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RACISMO OU INJURIA RACIAL? 1 Amanda Paula Silva 2 ; Thalline Luanna Ramalho Ferreira 3 ; Leandro Luciano da Silva 4 RESUMO O racismo não é um tema novo. Surgiu no Brasil com o regime escravocrata e se manteve com o sistema capitalista, originando assim o preconceito e a discriminação. Estas práticas perduram até os dias atuais, pois estão arraigadas na sociedade, disfarçadas na consciência das pessoas. Juntamente com o desprezo e a intolerância, fazem com que ocorra a segregação dos povos e que os seres humanos sejam capazes de excluir uns aos outros. O propagado mito da democracia racial, existente no Brasil, perde validade quando é analisado o acesso dos negros às posições de prestígio econômico, político e intelectual. Apesar de ainda existir discriminação racial de toda ordem, o ordenamento jurídico brasileiro, ao longo dos anos, apresentou crescente avanço no que se refere às legislações que trataram da liberdade dos escravos e do combate ao racismo. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica e documental, verificou-se que apesar da existência do aparato normativo sobre o tema, existem grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da relação dos crimes previstos pela Lei do Racismo e a injúria qualificada, tipificada no Código Penal Brasileiro. Percebeu-se que o crime de racismo tem sido recorrentemente desclassificado para injúria racial. Palavras-chave: Racismo. Preconceito. Discriminação. Injúria Racial. ABSTRACT Racism is not a new theme. It appeared in Brazil with the slave regime and remained with the capitalist system, thus, originating the prejudice and discrimination. These practices persist to this day, because they are rooted in society, hidden in the consciousness of people. Along with scorn and intolerance, they generate peoples‟ segregation and make human beings think they are able to exclude each other. The propagated myth of racial democracy that exists in Brazil is no longer valid when analyzing the access of African ascendants to high economic, political and intellectual positions. Despite the fact there is still racial discrimination of all kinds, the Brazilian legal system over the years presented increasing advance in regard to laws which deal with freedom of slaves and the struggle against racism. Using the literature and document research, it was found that despite the existence of the normative apparatus on the subject, there are great doctrinal and jurisprudential discussions about the list of crimes defined by the Act on Racism and qualified injury typified in the Brazilian Penal Cod. It was noticed that the crime of racism has been repeatedly downgraded to racial insults. Keywords: Racism. Prejudice. Discrimination. Racial insult. 1 Resultados parciais extraídos da Monografia intitulada “A Lei n° 7.716/89 “Lei do Racismo”, o Crime Previsto no § 3° do art. 140 do Código Penal: “Injúria Racial”, e sua Aplicabilidade no Direito Brasileiro” de autoria da acadêmica Amanda Paula Silva sob orientação do Prof. Ms. Leandro Luciano da Silva e apresentada ao Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros FIP-MOC. 2 Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros FIPMOC 3 Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros FIPMOC. Bolsista do Programa de Iniciação Científica - FIP-MOC. 4 Leandro Luciano da Silva - Docente do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros FIPMOC. Pesquisador do Programa de Iniciação Científica - FIP-MOC.

RACISMO OU INJURIA RACIALcongressods.com.br/terceiro/images/trabalhos/GT7/... · conhecida como Lei Afonso Arinos, e incluiu entre as convenções penais a prática de atos resultantes

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  • RACISMO OU INJURIA RACIAL?1

    Amanda Paula Silva2; Thalline Luanna Ramalho Ferreira

    3; Leandro Luciano da Silva

    4

    RESUMO

    O racismo não é um tema novo. Surgiu no Brasil com o regime escravocrata e se

    manteve com o sistema capitalista, originando assim o preconceito e a discriminação.

    Estas práticas perduram até os dias atuais, pois estão arraigadas na sociedade,

    disfarçadas na consciência das pessoas. Juntamente com o desprezo e a intolerância,

    fazem com que ocorra a segregação dos povos e que os seres humanos sejam capazes de

    excluir uns aos outros. O propagado mito da democracia racial, existente no Brasil,

    perde validade quando é analisado o acesso dos negros às posições de prestígio

    econômico, político e intelectual. Apesar de ainda existir discriminação racial de toda

    ordem, o ordenamento jurídico brasileiro, ao longo dos anos, apresentou crescente

    avanço no que se refere às legislações que trataram da liberdade dos escravos e do

    combate ao racismo. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica e documental, verificou-se

    que apesar da existência do aparato normativo sobre o tema, existem grandes discussões

    doutrinárias e jurisprudenciais acerca da relação dos crimes previstos pela Lei do

    Racismo e a injúria qualificada, tipificada no Código Penal Brasileiro. Percebeu-se que

    o crime de racismo tem sido recorrentemente desclassificado para injúria racial.

    Palavras-chave: Racismo. Preconceito. Discriminação. Injúria Racial.

    ABSTRACT

    Racism is not a new theme. It appeared in Brazil with the slave regime and

    remained with the capitalist system, thus, originating the prejudice and discrimination.

    These practices persist to this day, because they are rooted in society, hidden in

    the consciousness of people. Along with scorn and intolerance, they generate peoples‟

    segregation and make human beings think they are able to exclude each other.

    The propagated myth of racial democracy that exists in Brazil is no longer valid

    when analyzing the access of African ascendants to high economic, political and

    intellectual positions. Despite the fact there is still racial discrimination of all kinds,

    the Brazilian legal system over the years presented increasing advance in regard

    to laws which deal with freedom of slaves and the struggle against racism. Using the

    literature and document research, it was found that despite the existence of the

    normative apparatus on the subject, there are great doctrinal and

    jurisprudential discussions about the list of crimes defined by the Act on Racism and

    qualified injury typified in the Brazilian Penal Cod. It was noticed that the crime of

    racism has been repeatedly downgraded to racial insults. Keywords: Racism. Prejudice. Discrimination. Racial insult.

    1 Resultados parciais extraídos da Monografia intitulada “A Lei n° 7.716/89 “Lei do Racismo”, o Crime Previsto no § 3° do

    art. 140 do Código Penal: “Injúria Racial”, e sua Aplicabilidade no Direito Brasileiro” de autoria da acadêmica Amanda

    Paula Silva sob orientação do Prof. Ms. Leandro Luciano da Silva e apresentada ao Curso de Direito das Faculdades

    Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIP-MOC. 2 Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIPMOC

    3 Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIPMOC. Bolsista do Programa

    de Iniciação Científica - FIP-MOC. 4 Leandro Luciano da Silva - Docente do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros –

    FIPMOC. Pesquisador do Programa de Iniciação Científica - FIP-MOC.

  • INTRODUÇÃO

    O presente trabalho faz uma abordagem ao racismo, ou seja, a teoria que

    afirma existir hierarquia entre as raças, a superioridade de uma em detrimento de outra,

    a visão que classifica as pessoas mediante a cor da pele, formato do nariz, cor dos olhos,

    e outras características.

    Observa-se que o racismo não é um tema novo, vez que surgiu no Brasil

    com o regime escravocrata, e se manteve com o sistema capitalista, originado assim o

    preconceito e a discriminação.

    Como pode então ter sobrevivido até os dias atuais? Ter perdurado ao ponto

    de estar arraigado na sociedade, disfarçados na consciência das pessoas, e ter se juntado

    ao desprezo e intolerância que faz com que ocorra a segregação dos povos, e que os

    seres humanos sejam capazes de excluir uns aos outros.

    Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro não quedou inerte, almejou

    coibir toda e qualquer forma de preconceito e discriminação utilizando-se de

    instrumentos como a Lei 7.716/89 e a Injúria Racial.

    Ocorre que, apesar do ordenamento jurídico tipificar o racismo como crime,

    existe ainda uma grande dificuldade em se evidenciar a prática deste delito, ocasionando

    a desclassificação do crime de racismo para o crime de injúria racial.

    A conseqüência dessa desclassificação pode ser entendida como a não

    incriminação institucionalizada da prática do racismo, por vários fatores, dentre eles, a

    dificuldade de se identificar os elementos característicos da conduta de racismo.

    O presente trabalho tem por objetivo, analisar o tratamento dado ao crime de

    racismo pelo ordenamento jurídico brasileiro, em especial, no que se refere à

    desclassificação do crime de racismo para o crime tipificado pela injúria qualificada

    pela utilização de elementos referentes à raça.

    1. REFERENCIAL TEÓRICO

    O racismo no Brasil originou-se no sistema colonial – escravista, época em

    que teve início a exploração do homem pelo homem, vez que, a economia baseava-se no

    trabalho forçado dos índios e negros que eram dominados e inferiorizados pelos

    brancos, tendo sido mantido nos sistemas econômicos posteriores.

    Para Munanga e Gomes (2006), o Brasil com suas características

    socioculturais, pode ser definido como um país com grande diversidade cultural em

    termos religiosos, artísticos, musicais, culinários, e entre tantos outros aspectos.

    Como país e como povo, o Brasil oferece o melhor exemplo de encontro de

    cultura e civilizações, pois cada um dos seus componentes étnicos ou culturais trouxe

    sua contribuição para a formação do povo e da história dos brasileiros, na construção da

    cultura e de nossa identidade (MUNANGA; GOMES, 2006), o que faz com que as

    pessoas acreditem na existência de uma democracia racial frente a este Estado

    Democrático de Direito.

  • No Brasil verifica-se o crescente avanço do ordenamento jurídico brasileiro

    no que se refere às legislações que trataram da liberdade dos escravos e do combate ao

    racismo.

    Desta forma, apesar da discriminação ainda existente, Szklarowsky (1997,

    p.21) afirma que:

    O Direito Brasileiro, não obstante, teceu uma crescente e salutar

    evolução, no que diz respeito à proteção das minorias e do ser

    humano, para integrá-los, na sociedade e banir o preconceito ou a

    discriminação, seja qual for, conquanto a questão não seja apenas

    jurídica, senão e principalmente econômica, social, educacional e de

    formação, sem se apartar da consciência. Esse fenômeno está

    extremamente ligado à liberdade. Sem dúvida, essa avançada

    trincheira jurídica é um passo bem largo, nesta longa trajetória,

    visando o aperfeiçoamento espiritual do homem, através dos séculos.

