24
79 ©LIDEL EDIÇÕES TÉCNICAS Radiações e Electricidade Cap. 7 Margarida Gonçalo, Maria Filomena Botelho 7.1 Introdução 7.2 Radiação Ultravioleta e Infravermelha 7.2.1 Alvos Moleculares e Celulares da Radia- ção Ultravioleta 7.2.2 Efeitos Fotobiológicos da Radiação Ultra- violeta 7.2.3 Mecanismos de Defesa Natural e Adap- tativa da Pele 7.3 Radiação Ionizante 7.3.1 Interacção da Radiação Ionizante com a Matéria 7.3.2 Acções Biológicas 7.3.3 Lesões Moleculares por Radiação 7.3.4 Efeitos Celulares 7.3.5 Radiossensibilidade das Células e dos Órgãos 7.3.6 Síndrome de Irradiação Aguda 7.4 Radiação Electromagnética 7.4.1 Efeitos Biológicos 7.4.2 Campos de Baixa Energia 7.4.3 Linhas de Alta Tensão 7.1 INTRODUÇÃO A radiação é uma forma de energia cons- tituída por partículas que se deslocam a grande velocidade ou por radiação electro- magnética. A radiação electromagnética é constituída por quantidades discretas de energia, que são compostas por dois campos oscilantes, um eléctrico e outro magnético, mutuamen- te perpendiculares e perpendiculares à di- recção de propagação da onda. A radiação electromagnética é caracterizada pela fre- quência (f), que corresponde ao número de oscilações ou ciclos por unidade de tempo. A unidade de frequência chama-se Hertz (Hz) ou ciclo por segundo e define-se como a frequência de um fenómeno ondulatório cujo período é 1 seg. Uma das características dos fotões é que todos se deslocam com a mesma veloci- dade (v). A distância, na direcção da propa- gação através da qual os campos eléctri- cos e magnéticos fazem uma oscilação completa, chama-se comprimento de onda (λ). A relação entre a velocidade da luz, com- primento de onda e frequência, é: v = λ f. A energia de um fotão depende da frequên- cia da oscilação: E = h f = hv/λ onde h é a constante de Planck (6.62618x10 -34 J·s). As ondas electromagnéticas percorrem no vazio 2.99792x10 8 m/s, que é conhecido como velocidade da luz. Todas estas formas de radiação se distri- buem por um espectro de energias, que vão desde as ondas de rádio (as menos ener- géticas – maior comprimento de onda), as microondas, a radiação infravermelha (RIV), a radiação visível, a radiação ultravioleta (RUV), os raios X, os raios γ até aos raios cósmicos (os mais energéticos – menos com- primento de onda) (Figura 7.1).

Radiações e Electricidade - rihuc.huc.min-saude.ptrihuc.huc.min-saude.pt/bitstream/10400.4/1338/1/2007 - Radiações... · Radiações e Electricidade 79 ©L ... mecanismos de reacção

Embed Size (px)

Citation preview

Radiações e Electricidade

79

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

Radiações e Electricidade

Cap. 7Margarida Gonçalo, Maria Filomena Botelho

7.1 Introdução

7.2 Radiação Ultravioleta e Infravermelha

7.2.1 Alvos Moleculares e Celulares da Radia-

ção Ultravioleta

7.2.2 Efeitos Fotobiológicos da Radiação Ultra-

violeta

7.2.3 Mecanismos de Defesa Natural e Adap-

tativa da Pele

7.3 Radiação Ionizante

7.3.1 Interacção da Radiação Ionizante com aMatéria

7.3.2 Acções Biológicas

7.3.3 Lesões Moleculares por Radiação

7.3.4 Efeitos Celulares

7.3.5 Radiossensibilidade das Células e dos

Órgãos

7.3.6 Síndrome de Irradiação Aguda

7.4 Radiação Electromagnética

7.4.1 Efeitos Biológicos

7.4.2 Campos de Baixa Energia

7.4.3 Linhas de Alta Tensão

7.1 INTRODUÇÃO

A radiação é uma forma de energia cons-tituída por partículas que se deslocam agrande velocidade ou por radiação electro-magnética.

A radiação electromagnética é constituídapor quantidades discretas de energia, quesão compostas por dois campos oscilantes,um eléctrico e outro magnético, mutuamen-te perpendiculares e perpendiculares à di-recção de propagação da onda. A radiaçãoelectromagnética é caracterizada pela fre-quência (f), que corresponde ao número deoscilações ou ciclos por unidade de tempo.A unidade de frequência chama-se Hertz(Hz) ou ciclo por segundo e define-se comoa frequência de um fenómeno ondulatóriocujo período é 1 seg.

Uma das características dos fotões é quetodos se deslocam com a mesma veloci-dade (v). A distância, na direcção da propa-gação através da qual os campos eléctri-cos e magnéticos fazem uma oscilação

completa, chama-se comprimento de onda(λ ).

A relação entre a velocidade da luz, com-primento de onda e frequência, é:

v = λ f.

A energia de um fotão depende da frequên-cia da oscilação:

E = h f = hv/ λ

onde h é a constante de Planck (6.62618x10-34

J·s).

As ondas electromagnéticas percorrem novazio 2.99792x108 m/s, que é conhecidocomo velocidade da luz.

Todas estas formas de radiação se distri-buem por um espectro de energias, que vãodesde as ondas de rádio (as menos ener-géticas – maior comprimento de onda), asmicroondas, a radiação infravermelha (RIV),a radiação visível, a radiação ultravioleta(RUV), os raios X, os raios γ até aos raioscósmicos (os mais energéticos – menos com-primento de onda) (Figura 7.1).

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

80

A radiação não ionizante é aquela quenão transporta energia suficiente para re-mover electrões da sua camada electró-nica. Exemplos deste tipo de radiação sãoas microondas ou a luz visível.

A radiação ionizante é a radiação que trans-porta energia suficiente para, durante umainteracção com o átomo, remover electrõesda sua camada electrónica, fazendo comque o átomo fique carregado ou ionizado.Exemplos deste tipo de radiação são osraios X ou os raios γ.

7.2 RADIAÇÃO ULTRAVIOLETA (RUV)E INFRAVERMELHA (RADIAÇÃO SO-LAR)

A principal fonte de exposição natural docorpo humano à RUV é a radiação solar.Existem, ainda, fontes artificiais de exposi-ção à RUV que podem ser significativas emtermos patogénicos, nomeadamente emambientes profissionais (em técnicas de im-

FIGURA 7.1 Espectro da radiação electromagnética.

pressão e artes gráficas, em processos desoldadura, em áreas de esterilização e de-sinfecção, em laboratórios e dispositivosmédicos) e no meio médico (fototerapia) ecosmético (solários).

A radiação solar que atinge a superfícieterrestre compreende a radiação visível (400a 800 nm), a RIV (> 800 nm), responsávelessencialmente pelo efeito térmico, e aRUV. Desta, a RUV-C de comprimento deonda inferior a 290 nm é completamente fil-trada pela camada de ozono, pelo que, emcondições naturais, o corpo humano estáapenas exposto à RUV-B (290 a 320 nm) eRUV-A (320 a 400 nm). A RUV representaapenas 5 a 10% da energia que atinge asuperfície do planeta mas, dada a sua mai-or carga energética, é aquela cujos efeitosfotobiológicos são mais marcados e aquelaque mais efeito deletério pode causar. Es-tes efeitos dependem da qualidade e quan-tidade relativa da RUV recebida, da área docorpo atingida, do tempo de exposição e dosmecanismos de reacção individual à agres-

Raios-X(10-11 10-8)Raios-cósmicos

(10-27 10-12)

Ultravioletas(10-8 3x10-7)

Raios-γ(10-12 10-10)

Infravermelho(7,5x10-7 10-3)

Microondas(10-4 1)

Ondas de rádio(10-1 103)

Ondas de rádio longas(103 109)

10-12 10-8 10-4 1 104 108

l, m

Visível(3,8x10-7 7,5x10-7)

Radiações e Electricidade

81

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

Agente de Stresse

SNS

Sistema Neuronal daHormona CRH

Sistema doLocus Coeruleus - SNS

Resposta aoStresse

são solar. A quantidade total de RUV e asquantidades relativas de RUV-A e B variamao longo do dia, da estação do ano, da lati-tude e altitude e das superfícies reflectorasque nos rodeiam. No zénite, 5% da energiaUV é RUV-B, percentagem que diminui àmedida que o sol se afasta do zénite e quenos afastamos do equador. Ao inverso,a RUV-B aumenta cerca de 20% por cada1 500 m de altitude acima do nível do mar.A reflexão da RUV pelo solo ou outras su-perfícies ambientais pode atingir 15 a 30%na areia e 80 a 90% na neve.

Os órgãos de interface do organismo coma energia solar são a pele e o olho, e é daestimulação de moléculas fotorreceptoras(cromóforos) a estes níveis que ocorremefeitos fisiológicos e fisiopatológicos locaisou sistémicos. O olho e, através deste, océrebro são órgãos alvo da radiação visí-vel e que controlam os ritmos circadianose o estado do humor, através da síntese demelatonina epifisária. O olho, parcialmen-te protegido da RUV pelas pálpebras, podeser sede de queratites induzidas pela expo-sição aguda à RUV-B ou RUV-C e, por ex-posição crónica, sofre fotoenvelhecimento,com o aparecimento, por exemplo, de ca-taratas e pterigium.

