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i Rafaela Campos de Carvalho Flora domesticada: percepções sobre os jardins do Rio de Janeiro (1890 - 1909) CAMPINAS 2015

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Rafaela Campos de Carvalho

Flora domesticada:

percepções sobre os jardins do Rio de Janeiro (1890 - 1909)

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

Rafaela Campos de Carvalho

Flora domesticada: percepções sobre os jardins do Rio de Janeiro (1890 - 1909)

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Nádia Farage

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Unicamp para obtenção do título de

Mestra em Antropologia Social

Este exemplar corresponde à

versão final da dissertação,

defendida pela aluna Rafaela

Campos de Carvalho,

orientada pela Prof.ª Dr.ª

Nádia Farage.

CAMPINAS

2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Carvalho, Rafaela Campos de, 1988-

C253f CarFlora domesticada : percepções sobre os jardins do Rio de Janeiro (1890 -

1909) / Rafaela Campos de Carvalho. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

CarOrientador: Nádia Farage.

CarDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas.

Car1. Rodrigues, J. Barbosa (João Barbosa), 1842-1909. 2. Jardim Botânico do

Rio de Janeiro. 3. Biopolítica. 4. Botânica. I. Farage, Nádia,1959-. II. Universidade

Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Domesticated flora : perceptions about Rio de Janeiro's gardens

(1890 - 1909)

Palavras-chave em inglês:

Botanical Garden of Rio de Janeiro

Biopolitics

Botany

Área de concentração: Antropologia Social

Titulação: Mestra em Antropologia Social

Banca examinadora:

Nádia Farage [Orientador]

Sidney Chalhoub

Luiz Fernando Dias Duarte

Data de defesa: 08-07-2015

Programa de Pós-Graduação: Antropologia Social

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Resumo

Essa dissertação pretende realizar um estudo sobre o Jardim Botânico do Rio de

Janeiro, durante a administração do naturalista João Barbosa Rodrigues, entre 1890 e 1909.

Trata-se de buscar o conjunto de representações sobre a flora, veiculadas pela instituição

através da montagem de uma coleção botânica, cuja composição deixa transparecer alguns

conflitos – entre flora indígena e flora exótica, e entre conhecimento botânico e conhecimento

rentável. Pretende-se, ainda, analisar as diferenciações construídas entre Jardim e floresta e,

no centro da cidade, entre jardins e rua. As diferentes percepções sobre as árvores no período

serão ponto relevante, pois tanto evidenciavam o projeto de higienização e ocupação urbana

do Estado, quanto a resistência da população às restrições do espaço público.

Palavras-chave: Jardim Botânico do Rio de Janeiro; João Barbosa Rodrigues; biopolítica;

botânica.

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Abstract

The present dissertation intends to accomplish a study of Rio de Janeiro Botanical

Garden during the management of the naturalist João Barbosa Rodrigues, between 1890 and

1909. Its main goal is to determine the set of representations about the flora conveyed by the

institution through the display of a botanical collection whose composition revealed

intellectual conflicts (exotic flora versus indigenous flora and botanical knowledge versus

profitable knowledge). It is also an objective of this dissertation to compare the legal

treatment destined to gardens and local forests and, in the city center, between gardens and

street. The different perceptions of trees in the period will be relevant because it demonstrates

both the hygienic design and urban occupation of the State as well as the population's

resistance to restrictions of public space.

Keywords: Rio de Janeiro Botanical Garden, João Barbosa Rodrigues; biopolitics; botany.

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Sumário

Introdução ................................................................................................................................... 1

Capítulo I – Cercando espécies… .............................................................................................. 7

1.1 A ciência em jardins ......................................................................................................... 7

1.2 Desenvolvimento de um espaço botânico ..................................................................... 11

Capítulo II – O celeiro exótico e o exótico indígena ................................................................ 15

2.1 Um discurso sobre o sensível ......................................................................................... 17

2.2 Solo aberto à semente apátrida ...................................................................................... 19

Capítulo III – ... Quebrando grades .........................................................................................55

3.1 Higienizar por muros ..................................................................................................... 55

3.2 Disputas pelo espaço ...................................................................................................... 61

3.3 Um recanto protegido ..................................................................................................... 67

3.4 Ordem e gradil ............................................................................................................... 75

Conclusão .................................................................................................................................95

Referências ...............................................................................................................................98

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Agradecimentos

À minha tia Denise, que me abriu outros caminhos, por todo o carinho. À Neyde e à

Maurícia, pois sem elas não teria existido chão. À minha prima Carol, por sempre estar lá.

Aos meus padrinhos, Victória Sulocki e Marcus Vinícius, por sempre me apoiarem. Ao

escritor e amigo Donald Acosta, por ter cedido sua casa longe dos homens e perto dos mudos,

e aos queridos Ivan Freitas e à Tânia Lima, por terem me ajudado a fazer um refúgio ao lado.

Ao Hriday Rishi, por me acompanhar no caminho de volta.

Agradeço a Paulo Victor e Giulia Levay pela leitura atenta. A Guilherme Christol,

Vanessa Sander, Fábio Pimentel, Thaís Lassali e Antony Diniz, pela cumplicidade. Agradeço a

Rafael Nascimento César, por estragar meu ascetismo no primeiro ano de mestrado. A Jussara

Welle, Isabel Millán, Lucas Krasucki, Hugo Melo e Alexandre Scoqui, pela satsanga, e ao

último, pela imensa disposição para me ajudar com a burocracia. A Fabrício Labre e Patrícia

Reis pela amizade, mesmo que distante. A todos os amigos libertários.

Agradeço a Alda Heizer e Magali Romero Sá, pela ajuda nos passos iniciais dessa

pesquisa. A Georgia Tavares, do AGCRJ, a Maria da Penha, da Biblioteca Barbosa Rodrigues,

e a todos os outros funcionários pela ajuda na busca de documentos. Ao Bene do xerox do

IFCH, pelas horas no scanner.

Agradeço a Amnéris Maroni, por todos os anos de ideias geradoras durante a

graduação, que me ensinaram a “ver o que é nosso como se fossemos estrangeiros, e como se

fosse nosso o que é estrangeiro”.

A Sidney Chalhoub, pela paciência e gentileza em ajudar uma antropóloga a entender

a materialidade dos documentos; a ele e ao Prof. Luiz Cesar Marques, por todas as suas

sugestões e leitura na banca de qualificação.

E agradeço, especialmente, à minha orientadora Nádia Farage, pelo convite à reflexão,

por afastar o mundo do espetáculo, e por ser, para mim, um exemplo do bom pensamento.

A Unicamp, por ser minha casa por tantos anos, e ao financiamento da Fapesp, por ter

possibilitado a presente pesquisa.

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Índice de Ilustrações

Figura 1: Exposição Nacional de 1908 ........................................................................................ 21 Figura 2: Estufa do Jardim Botânico na Exposição Nacional de 1908 ............................................ 36 Figura 3: Prancha pintada por Barbosa Rodrigues ...................................................................... 46

Figura 4: Prancha pintada por Barbosa Rodrigues ...................................................................... 47 Figura 5: Foto do Dea Palmaris .................................................................................................. 51

Figura 6: Recorte de jornal do Dea Palmaris ............................................................................... 52

Figura 7: Desenho de um gradil de jardim ................................................................................... 83 Figura 8: Arborização da Rua 1º de março .................................................................................. 86 Figura 9: Arborização da Praça XV de novembro ......................................................................... 89

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Introdução

We may decide then that the fence is a basic and essential

feature of the garden, which we found to be an enclosure in the

first place. Humphry Repton seems again to be right when, in

discussing fences, he says: The most important of all things

relating to a garden, is that which cannot contribute to its

beauty, but without which a garden cannot exist; the fence must

be effective and durable ... (A.Erp-Houtepen, 1986:229)

Estranhamente, não é tarefa simples definir o que é um jardim. Suas ramificações são

mais palpáveis do que sua raiz. As pesquisas acadêmicas (A.Amherst, 2013; H.Ritvo, 1992;

H.Segawa, 2010; A.Cunningham, 1996; entre outros) que se ocuparam do tema projetaram

diversos olhares, sem fornecer uma definição precisa. Ainda assim, é possível localizar uma

linha narrativa compartilhada pela historiografia a respeito de quais seriam as bases

conceituais do jardim, apoiadas nos ensinamentos do mestre de jardinagem, de meados do

século XVIII, Humphry Repton.

Repton foi reconhecido por ter cunhado o termo landscape garden, por seus trabalhos

remontarem a uma natureza em estado “natural”, em contraposição à moda dos jardins

artificiais, cuja natureza era modelada pelas mãos do homem (A.Amherst, 2013). Apesar de

não desejar a interferência humana no mundo natural, havia um elemento sem o qual, para o

mestre jardineiro, não haveria o jardim: a cerca.

Uma cerca é, afinal, um modo de delimitar o espaço. Ela impede a entrada de

elementos não desejados, do mesmo modo que impede a saída dos elementos escolhidos para

formar a coesão interna do local. Uma cerca define o que é a propriedade, protege seus

elementos e preserva a existência do espaço enquanto tal, na tentativa de manter a sua ordem.

Enquanto característica essencial de existência, a ausência da cerca, de limites, pode ser

entendida enquanto desconstrução da própria ideia de jardim. Assim como a cerca, outros

elementos foram valorizados na definição desse ambiente:

Esmero, simetria e padrões formais sempre foram a maneira caracteristicamente

humana de indicar a separação entre cultura e natureza. Mas a tendência para o

cultivo uniforme parece, no mínimo, ter aumentado no início do período moderno.

(K.Thomas, 2010:363).

O período moderno compreendido diz respeito a meados do século XVII, momento no

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qual a distinção entre o espaço domesticado e o espaço selvagem começou a ser demarcado

com maior ênfase – ao menos na Inglaterra, segundo Keith Thomas (2010), em estudo

pioneiro para uma história ambiental. Não são muitos os trabalhos existentes sobre a temática,

mas no caminho aberto pelo autor, utilizarei prioritariamente sua análise, que correlaciona a

estética dos jardins ingleses, entre os séculos XVIII e XIX, às mudanças na percepção social

quanto à paisagem e à natureza.

Assim, com o desenvolvimento urbano, a demarcação entre cidade, campo e floresta

tornou-se cada vez mais visível:

Essa paisagem cultivada distinguia-se por suas formas cada vez mais regulares. A

aradura sempre trouxera simetria (…). A prática de plantar cereais ou vegetais em

linhas retas não era apenas um modo eficiente de aproveitar espaços escassos;

também representava um meio agradável de impor a ordem humana ao mundo

natural desordenado (K.Thomas, 2010:362).

A natureza domesticada e produtiva, segura à ocupação humana, era a natureza

desvinculada da floresta, fonte de perigos e motivo de terror no imaginário popular. Segundo

K.Thomas (2010:293), foi somente com o êxodo rural e a eventual segurança proporcionada

pelo urbano frente ao natural, que uma mudança de sensibilidade se impôs: ao mesmo tempo

em que o espaço urbano foi entendido enquanto um local seguro, a noção da cidade como

ambiente sujo e corrupto tomou força. Reciprocamente, a noção de ambiente rural enquanto

local de pureza e virtude influenciou o plantio de árvores no perímetro urbano (K.Thomas,

2010:301). A apreciação controlada do meio natural estimulou e valorizou, assim, a

construção de parques e jardins na cidade já urbanizada.

Ainda segundo o autor (K.Thomas, 2010:309), a idolatria do campo e da natureza

começou a ser expressa também por um repúdio às formas artificiais no trato com o mundo

natural. Na Inglaterra do século XVIII, os jardins domésticos, antes apreciados, passaram a

ser vistos como integrantes de uma natureza degenerada. O toque civilizador transformou-se

no toque impuro, e apenas na natureza selvagem o sentimento de transcendência fazia-se

possível. As formas naturais, o campo inculto e a terra agreste começaram a ser

compreendidas enquanto locais de beleza.

K.Thomas (2010) demonstra que a desconstrução da ideia de jardim formal, assim

como a aversão ao processo de expansão de outros domínios da ordem humana ao mundo

natural, foi sensibilidade desenvolvida na ebulição do movimento romântico e de suas formas

de contato com a natureza, mas não significou o fim do movimento de jardinagem, e sim a

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modificação da estética produzida nos jardins. Aquilo antes apreciado para compô-lo, plantas

ornamentadas e árvores enfileiradas, passou a ser visto como artificialidade corrompida. O

jardim doméstico e os jardins de passeio tentaram, portanto, imprimir em si a marca da

rusticidade e do acaso, em uma tentativa de levar a beleza do selvagem para o seio urbano –

embora, diferentemente do amplo movimento de jardinagem doméstica, não foi o conjunto da

sociedade inglesa integrante desse movimento. A possibilidade de apreciar a rusticidade e a

terra inculta estava vinculada à disponibilidade de sustento garantido. De modo que o homem

do campo, e o homem da cidade de classe popular, continuaram a apreciar a organização de

seu jardim doméstico conforme padrões estéticos limítrofes. Assim como, em outros países, a

estética dos jardins não seguiu, necessariamente, a receita desse paisagismo natural inglês.

O ponto relevante é que mesmo para um dos principais representantes da estética

inglesa do período, Humphry Repton, independente de sua rusticidade, o jardim somente seria

considerado enquanto tal conforme fossem apresentadas algumas marcas de diferenciação

com o meio natural. Esse seria o “denominador comum” apresentado pelos diversos tipos de

jardins: seus limites, além da reunião de diferentes espécies da flora. Fossem os muros da

cidade, barras de ferro adornadas ou singelas cercas-vivas, a presença humana estava posta

como condição organizadora dos elementos internos ao local. Ainda que selvagem, um jardim

deveria emanar sentido, seleção e classificação.

Tal constatação relaciona-se diretamente ao modo pelo qual a elaboração da ideia de

jardim foi narrada pela historiografia. De maneira generalizadora, é dito que sua criação é

vinculada às necessidades humanas em diversas esferas, remetendo seu surgimento ao

princípio dos tempos. O primeiro jardim teria sido o paraíso do gênesis, relacionado ao

entendimento cristão do início da humanidade. Segundo H.Ritvo, a palavra paraíso deriva do

antigo termo persa que significa parque fechado (H.Ritvo, 1992), motivo pelo qual os jardins

buscariam sempre reproduzi-lo.

Não obstante a genealogia controversa, os jardins foram locais comumente

desenvolvidos para passeio, para conforto estético e espiritual, para higienização, para

afirmação do poder colonial, assim como para o desenvolvimento do conhecimento existente

sobre a natureza, entre outros tantos. Trataremos aqui do desenvolvimento de uma dessas

formas, através de um tipo específico de jardinagem historicamente construída: aquela

vinculada fortemente ao desenvolvimento científico e à criação de instituições do Estado para

lidar com a flora, a saber, o jardim botânico. Tomaremos para estudo, especificamente, o

Jardim Botânico no Rio de Janeiro, no entresséculos do XIX ao XX.

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Para tanto, a dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo busquei

revisar a literatura relativa aos jardins botânicos, uma das formas constituídas de organização

do mundo vegetal, relacionada à produção de conhecimento pela ciência euroamericana

moderna sobre a flora. Nesse intuito, percorri a bibliografia existente, acerca do surgimento

de tais espaços, de sua importância para o desenvolvimento da história natural, e influência

para o comércio no século XVIII e XIX, questões fundamentais que permitiram o

estabelecimento desta instituição científica em escala mundial.

A história do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) foi investigada, em grande

parte, por meio dos estudos que se ocuparam em reconstituir a trajetória dessa instituição.

Seguimos a história do Jardim até a administração de João Barbosa Rodrigues, através,

principalmente, de um histórico escrito por este diretor, fonte recorrentemente utilizada pela

historiografia. Busquei, porém, ampliar as fontes ao longo da dissertação, utilizando atas da

Câmara dos Deputados, ofícios administrativos da instituição, relatórios ministeriais, cartas

emitidas pela direção, notícias em periódicos, e do conjunto da obra de Barbosa Rodrigues.

No segundo capítulo, no intuito de compreender o papel exercido pelo Jardim

Botânico do Rio de Janeiro no recorte temporal desse projeto (1890 – 1909), busquei realizar

uma análise de uma coleção de plantas vivas e de seu inventário manuscrito, ambos

produzidos pela direção da instituição para uma exposição temporária no início do século XX.

Procurei, através dessa coleção, entrever as conexões entre seus atores, políticas e objetivos.

Nesse sentido, busquei localizar a discussão já existente sobre coleções, aprofundar-

me no contexto histórico no qual a exposição temporária foi realizada, procurar relações entre

os elementos da coleção selecionada, e rastrear as concepções de seu responsável, o botânico

Barbosa Rodrigues, por meio da leitura de suas obras e de sua inserção no meio científico do

período. Tal leitura busca somar-se aos estudos sobre o papel do JBRJ à época, como

instituição responsável pela representação da flora nacional e, por esse motivo, sua relevância

na construção de um imaginário para a nação.

No terceiro capítulo, busquei compreender a organização instituída ao meio natural no

período, por meio da análise de algumas diferenciações desejadas, a saber, a separação entre

jardim e floresta, em referência ao JBRJ e à floresta de seu entorno, e entre jardim e rua,

referente aos jardins públicos da cidade do Rio de Janeiro e às suas restrições por grades, ao

longo do século XIX e início do XX.

A partir dos relatórios do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, pude

contrastar a atenção que a ele era destinada em relação às florestas cariocas, que estavam em

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contínuo processo de desmatamento. Ao receber ininterruptamente verbas, e ter suas

atividades em evidência, o JBRJ despontava como instituição altamente valorizada, em

grande parte devido à sua esperada capacidade de produzir conhecimentos científicos

passíveis de transformação em atividade rentável – motivos esses que afastaram, também, as

práticas extrativistas no Jardim.

Já no centro da cidade, a oposição entre jardim e rua deveu-se ao projeto de

urbanização excludente perpetrado pelo Estado. Através das séries documentais Jardins

Públicos e Arborização (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro) observei que não apenas

os jardins, mas mesmo as árvores da cidade eram restritas circundadas por grades. Pude,

também, constatar a resistência popular a esse controle, pretendido para o espaço público, e a

defesa de outras formas de relacionar-se com o meio natural.

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Capítulo I – Cercando espécies…

1.1 A ciência em jardins

O surgimento dos jardins botânicos é questão controversa. Segundo L.Brockway

(1979) e B.Bediaga (2007), os jardins botânicos advém dos jardins de plantas medicinais

reunidos por médicos, boticários e curiosos, tendo sido frequentemente anexos às escolas de

medicina das universidades renascentistas europeias desde o século XVI. Além de sua

vinculação acadêmica, os jardins reais também constituíram espaços nos quais coleções de

plantas foram implementadas. Apesar das diferentes origens, e dos frequentes processos de

diversificação de atividades ao longo de seu desenvolvimento, jardins foram qualificados

como botânicos por seu vínculo à pesquisa científica da flora. Para compor as coleções desses

laboratórios de pesquisa, hortus medicinaes, diversas plantas foram adquiridas, colecionadas e

cultivadas (K.Thomas, 2010:383).

O interesse de cunho menos utilitário, e mais enciclopédico, pelas plantas em si,

deveu-se ao desenvolvimento da botânica e da zoologia como passatempo das classes

abastadas (K.Thomas, 2010). Com o sistema lineano, o divertimento consistia em descobrir

novas plantas e classificá-las de acordo. Não apenas no que concernia à classificação, a

botânica tornou-se atividade respeitada, uma filosofia que deveria ser ensinada. No final do

século XVIII, para Rousseau, por exemplo, a botânica não era uma ciência das palavras e da

memória, mas do conhecimento direto da natureza a ser ensinada aos jovens: “Antes que lhes

ensinemos a nomear o que virem, comecemos ensinando-lhes á ver” (J.-J.Rousseau, 1801:53).

A botânica constituía, assim, uma possibilidade de “estudar no livro da natureza” (J.-

J.Rousseau, 1801), não necessariamente utilitária, mas um modo de acesso ao mundo

sensível.

Com as viagens marítimas, e a subsequente expansão das fronteiras conhecidas entre

as nações, foi crescente a criação de clubes e sociedades destinados à difusão e ao acúmulo do

conhecimento de história natural. Mais plantas eram coletadas e incorporadas às coleções

botânicas a serem estudadas nos jardins, mais elementos do mundo natural eram catalogados e

admirados em diversas instituições em processo de especialização, tais quais os jardins

botânicos, os museus de história natural e as diversas coleções particulares (M.Lopes, 1997).

Entretanto, a sistematização da natureza em grande escala por sociedades e, cada vez mais

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pelo Estado, seguia a agenda imperialista:

Adverte-se claramente que o 'grande problema de descrição física do globo', como

apareceu no final do século XVIII na Europa, não é, de maneira alguma,

independente do grande projeto de expansão política e comercial que a Europa

estava simultaneamente articulando na escala global. Além do que possam ser, as

taxonomias européias descritivas, assim como seus museus, seus jardins botânicos e

suas coleções de história natural, são formas simbólicas de apropriação planetária,

articulações de uma 'consciência planetária' emergente através da qual,

parafraseando Daniel Defer (1982), a Europa chega a ver-se a si mesma como um

'processo planetário' mais do que uma simples região do mundo (M.Pratt, 1991:154).

O caráter econômico do conhecimento da história natural foi cada vez mais

especializado e estimulado pelos estados nacionais, os quais patrocinaram naturalistas para

viajarem ao redor do mundo e coletarem plantas, animais, minerais e todo elemento de

possível interesse para uso da economia nacional. As trocas de plantas, sementes e animais já

eram realizadas, trazidas por marujos, principalmente para as coleções exóticas da

aristocracia, mas tiveram seu ápice a partir do final do século XVIII (K.Thomas, 2010),

momento no qual as instituições especializadas em história natural começaram a realizar suas

próprias expedições. Das coleções privadas aristocráticas à organização sistemática pelo

Estado, a diferença no tratamento do mundo natural passou da apreciação estética para um

sentido de posse mais evidente; tal processo atingiu tanto a flora quanto a fauna:

“Posteriormente, o zoológico tornou-se um símbolo da conquista colonial, bem como de

riqueza e status.” (K.Thomas, 2010:391).

A relação entre ciência e comércio firmou-se com as pesquisas de aclimatação.