    Afinal, o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a

    justiça social e com a realidade. E quiçá com a evolução do espírito

    humano.

    Assim, dentre as legislações antiescravagistas destacam-se:

    Em 07 de novembro de 1831, a edição da primeira Lei contra o Tráfico

    Negreiro no Brasil, denominada Lei Diogo Fiojó que segundo Silveira (2007), declarava

    livre todos os escravos vindos de fora do Império, e impôs penas aos importadores dos

    escravos.

    Em 04 de setembro de 1850, a edição da 2º Lei contra o Tráfico Negreiro -

    Lei 581 conhecida como Lei Eusébio de Queiroz, estabelecendo medidas para a

    repressão do tráfico de africanos no Império (RIO DE JANEIRO, 1850).

    Em 28 de setembro de 1871, foi editada a Lei 2.040 conhecida como Lei do

    Ventre Livre que declarava de condição livre os filhos de mulher escrava que nasceram

    a partir da edição da lei (RIO DE JANEIRO, 1871).

    Posteriormente, em 28 de setembro de 1885 foi editada a Lei 3.270

    conhecida como Lei dos Sexagenários, que em seu art. 3º, §10º declarava libertos os

    escravos maiores de 60 anos de idade, completados antes ou depois da data em que

    entraria em execução esta lei, estando, porém ainda obrigados a prestarem serviços,

    como forma de indenização, por três anos (RIO DE JANEIRO, 1885).

    Por fim, a abolição final do regime escravocrata deu-se em 13 de maio de

    1888, com a Lei n. 3.353 – Lei Áurea, sancionada pela Princesa Imperial Regente, e que

    dispôs em seu art. 1º “é declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil”

    (RIO DE JANEIRO, 1888).

    Observa Silveira (2007, p.55) que “por óbvias razões, somente a partir de

    1888, com a abolição do regime escravocrata, torna-se possível cogitar de instrumentos

    normativos de repúdio ao racismo”.

    Ressalta-se, portanto, a edição do primeiro diploma infra-constitucional em

    3 de julho de 1951, que buscou combater a discriminação racial: Lei nº. 1390 -

    conhecida como Lei Afonso Arinos, e incluiu entre as convenções penais a prática de

    atos resultantes de preconceitos de raça, ou de cor (RIO DE JANEIRO, 1951).

    Segundo Silveira (2007), essa primeira lei brasileira de punição ao racismo,

  • editada no momento em que vigorava a Constituição de 1946 teve seu projeto de lei

    apresentado pelo deputado mineiro Afonso Arinos de Melo Franco, com a seguinte

    justificação:

    [...] Urge, porém que o Poder legislativo adote medidas convenientes

    para que as conclusões científicas tenham adequada aplicação na

    política do Governo. As disposições da Constituição Federal e os

    preceitos dos acórdãos internacionais de que participamos, referentes

    ao assunto, ficarão como simples declarações platônicas se a lei

    ordinária não lhe vier dar fôrças de regra obrigatória de direito. 5 –

    Por mais que se proclame a inexistência, entre nós, do preconceito de

    raça, a verdade é que êle existe, e com perigosa tendência a se ampliar.

    [...] é sabido que certas carreiras civis, como o corpo diplomático,

    estão fechadas aos negros; que a Marinha e a Aeronáutica criam

    injustificáveis dificuldades ao ingresso de negros nos corpos de

    oficiais e que outras restrições existem, em vários setores da

    administração. 6 – Quando o Estado, por seus agentes, oferece tal

    exemplo de odiosa discriminação, vedada pela Lei Magna, não é de se

    admirar que estabelecimentos comerciais proíbam a entrada de negros

    nos seus recintos. [...] 9 – [...] Nada justifica, pois, que continuemos

    disfarçadamente a fechar os olhos à prática de atos injustos de

    discriminação racial que a ciência condena, a justiça repele, a

    Constituição proíbe, e que podem conduzir a monstruosidade como os

    „progooms‟ hitleristas ou a situações insolúveis como da grande massa

    negra norte-americana (FRANCO, 1950, citado por SILVEIRA, 2007,

    p. 63).

    Segundo Valente (1997), a referida lei, de autoria do deputado que lhe deu o

    nome, tinha como objetivo impedir que os negros fossem discriminados, por isso tratava

    as atitudes de preconceito racial como contravenção e previa o pagamento de multas

    irrisórias para que fosse dado fim ao processo.

    No âmbito internacional, os instrumentos de proteção aos direitos humanos

    também demonstraram abominação à discriminação racial.

    A Carta das Nações Unidas (ONU) ratificada pelo Brasil em 21 de setembro

    1945 estabeleceu entre seus princípios e propósitos a igualdade de direitos e o respeito

    aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça,

    sexo, língua ou religião (ONU, 1945).

    Contudo, ocorre que apesar da Carta das Nações Unidas ser enfática ao

    determinar a importância de defender, promover e respeitar os direitos humanos e as

    liberdades individuais, esta não explicou o conteúdo dessas expressões, assim, três anos

    após a sua ratificação, adveio a Declaração Universal dos Direitos Humanos que as

    definiu (PIOVESAN, 2010).

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi então adotada em 10 de

    dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, tendo consagrado em seu

    art. I - “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São

    dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de

    fraternidade” (ONU, 1948).

    Em seu art. II estabelece que:

  • Todos os seres humanos tem capacidade para gozar os direitos e as

    liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer

    espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de

    outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, de nascimento, ou

    qualquer outra condição (ONU, 1948).

    Ainda estabeleceu em seu art. VII “todos são iguais perante a lei e têm

    direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual

    proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra

    qualquer incitamento a tal discriminação (ONU, 1948).

    A Carta da Organização dos Estados Americanos, também estabelece em

    seu art. 45, “a” o seguinte princípio:

    Todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, nacionalidade,

    credo ou condição social, têm direito ao bem-estar material e a seu

    desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, dignidade,

    igualdade de oportunidades e segurança econômica” (OEA, 1948).

    Ainda a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de

    Discriminação Racial adotada pela ONU em 21 de dezembro de 1965, e assinada pelo

    Brasil em 7 de março de 1966, afirmou em seu art. I, 1:

    [...] a expressão “discriminação racial” significará qualquer distinção,

    exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência

    ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anula ou

    restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano,

    (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades

    fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em

    qualquer outro domínio de sua vida (ONU, 1965).

    Porquanto também assevera que os Estados Partes obrigam-se:

    Art. IV, a) a declarar delitos puníveis por lei, qualquer difusão de

    ideias beseadas na superioridade ou ódio raciais, qualquer incitamento

    à discriminação racial, assim como quaisquer atos de violência ou

    provocação a tais atos, dirigidos contra qualquer raça ou qualquer

    grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como

    também qualquer assistência prestada a atividades racistas, inclusive

    seu financiamento (ONU, 1965).

    Piovesan (2010) observa que os direitos internacionais têm no Brasil

    natureza de norma constitucional, vez que a CFRB/88 previu que os direitos e garantias

    expressos em seu texto não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por

    ela adotados, ou dos tratados internacionais em que faça parte, o que evidencia a sua

    inovação em incluir entre os direitos constitucionalmente protegidos os enunciados nos

    tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.

    O racismo também se fez presente nas constituições brasileiras anteriores à

    CRFB/88, e conforme entendimento de Szklarowsky (1997, p. 21 e 22):

  • [...] as constituições republicanas, desde a primeira, de 1891, vêm-se

    pautando, contudo, pela igualdade de direitos e proibição de qualquer

    discriminação religiosa, racial ou de outra ordem, lapidando e

    desbastando a pedra bruta e cortando as arestas com o cinzel da

    sabedoria e da inteligência A Carta Política de 1891 não só igualou a

    todos perante a lei, como permitiu que todos os indivíduos e

    confissões religiosas exercessem pública e livremente o seu culto, [...].

    A Lei Maior de 1934 repetiu o Diploma Constitucional anterior e

    homenageou o princípio da inviolabilidade da liberdade de

    consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos

    religiosos, desde que não contrariassem a ordem pública e os bons

    costumes.A Constituição de 1937, a Polaca, nominalmente, propiciou

    a liberdade de culto, podendo, para esse fim, manter a associações de

    caráter religioso e confessional. A Constituição, pós-ditadura, de 1946,

    com uma elasticidade que demonstra seu profundo apego à

    democracia, convolou a inviolabilidade da liberdade de consciência e

    de crença, garantido o livre exercício dos cultos religiosos. A Lei

    Magna de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969, não só mantiveram o

    princípio de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de sexo,

    raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas, como

    inauguraram a constitucionalização do crime de preconceito de raça.

    De acordo com Valente (1997), até 1988, apenas o artigo 5º da Constituição

    brasileira que estabelecia que todos são iguais, independente de cor, raça ou credo, e a

    Lei Afonso Arinos eram utilizados com o fim de coibir o racismo contra os negros no

    Brasil, no entanto, estes não passaram de mera formalidade, vez que a teoria da

    igualdade presente no artigo constitucional era simplesmente desmentida na prática das

    relações entre brancos e negros e a Lei Afonso Arinos era ineficaz.

    Contudo, essa matéria veio a ganhar ainda mais realce com a Constituição

    da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, que em

    diversos dispositivos demonstrou a repugnância ao racismo e quaisquer forma de

    discriminação, além de trazer a previsão do racismo como crime.

    Inicialmente, já em seu preâmbulo, propugnou pela igualdade como valor

    supremo para a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

    Logo, em seu art.1º, esculpiu como um dos fundamentos deste Estado Democrático de

    Direito à Dignidade da Pessoa Humana, que de acordo com Moraes (2006, p.48):

    [...] é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta

    singularmente na auto – determinação consciente e responsável da

    própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das

    demais pessoas, constituindo–se um mínimo invulnerável que todo

    estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente

    excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos

    direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária

    estima que merecem todas as pessoas enquanto serem humanos.