7.2.1 Alvos Moleculares e Celularesda RUV

Na pele, a RUV penetra a profundidade di-ferente consoante o comprimento de onda.A RUV-B dispersa mais de 90% da energiaa nível da epiderme, a RUV-A perde cercade 50% da energia nas células epidérmicasmas penetra profundamente na derme e aRIV atinge a hipoderme. São, assim, afecta-dos pela RUV ceratinócitos, células de Lan-gerhans, melanócitos, fibroblastos, célulasendoteliais, linfócitos-T e mastócitos. No nú-cleo, citoplasma e membranas destas célu-las existem moléculas que absorvem e sãoespecificamente excitadas pela energia elec-tromagnética da RUV, sofrem reacções foto-

químicas (fotoadições, fotoisomerizações,dissociação em fotoprodutos estáveis ouinstáveis) ou perdem a energia recebida soba forma de calor, fluorescência ou fosfo-rescência. Os principais cromóforos natu-rais da pele são as bases do ADN e ARN(particularmente as pirimidinas), aminoácidosaromáticos (triptofano, histidina, tirosina),esteróides (7-dehidrocolesterol), ácidos gor-dos insaturados, NADH e flavinas. Ocasio-nalmente, outras moléculas fotossensíveistransitoriamente presentes na pele (fárma-cos, porfirinas da degradação do heme)podem, pela capacidade de absorver e con-centrar maior quantidade de energia, acen-tuar os efeitos fotobiológicos da RUV.

Uma das marcas bioquímicas da agressãoUV é a formação de dímeros de pirimidinas,em que duas bases adjacentes na cadeia deADN fazem fotoadições estáveis (habitual-mente formando ligações do tipo ciclobu-tano entre timina-timina, citosina-citosinaou citosina-timina), modificando o ulteriorreconhecimento do gene codificado poraquele conjunto de bases. A RUV interferedirectamente com os factores de transcriçãonuclear, NF-kB e AP-1, que sofrem trans-locação para o núcleo e promovem a trans-crição de genes de factores de crescimen-to, citocinas, receptores celulares e enzimas(metaloproteinases e colagenases), o queconfere novas características funcionais àscélulas. Espécies reactivas de oxigénio indu-zidas pela RUV-B e A são também respon-sáveis pela resposta cutânea à exposiçãosolar:

• Libertação de ácido araquidónico esíntese de prostaglandinas a partir defosfolípidos da membrana celular,principais responsáveis pelo eritemasolar.

• Aumento do diacilglicerol (DAG) queactiva a proteína cinase C (PKC) e regulaa proliferação e diferenciação celular.

• Peroxidação lipídica de membranas ce-lulares, nucleares, lisossomais e mito-condriais.

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

82

• Ocasionalmente, oxidação de bases pú-ricas com rupturas na cadeia de ADN.

Da excitação destas moléculas pela RUV eda resposta das células cutâneas-alvo, re-sultam os efeitos fotobiológicos da radiaçãosolar, uns benéficos outros deletérios, queocorrem de forma precoce, retardada ou alongo prazo.

7.2.2 Efeitos Fotobiológicos

Efeitos Imediatos

Os efeitos precoces, em regra benéficos,consistem na produção de calor, dependen-te sobretudo da RIV, na síntese de pré-vita-mina D3 a partir do 7-dehidrocolesterol dosceratinócitos basais sob o efeito da RUV-Be na pigmentação imediata. Esta pigmenta-ção resulta da oxidação dos percursores damelanina e transferência e dispersão dosmelanossomas nos ceratinócitos sob o efei-to da RUV-A, é transitória (< 24 horas) e nãoconfere protecção contra uma exposiçãosolar adicional.

Efeitos Retardados

Nas horas e dias seguintes a uma exposi-ção solar aguda surgem efeitos retardados,como o eritema solar, a pigmentação tardia,a proliferação epidérmica e a imunossupres-são.

Eritema Solar

O eritema solar, vermelho vivo e doloroso,atinge a máxima intensidade pelas 24 ho-ras e pode associar-se a manifestações sis-témicas como febre, mal-estar geral, náu-seas e vómitos, completando assim o qua-dro do “golpe de sol”. Estas alterações, de-pendentes essencialmente da RUV-B, ocor-rem na sequência da activação do NF-kB ede lesões do ADN (dímeros de timina) dascélulas epidérmicas e libertação de media-dores inflamatórios dos ceratinócitos, comoprostaglandinas (PgD2 e PgE2) e citocinas

(IL-1, IL-6, IL-8, TNF-α). Quando difundempara a circulação sanguínea estes mediado-res causam efeitos sistémicos (“golpe de ca-lor”) e, na derme, provocam vasodilataçãoe aumento da permeabilidade capilar,turgescência e aumento da expressão demoléculas de adesão nas células endoteliaise infiltração celular, inicialmente de neutró-filos e posteriormente de linfócitos-T. Amarca histológica da agressão UV é a pre-sença, na epiderme, de sunburn cells, cerati-nócitos que sofreram apoptose dependenteda proteína p53 quando as alterações doADN ultrapassam a capacidade de reparaçãoda célula. Em situações de agressão extrema,além da morte de ceratinócitos, a inflamaçãodérmica provoca edema e descolamentodermo-epidérmico, traduzido clinicamentepor vesículas ou bolhas de conteúdo citrinoe, nos dias seguintes, descamação em lame-las epidérmicas secas, mais ou menos es-pessas e de coloração acastanhada. Aindaque estes efeitos sejam atribuídos quaseexclusivamente à RUV-B, é importante ocontributo adicional da RUV-A que lesa apele de forma mais retardada e mais pro-fundamente. Este efeito torna-se evidentenuma exposição selectiva aos RUV-A (solá-rios) ou após intensa exposição solar sobfotoprotectores que filtram essencialmentea RUV-B (Figura 7.2).

Pigmentação Tardia

Paralelamente, ocorrem alterações nos me-lanócitos traduzidas clinicamente por au-mento da pigmentação, que se inicia pelas48 horas e persiste durante semanas. Osmelanócitos são afectados por acção di-recta dos RUV e por efeito dos ceratinócitosvizinhos. Em resposta à agressão do ADNdos ceratinócitos e à libertação de citocinase hormona melanoestimulante (MSH – mela-nocyte stimulating hormone), os melanócitosaumentam a expressão de receptores paraa MSH e esta hormona induz toda umasequência de fenómenos que conduzem aoaumento da pigmentação cutânea: síntese de

Radiações e Electricidade

83

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

melanina a partir da tirosina, acumulação demelanina nos melanossomas, transporte dosmelanossomas ao longo dos prolongamentosdos melanócitos e transferência para osceratinócitos, onde os melanossomas se dis-põem de forma a proteger o núcleo dos ce-ratinócitos basais de ulteriores agressões so-lares (Figura 7.2).

A melanina, nomeadamente a eumelaninaou melanina castanha, absorve e dispersa

a RUV e actua como scavenger de radicaislivres. Desta forma, a hiperpigmentação re-tardada surge como resposta à agressãodo ADN mas tem um efeito fotoprotectorem particular nos indivíduos de fototipo maiselevado. Nos indivíduos de fototipo maisclaro (ruivos), em que predomina a feo-me-lanina ou melanina vermelha, este efeito émuito menos marcado pois esta melaninarica em cisteína poderá ser uma fonte adi-cional de radicais livres.

FIGURA 7.2 Efeitos da exposição à RUV B e A: A – o eritema solar resultan-te de citocinas e PG libertadas pelos ceratinócitos; B – a hiperproliferaçãoepidérmica que aumenta a espessura da epiderme e protege de futurasexposições à RUV; C – as alterações da célula de Langerhans com perda dasua eficácia como célula apresentadora de Ags; e D – activação dosmelanócitos com aumento da pigmentação da pele.

Célula Langerhans

Imunossupressão

Melanócitos

Pigmentação

Síntese melaninaTransferência melanossomas

Ceratinócitos

Hiperproliferação

Eritema solarGolpe de sol

UVB

UVA

A

B

C

D

Alteração estrutural Migração para gânglios Modificação função APC Linf Th2 Tolerância

> ReceptoresEGF; PKC

Agressão ADNSunburn cells

TNF-αIL-1,6,8PgE2

Síntese Vit D3

TNF-αIL-10PgE2

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

84

Proliferação Ceratinocitária

Também com o intuito de melhorar a protec-ção contra ulteriores exposições, nos diasseguintes à exposição solar, os ceratinócitosaumentam a sua proliferação, o que conduza um aumento da espessura da epiderme, emparticular da camada córnea, um dos obstá-culos mais significativos à penetração cutâ-nea da RUV. Dependente essencialmente daRUV-B, nas horas seguintes à exposição so-lar, os ceratinócitos aumentam a expressãode receptores para o factor de crescimentoepidérmico, libertam ácido araquidónico eDAG das membranas celulares agredidas eactivam o sistema da PKC e as enzimas re-guladoras da proliferação celular, como aornitina descarboxilase (Figura 7.2).

Fotoimunossupressão

Nas horas e dias seguintes, em resposta àRUV-B e A, inicia-se uma fase de imunos-supressão de duração difícil de estabelecer noHomem, mas que pode atingir duas a três se-manas. A pele, órgão imunológico por exce-lência e que nos protege na interacção como ambiente, torna-se incapaz de reagir de for-ma adequada a neo-antigénios cutâneos for-mados pela agressão solar ou a antigéniosexógenos aplicados na pele. Na sequência dalesão do ADN e de citocinas libertadas pelosceratinócitos (interleucina-10 (IL-10)), as célu-las de Langerhans, as principais células cutâ-neas apresentadoras de antigénios, sofremalterações estruturais e funcionais (perda dedendritos, redução da expressão de molécu-las HLA (human leucocyte antigen), de molé-culas de adesão e de co-estimulação) e aban-donam a epiderme em direcção aos gânglioslinfáticos. O sistema imunitário da pele tor-na-se, assim, incapaz de apresentar novosantigénios e activar linfócitos Th1 eficazesna hipersensibilidade retardada e de con-tacto e na resposta a antigénios tumoraise microbianos, e favorece a indução de umatolerância imunológica específica aos anti-génios apresentados nesse momento a ní-vel cutâneo.

O ácido urocânico, metabolito da histidinapresente na camada córnea, sofre foto-isomerização em ácido cis-urocânico e,directamente ou por intermédio do ambien-te de citocinas cutâneas libertadas na suapresença (aumento de IL-10 e redução deIL-12), favorece respostas imunológicas dotipo Th2, contribuindo também para a imu-nossupressão (Figura 7.2).