Aclimatar era transferir espécies de um país, ou zona climática, para outro, e tentar

aperfeiçoá-las no novo ambiente. O aperfeiçoamento consistia em encontrar formas de torná-

las o mais rentáveis para a empresa colonial, ou seja, melhorar sua produtividade, resistência

ao calor ou ao frio e diminuir o custo de sua implementação. Assim, durante o século XIX, a

prática de mobilizar elementos do mundo natural para trocas entre regiões era o modo de

desenvolvimento da pesquisa científica, de modo que:

(...) Assim como os líderes da Europa alteraram a geografia política do globo,

também os aclimatadores alteraram a sua biogeografia. Durante este período, um

discurso pervasivo sobre a migração de animais e plantas entre as zonas climáticas

surgiu em cumplicidade com a política europeia de apropriação e de comando

(W.Anderson, 1992:135, tradução minha)1.

1 “(...) just as the leaders of Europe altered the political geography of the globe, so too did acclimatizers alter

its biogeography. During this period a pervasive discourse on the migration of animals and plants between

climatic zones emerged in complicity with European politics of appropriation and command” (W.Anderson,

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Ciência adaptada às pretensões coloniais, a aclimatação entendia que cada espécie,

animal ou vegetal, pertencia a uma região do globo, mas aquelas advindas das regiões

tropicais, ou zonas tórridas, eram espécies degeneradas. Seu melhoramento, assim como o

fascínio produzido por seu exotismo, estimulou a criação de diversas sociedades, interessadas

em desenvolver a economia de suas colônias (M.Osborne, 2000). No início do XIX, os jardins

botânicos tornaram-se, nessa circulação de espécies, a instituição responsável por aclimatar,

melhorar e distribuir as mudas e sementes das plantas recebidas.

Uma vez que da flora derivava a maior parte das riquezas das nações, o conhecimento

botânico era altamente mercantilizado. Assim sendo, várias medidas eram implantadas para

dificultar a disseminação das pesquisas, tais como a proibição do cultivo nas colônias de

diversas espécies vegetais. As mudas e sementes eram arduamente encontradas, protegidas

por especialistas em plantio, acervos agronômicos e botânicos, para que potências

concorrentes não conseguissem realizar sua produção. No Brasil, Portugal valeu-se de

decretos, proibições, políticas de restrição, taxas e direitos, para proteger o conhecimento

sobre a flora, pois seu poder econômico concentrava-se na capacidade de intercambiar

espécies, transportá-las e aclimatá-las (D.Warren, 2007).

Transformar a flora, indígena ou exótica, em uma flora domesticada tornou-se, assim,

a missão dos jardins botânicos, prática condizente com a ideia da história natural enquanto

produtora de conhecimento rentável. Para Mary Pratt (1999:75), o mapeamento sistemático

das espécies, notadamente o sistema classificatório, botânico e zoológico desenvolvido por

Carlos Lineu, estava “(...) correlacionado à crescente busca de recursos comercialmente

exploráveis, mercados e terras para colonizar, tanto quanto o mapeamento marítimo está

ligado à procura de rotas de comércio (...)”.

No quadro, portanto, dessa relação recíproca entre ciência e comércio, unindo o

interesse botânico comercial à acumulação de conhecimento sobre o mundo natural, os jardins

botânicos ocuparam a posição de importantes instrumentos de intercâmbio colonial.

Constituíam espaços destinados à pesquisa, à experimentação agrícola e à aclimatação de

espécies, sendo a marca visível e duradoura da apropriação e acumulação, por parte do

Estado, das riquezas naturais de seus domínios coloniais. Criados em diversas colônias,

possibilitavam a acumulação e sistematização das informações obtidas por naturalistas, sobre

as espécies nativas existentes no território por eles explorados, desenvolvendo a partir delas

1992:135).

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métodos de coleta, transporte, estufas e aclimatação. Consolidava-se, ao mesmo tempo, a

observação como método para a produção desse novo conhecimento (N.Sanjad, 2010:187),

construído pelos viajantes com o objetivo de um inventário, o mais exaustivo possível, da

natureza.

O Brasil, desde o período colonial, constituiu um terreno atraente para os viajantes

naturalistas e suas viagens filosóficas (L.Kury & M.Sá, 2009), em busca da catalogação,

observação e possíveis usos da flora2. Além dos naturalistas, os jardins botânicos, ao se

tornarem um espaço de produção de conhecimento, articulavam outros tantos atores, tais

como agentes coloniais e fazendeiros. Na colônia brasileira, essas conexões estavam inseridas

em um processo devido à implementação de plantas de potencial valor econômico. Mais do

que a busca por novas espécies nativas para estudo e coleção, os jardins botânicos

estabelecidos no Brasil, em seu início, tinham por função a transferência e aclimatação das

espécies exóticas sobre as quais já houvesse conhecimento acumulado, de rentabilidade

assegurada. Assim, em sua maioria, as espécies exóticas, advindas de outras colônias

portuguesas, eram transferidas para os jardins botânicos brasileiros, para serem multiplicadas

e distribuídas pelo território3.

O Jardim Botânico da Ajuda (1760) foi o primeiro jardim botânico criado em Portugal,

detendo a função de coordenar as espécies coloniais. Assim, conforme N.Sanjad (2010:20):

Na década de 1790, D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Marinha e Ultramar

do príncipe regente D. João, ampliou essa política com novas medidas

administrativas. Dentre elas, consta a ordem expedida para vários pontos do império,

determinando a construção de hortos botânicos.

Dentre os jardins botânicos estabelecidos por Portugal no Brasil encontram-se o

Jardim Botânico do Grão-Pará, o Jardim Botânico de Olinda e o Jardim Botânico do Rio de

Janeiro. Apesar de apenas o último ainda restar, até o início do século XIX, os três jardins

constituíram uma rede de trocas botânicas e científicas. Ainda assim, outros jardins foram

criados posteriormente4.

No Brasil, revogadas as restrições mercantis em 1808, instituições estatais foram

2 Destaque-se, no período colonial, a viagem filosófica liderada por Alexandre Rodrigues Ferreira (1781-

1786), única expedição científica financiada pela Coroa portuguesa para o conhecimento de seu domínio

amazônico (M.Amoroso & N.Farage, 1994). 3 Segundo Dean Warren (1989:2), o açúcar e o gado foram alguns dos primeiros itens a serem transferidos

para o Brasil pelos colonizadores portugueses, intensificando assim, a exploração sobre o território e seus

habitantes nativos. 4 Para uma análise da história do Jardim Botânico do Grão-Pará, veja-se a dissertação de Nelson Sanjad

(2001), e sobre o Jardim Botânico de Olinda, a monografia de Mateus Samico Simon (2010).

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estabelecidas, criando-se uma rede burocrática operacional, na qual os jardins botânicos, do

mesmo modo que os museus de história natural, ocuparam lugar de destaque (D.Warren,

2007). Os jardins botânicos luso-brasileiros formaram, a partir de então, uma rede que

facilitava as trocas de espécies comerciais (N.Sanjad, 2001). Dentre eles, o Jardim Botânico

do Rio de Janeiro (JBRJ), de que me ocupo a seguir.

1.2 Desenvolvimento de um espaço botânico

Ao longo de sua existência, o JBRJ possuiu diversos objetivos, descritos, em parte,

pela historiografia que se dedicou a sua trajetória institucional (B.Bediaga, 2007; A.Peixoto &

R.Guedes-Bruni, 2010; A.Heizer, 2007; entre outros). É importante mencionar que a escassa

documentação é apontada pelos historiadores: B.Bediaga (2007) acusou perda, ou não

localização de arquivos institucionais, no período anterior a 1930. Assim sendo, um dos

poucos documentos existentes é o histórico escrito por um antigo diretor, João Barbosa

Rodrigues, sobre o Jardim. A historiografia localiza o Hortus Fluminensis (1894) de Barbosa

Rodrigues, como a certidão de nascimento do JBRJ (A.Peixoto & R.Guedes-Bruni, 2010:33).

Nele se baseiam as minhas considerações.

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1808, logo após a

transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. Surgiu como anexo de uma fábrica de

pólvora, previamente estabelecida pela família real. Por meio de viagens de marinheiros até

outros jardins de aclimatação, o pequeno horto começou a receber mudas. A aquisição de

espécies, ainda que através de pirataria, era estimulada e recompensada pela família real

portuguesa (B.Bediaga, 2007)5.

D. João VI pretendia, com isso, criar um jardim de aclimatação de modo a introduzir

as especiarias orientais no Brasil, assim como era realizado em outros jardins botânicos, para

fomentar o desenvolvimento da economia agrícola. O Jardim surgiu, então, como Real Horto

particular e privado do monarca, tendo por função tanto a aclimatação de espécies exóticas

quanto servir como restrito jardim de passeio (Barbosa Rodrigues, 1894).

Além da aclimatação de especiarias, em 1811, o então denominado Real Jardim

Botânico teve seus terrenos ocupados por extenso plantio de chá, com o objetivo de vulgarizar

a cultura por todo o país. Tamanho o sucesso conquistado, o Jardim obteve um aumento de

5 São comumente ressaltadas as histórias de roubo de mudas advindas do Jardim Gabrielle, na Guiana

Francesa, e do Jardim Pamplemousse, em território francês (B.Bediaga, 2007, entre outros).

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sua área física. O espaço começou a abarcar também o estudo de plantas úteis no país, em

específico, o estudo de plantas exóticas, trazidas de outros locais. Mas foi somente no reinado

de D. Pedro I que o Jardim deixou de ser um parque privado e tornou-se público, adquirindo o

nome de Imperial Jardim Botânico (Barbosa Rodrigues, 1894).

No período de reorganização administrativa que se seguiu à independência, o Jardim

obteve grandes estímulos científicos graças a nomeação do carmelita Frei Leandro do

Sacramento como seu primeiro diretor, em 1824. Segundo o histórico de Barbosa Rodrigues

(1894:IX), o Jardim teria passado, assim, de jardim de aclimatação à jardim botânico, ao

trocar a “simples introducção da cultura empirica para passar a trabalhos mais serios de

experimentação e de estudo.” O carmelita foi considerado um dos diretores mais competentes

que o Jardim já possuiu, graças ao seu amplo conhecimento botânico e à sistematização de

tais estudos no Jardim. Organizou, assim, o local de acordo com critérios científicos, além de

embelezar o arboreto, expandir o cultivo de chá, estimular as trocas de mudas com outros

jardins botânicos, reformular sua organização interna, distribuir plantas e sementes para os

estados, e cercar o Jardim com espécies de cercas-vivas6.

Durante as primeiras décadas do século XIX, o local mantinha-se tanto para a

experimentação de plantas, quanto para passeio e lazer. Na segunda metade do século XIX,

segundo Barbosa Rodrigues (1894), uma crise se instalou no JBRJ pelo fato de ter sido

anexado ao Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA). Criado em resposta ao início

da crise da economia cafeeira na província do Rio de Janeiro (B.Bediaga, 2011; J. Benchimol,

1992), o IIFA, instituto privado, tinha por objetivo civilizar o campo, aplicando a ciência para

o melhoramento da agricultura do país (B.Bediaga, 2011). Assim sendo, as pesquisas

realizadas no JBRJ naquele período tenderam para o desenvolvimento da química, agronomia,

indústria, e outras áreas relacionadas às tecnologias agrícolas, e não para os estudos botânicos.

Momento administrativo amplamente criticado por muitas das direções posteriores,

além das novas metas em renovação da agricultura brasileira, o JBRJ assumiu cada vez mais

os caracteres de um parque de passeio, em um sentido negativo. As plantas deixaram de ser

classificadas, espalhando-se pelo terreno sem indicação; os laboratórios foram abandonados,

enquanto mesas para refeições ao ar livre foram construídas; seu horário de abertura foi

ampliado; mudanças que causaram, em parte, perda de sua credibilidade enquanto jardim

6 “A elle se devem as cercas de murtas, de crotons e de hybiscus (mimos de Venus), cortados cuidadosamente

e que ainda hoje fazem o encanto dos visitantes, pela regularidade no córte e vivacidade de côres, embora os

jardins modernos tenham abandonado tal systema” (Barbosa Rodrigues, 1894:X). Isso nos mostra que no

período de Barbosa Rodrigues o JBRJ ainda era rodeado apenas por cercas-vivas.

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botânico, no decorrer do longo período de trinta anos em que esteve submetido ao IIFA (1860

– 1890). Em uma tentativa de conciliar o parque de passeio público com o instituto de

pesquisa botânica, e ao mesmo tempo com o instituto de pesquisa agrícola, o JBRJ, segundo

Barbosa Rodrigues, não teria cumprido nenhuma de suas proposições com eficiência no

período. Ainda segundo Barbosa Rodrigues, do ponto de vista das ciências botânicas, esse

longo período de falta de investimentos em suas atividades teria resultado em descrédito da

instituição pela comunidade científica internacional.

Para o desgosto de muitos, o investimento no JBRJ, no sentido de transformá-lo em

local de passeio, foi bem sucedido. Na época da administração do IIFA, tentou-se, assim,

“conciliar o útil ao agradável” (B.Bediaga, 2007), mas, já nas primeiras décadas de seu

surgimento, o Jardim era utilizado como passeio. A princípio, apenas as classes mais

abastadas o frequentavam, após a abertura do Jardim para o público. Mas com o barateamento

dos transportes, consequente do plano de obras urbanas para a cidade (J.Benchimol, 1992), a

frequência da população aumentou, o que exigiu maior manutenção. Em 1871, era possível

chegar ao JBRJ por bondes da companhia Botanical Garden Railroad, o que gerou inclusive

um aumento populacional nos bairros do entorno.

Diversas administrações do Jardim empenharam-se para aumentar o público e atendê-

lo pois, mesmo sendo afastado do centro, seu uso social era crescente. No entanto,

principalmente para os botânicos e naturalistas, ciência e lazer opunham-se. Apesar das

discordâncias quanto ao uso devido do espaço, “A condição simultânea de recinto científico e

de passeio foi um traço marcante nos jardins botânicos ao longo do século XIX” (H.Segawa,

2010:52). De acordo, portanto, com esse entendimento das autoridades locais, e com os novos

modelos institucionais que se firmavam na Europa, o JBRJ foi progressivamente perdendo

seu caráter experimental e tornando-se o que Dean Warren (1989) chamou de “meros passeios

públicos”.

Pesquisadores estrangeiros apontavam a falência do JBRJ, transformado em um

parque público no qual não se desenvolvia mais trabalho botânico algum. Nelson Sanjad

(2001:198) apontou esse descaso como sintoma de uma falência das ciências naturais no

período imperial, em comparação à indústria agrária que se estabelecia. Tratando de museus e

outras instituições, M.Lopes (1997:331) expressa opinião semelhante, apontando ainda sua

história marcada por rupturas e descontinuidades ao longo do século XIX.

Já os objetivos daqueles atores ligados à história natural era tornar o JBRJ um

estabelecimento de ciência, ou seja, estabelecer nele certas atividades, tais como a formação

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de coleções botânicas para estudo, dispor de uma biblioteca, de um herbário, e constituir

relações de troca com outros jardins botânicos. Esses objetivos só vieram a ser plenamente

realizados no período republicano. Em 1890, o JBRJ foi definitivamente desvinculado do

IIFA, e passou para a administração de Barbosa Rodrigues, naturalista conhecido e respeitado

no cenário científico nacional.

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Capítulo II – O celeiro exótico e o exótico indígena

Antes de tomar posse como diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1890,

João Barbosa Rodrigues já havia construído uma carreira na segunda metade do século XIX,

havendo produzido conhecimento botânico, entomológico, arqueológico e etnolinguístico

norte-amazônico. Nos anos oitenta do século XIX, em comissão governamental, percorrera,

em expedição de três anos e meio de duração, os estados do Pará e Amazonas, quando coletou

vocabulários de diferentes línguas indígenas (depois publicados em Poranduba Maranhense,

1890) e artefatos de sua cultura material. Seu primeiro grande trabalho de classificação

botânica teve por objeto as orquídeas amazônicas e, mais tarde, as palmeiras da Amazônia e

do Brasil central. Ocupou, a partir de 1883, também o cargo de diretor do Museu Botânico do

Amazonas em Manaus, jardim botânico pertencente à rede estabelecida por D. João VI,

fechado ao final do Império (Von Ihering, 1911).

Autodidata, João Barbosa Rodrigues enfrentou muitos obstáculos em sua carreira, mas

o “Ideal nacionalista da época, o mecenato de Capanema e uma grande ambição acabaram por

tornar Barbosa Rodrigues o dirigente de maior prestígio da história da instituição (...)” (M.Sá,

2001:921) e, ao mesmo tempo, “um dos cientistas de maior expressão no país e no exterior”

(M.Sá, 2001:900).

Ao assumir a direção do Jardim, Barbosa Rodrigues estava no auge de seu

reconhecimento enquanto naturalista. Mas, ainda que o JBRJ fosse, no período, uma das

instituições mais importantes para o Estado, Barbosa Rodrigues disse ter recebido ao seu

encargo um estabelecimento sem arquivo no qual fosse possível estudar sua história, sem um

herbário que possibilitasse a produção do conhecimento botânico, e sem classificação de

qualquer ordem científica. Culpou as administrações anteriores por essas falhas e, para supri-

las, escreveu um guia histórico do Jardim, seu regulamento e a relação das plantas existentes

no local no momento de sua posse. Tais trabalhos foram compilados em Hortus Fluminensis

(1894), guia escrito pelo novo diretor para remediar a falta de sistema, o “labyrintho” em que

ele encontrou o Jardim.

Para garantir a retomada do Jardim aos seus princípios científicos, Barbosa Rodrigues

escreveu e enviou ao Ministro da Agricultura um novo projeto de organização, publicado no

decreto nº 518 de 23 de junho de 1890: “Art. 1º - O Jardim Botanico é destinado não só a

diversões do publico, em geral, mas especialmente ao estudo da botanica (...)” (Legislação do

Senado Federal, 1890). As plantas deixaram, então, de ser vistas primariamente por sua beleza

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estética, adquirindo, cada uma delas, uma etiqueta de identificação – apresentando-se

devidamente ordenadas, separadas e classificadas. Pode-se dizer que esse foi o tom da direção

de Barbosa Rodrigues: ordenar o Jardim de modo a torná-lo um local de ciência. Para tratar da

administração de Barbosa Rodrigues (1890 – 1909), este capítulo irá se deter na coleção

botânica organizada pelo cientista para a Exposição Nacional de 1908, em busca de uma

perspectiva de leitura diversa da história institucional.

Apesar das modificações que sofreram as ideias e objetivos do Jardim Botânico do

Rio de Janeiro ao longo de sua história, seu propósito manteve-se guiado por motivos

considerados científicos, devido ao viés educacional, metódico e investigativo que

constantemente acompanhou as atividades realizadas em tais dependências.

Se uma das principais características que distingue os jardins botânicos de parques e

jardins diversos é sua pesquisa científica, é necessário, então, analisar seus elementos

diferenciais: o fazer científico reivindicado e as coleções botânicas que o precedem.

Instrumentos vitais para a produção nessa área de conhecimento, as coleções botânicas foram

constituídas por meio de diversos modos de se organizar a coleta, classificação e

armazenamento de espécimes da flora, tais como herbários, arboretos e coleções vivas. Na

falta de tais estruturas, as pesquisas botânicas não são possíveis, “o taxonomista sem herbário

é como um herbário sem taxonomista. Um depende do outro. O crescimento de um está

vinculado ao crescimento do outro” (G.Barroso, 2003:141). Entende-se, assim, a importância

dada por Barbosa Rodrigues, enquanto diretor do Jardim, à organização da estrutura

científica.

Estudos contemporâneos dedicados à história das ciências têm nas coleções um

importante objeto de estudo, uma vez que podem falar não apenas da história das instituições,

mas também da rede de saberes a que pertencem. Seguindo Donna Haraway (1989),

contemplaremos a coleção de plantas vivas e o catálogo produzido por João Barbosa

Rodrigues, em nome do acervo do JBRJ, para a Exposição Nacional de 1908, realizada no Rio

de Janeiro. Como propõe Donna Haraway (1989), reunirei alguns indícios encontrados para

elaborar uma hipótese sobre os sentidos da coleção botânica de Barbosa Rodrigues, e de modo

correlato, da flora brasileira.

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2.1 Um discurso sobre o sensível

A segunda metade do século XIX, e início do XX, foi, reconhecidamente, o tempo das

exposições (F.Hardman, 1991; S.Pesavento, 1997; H.Barbuy, 1999). Elas representaram

eventos que uniram, em apenas um local, museus, feiras de novidades tecnológicas, exibições

de itens exóticos e acúmulo de excentricidades. De ambição universal, eram realizadas

periodicamente em diversos países. Vultuosas somas de dinheiro e grandes esforços foram

empenhados pelos Estados para estruturá-las: teatros requintados, restaurantes elegantes,

portões decorados, imensos palácios ornamentados e jardins suntuosos. Uma cidade erguia-se

em um lapso de tempo assombrosamente curto, desvanecendo-se na mesma proporção ao

final delas.

As exposições universais duravam poucos meses, dentro dos quais se exaltavam e se

exibiam objetos que ilustrassem o desenvolvimento tecnológico, as matérias-primas

disponíveis, a modernização da vida urbana e o inventário dos componentes existentes em

cada região. Apresentavam-se sinteticamente as descobertas realizadas pela ciência, fossem

elas no campo do mundo natural, das artes ou da indústria. Assim, não apenas maquinários

eram exibidos no estande destinado a cada país, mas também estava presente uma infinidade

de maravilhas diversas: espécimes empalhados da fauna, plantas secas e mudas distintas,

minérios de diferentes cores e formatos, vestimentas, artigos de decoração, amostras de terra,

folhas de formatos diversos, penachos, artesanato, e longos catálogos dos elementos contidos

no mundo natural pertencente a cada território.

A partir desse vislumbre sistemático, proporcionado pela concentração e ordenação

dos elementos dispostos, exibia-se ao público uma perspectiva da realidade criteriosamente

selecionada e moldada por seus organizadores. Desse modo, a participação de uma indústria,

ou de uma nação, em uma exposição universal era algo estimado. Participar de uma exposição

era garantir, até certo ponto, a capacidade de apresentar ao mundo uma narrativa, assim como

divulgar amplamente seus produtos, atraindo consumidores e investidores (S.Pesavento,

1997).

Para cada nação, ao menos para aquelas de relevância comercial e cultural aos

organizadores, era reservado um espaço para apresentação de seus produtos, ficando a cargo

do país construir seu chalé, ou geralmente seu palácio, para alocar o material que seria por ele

enviado. A exibição de materiais, objetos e técnicas relevantes para cada país estabelecia a

possibilidade de trocas e investimentos econômicos. Assim sendo, a escolha do material a ser

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apresentado era uma decisão essencialmente política.