    Nunes (2010) enfatiza que a dignidade nasce com a pessoa, lhe é inata,

    inerente à sua essência.

    Camargo (1994, citado por NUNES, 2010, p. 63 e 64) por sua vez, aduz que

    toda:

  • [...] pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência

    e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e

    se diferencia do ser irracional. Estas características expressam um

    valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio

    sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana.

    Assim toda pessoa humana, pelo simples fato de existir,

    independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade

    racional a dignidade de todo ser. Não admite discriminação, quer em

    razão do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental, ou crença

    religiosa.

    A CRFB/88 também em seu art. 3º, incisos III e IV, estabeleceu como

    objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a erradicação das

    desigualdades sociais e religiosas e a promoção do bem comum, sem preconceito de

    origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL,

    1988).

    Em seu art. 4º, inciso VIII, consagrou entre os princípios que regem a

    República Federativa nas suas relações internacionais o repúdio ao terrorismo e ao

    racismo (BRASIL,1988).

    Segundo Silveira (2007, p.114):

    No plano das relações externas, assim, a República guia-se pelo

    imperativo do repúdio ao racismo. Ou seja, cumpre-lhe censurar toda

    e qualquer prática de discriminação racial perpetrada por outro Estado,

    grupo de Estados ou indivíduos. Não poderá afastar-se desse

    precipitado alegando, v.g., interesse de natureza econômica, porquanto

    se vincula, indesviavelmente, ao dever de reprovação e de não-

    solidariedade para com as práticas racistas.

    Logo, no caput do art. 5º prescreveu:

    Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros, e aos estrangeiros residentes no País a

    inviolabilidade do direito a vida, a igualdade, a segurança e a

    propriedade [...]. (BRASIL, 1988).

    Desta forma, o princípio da igualdade adotado pelo texto constitucional,

    apresenta-se não só como direito de todos os cidadãos, também como uma garantia a ser

    assegurada pela República enquanto Estado Democrático de Direito, que tem como

    objetivo a promoção do bem de todos.

    O art. 5º, inciso XLI, também dispôs que “a lei punirá qualquer

    discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (BRASIL, 1988).

    Por fim, não obstante à menção feita do repúdio ao racismo, a CRFB/88,

    ainda destacou dentre os direitos e deveres individuais e coletivos inseridos no Título

    dos Direitos e Garantias fundamentais, art. 5º, inciso XLII, à previsão de que, a prática

    do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos

    termos da lei.

  • Em obediência às disposições da CRFB/88, em 5 de janeiro de 1989 foi

    editada a Lei 7.716 de autoria do Deputado Carlos Alberto Caó, que ao apresentar o

    projeto de lei n. 668 de 1988, com o fito de criminalizar a prática do racismo, o fez com

    a seguinte justificação:

    [...] O negro deixou, sem dúvida, de ser escravo, mas não conquistou a

    cidadania. Ainda não tem acesso aos diferentes planos da vida

    econômica e política. É mais do que evidente que as desigualdades e

    discriminações raciais marcam a sociedade, o Estado e as relações

    econômicas em nosso País. Passados cem anos da Lei Áurea, está é a

    situação real. [...] A Lei n. 1.390, de 3 de julho de 1951, que

    caracteriza a prática do racismo como contravenção penal, cumpriu à

    sua época e tempo, o papel de acautelar e diminuir o cometimento

    odiendo do racismo. Torna-se imperiosa, porém, uma caracterização

    mais realista de combate ao racismo, configurando-o como crime

    assim definido em lei. Com a prática do racismo, tornando-se crime, e

    com penas que possam ser sentidas no seu cumprimento, será possível

    que o Brasil saia do bloco de países discriminadores (embora tenha

    vergonha de admitir a existência de tipo de discriminação em seu

    território), porque é cometido nas caladas da noite ou, sorrateiramente,

    nos balcões de lojas, hotéis ou logradouros públicos (CAÓ, 1988,

    citado por SILVEIRA, 2007, p.67).

    Essa lei, conhecida como Lei do Racismo e Lei Caó, definiu então os

    crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, vez que

    [...] o comando constitucional, que fortalece o combate ao racismo,

    não é auto - aplicável. O princípio da tipicidade cerrada, que subsidia

    o Direito Penal, confirma a teoria do moderno direito penal de que não

    há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

    determinação legal, garantia basilar do Estado de Direito. Para que um

    comportamento seja tido como criminoso, mister se faz que a lei o

    declare tal, antes da sua prática. O mesmo ocorre com a sanção

    (SZKLAROWSKY, 1997, p.25).

    Da mesma forma, esclarece Silveira (2007) que não há que suspeitar da

    intenção do constituinte em criminalizar o racismo, que ainda lhe fixou a

    inafiançabilidade e imprescritibilidade, além da pena de reclusão. Ao trazer a

    condicionalidade “nos termos da lei” presente na parte final do art. 5º, XLII, da

    CRFB/88, implicou no encaminhamento da matéria ao legislador infraconstitucional,

    que poderá fazê-lo levando em consideração a relevância dos valores em tutela, e não

    tipificando qualquer conduta como prática de racismo.

    Reza, portanto o referido artigo: “a prática do racismo constitui crime

    inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL,

    1988).

    Destarte, em atenção ao princípio do repúdio ao racismo, a Lei 7.716/89

    regulamentou o comando constitucional, mas foi alterada posteriormente em 13 de maio

    de 1997 pela Lei 9.459, que modificou-lhe os artigos 1º e 20º, e acrescentou o parágrafo

    3º ao art. 140 do Código Penal Brasileiro, qualificando assim o crime de injúria.

  • A Lei 9459/97 ao alterar a lei vigente, alargou significativamente o seu

    alcance, pois não só o crime resultante de preconceito de raça ou de cor, mas também a

    discriminação foi pontuada expressamente conforme o entendimento de Szklarowsky

    (1997), além de ter havido o acréscimo dos elementos normativos etnia, religião e

    procedência nacional ao lado de raça e de cor.

    Observa Silveira (2007) que o legislador infra-constitucional relacionou a

    prática do racismo aos elementos normativos raça, cor, etnia, religião e procedência

    nacional, a partir dos quais são fixados os limites de relevância penal da discriminação e

    do preconceito, devendo a compreensão destes elementos irradiar-se para todas as

    figuras descritas na lei, vinculando assim o juízo de tipicidade.

    Szklarowsky (1997) afirma que raça, cor, etnia, religião e procedência

    nacional têm significados próprios e determinados, sendo estes:

    [...] Raça, segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, é o

    conjunto de indivíduos, cujos caracteres somáticos, tais como a cor da

    pele, conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo e outros

    traços, são semelhantes e se transferem, por hereditariedade,

    conquanto variem de pessoa para pessoa. Também apresenta outros

    significados, entre os quais, o conjunto de indivíduos com origem

    étnica, lingüística ou social comum. Racismo é a teoria que estabelece

    que certos povos ou nações são dotados de qualidades psíquicas e

    biológicas que os tornam superiores a outros seres humanos. Etnia, na

    definição de Aurélio, é um grupo biológico e culturalmente

    homogêneo. Religião, ainda, na palavra de Aurélio, é a crença na

    existência de uma força ou forças sobrenaturais, consideradas como

    criadoras do Universo e que como tal devem ser adoradas e

    obedecidas. Também dá como significado a manifestação de tal crença

    por meio de doutrina e ritual próprios, que envolvem, em geral

    preceitos éticos. Nacionais, segundo o ensinamento de Hildebrando

    Accioli, são as pessoas submetidas à direta autoridade de um Estado,

    que lhes reconhece os direitos civis e políticos, ofertando-lhes

    proteção, inclusive para além de suas fronteiras, através do Direito

    Internacional. A nacionalidade é a qualidade inerente a essas pessoas,

    marcando-lhes a presença na coletividade, permitindo sua

    identificação e localização (SZKLAROWSKY, 1997, p. 26).

    A redação do art.1º passou então a ser o seguinte: “serão punidos, na forma

    desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,

    religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989).

    Portanto, conforme entendimento de Silveira (2007, p.107):

    [..]a díade preconceito/discriminação forma, por conseguinte, a

    estrutura básica dos crimes raciais. O racismo, assim, é reconstruído no

    plano jurídico como ação discriminatória essencialmente motivada pelo

    preconceito racial.

    Segundo o autor, discriminar significa, de acordo o art.1º, n.1, da

    Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

    Racial, promover qualquer tipo de exclusão, restrição ou preferência. Já o preconceito,

    diz respeito à esfera da intimidade, à atitude interior, e no que diz respeito, à

  • caracterização do racismo relevante, este precede à discriminação, funcionando como

    móvel da ação discriminatória, tornando assim, juntamente com o dolo, o aspecto

    subjetivo do juízo de tipicidades dos crimes raciais, não possuindo assim, isoladamente,

    relevância penal (SILVEIRA, 2007).

    A redação do art. 20 da Lei 7.716/89 também foi alterado pela Lei 9.459/97,

    e passou a constar:

    Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de

    raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

    Pena: reclusão de um a três anos e multa.

    § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,

    emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz

    suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

    Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

    § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por

    intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de

    qualquer natureza:Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

    § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o

    Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial,

    sob pena de desobediência:

    I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do

    material respectivo;

    II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou

    televisivas.

    § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o

    trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

    (BRASIL, 1997).

    A Lei 7.716/89 estabeleceu então os crimes raciais em espécie, que de

    acordo com Silveira (2007) são: Discriminação racial no acesso aos cargos da

    administração pública e das concessionárias de serviços públicos (art. 3º);

    Discriminação no racial mercado de trabalho (art. 4º); Discriminação racial no comércio

    (art. 5º); Discriminação racial no acesso ao ensino (art. 6º); Discriminação racial em

    hotéis, pensões, estalagens ou estabelecimentos similares (art. 7º); Discriminação racial

    em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público (art. 8º);

    Discriminação racial em estabelecimentos esportivos, casas de diversões ou clubes

    sociais abertos ao público (art. 9º); Discriminação racial em salões de cabeleireiros,

    barbearias, ternas ou casas de massagem ou estabelecimentos congêneres (art.10º);

    Discriminação racial nos edifícios públicos e residenciais (art. 11º); Discriminação

    racial nos meios de transporte público (art.12º); Discriminação racial nas Forças

    Armadas (art. 13º); Discriminação racial contra o casamento ou outras formas de

    convivência familiar e social (art. 14º); Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou

    preconceito racial (art.20º); Propaganda ao nazismo (art. 20º, § 1º) e por fim Injúria

    racial (art. 140, § 3º, do CP).

