração deu um tombo. Seus olhares se cruzaram e algo quente e vital cintilou nos olhos de Jack.

Ao falar, sua voz soou grave e sensual.

— Boa tarde, Daisy Lê — disse Jack, e sua voz percorreu a distância que separava ele dela e

lhe acariciou todo o corpo como se tratasse de veludo.

Sem dúvida havia algo diferente nele essa tarde, mas antes de poder responder, Lily

apareceu na cozinha com suas muletas.

— Olá, Jack. Como vai tudo? — perguntou Lily.

Voltou-se para ela e toda a magia que houve entre Daisy e Jack nesses poucos segundos se

evaporou como faria uma miragem.

— Olá, Lily. Que calor, verdade? — disse Jack.

— Eu que o diga. Faz mais calor que em um hotel para recém casados. — Lily se aproximou

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da bancada e deu uma olhada à terrina onde sua irmã estava misturando os ingredientes. — É

para a festa do Pippen? — Lily colocou o dedo na terrina e depois o chupou.

— Sim, Jackson, precisa ficar — insistiu Louella, que vinha de seu dormitório. — Compramos

guarda chuva para todo mundo...

Nathan fez uma careta para dar a entender seus temores e Jack olhou-o com total

cumplicidade. Mas disse:

— Aceito encantado, senhora Brooks. E agradeço. — aproximou-se de Daisy e roçou seu

braço com a manga da camisa quando foi provar o creme do bolo. Depois a olhou nos olhos.

— Mmm. Está muito bom, florzinha — inclinou-se um pouco e sussurrou ao ouvido dela. —

Não me importaria de te melar as coxas com isto.

— Jack! — exclamou ela.

Ele gargalhou e agarrou Daisy pela mão.

— Se nos perdoarem um minuto, preciso falar com Daisy.

Saiu com ela de mãos dadas pela porta traseira. Assim que a porta se fechou a suas costas,

atraiu-a para si e a beijou. Foi um beijo doce e suave, mas também intenso, mas teve que afastá-

lo.

— Senti sua falta, Daisy.

— Não, Jack. Isto está sendo muito difícil para mim.

Jack colocou um dedo sobre os lábios.

— Me deixe acabar. — Colocou suavemente as mãos no pescoço de Daisy e a olhou

fixamente nos olhos. — Estou apaixonado por você. Sinto que estive toda minha vida. É minha,

Daisy. Sempre o foi — passou o polegar pelo seu queixo. — Durante anos fiquei aferrado à

amargura e a raiva. Culpei Steven e você de tudo, quando o certo é que eu também tive minha

parte de culpa no que nos aconteceu. Sigo sem gostar de não ter estado presente durante a

infância do Nathan, mas não tenho mais remedeio que aceitar que as coisas aconteceram assim

por algum motivo. Não posso seguir me aferrando a lutar contra isso. Preciso deixar para trás. Tal

como você falou.

— Acredita que poderá fazer?

— Estou cansado de sentir raiva de você — disse Jack com óbvia sinceridade. — Estou

cansado de sentir raiva de Steven. Quando fomos meninos, adorava Steven. Fomos irmãos de

sangue. Na carta que me escreveu, me perguntava se alguma vez senti sua falta — respirou fundo,

clareou a garganta e acrescentou: — Senti falta daquele Steven, que cresceu comigo, todos os

dias. Agora já não está mais aqui, e não posso odiar um homem que morreu; — olhou nos olhos

de Daisy. — Recorda a noite em que veio a minha casa e eu te disse que passasse mal?

Daisy sorriu. Lhe quebrou o coração e agora tentava repará-lo.

— Sim.

— Quero que esqueça para sempre o que disse, porque quero passar o resto da minha vida

tentando te fazer feliz. — Jack meteu a mão no bolso e tirou um anel de bagatela. O dourado

descascou e o "diamante" perdeu o brilho. Jack estendeu o braço e deixou o anel na palma da mão

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de Daisy. — Te dei de presente este anel quando estávamos no sexto ano. Se me aceitar, Daisy, te

comprarei um de verdade.

Daisy abriu a boca de par em par.

— Este é o anel que meti na caixa?

— Sim, desenterrei no outro dia. Também tenho seu diário. — Jack acariciou a garganta com

as pontas dos dedos. — Case-se comigo, Daisy Lê.

Ela assentiu e disse:

— Quero com todo meu coração, Jack Parrish. Sempre quis, e acredito que meu destino é te

querer para sempre.

Jack deixou escapar um suspiro, como se tivesse tido suas dúvidas. Abraçou-a com tanta

força que a levantou do chão.

— Obrigado — disse ele sorrindo com os lábios colados aos dela.

A porta traseira se abriu de repente e apareceu Nathan.

— Mamãe, precisa entrar. A vovó... — parou ao dar-se conta do que estava acontecendo.

Jack deixou Daisy no chão e ela se voltou para seu filho. Jack passou o braço pela cintura e a

atraiu para si. Nathan olhou a um e a outro até parar em Daisy.

— A vovó, o que? — perguntou Daisy.

— Não deixa de tagarelar sobre gente que não conheço nada e que não me importa

absolutamente — respondeu distraído pela excitação que percebeu nos rostos dos dois - olhou

Jack. - O que está acontecendo aqui?

— Pedi a sua mãe que se case comigo.

Nathan permaneceu imóvel, tentando assimilar o que acabava de ouvir.

— Estou apaixonado por sua mãe desde o segundo ano, quando a vi no pátio com aquele

ridículo laço vermelho. — Jack acariciou o ventre de Daisy enquanto falava. — Deixei que me

escapasse uma vez. Não vou cometer o mesmo erro duas vezes — abraçou-a com mais força. —

Quero que os dois se instalem aqui, comigo.

— Em Lovett? — perguntou Nathan.

— Sim. O que acha? — perguntou Jack.

Daisy não recordava que Jack tivesse, alguma vez, perguntado sua opinião.

Nathan observou aos dois enquanto pesava suas opções.

— Poderei dirigir o Shelby?

Durante uns segundos, Daisy temeu que Jack aceitasse.

— Não — respondeu ele. — Mas poderia dirigir a caminhonete de sua mãe.

— Isso não parece nada bem.

— Talvez possamos arrumá-lo de algum modo — tranquilizou Jack.

Nathan sorriu e assentiu antes de entrar de novo na casa.

— Genial — disse.

Jack se inclinou e sussurrou a Daisy no ouvido:

— Podemos nos liberar da festa de Pippen?

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— Não. — Daisy voltou-se e também o abraçou. Percebeu o aroma de seu corpo e de sua

camisa. — Mas não temos por que ficar muito tempo.

Daisy sentiu que nos lábios de Jack se desenhava um sorriso enquanto lhe beijava a fronte.

— Genial — sussurrou Jack.

Fim

** Essa tradução foi feita apenas para a

leitura dos membros da Tiamat.

Muita gente está querendo ganhar fama e seguidores usando os livros feitos por nós. Não retirem os créditos do livro ou do arquivo.

Respeite o grupo e as revisoras.