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RACISMO OU INJURIA RACIAL?1
Amanda Paula Silva2; Thalline Luanna Ramalho Ferreira
3; Leandro Luciano da Silva
4
RESUMO
O racismo não é um tema novo. Surgiu no Brasil com o regime escravocrata e se
manteve com o sistema capitalista, originando assim o preconceito e a discriminação.
Estas práticas perduram até os dias atuais, pois estão arraigadas na sociedade,
disfarçadas na consciência das pessoas. Juntamente com o desprezo e a intolerância,
fazem com que ocorra a segregação dos povos e que os seres humanos sejam capazes de
excluir uns aos outros. O propagado mito da democracia racial, existente no Brasil,
perde validade quando é analisado o acesso dos negros às posições de prestígio
econômico, político e intelectual. Apesar de ainda existir discriminação racial de toda
ordem, o ordenamento jurídico brasileiro, ao longo dos anos, apresentou crescente
avanço no que se refere às legislações que trataram da liberdade dos escravos e do
combate ao racismo. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica e documental, verificou-se
que apesar da existência do aparato normativo sobre o tema, existem grandes discussões
doutrinárias e jurisprudenciais acerca da relação dos crimes previstos pela Lei do
Racismo e a injúria qualificada, tipificada no Código Penal Brasileiro. Percebeu-se que
o crime de racismo tem sido recorrentemente desclassificado para injúria racial.
Palavras-chave: Racismo. Preconceito. Discriminação. Injúria Racial.
ABSTRACT
Racism is not a new theme. It appeared in Brazil with the slave regime and
remained with the capitalist system, thus, originating the prejudice and discrimination.
These practices persist to this day, because they are rooted in society, hidden in
the consciousness of people. Along with scorn and intolerance, they generate peoples‟
segregation and make human beings think they are able to exclude each other.
The propagated myth of racial democracy that exists in Brazil is no longer valid
when analyzing the access of African ascendants to high economic, political and
intellectual positions. Despite the fact there is still racial discrimination of all kinds,
the Brazilian legal system over the years presented increasing advance in regard
to laws which deal with freedom of slaves and the struggle against racism. Using the
literature and document research, it was found that despite the existence of the
normative apparatus on the subject, there are great doctrinal and
jurisprudential discussions about the list of crimes defined by the Act on Racism and
qualified injury typified in the Brazilian Penal Cod. It was noticed that the crime of
racism has been repeatedly downgraded to racial insults. Keywords: Racism. Prejudice. Discrimination. Racial insult.
1 Resultados parciais extraídos da Monografia intitulada “A Lei n° 7.716/89 “Lei do Racismo”, o Crime Previsto no § 3° do
art. 140 do Código Penal: “Injúria Racial”, e sua Aplicabilidade no Direito Brasileiro” de autoria da acadêmica Amanda
Paula Silva sob orientação do Prof. Ms. Leandro Luciano da Silva e apresentada ao Curso de Direito das Faculdades
Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIP-MOC. 2 Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIPMOC
3 Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIPMOC. Bolsista do Programa
de Iniciação Científica - FIP-MOC. 4 Leandro Luciano da Silva - Docente do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros –
FIPMOC. Pesquisador do Programa de Iniciação Científica - FIP-MOC.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho faz uma abordagem ao racismo, ou seja, a teoria que
afirma existir hierarquia entre as raças, a superioridade de uma em detrimento de outra,
a visão que classifica as pessoas mediante a cor da pele, formato do nariz, cor dos olhos,
e outras características.
Observa-se que o racismo não é um tema novo, vez que surgiu no Brasil
com o regime escravocrata, e se manteve com o sistema capitalista, originado assim o
preconceito e a discriminação.
Como pode então ter sobrevivido até os dias atuais? Ter perdurado ao ponto
de estar arraigado na sociedade, disfarçados na consciência das pessoas, e ter se juntado
ao desprezo e intolerância que faz com que ocorra a segregação dos povos, e que os
seres humanos sejam capazes de excluir uns aos outros.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro não quedou inerte, almejou
coibir toda e qualquer forma de preconceito e discriminação utilizando-se de
instrumentos como a Lei 7.716/89 e a Injúria Racial.
Ocorre que, apesar do ordenamento jurídico tipificar o racismo como crime,
existe ainda uma grande dificuldade em se evidenciar a prática deste delito, ocasionando
a desclassificação do crime de racismo para o crime de injúria racial.
A conseqüência dessa desclassificação pode ser entendida como a não
incriminação institucionalizada da prática do racismo, por vários fatores, dentre eles, a
dificuldade de se identificar os elementos característicos da conduta de racismo.
O presente trabalho tem por objetivo, analisar o tratamento dado ao crime de
racismo pelo ordenamento jurídico brasileiro, em especial, no que se refere à
desclassificação do crime de racismo para o crime tipificado pela injúria qualificada
pela utilização de elementos referentes à raça.
1. REFERENCIAL TEÓRICO
O racismo no Brasil originou-se no sistema colonial – escravista, época em
que teve início a exploração do homem pelo homem, vez que, a economia baseava-se no
trabalho forçado dos índios e negros que eram dominados e inferiorizados pelos
brancos, tendo sido mantido nos sistemas econômicos posteriores.
Para Munanga e Gomes (2006), o Brasil com suas características
socioculturais, pode ser definido como um país com grande diversidade cultural em
termos religiosos, artísticos, musicais, culinários, e entre tantos outros aspectos.
Como país e como povo, o Brasil oferece o melhor exemplo de encontro de
cultura e civilizações, pois cada um dos seus componentes étnicos ou culturais trouxe
sua contribuição para a formação do povo e da história dos brasileiros, na construção da
cultura e de nossa identidade (MUNANGA; GOMES, 2006), o que faz com que as
pessoas acreditem na existência de uma democracia racial frente a este Estado
Democrático de Direito.
No Brasil verifica-se o crescente avanço do ordenamento jurídico brasileiro
no que se refere às legislações que trataram da liberdade dos escravos e do combate ao
racismo.
Desta forma, apesar da discriminação ainda existente, Szklarowsky (1997,
p.21) afirma que:
O Direito Brasileiro, não obstante, teceu uma crescente e salutar
evolução, no que diz respeito à proteção das minorias e do ser
humano, para integrá-los, na sociedade e banir o preconceito ou a
discriminação, seja qual for, conquanto a questão não seja apenas
jurídica, senão e principalmente econômica, social, educacional e de
formação, sem se apartar da consciência. Esse fenômeno está
extremamente ligado à liberdade. Sem dúvida, essa avançada
trincheira jurídica é um passo bem largo, nesta longa trajetória,
visando o aperfeiçoamento espiritual do homem, através dos séculos.
Afinal, o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a
justiça social e com a realidade. E quiçá com a evolução do espírito
humano.
Assim, dentre as legislações antiescravagistas destacam-se:
Em 07 de novembro de 1831, a edição da primeira Lei contra o Tráfico
Negreiro no Brasil, denominada Lei Diogo Fiojó que segundo Silveira (2007), declarava
livre todos os escravos vindos de fora do Império, e impôs penas aos importadores dos
escravos.
Em 04 de setembro de 1850, a edição da 2º Lei contra o Tráfico Negreiro -
Lei 581 conhecida como Lei Eusébio de Queiroz, estabelecendo medidas para a
repressão do tráfico de africanos no Império (RIO DE JANEIRO, 1850).
Em 28 de setembro de 1871, foi editada a Lei 2.040 conhecida como Lei do
Ventre Livre que declarava de condição livre os filhos de mulher escrava que nasceram
a partir da edição da lei (RIO DE JANEIRO, 1871).
Posteriormente, em 28 de setembro de 1885 foi editada a Lei 3.270
conhecida como Lei dos Sexagenários, que em seu art. 3º, §10º declarava libertos os
escravos maiores de 60 anos de idade, completados antes ou depois da data em que
entraria em execução esta lei, estando, porém ainda obrigados a prestarem serviços,
como forma de indenização, por três anos (RIO DE JANEIRO, 1885).
Por fim, a abolição final do regime escravocrata deu-se em 13 de maio de
1888, com a Lei n. 3.353 – Lei Áurea, sancionada pela Princesa Imperial Regente, e que
dispôs em seu art. 1º “é declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil”
(RIO DE JANEIRO, 1888).
Observa Silveira (2007, p.55) que “por óbvias razões, somente a partir de
1888, com a abolição do regime escravocrata, torna-se possível cogitar de instrumentos
normativos de repúdio ao racismo”.
Ressalta-se, portanto, a edição do primeiro diploma infra-constitucional em
3 de julho de 1951, que buscou combater a discriminação racial: Lei nº. 1390 -
conhecida como Lei Afonso Arinos, e incluiu entre as convenções penais a prática de
atos resultantes de preconceitos de raça, ou de cor (RIO DE JANEIRO, 1951).