    Conforme Szklarowsky (1997, p.25) “trata-se de crime formal ou de mera

    conduta, isto é, sua consecução independe dos efeitos que venham a ocorrer. Não há

    necessidade do resultado para que se consume o crime”.

    Os crimes oriundos de discriminação ou preconceito de raça, cor, religião,

  • etnia ou procedência nacional são dolosos. Nesse sentido Silveira (2007, p.148) aduz

    que:

    Os crimes raciais são exclusivamente dolosos, não tendo sido prevista,

    em nenhuma hipótese, a modalidade culposa (princípio da

    excepcionalidade, como expresso no art. 18, parágrafo único, do CP).

    Assentou-se, pois, que o preconceito e a discriminação raciais não

    derivam de comportamento negligente, antes, da consciência e da

    vontade deliberadas. Destarte, pratica dolosamente um crime racial

    aquele que, representando intelectualmente os elementos objetivos dos

    tipos legais de crime previstos na Lei n. 7.716/89, age livre e

    conscientemente no sentido de realizá-los.

    O autor acrescenta que o crime de racismo pode ser definido analiticamente

    de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, como sendo:

    [...] crime racial corresponde a todo comportamento discriminatório

    (ou seja, que exclui, limita, recusa, segrega, restringe, dificulta, cria

    preferências, etc.) com imediata correspondência na Lei n. 7.716/89,

    praticado por ação ou omissão dolosa, motivado por preconceito de

    raça, cor ou etnia (esteja ou não configurado com o preconceito de

    religião ou de procedência nacional), frontalmente contrário aos

    princípios constitucionais de igualdade e do pluralismo, cujo resultado

    traduz-se na ameaça ou na frustração do exercício de um direito por

    parte da pessoa discriminada, atingido, ao mesmo tempo e

    solidariamente, todo o corpo social. É, ainda, o comportamento que

    induz ou incita perigosamente a discriminação e o preconceito racial

    uma pessoa ou coletividade de pessoas (SILVEIRA, 2007, p.156 e

    157).

    “O crime de racismo, gizado pela Constituição, é inafiançável (a prisão não

    será relaxada em favor do criminoso) e imprescritível (a pena é perene, não ficando

    Estado impedido de punir a qualquer tempo o autor do delito)” (SZKLAROWSKY,

    1997, p. 24).

    De acordo com o art. 5º, XLII da CRFB/88, a pena é de reclusão, desta

    forma, observa Szklarowsky (1997) que considerando o regime de cumprimento da

    pena, esta é bem mais rigorosa.

    Silveira (2007) preleciona que em todos os crimes previstos na Lei 7.716/89

    a ação penal é pública incondicionada.

    Desta forma o crime em questão tem em síntese as seguintes características:

    formal, doloso, imprescritível, inafiançável, sujeito a pena de reclusão e à ação penal

    pública incondicionada.

    Ocorre que, em 13 de maio de 1997, a Lei 9.459 após alterar o art. 1º e o art.

    20 da Lei 7.716/89, inseriu a injúria racial no §3º do art. 140 do Código Penal, também

    denominada injúria qualificada, injúria por preconceito ou preconceituosa, prevendo

    assim um crime qualificado, e culminou-lhe pena de reclusão de um a três anos e multa.

    Segundo Mirabete (2004), o crime de injúria por preconceito, consiste em

    ultraje a outrem, por qualquer meio, em especial de palavras racistas e pejorativas,

  • deixando clara a pretensão de, em razão da cor da pele, por exemplo, de sobrepor à

    pessoa de raça diferente.

    De acordo com Nucci (2009), esta figura típica foi introduzida com o

    objetivo de evitar as constantes absolvições que vinham acontecendo de pessoas que

    ofendiam outras, através de insultos com forte conteúdo racial ou discriminatório e

    escapavam da Lei 7.716/89 “Lei do Racismo”, pois não estavam praticando atos de

    segregação.

    Conforme entendimento de Capez (2010), antes dessa inovação, os crimes

    resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional,

    acabavam sendo desclassificados para o crime de injúria, de menor gravidade, e assim o

    racismo equiparava-se a um simples xingamento, por isso, cuidou o legislador de

    tipificar a injúria preconceituosa, que envolve esses elementos discriminatórios e

    comina-lhes pena mais severa.

    Acrescenta Bitencourt (2008, p.325 e 326) que:

    Acreditando na injustiça de muitas dessas desclassificações, o

    legislador, em sua política criminalizadora, resolver dar nova

    fisionomia às condutas tidas como racistas e definiu-as condutas como

    injuriosas, [...].

    Nucci (2009, p.678) ressalta que:

    Assim, aquele que atualmente, dirige-se a uma pessoa de determinada

    raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo

    pejorativo, responderá por injúria racial, não podendo alegar que

    houve uma injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do

    pensamento (como dizer que todo “judeu é corrupto” ou que “negros

    são desonestos”), uma vez que há limite para tal liberdade.

    Assevera Capez (2010, p.313) que “qualquer ofensa à dignidade ou decoro

    que envolva algum elemento discriminatório, como por exemplo, “preto”, “japa”,

    “turco” ou “judeu”, configura o crime de injúria qualificada”.

    Ocorre que, para que se configure o crime em questão não basta apenas que

    o sujeito profira tais expressões, faz se necessário que a sua ação exprima a intenção de

    discriminar a vítima em razão de sua cor, raça, etc, ofendendo-lhe a honra subjetiva.

    Portanto, esclarece Capez (2010, p.314):

    (...) não basta chamar alguém da raça negra de “negão” para que se

    configure, pois nem sempre o emprego desse termo demonstra a

    intenção discriminatória. Basta considerar que entre amigos tal

    expressão poderá ser utilizada como demonstração de proximidade, de

    amizade, sem que haja a intenção de discriminar a pessoa da raça

    negra. Por outro lado, se o termo é utilizado para humilhar, para

    denotar uma suposta inferioridade do indivíduo em virtude da raça, o

    crime é de injúria qualificada.

    Desta forma aduz Bitencourt (2008, p. 327) que:

  • Para a configuração do crime de injúria por preconceito é

    fundamental, além do dolo representado pela vontade livre e

    consciente de injuriar, a presença do elemento subjetivo especial do

    tipo, constituído pelo especial fim de discriminar o ofendido por razão

    de raça, cor, etnia, religião ou origem. A simples referência aos

    “dados discriminatórios” contidos no dispositivo legal é insuficiente

    para caracterizar o “crime de racismo”, que, é bom que se diga, é

    inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII, da CF). Enfim, recomenda-

    se muita cautela para evitar excessos e coibir as transgressões legais

    efetivas, sem contribuir para o aumento das injustiças.

    Conforme dito, o legislador trouxe a previsão da injúria racial e impôs-lhe

    pena de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, além de multa, por isso afirma Greco (2010)

    que, apesar da maior reprovabilidade do comportamento previsto neste crime, vale

    ressaltar a desproporcionalidade da pena a ela cominada, aumentadas por intermédio da

    Lei 9.459/97, quando comparada aquelas previstas para o delito de homicídio culposo,

    auto aborto.

    Aduz Capez (2010) que a doutrina crítica o rigor excessivo dessa

    cominação, vez que dispensa esse tratamento desproporcional aos bens jurídicos honra e

    vida.

    Nesse sentido Jesus (2011, p.265) observa que:

    Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova,

    chamar alguém de “negro”, “preto”, “pretão”, “negrão”, “turco”,

    “africano”, “judeu”, “baiano”, “japa”etc., desde que com vontade de

    ofender-lhe a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou

    etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além

    de multa, maior do que a imposta no homicídio culposo (1 a 3 anos de

    detenção, art. 121, § 3º) e a mesma pena do auto-aborto (art.124) e do

    aborto consentido (art. 125). Assim, matar o feto e xingar alguém de

    “alemão batata” têm, para o legislador, idêntico significado jurídico,

    ensejando a mesma resposta penal e colocando as objetividades

    jurídicas, embora de valores diversos, em plano idêntico.

    Destaca ainda Jesus (2011) que o exagero nessa cominação apresenta-se

    como uma ofensa ao princípio constitucional da proporcionalidade entre os delitos e

    suas respectivas penas.

    Quanto à ação penal do crime de injúria racial, o parágrafo único do art. 145

    do Código Penal que previa a ação penal de exclusiva iniciativa privada, procedendo

    desta forma somente através de queixa, foi modificado pela Lei nº. 12.033 de 29 de

    setembro de 2009, prevendo expressamente a ação penal pública condicionada à

    representação do ofendido quando ocorrer à hipótese do art. 140, § 3º, do CP.

    Por conseguinte, é interessante mencionar que a injúria racial não se

    confunde com os crimes resultantes de preconceito e discriminação de raça ou de cor

    tipificados pela Lei 7.716 de 5-1-89, assim segundo Greco (2008, p.466 e 467):

    O crime de injúria preconceituosa pune o agente que na prática do

    delito, usa elementos ligados a raça, cor, etnia, etc. A finalidade do

    agente, com a utilização desses meios, é atingir a honra subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo delito em questão.

  • Ao contrário, por intermédio da legislação que definiu os crimes

    resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião

    ou procedência nacional, são proibidos comportamentos

    discriminatórios, em regra mais graves do que a simples agressão à

    honra subjetiva da vítima, mas que, por outro lado, também não

    deixam de humilhá-la, a exemplo do que acontece quando alguém

    recusa, nega ou impede a inscrição ou ingresso de aluno em

    estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau, tendo

    o legislador cominado para essa infração penal, tipificada no art. 6º da

    Lei 7.716/89, uma pena de reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

    Além dos dispositivos mencionados, em 10 de julho de 2010, foi editada a

    Lei nº 12.288, denominada Estatuto da Raça Negra, que de acordo com seu art. 1º, foi

    criado com objetivo de “garantir à população negra a efetivação da igualdade de

    oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate

    à discriminação e às demais formas de intolerância étnica” (BRASIL, 2010).