Um dos objetivos mais propagados pelas exibições era o contato cultural entre os

povos, mas o local ocupado por cada nação era pré-determinado pelas concepções acerca de

sua aptidão natural e comercial. As necessidades da indústria em escala mundial

determinavam qual seria o produto, ou a matéria-prima, relevante de cada país e assim, “a

divisão social do trabalho mostra-se precisamente como divisão entre nações. Os estandes

classificam não só produtos, mas, ao mesmo tempo, países” (F.Hardman, 1991:60). Desse

modo, por mais que o Brasil enviasse produtos processados e alguns tipos de maquinários, ele

era reconhecido, seguidamente, por matérias-primas agrícolas, tais como o café, e pelo

exotismo e abundância de sua flora, como veremos adiante.

Ainda que a recepção não fosse previsível, a imagem que as nações desejavam para si

era propagada por meio das coleções exibidas nas exposições. As coleções não eram,

portanto, uma mera coleta de objetos, antes, requeriam seleção, classificação, ordenação e

exibição, metodologia usada na formação de outras diversas coleções. Assim sendo, em cada

exibição subjazia um conjunto de ideias inerentes ao que era visto, sistematizadas por seu

organizador (S.Pearce, 2005).

Segundo S.Pearce (2005), a metodologia das coleções, derivada da formação de

museus, mantinha, como estes últimos, o princípio de transmitir ideias por meio de uma

estética do espetáculo. Provenientes dos gabinetes de curiosidades, mas criados com o

principal objetivo de instruir o público, os museus foram, em seu princípio, a instituição de

produção da memória dos jovens Estados. Por estes financiadas, a configuração das coleções

pretendia, pela montagem cronológica e evolutiva de seus elementos, ser o atestado de

validade, a certidão de linhagem comprobatória, dos Estados-nação (L.F.D.Duarte, 2005).

Ao propor narrativas sobre uma família real, ou sobre o potencial natural de um

território, o museu tornou-se um dos locais no qual a história de nascença do Estado se urdia.

O surgimento dos Estados era, assim, justificado pelo arranjo de elementos internos ao seu

território, ou ao seu passado histórico (L.F.D.Duarte, 2005). Nessa linha, espécies da flora e

da fauna eram também apresentadas ordenadamente em uma estrutura coesa, de modo a

produzir uma equivalência entre sentimento estético e realidade objetiva.

Esse motivo era determinante para que os Estados patrocinassem o conhecimento de

seu próprio território. Para utilizar elementos com os quais seria possível estabelecer arranjos,

para contemplar sua história, era necessário que eles estivessem inventariados. Devido a isso,

as ciências naturais, a botânica, a zoologia, a arqueologia, a geografia, tiveram lugar

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preponderante no período de formação da nação, ao menos no que concerniu ao Brasil, como

já apontado pela historiografia. Assim, o investimento no potencial simbólico dos signos

naturais caracterizou a construção dos museus de história natural, estabelecendo um papel

preponderante no processo de construção da pátria brasileira (L.F.D.Duarte, 2005).

Nesta mesma linha, de revelação dos elementos simbólicos nacionais, organizaram-se

coleções para as exposições universais, realizadas entre 1851 e 1939. O período corresponde a

alto desenvolvimento industrial, trocas comerciais e reestruturação dos grandes centros

urbanos. Assim como as coleções dos museus, as coleções das exposições não deixaram de ter

o intuito enciclopédico. Um de seus objetivos era, portanto, configurar em sua ordenação do

mundo, representação das maravilhas naturais e tecno-científicas pertencentes a cada Estado

(F.Hardman, 1991).

2.2 Solo aberto à semente apátrida

It meant that the old traditions of Europe regarding Latin-

American 'lands of tomorrow' would have to be discarded,

as no longer applicable; and that at least one of these

countries, by the evidence shown in this Exposition,

deserves to be classed among the most progressive 'lands of

today'.

(M.Wright, 1908:37)

Assim enuncia o livro oficial comemorativo da Exposição Nacional de 1908,

oferecido como souvenir para seus ilustres visitantes. Escrito pela jornalista e membro do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Marie Robinson Wright, mais do que relatar os

acontecimentos e instalações presentes na Exposição, o livro é uma propaganda do evento.

Assim sendo, o conteúdo revela as aspirações dos organizadores, como bem expressas na

epígrafe acima.

Para tornar o Brasil um país reconhecido como uma terra do agora, era necessário

desfazer-se da imagem a ele vinculada até o momento, e partir para a criação de outra, nova e

positiva. Se os países da América Latina eram vistos enquanto terras do amanhã, eufemismo

do estigma do atraso disfarçado de promessa, ao Brasil caberia evidenciar o potencial

imediato de que dispunha. No período, a oportunidade oferecida para tanto era, justamente,

uma exposição, momento no qual se poderia desconstruir e reconstruir a composição dos

elementos, símbolos e projeções que formavam a nação.

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Para esse fim, era necessário decidir quais objetos seriam expostos na próxima

exposição universal. Realizavam-se, assim, no período anterior, exposições regionais e

nacionais eliminatórias. Os expositores aprovados em nível regional eram aptos a enviar seus

objetos para concorrer em nível nacional. Nas exposições nacionais, os objetos eram

selecionados através de premiações e, assim, formava-se o conjunto de itens que seriam

enviados para a exposição universal, sediada em outro país.

O Brasil participou, consecutivamente, das exposições universais que foram realizadas

do final do século XIX ao início do XX. A Exposição Nacional de 1908 era, justamente, o

evento preparatório para a Exposição Universal de Bruxelas, em 1910. Para sua realização, foi

necessária ampla preparação prévia, que incluía a escolha do local; o aviso aos presidentes de

província; a construção dos palácios e estandes; a divulgação nacional e internacional; e o

recebimento e organização dos materiais enviados.

Uma exposição era um grande momento para se formular a imagem desejada do país.

Não apenas os cidadãos brasileiros, mas diversos visitantes estrangeiros desembarcariam nos

portos para conhecer o que o Brasil teria a oferecer. Por isso, o governo compreendia como

necessário adequar o espaço para recebê-los. Isso significava modernizar e civilizar a cidade,

a fim de que a imagem brasileira a ser veiculada na Exposição fosse a de um país seguro para

investimentos.

O processo de reestruturação urbana já ocorria desde o início das reformas urbanas,

realizadas na gestão do prefeito Pereira Passos (1902 - 1906). Desde 1902, a cidade sofria

modificações drásticas em seu planejamento, especialmente no que concernia às habitações,

ao uso do espaço público e à higienização da cidade (N.Sevcenko, 1984; S.Chalhoub, 1996).

Nesse contexto, a construção do local destinado à Exposição seria escolhido, sendo a

salubridade do espaço a grande preocupação das autoridades (A.Heizer, 2007). Após ter sido

escolhido o local, às margens da Urca, mais de trinta suntuosas construções foram erguidas

para atender à Exposição (M.Pereira, 2010).

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A temática da Exposição era a comemoração do centenário de abertura dos portos

(1808), compreendido como momento fundamental, a partir do qual o país pôde estabelecer

relações comerciais com outros países e, assim, desenvolver a indústria nacional. A celebração

da possibilidade do livre-comércio foi representada pelas diversas instituições do Estado,

distribuídas entre quatro principais seções: agricultura, indústria pastoril, outras indústrias e

Figura 1- Augusto Malta, 1908. Exposição Nacional de 1908

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artes liberais, cada uma delas subdividindo-se em outras seções correspondentes (IHGB,

1908).

A estufa do JBRJ é o elemento que nos interessa. O botânico e diretor do JBRJ neste

período, Barbosa Rodrigues, organizou uma seleção de plantas para representar a instituição,

dentre as já existentes no Jardim. Elas foram exibidas dentro e ao redor do espaço a ele pré-

determinado na Exposição, classificadas e enumeradas. Além disso, criou três materiais,

científicos e didáticos. Um deles era um esboço histórico, com fotos e com a cronologia do

Jardim resumida (Barbosa Rodrigues, 1908a), que seria entregue aos participantes do evento

oficial de inauguração do busto de D. João VI – evento paralelo à exposição nacional, a ser

realizado em comemoração do centenário do Jardim (1808 - 1908). Outro material organizado

foi a apresentação de uma compilação de um periódico de estudos botânicos, o qual continha

pesquisas realizadas pelo Jardim Botânico (Barbosa Rodrigues, 1901-1909). E por fim, o

último trabalho era um catálogo das plantas escolhidas para constar na estufa do Jardim na

Exposição, o livro Exposição Nacional de 1908: Relação das Plantas Expostas pelo Jardim

Botânico do Rio de Janeiro (Barbosa Rodrigues, 1908b).

Além dos trabalhos já citados, figurou ampla coleção botânica no espaço físico

destinado ao Jardim, sendo por isso plenamente reconhecido:

Figurou o Jardim Botanico, e de modo brilhante, na Exposição Nacional de 1908,

apresentando, em 8.000 vasos, 1.337 espécies de plantas, devidamente catalogadas e

com placas de classificação, comprehendendo, na estufa e ao ar livre, estas 19

secções industriaes: 342 especies ornamentaes, 245 palmeiras, 144 fetos, 112

fructiferas, 44 madeiras de lei, 20 de especiaria, 147 medicinaes, 81 economicas, 24

feculentas, 51 fibras, 15 cotonisas, 13 toxicas, 11 de tinturaria, 10 aromaticas, 14

uteis, 10 lactiferas, 13 de arborisação, 18 oleosas e 23 aquaticas (Relatório do

Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas, 1909:24).

Apesar disso, o diretor expressou, em sua relação de plantas para a Exposição, uma

advertência: o Jardim Botânico não estava preparado para o evento. O tempo útil entre a

convocação das instituições e a abertura da Exposição não havia sido suficiente para preparar

tantos vegetais para apreciação. As plantas exigiam um tempo muito maior para entrarem na

sua fase reprodutiva e apresentarem florescências. Em tom contrariado, Barbosa Rodrigues

apresentava sua coleção: “tendo o Jardim Botanico do Rio de Janeiro de se fazer representar

na Exposição Nacional, para o que não estava, para esse fim, preparado, e devido ao curto

tempo que teve, não figura elle com a riqueza vegetal que possue” (Barbosa Rodrigues,

1908b:V).

Em sua seleção, discriminada no referido catálogo (Barbosa Rodrigues, 1908b), as

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plantas encontram-se divididas, por ordem, em:

Tabela 1- Plantas selecionadas para a Exposição (fonte: Barbosa Rodrigues, 1908b).

A listagem do catálogo de Barbosa Rodrigues difere daquela do relatório do ministro

Classificação

Exóticas

Indígenas

Sem referência

/ Origem

desconhecida

Plantas Uteis 10 0 4

Plantas Aromaticas 3 2 1

Plantas Tanniferas e de

Tinturaria

3 7 0

Plantas para Arborisação 6 4 3

Plantas Toxicas 2 3 1

Plantas Cotonosas 0 3 3

Plantas Fibrosas 36 16 2

Plantas Oleosas Resiferas 1 10 2

Plantas de Especiaria 10 2 8

Plantas Lacticiferas 4 3 0

Plantas Feculentas 5 7 4

Plantas Economicas 5 2 7

Plantas Fructiferas 37 32 25

Plantas Medicinaes 17 37 40

Madeiras de Lei e Brancas 2 7 42

Plantas Ornamentaes 104 54 25

Familia das Palmeiras 135 90 26

Filices (samambaias) 0 0 3

Contagem: 380 279 196

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da Indústria, Viação e Obras Públicas (1909). Além de quantidades diferentes, o relatório

ministerial incluía as categorias aquaticas e fetos, e excluía a filices. Na contagem do

ministro, figuraram 1.337 espécies, enquanto na de Barbosa Rodrigues, cerca de 8557. A

listagem das plantas, registrada pelo relatório ministerial, foi certamente efetuada por Barbosa

Rodrigues, e assim sendo, a diferença quantitativa e classificatória entre as duas listas faz

supor que o catálogo da Exposição Nacional de 1908 constituiu uma seleção bastante exigente

das plantas presentes na estufa do Jardim.

Isto quer dizer que o próprio JBRJ era constituído por um acervo de plantas

criteriosamente selecionadas para seu espaço, dentre as quais Barbosa Rodrigues escolheu

algumas espécies para representarem o Jardim na Exposição Nacional, e dentre essas últimas,

selecionou mais algumas apenas para estarem em evidência no catálogo, que deveria servir de

guia ao visitante (Barbosa Rodrigues, 1908b). É a partir dessa constatação que podemos

considerar a Relação de Plantas Expostas pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro como um

catálogo de grande investimento simbólico. Um espectador da Exposição, estrangeiro ou

local, ao visitar a estufa do Jardim Botânico e receber esse catálogo (Livro de Ofícios, 1908),

teria acesso rápido às espécies que seriam as representantes finais da flora brasileira.

Após a escolha das espécies, a descrição no catálogo constava de seus nomes,

seguidos de breves notas explicativas, como:

PITANGA – Stenocalyx Michilii Fam. das Myrtaceas. Indigena. Planta das restingas,

de fructos angulosos, agri-doces e vermelhos. As folhas são antifebris (Barbosa

Rodrigues, 1908b:37).

Nas características destacadas nas espécies encontravam-se seu potencial de uso na

indústria, o ritmo de seu crescimento, sua habilidade em sobreviver em condições adversas,

entre outras. Dentre elas, o único elemento que se repete, com frequência, é a informação

sobre a origem das espécies vegetais, se exótica ou indígena.

A oposição exótica/indígena é, de fato, central na classificação de Barbosa Rodrigues

e para a botânica do período. Apesar de, aparentemente, trivial, tal oposição merece exame. A

medida entre as espécies não estava, portanto, em sua comestibilidade (venenosa/comestível),

em sua adaptabilidade (resistente/frágil), em sua capacidade frente ao mercado

(rentável/onerosa), ou mesmo o clima de seu cultivo, categoria além das fronteiras nacionais

(temperado/tropical). Uma vez que o eixo de referência entre elas é a oposição

7 Os relatórios originais de Barbosa Rodrigues para o ministério ao qual era submetido encontram-se

desaparecidos. Com exceção dos relatórios dos anos de 1893 e 1904, disponíveis na Biblioteca Barbosa

Rodrigues, no JBRJ.

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exótica/indígena, o que é valorizado como aspecto da espécie é seu lugar de origem, em

termos biogeográficos. Barbosa Rodrigues fala, assim, em plantas brasileiras, europeias,

asiáticas, japonesas ou chinesas. Situa-se a espécie em um território - “é indigena na India”,

afirma Barbosa Rodrigues, sobre o Cajá de Sikim (Barbosa Rodrigues, 1908b).

A preocupação com a biogeografia das plantas não era recente para o botânico. Em

Hortus Fluminenses (1894), Barbosa Rodrigues afirmou que ao tomar posse da diretoria do

Jardim não existiam mais do que 500 exemplares de espécies vegetais, sendo estas em sua

maioria exóticas, plantadas devido a um projeto anterior de Jardim. Para realizar um projeto

de jardim botânico, nos moldes considerados adequados por ele, o ideal seria eliminar todas

as espécies e recomeçar o plantio. Mas, sabendo do choque que isso causaria e da má imagem

que traria à sua direção, Barbosa Rodrigues decidiu por apenas organizar, etiquetar as já

existentes, e plantar novas espécies.

Catalogadas extensamente para essa obra, mais de 3000 novas espécies indígenas

seriam plantadas. Por isso, o autor afirma que “a flora brazileira retomou seus direitos, senão

exclusivos, ao menos preponderantes” (Barbosa Rodrigues, 1894). A relevância da flora

brasileira para o botânico é marcada em diversos de seus estudos; até mesmo nas citações

mais singelas, por exemplo, ao selecionar árvores para arborização da cidade, considera

“OITY – Moquilea tomentosa Benth. Fam. Rosaceas. Não só por ser indigena, como por

todos os predicados, é a melhor arvore para ornamentação de avenidas no nosso clima”

(Barbosa Rodrigues, 1908b:7).

O conhecimento da flora brasileira constituiu, afinal, a carreira do botânico. Em 1872,

após encontrar dificuldades em ser reconhecido no campo acadêmico, Barbosa Rodrigues teve

a oportunidade de ser financiado pelo governo brasileiro para percorrer o vale do rio

Amazonas, com o intuito de completar a Flora Brasiliensis de Martius. Percorreu, então,

grande parte do Amazonas e do Pará, recolhendo artefatos arqueológicos, desenhando a flora

local, anotando diversas informações etnográficas, e principalmente, coletando orquídeas e

palmeiras (M.Sá, 2001). Após vários anos de experiência pelo território brasileiro, Barbosa

Rodrigues conseguiu reunir material suficiente para se estabelecer enquanto conhecedor da

botânica indígena e, portanto, naturalista.

Além do conhecimento relativo à flora, Barbosa Rodrigues tornou-se reconhecido

também pelo conhecimento local da região do Amazonas. Em suas excursões, buscou sempre

anotar o saber local sobre a flora, a fauna, as ‘lendas e os costumes’: “Nas suas viagens,

B.Rodrigues colligiu informações minuciosas sobre as tribus de indigenas que visitou e

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publicou depois na sua Poranduba numerosos vocabularios. Um grande serviço prestou ao

Estado do Amazonas com a catechese e aldeação dos <chrichanãs>” (H.Ihering, 1911:31).

Publicou diversos trabalhos de etnografia, realizou estudos arqueológicos, e foi reconhecido

por ter contribuído amplamente para o conhecimento das línguas indígenas. Na publicação

citada, Poranduba Amazonense (1890), realizou registro de “contos do tempo antigo que se

referem á natureza do imenso valle do Amazonas” (Barbosa Rodrigues, 1890:I) e de análises

das alterações nas línguas indígenas do Pará e Amazonas.

Barbosa Rodrigues era defensor não apenas de que as plantas dos jardins e ruas da

cidade fossem indígenas, mas de que o conhecimento produzido pela ciência brasileira fosse

também embasado pela ciência indígena. Em Mbaé Kaá Tapyiyetá Enoyndaua (1905), um dos

artigos escrito pelo botânico para o 3º Congresso Scientifico Latino-Americano, defendeu a

nomenclatura indígena como o melhor modelo a ser seguido pela botânica. Para convencer o

leitor de tal afirmativa, Barbosa Rodrigues entendia como necessário justificar,

primeiramente, o modo de vida indígena. Sobre isso, a imprensa comentou “(...) o dr. Barbosa

Rodrigues presta um relevante serviço á sciencia brasileira e faz, ao mesmo tempo, uma

brilhante defesa do nosso indigena, tão injustamente desprestigiado aos olhos da civilisação”

(Correio da Manhã, 09.10.1905). Para defender o caráter indígena, utilizou-se do argumento

de autoridade por ter estado durante vários anos em campo, e assim, criticou o conhecimento

produzido por cientistas de gabinete, os quais pouco entendiam do modo de vida e

inteligência indígena, acusando-os, sem causa, de atrocidades.

Do mesmo modo, o autor dizia ser insuficiente tomar como exemplo da tribo um

indivíduo doutrinado entre os civilizados. Para conhecer, de fato, o caráter indígena, seria

necessário conhecê-lo nas selvas: “Quereis conhecer os caracteres scientificos de uma flor, ide

buscal-a nas selvas ou nos campos, mas nunca nos jardins. Ide vel-a no meio proprio e não

transformada pela mão do floricultor” (Barbosa Rodrigues, 1905:II), dizia o diretor do Jardim

Botânico da capital. Assim como a flora apenas poderia ser verdadeiramente conhecida em

seu meio natural, a inteligência indígena também apenas poderia ser ali compreendida. Sendo

assim, a fuga dos selvagens da civilização dar-se-ia pela sabedoria de que esta apenas os

conduziria ao vício, à escravidão e à morte.

Seria para ele, pois, na selva que o indígena produziria conhecimento, e na selva que

tal conhecimento, o verdadeiro conhecimento botânico, verificar-se-ia, e não entre paredes de

gabinetes. Forçados pela necessidade, os indígenas teriam tornado-se herbanários. Segundo o

botânico, as necessidades e dificuldades enfrentadas pelos indígenas brasileiros e pelos

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europeus foram as mesmas, mas com uma relevante diferença: a flora brasileira. Em meio a

ela, os povos indígenas precisaram distinguir as plantas que os rodeavam, saber quais eram

úteis e quais eram nocivas, nomeando-as.

Se os povos indígenas tivessem escrita, dizia o botânico, seus ensinamentos seriam

superiores aos dos “sábios da antiguidade”; mas ficavam à mercê da memória e da língua para

propagar seu conhecimento: “Foi depois do descobrimento da America, e especialmente do

Brazil, que o estudo das plantas se desenvolveu e appareceram os primeiros botanicos

systematicos abrindo novo campo que serviu para os ensaios que surgiram, e, mais tarde, pelo

aperfeiçoamento dos estudos, chegar a Res herbaria a ser uma sciencia” (Barbosa Rodrigues,

1905:4). Para Barbosa Rodrigues, o próprio surgimento da botânica estava vinculado à flora

brasileira.

E ninguém melhor que os habitantes locais para conseguir nomeá-la com tamanha

precisão. Pois a classificação indígena, segundo Barbosa Rodrigues, guia-se pelo método

sintético de classificação das plantas. São as características distintas as que criam os gêneros,

seções e famílias. É o formato da folha, das flores, dos frutos, o cheiro, a dureza, ou alguma

outra propriedade singular que organiza a divisão das plantas por suas afinidades.

Barbosa Rodrigues catalogou diversas formas de classificação da ciência ocidental,

desde resquícios encontrados na literatura grego-cristã, passando por toda a história botânica

até Linneu, e tomou-os por arbitrários e confusos: “Por este rapido esboço historico, vê-se

que, só depois de Tournefort, o estudo das plantas se tornou serio e scientifico e que, antes,

quasi todos os systemas apresentados não são melhores do que o dos indigenas do Brazil, que

participa do de Tournefort, com a nomenclatura dos preceitos Linneanos” (Barbosa

Rodrigues, 1905:17).

A classificação indígena seria superior por dar-nos detalhadamente os caracteres que

constituem a planta especificada. É através da junção de palavras que se constitui a

nomenclatura botânica indígena. Segundo Barbosa Rodrigues, a classificação indígena traz

em seu nome múltiplas informações, de modo que as palavras indígenas aproximam, assim, o

signo do mundo concreto, e nos permitem conhecer a planta em sua totalidade:

Quando o indio, na sua língua barbara, nos diz: Uapiranga, sabe-se que é uma fructa

de pelle vermelha, e é fácil de se saber qual ella seja. O civilizado nos diz, por

exemplo, Pera, Maçã ou mesmo Pyrus, Prunus, ou Pomo, póde-se saber a côr, o

tamanho, a consistencia, a dureza, ou a fórma do fructo? (Barbosa Rodrigues,

1905:72).