Com doses elevadas de RUV, o efeito imu-nossupressor ocorre não só no local irra-diado mas também na pele não exposta e anível sistémico. Este efeito imunossupressorjustifica a eficácia da fototerapia em pato-logias imunologicamente mediadas como apsoríase, a dermatite atópica e a doença doenxerto versus hospedeiro. A sensibilidadedos linfócitos-T à RUV, eventualmente po-tenciada pela presença de cromóforos exó-genos, é também a base da fotoforese extra-corporal utilizada no tratamento de linfomas.

Efeitos Fotobiológicos a Longo Prazo

Os efeitos tardios – o fotoenvelhecimento ea fotocarcinogénese – resultam da exposiçãocrónica e repetida à radiação solar, por ummecanismo cumulativo, dependente da dosetotal de radiação recebida, mas tambémdos mecanismos de fotoprotecção naturaldo indivíduo. Ocorrem ao fim de anos oudécadas.

Fotoenvelhecimento

O fotoenvelhecimento é uma forma particu-lar de envelhecimento que modifica e se so-brepõe ao envelhecimento cronológico dapele. Manifesta-se, nos indivíduos de fototipoclaro por atrofia da pele, rugas finas, eritemacom telangiectasias e alterações da pigmen-tação (efélides, lêntigos, hipopigmentação emgotas e pseudocicatrizes amelanóticas) e nosindivíduos de pele mais escura, essencial-mente por hiperpigmentação difusa, pele ru-gosa, sem brilho, espessada por acumulaçãode material elastótico de coloração amarela-da na derme e rugas mais profundas.

Radiações e Electricidade

85

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

Do ponto de vista histopatológico o foto-envelhecimento caracteriza-se por uma rec-tificação da junção dermo-epidérmica comatrofia da epiderme, desorganização arqui-tectural e displasia dos ceratinócitos e distri-buição irregular dos melanócitos. Nas papi-las dérmicas, ricas em glicosaminoglicanose pobres em células, acumulam-se massasamorfas basofílicas de material elastóticoconstituído por fibras de tecido colagénicoespessado e hiperplásico misturado comelastina e outras proteínas microfibrilhares,que conferem à pele fotoenvelhecida rugo-sidade e tonalidade amarelada.

O fotoenvelhecimento cutâneo resulta deum conjunto complexo de efeitos da agres-são repetida e cumulativa da RUV-A, e emmenor grau da RUV-B e RIV:

• Alterações na expressão de genes, comdisplasia progressiva e apoptose pre-coce de ceratinócitos e melanócitos.

• Degradação progressiva de proteínas,lípidos e ADN provocado por espéci-es reactivas de oxigénio.

• Síntese de elastina e colagénio anóma-los pelos fibroblastos.

• Produção de metaloproteinases que de-gradam o colagénio e elastina, a quese adiciona o efeito de enzimas pro-teolíticas de neutrófilos e macrófagosque repetidamente são chamados à peleem resposta à agressão da RUV.

Fotocarcinogénese

A indução de lesões pré-neoplásicas e neo-plásicas cutâneas pela exposição à RUV éconhecida desde longa data e apoiada emdados epidemiológicos e modelos experi-mentais in vitro e in vivo.

A neoplasia mais frequentemente relacio-nada com a exposição crónica à RUV é ocarcinoma basocelular (CBC), a mais fre-quente e menos agressiva das neoplasiascutâneas. Contudo, é no carcinoma espi-nhocelular (CEC) que se encontra mais re-gularmente a “assinatura” da agressão UV

(mutações relacionadas com os dímeros detimina) e que o mecanismo fotocarcinogé-nico, sobretudo da RUV-B, está mais bemcaracterizado. Tanto nas lesões percurso-ras, a queratose e queilite actínicas, comono CEC detecta-se a mutação da proteínap53 típica da agressão UV e existem mode-los animais experimentais reprodutíveis deindução de lesões pré-neoplásicas e de CECpela exposição repetida aos RUV.

O melanoma maligno (MM), a neoplasiacutânea de pior prognóstico cuja incidênciaaumentou nas últimas décadas do séculoXX, relaciona-se também com a RUV, masos modelos experimentais, nomeadamenteos poucos modelos reprodutíveis in vivo, nãoexplicam ainda completamente o mecanis-mo fotocarcinogénico envolvido. Os dadosepidemiológicos relacionam o MM essencial-mente com exposições agudas intermiten-tes associadas a queimadura solar ocorridasna infância ou adolescência em indivíduos defototipo mais claro e apontam para o con-tributo particular da RUV-A, em solários eem férias de praia com protectores solareseficazes essencialmente face à RUV-B: estesevitam o eritema solar, anulando o principalsinal de alarme de exposição solar excessiva,e permitem prolongar a exposição à RUV(Figura 7.3).

A RUV tem um potencial carcinogénico com-pleto (indutor e promotor), sendo vários osmecanismos fisiopatológicos que conduzemà neoplasia. A RUV provoca lesões no ADN,por acção directa (dímeros de pirimidinas)ou indirecta através das espécies reactivasde oxigénio (8-desoxiguanina e ruptura dacadeia de ADN). Algumas lesões do ADNtraduzem-se na perda da funcionalidade degenes supressores de tumores ou na ampli-ficação de oncogenes. Por exemplo, os dí-meros de pirimidina afectam o gene quecodifica a proteína p53 que perde a sua fun-cionalidade, tornando-se incapaz de induzira apoptose das células mais lesadas ou deparar o ciclo celular na fase G1 necessário àreparação das lesões genéticas.

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

86

O DAG e PKC activados pela RUV promovema proliferação celular, incluindo a das célulasportadoras de dano genético que, assim, per-petuam as mutações fotoinduzidas.

O efeito imunossupressor da RUV desempe-nha também um papel importante na manu-tenção e proliferação das neoplasias cutâ-neas fotoinduzidas, em particular do CEC.Apesar de altamente antigénicos, os tumoresfotoinduzidos não são rejeitados e crescemde forma mais marcada no ratinho irradiadocom RUV-B. No Homem, a resposta imuni-tária antitumoral dependente da célula T estábem patente no aumento do número e agres-sividade dos CEC em áreas foto-expostas emindivíduos sob imunossupressão iatrogénicapor transplante de órgãos sólidos. Os indiví-duos com neoplasias cutâneas foto-induzidasparecem mais sensíveis à foto-imunossupres-são, pois não se sensibilizam a novos antigé-nios aplicados na pele irradiada e não de-

senvolvem hipersensibilidade de contacto ouretardada face a esses novos antigénios.

Em resumo, a RUV induz mutações que atin-gem genes supressores tumorais ou onco-genes, promove a proliferação das célulaslesadas e evita uma resposta imunitária ade-quada aos antigénios tumorias (Figura 7.3).

7.2.3 Mecanismos de Defesa daPele contra os RUV: Naturais eAdaptativos

Existem mecanismos naturais que reduzema chegada da RUV às áreas ou células maissensíveis do corpo:

• As pálpebras impedem a agressão UVao globo ocular.

• A pilosidade cutânea, em particular ocabelo, protege a área da pele que deoutra forma estaria mais exposta à RUV.

FIGURA 7.3 Efeito carcinogénico da RUV. A – os ceratinócitos sofrem muta-ções do ADN (dímeros de pirimidinas, em particular dímeros de timina-TT) quealteram os genes que codificam a proteína p53 e, mesmo com mutações, osceratinócitos são induzidos a proliferar (B); num ambiente de imunossupressãofotoinduzido em que os antigénios expressos pelos ceratinócitos com mutaçõesnão são convenientemente reconhecidos pelo sistema imunitário (C).

Alterações p53

TTTTTT

UVB

UVA

A-Fotomutagénese

B-Proliferação epidérmica

C-Imunossupressão

Défice vigilância antitumoral

Radiações e Electricidade

87

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

• A camada córnea filtra uma grande per-centagem da RUV protegendo as cé-lulas mais profundas da epiderme.

• A melanina absorve e dispersa a ener-gia da RUV ao longo da epiderme.

O equipamento anti-radicalar e os sistemasreparativos do ADN (endonucleases, liga-ses, ADN polimerases e exonucleases) mi-noram a agressão celular ou, perante a suaincapacidade, induzem a apoptose das cé-lulas lesadas.

Após a irradiação, a pele desenvolve me-canismos que aumentam a sua protecçãonatural à RUV, como sejam o espessa-mento da camada córnea por hiperproli-feração ceratinocitária e a pigmentação re-tardada por aumento da síntese e redis-tribuição da melanina.

São vários os exemplos da potenciação doefeito fotobiológico da RUV na falta destesmecanismos naturais de defesa:

• Exagero do eritema solar no indivíduoalbino (sem melanina) ou nas áreas devitiligo (áreas sem pigmentação cutâ-nea por lesão dos melanócitos).

• Lesões pré-neoplásicas (queratoses ac-tínicas) e neoplásicas do couro cabe-ludo em indivíduos calvos cronicamen-te expostos ao sol.

• Aumento de número e gravidade deneoplasias cutâneas e cegueira pre-coce em indivíduos com xerodermapigmentoso, doença com défice gené-tico de endonucleases responsáveispela reparação dos dímeros de pirimi-dinas e em que a fotoimunossupressãoé mais marcada.

• Maior incidência de MM nos indivídu-os de fototipo claro originários do Nor-te da Europa que vivem desde a infân-cia na Austrália, comparativamente aosaborígenes.

• Dados preliminares de experimentaçãoanimal que sugerem o benefício de an-tioxidantes sistémicos e tópicos naprofilaxia de neoplasias cutâneas foto-induzidas.

Desta forma, e dado o efeito cumulativo daRUV, a ineficácia de mecanismos naturaisde protecção face a altas doses de RUV ea incapacidade de reparação completa dedanos causados, devem ser adoptadas me-didas tendentes a evitar a exposição solarexcessiva, muito em particular nos primeiroanos de vida. A evicção solar deve ser má-xima, 2 horas antes e depois do zénite: nes-tas 4 horas chega à superfície da terra 2/3da energia da RUV-B e metade da energiada RUV-A e a área de distribuição de radia-ção na pele é menor dada a incidência daRUV mais próximo da vertical. Devemosprocurar a sombra, tendo em atenção a RUVreflectida pelo solo e pelas estruturas quenos rodeiam, utilizar roupas e acessóriosque reduzam a exposição da pele ao sol(chapéus de abas largas) e, acessoriamente,utilizar fotoprotectores (filtros físicos ou quí-micos) que podem evitar alguns efeitos in-desejáveis da exposição à RUV.