Segundo Silveira (2007), essa primeira lei brasileira de punição ao racismo,
editada no momento em que vigorava a Constituição de 1946 teve seu projeto de lei
apresentado pelo deputado mineiro Afonso Arinos de Melo Franco, com a seguinte
justificação:
[...] Urge, porém que o Poder legislativo adote medidas convenientes
para que as conclusões científicas tenham adequada aplicação na
política do Governo. As disposições da Constituição Federal e os
preceitos dos acórdãos internacionais de que participamos, referentes
ao assunto, ficarão como simples declarações platônicas se a lei
ordinária não lhe vier dar fôrças de regra obrigatória de direito. 5 –
Por mais que se proclame a inexistência, entre nós, do preconceito de
raça, a verdade é que êle existe, e com perigosa tendência a se ampliar.
[...] é sabido que certas carreiras civis, como o corpo diplomático,
estão fechadas aos negros; que a Marinha e a Aeronáutica criam
injustificáveis dificuldades ao ingresso de negros nos corpos de
oficiais e que outras restrições existem, em vários setores da
administração. 6 – Quando o Estado, por seus agentes, oferece tal
exemplo de odiosa discriminação, vedada pela Lei Magna, não é de se
admirar que estabelecimentos comerciais proíbam a entrada de negros
nos seus recintos. [...] 9 – [...] Nada justifica, pois, que continuemos
disfarçadamente a fechar os olhos à prática de atos injustos de
discriminação racial que a ciência condena, a justiça repele, a
Constituição proíbe, e que podem conduzir a monstruosidade como os
„progooms‟ hitleristas ou a situações insolúveis como da grande massa
negra norte-americana (FRANCO, 1950, citado por SILVEIRA, 2007,
p. 63).
Segundo Valente (1997), a referida lei, de autoria do deputado que lhe deu o
nome, tinha como objetivo impedir que os negros fossem discriminados, por isso tratava
as atitudes de preconceito racial como contravenção e previa o pagamento de multas
irrisórias para que fosse dado fim ao processo.
No âmbito internacional, os instrumentos de proteção aos direitos humanos
também demonstraram abominação à discriminação racial.
A Carta das Nações Unidas (ONU) ratificada pelo Brasil em 21 de setembro
1945 estabeleceu entre seus princípios e propósitos a igualdade de direitos e o respeito
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça,
sexo, língua ou religião (ONU, 1945).
Contudo, ocorre que apesar da Carta das Nações Unidas ser enfática ao
determinar a importância de defender, promover e respeitar os direitos humanos e as
liberdades individuais, esta não explicou o conteúdo dessas expressões, assim, três anos
após a sua ratificação, adveio a Declaração Universal dos Direitos Humanos que as
definiu (PIOVESAN, 2010).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi então adotada em 10 de
dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, tendo consagrado em seu
art. I - “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade” (ONU, 1948).
Em seu art. II estabelece que:
Todos os seres humanos tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, de nascimento, ou
qualquer outra condição (ONU, 1948).
Ainda estabeleceu em seu art. VII “todos são iguais perante a lei e têm
direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual
proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação (ONU, 1948).
A Carta da Organização dos Estados Americanos, também estabelece em
seu art. 45, “a” o seguinte princípio:
Todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, nacionalidade,
credo ou condição social, têm direito ao bem-estar material e a seu
desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, dignidade,
igualdade de oportunidades e segurança econômica” (OEA, 1948).
Ainda a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação Racial adotada pela ONU em 21 de dezembro de 1965, e assinada pelo
Brasil em 7 de março de 1966, afirmou em seu art. I, 1:
[...] a expressão “discriminação racial” significará qualquer distinção,
exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência
ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anula ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano,
(em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades
fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em
qualquer outro domínio de sua vida (ONU, 1965).
Porquanto também assevera que os Estados Partes obrigam-se:
Art. IV, a) a declarar delitos puníveis por lei, qualquer difusão de
ideias beseadas na superioridade ou ódio raciais, qualquer incitamento
à discriminação racial, assim como quaisquer atos de violência ou
provocação a tais atos, dirigidos contra qualquer raça ou qualquer
grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como
também qualquer assistência prestada a atividades racistas, inclusive
seu financiamento (ONU, 1965).
Piovesan (2010) observa que os direitos internacionais têm no Brasil
natureza de norma constitucional, vez que a CFRB/88 previu que os direitos e garantias
expressos em seu texto não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que faça parte, o que evidencia a sua
inovação em incluir entre os direitos constitucionalmente protegidos os enunciados nos
tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.
O racismo também se fez presente nas constituições brasileiras anteriores à
CRFB/88, e conforme entendimento de Szklarowsky (1997, p. 21 e 22):
[...] as constituições republicanas, desde a primeira, de 1891, vêm-se
pautando, contudo, pela igualdade de direitos e proibição de qualquer
discriminação religiosa, racial ou de outra ordem, lapidando e
desbastando a pedra bruta e cortando as arestas com o cinzel da
sabedoria e da inteligência A Carta Política de 1891 não só igualou a
todos perante a lei, como permitiu que todos os indivíduos e
confissões religiosas exercessem pública e livremente o seu culto, [...].
A Lei Maior de 1934 repetiu o Diploma Constitucional anterior e
homenageou o princípio da inviolabilidade da liberdade de
consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos
religiosos, desde que não contrariassem a ordem pública e os bons
costumes.A Constituição de 1937, a Polaca, nominalmente, propiciou
a liberdade de culto, podendo, para esse fim, manter a associações de
caráter religioso e confessional. A Constituição, pós-ditadura, de 1946,
com uma elasticidade que demonstra seu profundo apego à
democracia, convolou a inviolabilidade da liberdade de consciência e
de crença, garantido o livre exercício dos cultos religiosos. A Lei
Magna de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969, não só mantiveram o
princípio de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de sexo,
raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas, como
inauguraram a constitucionalização do crime de preconceito de raça.
De acordo com Valente (1997), até 1988, apenas o artigo 5º da Constituição
brasileira que estabelecia que todos são iguais, independente de cor, raça ou credo, e a
Lei Afonso Arinos eram utilizados com o fim de coibir o racismo contra os negros no
Brasil, no entanto, estes não passaram de mera formalidade, vez que a teoria da
igualdade presente no artigo constitucional era simplesmente desmentida na prática das
relações entre brancos e negros e a Lei Afonso Arinos era ineficaz.
Contudo, essa matéria veio a ganhar ainda mais realce com a Constituição
da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, que em
diversos dispositivos demonstrou a repugnância ao racismo e quaisquer forma de
discriminação, além de trazer a previsão do racismo como crime.
Inicialmente, já em seu preâmbulo, propugnou pela igualdade como valor
supremo para a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Logo, em seu art.1º, esculpiu como um dos fundamentos deste Estado Democrático de
Direito à Dignidade da Pessoa Humana, que de acordo com Moraes (2006, p.48):
[...] é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na auto – determinação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo–se um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto serem humanos.
Nunes (2010) enfatiza que a dignidade nasce com a pessoa, lhe é inata,
inerente à sua essência.
Camargo (1994, citado por NUNES, 2010, p. 63 e 64) por sua vez, aduz que
toda:
[...] pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência
e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e
se diferencia do ser irracional. Estas características expressam um
valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio
sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana.
Assim toda pessoa humana, pelo simples fato de existir,
independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade
racional a dignidade de todo ser. Não admite discriminação, quer em
razão do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental, ou crença
religiosa.
A CRFB/88 também em seu art. 3º, incisos III e IV, estabeleceu como
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a erradicação das
desigualdades sociais e religiosas e a promoção do bem comum, sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL,
1988).
Em seu art. 4º, inciso VIII, consagrou entre os princípios que regem a
República Federativa nas suas relações internacionais o repúdio ao terrorismo e ao
racismo (BRASIL,1988).
Segundo Silveira (2007, p.114):
No plano das relações externas, assim, a República guia-se pelo
imperativo do repúdio ao racismo. Ou seja, cumpre-lhe censurar toda
e qualquer prática de discriminação racial perpetrada por outro Estado,
grupo de Estados ou indivíduos. Não poderá afastar-se desse
precipitado alegando, v.g., interesse de natureza econômica, porquanto
se vincula, indesviavelmente, ao dever de reprovação e de não-
solidariedade para com as práticas racistas.
Logo, no caput do art. 5º prescreveu:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros, e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito a vida, a igualdade, a segurança e a
propriedade [...]. (BRASIL, 1988).
Desta forma, o princípio da igualdade adotado pelo texto constitucional,
apresenta-se não só como direito de todos os cidadãos, também como uma garantia a ser
assegurada pela República enquanto Estado Democrático de Direito, que tem como
objetivo a promoção do bem de todos.
O art. 5º, inciso XLI, também dispôs que “a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (BRASIL, 1988).
Por fim, não obstante à menção feita do repúdio ao racismo, a CRFB/88,
ainda destacou dentre os direitos e deveres individuais e coletivos inseridos no Título
dos Direitos e Garantias fundamentais, art. 5º, inciso XLII, à previsão de que, a prática
do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei.