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Características sensíveis permitiriam, segundo o botânico, um acesso privilegiado ao

mundo e, assim, o indígena estaria mais próximo dele do que o cientista moderno. Em

diversos outros trabalhos, Barbosa Rodrigues fez apologia ao conhecimento botânico

indígena, não apenas por sua classificação, mas também por seu método de estudo: a

observação direta. Para ele, a observação dos selvagens nada deixaria passar, pois, enquanto

os homens de ciência demoravam-se longamente para descobrir as características de uma

planta, o indígena logo a reconhecia. Porém, aquilo que Barbosa Rodrigues identificou como

causa dessa qualidade é fator que distancia sua teoria de uma defesa da ciência do concreto.

Não era o intelecto indígena, apto e rápido, o decodificador da natureza, mas sim o instinto.

Para o botânico: “O tapuyo é naturalista por instincto” (Barbosa Rodrigues, 1905:10).

Para o naturalista, a sabedoria indígena dava-se em razão de seu conhecimento a ser

construído no estudo direto da natureza, e não por meio de estudos alheios. Em semelhança a

eles, os naturalistas, classe a que pertencia, tinham por metodologia a formulação do

conhecimento empírico a ser realizada em campo e, por tarefa, a ciência descritiva e

classificatória (M.Pratt, 1991). Eram pesquisadores de conhecimento enciclopédico, assim

como demonstrou Barbosa Rodrigues em seus estudos autodidatas, que abordam campos

diversos. Nesse sentido, o conhecimento indígena tornava-se para ele exemplar, porque

empírico, uma vez que, para o botânico “E' theoria que conduz a erros na pratica” (Barbosa

Rodrigues, 1905:28).

Sendo assim, sua defesa abrangia, inclusive, a língua na qual o conhecimento era

difundido. O abanheeng, também chamado por Barbosa Rodrigues de tupy, ou karany, seria

elegante e exprimiria apropriadamente os nomes das plantas. Criticava os missionários

estrangeiros que estavam corrompendo a língua, pela diferença na pronúncia e ortografia:

“Foi e é sempre o estrangeiro o corruptor da língua indigena, tão cheia de propriedades, de

riqueza e de vocabulos, sempre bellos e expressivos” (Barbosa Rodrigues, 1905:24). Para o

naturalista, o verdadeiro conhecimento era o indígena, propagado em língua indígena.

Barbosa Rodrigues era reconhecido por ser “versado profundamente nos idiomas e

dialectos indigenas” (A Noticia, 14.10.1907), sendo frequentemente consultado pela imprensa

sobre termos e significados. Para ele, o tupy era a língua tronco indígena, sendo a prova de tal

fato obtida através da botânica. Em suas viagens pelo território brasileiro, e outros países da

sul-américa, percebeu que a nomeação das plantas ao longo das distâncias percorridas não se

modificava. Considerou, assim, que no norte uma Bombacinea seria nomeada pelo tupy de

Çumauma, e no karany do sul a nomenclatura manter-se-ia. Listou vários exemplos de

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equivalências linguísticas e concluiu que a fonte taxonômica e glossológica era a mesma, “e

se apresentam modificação de pronuncia, é devido isto ao meio, como a este se devem as

variedades nas flôres” (Barbosa Rodrigues, 1905:VI).

Barbosa Rodrigues apresentou e defendeu a contribuição do saber indígena à botânica

e à arqueologia. Devido a isso, ele é conhecido por ser “(...) o primeiro a criar no Brasil um

sistema para ordenar os registros arqueológicos a partir de etnoconhecimentos,

especificamente na Amazônia” (L.Ferreira & F.Noelli; 2009:72). No entanto, sua obra fora do

campo botânico é pouco conhecida. Envolveu-se em diversas disputas acadêmicas, teve

diversos inimigos, devido tanto ao seu didatismo, quanto ao seu posicionamento científico.

Ainda assim, em seu tempo, a imprensa o reconhecia com respeito, adjetivando-o de

“bondoso, carinhoso”, “eminente botanista”, e principalmente “sabio naturalista”, uma “gloria

nacional” (Kosmos, 09.1908; O Pharol, 05.10.1901; A Noticia, 14.05.1901; O Paiz,

13.01.1907).

Podemos, assim, compreender um pouco mais a importância dos polos de oposição

exótico/indígena para Barbosa Rodrigues, repetidamente utilizados em sua relação de plantas

expostas na Exposição Nacional de 1908. Para ele, as riquezas naturais do país seriam

conhecidas por esforço e mérito indígena:

Mas, si elle foge ante o sibilo da locomotiva, si no seio dos sertões se occulta, vai,

comtudo, deixando atrás de si, como marcos perennes, as vozes de sua lingua, que

perdurarão, lembrando sempre que elle foi senhor, e que nenhum poder riscará a

influencia da sua intelligencia na flora sul americana (Barbosa Rodrigues, 1905:V).

O fascínio de Barbosa Rodrigues com relação ao universo indígena não foi, como se

sabe, um caso isolado. Ao contrário, vários intelectuais do período se interessavam pelos

povos indígenas; o investimento simbólico na categoria indígena foi, afinal, uma característica

da formação do Estado brasileiro, especialmente entre o período imperial e o final da primeira

república (M.Carneiro da Cunha, 1986).

É reconhecido pela historiografia que a criação do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro (IHGB) deu-se no sentido de efetuar, para a monarquia brasileira, uma nova

história, sendo a instituição encarregada de pensar a nova nação (L.Oliveira, 2011); seus

estudos, não por acaso, se concentraram na natureza do Brasil e em seu habitante tradicional,

o indígena. Igualmente, a montagem de coleções, que construíssem uma narrativa sólida para

o desenvolvimento simbólico da nação, era atividade recorrente financiada pelo Estado. Para

formar sua memória, os estados europeus utilizaram-se principalmente de seu passado

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medieval; de famílias tradicionais, artefatos e histórias de guerra. No Brasil, na falta de tais

elementos, foram variações de narrativas relativas ao mundo natural o modo através do qual

se estruturou o discurso patriótico (L.F.D.Duarte, 2005; L.Barbato, 2011; S.Pesavento, 1997).

Assim, a narrativa naturalista, que englobou a natureza e os índios - estes entendidos

como uma continuidade daquela -, foi o símbolo escolhido para representar o país. Como

afirma José Murilo de Carvalho (2003:402):

A visão edênica da nova terra foi reiterada muitas e muitas vezes pelos portugueses,

brasileiros e estrangeiros, até se tornar um importante ingrediente do 'imaginário'

nacional. Tornou-se o mito edênico brasileiro.

Como vimos no primeiro capítulo, após a abertura dos portos, não apenas o comércio

entre o Brasil e outros países foi permitido, mas também a entrada de naturalistas

estrangeiros. Devido aos relatos e iconografias dos naturalistas viajantes, que percorriam o

território brasileiro em busca de catalogá-lo e desvendá-lo, o Brasil começou a ser

identificado por seu meio ambiente, especialmente pelo meio ambiente amazônico

(K.Manthorne, 1996). O Brasil tornou-se um país exótico, aqui no sentido de local singular e

atraente, fascinante por seu clima, sua abundância, seus animais, e principalmente, por suas

plantas, as quais passaram a constituir acervo de diversos jardins botânicos (L.Oliveira, 2011).

Ao longo do século XIX, as imagens produzidas por esses viajantes eram consumidas

por um público ávido por novidades científicas, relatos de viagens e descobertas de história

natural:

As narrativas de viagens e os tratados descritivos sobre a natureza e os costumes

peculiares, impressos e postos em circulação nas primeiras décadas do século XIX,

constituíram a primeira narrativa de ficção no Brasil. A natureza e o índio foram

seus elementos diferenciais, seu método, o paisagismo e a cartografia (R.Arnt,

1992:38).

O olhar para a natureza atraía, além de fascínio, o medo do desconhecido, e as tantas

imagens por ele elaboradas. A natureza brasileira, reconhecida somente em seu quadro

tropical, era motivo de temor. Assim, era tão exuberante, quanto nociva. Se, por um lado, a

terra era fértil, a comida seria indigesta, sendo consequência de sua fartura o repúdio ao

trabalho e o louvor à preguiça, ao mesmo tempo em que a capacidade intelectual manter-se-ia

tão distante quanto o frio que se afastava da pele.

Segundo Luiz Fernando Dias Duarte (2005), uma oposição estava, então, estabelecida,

entre a domesticável natureza temperada, apesar de sua monotonia, e a hostil, apesar de

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exuberante, natureza tropical. Tais polos eram também entendidos como oposições entre

civilização e barbárie, sendo necessário, para o sucesso do investimento identitário-comercial,

civilizar os trópicos. Pois, o Éden não era, assim, tão paradisíaco. A morte causada por

doenças insalubres, por febres ardentes, ou por insetos ainda não-classificados, era iminente, e

esperava a todos desde o desembarque no porto (N.Sevcenko, 2003).

Assim, durante o Império, a oposição utilizada – a de tropical e temperado – deveria

tomar um aspecto positivo, e não constituir outra versão da oposição civilização/barbárie. Tal

ressignificação foi empreendida por grupos de intelectuais do período, propositalmente ou

não. Um deles, a Escola Tropicalista da Bahia (J.Peard, 1999), atuante na segunda metade do

XIX, era composto por médicos que acreditavam na construção da ciência fora do eixo

europeu, em uma ciência que fosse capaz de analisar de forma objetiva o ambiente tropical, e

buscasse a resolução dos problemas nele encontrados. Isso significava desfazer-se do olhar

degradante dos trópicos e privilegiar a ciência produzida na América Latina para, através de

uma metodologia empírica, construir um conhecimento que demonstrasse que a insalubridade

e as doenças não eram determinadas pelo clima (J.Peard, 1999).

De modo mais intencional, no IHGB esse empenho consistia em exaltar o indígena,

pois se o povo brasileiro era por ele constituído, era necessário que representasse o “bom

indígena”:

“(...) a etnografia do instituto, que tomava o elemento indígena como matéria, dava

respaldo a uma reflexão sobre a ‘população’ do Império. Como nem sempre a

‘população’ equivalia à ideia de povo na forma almejada pelos letrados do instituto,

estes almejavam definir as feições dessa mesma população mediante a positivação

do elemento indígena” (K.Kodama, 2009:286).

A construção da imagem desejada para o país foi assim, segundo J.Pádua (2009), um

jogo de aproximações e afastamentos do modelo europeu, variações de uma mesma narrativa,

cujas modificações não deveriam abranger outras categorias, tais como civilidade, economia,

progresso material e intelectual.

A reflexão sobre os povos indígenas acompanhou essas linhas gerais, tal como

apontado por Manuela Carneiro da Cunha (1986), no pensamento de José Bonifácio. Contra

ideias correntes do final do século XVIII, que propunham a natureza americana e seus

habitantes como formas degeneradas de existência, José Bonifácio defendeu a humanidade

dos habitantes originais:

A esse respeito, uma certa e previsível clivagem se introduz no início do Império,

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entre cientistas estrangeiros, como o grande naturalista Von Martius, por exemplo, e

letrados brasileiros como José Bonifácio. José Bonifácio opina pela perfectibilidade

dos índios. Von Martius, apesar de suas extensas viagens pelo Brasil e seu

conhecimento etnográfico e lingüístico, pela posição contrária. Até por uma questão

de orgulho nacional, a humanidade dos índios era afirmada oficialmente, mas

privadamente ou para uso interno no país, no entanto, a ideia da bestialidade, da

fereza, em suma da animalidade dos índios, era comumente expressa (M.Carneiro da

Cunha, 1992:134).

Para o período republicano, José Murilo de Carvalho (1990) aponta que, para reforçar

a integração nacional, necessidade primária do estabelecimento de um Estado, foi necessário

expandir, para os grupos discordantes e para a população em geral, o imaginário republicano.

Lendas e símbolos - tais como a história do herói Tiradentes, a disputa pela bandeira e pelo

hino nacional, a falha tentativa de inserção de uma imagem feminina representando a

república -, surgiram das diversas linhas políticas que disputavam o poder. Ainda assim, “a

República não produziu correntes ideológicas próprias ou novas visões estéticas”

(J.M.Carvalho, 1987:24). Ainda segundo o autor (J.M.Carvalho, 1990), apesar da imensa

produção de imagens e símbolos, o esforço não superou o peso que a falta de participação

popular teve no imaginário coletivo. No entanto, J.M.Carvalho (1998:4) reconhece que a

natureza foi, recorrentemente, um dos poucos signos compartilhados pela identidade coletiva;

a construção da imagem do que seria o indígena e os trópicos acompanhava esse movimento,

sendo notável, como anteriormente citado, o esforço do IHGB para afirmá-la, afinal “a busca

de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, seria tarefa

que iria perseguir a geração intelectual da Primeira República (1889-1930)” (J.M.Carvalho,

1990:32).

Barbosa Rodrigues figurava entre esses intelectuais. Seu conhecimento amazônico foi

fator decisivo para ser incluído no IHGB:

O Sr. João Barbosa Rodrigues, amador das sciencias naturaes e attrahido pelas

riquezas que exornam o valle do Amazona, n'elle se embrenhou por longo tempo e

colhendo importantes dados sobre chorographia, ethnographia e botanica d'essa

uberrima região, confeccionou com ellas Memorias cheias de interesse, que lhe

valheram o ingresso ao nosso seio (IHGB, 1876).

A inserção de Barbosa Rodrigues neste instituto, no qual se integrou à Comissão de

Arqueologia e Etnografia, revela-nos mais elementos relacionados à classificação utilizada

nas espécies botânicas selecionadas para a Exposição:

A comparação entre a obra de Barbosa Rodrigues e os estatutos de algumas das

instituições em que ele foi sócio, mostra alguns de seus fundamentos, especialmente

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a escolha dos temas de pesquisa e a classificação da cultura material indígena.

Merece destaque o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), sediado no

Rio de Janeiro, que reunia a maioria dos cientistas atuantes no país e pautava a

pesquisa em geral (L.Ferreira & F.Noelli, 2009:74).

Além de fazer parte do Instituto, Barbosa Rodrigues ocupava a posição de direção de

uma das instituições mais privilegiadas de seu tempo, e uma das mais relevantes, se

considerarmos que a criação da identidade nacional estava sendo pautada pelo meio natural.

Observamos assim, correlações da trajetória de Barbosa Rodrigues com interesses de Estado e

com o meio intelectual no qual estava inserido, que contextualizam as categorias utilizadas

por ele em sua relação.

Apesar de o Jardim Botânico do Rio de Janeiro ter um papel de destaque para a ciência

da história natural no período, não foram as espécies predominantes em seu arboreto as

destacadas na Relação de Plantas Expostas pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Com a

relevância que vimos ter sido destinada à categoria indígena, o que abarcaria a ciência

brasileira, as plantas indígenas, o indígena, e a indústria nacional, seria de se esperar que na

relação estivesse presente, senão exclusivamente em sua grande maioria, representantes da

flora brasileira. No entanto, a contagem é de 380 espécies exóticas para 279 espécies

indígenas, na coleção formulada por Barbosa Rodrigues, este mesmo cientista reconhecido

enquanto especialista da flora nativa, conhecedor de línguas indígenas e membro do IHGB;

alguém que gostaria de ter arrancado as plantas exóticas do Jardim Botânico ao assumir sua

direção.

Se coleções são estruturadas com o objetivo de proporcionar ao espectador uma

narrativa a partir dos objetos expostos, a de Barbosa Rodrigues parecia falar,

surpreendentemente, de uma predominância de espécies exóticas sobre a flora nacional. Se o

catálogo, sistematicamente organizado, criteriosamente selecionado, incluía um número maior

de espécies exóticas do que de espécies indígenas, existia uma diminuição na relevância das

espécies locais.

Isso se deu nitidamente com o exemplo da história da vitória-régia (Victoria

amazonica). A vitória-régia possui longa tradição na representação da flora brasileira. Ela foi

revelada para a ciência ocidental em 1837, por Robert Hermann Schomburgk, naturalista sob

os auspícios da Royal Geographical Society of London (T.Holway, 2013). Em realidade, a flor

já havia sido classificada na Guiana Inglesa, o que não impediu o Brasil de se apropriar de sua

imagem, uma vez que, assim como a floresta amazônica, a espécie não era circunscrita aos

limites de territórios nacionais.

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A classificação da vitória-régia gerou imensa repercussão (T.Howay, 2013). A

possibilidade de transportar uma flor colossal das florestas sul-americanas para a Inglaterra

foi um esforço épico, que mobilizou naturalistas, a Coroa, e diversos outros atores, e foi

esperado por diferentes classes sociais, já que “the Age of Steam and the Age of Rail was the

Age of Flowers as well” (T.Holway, 2013)8.

A vitória-régia tornou-se o símbolo do exotismo e do tropicalismo sul-americano.

Figurou, em todas as exposições universais, como ator principal, ao lado do café, no estande

ocupado pelo Brasil, apesar dos esforços de que sua aclimatação demandava. Para que fosse

possível a apresentação da espécie era necessário construir um lago aquecido artificialmente,

como feito na Exposição Universal de 1889 realizada em Paris:

Neste domínio, a atração maior era, sem dúvida, a exótica vitória-régia, conservada

num tanque à temperatura de 30°C. (S.Pesavento, 1997:193).

Em notícias relativas ao Jardim Botânico na imprensa é frequente a citação da vitória-

régia como exemplo de flor rara e bela. Em matéria sobre a festa do centenário do JBRJ, o

jornal O Paiz parabenizou a direção de Barbosa Rodrigues, e sobre seus trabalhos afirmou que

“plantas uteis e raras foram introduzidas, entre as quaes a Victoria regia, que enquanto

enflora, no estio embalsama o ar” (O Paiz, 13.06.1908). Não apenas no Jardim Botânico, mas

ao falar sobre a flora brasileira, em geral, era comum a citação da vitória-régia: “uma nota

sobre a flora admiravel, onde domina a formosissima 'Victoria Regia', única no mundo, póde-

se citar o reino mineral, mas quasi inexplorado o reino animal onde uma fauna sorprehendente

aguarda as investigações dos naturalistas” (Revista da Semana, 20.09.1908).

Igualmente, no relatório anual do Jardim Botânico, presente nos relatórios do

Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, afora as plantas consideradas agrícolas, tais

como cana, café, cacau e fumo, a única outra planta frequentemente citada é a vitória-régia:

Não só tem-se feito ampla reproducção das plantas uteis que já são cultivadas no

jardim, mas tambem tem-se adquirido exemplares de vegetaes proprios de outras

regiões, para serem alli acclimados e desenvolvida a sua cultura. Entre elles figura

8 A linguagem das flores era comum na Inglaterra vitoriana. Elas estavam presentes em diferentes temáticas,

como jogos infantis, poesia, roupas, porcelanas, metáforas, e todas as casas, de diferentes camadas sociais,

esforçavam-se por manter um jardim florido (K.Thomas, 2010). Não era, pois, de se estranhar que na Exposição

Universal de 1851, ocorrida na Inglaterra, tenha sido construído um imenso palácio, projetado exatamente para

conter espécies botânicas de lugares diversos em um clima controlado. O Palácio de Cristal era uma estufa

imensa, dentro da qual toda a exposição seria exibida, e que tinha por principal propósito a possibilidade de

abrigar a vitória-régia.

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nympheacea Victoria Regia, originaria dos rios Amazonas e Paraguay, que, depois

de demorado estudo e repetidas tentativas para a sua acclimação, é actualmente

representada por numerosos exemplares em tudo semelhantes aos dos logares donde

ella é oriunda (Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas, 1898:20).

A espécie não era apenas transportada da região amazônica para ser aclimatada no Rio

de Janeiro, mas também era a principal representante da flora brasileira nos jardins botânicos

internacionais. Em 1900, o relatório ministerial relativo ao Jardim Botânico, na administração

de Barbosa Rodrigues, afirma que “no decurso do anno passado recebeu elle varias especies

de sementes dos jardins botanicos de Napoles, de França, China, Japão, Australia, Calcutá e

Chile, e a todos distribuiu sementes da Victoria Regia” (Ministério da Industria, Viação e

Obras Públicas, 1900:19). No que consta nos relatórios oficiais do Jardim Botânico no

período da administração de Barbosa Rodrigues, as sementes de nenhuma outra espécie

tiveram tamanha atenção ao cruzarem oceanos para ser disseminadas, sendo também, a única

espécie claramente explicitada no intercâmbio entre jardins.

No entanto, a vitória-régia não figurou na Relação de Plantas Expostas pelo Jardim

Botânico do Rio de Janeiro. A espécie não apareceu em nenhum grupo de classificação

utilitária, nem possuiu um grupo baseado em sua classificação botânica, como as palmeiras e

samambaias. Sequer uma citação foi dedicada a ela, e o único indício de uma possibilidade de

sua participação seria por meio da classificação apresentada no relatório do Ministério da

Indústria, Viação e Obras Públicas, ao afirmar que teriam sido apresentadas 23 plantas

aquáticas. Desafinada com a relação encadernada de Barbosa Rodrigues, não são citadas quais

plantas foram expostas. Ademais, pela foto da estufa do Jardim Botânico na Exposição não é

possível visualizar um lago, nem nenhum tipo de estrutura necessária para a apresentação da

vitória-régia.

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A falta da tradicional representante da flora brasileira, e da diminuição de espécies

indígenas na coleção botânica, demonstra uma mudança de objetivos. Parece que não bastaria

mais apenas enfatizar o polo indígena na relação de oposição exótico/local, mas atribuir novos

significados a ele e a descrição da natureza nacional.

À natureza nacional era pedido que também fosse rentável. Nas coleções do Museu

Figura 2 - Em primeiro plano, a estufa do Jardim Botânico na Exposição Nacional de 1908, e os vasos com as

espécies apresentadas ao redor (Museu da República, s/d).

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Nacional ao longo do século XIX, como apontado por Luiz Fernando Dias Duarte,

mantinham-se objetos da flora e da fauna que não representavam um mero inventário dos

elementos existentes no território nacional, mas também um catálogo de itens a ser

mercantilizados: "(...) signo sensível da « riqueza » nacional, abrangendo a realidade imediata

da profusão tropical e os desejos de um progresso econômico sustentado" (L.F.D.Duarte,

2005:31, tradução minha)9. Dessa forma, o mundo natural constituía a identidade brasileira

tanto pela construção de imagens e narrativas nacionais, como por motivos comerciais, ao

revelar para possíveis investidores as potencialidades do território.