7.3 RADIAÇÃO IONIZANTE

A radiação é invisível, inodora e causa extre-ma ansiedade em termos sociais, como temocorrido nas diversas situações em que severificou essa libertação, tanto no contexto daguerra ofensiva, casos de Hiroshima e Naga-saki, como em situações acidentais.

Das múltiplas situações em que se tem ve-rificado a libertação acidental de radiaçãoionizante, as mais relevantes pela sua inten-sidade, foram as de Three Mile Island em1979 nos USA, a de Chernobyl em 1986 naex-URSS e a de Goiânia no Brasil em 1987.

Porém, como os efeitos da exposição a ra-diação ionizante podem somente apareceralguns anos depois do evento e ter conse-quências para as gerações futuras, os seusefeitos ou não são considerados como reais,ou são considerados como dramáticos, o quegera angústia e medo.

O verdadeiro impacto na população é deter-minado pelo tempo que decorre desde a ex-

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

88

posição até ao momento em que se sabeque existe a contaminação radioactiva.

7.3.1 Interacção da Radiação Ioni-zante com a Matéria

Fala-se de interacção da radiação ionizantecom a matéria quando há cedência deenergia ao meio que a radiação percorre.Embora com características físicas muitodiferentes, os diversos tipos de radiaçãoexercem algumas acções análogas quandointeragem com a matéria.

Em termos gerais podemos dizer que, quan-do há interacção, ela pode ocorrer com oselectrões orbitais ou com os núcleos dosátomos do meio.

Interacção de Partículas Carregadas

Quando electrões acelerados interagem comelectrões orbitais de átomos do meio, podeocorrer ionização ou excitação, de acordocom a quantidade de energia transferida.A ocorrência de uma ionização significa quea quantidade de energia cinética (Ec) trans-ferida durante a colisão com o electrão or-bital dos átomos do material atravessadotem de ser superior à energia de ligação doelectrão em causa. Este electrão vai poisser arrancado à sua orbital, deixando umlugar vazio. Deste modo, após a colisão, oátomo ionizado vai reajustar as suas cama-das electrónicas com emissão de um fotãode fluorescência (radiação característica –raios X característicos, ou de RUV), ou deum electrão auger. Este tipo de mobilizaçãode electrões continua a verificar-se até quea orbital livre pertença à camada mais ex-terna. Neste caso, o lugar vago pode serocupado por um electrão estranho ao áto-mo. O conjunto dos fotões de fluorescêncialibertados constitui a radiação característi-ca da amostra e possui um espectro de ris-

cas. Os fotões libertados serão fotões X seos átomos do meio forem pesados ou se-rão fotões UV se os átomos do meio foremleves. Os electrões auger surgem quandoo excesso energético do átomo é comuni-cado directamente a um electrão periférico,o qual vai ser expulso, originando uma se-gunda ionização.

Se a quantidade de energia transferida du-rante a colisão for menor do que a energiade ligação do electrão, haverá apenas exci-tação.

Estas possíveis interacções dos electrõescom os electrões orbitais podem tambémocorrer com as outras partículas carregadas,como os protões ou as partículas α. A dife-rença é que, como a massa nestes casos émaior, a velocidade é mais pequena sen-do, em consequência, a ionização especí-fica(1) maior do que a dos electrões.

O outro tipo de interacção dos electrõessucede quando um electrão incidente pas-sa próximo de um núcleo pertencente a umátomo do meio. Deste modo sofre uma for-ça de atracção coulombiana, pelo que oelectrão é desviado da sua trajectória. Estedesvio tem como consequência a emissãode radiação electromagnética, chamada ra-diação de frenação ou radiação de brems-strahlung, que é radiação X com espectro deenergia contínuo.

Interacção de Neutrões

Os neutrões possuem um elevado poder depenetração, perdendo progressivamente asua energia cinética, por cedência aos nú-cleos do meio envolvente. As consequênciassão diferentes consoante a energia cinéticado neutrão incidente for superior ou não a1 000 eV. Quando a energia cinética é maiordo que 1 000 eV, toda a energia é transferidapara os núcleos da matéria atravessada,

(1) Ionização específica ou poder ionizante é o número de pares de iões formados por unidade decomprimento de percurso, quando um feixe de partículas carregadas percorre uma determinada dis-tância no interior de um meio.

Radiações e Electricidade

89

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

mas se for inferior, o próprio neutrão é ab-sorvido pelos núcleos do meio ambiente.A energia absorvida pelos núcleos leva-osa entrar em reacção com os outros átomosdo meio originando ionizações e excitações.

Interacção das Radiações Electromag-néticas

Quando as radiações electromagnéticas deorigem nuclear (radiação γ) ou de origemextranuclear (raios X) interagem com a ma-téria, a colisão pode ocorrer com os elec-trões orbitais ou com o núcleo. Se ainteracção é com os electrões orbitais trêssituações são possíveis como o efeito foto-eléctrico, o efeito Compton e o efeito deRayleigh-Thomson, enquanto que se a inte-racção ocorrer com o núcleo podemosobservar o aparecimento de produção depares ou de reacções fotonucleares.

O efeito fotoeléctrico é um processo deabsorção atómico pelo qual o átomo absor-ve totalmente a energia do fotão incidente.Assim, o fotão desaparece e a energiaabsorvida é usada para ejectar o electrãoorbital para fora do átomo, que é entãochamado fotoelectrão. A energia cinéticado fotoelectrão é igual à diferença entre aenergia do fotão incidente e a energia de li-gação do electrão do átomo do meio. Esteefeito ocorre preferencialmente com os elec-trões mais ligados ao núcleo, isto é, com oselectrões das camadas mais internas comoa camada K ou L. Após libertar o fotoelectrão,o átomo fica ionizado com um lugar vazio nascamadas mais internas, o que por sua vezleva a um rearranjo das camadas electróni-cas com emissão ou de raios X característi-cos, ou de RUV ou de electrões auger. A pro-babilidade de ocorrência de efeito foto-eléctrico aumenta com o número atómico (Z)do absorvente, de acordo com a seguinte ex-pressão (Z/E)3, onde E é a energia do fotão.

O efeito de Compton é a colisão entre umfotão e um electrão orbital das camadasmais externas do átomo, isto é, com os

electrões menos ligados. Neste efeito, o fo-tão incidente só cede parte da sua energiaao electrão orbital, pelo que, após a colisão,o electrão é expulso do átomo com energiacinética enquanto que o fotão incidentesofre uma alteração na sua trajectória. A pro-babilidade de ocorrência deste efeito tambémdepende de Z, mas menos drasticamentecomo podemos ver pela expressão (Z/E).

No efeito de Rayleigh-Thomson, o fotão éabsorvido pelo átomo, sendo posteriormen-te reemitido, sem qualquer alteração doseu estado energético, somente com umaligeira mudança de direcção.

Em relação às interacções com o núcleo, noefeito de produção de pares, também cha-mado efeito de materialização, os fotõesincidentes com energia cinéticas elevadas,maiores do que 1,022 MeV quando passamnas proximidades do núcleo dos átomos domeio, ficam sujeitos ao intenso campoeléctrico nuclear, podendo ocorrer materia-lização de matéria, isto é, o fotão transfor-ma-se num electrão negativo e num elec-trão positivo ou positrão. Qualquer destasduas partículas tem a capacidade de ionizaros núcleos, pelo que são partículas ioni-zantes secundárias. Quando o electrão ti-ver perdido a sua energia cinética combi-na-se com um átomo ionizado do meio.Quanto ao positrão, combina-se com umelectrão negativo do meio, numa reacçãochamada de aniquilação de matéria comprodução de dois fotões, que são emitidos,na maior parte das vezes, em direcçõesopostas e cada um com energia de 511 keV.A probabilidade de ocorrência deste efeito éaproximadamente igual a Z2 (energia – 1,022).

No que diz respeito às reacções fotonu-cleares, estas ocorrem quando fotões comenergias cinéticas muito intensas, da ordemdos 10 MeV incidem no núcleo comconsequente emissão de partículas nucle-ares, ou seja, um protão ou um neutrão.É com reacções deste tipo que se produ-zem radionúclidos artificialmente.

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

90

7.3.2 Acções Biológicas

Quando um feixe de radiações ionizantesinterage com um sistema biológico, o pri-meiro efeito da acção das radiações resul-ta da transferência da sua energia aoscomponentes celulares fundamentais, comprodução de pares de iões à medida queatravessam a matéria. Esta transferênciade energia varia com o tipo de radiação emcausa. As radiações electromagnéticas,como os raios X e os raios γ, são muito pe-netrantes, pelo que têm longos percursosantes de libertarem toda a sua energia,enquanto que as radiações particuladas,como as α e as β, não sendo tão pene-trantes, têm trajectos mais reduzidos.

A transferência linear de energia (LET – linearenergy transfer) define a quantidade de ener-gia que uma radiação deposita por unida-de de comprimento de percurso. A radiaçãocom um grande percurso, como os raios X,os raios γ e partículas β de alta energia, temgeralmente LET reduzida, enquanto que aradiação com pequeno percurso, como aspartículas α, os protões e os neutrões têmuma LET alta. Quando durante o percurso,a radiação ionizante interage com as célu-

las, o efeito biológico que vai produzir de-penderá da quantidade de energia que étransferida, o que o significa que o efeitobiológico é função da LET.

A radiação, ao interagir com as células,pode lesá-las com maior ou menor gravi-dade ou pode mesmo provocar a sua mor-te. Este tipo de acções pode ocorrer pordois mecanismos diferentes: a acção di-recta e a acção indirecta.