Em obediência às disposições da CRFB/88, em 5 de janeiro de 1989 foi
editada a Lei 7.716 de autoria do Deputado Carlos Alberto Caó, que ao apresentar o
projeto de lei n. 668 de 1988, com o fito de criminalizar a prática do racismo, o fez com
a seguinte justificação:
[...] O negro deixou, sem dúvida, de ser escravo, mas não conquistou a
cidadania. Ainda não tem acesso aos diferentes planos da vida
econômica e política. É mais do que evidente que as desigualdades e
discriminações raciais marcam a sociedade, o Estado e as relações
econômicas em nosso País. Passados cem anos da Lei Áurea, está é a
situação real. [...] A Lei n. 1.390, de 3 de julho de 1951, que
caracteriza a prática do racismo como contravenção penal, cumpriu à
sua época e tempo, o papel de acautelar e diminuir o cometimento
odiendo do racismo. Torna-se imperiosa, porém, uma caracterização
mais realista de combate ao racismo, configurando-o como crime
assim definido em lei. Com a prática do racismo, tornando-se crime, e
com penas que possam ser sentidas no seu cumprimento, será possível
que o Brasil saia do bloco de países discriminadores (embora tenha
vergonha de admitir a existência de tipo de discriminação em seu
território), porque é cometido nas caladas da noite ou, sorrateiramente,
nos balcões de lojas, hotéis ou logradouros públicos (CAÓ, 1988,
citado por SILVEIRA, 2007, p.67).
Essa lei, conhecida como Lei do Racismo e Lei Caó, definiu então os
crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, vez que
[...] o comando constitucional, que fortalece o combate ao racismo,
não é auto - aplicável. O princípio da tipicidade cerrada, que subsidia
o Direito Penal, confirma a teoria do moderno direito penal de que não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
determinação legal, garantia basilar do Estado de Direito. Para que um
comportamento seja tido como criminoso, mister se faz que a lei o
declare tal, antes da sua prática. O mesmo ocorre com a sanção
(SZKLAROWSKY, 1997, p.25).
Da mesma forma, esclarece Silveira (2007) que não há que suspeitar da
intenção do constituinte em criminalizar o racismo, que ainda lhe fixou a
inafiançabilidade e imprescritibilidade, além da pena de reclusão. Ao trazer a
condicionalidade “nos termos da lei” presente na parte final do art. 5º, XLII, da
CRFB/88, implicou no encaminhamento da matéria ao legislador infraconstitucional,
que poderá fazê-lo levando em consideração a relevância dos valores em tutela, e não
tipificando qualquer conduta como prática de racismo.
Reza, portanto o referido artigo: “a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL,
1988).
Destarte, em atenção ao princípio do repúdio ao racismo, a Lei 7.716/89
regulamentou o comando constitucional, mas foi alterada posteriormente em 13 de maio
de 1997 pela Lei 9.459, que modificou-lhe os artigos 1º e 20º, e acrescentou o parágrafo
3º ao art. 140 do Código Penal Brasileiro, qualificando assim o crime de injúria.
A Lei 9459/97 ao alterar a lei vigente, alargou significativamente o seu
alcance, pois não só o crime resultante de preconceito de raça ou de cor, mas também a
discriminação foi pontuada expressamente conforme o entendimento de Szklarowsky
(1997), além de ter havido o acréscimo dos elementos normativos etnia, religião e
procedência nacional ao lado de raça e de cor.
Observa Silveira (2007) que o legislador infra-constitucional relacionou a
prática do racismo aos elementos normativos raça, cor, etnia, religião e procedência
nacional, a partir dos quais são fixados os limites de relevância penal da discriminação e
do preconceito, devendo a compreensão destes elementos irradiar-se para todas as
figuras descritas na lei, vinculando assim o juízo de tipicidade.
Szklarowsky (1997) afirma que raça, cor, etnia, religião e procedência
nacional têm significados próprios e determinados, sendo estes:
[...] Raça, segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, é o
conjunto de indivíduos, cujos caracteres somáticos, tais como a cor da
pele, conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo e outros
traços, são semelhantes e se transferem, por hereditariedade,
conquanto variem de pessoa para pessoa. Também apresenta outros
significados, entre os quais, o conjunto de indivíduos com origem
étnica, lingüística ou social comum. Racismo é a teoria que estabelece
que certos povos ou nações são dotados de qualidades psíquicas e
biológicas que os tornam superiores a outros seres humanos. Etnia, na
definição de Aurélio, é um grupo biológico e culturalmente
homogêneo. Religião, ainda, na palavra de Aurélio, é a crença na
existência de uma força ou forças sobrenaturais, consideradas como
criadoras do Universo e que como tal devem ser adoradas e
obedecidas. Também dá como significado a manifestação de tal crença
por meio de doutrina e ritual próprios, que envolvem, em geral
preceitos éticos. Nacionais, segundo o ensinamento de Hildebrando
Accioli, são as pessoas submetidas à direta autoridade de um Estado,
que lhes reconhece os direitos civis e políticos, ofertando-lhes
proteção, inclusive para além de suas fronteiras, através do Direito
Internacional. A nacionalidade é a qualidade inerente a essas pessoas,
marcando-lhes a presença na coletividade, permitindo sua
identificação e localização (SZKLAROWSKY, 1997, p. 26).
A redação do art.1º passou então a ser o seguinte: “serão punidos, na forma
desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989).
Portanto, conforme entendimento de Silveira (2007, p.107):
[..]a díade preconceito/discriminação forma, por conseguinte, a
estrutura básica dos crimes raciais. O racismo, assim, é reconstruído no
plano jurídico como ação discriminatória essencialmente motivada pelo
preconceito racial.
Segundo o autor, discriminar significa, de acordo o art.1º, n.1, da
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, promover qualquer tipo de exclusão, restrição ou preferência. Já o preconceito,
diz respeito à esfera da intimidade, à atitude interior, e no que diz respeito, à
caracterização do racismo relevante, este precede à discriminação, funcionando como
móvel da ação discriminatória, tornando assim, juntamente com o dolo, o aspecto
subjetivo do juízo de tipicidades dos crimes raciais, não possuindo assim, isoladamente,
relevância penal (SILVEIRA, 2007).
A redação do art. 20 da Lei 7.716/89 também foi alterado pela Lei 9.459/97,
e passou a constar:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,
emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz
suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por
intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de
qualquer natureza:Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o
Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial,
sob pena de desobediência:
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do
material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou
televisivas.
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o
trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
(BRASIL, 1997).
A Lei 7.716/89 estabeleceu então os crimes raciais em espécie, que de
acordo com Silveira (2007) são: Discriminação racial no acesso aos cargos da
administração pública e das concessionárias de serviços públicos (art. 3º);
Discriminação no racial mercado de trabalho (art. 4º); Discriminação racial no comércio
(art. 5º); Discriminação racial no acesso ao ensino (art. 6º); Discriminação racial em
hotéis, pensões, estalagens ou estabelecimentos similares (art. 7º); Discriminação racial
em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público (art. 8º);
Discriminação racial em estabelecimentos esportivos, casas de diversões ou clubes
sociais abertos ao público (art. 9º); Discriminação racial em salões de cabeleireiros,
barbearias, ternas ou casas de massagem ou estabelecimentos congêneres (art.10º);
Discriminação racial nos edifícios públicos e residenciais (art. 11º); Discriminação
racial nos meios de transporte público (art.12º); Discriminação racial nas Forças
Armadas (art. 13º); Discriminação racial contra o casamento ou outras formas de
convivência familiar e social (art. 14º); Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito racial (art.20º); Propaganda ao nazismo (art. 20º, § 1º) e por fim Injúria
racial (art. 140, § 3º, do CP).
Conforme Szklarowsky (1997, p.25) “trata-se de crime formal ou de mera
conduta, isto é, sua consecução independe dos efeitos que venham a ocorrer. Não há
necessidade do resultado para que se consume o crime”.
Os crimes oriundos de discriminação ou preconceito de raça, cor, religião,
etnia ou procedência nacional são dolosos. Nesse sentido Silveira (2007, p.148) aduz
que:
Os crimes raciais são exclusivamente dolosos, não tendo sido prevista,
em nenhuma hipótese, a modalidade culposa (princípio da
excepcionalidade, como expresso no art. 18, parágrafo único, do CP).
Assentou-se, pois, que o preconceito e a discriminação raciais não
derivam de comportamento negligente, antes, da consciência e da
vontade deliberadas. Destarte, pratica dolosamente um crime racial
aquele que, representando intelectualmente os elementos objetivos dos
tipos legais de crime previstos na Lei n. 7.716/89, age livre e
conscientemente no sentido de realizá-los.
O autor acrescenta que o crime de racismo pode ser definido analiticamente
de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, como sendo:
[...] crime racial corresponde a todo comportamento discriminatório
(ou seja, que exclui, limita, recusa, segrega, restringe, dificulta, cria
preferências, etc.) com imediata correspondência na Lei n. 7.716/89,
praticado por ação ou omissão dolosa, motivado por preconceito de
raça, cor ou etnia (esteja ou não configurado com o preconceito de
religião ou de procedência nacional), frontalmente contrário aos
princípios constitucionais de igualdade e do pluralismo, cujo resultado
traduz-se na ameaça ou na frustração do exercício de um direito por
parte da pessoa discriminada, atingido, ao mesmo tempo e
solidariamente, todo o corpo social. É, ainda, o comportamento que
induz ou incita perigosamente a discriminação e o preconceito racial
uma pessoa ou coletividade de pessoas (SILVEIRA, 2007, p.156 e
157).