Na coleção do Jardim Botânico durante a Exposição Nacional de 1908, encontramos

indícios da mercantilização da flora. Analisemos agora a segunda informação disponibilizada

na breve sentença descritiva das espécies contidas na Relação das Plantas Expostas pelo

Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Nela, além de constar a informação sobre a nacionalidade da espécie, Barbosa

Rodrigues incluiu características sobre como ela poderia ser útil. A própria classificação

utilizada pelo autor para separá-las dizia a respeito do seu uso, e não da sua família botânica.

Entendia-se que a planta poderia ser útil, aromática, de tinturaria, para arborização, tóxica,

cotonosa, fibrosa, oleosa, de especiaria, lactífera, feculenta, econômica, frutífera, medicinal,

de madeira ou ornamental, sendo estas as separações utilizadas para agrupá-las por utilidade.

Apenas dois grupos, a família das palmeiras e as samambaias, eram divididos por

características da classificação botânica formal.

As plantas, e as descrições que as seguem, são diversas, mas as indicações sugerem

sempre seu uso utilitário. A esse respeito, na nota de advertência que precede o catálogo, o

autor declara: “A presente relação, escripta ás pressas, servirá de guia, e não tem outra ordem

senão a da utilidade ou propriedade das mesmas plantas, feita laconicamente, apenas para

auxiliar o visitante” (Barbosa Rodrigues, 1908b). Supunha-se, então, que o visitante esperado

para a Exposição Nacional, ao visitar a estufa do Jardim Botânico, estivesse interessado na

utilidade das plantas ali expostas.

Cada planta conta com um breve parágrafo sobre sua utilidade, com exceção completa

dos grupos classificatórios Plantas Ornamentaes, Família das Palmeiras e Filices

(samambaias), os quais possuem apenas a nomenclatura e sua origem. Apesar de as

ornamentais, e também as palmeiras, concentrarem a imensa maioria das espécies em termos

9 “(...) signe sensible de la « richesse » nationale, à cheval entre la réalité immédiate de la profusion tropicale

et les souhaits d’un progrès économique soutenu” (L.F.D.Duarte, 2005:31).

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quantitativos, encontram-se dispostas apenas em uma listagem, ao final do livro. Barbosa

Rodrigues investiu nos primeiros grupos, se notarmos a quantidade de descrições e a ordem

em que as categorias estão dispostas. Os três últimos, podemos supor, são aqueles que não

demonstram nenhuma utilidade prática para a indústria: plantas ornamentais, palmeiras e

samambaias. O inventário é iniciado com Plantas Úteis, e termina com Filices (samambaias),

que não contém nem descrição nem quantidade, sendo composto por apenas três espécies.

Podemos visualizar uma ordem decrescente de utilidade industrial na ordenação de

Barbosa Rodrigues. Considerando suas obras anteriores, a atenção destinada à questão parecia

recente ao botânico, mas a mercantilização dos recursos naturais esteve sempre presente no

meio científico brasileiro, como apontado pela historiografia. Mesmo as descrições da

paisagem nacional não tinham por objetivo apenas a apreciação, mas visavam também as

oportunidades lucrativas. As descrições dos naturalistas destinadas ao público estrangeiro

frequentemente continham informações utilitárias. Como notou Katherine Manthorne (1996),

no final do século XIX, as fotografias de paisagem do cenário nacional, destinadas ao público

norte-americano, eram acompanhadas de um texto em seu verso, cujo conteúdo continha um

convite aos investimentos econômicos.

Nas exposições universais, também parece ser esse o movimento seguido. Não bastava

que os expositores brasileiros fossem reconhecidos por seu exotismo, era desejado que fossem

reconhecidos por sua produtividade. O Brasil enviou continuamente material diversificado de

sua indústria para as exposições, mas a imagem de uma nação progressista e civilizada perdia

para a já tradicionalmente reconhecida, a de terra exótica e fascinante.

Retornamos à vontade de apresentar o país como uma terra do agora, e desfazer-se da

imagem de seu passado colonial. Para isso, rentabilidade e modernidade viriam a ser

elementos valorizados em suas coleções. Assim, na Exposição Nacional de 1908, era esperado

a valorização da indústria brasileira: “Pelo seo caracter accentuadamente nacional seria a

Exposição, como o foi, uma grande lição de coisas para os economistas, industriaes,

negociantes e consumidores brazileiros, que necessitavam conhecer melhor a nossa

capacidade de producção e o desenvolvimento dos nossos meios de trabalho” (Ministério da

Industria, Viação e Obras Públicas, 1909).

Apesar dos esforços do Brasil, o local ocupado por ele no esquema de símbolos e

valores atribuídos aos países nas exposições universais era o de fornecedor de matérias-

primas, advindas de sua natureza (F.Hardman, 1991). Os países produtores de maquinários,

inovações científicas, produtos industrializados, eram outros. Objetivo dos empresários

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brasileiros, a imagem do país precisaria ser modificada para abrir possibilidades de relações

econômicas e trocas comerciais. Devido à importância de conduzir atividades progressistas e

rentáveis, as próprias exposições foram modificadas, de gabinetes de maravilhas para

exposições industriais, nas quais não mais bastava a apresentação de itens exóticos, mas

exibia-se a seleção de objetos úteis para a ciência e para a indústria.

Podemos, assim, levantar uma possível hipótese para o maior número de espécies

apresentadas pelo Jardim Botânico na Exposição Nacional de 1908 ser o de plantas exóticas.

Para apresentar uma imagem do país, aos moldes do comércio capitalista, era necessário que

cada instituição contribuísse nesse sentido com sua coleção. A flora brasileira necessitava ser,

assim, exibida enquanto atividade rentável. Para tanto, seriam escolhidas as espécies

comerciais, que estavam além da relação exótica/indígena. Se as plantas exóticas fossem as

espécies das quais havia um maior conhecimento sobre como mercantilizá-las10

, tornava-se

então importante mostrar que aquelas plantas cresciam no solo brasileiro. Desse modo,

podemos visualizar um deslocamento: não era mais a flora brasileira o objeto necessariamente

valorizado, mas a possibilidade de plantio em solo brasileiro. Era o clima, a terra, o país, o

detentor da abundância vegetal, sem que esta precisasse ser composta por espécies indígenas.

Uma vez em que “(...) a ideia da inferioridade do meio americano e de suas formas de

vida acompanha, como uma sombra, a vertigem européia com a natureza tropical” (R.Arnt,

1992:37), o empreendimento de demonstrar que o clima tropical era seguro, que os visitantes

estrangeiros não seriam arrebatados por pestes, doenças, sujeira e calor, era estabelecer o

controle sobre o meio natural. Controlar o meio natural é também fazer crescer em seu

território o que lhe convir. A natureza brasileira não seria mais o espelho da floresta

amazônica, mas sim, o reflexo do plantio controlado.

No que concerne às espécies selecionadas por Barbosa Rodrigues que não entravam no

eixo do utilitário, a centralização das escolhas recaía na flora que não era apenas indígena,

mas amazônica. Tais escolhas operavam em favor de uma concepção de autenticidade na

construção da imagem nacional, sendo o domínio amazônico aquele que obteve maior

investimento simbólico para representar o país. Mas, se a redução da floresta, por meio dos

espécimes encontrados no espaço do Jardim Botânico, não era suficiente para demonstrar a

10 A cana-de-açúcar é uma espécie asiática, e o café é originário da Etiópia. Foram duas grandes monoculturas

implementadas no país ao longo de sua história, e sobre as quais havia maior conhecimento reunido. Ainda

assim, era preocupação constante diversificar a agricultura com outras plantas úteis: “Cereaes, que no Brazil

dão-se como si foram indigenas, tão facil e fartamente produzem, e poderiam igualmente enriquecer o

lavrador, teem sido postos á margem vencidos pelo café” (Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas,

1893:27).

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natureza domesticada brasileira, o plantio de espécies advindas de climas distintos era mais

enfático. Mais do que uma flora exuberante, teríamos então um solo aberto e fértil para

qualquer semente que fosse plantada. A flora nativa abria espaço para o solo e o clima,

retornando-se ao pensamento colonial de natureza desejável e ao Jardim Botânico como

jardim de aclimatação.

Exibir uma imagem de território no qual seria possível plantar todas as espécies

consideradas úteis para a indústria era também mostrar que os recursos da terra estavam

disponíveis. Selecionar espécies exóticas para representar o estande do Jardim Botânico, ele

próprio redução da flora local, era uma maneira de provar que o estrangeiro nessa terra

sobrevive. Não apenas sobrevive, mas produz, em uma terra declaradamente domesticável e

flexível. Se o Jardim Botânico, dentre diversas outras funções, era a instituição responsável

pela aclimatação de plantas exóticas, seria ele quem diria o que era possível cultivar, e

espalharia as sementes pelo país.

Passada a Exposição Nacional de 1908, e logo após a morte de Barbosa Rodrigues

(1909), o ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, escreveu no relatório oficial:

O Jardim Botanico deve ser simultaneamente o repositorio das riquezas de nossa

flora, representada, por seus principaes specimens, nas culturas e nos herbarios, e

um instituto de pesquisa scientifica sobre as plantas uteis, em suas multiplas

applicações. E' utilissimo proceder-se á classificação scientifica de nossas essencias

florestaes e de todas as plantas que são o attestado da grandeza de nossa flora;

porém, essa utilidade não exclue, antes exige que se promovam experiencias de

cultura sobre as mesmas plantas, que se estudem e analysem os seus productos, e

esse trabalho só póde esperar com efficacia quando ao lado do botanico se collocam

o physiologista, o chimico e o agronomo.

Estamos affeitos a ver figurar em nossas exposições, centenas de amostras de

madeira, collecções numerosas de plantas, fibras, principios activos, mineraes,

rochas, etc., sem indicações precisas sobre seu valor technico, além de lhes faltarem,

em geral, quaesquer dados relativos á sua procedencia, condições de producção,

transporte e valor venal.

Esse facto é revelador de que tudo ou quasi tudo que possuimos em materia prima, e

é esta precisamente a origem principal dos nossos recursos, está por estudar,

exigindo, pois, que o experimentador, o homem de sciencia consiga na utilidade

calma de seu gabinete e de seu laboratorio, demonstrar a importancia dessas

utilidades, revelando o que ellas realmente têm de aproveitavel para o

desenvolvimento da producção nacional.

Obedecendo a essa ordem de idéas, que tendem a conjugar a sciencia especulativa

com as suas applicações, foram creadas a secção de botanica, cuja direcção incumbe

ao próprio director do estabelecimento, o laboratorio de chimica agricola, o de

ensaio de sementes e physiologia vegetal e a secção agronomica, destinada a

comprovar ou completar praticamente os estudos e pesquisas a cargo das outras

seções (Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas, 1909-1910).

O relatório demonstra um descontentamento com os objetos comumente apresentados

nas exposições pelo Brasil. Itens sem sentido, eram eles a representação da matéria-prima

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brasileira, mas faltava-lhes seu valor técnico. Mesmo que as coleções fossem acompanhadas

de seus respectivos catálogos, única maneira segundo Barbosa Rodrigues, de se organizarem

boas e grandes coleções (Livro de Ofícios, 1904), tais catálogos não continham informações

práticas detalhadas. Assim, não bastava ao Jardim Botânico apresentar suas plantas indígenas,

era necessário apresentar, antes de tudo, plantas úteis.

Isso, de fato, era realizado pelo Jardim. A sugestão da inclusão do fisiologista, químico

e agrônomo nos trabalhos do Jardim Botânico esconde uma crítica. A sugestão do ministro foi

oposta aos rumos tomados pela direção de Barbosa Rodrigues. Para este último, o trabalho da

ciência botânica da época era o de realizar principalmente a taxonomia da flora nacional, não

por acaso, em sua direção foi criada a função de naturalista-viajante, cujo objetivo era,

justamente, viajar pelo país catalogando novas espécies (M.Sá, 2001). A manutenção da verba

para o cargo foi uma das muitas disputas do diretor para manter o Jardim no mesmo rumo dos

outros jardins botânicos mundiais.

Apesar dos embates pelo objetivo do JBRJ, Barbosa Rodrigues bem sabia como se

utilizar da visão do que era considerado, pelo governo, útil ao Jardim Botânico. Em seus

pedidos de aumento de verba para a instituição, lembrava os serviços do Jardim para a

agricultura:

Estando o Jardim Botânico em via de se reformar e para prepará-lo desde já, de uma

forma completa e esta Diretoria lutando com falta de pessoal idôneo para a boa

conservação, preparo de terras e plantio regular de sementes de plantas, que

constituem a maior exportação para o fazendeiro ou agricultor, venho

respeitosamente propor-vos um auxílio a esta repartição (Livro de Ofícios, 1909).

Segundo os relatórios ministeriais, a instituição distribuía plantas e sementes para os

agricultores, prestando sempre “serviço muito util á industria agricola do paiz” (Ministério da

Industria, Viação e Obras Públicas, 1894:27). Entretanto, isso não o qualificava como campo

de experimentos agrícolas. Barbosa Rodrigues criticou amplamente a época em que o JBRJ

estava subordinado ao Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA, 1860-1891),

momento no qual, para ele, teria o Jardim se tornado mero parque de passeio, e a ciência

botânica teria sido substituída pela agronomia (B.Bediaga, 2011). Narrativa reproduzida pelo

próprio ministro em praticamente todos os seus relatórios:

Transformado quasi que exclusivamente em logradouro publico, quando ficou

subordinado ao Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, offerece hoje,

entretanto, um centro exclusivo de estudo e de observações scientificas,

notadamente sobre a flora brasileira (Ministério da Industria, Viação e Obras

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Públicas, 1901:14).

É de se notar o deslocamento dos interesses botânicos. Nos relatórios, o estudo sobre a

flora brasileira, durante a direção de Barbosa Rodrigues, foi atividade continuamente

aclamada, conjuntamente ao desenvolvimento de plantas úteis à indústria, fossem essas

indígenas ou não. A tensão esteve sempre subjacente à relação, mas mantinha-se controlada

pela posição dos estudos de Barbosa Rodrigues. No entanto, vemos uma ênfase crescente para

o desenvolvimento da indústria agrícola, presente tanto nos relatórios ministeriais quanto na

seleção de espécies para a Exposição Nacional de 1908. A oposição também pode ser

observada em seu regulamento:

Art. 1º O Jardim Botanico é destinado não só a diversões do publico, em geral, mas

especialmente ao estudo da botanica, e em particular ao da flora brazileira.

Paragrapho unico. Para esse fim cultivará em jardim, viveiros, estufas, todas as

plantas, mesmo as da flora exotica, sempre que tiverem ou puderem ter emprego

ou applicação na sciencia, na agricultura, nas artes, na industria, conservando-as

devidamente classificadas.

(Decreto N. 518 de 23 de junho de 1890, grifos meus)

O contexto nos proporciona também uma via explicativa para um fato intrigante: o

silêncio oficial sobre a morte de Barbosa Rodrigues. A notícia de seu falecimento teve

destaque na capa dos jornais, em março de 1909 (Correio da Manhã; O Paiz; A Imprensa; O

Século; Rua do Ouvidor; Revista da Semana, 1909). No entanto, o argumento central das

notícias não dizia respeito à sua morte, e sim à estranha indiferença demonstrada pelo

governo. Seu cortejo fúnebre pouco se pareceu com o de um morto ilustre em seu tempo. Não

houve homenagens, nem ao menos um representante do governo esteve presente, tampouco

ministros e membros do Congresso. Indignados, os redatores dos jornais apontavam velórios

de representantes da intelectualidade da época, nos quais o governo tomara para si o patriótico

dever de conduzi-los em sua totalidade. Pedia-se publicamente uma reparação moral pelo

desleixo com o botânico, inexplicável para a imprensa. Lembravam-se suas grandes obras,

seus títulos11

, o inestimável serviço realizado pelo país e pela ciência ao revelar sua flora, e

por ter sido o maior naturalista que o país já possuiu, pois “poucos botanicos, depois de

Linneu, classificaram tantos vegetaes desconhecidos como o illustre extincto de hontem”

(Correio da Manhã, 14.03.1909).

Apesar da incredulidade geral, um dos periódicos nos revela um possível motivo pela

11 Barbosa Rodrigues era cavaleiro da Ordem de Santiago e membro da Ordem da Coroa da Itália.

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desfeita. Com o propósito de assinalar um fato com o qual estava em acordo, A Imprensa

noticiou a indiferença oficial que acompanhou os restos de Barbosa Rodrigues para o

cemitério. Para o jornal, seria imperativo o governo guardar luto pela perda de uma figura

eminente. Se as condolências não foram enviadas não teria sido por esquecimento, mas sim,

pelo governo não concordar com o projeto de ciência, e de Jardim Botânico, construído por

Barbosa Rodrigues:

Em todo o caso, a indifferença official nesse desastre, que nos rouba um homem, de

prompto, insubstituível, prova, todavia, uma concordancia do governo (louvemos

Deus, por isso!) connosco – e vem a ser o julgamento seguro, de que este país

continúa a ser, mesmo sem o respectivo ministério – um país essencialmente

agrícola (A Imprensa, 07.03.1909).

Em tal rompante de sinceridade, a imprensa anunciou qual era o conhecimento

científico relevante para o governo e para a linha editorial do jornal, e a respectiva posição

ocupada por Barbosa Rodrigues. Apesar do enaltecimento constante à ciência, ao progresso, e

à marcha da civilização, a produção dos saberes científicos não era igualmente promovida. A

conjugação entre ciência e comércio submetia os interesses da ciência botânica, e assim, a

expansão sobre o conhecimento pertinente a flora indígena, ao que seria a verdadeira vocação

nacional, a saber, a de celeiro mundial.

É possível encontrar outros traços de incompatibilidade entre Barbosa Rodrigues e o

governo vigente. Como já apontado por Alda Heizer (2012), logo após o advento da república,

Barbosa Rodrigues escreveu uma carta para D.Pedro II, afirmando seu apreço pela monarquia

e repúdio pela mudança política. Foi também devido a diversos favores na corte que Barbosa

Rodrigues conseguiu ser diretor do recém-criado Museu Botânico do Amazonas, cargo

ocupado por ele no período anterior a sua direção no JBRJ. Assim, apesar de sua altamente

reconhecida direção no JBRJ, a única manifestação oficial do governo encontrada após sua

morte foi uma crítica:

Apezar dos intuitos com que foi creado, não presta o Jardim à lavoura os beneficios

que, em outros paizes, recolhe ella de estabelecimentos congeneres. (…) foi

perdendo o seu caracter economico e restringindo mais a mais as respectivas

funcções, a ponto de se tornar quasi um estabelecimento de feição meramente

ornamental. (…) Devendo constituir o Jardim Botanico um dos principaes elementos

do Ministerio da Agricultura, penso em reorganisal-o desde já sobre bases

convenientes, completando-lhe a parte technica e dotando-o dos elementos

necessarios para que se torne o centro do serviço agronomico em todo o paiz

(Mensagens presidenciais, 1909).

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Hermann von Ihering, diretor do Museu Paulista, assim como outros tantos cientistas

do referente período, foi contrário à existência do JBRJ enquanto parque de passeio ou

instituição de desenvolvimento agrícola. Acusou, portanto, a falta de visão científica na

mensagem do presidente, a qual constituía ameaça de “vandalismo” do excelente trabalho

realizado por Barbosa Rodrigues no Jardim.

Publicou, portanto, um artigo na revista de seu instituto (1911) em homenagem e

memória do falecido botânico. Segundo o autor, ser um naturalista no país naquele momento

não era tarefa fácil, pois:

Infelizmente, o culto das sciencias naturaes ainda está em phase atrazada e infantil

no Brazil, onde em geral se deseja ver resultados praticos dos estudos scientificos,

isto é sua utilidade immediata (H.Ihering, 1911:23).

Esclareceu que as perseguições sofridas por Barbosa Rodrigues, no âmbito acadêmico,

deviam-se ao seu mérito científico, enquanto as perseguições infligidas pelo governo logo

após sua morte eram fruto do desejo de levar o Jardim Botânico, de fato, para “outra phase de

maior utilidade practica” (H.Ihering, 1911:25).

Além de von Ihering, alguns poucos outros intelectuais do período também não

silenciaram. O IHGB por exemplo, em nota sobre a sua morte, publicou: “exercia

ultimamente, com inegualavel competencia e zelo, o lugar de director do Jardim Botanico,

umas das ricas joias desta Capital (…)” (Revista do IHGB, 1910:411).

Assim, se Barbosa Rodrigues estava em desacordo com o governo sobre a função da

instituição pela qual era encarregado, a coleção botânica reunida para representá-la na

Exposição deixava transparecer esse desajuste. A coleção era uma mistura, desigual, do

objetivo almejado pelos dois lados; espécies, exóticas ou indígenas, descritas a partir de sua

utilidade, seguidas por uma imensa lista sobre uma das famílias indígenas para a qual Barbosa

Rodrigues mais dedicou seu tempo: as palmeiras.

A Família das Palmeiras escondia-se em uma listagem, sem descrição, ao final da

relação de plantas expostas no catálogo da Exposição Nacional de 1908. No entanto, o alto

número de palmeiras presentes, tanto na coleção viva quanto na relação, superava em número

as outras espécies e indicava a importância do grupo para Barbosa Rodrigues.

Em suas viagens ao Amazonas, Barbosa Rodrigues coletou, reconheceu e ilustrou

amplo número de palmeiras. Comissionado pelo governo, foi ele o botânico encarregado de

revisar e de completar os estudos sobre as palmeiras da Flora Brasilienses, iniciada pelo

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naturalista von Martius. Teve financiada pelo governo também a publicação de sua obra

Sertum Palmarum Brasiliensium, na qual estão classificadas e ilustradas diversas espécies de

palmeiras. Ilustrou ele mesmo dezenas delas, constituindo amplo acervo botânico

iconográfico.