Acção DirectaA acção directa das radiações refere-se àinteracção directa com um constituinte crí-tico celular. Como consequência da interac-ção, os átomos do alvo podem ser ionizadosou excitados, o que inicia uma sequência deacontecimentos que terminam em altera-ções biológicas (Figura 7.4).

No caso de uma irradiação aguda de corpointeiro, a DL50/60(2) em humanos é de cer-ca de 4 Gy (400 rad).

Assumindo que são necessários cerca de34 eV para produzir um par de iões e que1 Sv de radiação de baixo LET representauma absorção de energia de 1 J/kg, ou seja,6,25 x1018 eV/g, então a dose letal média

FIGURA 7.4 Representação esquemática das acções directas da radiação.

Interacção directa com um constituinte crconstituinte crítico celular

Átomos do alvo são ionizados / excitados

Alterações biológicas

Associada com efeitos sem limiarefeitos sem limiar

Efeeitos genEfeitos genéticos

Lesão transmitida a futurasLesão transmitida a futuras gerageraçções de cões de células

Processo dominante comradiação de alto LET

Partículas αNeutrõesProtões

Acção directa

(2) DL50/60 – dose letal que mata 50% da população irradiada em sessenta dias.

Radiações e Electricidade

91

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

produz aproximadamente 7,35 x 1017 paresde iões por cada grama de tecido.

Em tecidos moles esta dose representa a ioni-zação de somente 1 em 10 000 000 de átomos.

A acção directa da radiação é o processodominante com radiação de alto LET (partí-culas α, neutrões e protões) porque o rastoda ionização é muito denso.

Adicionalmente, a acção directa está asso-ciada a efeitos de radiação para os quaisse admite uma dose sem limiar (limiarzero), isto é, podem ocorrer efeitos genéti-cos. Neste cenário, a lesão pode ser trans-mitida a sucessivas gerações de células, oque torna a lesão cumulativa com a dose deradiação.

Acção Indirecta

A absorção de energia após a interacçãopode produzir radicais livres a partir daágua ou do oxigénio, que por sua vez vãoactuar sobre as estruturas celulares local-mente ou à distância. Um radical livre éum átomo livre ou uma molécula que trans-porta um electrão orbital não emparelhadona camada mais externa e que, geralmente,apresenta um alto grau de reactividade quí-mica (Figura 7.5).

A água é o constituinte principal dos orga-nismos vivos, pelo que tem especial interes-

se a interacção da radiação ionizante comela, com formação de radicais livres, pro-cesso conhecido como radiólise da água.

Neste processo a água, ao sofrer interac-ção, ioniza-se originando iões cuja recom-binação é muito improvável

H2O → H2O+ + e¯

Estes iões vão antes originar novas reac-ções tais como:

H2O+ → H+ + OH ⋅

e¯ + H2O → H2O¯ → H ⋅ + OH¯.

Os radicais OH ⋅ e H ⋅ são extremamentereactivos em termos químicos pelo que po-dem reagir entre si ou desencadear reac-ções de oxidação-redução com outras mo-léculas do meio, com formação de novasmoléculas também quimicamente muitoagressivas:

H ⋅ + H⋅ → H2

OH ⋅ + OH ⋅ → H2O2 OH ⋅ + H ⋅ → H2O.

Para além da moléculas de água, tem tam-bém especial interesse a presença de oxi-génio, dissolvido na água e nos tecidos.O electrão livre, formado na radiólise daágua, pode reagir com a molécula de oxi-génio, originando:

e¯ + O2 → O¯2.

FIGURA 7.5 Representação esquemática das acções indirectas da radiação.

Acção indirecta

Produção de radicais livres apartir da água e do oxigénio

Grande reactividade química

H2O

H2O → H2O+ + e-+ -

Radiólise da água

Radiaçãoionizante

Actuação nas estruturas celulares

Absorção de energia

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

92

Esta molécula de oxigénio com um electrãodesemparelhado pode reagir com molécu-las de água formando novos iões e radicaismuito reactivos:

O¯2 + H2O → OH¯ + HO ⋅2

Pode ainda ocorrer reacção entre o radicalH ⋅ com a molécula de O2, com formação de:

H ⋅ + O2 → HO.2

que por sua vez reagem com outro HO oucom um H ⋅ com aparecimento adicional demais radicais quimicamente reactivos

HO ⋅2 + HO ⋅

2 → H2O2 + O2

HO ⋅2+ H⋅ → H2O2.

Todos estes radicais livres podem agir comoagentes oxidantes ou redutores ou entãoformar peróxidos, quando reagem com aágua, que por sua vez podem inactivar me-canismos celulares ou então interagir como material genético da célula.

7.3.3 Lesões Moleculares por Radia-ções

As lesões provocadas pela acção das radia-ções são bastante complexas, pelo que osprocessos subjacentes são frequentementeconsiderados como ocorrendo em quatroestadios sequenciais: o estadio físico inicial,o estadio físico-químico, o estadio químico eo estadio biológico. No estadio físico inicial,ocorre a interacção da radiação com a res-pectiva cedência de energia à célula, cau-sando ionização. Este estadio é transitório,durando somente uma fracção de segundo(~10-16 seg). No estadio físico-químico, comduração de cerca de 10-6 seg, os iões forma-dos interagem com as moléculas de água,o que leva à produção de peróxido de hi-drogénio (H2O2), de radicais livres (H ⋅ e OH ⋅ )e de iões (H+, OH¯) quimicamente reactivos.No estadio químico, os produtos de reac-ção, originados no estádio anterior, interagemcom as moléculas orgânicas da célula. Tantoos radicais livres como os agentes oxidantes

podem reagir quimicamente com as molé-culas que formam os cromossomas, atacardirectamente uma molécula ou promoverligações nas longas moléculas partidas. Esteestadio tem uma duração que pode atingiralguns segundos. Finalmente no estadio bio-lógico verificam-se alterações que podemafectar uma célula numa grande variedadede locais com consequências diferentes. Esteestadio é o mais longo, podendo durar deze-nas de minutos a dezenas de anos, depen-dendo dos sistemas em causa.

7.3.4 Efeitos Celulares

Quando um indivíduo é irradiado por radia-ção ionizante, ela pode ou não interagircom um conjunto maior ou menor de célu-las do organismo. Se não ocorreu inte-racção, significa que a radiação não cedeuenergia, ou seja, não há produção de qual-quer lesão. Se as células forem directamenteatingidas, e a cedência energética suficien-temente grande, elas podem ser lesadas oumesmo ser mortas. As lesões mais graves,porque se repercutem na geração celularseguinte, são as que se traduzem por defei-tos nas estruturas reprodutivas celularescomo os cromossomas ou os seus compo-nentes, isto é, o ADN, os genes, ou algunsnucleósidos específicos. Estas lesões, ao con-trário da morte celular, podem traduzir-seclinicamente como a síndrome do mal--estar às radiações, cataratas ou, a longotermo, aparecimento de neoplasias.

Tendo em conta estas acções, os efeitosbiológicos das radiações podem pois divi-dir-se em duas classes, os efeitos somá-ticos e os efeitos hereditários.

Os efeitos somáticos aparecem nas célulasatingidas e só ocorrem em pessoas irra-diadas. Os efeitos hereditários ou genéticosresultam das lesões em células reprodu-tivas donde resulta a passagem da lesão dapessoa irradiada para as gerações seguin-tes.

Radiações e Electricidade

93

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

7.3.5 Radiossensibilidade das Célu-las e dos Órgãos

As diferentes células e tecidos biológicosapresentam sensibilidades diferentes à ac-ção das radiações. As leis que explicamestas diferenças são as leis de Bergonie eTribondeau, que dizem que as células maisradiossensíveis são as que se dividem maisrapidamente, as que têm maior futuro ca-riocinético(3) e as mais indiferenciadas(4).Dentro destas definições incluem-se as cé-lulas sanguíneas imaturas, as células dascristas intestinais, as células fetais, etc. Ten-do igualmente por base as mesmas leis,podemos dizer que os músculos e as célu-las nervosas são relativamente insensíveisàs acções da radiação.

Lesões significativas das células mais radios-sensíveis manifestam-se muitas vezes porsintomas clínicos tais como diminuição detodas as linhas de células sanguíneas, mal--estar das radiações e, a longo prazo, au-mento do risco de aparecimento de neo-plasias. Adicionalmente, a presença de oxi-génio aumenta a sensibilidade à radiação,uma vez que a interacção das radiações comas moléculas de oxigénio leva à produção deperóxido de hidrogénio e radicais livres qui-micamente activos.

7.3.6 Síndrome de Irradiação Aguda

Em termos gerais, só podemos falar de efei-tos nocivos das radiações quando as dosesde radiação ionizante são recebidas numperíodo de tempo restrito, isto é, quandoestamos em presença de uma exposiçãoaguda a radiações.

Estes efeitos nocivos variam de acordo coma intensidade da irradiação. Após uma ex-posição aguda de corpo inteiro inferior a 0,25Gy (25 rad), não se verificam efeitos clinica-mente detectáveis. Estes só se começam a

(3) Células que numa fase imatura precoce estão ainda a dividir-se.(4) Células de um tipo não especializado mas capazes de especialização posterior (adulto).

verificar para exposições de corpo inteiroiguais ou superiores a 0,5 Gy (50 rad). Comeste tipo de irradiação aguda, aparecem le-sões sanguíneas ligeiras que se tornam maisevidentes para exposições de corpo inteirode 1 Gy (100 rad). Para exposições agudasde corpo inteiro superiores a 2 Gy (200 rad)verificam-se já lesões num número suficien-te de células radiossensíveis capazes deproduzir mal-estar das radiações, poucotempo após a exposição, isto é, de algunsdias a algumas semanas. Só após uma expo-sição aguda de corpo inteiro de 4 Gy (400rad), é que aparecem efeitos somáticos ime-diatos, que incluem alterações sanguíneas,náuseas, vómitos, epilação, diarreia, tonturas,alterações nervosas, hemorragias e até mor-te. Sem cuidados médicos, cerca de metadedas pessoas expostas morrem durante umperíodo de sessenta dias (DL50/60). Se a ex-posição aguda de corpo inteiro for igual ousuperior a 7 Gy (700 rad) nenhuma pessoasobreviverá (LD100), independentemente dotratamento prescrito às pessoas expostas(Tabela 7.1).