“O crime de racismo, gizado pela Constituição, é inafiançável (a prisão não
será relaxada em favor do criminoso) e imprescritível (a pena é perene, não ficando
Estado impedido de punir a qualquer tempo o autor do delito)” (SZKLAROWSKY,
1997, p. 24).
De acordo com o art. 5º, XLII da CRFB/88, a pena é de reclusão, desta
forma, observa Szklarowsky (1997) que considerando o regime de cumprimento da
pena, esta é bem mais rigorosa.
Silveira (2007) preleciona que em todos os crimes previstos na Lei 7.716/89
a ação penal é pública incondicionada.
Desta forma o crime em questão tem em síntese as seguintes características:
formal, doloso, imprescritível, inafiançável, sujeito a pena de reclusão e à ação penal
pública incondicionada.
Ocorre que, em 13 de maio de 1997, a Lei 9.459 após alterar o art. 1º e o art.
20 da Lei 7.716/89, inseriu a injúria racial no §3º do art. 140 do Código Penal, também
denominada injúria qualificada, injúria por preconceito ou preconceituosa, prevendo
assim um crime qualificado, e culminou-lhe pena de reclusão de um a três anos e multa.
Segundo Mirabete (2004), o crime de injúria por preconceito, consiste em
ultraje a outrem, por qualquer meio, em especial de palavras racistas e pejorativas,
deixando clara a pretensão de, em razão da cor da pele, por exemplo, de sobrepor à
pessoa de raça diferente.
De acordo com Nucci (2009), esta figura típica foi introduzida com o
objetivo de evitar as constantes absolvições que vinham acontecendo de pessoas que
ofendiam outras, através de insultos com forte conteúdo racial ou discriminatório e
escapavam da Lei 7.716/89 “Lei do Racismo”, pois não estavam praticando atos de
segregação.
Conforme entendimento de Capez (2010), antes dessa inovação, os crimes
resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional,
acabavam sendo desclassificados para o crime de injúria, de menor gravidade, e assim o
racismo equiparava-se a um simples xingamento, por isso, cuidou o legislador de
tipificar a injúria preconceituosa, que envolve esses elementos discriminatórios e
comina-lhes pena mais severa.
Acrescenta Bitencourt (2008, p.325 e 326) que:
Acreditando na injustiça de muitas dessas desclassificações, o
legislador, em sua política criminalizadora, resolver dar nova
fisionomia às condutas tidas como racistas e definiu-as condutas como
injuriosas, [...].
Nucci (2009, p.678) ressalta que:
Assim, aquele que atualmente, dirige-se a uma pessoa de determinada
raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo
pejorativo, responderá por injúria racial, não podendo alegar que
houve uma injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do
pensamento (como dizer que todo “judeu é corrupto” ou que “negros
são desonestos”), uma vez que há limite para tal liberdade.
Assevera Capez (2010, p.313) que “qualquer ofensa à dignidade ou decoro
que envolva algum elemento discriminatório, como por exemplo, “preto”, “japa”,
“turco” ou “judeu”, configura o crime de injúria qualificada”.
Ocorre que, para que se configure o crime em questão não basta apenas que
o sujeito profira tais expressões, faz se necessário que a sua ação exprima a intenção de
discriminar a vítima em razão de sua cor, raça, etc, ofendendo-lhe a honra subjetiva.
Portanto, esclarece Capez (2010, p.314):
(...) não basta chamar alguém da raça negra de “negão” para que se
configure, pois nem sempre o emprego desse termo demonstra a
intenção discriminatória. Basta considerar que entre amigos tal
expressão poderá ser utilizada como demonstração de proximidade, de
amizade, sem que haja a intenção de discriminar a pessoa da raça
negra. Por outro lado, se o termo é utilizado para humilhar, para
denotar uma suposta inferioridade do indivíduo em virtude da raça, o
crime é de injúria qualificada.
Desta forma aduz Bitencourt (2008, p. 327) que:
Para a configuração do crime de injúria por preconceito é
fundamental, além do dolo representado pela vontade livre e
consciente de injuriar, a presença do elemento subjetivo especial do
tipo, constituído pelo especial fim de discriminar o ofendido por razão
de raça, cor, etnia, religião ou origem. A simples referência aos
“dados discriminatórios” contidos no dispositivo legal é insuficiente
para caracterizar o “crime de racismo”, que, é bom que se diga, é
inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII, da CF). Enfim, recomenda-
se muita cautela para evitar excessos e coibir as transgressões legais
efetivas, sem contribuir para o aumento das injustiças.
Conforme dito, o legislador trouxe a previsão da injúria racial e impôs-lhe
pena de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, além de multa, por isso afirma Greco (2010)
que, apesar da maior reprovabilidade do comportamento previsto neste crime, vale
ressaltar a desproporcionalidade da pena a ela cominada, aumentadas por intermédio da
Lei 9.459/97, quando comparada aquelas previstas para o delito de homicídio culposo,
auto aborto.
Aduz Capez (2010) que a doutrina crítica o rigor excessivo dessa
cominação, vez que dispensa esse tratamento desproporcional aos bens jurídicos honra e
vida.
Nesse sentido Jesus (2011, p.265) observa que:
Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova,
chamar alguém de “negro”, “preto”, “pretão”, “negrão”, “turco”,
“africano”, “judeu”, “baiano”, “japa”etc., desde que com vontade de
ofender-lhe a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou
etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além
de multa, maior do que a imposta no homicídio culposo (1 a 3 anos de
detenção, art. 121, § 3º) e a mesma pena do auto-aborto (art.124) e do
aborto consentido (art. 125). Assim, matar o feto e xingar alguém de
“alemão batata” têm, para o legislador, idêntico significado jurídico,
ensejando a mesma resposta penal e colocando as objetividades
jurídicas, embora de valores diversos, em plano idêntico.
Destaca ainda Jesus (2011) que o exagero nessa cominação apresenta-se
como uma ofensa ao princípio constitucional da proporcionalidade entre os delitos e
suas respectivas penas.
Quanto à ação penal do crime de injúria racial, o parágrafo único do art. 145
do Código Penal que previa a ação penal de exclusiva iniciativa privada, procedendo
desta forma somente através de queixa, foi modificado pela Lei nº. 12.033 de 29 de
setembro de 2009, prevendo expressamente a ação penal pública condicionada à
representação do ofendido quando ocorrer à hipótese do art. 140, § 3º, do CP.
Por conseguinte, é interessante mencionar que a injúria racial não se
confunde com os crimes resultantes de preconceito e discriminação de raça ou de cor
tipificados pela Lei 7.716 de 5-1-89, assim segundo Greco (2008, p.466 e 467):
O crime de injúria preconceituosa pune o agente que na prática do
delito, usa elementos ligados a raça, cor, etnia, etc. A finalidade do
agente, com a utilização desses meios, é atingir a honra subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo delito em questão.
Ao contrário, por intermédio da legislação que definiu os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional, são proibidos comportamentos
discriminatórios, em regra mais graves do que a simples agressão à
honra subjetiva da vítima, mas que, por outro lado, também não
deixam de humilhá-la, a exemplo do que acontece quando alguém
recusa, nega ou impede a inscrição ou ingresso de aluno em
estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau, tendo
o legislador cominado para essa infração penal, tipificada no art. 6º da
Lei 7.716/89, uma pena de reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Além dos dispositivos mencionados, em 10 de julho de 2010, foi editada a
Lei nº 12.288, denominada Estatuto da Raça Negra, que de acordo com seu art. 1º, foi
criado com objetivo de “garantir à população negra a efetivação da igualdade de
oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate
à discriminação e às demais formas de intolerância étnica” (BRASIL, 2010).
Na apresentação do projeto de lei que institui o referido Estatuto, o Senador
Paulo Paim afirmou que:
[...] o Estatuto reúne um conjunto de ações e medidas especiais que, se
adotadas pelo Governo Federal, irão garantir direitos fundamentais à
população afro-brasileira, assegurando entre outros direitos, por
exemplo: - o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde
(SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde dessa parcela
da população; - serão respeitadas atividades educacionais, culturais,
esportivas e de lazer, adequadas aos interesses e condições dos afro-
brasileiros; - os direitos fundamentais das mulheres negras estão
contemplados em um capítulo. - será reconhecido o direito à liberdade
de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade dos
cultos e religiões de matriz africana praticadas no Brasil; - o sistema
de cotas buscará corrigir as inaceitáveis desigualdades raciais que
marcam a realidade brasileira; - os remanescentes de quilombos,
segundo dispositivos de lei, terão direito à propriedade definitiva das
terras que ocupavam;- a herança cultural e a participação dos afro-
brasileiros na história do país será garantida pela produção veiculada
pelos órgãos de comunicação; - a disciplina “História Geral da África
e do Negro no Brasil”, integrará obrigatoriamente o currículo do
ensino fundamental e médio, público e privado. Será o conhecimento
da verdadeira história do povo negro, das raízes da nossa gente; - a
instituição de Ouvidorias garantirá às vítimas de discriminação racial
o direto de serem ouvidas; - para assegurar o cumprimento de seus
direitos, serão implementadas políticas voltadas para a inclusão de
afro-brasileiros no mercado de trabalho; - a criação do Fundo
Nacional de Promoção da Igualdade Racial promoverá a igualdade de
oportunidades e a inclusão social dos afro-brasileiros em diversas
áreas, assim como a concessão de bolsas de estudo a afro-brasileiros
para a educação fundamental, média, técnica e superior (PAIM, 2006).