A partir do trabalho realizado por von Martius na Amazônia, região com o maior

número de palmeiras existentes, a palmeira se estabeleceu no pensamento botânico

(K.Manthorne, 1996). Mas, anteriormente a tais estudos, a palmeira já compunha o acervo

iconográfico remetido à paisagem brasileira: “A palmeira, (…), é um símbolo visual

particularmente importante, a árvore bíblica e o sinal de direção para o Paraíso”

(K.Manthorne, 1996:62). Tal citação nos remete, novamente, à associação da imagem do país

ao Éden. Nos quadros dos viajantes-naturalistas, a palmeira era representação central ao se

retratar a natureza brasileira e, em seus estudos, escolhida enquanto o emblema dos trópicos,

ao lado dos mosquitos (M.Dettelbach, 2005). Nas palavras de N.Stepan (2001:295):

Essas plantas altas e graciosas, que há muito tempo simbolizam as origens da

civilização na Ásia, ou as terras bíblicas do deserto do Oriente Médio, foram

reivindicadas por Humboldt para serem as mais nobres das plantas tropicais, cuja

simples presença foi responsável por grande parte do impacto estético que as

paisagens tropicais tiveram na imaginação humana. Palmeiras, assim, passaram a ser

valorizadas por si mesmas, principalmente como objetos da natureza. Com o tempo,

a palmeira se tornou o sinal onipresente dos trópicos, sua imagem instantaneamente

sinalizava menos uma espécie botânica do que uma submersão imaginária em locais

quentes (N.Stepan, 2001:295, tradução minha)12

.

A escolha das palmeiras em detrimento à vitória-régia, às orquídeas ou a outra espécie

nativa para participar da coleção, enquanto insubstituível representante indígena, pode apenas

ser compreendida pela chave do trabalho acadêmico de Barbosa Rodrigues: “A's orchidéas,

observava o Dr. Barbosa Rodrigues, sacrifiquei as alegrias de minha mocidade e ás palmeiras

os descansos da edade madura” (Revista do IHGB, 1910:411). Foi a espécie preponderante, a

qual, apesar de toda a relação ser dominada por espécies úteis, era imprescindível em uma

coleção botânica.

12

“These tall and graceful plants, which had long symbolized the origins of civilization in Asia or the biblical

desert lands of the Middle East, were claimed by Humboldt to be the most noble of tropical plants, whose

mere presence was responsible for much of the aesthetic impact that tropical landscapes had on the human

imagination. Palm-trees thus came to be valued themselves, primarily as objects of nature. Over time, the

palm-tree became the ubiquitous sign of the tropics, images of it instantly signalling less a botanical species

than an imaginative submersion in hot places” (N.Stepan, 2001:295).

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Figura 3 - Prancha pintada por Barbosa Rodrigues, com palmeiras representadas em seu meio natural, sendo

considerada a ocupação indígena como integrante do mesmo (Barbosa Rodrigues, 1903, tab 13).

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A

Figura 4 - Palmeiras representadas conjuntamente à técnica de coleta de seus frutos (Barbosa Rodrigues,

1903, tab 51).

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A vitória-régia podia ser a principal representante brasileira nos jardins botânicos

estrangeiros, mas as palmeiras, além de figurarem também como espécies exóticas em tais

locais, formavam uma das famílias preferidas pelos entusiastas de jardinagem brasileiros no

período. A preferência por palmeiras para jardins privados parece constituir exceção notável,

uma vez que, ao longo do século XIX, no Brasil:

(...) O estilo inglês foi favorecido, de forma que as rosas inglesas, os cravos e as

dálias eram muito mais familiares para a classe média do que as suas plantas nativas.

As plantas nativas eram vistas como muito comuns, muito desordenadas e muito

representantivas da selva para encantar a elite e a classe média (N.Stepan, 2001,

tradução minha)13

.

O plantio de palmeiras em jardins particulares tinha razões históricas. Com a vinda da

primeira leva de plantas para a inauguração do JBRJ, D. João VI teria gostado de uma espécie

estrangeira de palmeira, a Oreodoxa Oleracea (Mart.), plantando ele mesmo a muda no

Jardim. Desde então, a espécie é conhecida por palmeira-real, ou palmeira-imperial. Segundo

a narrativa de Barbosa Rodrigues (1894), anualmente a muda produzia sementes, mas tinha

seus frutos queimados a mando do diretor anterior, Serpa Brandão, de modo a tentar controlar

sua dispersão. Entretanto, os escravos do Jardim subiam à noite por seu tronco e recolhiam

sementes para a venda, “Propagada por este meio, a palmeira real não tardou a espalhar-se por

tal modo que em certos lugares do Brazil tornou-se mais conhecida que as palmeiras

indigenas” (Barbosa Rodrigues, 1894:XXVI).

A palma-mater, a primeira plantada pelo rei, serviu de matriz para outras tantas

palmeiras do JBRJ. Constituíram, dessa forma, a aléa principal, imagem reconhecida da

fachada do Jardim, irradiando em sua disposição ordem e controle sobre o meio natural. A

palmeira plantada por D. João VI tornou-se personagem reconhecida em seu tempo, ocupando

frequentemente artigos em jornais a respeito de sua beleza e saúde, tendo sido porventura

utilizada em metáforas políticas:

A palmeira definhava. Dia a dia uma lagarta mais chegava e ella sentia, sobre a sua

casca, ir a pouco e pouco caminhando um corpo molle, que subia, vagarosamente,

até lá alto onde a sua viride juba se desgrenha ao vento ha muitos annos, sempre

bella e elegante. De tão triste que ia ficando a palmeira de D. João VI era tal qual o

Brasil... As lagartas lá estavam parasitariamente pregadas como um bando enorme

de políticos. (…)

E as lagartas passeiam-se. Da rua da Misericordia, para o Cattete, do Cattete para o

13

“(...) the English style was favoured, so that English roses, carnations and dahlias were far more familiar to

the middle class than their native plants. Native plants were viewed as too commonplace, too disorderly and

too representative of the jungle to appeal to the élite and middle class” (N.Stepan, 2001).

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campo de Sant'Anna, a romaria não cessa: lagartas vão, lagartas vêm, presurosas,

atarefadas, forjando leis, ruminando orçamentos, enquanto que á lagarta mestra, de

papo ao ar, o savaignac morosamente affagado, madorna gostosamente a sua

soberania (A Noticia, 03.08.1904).

Com o sucesso da palmeira-imperial, ela e outras serviram de ornamento pelas casas e

ruas da cidade. Constituíram a arborização do canal do mangue (A Noticia, 16.05.1907;

Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas, 1907), bem como eram a principal espécie

presente nos parques e jardins da cidade, segundo o relatório de plantas expostas nos jardins

dos pavilhões da Inspectoria de Mattas, Jardins, Arborisação, Caça e Pesca (Album da

Exposição Nacional de 1908, 1908), pavilhão próximo à estufa do JBRJ na Exposição

Nacional de 1908. Representação da flora utilizada nos parques e jardins da cidade, a coleção

da inspetoria continha diversas espécies e fotos de seus jardins arborizados. Dentre eles, era

predominante a presença de diversos tipos de palmeiras, assim como seu catálogo encontrava-

se repleto de gravuras da espécie.

O JBRJ, em nível nacional, e a Inspectoria de Mattas, Jardins, Arborisação, Caça e

Pesca, em nível municipal, representavam as duas instituições que poderiam apresentar, na

Exposição, uma coleção simbólica da flora brasileira no período. No estande destinado às

duas instituições, assim como em seus respectivos catálogos, era a espécie das palmeiras a

representante de maior peso quantitativo. A escolha da Inspectoria de Mattas, Jardins,

Arborisação, Caça e Pesca dizia respeito mais a questões paisagísticas e conservacionistas

que agrícolas e científicas, possibilitando que sua coleção se comprometesse em remeter

apenas à uma imagem desejável de trópicos domesticados. Discriminava-se, pois, em seu

regulamento:

Art.23. A inspectoria de mattas, florestas, jardins publicos, arborizacao e caça,

compete:

1 A inspecção, fiscalização, plantio e replantio de todas as mattas e florestas do

Districto Federal;

2 A construcção, fiscalização e conservação de todos os jardins publicos do Districto

Federal;

3 A arborisação da cidade, sua fiscalização e conservação

4 A criação de viveiros especiaes para as necessidades da arborização da cidade;

5 A fiscalização das mattas com relação aos regulamentos que forem expedidos

referentes á caça.

(Código de Posturas, 1894:402)

O regulamento do JBRJ, por sua vez, prescrevia suas atribuições no âmbito da ciência,

agricultura e indústria (Decreto nº 518 de 23 de junho de 1890), o que tornava diverso o

significado das palmeiras em sua coleção.

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Se, apesar de seu sucesso paisagístico, inscrito em lógica diversa ao da utilidade

comercial, as palmeiras não eram consideradas úteis para a indústria agrícola do período - ou

seja, não serviam de matéria-prima a produtos rentáveis para o comércio - ao menos para

Barbosa Rodrigues elas eram a espécie mais útil existente. Para ele, as palmeiras eram as

árvores da vida, as rainhas do reino vegetal. Por fornecerem seus fios para redes, darem linha

para pescar, isca para o fogo, teto para abrigo, parede contra os ventos, assoalho contra a

umidade, ornamentos, palhas, cera, óleo, sal, água, vinho, frutos, remédios, de modo que

“Não ha familia vegetal que tanto offereça ao homem” (Barbosa Rodrigues, 1898:XV). Ele

mesmo teria sido salvo em suas viagens, diversas vezes, por palmeiras, utilizando-se dos seus

frutos. Assim, para o botânico, o trabalho de classificá-las e adorá-las era uma questão

patriótica, o que o levou a escrever em sua obra Palmae Mattogrossenses “- Tomai, patricios

meus, mais um punhado de palmas novas, que respiguei nas plagas Mato-Grossenses, para

que não preciseis perguntar a estrangeiros quaes as riquezas que possuimos” (Barbosa

Rodrigues, 1898).

Sua adoração pela espécie era tamanha que, ao fazer um levantamento de seu

simbolismo em diversas religiões, considerou-a uma árvore sagrada, representante da Deusa

Victoria, a Dea Palmaris. Assim, em sua homenagem, construiu um templo no Jardim

Botânico:

Na aléa central das palmeiras, a 22 de agosto, em presença dos membros do

Congresso Pan Americano, por occasião da festa ahi offerecida aos congressistas, foi

inaugurado um templo imitando o que a Nice, a Dea Palmaris, levantaram os gregos

na Acropole de Athenas.

Alli se acham reunidas quasi duzentas especies de palmeiras indigenas e exoticas,

dispostas em grupos, e todas, competentemente determinadas. No centro da parte

circular dessa construcção, deve elevar-se uma estatua representando aquella deusa,

e, ao fundo, ficará uma gruta com agua corrente, para irrigação das palmeiras

(Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas, 1907:5).

As palmeiras foram, também, a única espécie não competente à indústria agrícola,

cujas sementes foram amplamente distribuídas pelo JBRJ para os estados. Nas tabela de

distribuição de sementes, constantes nos relatórios do Jardim, figuraram, em geral, as espécies

discriminadas: fumo, trigo, algodão, cana e palmeiras.

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Figura 5 - Foto do Dea Palmaris, ao final da aléa principal (Barbosa Rodrigues, 1908a:30).

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As palmeiras, no entanto, não configuravam uma commodity brasileira. A indiferença

por elas, e pela flora indígena em geral, tornou-se maior à medida que o paradigma científico

passou do enciclopédico, que a tudo pretendia classificar – e portanto, para o qual tudo

despertava interesse por si mesmo –, para o paradigma no qual o interesse estaria apenas nas

espécies que demonstrassem alguma utilidade, além de sua própria existência misteriosa não-

classificada, em especial, de uma utilidade condizente com o estágio de desenvolvimento dos

meios de produção capitalista.

Aquilo que podemos saber sobre a recepção da coleção de Barbosa Rodrigues, para a

Exposição Nacional de 1908, confunde-se com a recepção dos trabalhos realizados no JBRJ

ao longo de toda a sua direção (1890 – 1909). Não há documentos que tratem apenas desse

Figura 6 - Recorte de jornal, cuja matéria noticiava a inauguração do templo (Gazeta

de Notícias, 23.08.1906).

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trabalho; as críticas realizadas após sua morte tratam de maneira ampla sobre os rumos do

JBRJ. No entanto, ao percorrer as referentes à utilidade da instituição, podemos ver a coleção

de Barbosa Rodrigues como uma tentativa de agradar ânimos indispostos à sua direção. Pois,

pelo que sabemos de seus estudos, não figurariam espécies exóticas, em quantidade

esmagadora, no índice dos trabalhos do JBRJ. Estariam, ainda, incluídas plantas tais quais a

vitória-régia, as orquídeas, passifloras, e tantas outras espécies indígenas, provavelmente

consideradas inúteis para a indústria agrícola do período.

Operando a oposição entre exótico e indígena, a coleção botânica de Barbosa

Rodrigues para a Exposição Nacional de 1908 nos oferece, assim, uma variante da narrativa

de nação e suas tensões na primeira república.

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Capítulo III – ...Quebrando grades

Para narrar administrações anteriores do JBRJ, a historiografia utilizou-se

principalmente do já referido Hortus Fluminensis (Barbosa Rodrigues, 1894). No entanto, por

ser um dos poucos documentos existentes sobre a história institucional, a obra foi tratada

como fonte histórica privilegiada, geralmente descontextualizada. Como indicado por

B.Bediaga (2007), a narrativa de Barbosa Rodrigues teve o mérito de constituir uma primeira

versão da história institucional, mas faltam estudos sobre o Jardim fora desse parâmetro.

Para superar essas dificuldades, outros pesquisadores utilizaram documentos relativos

à trajetória e obra dos diretores, motivo pelo qual a maioria das pesquisas existentes

realizaram uma narrativa administrativa (I.Casazza, 2012). No período da direção de Barbosa

Rodrigues, a disponibilidade de material não é diferente. Para relatar o período em que o JBRJ

esteve ao seu encargo (1890 – 1909), poucos documentos se fazem presentes, além de suas

próprias obras, de alguns relatórios ministeriais, e de um livro de ofícios mantido na

Biblioteca Barbosa Rodrigues. Em geral, essas referências já foram estudadas pela

historiografia; faremos, entretanto, também uma leitura delas nesse capítulo.

Além disso, realizaremos um esforço no sentido de contribuir com a história do Jardim

Botânico do Rio de Janeiro a partir de uma documentação diversa. A história que se segue é a

busca por outras perspectivas, marginais, bem como a de pensar a instituição em relação ao

seu entorno, seja este a classe operária da Gávea ou a mata selvagem.

3.1 Higienizar por muros

O jornal O Paiz, em 8 de maio de 1899, noticiava o mau estado sanitário em que se

encontrava a freguesia da Gávea. O Diretor Geral de Higiene e Assistência Pública havia

realizado uma excursão sanitária ao bairro, devido a uma epidemia de febre amarela, que se

supunha relacionada à falta de esgotos e à utilização de sumidouros. Segundo a notícia, a falta

de salubridade havia envenenado o solo e a atmosfera, motivo principal de doenças para

dezenas de operários que ali viviam. A acusada pelos danos foi a companhia City

Improvements, que não teria realizado os melhoramentos prometidos, nem tido iniciativa para

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cumprir seus encargos, resultando em epidemias no bairro.

A notícia acrescentava: “foi preciso que se accumulasse 5.000 indivíduos pela rua

Jardim Botanico e Estrada D.Castorina, em volta das fabricas de tecidos Carioca e Corcovado,

e que os despejos desses cinco milhares de creaturas estercassem maleficamente a zona, para

que a companhia se resolvesse a levar até lá os seus encanamentos” (O Paiz, 08.05.1899).

Ainda assim, pouco ou nada foi feito pela companhia, de modo que o mesmo jornal,

em 23 de maio de 1899, continuou suas acusações, embasadas pelo argumento de que o povo

não tinha capacidade de ser higiênico sem que medidas sanitárias lhe fossem impostas, tarefa

que seria da empresa. O jornal pedia, ainda, que o governo implantasse medidas higiênicas,

resumindo o que se entendia por ambiente salubre à época: o solo teria que ser drenado e

saneado; árvores plantadas; aqueles afetados por moléstias infecciosas, isolados; impedida a

construção de novos cortiços, e que se fiscalizassem os já existentes, delimitando sua lotação

e métodos de asseio; que se responsabilizassem os moradores do bairro pela higiene dos rios e

valas; que se tornasse obrigatória a presença de fornos de incineração nas fábricas; aterrassem

as margens de lagoas; colocasse o estrume em lugar específico para ser curtido; e, sublinho,

“e' preciso murar o Jardim Botanico, repetimos, na face voltada para a estrada D.Castorina, e

arborizar esta estrada com vegetaes apropriados para beneficiamento commum ao solo e à

atmosphera” (O Paiz, 23.05.1899).

A repetição, citada na frase, é proveniente da matéria publicada no jornal em 16 de

maio de 1899, na qual em excursão sanitária em prol da higienização do bairro e da instalação

de uma rede regular de esgotos, os repórteres do jornal acusaram outros focos de

insalubridade, em particular, o lodo fétido acumulado em um açude utilizado para consumo

humano. O açude provinha do rio dos Macacos, que, tendo sido desviado pelo diretor do

Jardim Botânico para o estabelecimento, arrastava dejetos provenientes do deságue de

sumidouros no rio. A presença de esgoto a céu aberto não apenas chocava os visitantes, mas

contribuía também para a pestilência geral dos moradores do bairro.

A morbidez que contaminou o Jardim foi, portanto, relacionada à recém instalada

população, tanto pela presença de sumidouros que contaminavam os rios – cujo descaso foi

atribuído à companhia City Improvements –, quanto pelos hábitos dos operários. Estes,

segundo o jornal, realizavam despejos nos limites da estrada D.Castorina com o Jardim, de

modo que era “desagradavelmente impressionante passar por essa estrada e olhar para o limite

do Jardim, com terrenos encharcados, fétidos, cercas demolidas, vastos juncaes de lixo, um

todo ruinoso e de coisa abandonada” (O Paiz, 16.05.1899).

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A acusação da insalubridade do local devido à presença de excrementos e de cercas

deterioradas estendia-se, ainda, ao Jardim, que “continua no mesmo estado: varejado a

nordeste por toda a sorte de immundicies e até por homens e crianças que vão lá dentro

rapinar lenha e fructos. Uma vergonha!” (O Paiz, 16.05.1899). Para tornar o local limpo, o

jornal propunha a solução: dever-se-ia ao mesmo tempo arrumar o leito do rio para que ele

pudesse adquirir mais força para arrastar consigo as sujeiras, nivelar e calçar as ruas da

estrada D.Castorina, e murar o Jardim Botânico na área limítrofe às ruas habitadas por

operários.

O Jardim deveria ser limpo e ordenado. Para tanto, seria necessário retirar o que o

corrompia e, na falta de cercas que resistissem aos invasores, dever-se-ia erguer um muro para

impedir a entrada de tais elementos indesejados. Manter-se-ia, assim, a ordem interna do

espaço: “venho solicitar a V. Exª ceder para o Jardim Botânico cópia de uma planta, que me

informaram ter sido levantada pela Diretoria de Obras Públicas. É indispensável, que o Jardim

Botânico possua uma cópia dessa planta, não só para melhor distribuir o terreno para diversas

culturas, mas ainda para verificar os seus limites que segundo corre tem sido violado” (Livro

de Ofícios, 1903). Reforçar os limites, assegurar a ordem do Jardim. Igualmente, em sua parte

interna, a organização era mantida pela classificação sistemática das espécies divididas em

setores, sendo as matas e capoeiras, em estado de profusão indiscriminada, derrubadas

(Barbosa Rodrigues, 1894).

No Relatório sobre trabalhos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (Barbosa

Rodrigues, 1893), Barbosa Rodrigues afirmou que o Jardim teria policiamento regular, devido

aos conflitos com os moradores vizinhos. Assim, pediu verba para murar o Jardim pela

estrada de D.Castorina, já que “os abusos continuam por parte dos moradores visinhos ao

jardim e só o amuramento do mesmo impedirá irregularidades” (Barbosa Rodrigues, 1893).

Em 21 de setembro de 1899, o jornal O Paiz divulgou uma nota feita pelas providências

tomadas pelo Ministro da Viação a fim de que se arrumasse o alinhamento e recuo das cercas

de arame, que limitavam o Jardim Botânico com a rua D.Castorina.

Tais conflitos ocorridos no espaço do Jardim Botânico parecem refletir um conflito

mais amplo quanto aos usos do espaço na cidade do Rio de Janeiro. Os operários cariocas,

possivelmente, tentavam suprir, através da floresta, sustento para si, lutando por se manterem

na, então, capital brasileira. Ao coletarem lenha, furtarem mudas de árvores raras e cortarem

cana, eles infligiam danos ao Jardim, à flora e à fauna existentes nesse espaço, além de

contrariarem o projeto governamental para o espaço. Ao mesmo tempo, ao insistirem em se

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apropriar do Jardim, não enquanto espaço de contemplação ou local de ciência, mas enquanto

extensão de suas casas, subvertiam a relação entre homem e mundo natural designada pelo

Jardim. Era por meio da floresta, e não dos campos cultivados ou do jardim ordenado, que se

estabelecia relação entre eles.

A disputa entre essas duas formas de se relacionar com a natureza não é singular, na

historiografia. Relatos similares foram realizados em diversos momentos, narrando tentativas

de uma apropriação específica dos espaços naturais, para estabelecimento de projetos

idealizados pelo governo, ou pelas classes abastadas, em contraposição à utilização do meio

natural para suprir as necessidades de grande parcela da população.

E.P.Thompson (1987), analisou os conflitos florestanos entre camponeses e a nobreza

britânica ao longo do século XVIII. Para proprietários de terras e funcionários da Coroa, no

período, a questão crucial era o fechamento das terras comunais e a preservação da floresta

para os cervos, enquanto para os habitantes das florestas, tratava-se de manter os direitos

comunais, dentre eles o direito de apanhar lenha caída do chão. K.Marx (1842) já apontara

para o problema dos camponeses que recolhiam a madeira caída no chão, na Alemanha do

século XIX, como uma mudança do direito consuetudinário para o direito de posse capitalista.

Ou seja, uma mudança no direito baseado no costume local, o qual permitia que os

camponeses colhessem galhos caídos, para o direito de propriedade, o qual assegurava o

usufruto da terra e de todos os seus bens àquele que detinha sua posse; Marx condena a

mudança, afirmando que os galhos não seriam bens, mas esmolas da natureza separadas da

propriedade, não qualificando o ato, portanto, em furto.

Por sua vez, Karl Jacoby, em Crimes Against Nature (2001), com o intuito de construir

uma história dos parques nacionais norte-americanos, criados em meados do século XIX, não

encontrou informações relativas aos passeios empreendidos pela burguesia, mas sim, diversos

documentos sobre caçadores (poachers), posseiros (squatters), incendiários (arsonists), e

ladrões de lenha (timber-thieves). Esses, e outros fora da lei, constituíram o principal

problema enfrentado pelo nascente movimento de conservação ambiental na América. Para o

autor, tais crimes diziam respeito às disputas políticas, uma vez que concerniam à habilidade

de alguns grupos legitimarem suas práticas ambientais e criminalizarem outras. Esses estudos

representam apenas alguns, de tantos outros, trabalhos clássicos na historiografia sobre o tema

(entre outros, P.Sahlins, 1994).