DOSE GY (RAD)

TABELA 7.1 EFEITOS FÍSICOS DA RADIAÇÃO

PARA EXPOSIÇÕES AGUDAS DE

CORPO INTEIRO

RESULTADO

< 0,25 (< 25)

0,5 (50)

1 (100)

2 (200)

4 (400)

7 (700)

Não há efeitos clínicos detec-táveis

Ligeiras alterações sanguíneas

Alterações hematológicas

Alterações hematológicas, náu-sea ligeira, vómitos e fadiga

Alterações hematológicas, náu-sea, vómitos, fadiga, anorexia,diarreia, algumas mortes emduas a seis semanas

Morte em dois meses para ex-posições de corpo inteiro

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

94

Os sobreviventes das irradiações agudas decorpo inteiro, para além dos efeitos agu-dos, podem igualmente desenvolver váriosefeitos somáticos tardios como a epilação(ocorre para exposições de 5 Gy (500 rad)),aparecimento de cataratas (necessita de do-ses superiores a 2 Gy (200 rad), sobretudode neutrões), eritema (surge quando há umaexposição única de 6 a 8 Gy (600 a 800 rad)),esterilidade e/ou aparecimento de tumoresmalignos. Em relação à esterilidade, ela édependente da dose e variável consoanteo sexo. Em termos gerais, para a esterilida-de ser permanente são necessárias dosessuperiores a 4 Gy (400 rad) nas célulasreprodutivas. Contudo, no sexo masculino,mesmo para estas doses a esterilidade podeser temporária. No sexo feminino, quandoocorre, é em geral permanente.

Síndrome Hematopoiética

As células estaminais hematopoiéticas sãoos tecidos mais radiossensíveis do organis-mo. Doses de radiação iguais ou superio-res a 2 Gy (200 rad) podem levar à perdasignificativa da capacidade da medula ósseaproduzir células sanguíneas. Doses agudasde radiação matam algumas células esta-minais mitoticamente activas, com a conse-quente diminuição das três séries sanguí-neas circulantes: vermelha, branca e pla-quetar. Depois de morrerem as células ma-duras circulantes, como não são repostas,aparecerá pancitopenia.

Assim, a sintomatologia associada à lesãoda medula óssea inclui anemia, aumento dasusceptibilidade às infecções e diminuiçãoda imunidade e hemorragia, sendo a infec-ção uma das principais causas de morteapós uma irradiação de corpo inteiro.

A síndrome hematopoiética inicia-se cercade oito a dez dias após uma exposição a do-ses inferiores aos 7 Gy (700 rad), com umaredução acentuada dos granulócitos e pla-quetas. Em simultâneo surgem petéquias e

púrpura, podendo também ocorrer hemor-ragias descontroladas com a consequenteanemia. A pancitopenia aparece cerca de 3a 4 semanas depois, sendo total para do-ses superiores a 5 Gy (500 rad). Devido àsinfecções bacterianas e mitóticas oportu-nistas, pode haver febre, taquicardia etaquipneia, podendo as infecções tornar-sedescontroladas devido à cada vez menorprodução de anticorpos (Quadro 7.1).

QUADRO 7.1 RESUMO DA SÍNDROME HEMA-TOPOIÉTICA

Órgão determinante – medula ósseaLimite – 1 GyTempo de latência – duas a três semanasMorte – 2 GyTempo da morte – três a oito semanasSinais e sintomas característicos – mal-estargeral, febre, dispneia, fadiga, leucopenia,trombopenia, púrpura

A síndrome hematopoiética é reversível seapós a irradiação ficarem íntegras pelomenos 10% das células estaminais. Casocontrário, ocorrerá a morte cerca de seissemanas após a irradiação.

Síndrome Gastrintestinal

As células de revestimento de todo o tubodigestivo, nomeadamente as do intestinodelgado, são muito radiossensíveis, poisprecisam de ser substituídas muito rapida-mente, isto é, têm uma grande actividademitótica (Quadro 7.2).

QUADRO 7.2 RESUMO DA SÍNDROME GAS-TRINTESTINAL

Órgão determinante – intestino delgadoLimite – 5 GyTempo de latência – três a cinco diasMorte – 10 GyTempo da morte – três a catorze diasSinais e sintomas característicos – mal-estargeral, anorexia, náusea, vómitos, diarreia,alterações GI, febre, desidratação, perdaelectrolítica, colapso circulatório

Radiações e Electricidade

95

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

Exposições acima dos 7 Gy (700 rad) con-duzem à deplecção das células das cristasintestinais em alguns dias, com posteriorruptura e ulcerações da mucosa. À medidaque a mucosa fica lesada, há invasão bac-teriana com consequente bacteriemia, paraa qual não há resposta por causa da simul-tânea redução do número de granulócitos,como resultado da síndrome hematopoié-tica. Para exposições acima dos 12,5 Gy(1 250 rad) a morte surge em alguns dias,devido às alterações electrolíticas e à desi-dratação, consequentes às perdas atravésdas extensas ulcerações mucosas.

Síndrome Neurológica

A síndrome completa ocorre geralmentepara doses maiores do que 50 Gy, apesarde alguns sintomas poderem surgir paradoses da ordem dos 20 Gy. A morte surgeem cerca de três dias e é devida ao colapsodo sistema circulatório, assim como ao au-mento da pressão nos vasos sanguíneoscomo resultado do edema, vasculite e me-ningite.

As manifestações prodrómicas são o extre-mo nervosismo, confusão, náuseas muitointensas, vómitos e diarreia aquosa, perdada consciência e sensação de queimadurada pele. Surgem geralmente alguns minu-tos após a exposição e podem durar de al-guns minutos a algumas horas (Quadro 7.3).

te com o regresso da diarreia líquida, con-vulsões e finalmente coma. Esta fase inicia--se 5 a 6 horas após a exposição e a morteaparece dentro de três dias.

Efeitos Combinados

Os efeitos combinados resultam das lesõespor irradiação que se associam a outro tipode lesões.

Estas lesões combinadas são muito mais gra-ves, como demonstram experiências rea-lizadas em ratos, onde dois tipos de lesõessubletais ou minimamente letais, quandoconsideradas individualmente podem, seactuarem em simultâneo, aumentar a mor-talidade.

A experiência animal mostrou uma morta-lidade de praticamente de 100% quandoeram simultaneamente expostos a uma ra-diação de 5,1 Gy e sujeitos a uma ferida.

Efeitos Somáticos Tardios

Os efeitos imediatos ou agudos da acçãodas radiações resultam na maior parte doscasos da morte de células de alguma popu-lação particular.

Contrariamente, os efeitos tardios devem--se a lesões das células sobreviventes masque ficaram com alguma lesão consequenteà interacção da irradiação, lesão essa quevai ser passada à geração celular seguinte.Se as células lesadas forem germinativas, alesão pode ter como consequência uma mu-tação genética que se vai expressar na gera-ção seguinte. Se as células lesadas foremsomáticas, a consequência pode ser umaleucemia ou um tumor sólido.

Tanto os efeitos genéticos ou hereditárioscomo o cancro são efeitos estocásticos, ouseja, são efeitos sem limiar, pois podemaparecer a partir de uma lesão de poucascélulas ou mesmo de uma única célula. Umefeito estocástico é, pois, um efeito do tipotudo-ou-nada, isto é, quando se aumenta a

QUADRO 7.3 RESUMO DA SÍNDROME NEURO-LÓGICA

Órgão determinante – cérebroLimite – 20 GyTempo de latência – 30 minutos a 3 horasMorte – 50 GyTempo da morte – até dois diasSinais e sintomas característicos – diarreialíquida, letargia, tremores, convulsões, ataxia,coma

Após esta fase, a pessoa irradiada podesentir alguma recuperação funcional, maso período de estado instala-se rapidamen-

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

96

dose de radiação aumenta-se somente afrequência do efeito e não a gravidade domesmo (Figura 7.6).

pode provocar um aumento das alteraçõesde cancros em cerca de duas a quatro pes-soas em dez mil.

Os efeitos não estocásticos são efeitos so-máticos cuja gravidade aumenta em funçãodo aumento da dose de radiação, pois a gra-vidade está relacionada com o número decélulas e de tecidos atingidos. Desta manei-ra, podemos considerar a existência de umlimiar, abaixo do qual não se verificam efei-tos. São exemplos as cataratas ou a síndromeaguda das radiações. Normalmente, são ne-cessárias doses de radiação maiores paracausar um efeito não estocástico significati-vo ou para lesar seriamente a saúde do quepara aumentar os riscos de aparecimento deneoplasias ou de mutações.

Devemos contudo ter em conta que conta-bilizar o risco de aparecimento de neopla-sias é muito difícil, porque existe um pe-ríodo de latência longo e variável (entre 5 a30 anos), uma vez que um cancro induzidopor radiação não se distingue dos cancrosque ocorrem espontaneamente, porque osefeitos variam de pessoa para pessoa e por-que a incidência normal de cancro é relati-vamente alta (cerca de 20%, isto é, uma emcada cinco pessoas). Como estimativa, pen-semos que uma única exposição de 1 rem

Efeitos Genéticos

Os efeitos genéticos devidos à exposição aradiações podem resultar das lesões doscromossomas que são lesados quando ascélulas reprodutoras são expostas. Estesefeitos podem repercutir-se somente nosfilhos e nas gerações futuras dos indivíduosexpostos e manifestar-se como mutaçõesgenéticas ou defeitos de nascimento.

Para os efeitos genéticos devemos ter emlinha de conta que uma exposição de 1 rempode provocar um aumento de alteraçõespor defeitos genéticos de cinco a setentae cinco casos por um milhão de pessoasexpostas.