Mencionou ainda que as leis são instrumentos importantíssimos nessa
guerra contra a hipocrisia, contra preconceitos enraizados, contra a imposição da
violência e de sofrimentos, enfim, contra discriminações pelo que quer que seja, daí a
importância deste instrumento, ou seja, do referido estatuto (PAIM, 2006).
2 - ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
Para a realização do presente trabalho lançou-se mão da pesquisa
bibliográfica em artigos científicos, livros e revistas especializadas. A pesquisa
documental se operou em legislação pátria e em jurisprudências dos 27 Tribunais
Estaduais disponibilizados nos respectivos sítios oficiais, além da consulta aos sítios
oficiais do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal – STF.
A identificação dos sítios oficiais dos tribunais estaduais e distritais se deu
por meio do sítio oficial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, abertura da aba “poder
judiciário” – “portais dos tribunais” - “Link do Tribunal” e “consulta à jurisprudência”.
Para atender ao objetivo do presente trabalho foram usados como
localizadores as palavras: racismo, injúria racial e desclassificação. A utilização dos
localizadores se operou de forma conjunta em uma mesma janela de pesquisa de
expressões, o que evitou o resultado repetido das mesmas jurisprudências, caso fossem
utilizadas em separado.
Além dos referidos localizadores, a busca jurisprudencial contou com a
limitação temporal, com o termo inicial 05/02/1989 e termo final 31/03/2012. O termo
inicial se justifica, uma vez que a referida data guarda conexão com a data da entrada
em vigor da Lei 7.716 de 5-1-89, Lei do Racismo.
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
No âmbito jurídico, os elementos raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional, são objetos da Lei 7.716 (Lei do Racismo) editada em 1989 e do art. 140, §3º,
do Código Penal (Injúria Qualificada) que fora introduzida pela Lei 9.459 de 1997, ou
seja, inovações do ordenamento jurídico brasileiro com a previsão desses tipos penais.
Conforme se depreende do entendimento de Mirabete (2004), o acréscimo
do dispositivo, prevendo o crime de injúria qualificada, veio para evitar o argumento
dos acusados dos crimes previstos pela Lei 7.716/89, de que haviam cometido o crime
de injúria simples, de menor gravidade.
Desta forma, a criação do referido tipo penal, que comina pena mais severa,
teve a finalidade de evitar as constantes absolvições ou desclassificações para o crime
de injúria simples, prevista no caput do art. 140 do Código Penal.
Quanto à distinção do crime de injúria, simples ou qualificada, prevista no
Código Penal, Santos (2006) observa que:
Aquele que, fica evidente – portanto – com a intenção de ofender,
refere-se a outro (ou a outros) como “fdp”, safado, sovina, canalha,
etc, está inegavelmente, cometendo injúria, atacando-lhe a dignidade
ou o decoro. Quando acresce a tais expressões “elementos referentes a
raça, cor, etnia, religião ou origem”, ou quando distorce as
características de tais elementos para realizar a ofensa (ex.: „Seu
macumbeirozinho de merda – exemplo de preconceito de religião‟),
comete a injúria especial do §3º.
Contudo, a criação desse tipo penal, qual seja, injúria qualificada, fez surgir
à dificuldade na capitulação das condutas preconceituosas e discriminatórias em
detrimento do crime de racismo.
Santos (2006), afirma que a aplicação dessas normas em casos concretos,
muitas vezes geram dúvidas aos intérpretes, no tocante ao enquadramento das condutas
como sendo, o crime prenunciado no art. 20 da Lei 7.716/89 (prática, induzimento ou
incitação ao racismo) ou o do art. 140, §3º do Código Penal (injuria qualificada).
Nesse sentido, procurando evidenciar as divergências jurisprudenciais em
relação ao racismo e à injúria racial, foram consultados 27 tribunais estaduais,
analisados os julgados no período de 05/02/1989 a 31/03/2012, sendo que em muitos
desses tribunais (20) sequer foram identificados, pelos localizadores utilizados, julgados
envolvendo o tema no período eleito.
Em relação ao crime de racismo, o tipificado pela Lei nº 7.716/89, dos
julgados consultados destaca-se Apelação Crime Nº. 0664486-6 – Tribunal de justiça do
Paraná, que no caso em discussão, considerou que a ofensa praticada pelo autor foi
dirigida à coletividade e não a um único indivíduo, assim como verificado em outras
jurisprudências.
Importa ressaltar que o crime de racismo ganha maior atenção quando
praticado através de meios de comunicação de massa ou por meio de sítios de
relacionamento na rede mundial de computadores, visto que nos julgados analisados em
que o crime de racismo figurava como objeto do julgamento, o ponto de convergência
referia-se à utilização desses meios para a ofensa dirigida à coletividade, é o que se
extrai do julgamento da Apelação nº 0078755-15.2005.8.26.0050, do tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, publicado em 30, de janeiro de 2012, no qual o acusado foi
condenado pela prática de racismo nos termos da Lei 7.716/89, através do chamado
orkut :
[...] entre abril e junho de 2005, em diferentes horários, por meio da
internet, no site de relacionamentos denominado ORKUT, teria
praticado, induzido e incitado à discriminação e o preconceito de raça
(negra ou preta) e cor (negra ou preta), cometendo-os por intermédio do
referido meio de comunicação. (SÃO PAULO, 2012)
Ressalta-se ainda, julgados do Conflito de Competência nº. 107938 / RS,
publicado em 08, novembro de 2010 (Brasil, 2010), e Conflito de Competência nº. CC
102454 / RJ, publicado em 15, de abril de 2009 (Brasil, 2009). O ponto em comum
desses julgados, ambos do STJ, refere-se ao instrumento utilizado para a prática do
racismo, qual seja, sítios de relacionamento na rede mundial de computadores.
Além dos meios utilizados, verifica-se o fim ao qual a conduta almeja, ou
seja, o resultado que o autor procura atingir que é justamente o que diferencia uma
prática da outra, assim Silveira (2007) complementa que:
A distinção reside na afetação, ou não, da honra subjetiva (bem
jurídico individualíssimo), e na identificação do seu titular
(sujeito passivo determinável ou passível de determinação). Se o
agente não faz referência a uma pessoa ou pessoas em particular,
desejando, ao invés, induzir ou incitar a discriminação e
preconceito racial de forma genérica, ter-se-á a infração penal
descrita no art. 20, caput, da Lei n. 7.716/89. Trata-se, por assim
dizer, de uma injúria coletiva, indeterminada quanto aos sujeitos
passivos imediatos. O divisor de águas está, portanto, na direção
da ação criminosa: atacar a honra subjetiva de uma determinada
pessoa ou, diferentemente, infundir e generalizar o racismo
contra toda um a coletividade? No primeiro caso, o sujeito
passivo é a pessoa atingida pelas palavras, gestos ou insinuações
(injúria ad hominem). No segundo caso, toda a sociedade figura
como sujeito passivo do delito. Em síntese a pergunta é a
seguinte: as ofensas raciais - a despeito da forma genérica ou
pseudogenérica – foram dirigidas, na verdade, a uma pessoa (ou
pessoas) em especial? Se a resposta for afirmativa, injúria racial;
se negativa, induzimento ou incitação ao racismo (SILVEIRA,
2007, p. 237).
Por fim, Lauria (2006) observa que “o artigo 20 da Lei do Racismo e o art.
140, §3° do Código Penal protegem bens jurídicos diferentes. O primeiro tutela a
igualdade e o respeito étnico; o segundo, a honra subjetiva do cidadão”.
Observa-se que enquanto os julgados relacionados ao crime de racismo,
propriamente dito, são pontuais e menos frequentes os julgados relativos à
desclassificação ou a condenação em crimes de injúria qualificada por elementos
designativos de raça, apesar de poucos, são mais evidentes.
Destaca-se a Apelação Criminal nº. 2009.039054-2 do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina que no julgamento de 10 de março de 2010, desclassificou para injúria
racial o delito de racismo, visto que pela narrativa dos fatos, o autor da conduta tinha o
objetivo de ferir a honra subjetiva da vítima e não se opor à raça negra (SANTA
CATARINA, 2010).
A agressão à honra subjetiva, em relação aos designativos de raça, é de
grande diversidade. Nas consultas realizadas foi possível identificar vários desses
“adjetivos” pejorativos, conforme se extraí do julgado da Apelação Criminal n.
2008.018001-0, do Tribunal de Justiça do Acre em que a vítima foi ofendida com
expressões injuriosas do tipo "nega safada" ou "o grande problema é sua cor", que
ensejou na condenação do crime tipificado como injúria qualificada. Conduta que
também figurou como determinante na condenação do ofensor que atribuiu à vítima a
alcunha de “negra imunda” (ACRE, 2011).
A desclassificação, ou a tipificação direta no tipo previsto como injúria
racial, também foi identificado no Estado de Minas Gerais, Apelação Criminal Nº.