    Na apresentação do projeto de lei que institui o referido Estatuto, o Senador

    Paulo Paim afirmou que:

    [...] o Estatuto reúne um conjunto de ações e medidas especiais que, se

    adotadas pelo Governo Federal, irão garantir direitos fundamentais à

    população afro-brasileira, assegurando entre outros direitos, por

    exemplo: - o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde

    (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde dessa parcela

    da população; - serão respeitadas atividades educacionais, culturais,

    esportivas e de lazer, adequadas aos interesses e condições dos afro-

    brasileiros; - os direitos fundamentais das mulheres negras estão

    contemplados em um capítulo. - será reconhecido o direito à liberdade

    de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade dos

    cultos e religiões de matriz africana praticadas no Brasil; - o sistema

    de cotas buscará corrigir as inaceitáveis desigualdades raciais que

    marcam a realidade brasileira; - os remanescentes de quilombos,

    segundo dispositivos de lei, terão direito à propriedade definitiva das

    terras que ocupavam;- a herança cultural e a participação dos afro-

    brasileiros na história do país será garantida pela produção veiculada

    pelos órgãos de comunicação; - a disciplina “História Geral da África

    e do Negro no Brasil”, integrará obrigatoriamente o currículo do

    ensino fundamental e médio, público e privado. Será o conhecimento

    da verdadeira história do povo negro, das raízes da nossa gente; - a

    instituição de Ouvidorias garantirá às vítimas de discriminação racial

    o direto de serem ouvidas; - para assegurar o cumprimento de seus

    direitos, serão implementadas políticas voltadas para a inclusão de

    afro-brasileiros no mercado de trabalho; - a criação do Fundo

    Nacional de Promoção da Igualdade Racial promoverá a igualdade de

    oportunidades e a inclusão social dos afro-brasileiros em diversas

    áreas, assim como a concessão de bolsas de estudo a afro-brasileiros

    para a educação fundamental, média, técnica e superior (PAIM, 2006).

    Mencionou ainda que as leis são instrumentos importantíssimos nessa

    guerra contra a hipocrisia, contra preconceitos enraizados, contra a imposição da

    violência e de sofrimentos, enfim, contra discriminações pelo que quer que seja, daí a

    importância deste instrumento, ou seja, do referido estatuto (PAIM, 2006).

  • 2 - ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

    Para a realização do presente trabalho lançou-se mão da pesquisa

    bibliográfica em artigos científicos, livros e revistas especializadas. A pesquisa

    documental se operou em legislação pátria e em jurisprudências dos 27 Tribunais

    Estaduais disponibilizados nos respectivos sítios oficiais, além da consulta aos sítios

    oficiais do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal – STF.

    A identificação dos sítios oficiais dos tribunais estaduais e distritais se deu

    por meio do sítio oficial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, abertura da aba “poder

    judiciário” – “portais dos tribunais” - “Link do Tribunal” e “consulta à jurisprudência”.

    Para atender ao objetivo do presente trabalho foram usados como

    localizadores as palavras: racismo, injúria racial e desclassificação. A utilização dos

    localizadores se operou de forma conjunta em uma mesma janela de pesquisa de

    expressões, o que evitou o resultado repetido das mesmas jurisprudências, caso fossem

    utilizadas em separado.

    Além dos referidos localizadores, a busca jurisprudencial contou com a

    limitação temporal, com o termo inicial 05/02/1989 e termo final 31/03/2012. O termo

    inicial se justifica, uma vez que a referida data guarda conexão com a data da entrada

    em vigor da Lei 7.716 de 5-1-89, Lei do Racismo.

    3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

    No âmbito jurídico, os elementos raça, cor, etnia, religião ou procedência

    nacional, são objetos da Lei 7.716 (Lei do Racismo) editada em 1989 e do art. 140, §3º,

    do Código Penal (Injúria Qualificada) que fora introduzida pela Lei 9.459 de 1997, ou

    seja, inovações do ordenamento jurídico brasileiro com a previsão desses tipos penais.

    Conforme se depreende do entendimento de Mirabete (2004), o acréscimo

    do dispositivo, prevendo o crime de injúria qualificada, veio para evitar o argumento

    dos acusados dos crimes previstos pela Lei 7.716/89, de que haviam cometido o crime

    de injúria simples, de menor gravidade.

    Desta forma, a criação do referido tipo penal, que comina pena mais severa,

    teve a finalidade de evitar as constantes absolvições ou desclassificações para o crime

    de injúria simples, prevista no caput do art. 140 do Código Penal.

    Quanto à distinção do crime de injúria, simples ou qualificada, prevista no

    Código Penal, Santos (2006) observa que:

    Aquele que, fica evidente – portanto – com a intenção de ofender,

    refere-se a outro (ou a outros) como “fdp”, safado, sovina, canalha,

    etc, está inegavelmente, cometendo injúria, atacando-lhe a dignidade

    ou o decoro. Quando acresce a tais expressões “elementos referentes a

    raça, cor, etnia, religião ou origem”, ou quando distorce as

    características de tais elementos para realizar a ofensa (ex.: „Seu

  • macumbeirozinho de merda – exemplo de preconceito de religião‟),

    comete a injúria especial do §3º.

    Contudo, a criação desse tipo penal, qual seja, injúria qualificada, fez surgir

    à dificuldade na capitulação das condutas preconceituosas e discriminatórias em

    detrimento do crime de racismo.

    Santos (2006), afirma que a aplicação dessas normas em casos concretos,

    muitas vezes geram dúvidas aos intérpretes, no tocante ao enquadramento das condutas

    como sendo, o crime prenunciado no art. 20 da Lei 7.716/89 (prática, induzimento ou

    incitação ao racismo) ou o do art. 140, §3º do Código Penal (injuria qualificada).

    Nesse sentido, procurando evidenciar as divergências jurisprudenciais em

    relação ao racismo e à injúria racial, foram consultados 27 tribunais estaduais,

    analisados os julgados no período de 05/02/1989 a 31/03/2012, sendo que em muitos

    desses tribunais (20) sequer foram identificados, pelos localizadores utilizados, julgados

    envolvendo o tema no período eleito.

    Em relação ao crime de racismo, o tipificado pela Lei nº 7.716/89, dos

    julgados consultados destaca-se Apelação Crime Nº. 0664486-6 – Tribunal de justiça do

    Paraná, que no caso em discussão, considerou que a ofensa praticada pelo autor foi

    dirigida à coletividade e não a um único indivíduo, assim como verificado em outras

    jurisprudências.

    Importa ressaltar que o crime de racismo ganha maior atenção quando

    praticado através de meios de comunicação de massa ou por meio de sítios de

    relacionamento na rede mundial de computadores, visto que nos julgados analisados em

    que o crime de racismo figurava como objeto do julgamento, o ponto de convergência

    referia-se à utilização desses meios para a ofensa dirigida à coletividade, é o que se

    extrai do julgamento da Apelação nº 0078755-15.2005.8.26.0050, do tribunal de Justiça

    do Estado de São Paulo, publicado em 30, de janeiro de 2012, no qual o acusado foi

    condenado pela prática de racismo nos termos da Lei 7.716/89, através do chamado

    orkut :

    [...] entre abril e junho de 2005, em diferentes horários, por meio da

    internet, no site de relacionamentos denominado ORKUT, teria

    praticado, induzido e incitado à discriminação e o preconceito de raça

    (negra ou preta) e cor (negra ou preta), cometendo-os por intermédio do

    referido meio de comunicação. (SÃO PAULO, 2012)

    Ressalta-se ainda, julgados do Conflito de Competência nº. 107938 / RS,

    publicado em 08, novembro de 2010 (Brasil, 2010), e Conflito de Competência nº. CC

    102454 / RJ, publicado em 15, de abril de 2009 (Brasil, 2009). O ponto em comum

    desses julgados, ambos do STJ, refere-se ao instrumento utilizado para a prática do

    racismo, qual seja, sítios de relacionamento na rede mundial de computadores.

    Além dos meios utilizados, verifica-se o fim ao qual a conduta almeja, ou

    seja, o resultado que o autor procura atingir que é justamente o que diferencia uma

    prática da outra, assim Silveira (2007) complementa que:

    A distinção reside na afetação, ou não, da honra subjetiva (bem

    jurídico individualíssimo), e na identificação do seu titular

  • (sujeito passivo determinável ou passível de determinação). Se o

    agente não faz referência a uma pessoa ou pessoas em particular,

    desejando, ao invés, induzir ou incitar a discriminação e

    preconceito racial de forma genérica, ter-se-á a infração penal

    descrita no art. 20, caput, da Lei n. 7.716/89. Trata-se, por assim

    dizer, de uma injúria coletiva, indeterminada quanto aos sujeitos

    passivos imediatos. O divisor de águas está, portanto, na direção

    da ação criminosa: atacar a honra subjetiva de uma determinada

    pessoa ou, diferentemente, infundir e generalizar o racismo

    contra toda um a coletividade? No primeiro caso, o sujeito

    passivo é a pessoa atingida pelas palavras, gestos ou insinuações

    (injúria ad hominem). No segundo caso, toda a sociedade figura

    como sujeito passivo do delito. Em síntese a pergunta é a

    seguinte: as ofensas raciais - a despeito da forma genérica ou

    pseudogenérica – foram dirigidas, na verdade, a uma pessoa (ou

    pessoas) em especial? Se a resposta for afirmativa, injúria racial;

    se negativa, induzimento ou incitação ao racismo (SILVEIRA,

    2007, p. 237).

    Por fim, Lauria (2006) observa que “o artigo 20 da Lei do Racismo e o art.

    140, §3° do Código Penal protegem bens jurídicos diferentes. O primeiro tutela a

    igualdade e o respeito étnico; o segundo, a honra subjetiva do cidadão”.