Pensa-se que a lesão do material genéticocelular, particularmente do ADN, é a causamais importante de lesões por efeitos daradiação, levando à morte celular e a mu-tações que podem terminar em neoplasias.Os ácidos nucleicos, que usam átomos dehidrogénio, carbono, fósforo e enxofre têmextrema importância não só porque podemincorporar nuclídeos radioactivos como 3H,14C, 32P, 33P, 35S e 125I no núcleo celular,

FIGURA 7.6 Representação esquemática dos efeitos celulares da radiação.

A partir de lesão de uma ou váriascélulas

Sem limiar

Efeito do tipo tudo-ou-nada

Aumento dadose de radiação

Aumento dafrequência e não da gravidade do efeito

Gravidade dependente donúmero de células/tecidos lesados

Com limiar

Aumento dadose de radiação

Aumento dagravidade do efeito

Efeitos determinísticosEfeitos estocásticos

Efeitos genéticosCancros

CataratasSíndrome aguda das radiações

Radiações e Electricidade

97

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

mas também porque a radiação emitida vaiser primariamente absorvida dentro da cé-lula, aumentando, desta maneira, a possi-bilidade de provocar lesão.

7.4. RADIAÇÃO ELECTROMAGNÉTICA

O mundo moderno está cheio de instrumen-tos, desde aparelhos que geram e transmi-tem electricidade com aplicações quer do-mésticas quer industriais que actuam, di-recta ou indirectamente, como fontes de ra-diação não ionizante. A recente e grandeexpansão das comunicações pessoais levoua que grande número de pessoas estejamexpostas a radiação de rádiofrequência (RF)tendo surgido rumores de que o uso de tele-móveis está associado com o aparecimentode cefaleias, amnésias e tumores cerebrais.Contudo, depois de muitos anos de investi-gação, pode-se afirmar que são muito pou-cos os efeitos que estão ligados, sem qual-quer dúvida, à radiação electromagnética(REM).

7.4.1 Efeitos Biológicos

Tanto a RF como os campos electromag-néticos são não ionizantes, porque a fre-quência é demasiado baixa para que os seusfotões tenham energia suficiente para ioni-zar átomos. Daí que o seu principal efeitobiológico seja o calor.

É conhecido desde os primeiros dias dorádio que a RF pode provocar lesões poraquecimento dos tecidos. Em casos extre-mos, o calor induzido pela RF pode provo-car cegueira, esterilidade e outros proble-mas graves de saúde. Estes efeitos rela-cionados com o calor chamam-se efeitostérmicos. Associadamente, há evidência deque os campos magnéticos são capazesde produzir efeitos biológicos mesmo setiverem energias tão baixas que não pro-vocam o aquecimento do corpo. São osefeitos atérmicos dos quais se conhecepouco e são alvo de muita pesquisa.

Os efeitos biológicos provocados por camposmagnéticos estáticos ou variáveis podemainda ser classificados de agudos ou decrónicos. Também os efeitos da RF podemser considerados como efeitos biológicos decampos magnéticos, já que eles desenvolvemcampos magnéticos variáveis no tempo.

Efeitos Térmicos

Os tecidos quando são expostos a níveismuito elevados de RF podem sofrer lesõesgraves provocadas pelo calor. Estes efeitosdependem da frequência e da potência daRF. Para frequências próximas da frequên-cia de ressonância natural do corpo, aenergia é absorvida com maior eficiência,e desenvolve-se a quantidade máxima decalor. Para indivíduos adultos ligados à ter-ra, esta frequência é de 35 MHz, enquantoque se estiverem isolados, a frequência sobepara 70 MHz. A frequência de ressonânciavaria igualmente com as dimensões docorpo. Por exemplo, a cabeça de um adultoressoa com frequências da ordem dos 400MHz enquanto que a de uma criança sóressoa com frequências próximas dos 700MHz. Se a frequência ultrapassar a fre-quência de ressonância, menor quantidadede calor é transferida, pelo que o aqueci-mento por RF é mais reduzido. Para fre-quências ainda mais elevadas, de cerca de1 GHz, aparecem adicionalmente ressonân-cias longitudinais.

Efeitos Atérmicos

Os efeitos atérmicos provocados por RFtêm sido objecto de grande investigação.Estudos epidemiológicos extensos foraminconclusivos, não tendo demonstrado ne-nhuma relação de causa-efeito.

Porém outros estudos identificaram umaassociação fraca entre exposição a radia-ção electromagnética (REM) doméstica ouprofissional com alguns tumores malignos,como a leucemia ou os tumores do cérebro.

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

98

Estudos laboratoriais levados a cabo sobreos efeitos biológicos da REM mostraramque mesmo baixos níveis desta radiaçãopodem provocar alterações dos ritmos cir-cadianos humanos, o que por sua vezafecta a resposta imune do organismo emcausa, nomeadamente a maneira de comoos linfócitos-T lutam contra o cancro, assimcomo modificam os sinais eléctricos e quí-micos transmitidos entre células. E apesarde haver alguma evidência de que as REMnão provocam directamente o aparecimentode cancro podem, em associação com asalterações provocadas por agentes quími-cos, promover o crescimento celular.

Nenhum dos estudos realizados demons-trou conclusivamente que a REM provocaefeitos adversos na saúde humana.

Efeitos Agudos

O campo magnético pode atrair materialmetálico, resultando num “projéctil” quepode lesar o doente. Os implantes metáli-cos, se forem diamagnéticos, paramagné-ticos ou ferromagnéticos, podem provocargraves lesões aos seus portadores já queficam sujeitos a forças de grande intensi-dade. Os implantes mais perigosos são osclips cerebrais, de tal modo que antes de serealizar uma ressonância magnética nucleardeve ser perguntado se há história de cirur-gia à cabeça. O mesmo se aplica a pace-makers, os quais devem ser retirados, poisas suas terminações funcionam como an-tenas para a radiação de RF, o que podeprovocar aquecimento ou mesmo queima-duras locais.

Os implantes dos dentes, próteses ósseasou material de osteossíntese, normalmentenão põem problemas, mas podem provocaro aparecimento de artefactos nas imagens.

É igualmente conhecido que os camposmagnéticos muito elevados podem reduzirmarcadamente a condutividade nervosa.Geralmente, observa-se um aumento das

ondas T, que revertem completamente de-pois de removido o campo magnético. O li-mite da intensidade do campo magnéticopara o aparecimento de arritmias é de 7 a10 Tesla.

Campos magnéticos variáveis e intensos (2a 5 Tesla) podem induzir sensações de verluzes, ou seja, aparecimento de fosfenosmagnéticos. A RF produz sobretudo calor,o qual é absorvido. Se a intensidade da RFfor muito grande, o doente pode sentir umaumento da temperatura.

Efeitos Subagudos

Os efeitos subagudos da ressonância mag-nética nuclear, se existirem, são mínimos.Nunca foram demonstrados efeitos na ciné-tica das enzimas, na estrutura das macro-moléculas nem nos processos de transportemembranares. Contudo, quando são utiliza-dos campos magnéticos de grandes intensi-dades, podem ocorrer mutações genéticas.

7.4.2 Campos de Baixa Energia

Recentemente, muitas das preocupaçõescom a REM têm por base a energia de bai-xa frequência das RF. Os equipamentos derádio amador podem ser uma fonte muitosignificativa de campos magnéticos de bai-xa frequência. Porém não nos devemosesquecer de muitas outras fontes deste tipode energia, como as linhas de alta tensão.No contexto do radioamadorismo, os efei-tos térmicos são de pouca importância, porcausa da relativa pouca potência usada epela intermitência da sua uilização.

7.4.3 Linhas de Alta Tensão

Devido ao facto de a sua energia ser muitoelevada, as linhas de alta tensão são objec-to de alguma preocupação. Directamentepor baixo das linhas de tensão, os camposelectromagnéticos são muito mais intensose estudos epidemiológicos confirmaram que

Radiações e Electricidade

99

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

estão na origem de cancros, sobretudo leu-cemia, se a exposição for de longa duração.Os campos eléctricos criados por baixo daslinhas de alta tensão, assim como nos 25 menvolventes, são da ordem dos 10 kV/m, oque os qualifica como potencialmente peri-gosos se exposições longas. A questão quese põe é a duração da exposição. Provavel-mente, estamos a falar de durações tem-porais correspondentes a uma vida, o queminimiza muito o risco.

Outra característica importante é que a in-tensidade dos campos eléctricos e magné-ticos diminui com o quadrado da distância,o que significa que a distância é, ela pró-pria, um factor de segurança.

Bibliografia

BLEISE A, DANESI PR, BURKART W. “Properties,use and health effects of depleted uranium (DU):a general overview” in Journal of Environmentalradioactivity; 64: 93-112; 2003.

BOREHAM DR, GALE KL, MAVES SR, WALKER JA,MORRISON DP. “Radiation-induced apoptosis inhuman lymphocytes: potential as a biologicaldosimeter” in Health Physics; 71: 685-691; 1996.

CARNES BA, GRDINA DJ. “In vivo protection bythe Aminothiol WR-2721 against neutron-inducedcarcinogenesis” in International Journal RadiationBiology; 61: 567; 1992.

Center for International Security and Coope-ration, Institute for International Studies, StanfordUniversity, USA.http://cisac.stanford.edu/nuclearterrorism/index.html.(2003).

Department of Homeland security working groupon radiological dispersal device (RDD) pre-paredness. Medical Preparedness and responsesub-group. Department of Veterans Affairs,Department of Health & Human Services, USA.5/1/03 version. (2003).

FIGUEIREDO A, TELLECHEA O, GONÇALO M (eds).Dermatologia na Pratica Clínica. Coimbra: Alme-dina.

GINNARDI C, DOMINICI D. “Military use of de-pleted uranium: assessment of prolonged popu-lation exposure” in Journal of Environmentalradioactivity; 64: 227-236; 2003.

GOANS RE, HOLLOWAY EC, BERGER ME, RICKS RC.“Early dose assessment in criticality accidents”in Health Physics; 81: 446-449; 2001.

HAWK JLM (ed). Photodermatology. New York:Oxford University Press; 1999.

KIEFER J. Biological radiation effects. Berlin:Springer-Verlag; 1990.