88507-69.203.8.13.1720, do TJMG, publicada em outubro de 2009, em que fica clara a
tendência à desclassificação, [...] aquele que xinga terceiro, ofendendo-lhe com palavras
atinentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, comete o crime de injúria racial e não
racismo. Operada a desclassificação para o crime previsto no art. 140, § 3º, CP (MINAS
GERAIS, 2009).
Essa desclassificação também é apontada pela doutrina:
Assim, se, por exemplo, o agente ofende sua vítima com expressões
como “preto”, ou “negro fedido”, o delito em questão é o de injúria
qualificada. Isso porque o objetivo do agente ao proferir seus
impropérios é macular a honra subjetiva do ofendido, e não a
comunidade negra em geral (LAURIA, 2006).
Ocorre que apesar de mesma pena, os dois delitos a injuria racial e o
racismo apresentam repercussões diferentes.
Nesse sentido, cabe ressaltar as diferenças desses dois tipos penais, vez que
apesar de terem penas idênticas, da diferenciação surgem consequências jurídicas
significativas (BITENCOURT, 2011). Dentre estas, destaca Silveira (2007), os
caracteres constitucionais da inafiançabilidade e da imprescritibilidade e a titularidade
para a propositura da ação penal.
Assim, os crimes raciais sujeitam-se à ação penal pública incondicionada,
cuja titularidade é do Ministério Público, enquanto o crime de injúria qualificada exige
ação penal pública condicionada à representação do ofendido, por força da modificação
feita pela Lei nº. 12.033 de 29 de setembro de 2009, ao parágrafo único do art. 145 do
Código Penal, que previa antes a ação penal de iniciativa exclusivamente privada. No
que se refere à inafiançabilidade e à imprescritibilidade, aplicam somente aos crimes
definidos na Lei 7.716/89.
Silveira (2007) esclarece que a injúria qualificada pela utilização dos
elementos raça, cor, etnia, religião, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora
de deficiência não caracteriza crime racial, e, portanto, não se trata de crime
inafiançável e imprescritível.
Segundo entendimento de Lauria (2006), considerando o tratamento
rigoroso do ordenamento jurídico brasileiro no tocante ao crime de racismo, faz-se
necessário ressaltar a diferença deste com o crime de injúria qualificada, uma vez que,
embora semelhantes, apresentam diferenças sensíveis, que importam em consequências
jurídicas importantíssimas.
Santos (2006) afirma que, enfrentando a questão, o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais manteve condenação de primeiro grau de jurisdição de um colunista de
um jornal da comarca de Ponte Nova, com base no art. 20, §2, da Lei 7.716/89.
Para melhor ilustrar a situação merece referência o caso concreto.
Publicou o autor do delito matéria contra uma professora, negra,
sindicalista local, por ter aforado ação trabalhista em face de uma
escola superior naquele município. Terminou seu artigo dizendo: A
história da Faculdade nos ensina que o teor da melanina da pele não
indica o bom ou o mau caráter das pessoas, mas ai que saudade do
açoite e do pelourinho. Dentre outros argumentos, bateu-se sua defesa
na desclassificação para crime contra a honra, injúria, destacando até o
fato de ter o autor exaltado um outro negro na mesma publicação
chamando o de “sábio” (para tentar demonstrar que não era
preconceituoso, tendo também levado testemunhas no curso da
instrução processual para dizer que mantinha bom convívio com a
comunidade negra ). Decidiu por unanimidade a 2º Câmara Criminal,
contudo em seu desfavor: “Em bom português, o réu exprimiu que as
pessoas, não importando a cor, podem ter bom ou mau comportamento
– até ai tudo bem. Em seguida expôs seu saudosismo aos antigos e
deploráveis métodos de castigo aos negros do Brasil Colonial e
Monárquico. Ora, em assim fazendo, expressou que algumas pessoas
de raça negra, que tenham ao seu entendimento, mau caráter, merecem
dito tratamento, dentre elas a Sra. E. M. (...)”. Consta da ementa: “O
crime de preconceito racial não se confunde com o crime de injúria,
na medida em que se protege a honra subjetiva da pessoa, que é o
sentimento próprio sobre os atributos físicos, morais e intelectuais de
cada pessoa, e aquele é manifestação de um sentimento em relação a
uma raça” (SANTOS, 2006).
No mesmo sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná ao julgar a
Apelação Crime nº 06644786-6 entendeu estar caracterizado o crime de induzimento ou
incitação ao racismo via internet (art. 20, §2º da Lei 7.716/89) e não o crime de injúria
qualificada (art. 140, §3º, CP).
APELAÇÃO CRIME Nº. 0664486-6 – TJP - 2º CAMÂRA CRIMINAL, REL. LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA, JULG. 24 DE
MARÇO DE 2011. - ART 20, § 2º, DA LEI Nº 7.716/89 - CRIME DE
RACISMO VIA INTERNET - PEDIDO PRINCIPAL DE
ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU FALTA DE
PROVAS - NÃO ACOLHIMENTO - ÂNIMO OFENSIVO PATENTE
- VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS - REJEIÇÃO DA
TESE DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO - AUSÊNCIA DE
HIERARQUIA DE PRINCÍPIOS - OUTROSSIM, PLEITO DE
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE INJÚRIA
QUALIFICADA E CONSEQUENTE DECLARAÇÃO DA
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - DESCABIMENTO -
DELITO QUE ATINGE A COLETIVIDADE E NÃO A UMA
PESSOA ESPECÍFICA - CRIME IMPRESCRITÍVEL NOS
TERMOS DO ARTIGO 5º, XLII, DA CONTITUIÇÃO FEDERAL -
SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS DESPROVIDOS. (PARANÁ,
2011). (GRIGO NOSSO).
De forma contrária, entendeu o mesmo Tribunal, no julgamento da Apelação
Crime de nº 0616224-9, mantendo a sentença de 1º grau que desclassificou o crime de
prática, induzimento ou incitação ao racismo (art. 20 da Lei 7.716/89) para o crime de
injúria qualificada (art. 140, §3º, CP).
APELAÇÃO CRIME Nº. 0616224-9 – TJP - 2º CAMÂRA
CRIMINAL, REL. LILIAN ROMERO, JULG. 28 DE JANEIRO DE
2010. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA PELO
PRECONCEITO. ART. 140, § 3º DO CP. DENÚNCIA QUE
QUALIFICOU A CONDUTA DA RÉ COMO DE RACISMO (ART.
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40
20 DA LEI 7.716/89). SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU O
CRIME PARA O DO ART. 140, § 3º DO CP. HIPÓTESE DE
EMENDATIO LIBELLI (ART. 383 DO CPP) E NÃO DE MUTATIO
LIBELLI (ART. 384 CO CPP). CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
CARACTERIZADO. CAPITULAÇÃO DADA PELO JUIZ
ESCORREITA. CRIME CONTRA A HONRA. AÇÃO PENAL
PRIVADA. VÍTIMA MENOR DE IDADE. NÃO EXERCÍCIO,
PELA GENITORA E REPRESENTANTE LEGAL, DO DIREITO DE
OFERECER QUEIXA-CRIME, NO PRAZO DE SEIS MESES. ART.
103, C.C. ART. 145 DO CP. DECADÊNCIA DO DIREITO
DECLARADA, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO À
GENITORA. CONDENAÇÃO AFASTADA. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE NÃO DECLARADA, COM RESSALVA DO
DIREITO DE A VÍTIMA, AO ALCANÇAR A MAIORIDADE,
PODER EXERCER O DIREITO DE OFERECER A QUEIXA-
CRIME. NOVA REDAÇÃO DADA AO PARÁGRAFO ÚNICO DO
ART. 145 DO CP PELA LEI 12.033, DE 29.09.2009. APLICAÇÃO
RETROATIVA NO CASO INVIÁVEL PORQUE SE DARIA EM
PREJUÍZO DA RÉ. RECURSO PREJUDICADO. 1. "A imputação
de termos pejorativos referentes à raça do ofendido, com o nítido
intuito de lesão à honra deste, importa no crime de injúria
qualificada pelo uso de elemento racial, e não de racismo." (STJ-6ª
Turma, RHC 18.620/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julg. 14.10.2008). [...]. (PARANÁ, 2010). (GRIFO NOSSO).
Em pesquisa feita no site do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a
Corte pouco falou sobre o assunto. Há apenas três julgados de crimes de racismo, sendo
que em dois deles o pleito de habeas corpus foi denegado e no outro houve o
recebimento de queixa-crime, conforme se depreende das jurisprudências abaixo:
HC Nº. 86452/RS – STF – 2º TURMA, REL. MIN. JOAQUIM
BARBOSA, JULG. 07 DE FEVEREIRO DE 2006. CRIME DE
INJÚRIA QUALIFICADA POR RACISMO. PRESCRIÇÃO. NÃO-
OCORRÊNCIA. CÔMPUTO DA PENA EM ABSTRATO COM
CAUSA DE ACRÉSCIMO PARA CONCESSÃO DE SURSIS.
INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO E PENA
MÍNIMA PARA CONCESSÃO DE SURSIS. ORDEM
INDEFERIDA. O réu responde aos fatos que lhe são imputados, não à
eventual capitulação destes. Não-acolhimento do parecer da
Procuradoria-Geral da República, a qual, omitindo-se acerca do
conteúdo racial da injúria explicitamente apontado na queixa-crime,
opina pelo reconhecimento da prescrição. Na espécie, a queixa-crime
abrange o crime de injúria qualificada por racismo (art. 140, § 3º, do
Código Penal). Prazo prescricional de oito anos. As causas de
acréscimo devem ser consideradas em adição à pena em abstrato, para
efeito de concessão de suspensão condicional do processo.
Precedentes. A Lei dos Juizados Especiais Federais, ao estipular que
são infrações de menor potencial ofensivo aquelas cuja pena máxima
não seja superior a dois anos, não produziu o efeito de ampliar o
limite, de um para dois anos, para o fim da suspensão condicional do
processo. Ordem de habeas corpus indeferida (BRASÍL, 2006).
INQUERÍTO Nº. 1458/RJ – STF – TRIBUNAL PLENO, REL. MIN.
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111031/lei-do-crime-racial-lei-7716-89http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111031/lei-do-crime-racial-lei-7716-89http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91622/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91577/código-civil-lei-10406-02http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91577/código-civil-lei-10406-02http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/819346/lei-12033-09
MARCO AUURÉLIO, JULG. 15 DE MARÇO DE 2003. QUEIXA-
CRIME - INJÚRIA QUALIFICADA VERSUS CRIME DE
RACISMO - ARTIGOS 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL E 20 DA
LEI Nº 7.716/89. Se a um só tempo o fato consubstancia, de início, a
injúria qualificada e o crime de racismo, há a ocorrência de progressão
do que assacado contra a vítima, ganhando relevo o crime de maior
gravidade, observado o instituto da absorção. Cumpre receber a
queixa-crime quando, no inquérito referente ao delito de racismo, haja
manifestação irrecusável do titular da ação penal pública pela ausência
de configuração do crime. Solução que atende ao necessário
afastamento da impunidade (BRASIL, 2003, a).
HC Nº. 82424/RS – STF – TRIBUNAL PLENO, REL. MIN.
MOREIRA ALVES, JULG. 17 DESETEMBRO DE 2003.
PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO.
CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA
CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES.
ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar
livros "fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias"
contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada
pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de
inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). [...] 3.
Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o
mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem
distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato
dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas,
visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há
diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos
iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças
resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse
pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a
discriminação e o preconceito segregacionista. [...]. Estigmas que por
si só evidenciam crime de racismo. [...] 7. A Constituição Federal de
1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e
repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que
fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da
sociedade nacional à sua prática. [...]. 12. Discriminação que, no caso,
se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus,
que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências
gravosas que o acompanham. [...]. 16. A ausência de prescrição nos
crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de
hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e
ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais
admitem. Ordem denegada(BRASÍL, 2003, b).
Considerando o julgamento de processos envolvendo racismo, Figueiroa
(2005) compreende que:
No que diz respeito à estratégia repressivo-punitiva para o
enfrentamento da discriminação observa-se que o crime de racismo,
não obstante figurar como inafiançável e imprescritível no texto
constitucional, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (CF, art.
5º, XLII), os estudos recentes (SILVA JR, 2006) demonstram que a
impunidade é a regra e que o mito da “democracia racial” e o racismo
institucional (SALES, 2006) também dificultam, quando não
inviabilizam por completo, a punição desses crimes. Nestes a ação
supostamente ilícita é analisada isoladamente de seu contexto
discursivo, favorecendo uma interpretação que sempre beneficia,
“inconscientemente” o agente discriminador – ou porque, considerada
como injúria qualificada (artigo 140,§ 3º. CP) possibilita, via de regra,
a decadência, quando, na maioria das vezes, a hipótese é típica do
crime de discriminação racial prevista no artigo 20 da Lei 7.716/89,
que é imprescritível e cuja titularidade da ação é do Ministério
Público.
Da mesma forma, em análise feita às decisões dos julgados, percebe-se que
em sua maioria houve a desclassificação do crime de racismo para o crime de injúria
qualificada, conforme ilustram as jurisprudências abaixo:
HC Nº 18620/PR– STJ – 6º TURMA, REL. MIN. MARIA THEREZA
DE ASSIS MOURA, JULG. 14 DE OUTUBRO DE 2008. CRIME DE
RACISMO.1.DENÚNCIA QUE IMPUTA A UTILIZAÇÃO DE
PALAVRAS PEJORATIVAS REFERENTES À RAÇA DO
OFENDIDO. IMPUTAÇÃO. CRIME DE RACISMO.
INADEQUAÇÃO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO TIPO DE
INJÚRIA QUALIFICADA PELO USO DE ELEMENTO RACIAL.
DESCLASSIFICAÇÃO. 2. ANULAÇÃO DA DENÚNCIA.
DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO. 3. RECURSO PROVIDO.
1. A imputação de termos pejorativos referentes à raça do
ofendido, com o nítido intuito de lesão à honra deste, importa no
crime de injúria qualificada pelo uso de elemento racial, e não de
racismo. 2. Não tendo sido oferecida a queixa crime no prazo de seis
meses, é de se reconhecer a decadência do direito de queixa pelo
ofendido, extinguindo-se a punibilidade do recorrente. 3. Recurso
provido para desclassificar a conduta narrada na denúncia para o tipo
penal previsto no § 3º do artigo 140 do Código Penal, e, em
consequência, extinguir a punibilidade do recorrente, em razão da
decadência, por força do artigo 107, IV, do Código Penal (BRASIL,
2008). (GRIFO NOSSO).
APELAÇÃO CRIMINAL Nº. 2009.10038950 – TJPI – 1º CAMÂRA
CRIMINAL, REL.VALÉRIO NETO CHAVES PINTO, JULG. 09 DE
MARÇO DE 2010. CRIME DE PRECONCEITO DE RAÇA.
IMPUTAÇÕES OFENSIVAS PESSOAIS. RÉU QUE DIRIGE À
VÍTIMA OFENSA LIGADA À COR DA PELÉ. TIPICIDADE.
CONDUTA TÍPICA QUE SE AMOLDA AO TIPO DO ART. 140, 3º
DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇAO. CRIME DE AÇAO
PRIVADA. AUSÊNCIA DE QUEIXA. DECADÊNCIA DO DIREITO
DE OFERECIMENTO. EXTINÇAO DA PUNIBILIDADE. 1. Tendo
o réu proferido ofensas alusivas a uma só pessoa e não a um grupo
social, pratica injúria qualificada, e não atos de racismo,
impondo-se a desclassificação para o crime do art. 140 §3º, do
Código Penal2. Tratando-se de crime de ação penal privada que
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91614/código-penal-decreto-lei-2848-40
somente se procede mediante queixa e ausente esta condição de
procedibilidade, deve ser declarada extinta a punibilidade do apelante
pela decadência do direito do oferecimento da queixa, ex vi art. 107,
IV, do Código Penal. 3. Extinção da punibilidade. Unânime (PIAUÍ,
2010). (GRIFO NOSSO).
A partir da análise dessas decisões, infere-se que da desclassificação do
crime de racismo para o crime de injúria qualificada, operou-se a decadência do direito
de queixa do ofendido, vez que na época dos fatos exigia-se ação penal privada para o
delito em questão, cuja queixa deveria ter sido feita no prazo de seis meses a contar do
conhecimento da autoria do crime, e assim, consequentemente, houve a declaração da
extinção da punibilidade do autor com base no art. 107, IV do CP. Assim sendo,
restaram impunes, todos os agentes.
Por conseguinte, Duarte (2011) afirma que:
Em quase 70% das ações por crime de racismo ou injúria racial no
país, quem ganha é o réu. O dado é parte de um estudo inédito feito
pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das
Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, a 2ª edição do Relatório das
Desigualdades Raciais, [...]. Segundo o relatório, que analisou
julgamentos em segunda instância de ações por crimes de racismo e
injúria racial nos Tribunais de Justiça de todos os estados entre 2007 e
2008, o réu venceu a ação em 66,9% dos casos, contra 29,7% com
vitória da vítima (3,4% eram de acórdãos que não eram decisões). Os
dados mostram a situação do combate ao racismo no Brasil [...]. A
punição a esse tipo de crime ganhou força a partir de 1989, com a
chamada Lei Caó (de número 7.716), mas com obstáculos para sua
aplicação mais de 20 anos depois.
De acordo com Paixão (citado por Duarte 2011), professor da Universidade
Federal do Rio Janeiro, e responsável pelo estudo:
Podemos pensar em duas hipóteses para as razões dessa maior vitória
dos réus: é um tipo de crime com dificuldade de obtenção de provas;
ou há dificuldade de compreensão do racismo como crime, e aquela
noção de que aqui teríamos uma "democracia racial" influenciaria a
decisão do juiz.
Oliveira (2009), em notícia publicada no site G1, também afirma que
segundo o entendimento dos especialistas consultados, a Lei 7.716/89 é pouco aplicada,
sendo que a maior parte dos casos de discriminação é tipificado como injúria.
Santos (2009, citado por OLIVEIRA, 2009) aponta que “há por parte dos
organismos públicos uma certa resistência em aplicar a lei que criminaliza o racismo, o
que é um grande equívoco [...].”