Os projetos das classes abastadas não diziam respeito apenas ao que era idealizado

para os espaços naturais, mas também ao que era idealizado para as classes populares.

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Restringir a interação com o meio ambiente – fosse garantindo o acesso apenas a alguns,

assegurando a propriedade dos itens da natureza, cercando espaços para uso apenas

contemplativo, ou mesmo para conservação ambiental – era também uma maneira de

expropriar a população de seus meios e costumes, para forçar a necessidade de servir de mão

de obra na empreitada capitalista. Assim, os conflitos pelos espaços naturais refletiram,

também, um processo de desapropriação realizado em larga escala, nos quais fora prática:

(...) os cercamentos e a remoção de milhares de pessoas das terras comunais para o

campo, a cidade e o mar. A desapropriação constituiu a fonte primitiva de

acumulação do capital e a força que transformou a terra e o trabalho em mercadorias

(P.Linebaugh & M.Rediker, 2008:26)

No caso do JBRJ, faz-se necessário contextualizar as disputas nas condições históricas

do início da república, pautadas por grandes dificuldades para a parcela economicamente mais

pobre da população. Havia diversos problemas no que se refere às habitações, aos problemas

de higiene, ao abastecimento de água, ao saneamento, aos surtos epidêmicos, às altas taxas de

mortalidade, ao encarecimento de produtos, e à inflação generalizada, como já amplamente

estudado (N.Sevcenko, 1984; S.Chalhoub, 1996; J.M.Carvalho, 1987). Segundo José Murilo

de Carvalho (1987), pouco antes da proclamação da república (1889), a população do Rio de

Janeiro havia dobrado, e com ela, os problemas citados. Com o quadro de instabilidade e a

alta repressão republicana à população em geral, havia grande antipatia contra o novo regime,

causada principalmente pelos distintos valores e ideias, não compartilhados entre o governo e

a população.

Para estabilizar a situação e manter a imagem atraente da capital federal, o governo

interferiu no espaço urbano de diversas formas, de modo a domesticá-lo, tanto arquitetônica

quanto politicamente. As primeiras décadas do século XX, assim chamada Belle Époque,

consistiu em um momento de mudança da imagem da cidade com suas ruas sujas e perigosas

para um local estético e limpo, física e socialmente. Com o alto controle das ruas e moradias,

“os espaços para o abate de animais domésticos e para a lavagem de roupas, as fontes

centrais, bem como os terrenos para a criação de animais e locais para cortar lenha foram

reduzidos ou transferidos do centro das cidades para a periferia” (M.D'Incao, 2008:224),

como será discutido posteriormente.

No espaço urbano com pretensões cada vez mais civilizatórias, como as projetadas

para a cidade do Rio de Janeiro naquele período, as relações com o ambiente foram

progressivamente monetarizadas, inclusive o uso de lenha e água. Sua contrapartida era a

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extração, ou roubo, como denominavam as autoridades.

Assim, o jornal O Paiz em 16 de março de 1899, noticiou que por ordem do Ministro

da Justiça, conforme solicitado pelo Ministério da Viação, seria colocada uma força de praças

da brigada policial à disposição do diretor do Jardim, para policiamento interno do

estabelecimento. Mais policiais e uma barreira mais forte, era a solução encontrada pelos

governantes para lidar com a situação. Mas, mesmo com a maior presença de policiamento, as

invasões continuaram frequentes:

Tenho a honra de comunicar-vos, que tornar-se-ão necessárias algumas medidas de

segurança no Jardim Botânico, sendo a primeira de impedir os estragos produzidos

pelos operários da Fábrica de Tecidos Carioca, nos fundos do Jardim, que já de data

anterior arrancam tijolos da parede que separa o Jardim da fábrica fronteira, do que

já resultam diversas brechas na mesma parede. Ainda anteontem dia 2 do corrente,

sublevaram-se os operários e a fábrica ficou fechada. Esses operários saltaram para

dentro do Jardim por diversas vezes, roubando impunemente frutos, canas

destinadas à satisfazer pedidos de lavradores, e bem como lenha, desta vez não

penetraram no Jardim devido, as praças de polícia, que ali se achavam em serviço do

mesmo Jardim. Eu tenho ocupado essas praças para rondas, porém tendo só quatro,

não podem atender a todos os pontos, onde são necessários e sobretudo para vigiar

visitantes, que não respeitam as plantas (Livro de Ofícios, 1903).

Poucos anos depois, a situação agravou-se, com a diminuição dos policiais presentes.

Barbosa Rodrigues voltou, então, a acusar os guardas disponibilizados para o

estabelecimento, que não atendiam às suas reclamações, apesar da manutenção da ordem no

Jardim ser de sua responsabilidade:

Por este motivo, está sendo este Jardim, assaltados por vagabundos, que não só

derrubem árvores para fazer lenha para vender, como invadem as plantações,

destruíndo-as como os canaviais, dos quais retiraram as canas para o mesmo fim.

Por mais de uma vez tenho pedido auxílio à Delegacia, e mostrado, aos inspetores

ou comissários da mesma os estragos, mas sem resultado, porque dizem nada poder

fazer. Absolutamente os prejuízos têm sido inúmeros, impossível de os evitar sem

risco de vida, pela ousadia com que são praticados por uma turma de indivíduos, que

penetraram neste Jardim armados, e desafiando com insultos a todos os empregados

do mesmo Jardim, estando portanto, este expostos a todas as sortes de depredações

(Livro de Ofícios, 1908).

Mas, ainda que não houvesse a guarda para manter a ordem, o próprio diretor

realizava prisões civis contra os invasores:

Remetendo preso à vossa ordem, o indivíduo de nome Antônio Cabo, encontrado em

lugar reservado deste Jardim, fazendo lenha.

(Livro de Ofícios, 1905).

Ao Delegado Policial, remetendo preso, o menor de nome Hermínio Salvador,

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encontrado fazendo lenha por ordem de D. Alzira Professora, de quem o menor é

empregado e obrigado assim a proceder.

(Livro de Ofícios, 1905).

Remeto presos, a vossas ordens os indivíduos de nomes Carmenio Capo e Nicolao

Embriaco, encontrados em lugar reservado deste Jardim roubando frutas. Peço-vos,

sejam punidos como merecem.

(Livro de Ofícios, 1908).

Apesar da construção do muro, as investidas da população não cessaram, continuando

a ser fonte de conflitos. Em carta ao delegado policial da 19ª Circunscrição na Gávea, Barbosa

Rodrigues escreveu “tenho a honra de solicitar-vos, as necessárias providências, a fim de que

façais cessar os estragos que constantemente fazem os moradores da rua D. Castorina no muro

deste Jardim do lado da mesma rua” (Livro de Ofícios, 1907). Os pedidos de conserto ao

muro eram tão frequentes, que a imprensa lançou dúvidas quanto à administração do diretor,

mesmo que o motivo dos estragos não fosse causado por sua má construção: “na construcção

de um muro affirma-se que se gastaram trinta contos, e, apesar desta grande somma, a tal obra

já carece de reparos. Talvez com metade desta importância se executasse um trabalho

perfeito” (O Paiz, 09.12.1902).

3.2 Disputas pelo espaço

Consta no Diário do Congresso Nacional, do dia 2 de Junho de 1899, a ata da 21a

reunião da Câmara dos Deputados daquele ano. Nela, o Sr. Heredia de Sá, deputado pela

capital, levou ao debate acontecimentos a respeito de uma contenda entre Barbosa Rodrigues,

as autoridades da Gávea e a população deste bairro, no qual se localizava a instituição.

Contando com o apoio de mais um deputado, o Sr. Guillon, dizia representar a “revoltosa”

população e descrevia as atitudes punitivas tomadas pelo diretor: “(...) sob pretextos os mais

fúteis, muitas vezes prendendo mulheres e crianças, allegando que tiravam lenha e flores”

(Diário do Congresso Nacional, 1899).

Barbosa Rodrigues foi acusado por iniciar uma perseguição contra a população da

Gávea, que, no final do século XIX, era composta por número significativo de trabalhadores,

em virtude da recente instalação de fábricas de tecidos. Em sua perseguição, o diretor teria

estendido sua influência ao delegado da freguesia, obrigando-o a abrir inquéritos contra

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muitos moradores. Consideradas insignificantes pelos deputados, as faltas resumiam-se à

quebra de cercas para entrar no Jardim, com o intuito de coletar lenha, flores e frutos.

Em defesa de Barbosa Rodrigues, outro deputado, o Sr. Costa Júnior, realizou um

longo discurso, definindo a disputa como uma “lucta entre o funccionario correcto e os

depredadores indisciplinados, que tudo queriam destruir” (Diário do Congresso Nacional,

1899). Segundo o deputado, em 1890 Barbosa Rodrigues assumiu a direção do JBRJ e

manteve uma administração tranquila até 1894, momento no qual se abriram as fábricas.

Desde então, eram frequentes as reclamações e ataques contra a pessoa do diretor,

sendo necessário, portanto, averiguar a postura das partes envolvidas na querela. Tal

averiguação foi realizada por Costa Júnior, e outros tantos deputados, destacando a opinião

pública expressa nas notícias de jornais, notas do sindicato dos operários, opiniões do meio

científico do período e, mais frequentemente, por certo senso comum sobre as posições em

disputa.

Costa Júnior defendeu Barbosa Rodrigues reconstruindo a cena de modo a exaltá-lo

enquanto correto funcionário, sábio naturalista e renomado cientista, que arriscava sua vida

para proteger o patrimônio nacional, mesmo sem nenhum apoio das instâncias

governamentais contra a classe operária, classificada como “vagabunda, desordeira, e

selvagem” (Diário do Congresso Nacional, 1899). Por sua vez, o deputado da oposição,

Heredia de Sá, insinuava corrupção e tirania do serviço público, em defesa dos operários,

dando pouca relevância aos atos de invasão e roubo.

O deputado Costa Júnior alegava que o debate era motivado por politicagem, uma vez

que, entre os 3 mil operários habitantes do bairro da Gávea, 300 seriam eleitores responsáveis

por empossar, coincidentemente, os deputados que os defendiam. Segundo Costa Júnior, o

objetivo dos ataques ao diretor era então “(...) arredá-lo da direcção do Jardim, que pretendem

reduzir a logradouro publico da clientella eleitoral” (Diário do Congresso Nacional, 1899). A

politicagem realizada na Gávea foi classificada como uma “politicagem da roça” (Diário do

Congresso Nacional, 1899).

Ao mesmo tempo, a defesa clamava não apenas pela proteção do funcionário público,

mas também pelos “grandes males que dahi resultarão para a Nação e sobretudo ao pessimo

juizo que os estrangeiros farão de semelhantes acontecimentos” (Diário do Congresso

Nacional, 1899). Estava, assim, evidente no discurso do deputado que, se a Câmara

defendesse os atos realizados pelos operários, privilegiaria a politicagem e o ataque ao

patrimônio nacional, em prejuízo da defesa aos ideais do Jardim Botânico.

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Tais ideias vinculavam-se à imagem do naturalista Barbosa Rodrigues, figura

respeitada no cenário cientifico internacional, cuja teoria sobre a forma e destinação de um

jardim botânico diferia muito de um espaço natural, aberto à coleta para a população local.

Suas diretrizes foram apresentadas em Notícia sobre alguns jardins botânicos da Europa

(Barbosa Rodrigues, 1904a), relatório enviado ao Ministério da Indústria, Viação e Obras

Públicas, em que discorre sobre a organização dos jardins botânicos de diversas capitais

europeias, que visitara. O propósito do relato era, acima de tudo, apresentar informações

relevantes que seriam utilizadas no projeto elaborado por Barbosa Rodrigues, recém

empossado na direção, para a reorganização do Jardim Botânico da cidade. Desse modo, as

descrições dos outros jardins serviram de comparação às necessárias mudanças para o Jardim

sob sua responsabilidade, uma vez que os jardins europeus, assim como muitas outras práticas

europeias, eram tidos enquanto modelos de excelência.

Seria, portanto, exaltado na remodelação o melhoramento dos serviços do Jardim no

que dizia respeito a produzir “os melhores serviços à sciencia e à lavoura, mostrando as

nossas riquezas naturaes” (Barbosa Rodrigues, 1904a:3). Em tal curta frase, Barbosa

Rodrigues sintetizou o que era esperado de seu trabalho: a necessidade de exaltar a flora

nacional; a promessa de tornar o estabelecimento reconhecido por sua cientificidade; e

realizar o que era cobrado pela república para suas instituições, uma utilidade prática aplicada,

no caso, à lavoura.

No relatório, prosseguiram os grandes elogios aos jardins botânicos europeus, por

serem capazes de se organizar com excelência científica, superando a função de passeios

públicos. Para tanto, Barbosa Rodrigues elencou os diversos segmentos que os qualificavam

enquanto instituição de renome: herbários, museus, estufas, bibliotecas, laboratórios e ensino

da prática botânica, além do jardim propriamente dito. Não eram, porém, apenas esses os

pontos que os diferenciavam, mas também quem os frequentavam: “Não há quem se atreva a

apanhar uma só flor ou danificar uma só árvore; pelo contrario, o público parece auxiliar a

fiscalização” (Barbosa Rodrigues, 1904a:10).

No relatório, igual valor foi dado por Barbosa Rodrigues aos espaços físicos

vinculados às pesquisas do Jardim e ao público que o frequentava. Do mesmo modo que os

jardins europeus eram instituições científicas exemplares, sua população também o era.

Assim, ao transcrever os rígidos regulamentos desses jardins, que restringiam a entrada de

animais, de crianças, de carros, e proibiam que plantas fossem colhidas, sob penas e multas,

Barbosa Rodrigues afirmou também que tal conjunto de restrições “não é lettra morta e todos

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cumprem sem considerações, porque a educação do povo comprehende as suas vantagens,

que só visam o interesse público” (Barbosa Rodrigues, 1904a:27). Enfatizava ainda, a

necessidade de a população brasileira seguir tal exemplo.

Nesse sentido, segundo Von Ihering (1911:26), havendo encontrado o Jardim Botânico

em total desordem, Barbosa Rodrigues decidiu retomar o projeto estritamente científico. Para

tanto, deu início à recuperação de mudas e placas de indicação classificatória, e reabriu os

laboratórios de pesquisa botânica. Retomou ainda, o intercâmbio de plantas com outros

jardins do mundo, reorganizou canteiros e viveiros, contratou novos funcionários e inaugurou

uma biblioteca, reformando e criando novas instalações físicas para o espaço. Da mesma

maneira, seguindo o padrão administrativo dos jardins europeus, modificou também o

regulamento interno do Jardim:

Art. 4° É proibido a todo e qualquer visitante, dentro do Jardim: […]

§ 2° Arrancar ramos, folhas, flores, frutos ou plantas sem autorização do diretor.

§ 3° Damnificar por qualquer maneira as cercas, grades ou reparos que houver ao

redor das plantas.

§ 5° Almoçar, jantar, ou tomar qualquer refeição ou bebida alcoólica.

§ 7° Tomar banhos, ainda que com vestuários decentes.

§ 9° Inscrever em qualquer parte dísticos, letreiros e figuras.

§ 12° Arrancar, destruir ou mudar placas e etiquetas das plantas.

Art. 5° Qualquer empregado do Jardim ou cidadão deverá prender aqueles que

forem encontrados em flagrante violação das disposições deste regulamento […].

Regulamento Policial de 9 de Julho de 1890 para o Jardim Botânico

(Barbosa Rodrigues, 1894:XXXVIII)

O primeiro regulamento policial do JBRJ foi escrito em 1838, devido ao grande

aumento de visitantes no Jardim. Foi, entretanto, completamente abandonado pelas direções

anteriores à de Barbosa Rodrigues, que o resgatou e o recolocou em vigor (Barbosa

Rodrigues, 1894).

Impor ordem ao Jardim era o objetivo de Barbosa Rodrigues. Em seu projeto de

reforma, um dos itens inclusos era a seção de multas, cuja aplicação dizia ser imprescindível a

quem danificasse o Jardim, uma vez que “(...) a simples prisão e a apresentação à autoridade

policial de nada vale, pois esta os manda sempre em paz imediatamente” (Barbosa Rodrigues,

1904a:56).

Tal opinião era endossada no Congresso Nacional pelo deputado Costa Júnior, que

acusava o delegado da freguesia de proteger “a vadiagem” ao invés da Fazenda Nacional

(Diário do Congresso Nacional, 1899). Em continuação à sua inflamada defesa do diretor, o

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deputado acusou, ainda, um conluio entre o delegado e os deputados, que seriam empossados

pela mesma população que danificava o Jardim.

As provas apresentadas para o envolvimento do delegado eram tão objetivas quanto as

da bancada contrária: relatos, no caso, de Barbosa Rodrigues. O botânico, segundo relato da

defesa, afirmava que apesar de diversos operários terem sido presos em flagrante pelos

guardas do próprio Jardim, nenhum inquérito fora instaurado pelo delegado da freguesia, que

liberava os infratores logo em seguida.

Descontente com a ineficácia do policiamento, Barbosa Rodrigues não apenas

instaurou, no regulamento do Jardim, que a prisão de infratores poderia ser realizada por

qualquer cidadão, como o fez ele mesmo, prendendo diversos invasores, em nome do chefe de

polícia. Desse modo, maior pressão foi realizada pela abertura de inquéritos, mas, em tais

ocasiões, segundo o deputado Costa Júnior, o delegado da freguesia teria apenas convocado

para prestar depoimentos indivíduos que tivessem algo contra o diretor, como funcionários

anteriormente despedidos por ele.

No dia 3 de junho de 1899, segundo a ata da Câmara dos Deputados, a disputa

prosseguiu. Heredia de Sá acusou o deputado Costa Júnior de apenas reproduzir as queixas de

Barbosa Rodrigues, já anteriormente publicadas nos jornais. De fato, em 23 de maio de 1899,

alguns dias antes da disputa na câmara ser iniciada, o jornal O Paiz noticiou uma queixa de

Barbosa Rodrigues para o 1° delegado auxiliar da Gávea, a respeito de constantes

depredações realizadas pelos moradores vizinhos ao Jardim – tais como apedrejamentos de

casas internas ao espaço, e corte de arbustos e cercas por alicates. O mesmo jornal revelou

também, em 29 de maio de 1899, uma nota enviada pelo Centro Socialista, na qual é relatada

uma reunião conjunta entre os operários da Gávea e um advogado convidado – Dr. Alberto de

Carvalho – com vistas a “tratar do desaggravo das offensas que o director do Jardim Botanico

dirigiu aos mesmos operarios”, que os havia caluniado (O Paiz, 29.05.1899). O resultado da

reunião foi o pedido de demissão do diretor e um pedido de julgamento por crime de injúria,

que demonstra a existência de operários organizados em disputa com Barbosa Rodrigues.

Dentre as depredações que, segundo Costa Júnior, eram cometidas no Jardim pelos

operários, encontram-se: a quebra de cercas; o roubo de lenha, mudas e flores; o roubo de

materiais de construção de casas internas ao Jardim; ameaças realizadas ao diretor e à sua

família; e a destruição de uma plantação de canas, na qual havia as melhores espécies do

mundo reunidas para ser distribuídas aos estados do país14

. O deputado Heredia de Sá

14 O Jardim Botânico distribuía não apenas cana, mas diversas mudas e sementes, especialmente as

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continuou a contrapor-se às acusações feitas aos operários. Entretanto, ao longo do debate

com o Sr. Costa Junior, admitiu que “uma vez ou outra alguém tem tirado um pedaço de pao

ou um bocadinho de bambu” (Diário do Congresso Nacional, 1899).

Continuamente, as provas apresentadas pelos dois debatedores foram notícias de

jornais e depoimentos de funcionários ou de guardas. Na tentativa de defesa aos operários,

Heredia de Sá levou ao conhecimento de todos um documento assinado por uma “pessoa

qualificada”, que atestava ser a esposa de Barbosa Rodrigues a verdadeira responsável por

vender a lenha do Jardim:

(...) Neste documento, Sr. Presidente, ha a declaração da pessoa a que alludo, á qual,

chamada para fazer uma compra de lenha no Jardim Botanico, o Sr. Barbosa

Rodrigues, dissera que o resultado não era para si, mas para os alfinetes de sua

senhora.

Vozes – Oh!

(Diário do Congresso Nacional, 1899)

Costa Júnior rebate a declaração da pessoa qualificada ao revelar que esta, na verdade,

seria Manoel Soares de Azevedo, famoso ladrão de mudas do Jardim, que a teria escrito para

o delegado, em troca de ser solto, em uma das vezes em que fora preso pelo delito de roubo.

Ainda assim, fosse pelo diretor ou pelos operários, de algum modo o Jardim Botânico

teve suas cercas derrubadas e seus elementos internos danificados; quanto a isso, todos

concordavam. Uma habitação antiga desocupada dentro dos limites do Jardim aos poucos foi

sendo desmontada e suas partes roubadas, até nada restar: “(...) hoje uma porta, amanhã uma

portada e assim foram demolindo até retirar a ultima peça de madeira da casa” (Diário do

Congresso Nacional, 1899). Esse descaso era a prova de que o delegado da Gávea pouco ou

nada fazia. Um operário, pego em flagrante furtando a estrutura da casa, foi levado à

delegacia, e solto logo em seguida; uma hora depois, foi preso novamente, por estar roubando

a casa mais uma vez.

O maior argumento mobilizado em favor de Barbosa Rodrigues, contra a acusação de

ele ser o responsável pelos roubos de lenha, foi sua trajetória enquanto cientista. Costa Júnior

enalteceu o diretor ao relatar sua recusa de cargos e de propostas de compra de seus desenhos

botânicos, para que estes pudessem pertencer ao país e não aos jardins estrangeiros. Foram

exaltadas também suas qualidades enquanto cientista brasileiro, “uma glória nacional” (Diário

do Congresso Nacional, 1899), construindo-se o caráter do diretor por sua excelência

acadêmica enquanto naturalista. Estava subentendido no discurso, mesmo daqueles que o

consideradas úteis para a lavoura.

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acusavam, de que não era possível falar contra a figura de um cientista de renome. Assim,

depois de trazido à tona seu reconhecimento científico internacional, rapidamente outros

deputados foram contrários em caluniar funcionários públicos como Barbosa Rodrigues, que

representava o país no “mundo civilizado” (Diário do Congresso Nacional, 1899).