    Observa-se que enquanto os julgados relacionados ao crime de racismo,

    propriamente dito, são pontuais e menos frequentes os julgados relativos à

    desclassificação ou a condenação em crimes de injúria qualificada por elementos

    designativos de raça, apesar de poucos, são mais evidentes.

    Destaca-se a Apelação Criminal nº. 2009.039054-2 do Tribunal de Justiça de

    Santa Catarina que no julgamento de 10 de março de 2010, desclassificou para injúria

    racial o delito de racismo, visto que pela narrativa dos fatos, o autor da conduta tinha o

    objetivo de ferir a honra subjetiva da vítima e não se opor à raça negra (SANTA

    CATARINA, 2010).

    A agressão à honra subjetiva, em relação aos designativos de raça, é de

    grande diversidade. Nas consultas realizadas foi possível identificar vários desses

    “adjetivos” pejorativos, conforme se extraí do julgado da Apelação Criminal n.

    2008.018001-0, do Tribunal de Justiça do Acre em que a vítima foi ofendida com

    expressões injuriosas do tipo "nega safada" ou "o grande problema é sua cor", que

    ensejou na condenação do crime tipificado como injúria qualificada. Conduta que

    também figurou como determinante na condenação do ofensor que atribuiu à vítima a

    alcunha de “negra imunda” (ACRE, 2011).

    A desclassificação, ou a tipificação direta no tipo previsto como injúria

    racial, também foi identificado no Estado de Minas Gerais, Apelação Criminal Nº.

    88507-69.203.8.13.1720, do TJMG, publicada em outubro de 2009, em que fica clara a

    tendência à desclassificação, [...] aquele que xinga terceiro, ofendendo-lhe com palavras

    atinentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, comete o crime de injúria racial e não

  • racismo. Operada a desclassificação para o crime previsto no art. 140, § 3º, CP (MINAS

    GERAIS, 2009).

    Essa desclassificação também é apontada pela doutrina:

    Assim, se, por exemplo, o agente ofende sua vítima com expressões

    como “preto”, ou “negro fedido”, o delito em questão é o de injúria

    qualificada. Isso porque o objetivo do agente ao proferir seus

    impropérios é macular a honra subjetiva do ofendido, e não a

    comunidade negra em geral (LAURIA, 2006).

    Ocorre que apesar de mesma pena, os dois delitos a injuria racial e o

    racismo apresentam repercussões diferentes.

    Nesse sentido, cabe ressaltar as diferenças desses dois tipos penais, vez que

    apesar de terem penas idênticas, da diferenciação surgem consequências jurídicas

    significativas (BITENCOURT, 2011). Dentre estas, destaca Silveira (2007), os

    caracteres constitucionais da inafiançabilidade e da imprescritibilidade e a titularidade

    para a propositura da ação penal.

    Assim, os crimes raciais sujeitam-se à ação penal pública incondicionada,

    cuja titularidade é do Ministério Público, enquanto o crime de injúria qualificada exige

    ação penal pública condicionada à representação do ofendido, por força da modificação

    feita pela Lei nº. 12.033 de 29 de setembro de 2009, ao parágrafo único do art. 145 do

    Código Penal, que previa antes a ação penal de iniciativa exclusivamente privada. No

    que se refere à inafiançabilidade e à imprescritibilidade, aplicam somente aos crimes

    definidos na Lei 7.716/89.

    Silveira (2007) esclarece que a injúria qualificada pela utilização dos

    elementos raça, cor, etnia, religião, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora

    de deficiência não caracteriza crime racial, e, portanto, não se trata de crime

    inafiançável e imprescritível.

    Segundo entendimento de Lauria (2006), considerando o tratamento

    rigoroso do ordenamento jurídico brasileiro no tocante ao crime de racismo, faz-se

    necessário ressaltar a diferença deste com o crime de injúria qualificada, uma vez que,

    embora semelhantes, apresentam diferenças sensíveis, que importam em consequências

    jurídicas importantíssimas.

    Santos (2006) afirma que, enfrentando a questão, o Tribunal de Justiça de

    Minas Gerais manteve condenação de primeiro grau de jurisdição de um colunista de

    um jornal da comarca de Ponte Nova, com base no art. 20, §2, da Lei 7.716/89.

    Para melhor ilustrar a situação merece referência o caso concreto.

    Publicou o autor do delito matéria contra uma professora, negra,

    sindicalista local, por ter aforado ação trabalhista em face de uma

    escola superior naquele município. Terminou seu artigo dizendo: A

    história da Faculdade nos ensina que o teor da melanina da pele não

    indica o bom ou o mau caráter das pessoas, mas ai que saudade do

    açoite e do pelourinho. Dentre outros argumentos, bateu-se sua defesa

    na desclassificação para crime contra a honra, injúria, destacando até o

    fato de ter o autor exaltado um outro negro na mesma publicação

  • chamando o de “sábio” (para tentar demonstrar que não era

    preconceituoso, tendo também levado testemunhas no curso da

    instrução processual para dizer que mantinha bom convívio com a

    comunidade negra ). Decidiu por unanimidade a 2º Câmara Criminal,

    contudo em seu desfavor: “Em bom português, o réu exprimiu que as

    pessoas, não importando a cor, podem ter bom ou mau comportamento

    – até ai tudo bem. Em seguida expôs seu saudosismo aos antigos e

    deploráveis métodos de castigo aos negros do Brasil Colonial e

    Monárquico. Ora, em assim fazendo, expressou que algumas pessoas

    de raça negra, que tenham ao seu entendimento, mau caráter, merecem

    dito tratamento, dentre elas a Sra. E. M. (...)”. Consta da ementa: “O

    crime de preconceito racial não se confunde com o crime de injúria,

    na medida em que se protege a honra subjetiva da pessoa, que é o

    sentimento próprio sobre os atributos físicos, morais e intelectuais de

    cada pessoa, e aquele é manifestação de um sentimento em relação a

    uma raça” (SANTOS, 2006).

    No mesmo sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná ao julgar a

    Apelação Crime nº 06644786-6 entendeu estar caracterizado o crime de induzimento ou

    incitação ao racismo via internet (art. 20, §2º da Lei 7.716/89) e não o crime de injúria

    qualificada (art. 140, §3º, CP).

    APELAÇÃO CRIME Nº. 0664486-6 – TJP - 2º CAMÂRA CRIMINAL, REL. LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA, JULG. 24 DE

    MARÇO DE 2011. - ART 20, § 2º, DA LEI Nº 7.716/89 - CRIME DE

    RACISMO VIA INTERNET - PEDIDO PRINCIPAL DE

    ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU FALTA DE

    PROVAS - NÃO ACOLHIMENTO - ÂNIMO OFENSIVO PATENTE

    - VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS - REJEIÇÃO DA

    TESE DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO - AUSÊNCIA DE

    HIERARQUIA DE PRINCÍPIOS - OUTROSSIM, PLEITO DE

    DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE INJÚRIA

    QUALIFICADA E CONSEQUENTE DECLARAÇÃO DA

    PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - DESCABIMENTO -

    DELITO QUE ATINGE A COLETIVIDADE E NÃO A UMA

    PESSOA ESPECÍFICA - CRIME IMPRESCRITÍVEL NOS

    TERMOS DO ARTIGO 5º, XLII, DA CONTITUIÇÃO FEDERAL -

    SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS DESPROVIDOS. (PARANÁ,

    2011). (GRIGO NOSSO).

    De forma contrária, entendeu o mesmo Tribunal, no julgamento da Apelação

    Crime de nº 0616224-9, mantendo a sentença de 1º grau que desclassificou o crime de

    prática, induzimento ou incitação ao racismo (art. 20 da Lei 7.716/89) para o crime de

    injúria qualificada (art. 140, §3º, CP).

    APELAÇÃO CRIME Nº. 0616224-9 – TJP - 2º CAMÂRA

    CRIMINAL, REL. LILIAN ROMERO, JULG. 28 DE JANEIRO DE

    2010. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA PELO

    PRECONCEITO. ART. 140, § 3º DO CP. DENÚNCIA QUE

    QUALIFICOU A CONDUTA DA RÉ COMO DE RACISMO (ART.

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40

  • 20 DA LEI 7.716/89). SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU O

    CRIME PARA O DO ART. 140, § 3º DO CP. HIPÓTESE DE

    EMENDATIO LIBELLI (ART. 383 DO CPP) E NÃO DE MUTATIO

    LIBELLI (ART. 384 CO CPP). CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO

    CARACTERIZADO. CAPITULAÇÃO DADA PELO JUIZ

    ESCORREITA. CRIME CONTRA A HONRA. AÇÃO PENAL

    PRIVADA. VÍTIMA MENOR DE IDADE. NÃO EXERCÍCIO,

    PELA GENITORA E REPRESENTANTE LEGAL, DO DIREITO DE

    OFERECER QUEIXA-CRIME, NO PRAZO DE SEIS MESES. ART.

    103, C.C. ART. 145 DO CP. DECADÊNCIA DO DIREITO

    DECLARADA, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO À

    GENITORA. CONDENAÇÃO AFASTADA. EXTINÇÃO DA

    PUNIBILIDADE NÃO DECLARADA, COM RESSALVA DO

    DIREITO DE A VÍTIMA, AO ALCANÇAR A MAIORIDADE,

    PODER EXERCER O DIREITO DE OFERECER A QUEIXA-

    CRIME. NOVA REDAÇÃO DADA AO PARÁGRAFO ÚNICO DO

    ART. 145 DO CP PELA LEI 12.033, DE 29.09.2009. APLICAÇÃO

    RETROATIVA NO CASO INVIÁVEL PORQUE SE DARIA EM

    PREJUÍZO DA RÉ. RECURSO PREJUDICADO. 1. "A imputação

    de termos pejorativos referentes à raça do ofendido, com o nítido

    intuito de lesão à honra deste, importa no crime de injúria

    qualificada pelo uso de elemento racial, e não de racismo." (STJ-6ª

    Turma, RHC 18.620/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,

    julg. 14.10.2008). [...]. (PARANÁ, 2010). (GRIFO NOSSO).