MATSUMURA Y, ANANTHASWAMY HN. “Toxiceffects of ultraviolet radiation on the skin” inToxicology and Applied Pharmacology, 195: 298--308; 2004.

MENZ R, ANDRES R, LARSSON B, OZSAHIN M,TROTT K, Crompton NE. “Biological dosimetry:the potential use of radiation-induced apoptosisin human T-lymphocytes” in Radiation Environ-mental Biophysics; 36: 175-181; 1997.

MOSSMAN KL. “Radiation effects in nuclearmedicine” in Harbert J Rocha Textbook of nuclearmedicine, vol 1: Basic science. 2ª ed. Philadel-phia: Lea and Febriger; pp. 283-302; 1984.

PEDROSO DE LIMA JJ. Biofísica médica. Coimbra:Imprensa da Universidade de Coimbra; 2003.

PEDROSO DE LIMA JJ. Física dos métodos de ima-gem com raios X. Lisboa: Edição ASA, SA; 1995.

Radiaton safety for radiation workers. 2003. Edition.The University of Wisconsin-Madison.http://www2.fpm.wis.edu/safety/Radiation.

STEINHAUSLER F. “What it takes to become a nu-clear terrorist?” American Behavioral Scientist; 46:782-795; 2003.

WASSERMAN TH, PHILLIPS TL, ROSS G et al.“Differential protection against cytotoxic chemo-therapeutic effects on bone marrow CFU’s byWR-2721”. American Journal of Clinical Oncology;4: 3-6; 1981.

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

100

APÊNDICE 1

UNIDADES DE MEDIDA DA RADIA-ÇÃO

Vários tipos de unidades e grandezas devemser definidas quando falamos de actividade,exposição a radiações e efeitos biológicosconsequentes a irradiações por emissões ra-dioactivas.

A primeira grandeza que teremos de definiré a de actividade ou velocidade de desintegra-ção, isto é, o número de átomos radioactivosque se desintegram na unidade de tempo.A unidade actualmente usada é o Becquerel(Bq) que corresponde a uma desintegraçãopor segundo. A unidade tradicional, e aindaem uso, é o Curie (Ci) que é o número dedesintegrações por segundo que ocorremnum grama de rádio-226, o que correspondea 3,7´1010 desintegrações por segundo.

Outra grandeza muito importante é a expo-sição ou dose exposição que exprime a cargaproduzida por ionização por unidade demassa de ar. Este conceito aplica-se à radia-ção X ou γ. A unidade de dose exposição é oCoulomb (C) por quilograma de ar, ou seja,a quantidade de raios X ou γ que actuandosobre 1 kg de ar liberta, por ionização pri-mária e secundária, iões que transportam acarga 1 C. A dose de exposição foi inicial-mente definida como a grandeza que expri-me a capacidade a que a radiação X e γ têmde produzir iões no ar. A unidade adoptadafoi o Roentgen (R) que se define como a ex-posição produzida por raios X ou γ que liber-ta, por ionização primária e secundária, umaunidade cgs electrostática de carga, quan-do atravessa 0,001293 g de ar (1 cm3 emcondições PTN). Um C/kg corresponde a3876 R.

Porém, como os efeitos biológicos depen-dem da energia libertada nos tecidos e nãono ar, foi criada uma outra grandeza queexprime a energia absorvida no meio di-recta e independentemente do tipo de ra-

diação, e que se chama dose absorvida.Como esta grandeza se aplica a qualquertipo de radiação e qualquer tipo de materialirradiado, permite ultrapassar as limitaçõesda dose exposição, pois esta só diz respeitoàs acções da radiação electromagnética noar. A dose absorvida é então a energia cedi-da por unidade de massa do material. A uni-dade de dose absorvida é o Gray (Gy) quecorresponde a 1 Joule/kilograma (J/kg). Ou-tra unidade de dose absorvida, ainda utili-zada, é o rad (radiation absorbed dose) queequivale à libertação de 100 erg/g de mate-rial irradiado. Deste modo, 1 Gy equivale a100 rad.

O estudo das consequências das irradia-ções a sistemas biológicos permitiram veri-ficar que iguais doses absorvidas podiamdesencadear diferentes efeitos radioquími-cos e radiobiológicos consoante o tecido ouórgão, o tipo de radiação utilizado e as con-dições de irradiação. Para contabilizar es-tes efeitos houve necessidade de se intro-duzirem factores de correcção, o que levouà definição de outra grandeza chamadaequivalente de dose. O factor de qualidade(Q) é um factor de correcção utilizado paraobter o equivalente dose a partir da doseabsorvida e que foi inicialmente denomina-do de eficiência biológica relativa (RBE). Umequivalente de dose de qualquer tipo deradiação produz, num dado tecido, o mes-mo efeito biológico que o mesmo equiva-lente de dose de raios X de 200 keV. Destemodo, o efeito biológico para um dado equi-valente de dose é constante, qualquer queseja a radiação utilizada. A unidade de equi-valente de dose é o Sievert (Sv). Um Sv dequalquer radiação produz o mesmo efeitobiológico, que por sua vez é o mesmo que1 Gy da radiação padrão de raios X de 200keV. No caso das partículas α o factor dequalidade Q é 10, enquanto que para as βé de 1. Uma outra unidade de equivalentede dose, usada antigamente, é o rem (rad

Radiações e Electricidade

101

©LI

DEL

–ED

IÇÕ

ES T

ÉCN

ICA

S

equivalent man). O equivalente de dose de1 rem de qualquer radiação produz o mes-mo efeito biológico que 1 rad de raios X de200 keV.

A definição de equivalente de dose foi ge-neralizada para qualquer tipo de radiaçãoa irradiar um órgão ou tecido, o que levouà definição de uma outra grandeza, a doseequivalente. A dose equivalente num órgãoé a soma das doses absorvidas no órgãoou tecido em causa multiplicadas pelosfactores de ponderação das diferentes ra-diações. A dose equivalente de 1 Sv corres-ponde a 100 rem. Relacionada com a doseequivalente, temos a dose letal (DL50), quese define como a dose aguda de radiaçãoque é fatal para 50% da população expos-ta, e que corresponde a 5 Sv (500 rem).Doses de radiação superiores a 1 Sv (100rem) produzem lesão do ADN.

SI de unida-

des (coluna A)

Unidade con-

vencional

(coluna B)

Factor de

conversão

(coluna C)

Conversão entre unidades convencionais eSI de unidades:

Quantidade Símbolo Unidade convencional(símbolo)

Nome da unidade(símbolo)

Unidades SI(símbolo)

Valor da unidadeconv. em unid. SI

APÊNDICE 1

Actividade A 1/seg (s-1) Becquerel (Bq) Curie 3,7x1010Bq

Dose D Joule/ Gray (Gy) Rad (rad) 0,01 Gyabsorvida kilograma

(J/kg)

Dose H Joule/ Sievert (Sv) Rem (rem) 0,01 Svequivalente kilograma

(J/kg)

Exposição X Coulomb/kg Roentgen (R) 2,58 x 10-4 C/kg(C/kg)

Coulomb/kg Roentgen 2,58 x 104

Gray Rad 0,01

Sievert Rem 0,01

Becquerel Curie 3,7 x 1010

As unidades do SI são iguais às unidadesconvencionais multiplicadas pelo factor deconversão.

As unidades do SI divididas pelo factor deconversão são iguais às unidades conven-cionais.

Comparação entre unidades do SI e unida-des convencionais:

FISIOPATOLOGIA – Fundamentos e Aplicações

102

UNIDADES DE MEDIDA DE CAMPOS

ELÉCTRICO E MAGNÉTICO

Sempre que se aceleram partículas carre-gadas, gera-se um campo electromagnético.Estas partículas, devido à sua natureza,estão envolvidas por um campo eléctrico.Mas quando se deslocam elas produzemcampo magnético. Deste modo, quandopartículas carregadas mudam de velocida-de (aceleram ou abrandam) produz-se umcampo electromagnético.

O espectro electromagnético divide-se porfrequências. Sob o ponto de vista eléctrico,o espectro foi arbitrariamente dividido emtrês bandas ou campos:

• Campos de frequência extremamentebaixa (ELF) que geralmente diz res-peito a todas as frequências acima de300 Hz.

• Campos de frequência intermédia (IF)para as frequências de 300 Hz até10 MHz.

• Campos de RF que dizem respeito afrequências entre 10 MHz e 300 GHz.

Os efeitos dos campos no corpo humano de-pendem não só da intensidade dos camposmas também da sua frequência e energia.

Existe campo eléctrico (o componente eléc-trica do campo electromagnético) sempreque existe carga. A sua força é medida emvolts/metro (V/m ou dBµV/m). Um campoeléctrico de 1 V/m é representado por umadiferença de potencial de 1 V existente en-tre dois pontos distanciados de 1 m. O V/mé primariamente usado para expressar aintensidade do campo electromagnético.

O campo magnético (a componente B docampo electromagnético) gera-se pelo fluxo.O campo magnético é medido em Tesla(5) (T)no Sistema Internacional e Gauss(6) (G) nosistema cgs (1 G = 10-4 T ou 1 µ T = 0,1 mi-ligauss).

O campo magnético de 1 gauss representaum Maxwell/cm2. O Tesla (ou o Gauss) é so-bretudo usado para expressar o campoeléctrico produzido por magnetos encon-trados em produtos de consumo como osmonitores, fornos de microondas, etc. À su-perfície da Terra, o campo magnético ésempre inferior a 1 G.

No que diz respeito às radiofrequências, oscampos eléctricos e magnéticos estão inti-mamente ligados, e os seus níveis sãomedidos como densidade de potência, istoé, watts/metro quadrado (W/m2).

(5) Tesla – quando uma carga de 1 C, que se move à velocidade de 1 m/s na direcção perpendicularà de um campo magnético de 1 T, sofre uma força de 1 N.(6) Gauss – quando uma carga de 1 U.Es.Q., que se move à velocidade de 1 cm/s na direcção per-pendicular à de um campo magnético de 1 G, sofre uma força de 1 dine.

APÊNDICE 2