Por sua vez, Alvarenga (2009, citado por OLIVEIRA, 2009) assevera que:
Há um grau de dificuldade em tipificar o crime de racismo pelas
autoridades policiais, por parte de alguns integrantes do
Ministério Público e pela magistratura. Porque é um crime que
se entende que a pena é alta pelo delito e que suas repercussões
podem ser excessivas para quem cometeu. Então, muitas vezes,
se entende por tipificar como delito de injúria.
Corroborando, Santos (2009, citado por OLIVEIRA, 2009) atribui como
fator determinante para a baixa aplicação da lei à ausência de qualificação dos
envolvidos nos processos judiciais e investigativos.
O que ocorre é que o agente, o funcionário de segurança, quando faz o
registro da ocorrência, ele acaba recorrendo ao ato de injúria, quando
na verdade a qualificação como racismo tem uma penalidade mais
dura. Então o que falta, a meu ver, é uma qualificação dos agentes
públicos para tratar de atos de racismo." Para o ministro, isso
"estimula" casos de preconceito (SANTOS, 2009, citado por
OLIVEIRA, 2009).
Desta forma, Figueiroa (2005) compreende que:
Observa-se que não obstante a existência de um aparato legislativo
(constitucional e infraconstitucional) determinadas medidas
repressivo-punitivas e compensatórias no combate ao racismo, as
instituições governamentais, de um modo geral, e as instituições
jurídicas em especial, não tem dado efetividade esses princípios e
normas.
Como foi visto, e em que pese a CRFB/88 ter estabelecido que o crime de
racismo não esta sujeito a fiança e à prescrição, na prática, verifica-se que as ações
mormente são caracterizadas como injúria qualificada, e desta forma, entende-se não
haver a aplicação da Lei 7.716/89, ora em vigor.
Em que pese existir um aparato legislativo vigente no ordenamento jurídico
brasileiro, somado aos diplomas internacionais, todos criados com o deslinde de extirpar
toda e qualquer forma de preconceito e discriminação racial, estes ainda se encontram
presentes, arraigados na sociedade, derrubando o mito da democracia racial existente no
Brasil.
Silveira (2007, p.35) observa que “o racismo tem sua existência
frequentemente negada, ou não é assumido problematicamente como práxis (no máximo
eventual ou episódica), ou não é confessado como sentimento pessoal (mas que está no
outro!)”.
Gomes (2001, p. 92) por sua vez, entende que “o racismo na Brasil é um
caso complexo e singular, pois ele se afirma por meio de sua própria negação. Ele é
negado de forma veemente, mas mantém se presente no sistema de valores que regem o
comportamento da nossa sociedade”.
Valente (1997, p.7 e 8) corrobora afirmando que:
O duro é admitir que o racismo está presente entre nós, brasileiros, e
que o negro é uma das suas vítimas prediletas. E não são poucos
aqueles que, neste país, negam a existência do racismo. Negativa que,
ao servir de camuflagem, reproduz uma situação de fato. Do mesmo
modo como é insistentemente negado, o racismo manifesta-se nas
ocasiões mais corriqueiras. Uma prova disso são as piadinhas que
inferiorizam o negro, indispensáveis nas conversas informais. Elas
veiculam mensagens estereotipadas, denunciando o preconceito que,
em algum momento, pode vir acompanhado de atitudes
contundentemente discriminatórias.
A autora (1997, p.49) ainda comenta a seguinte frase: “um negro parado é
suspeito; correndo é culpado”, dita pelas pessoas com a intenção de menosprezar,
ridicularizar o negro.
Isso não é brincadeira. Essa frase tem pautado a ação da polícia no
país. O negro é sistematicamente perseguido pela polícia. Mesmo nos
procedimentos de rotina, como nas chamadas “batidas”, os negros e
seus descendentes são os mais visados. Para não serem presos, devem
apresentar a carteira de trabalho assinada. Mas com existem muitos
negros desempregados, estes vão parar na cadeia mesmo, “sem
discussão” (VALENTE, 1997, p. 49)
Destarte, Carneiro (1998) assevera que no Brasil há um racismo camuflado,
disfarçado de democracia racial, racismo este que é traiçoeiro, pois não se sabe
exatamente de onde vem.
Valente (1997) observa que a figura do negro é estereotipada, uma vez que
estes são sempre considerados como ignorantes, perigosos, sujos, e apresentados nos
meios de comunicação como pessoas imorais e desqualificadas.
O fato é que, no mundo todo, pessoas continuam a ser discriminadas em
virtude de suas convicções políticas, religiosas, orientações sexuais, condições sociais,
e, inequívoca e de uma maneira mais visível, por suas raças (fenotipicamente
consideradas, ao menos). (FIGUEIROA, 2005).
Segundo entendimento de Alvarenga (2009, citado por OLIVEIRA, 2009):
"o Brasil, na verdade, é um país racista e não está preparado para ver o negro em uma
situação boa. Seja para andar em carro bom ou ter um cargo de destaque. O Brasil não
assimilou que o negro luta pela sua condição.”.
Santos (2009, citado por OLIVEIRA, 2009), que na época da entrevista era
Ministro da Igualdade Racial, afirmou que, por ser negro, já foi vítima do preconceito e
ainda sofre discriminação, e complementou: “acho que existe um certo despreparo da
sociedade brasileira para encarar um negro em funções que normalmente não são
desempenhadas por negros. Eu mesmo, como ministro, tem situações em que pessoas
se assustam quando digo que sou ministro”.
Portanto, não há como negar que o racismo encontra-se presente na
sociedade, e se apresenta ora inconsciente ou explicitamente nas suas relações, no
comportamento do homem, que tanto julga e discrimina.
Desta forma, Gomes, (2001, p.87) afirma que ainda falta muito para as
pessoas compreenderem que o fato de serem diferentes umas das outras é o que mais as
aproxima e o que as tornam mais iguais.
“Vê-se, portanto, que infelizmente, a isonomia e o ideal e igualdade estão,
na prática longe de serem atingidos, mas é inquestionável a necessidade de se continuar
lutando pelo sonho. O mesmo sonho de Martin Luther King” (Santos, 2006).
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a análise da jurisprudência pátria e com fundamento na pesquisa
bibliográfica em títulos especializados foi possível identificar que o crime de racismo,
no Brasil, apresenta características ímpares no que se refere à sua identificação e
incriminação.
Um dos pontos de divergência trata-se da desclassificação da conduta
tipificada como racismo para a conduta tipificada como injúria racial. Pela análise
realizada verifica-se que a desclassificação apontada é recorrente em razão das
características das condutas inicialmente indicadas como racismo.
Desta forma, no tocante a capitulação das condutas observou-se haver
dificuldade no enquadramento destas como sendo crime racial, especificamente do tipo
previsto pelo art. 20 da Lei 7.716/89 ou o crime de injúria racial. Assim, tem-se
percebido que a maioria dos casos de racismo são desclassificados para o crime de
injúria racial.
O que se observa é que estas condutas perdem as características do tipo,
quando analisadas as condições do caso concreto, uma vez que a ofensa nos crimes de
racismo está “relacionada à injúria coletiva indeterminada quanto aos sujeitos passivos”
do delito, assim como descreve Silveira (2007). Sendo que, na maioria dos julgados
identificados a conduta foi entendida como sendo ofensa da honra de pessoa certa e
determinada, ou seja, “a imputação de termos pejorativos referentes à raça do ofendido,
com o nítido intuito de lesão à honra deste, importa no crime de injúria qualificada pelo
uso de elemento racial, e não de racismo” entendimento predominante no judiciário e
cristalizado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Outro ponto que merece destaque se relaciona com a inovação promovida
pela entrada em vigor da Lei 9.459, em 13 de maio de 1997, que modificou os artigos 1º
e 20º, da Lei 7.716/89 e, acrescentou o parágrafo 3º, ao art. 140 do Código Penal
Brasileiro.
Ao contrário da suposta não incriminação do racismo sugerida pela
qualificação do crime de injúria. É importante destacar que a alteração promovida pela
Lei 9459/1997, veio corroborar com a incriminação de condutas que, apesar de não
consideradas como racismo, estão intimamente relacionadas aos designativos de raça,
cor e etnia
O surgimento da injúria qualificada diminuiu a incidência de
desclassificação dos crimes de racismo para os crimes de injúria simples, prevista pelo
art. 140 do Código Penal Brasileiro, com pena de um a seis meses e multa, podendo o
juiz deixar de aplicar a pena em determinados casos.
Portanto, verifica-se que ordenamento jurídico sofreu significativa alteração
e a incriminação das condutas ligadas ao crime de racismo, veio corroborar para a
punição de condutas até então, penalizadas de forma insatisfatória em relação ao dano
social que provocam.
Além das figuras tipificadas como racismo e da desclassificação para o
crime de injúria qualificada pelas ofensas dirigidas à raça do ofendido, é importante
destacar a incidência dos crimes de racismo praticados através das redes sociais. Nesses
casos, observou-se que as condutas descritas pela Lei 7.716/89, são facilmente
identificadas e os autores punidos.
O presente trabalho proporcionou identificar as principais características do
crime de racismo, em e