    Em pesquisa feita no site do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a

    Corte pouco falou sobre o assunto. Há apenas três julgados de crimes de racismo, sendo

    que em dois deles o pleito de habeas corpus foi denegado e no outro houve o

    recebimento de queixa-crime, conforme se depreende das jurisprudências abaixo:

    HC Nº. 86452/RS – STF – 2º TURMA, REL. MIN. JOAQUIM

    BARBOSA, JULG. 07 DE FEVEREIRO DE 2006. CRIME DE

    INJÚRIA QUALIFICADA POR RACISMO. PRESCRIÇÃO. NÃO-

    OCORRÊNCIA. CÔMPUTO DA PENA EM ABSTRATO COM

    CAUSA DE ACRÉSCIMO PARA CONCESSÃO DE SURSIS.

    INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO E PENA

    MÍNIMA PARA CONCESSÃO DE SURSIS. ORDEM

    INDEFERIDA. O réu responde aos fatos que lhe são imputados, não à

    eventual capitulação destes. Não-acolhimento do parecer da

    Procuradoria-Geral da República, a qual, omitindo-se acerca do

    conteúdo racial da injúria explicitamente apontado na queixa-crime,

    opina pelo reconhecimento da prescrição. Na espécie, a queixa-crime

    abrange o crime de injúria qualificada por racismo (art. 140, § 3º, do

    Código Penal). Prazo prescricional de oito anos. As causas de

    acréscimo devem ser consideradas em adição à pena em abstrato, para

    efeito de concessão de suspensão condicional do processo.

    Precedentes. A Lei dos Juizados Especiais Federais, ao estipular que

    são infrações de menor potencial ofensivo aquelas cuja pena máxima

    não seja superior a dois anos, não produziu o efeito de ampliar o

    limite, de um para dois anos, para o fim da suspensão condicional do

    processo. Ordem de habeas corpus indeferida (BRASÍL, 2006).

    INQUERÍTO Nº. 1458/RJ – STF – TRIBUNAL PLENO, REL. MIN.

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111031/lei-do-crime-racial-lei-7716-89http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111031/lei-do-crime-racial-lei-7716-89http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91577/código-civil-lei-10406-02http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91577/código-civil-lei-10406-02http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/819346/lei-12033-09

  • MARCO AUURÉLIO, JULG. 15 DE MARÇO DE 2003. QUEIXA-

    CRIME - INJÚRIA QUALIFICADA VERSUS CRIME DE

    RACISMO - ARTIGOS 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL E 20 DA

    LEI Nº 7.716/89. Se a um só tempo o fato consubstancia, de início, a

    injúria qualificada e o crime de racismo, há a ocorrência de progressão

    do que assacado contra a vítima, ganhando relevo o crime de maior

    gravidade, observado o instituto da absorção. Cumpre receber a

    queixa-crime quando, no inquérito referente ao delito de racismo, haja

    manifestação irrecusável do titular da ação penal pública pela ausência

    de configuração do crime. Solução que atende ao necessário

    afastamento da impunidade (BRASIL, 2003, a).

    HC Nº. 82424/RS – STF – TRIBUNAL PLENO, REL. MIN.

    MOREIRA ALVES, JULG. 17 DESETEMBRO DE 2003.

    PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO.

    CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA

    CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES.

    ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar

    livros "fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias"

    contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada

    pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de

    inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). [...] 3.

    Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o

    mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem

    distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato

    dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas,

    visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há

    diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos

    iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças

    resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse

    pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a

    discriminação e o preconceito segregacionista. [...]. Estigmas que por

    si só evidenciam crime de racismo. [...] 7. A Constituição Federal de

    1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e

    repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que

    fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da

    sociedade nacional à sua prática. [...]. 12. Discriminação que, no caso,

    se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus,

    que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências

    gravosas que o acompanham. [...]. 16. A ausência de prescrição nos

    crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de

    hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e

    ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais

    admitem. Ordem denegada(BRASÍL, 2003, b).

    Considerando o julgamento de processos envolvendo racismo, Figueiroa

    (2005) compreende que:

    No que diz respeito à estratégia repressivo-punitiva para o

    enfrentamento da discriminação observa-se que o crime de racismo,

    não obstante figurar como inafiançável e imprescritível no texto

    constitucional, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (CF, art.

  • 5º, XLII), os estudos recentes (SILVA JR, 2006) demonstram que a

    impunidade é a regra e que o mito da “democracia racial” e o racismo

    institucional (SALES, 2006) também dificultam, quando não

    inviabilizam por completo, a punição desses crimes. Nestes a ação

    supostamente ilícita é analisada isoladamente de seu contexto

    discursivo, favorecendo uma interpretação que sempre beneficia,

    “inconscientemente” o agente discriminador – ou porque, considerada

    como injúria qualificada (artigo 140,§ 3º. CP) possibilita, via de regra,

    a decadência, quando, na maioria das vezes, a hipótese é típica do

    crime de discriminação racial prevista no artigo 20 da Lei 7.716/89,

    que é imprescritível e cuja titularidade da ação é do Ministério

    Público.

    Da mesma forma, em análise feita às decisões dos julgados, percebe-se que

    em sua maioria houve a desclassificação do crime de racismo para o crime de injúria

    qualificada, conforme ilustram as jurisprudências abaixo:

    HC Nº 18620/PR– STJ – 6º TURMA, REL. MIN. MARIA THEREZA

    DE ASSIS MOURA, JULG. 14 DE OUTUBRO DE 2008. CRIME DE

    RACISMO.1.DENÚNCIA QUE IMPUTA A UTILIZAÇÃO DE

    PALAVRAS PEJORATIVAS REFERENTES À RAÇA DO

    OFENDIDO. IMPUTAÇÃO. CRIME DE RACISMO.

    INADEQUAÇÃO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO TIPO DE

    INJÚRIA QUALIFICADA PELO USO DE ELEMENTO RACIAL.

    DESCLASSIFICAÇÃO. 2. ANULAÇÃO DA DENÚNCIA.

    DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA. EXTINÇÃO DA

    PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO. 3. RECURSO PROVIDO.

    1. A imputação de termos pejorativos referentes à raça do

    ofendido, com o nítido intuito de lesão à honra deste, importa no

    crime de injúria qualificada pelo uso de elemento racial, e não de

    racismo. 2. Não tendo sido oferecida a queixa crime no prazo de seis

    meses, é de se reconhecer a decadência do direito de queixa pelo

    ofendido, extinguindo-se a punibilidade do recorrente. 3. Recurso

    provido para desclassificar a conduta narrada na denúncia para o tipo

    penal previsto no § 3º do artigo 140 do Código Penal, e, em

    consequência, extinguir a punibilidade do recorrente, em razão da

    decadência, por força do artigo 107, IV, do Código Penal (BRASIL,

    2008). (GRIFO NOSSO).

    APELAÇÃO CRIMINAL Nº. 2009.10038950 – TJPI – 1º CAMÂRA

    CRIMINAL, REL.VALÉRIO NETO CHAVES PINTO, JULG. 09 DE

    MARÇO DE 2010. CRIME DE PRECONCEITO DE RAÇA.

    IMPUTAÇÕES OFENSIVAS PESSOAIS. RÉU QUE DIRIGE À

    VÍTIMA OFENSA LIGADA À COR DA PELÉ. TIPICIDADE.

    CONDUTA TÍPICA QUE SE AMOLDA AO TIPO DO ART. 140, 3º

    DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇAO. CRIME DE AÇAO

    PRIVADA. AUSÊNCIA DE QUEIXA. DECADÊNCIA DO DIREITO

    DE OFERECIMENTO. EXTINÇAO DA PUNIBILIDADE. 1. Tendo

    o réu proferido ofensas alusivas a uma só pessoa e não a um grupo

    social, pratica injúria qualificada, e não atos de racismo,

    impondo-se a desclassificação para o crime do art. 140 §3º, do

    Código Penal2. Tratando-se de crime de ação penal privada que

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40

  • somente se procede mediante queixa e ausente esta condição de

    procedibilidade, deve ser declarada extinta a punibilidade do apelante

    pela decadência do direito do oferecimento da queixa, ex vi art. 107,

    IV, do Código Penal. 3. Extinção da punibilidade. Unânime (PIAUÍ,

    2010). (GRIFO NOSSO).

    A partir da análise dessas decisões, infere-se que da desclassificação do

    crime de racismo para o crime de injúria qualificada, operou-se a decadência do direito

    de queixa do ofendido, vez que na época dos fatos exigia-se ação penal privada para o

    delito em questão, cuja queixa deveria ter sido feita no prazo de seis meses a contar do

    conhecimento da autoria do crime, e assim, consequentemente, houve a declaração da

    extinção da punibilidade do autor com base no art. 107, IV do CP. Assim sendo,

    restaram impunes, todos os agentes.

    Por conseguinte, Duarte (2011) afirma que:

    Em quase 70% das ações por crime de racismo ou injúria racial no

    país, quem ganha é o réu. O dado é parte de um estudo inédito feito

    pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das

    Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, a 2ª edição do Relatório das

    Desigualdades Raciais, [...]. Segundo o relatório, que analisou

    julgamentos em segunda instância de ações por crimes de racismo e

    injúria racial nos Tribunais de Justiça de todos os estados entre 2007 e

    2008, o réu venceu a ação em 66,9% dos casos, contra 29,7% com

    vitória da vítima (3,4% eram de acórdãos que não eram decisões). Os

    dados mostram a situação do combate ao racismo no Brasil [...]. A

    punição a esse tipo de crime ganhou força a partir de 1989, com a

    chamada Lei Caó (de número 7.716), mas com obstáculos para sua

    aplicação mais de 20 anos depois.

    De acordo com Paixão (citado por Duarte 2011), professor da Universidade

    Federal do Rio Janeiro, e responsável pelo estudo:

    Podemos pensar em duas hipóteses para as razões dessa maior vitória

    dos réus: é um tipo de crime com dificuldade de obtenção de provas;

    ou há dificuldade de compreensão do racismo como crime, e aquela

    noção de que aqui teríamos uma "democracia racial" influenciaria a

    decisão do juiz.

    Oliveira (2009), em notícia publicada no site G1, também afirma que

    segundo o entendimento dos especialistas consultados, a Lei 7.716/89 é pouco aplicada,

    sendo que a maior parte dos casos de discriminação é tipificado como injúria.

    Santos (2009, citado por OLIVEIRA, 2009) aponta que “há por parte dos

    organismos públicos uma certa resistência em aplicar a lei que criminaliza o racismo, o

    que é um grande equívoco [...].”

    Por sua vez, Alvarenga (2009, citado por OLIVEIRA, 2009) assevera que:

    Há um grau de dificuldade em tipificar o crime de racismo pelas

    autoridades policiais, por parte de alguns integrantes do

  • Ministério Público e pela magistratura. Porque é um crime que

    se entende que a pena é alta pelo delito e que suas repercussões

    podem ser excessivas para quem cometeu. Então, muitas vezes,

    se entende por tipificar como delito de injúria.

    Corroborando, Santos (2009, citado por OLIVEIRA, 2009) atribui como

    fator determinante para a baixa aplicação da lei à ausência de qualificação dos

    envolvidos nos processos judiciais e investigativos.

    O que ocorre é que o agente, o funcionário de segurança, quando faz o

    registro da ocorrência, ele acaba recorrendo ao ato de injúria, quando

    na verdade a qualificação como racismo tem uma penalidade mais

    dura. Então o que falta, a meu ver, é uma qualificação dos agentes

    públicos para tratar de atos de racismo." Para o ministro, isso

    "estimula" casos de preconceito (SANTOS, 2009, citado por

    OLIVEIRA, 2009).

    Desta forma, Figueiroa (2005) compreende que:

    Observa-se que não obstante a existência de um aparato legislativo

    (constitucional e infraconstitucional) determinadas medidas

    repressivo-punitivas e compensatórias no combate ao racismo, as

    instituições governamentais, de um modo geral, e as instituições

    jurídicas em especial, não tem dado efetividade esses princípios e

    normas.

    Como foi visto, e em que pese a CRFB/88 ter estabelecido que o crime de

    racismo não esta sujeito a fiança e à prescrição, na prática, verifica-se que as ações

    mormente são caracterizadas como injúria qualificada, e desta forma, entende-se não

    haver a aplicação da Lei 7.716/89, ora em vigor.

    Em que pese existir um aparato legislativo vigente no ordenamento jurídico

    brasileiro, somado aos diplomas internacionais, todos criados com o deslinde de extirpar

    toda e qualquer forma de preconceito e discriminação racial, estes ainda se encontram

    presentes, arraigados na sociedade, derrubando o mito da democracia racial existente no

    Brasil.

    Silveira (2007, p.35) observa que “o racismo tem sua existência

    frequentemente negada, ou não é assumido problematicamente como práxis (no máximo

    eventual ou episódica), ou não é confessado como sentimento pessoal (mas que está no

    outro!)”.

    Gomes (2001, p. 92) por sua vez, entende que “o racismo na Brasil é um

    caso complexo e singular, pois ele se afirma por meio de sua própria negação. Ele é

    negado de forma veemente, mas mantém se presente no sistema de valores que regem o

    comportamento da nossa sociedade”.

    Valente (1997, p.7 e 8) corrobora afirmando que:

    O duro é admitir que o racismo está presente entre nós, brasileiros, e

    que o negro é uma das suas vítimas prediletas. E não são poucos

    aqueles que, neste país, negam a existência do racismo. Negativa que,

  • ao servir de camuflagem, reproduz uma situação de fato. Do mesmo

    modo como é insistentemente negado, o racismo manifesta-se nas

    ocasiões mais corriqueiras. Uma prova disso são as piadinhas que

    inferiorizam o negro, indispensáveis nas conversas informais. Elas

    veiculam mensagens estereotipadas, denunciando o preconceito que,

    em algum momento, pode vir acompanhado de atitudes

    contundentemente discriminatórias.

    A autora (1997, p.49) ainda comenta a seguinte frase: “um negro parado é

    suspeito; correndo é culpado”, dita pelas pessoas com a intenção de menosprezar,

    ridicularizar o negro.

    Isso não é brincadeira. Essa frase tem pautado a ação da polícia no

    país. O negro é sistematicamente perseguido pela polícia. Mesmo nos

    procedimentos de rotina, como nas chamadas “batidas”, os negros e

    seus descendentes são os mais visados. Para não serem presos, devem

    apresentar a carteira de trabalho assinada. Mas com existem muitos

    negros desempregados, estes vão parar na cadeia mesmo, “sem

    discussão” (VALENTE, 1997, p. 49)

    Destarte, Carneiro (1998) assevera que no Brasil há um racismo camuflado,

    disfarçado de democracia racial, racismo este que é traiçoeiro, pois não se sabe

    exatamente de onde vem.

    Valente (1997) observa que a figura do negro é estereotipada, uma vez que

    estes são sempre considerados como ignorantes, perigosos, sujos, e apresentados nos

    meios de comunicação como pessoas imorais e desqualificadas.

    O fato é que, no mundo todo, pessoas continuam a ser discriminadas em

    virtude de suas convicções políticas, religiosas, orientações sexuais, condições sociais,

    e, inequívoca e de uma maneira mais visível, por suas raças (fenotipicamente

    consideradas, ao menos). (FIGUEIROA, 2005).

    Segundo entendimento de Alvarenga (2009, citado por OLIVEIRA, 2009):

    "o Brasil, na verdade, é um país racista e não está preparado para ver o negro em uma

    situação boa. Seja para andar em carro bom ou ter um cargo de destaque. O Brasil não

    assimilou que o negro luta pela sua condição.”.

    Santos (2009, citado por OLIVEIRA, 2009), que na época da entrevista era

    Ministro da Igualdade Racial, afirmou que, por ser negro, já foi vítima do preconceito e

    ainda sofre discriminação, e complementou: “acho que existe um certo despreparo da

    sociedade brasileira para encarar um negro em funções que normalmente não são

    desempenhadas por negros. Eu mesmo, como ministro, tem situações em que pessoas

    se assustam quando digo que sou ministro”.

    Portanto, não há como negar que o racismo encontra-se presente na

    sociedade, e se apresenta ora inconsciente ou explicitamente nas suas relações, no

    comportamento do homem, que tanto julga e discrimina.

    Desta forma, Gomes, (2001, p.87) afirma que ainda falta muito para as

    pessoas compreenderem que o fato de serem diferentes umas das outras é o que mais as

    aproxima e o que as tornam mais iguais.

  • “Vê-se, portanto, que infelizmente, a isonomia e o ideal e igualdade estão,

    na prática longe de serem atingidos, mas é inquestionável a necessidade de se continuar

    lutando pelo sonho. O mesmo sonho de Martin Luther King” (Santos, 2006).

    4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Com a análise da jurisprudência pátria e com fundamento na pesquisa

    bibliográfica em títulos especializados foi possível identificar que o crime de racismo,

    no Brasil, apresenta características ímpares no que se refere à sua identificação e

    incriminação.

    Um dos pontos de divergência trata-se da desclassificação da conduta

    tipificada como racismo para a conduta tipificada como injúria racial. Pela análise

    realizada verifica-se que a desclassificação apontada é recorrente em razão das

    características das condutas inicialmente indicadas como racismo.

    Desta forma, no tocante a capitulação das condutas observou-se haver

    dificuldade no enquadramento destas como sendo crime racial, especificamente do tipo

    previsto pelo art. 20 da Lei 7.716/89 ou o crime de injúria racial. Assim, tem-se

    percebido que a maioria dos casos de racismo são desclassificados para o crime de

    injúria racial.

    O que se observa é que estas condutas perdem as características do tipo,

    quando analisadas as condições do caso concreto, uma vez que a ofensa nos crimes de

    racismo está “relacionada à injúria coletiva indeterminada quanto aos sujeitos passivos”

    do delito, assim como descreve Silveira (2007). Sendo que, na maioria dos julgados

    identificados a conduta foi entendida como sendo ofensa da honra de pessoa certa e

    determinada, ou seja, “a imputação de termos pejorativos referentes à raça do ofendido,

    com o nítido intuito de lesão à honra deste, importa no crime de injúria qualificada pelo

    uso de elemento racial, e não de racismo” entendimento predominante no judiciário e

    cristalizado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

    Outro ponto que merece destaque se relaciona com a inovação promovida

    pela entrada em vigor da Lei 9.459, em 13 de maio de 1997, que modificou os artigos 1º

    e 20º, da Lei 7.716/89 e, acrescentou o parágrafo 3º, ao art. 140 do Código Penal

    Brasileiro.

    Ao contrário da suposta não incriminação do racismo sugerida pela

    qualificação do crime de injúria. É importante destacar que a alteração promovida pela

    Lei 9459/1997, veio corroborar com a incriminação de condutas que, apesar de não

    consideradas como racismo, estão intimamente relacionadas aos designativos de raça,

    cor e etnia

    O surgimento da injúria qualificada diminuiu a incidência de

    desclassificação dos crimes de racismo para os crimes de injúria simples, prevista pelo

    art. 140 do Código Penal Brasileiro, com pena de um a seis meses e multa, podendo o

    juiz deixar de aplicar a pena em determinados casos.

    Portanto, verifica-se que ordenamento jurídico sofreu significativa alteração

    e a incriminação das condutas ligadas ao crime de racismo, veio corroborar para a

  • punição de condutas até então, penalizadas de forma insatisfatória em relação ao dano

    social que provocam.

    Além das figuras tipificadas como racismo e da desclassificação para o

    crime de injúria qualificada pelas ofensas dirigidas à raça do ofendido, é importante

    destacar a incidência dos crimes de racismo praticados através das redes sociais. Nesses

    casos, observou-se que as condutas descritas pela Lei 7.716/89, são facilmente

    identificadas e os autores punidos.

    O presente trabalho proporcionou identificar as principais características do

    crime de racismo, em e