Heredia de Sá, ao sentir a mudança dos ânimos no debate, baixou o tom de sua fala,

afirmando que os operários sempre respeitaram muito o Sr. Barbosa Rodrigues e a sua

família. A contenda é encerrada com uma aparente vitória de Costa Júnior, mas não sem este

antes apaziguar a situação com Heredia de Sá, afirmando que ele havia apenas sido enganado

pela polícia da Gávea, com sua manipulação de provas e testemunhos. Desse modo, a Câmara

fez prevalecer o espaço do Jardim como um espaço científico, e não um logradouro público.

Outras reclamações foram feitas por Barbosa Rodrigues, em outros momentos, no que

concerne à intromissão de elementos não desejados no espaço do Jardim. Cabras

constantemente invadiam suas cercas para pastar (Barbosa Rodrigues ao Sm. Pires Ferrao, ms

de 03.07.1893, Infração de Posturas), indivíduos apropriavam-se de terrenos do Jardim há

décadas (Livro de Ofícios, 1904), entre outros.

Ao analisar as desavenças entre os operários da Gávea e o diretor do JBRJ, é

necessário compreender as diferentes visões manifestas sobre o uso do espaço. Uma possível

hipótese acerca da repressão aos operários pela quebra de cercas e coleta de itens seria a de

que a ideia de Jardim, enquanto tal, estaria vinculada à manutenção de sua ordem, limites,

organização interna e projeto destinado a ele, o que excluiria atividades tais como coleta e

pastoreio. Ao violarem os limites e quebrarem a coerência desses elementos, possivelmente os

operários questionavam a proposta da sua existência enquanto Jardim Botânico, reivindicando

para ele um uso, antes, utilitário do que contemplativo, ou científico. Não se trata, porém, de

subordinar a apreciação estética dos trabalhadores às suas razões de ordem prática, mas de

buscar contextualizar suas demandas à época.

3.3 Um recanto protegido

Como visto, no período da administração de Barbosa Rodrigues, a divisão entre o

bairro residencial vizinho ao JBRJ e o Jardim foi estabelecida, ao final, por um muro,

enquanto o restante das divisões limítrofes do Jardim contava apenas com cercas-vivas

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(Barbosa Rodrigues, 1894), defendidas, inclusive, pelo próprio diretor, por conservarem a

estética do estabelecimento (Livro de Ofícios, 1904). Apesar da lentidão do governo em

resolver as invasões, motivo de reclamações frequentes, foi notável o esforço empenhado a

fim de impedir as investidas dos operários no Jardim, sobretudo diante da situação de

devastação da floresta ao entorno.

Como apontado por José Drummond (1997), entre 1790 e 1860, as florestas primárias

do estado do Rio de Janeiro foram devastadas para dar lugar às plantações de café: “(…)

cortar as florestas de encostas e montanhas e substituí-las com vastas plantações de Coffea

arabica se tornou o procedimento padrão nas vastas áreas montanhosas do Rio de Janeiro”

(J.Drummond, 1997:99).

Segundo José Drummond (1997), mesmo antes do período citado, a destruição

ambiental já ocorria em larga escala. Ao longo do período colonial, o estado do Rio de Janeiro

teve, por atividade central em sua economia, empreendimentos que foram considerados, pela

história ambiental, como mineração da terra. Pelo termo, subentende-se a classificação dos

plantios de exploração intensiva15

, os quais apenas retiram nutrientes do solo:

As terras cariocas não foram plantadas, e sim mineradas, como bem disse Sérgio

Buarque de Holanda. Poucos trechos tão grandes do Brasil foram usados com tal

intensividade destrutiva (…). Por isso, o desflorestamento da Amazônia, geralmente

encarado pelos fluminenses como um assunto exótico, é na verdade tema que um

conhecimento mínimo de nossa história ambiental revela ser altamente familiar. O

desmatamento é um assunto doméstico para cariocas e fluminenses. Nenhuma outra

unidade da federação sofreu ou continua a sofrer mais com as consequências do

desmatamento de florestas do que o Rio de Janeiro (J.Drummond, 1997:139).

O modo português de uso da terra baseava-se na coivara indígena, que consistia na

eliminação das florestas através de queimadas, para posterior uso dos nutrientes

imediatamente disponibilizados no solo pelas cinzas. Porém, a coivara indígena utilizava-se

da área para plantio durante um período de tempo, abandonando o local quando tais nutrientes

se esgotavam, o que possibilitava a restauração do sistema. A coivara portuguesa, ao

contrário, estabelecia-se definitivamente na área, exaurindo o sistema.

Não obstante, o método utilizado para o estabelecimento da cafeicultura contrariava

qualquer metodologia para um uso sustentável do solo. Ao invés de plantar os pés de café no

sentido horizontal ao morro, plantava-se verticalmente, acompanhando o declive, de modo

15 Engenhos de açúcar, fazendas de café e mesmo as aberturas (picadas) que abriam caminho para as rotas de

mineração (J.Drummond, 1997).

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que a chuva carregava consigo as mudas e a camada fértil da terra. Segundo José Drummond

(1997:109), o plantio em curvas de nível já era conhecido na época, o que aponta para uma

tentativa de resolução de outros problemas:

Trata-se do controle do trabalho escravo. As fileiras retas permitiam que um número

menor de feitores vigiasse o trabalho de escravos. A Coffea arabica, um arbusto de

folhagem densa e estatura relativamente alta, bloqueia a visão humana. Os escravos

sabiam disso e constantemente se escondiam atrás dos arbustos para interromper ou

diminuir o ritmo de trabalho.

A pouca preocupação com a derrubada de matas para conquista dos morros cariocas,

pelo café, pode ser entendida tanto sob a concepção da existência de recursos infindáveis da

terra e da floresta, quanto de uma “limpeza” necessária das fronteiras. Estímulo ao

investimento produtivista e exploratório, a floresta era vista como área improdutiva –

considerando-se a agricultura comercial vigente – e perigosa – por ser frequentemente

utilizada como refúgio de fugitivos (C.Heynemann, 1995). Fazia-se necessário, portanto, sua

derrubada para dar lugar aos plantios agrícolas e ao estabelecimento urbano (J.Drummond,

1997).

Segundo José Drummond (1997), não apenas no Rio de Janeiro, mas por todo o Brasil,

ao menos até o século XX, as florestas tiveram pouca ou nenhuma atenção dos governantes,

no sentido de sua conservação, ou de qualquer outro aspecto que as mantivessem preservadas.

A agricultura intensiva era o modo pelo qual as relações com o meio natural estavam

instituídas no país. Como apontou Ricardo Arnt (1992:49):

As florestas jamais poderiam ser valorizadas como fonte renovável de recursos

naturais. A utilidade de uma coisa é o seu valor de uso. Excessiva e desnecessária,

foi sempre vista como obstáculo a ser limpo para a expansão da agricultura, o

pastoreio e a produção de mercadorias e valores determinados pelas relações sociais

da época. Durante mais de quatrocentos anos a floresta foi, da bacia do Prata à do

Amazonas, do litoral para o interior, o principal entrave à colonização. Sua

existência antagonizava a lógica utilitarista da construção da nação. A necessidade

de desmatar sustenta a ordem da expansão da fronteira agrícola há meio milênio.

Uma mudança nesse padrão, no Rio de Janeiro, só viria a ocorrer na falência dos

plantios de café, a partir de 1870 (J.Drummond, 1997). A agricultura intensiva entrou, então,

em crise, suscitando o debate sobre as técnicas agrícolas utilizadas, e a busca de outros usos

produtivos possíveis para a floresta. A crítica ambiental já existia, mas era constituída por

apenas alguns poucos letrados, e não pelo conjunto da população ou do governo (J.Pádua,

2004). Não obtendo efetivação nas leis de sua época, somente a partir de 1930, com a criação

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dos códigos florestais e parques nacionais, o pensamento crítico ambiental teve maior

presença (J.Drummond & J.Franco, 2004).

O primeiro esforço nesse sentido foi, reconhecidamente, o replantio da Floresta da

Tijuca, iniciado em 1861. As causas para a sua efetivação são diversas, entre elas, as

mudanças na sensibilidade europeia (K.Thomas, 2010), que teriam influenciado uma atitude

positiva em relação aos espaços naturais no Brasil – uma vez que a elite intelectual local

espelhava-se em práticas europeias como medida de civilização (J.Pádua, 2009). O plantio de

florestas e a arborização de avenidas e praças no século XIX foram, assim, medidas que

tiveram por estímulo a construção de uma imagem positiva do país frente aos estrangeiros.

No que concerne à Floresta da Tijuca, outros motivos também foram identificados

como estímulo ao seu plantio. José Drummond (1997), considera que a iniciativa pioneira de

replantio da floresta deveu-se, primeiramente, à crise de abastecimento de água na cidade. Era

entendimento geral, desde o governo imperial, que o corte de árvores nos mananciais era

responsável pelo baixo fornecimento de água na cidade. Assim, ainda no período colonial,

D.João VI proibiu o corte de árvores em terras particulares. As ações governamentais

realizadas para remediar a situação tiveram, entretanto, pouco impacto, uma vez que o

trabalho dos carvoeiros e madeireiros não cessou. O governo passou, então, a estudar

possibilidades de compra das terras particulares localizadas na proximidade dos mananciais

da cidade. Em 1856, a desapropriação desses terrenos foi realizada e, em 1861, iniciou-se o

replantio da Floresta da Tijuca, gerenciado pelo major Manuel Gomes Archer (J.Drummond,

1997), a quem cabia, além do reflorestamento, lidar com os conflitos entre os proprietários de

terra da região, e organizar o policiamento da floresta, para que ela não se tornasse

esconderijo de criminosos.

Claúdia Heynemann (1995), em seu estudo histórico sobre a Floresta da Tijuca,

demonstrou que as causas para o seu plantio não foram engendradas apenas pela problemática

da falta d'água na cidade, mas compostas por um conjunto de representações sobre o papel da

floresta no período, sendo a seca apenas um de outros tantos sentidos. Além da preservação

dos mananciais, a floresta era compreendida em sua concepção romântica: a contemplação do

mundo natural. Uma vez que a presença de árvores era aspecto positivo na compreensão

europeia de civilização do período, sua conservação contribuía para a constituição da imagem

do Brasil enquanto nação civilizada:

Neste sentido, consideramos que o reflorestamento da Tijuca está inscrito no

conjunto de práticas e representações que cercaram a ideia de natureza no século

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XIX no Brasil, projetando uma visão de nação que se construía no movimento de

centralização e consolidação do poder e de formação da classe senhorial, onde uma

outra ideia lhe correspondia com igual força: a de civilização (C.Heynemann,

1995:23).

A associação entre florestas e civilização expressava-se, também, na busca por uma

ciência que tivesse por metodologia modos mais positivos em relação à natureza

(C.Heynemann, 1995). Tal movimento adquiriu maior força a partir da segunda metade do

século XIX, mas devido à ausência de reivindicações populares, ou mesmo políticas em maior

escala, não obteve a atenção necessária para realizar grandes transformações. Com o advento

da República, aumentou-se o controle descentralizado das províncias, o que, em termos

ambientais, agravou a exploração já realizada (J.Pádua, 2009).

A documentação referente aos relatórios anuais do Ministério da Indústria, Viação e

Obras Públicas, conta-nos essa história de descaso com as matas, pelo viés administrativo.

Desde 1894, é possível encontrar nas últimas folhas dos relatórios, no tópico Florestas,

Estradas e Caminhos um breve relato, o qual geralmente não ocupa mais do que um

parágrafo, sobre o assunto destacado. Os relatos sobre a situação das florestas do estado do

Rio de Janeiro compõe uma narrativa de abandono no período, mesmo com o replantio de

algumas áreas.

Em 1894, os relatos clamam por uma legislação florestal, pois haviam sido plantadas

10 mil árvores na Floresta da Tijuca que necessitavam de proteção, uma vez que

“representam valioso patrimonio nacional e exercem grande influencia sobre o clima, regime

das aguas e produção geral do paiz” (Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, 1894).

O apelo à conservação dos mananciais e à salubridade pública foi continuamente repetido,

aparentemente com intuito de exercer pressão para a criação de uma legislação florestal pelo

governo, já que:

Com os recursos que tem tido, o Governo apenas tem evitado estragos maiores que

affectem a salubridade publica e prejudiquem a pureza das fontes e cursos de agua

aproveitados no abastecimento (Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas,

1897:136).

Além da falta de verbas, a extração de lenha e de carvão era apontada como principal

atividade responsável pelo estado de abandono e de descaso com as florestas. Prática

predatória, a eliminação de árvores era entendida como fator da diminuição das chuvas,

problemática que não era vista até a chegada da corte em 1808, momento no qual a

arborização ainda se fazia presente (Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, 1898).

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Segundo os relatórios da seção Florestas, Estradas e Caminhos, do Ministério da

Indústria, Viação e Obras Públicas (1890 – 1909), os poucos recursos disponibilizados pelo

governo cumpriam apenas a função de conservar os caminhos das florestas limpos, e de

manter a vigilância nas proximidades das fontes de água que abasteciam a cidade. Não eram

suficientes, entretanto, para conservar e replantar as matas, ou mesmo ampliá-las, atitudes

apontadas como melhoramentos diretos para a salubridade pública (Ministério da Indústria,

Viação e Obras Públicas, 1899).

Para o começo do século XX, há um aumento significativo nos relatórios das

reclamações referentes ao corte de árvores. Pode-se atribuir isso a maiores consequências da

falta de vigilância para conservação das matas, ou ao aumento do interesse na regularização e

fiscalização, que punissem os responsáveis pela devastação: “Tornão-se cada vez mais

necessarias medidas coercitivas e efficazes contra o abuso, que não cessa, da derrubada das

mattas, com prejuizo principalmente das existentes no grupo de montanhas de que faz parte a

serra da Tijuca, de onde procedem diversos mananciaes” (Ministério da Indústria, Viação e

Obras Públicas, 1901:620). A falta de recursos para manter a inspeção, e a falta de leis que

punissem os responsáveis, eram reclamações constantes nos relatos referentes às matas do

distrito federal.

Simultaneamente, os relatos sobre o Jardim Botânico do Rio de Janeiro mantiveram-se

sempre no início do relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas,

frequentemente ocupando três páginas completas de relatos de atividades. No período

pesquisado (1890 – 1909), a relevância do JBRJ era neles regularmente afirmada, tanto

enquanto instituição de pesquisa científica, quanto logradouro público: “(...) é, actualmente o

Jardim Botanico da Lagôa Rodrigo de Freitas uma das mais importantes instituições, dentre as

que se acham a cargo deste Ministerio” (Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas,

1894:26).

O papel ocupado pelo JBRJ no desenvolvimento da indústria agrícola, assim como sua

importância em pesquisas científicas, mantinha sua relevância para os governantes,

possibilitando o repasse de verbas para seus devidos fins. Estabelecido enquanto instituição

de prestígio dentro do ministério, seus serviços em relação à flora contrapunham-se aos

serviços realizados pelo departamento de Florestas, Estradas e Caminhos – chamado a partir

de 1903 de Serviço Florestal.

Além do repasse de verbas, as reclamações feitas pelo responsável do estabelecimento

do Jardim eram discutidas e atendidas, como visto na questão do impasse com os operários da

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Gávea. No caso do Serviço Florestal, pelo que se depreende dos relatos, as ponderações

repetiram-se ao longo dos anos, sem medidas efetivas para sua resolução.

Os relatórios do JBRJ, geralmente, tratavam apenas dos assuntos relativos às

atividades internas do Jardim, repetindo-se em todos eles considerações acerca do trânsito de

sementes e mudas; das permutas com outros jardins botânicos; das atividades científicas

realizadas pelo diretor representando a instituição; da inclusão de novas espécies no acervo do

Jardim; dos melhoramentos na estrutura científica; e ainda de eventuais contagens do número

de visitantes. Mas no relatório anual de 1904 do Ministério da Indústria, Viação e Obras

Públicas há uma variação na parte condizente ao Jardim. Dentre as informações usuais,

incluía-se uma proposta singular:

A' falta de um serviço especial concernente á silvicultura, o que, a par de outros

beneficios, concorreria para garantir a conservação de nossa riqueza florestal,

geralmente condemnada á destruição ou ao abandono, vai o Jardim Botanico

auxiliando efficazmente á Administração Publica, mediante a cultura methodica de

diversas especies vegetaes indigenas, distribuição de plantas e sementes, acclimação

de specimes da flora exotica, obtidos por dadivas ou por permuta com instituições

congeneres.

Si dessa contribuição, aliás proveitosa, não resulta maior somma de vantagens,

attenta a necessidade de uma intervenção energica, com o fim de obstar á devastação

completa de nossas florestas, constituindo com tão precioso thesouro um ramo de

exploração agricola, deve-se attribuir ás funcções a que ora está adstricto o

estabelecimento, que merece ser reformado, quer no sentido de melhorar alguns

serviços que lhe são affectos, quer para o adaptar a uma organisação pratica em

materia florestal.

O assumpto, sobre ser interessante, do ponto de vista economico, relaciona-se tão

estreitamente com as nossas condições climatologicas e o regimen das aguas em

todo o paiz, que é forçoso aos Poderes constituidos pensar em resolvel-o, para que se

não aggravem os males, que já se fazem sentir com tão grande intensidade.

O Jardim Botanico, as florestas do Estado serviriam de nucleo á nova organisação,

que, completada pela legislação florestal, nos faria encontrar no consumo interno e

na exportação de nossas madeiras de lei poderosa fonte de renda; accrescentando

que, assim, conseguir-se-hia diminuir a importação do producto similar estrangeiro

(Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, 1904:13)

O Jardim Botânico já oferecia mudas e sementes para plantio em avenidas públicas

nos estados, e também para o reflorestamento da Tijuca, mas não era de sua alçada a

conservação, ou exploração, florestal. A ideia de incluir essa função a ele não parecia

condizer, aliás, com algo proposto por Barbosa Rodrigues, uma vez que, dentre os motivos

que a embasavam, estava estabelecida a relação entre a conservação das florestas e a proteção

ao ciclo das águas, tese desacreditada pelo botânico.

A hipótese formulada por Barbosa Rodrigues para a crise d'água no país contradizia as

três explicações usualmente mobilizadas, quais sejam, o aumento populacional, o

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desmatamento e a falta de chuvas. Barbosa Rodrigues era adepto a uma teoria que localizava

o motivo para a falta d’água em uma revolução geológica, segundo a qual o calor produzido

pelo centro da Terra expandir-se-ia para a superfície, tornando a crosta terrestre ressecada e

fendida. Através dessas fissuras, as águas da chuva escorreriam para o fundo, e devido às altas

temperaturas, evaporariam e perder-se-iam na atmosfera. Devido às irradiações de calor, e as

fumaças produzidas pelas queimadas das árvores, as chuvas seriam afastadas, não sendo, por

isso, as águas subterrâneas repostas. Desse modo, os mananciais, reservatórios formados

graças às águas das chuvas, estariam desaparecendo mesmo com grandes chuvas. Para

Barbosa Rodrigues, as árvores eram apenas contribuintes para a higienização da cidade, não

constituindo, portanto, causa para a falta d’água16

.

Podemos supor, portanto, que essa sugestão foi proposta pelo próprio ministro da

Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Severiano Müller. Aparentemente, a inclusão do

serviço florestal nas atribuições vigentes do Jardim tinha motivação econômica, qual seja, a

exploração do material florestal.

A valorização do espaço do JBRJ baseava-se em sua utilidade e tradição de serviços,

pois, ainda que suas atribuições tenham variado ao longo do tempo, eram de utilidade

científica. Enquanto as árvores do Jardim eram criteriosamente selecionadas e cuidadas, fora

dele as espécies eram exterminadas, desapareciam ou diminuíam radicalmente, antes mesmo

de serem conhecidas (D.Warren, 2007).

Mesmo a escolha dos locais para estabelecer parques de conservação, no começo do

século XX, obedecia a critérios turísticos, considerando sua proximidade aos centros urbanos,

em detrimento de locais de flora e fauna singulares (J.Drummond, 1997). Assim, a história

das florestas do Brasil é entendida, pela historiografia que a compôs, como um ecocídio de

fins utilitários, geralmente, econômicos (R.Arnt, 1992).

Do ponto de vista da administração do JBRJ, a diferenciação entre a instituição e a

floresta indeterminada era desejada, tendo sido demarcada por diversos limites. Dentre eles,

as cercas que delimitavam e dividiam o espaço, a organização e classificação interna das

plantas, e sua utilidade científica. Tal diferenciação esclarece um pouco mais a aversão de

Barbosa Rodrigues ao estado do Jardim, no momento em que assumiu sua direção:

O grande parque, coberto de esplendida vegetação, semelhava uma floresta, cujos

exemplares, em promiscuidade, não eram indicados por uma placa, uma etiqueta,

um simples signal que os fizesse conhecidos. Tudo muito agradável á vista, mas

16

Mais sobre a teoria da revolução geológica em Barbosa Rodrigues, 1904b.

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scientificamente, em estado deploravel (Barbosa Rodrigues, 1894, grifo meu).

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro era instituição auxiliar no desenvolvimento da

indústria e ciência nacional, considerando-se seu arboreto suficientemente útil. As florestas ao

seu entorno, no entanto, tinham por função agradar aos visitantes e servirem de reserva de

recursos naturais, motivos que se mostraram insuficientes para garantir sua preservação.

3.4 Ordem e gradil

As árvores ocupavam determinadas funções no processo de urbanização do Rio de

Janeiro. Deveriam abrandar o clima quente, embelezar a paisagem e, ponto repetido em

diversos documentos, higienizar a cidade. Para a Câmara Municipal, a ideia da arborização

era evidente:

A ideia da proposta não precisa justificação, pois que não há quem disconheça [sic]

a utilidade e a necessidade, mesmo de arborizar-se as ruas mais largas, as estradas e

as praças de nossa cidade e seus subúrbios.

Alem de ser a arborização convenientemente disposta, essa dos principaes elementos

da hygiene dos centros da população, dá-se no nosso caso, a circunstância que a

toma mais reclamada, de ficarmos sob um clima abrazador, de modo a serem as

arvores a melhor refrigerio da população (Secretaria da Illm.ª Camara Municipal da

Côrte, ms, 1879)

Como já demonstrado por Claúdia Heynemman (1995), o plantio da Floresta da Tijuca

foi também influenciado pelo entendimento de que as árvores eram agentes de salubridade,

pois impediam que as emanações miasmáticas saíssem do solo. Concepção pré-pasteuriana, a

teoria dos miasmas era uma explicação corrente à origem das inúmeras doenças que atingiam

a população.

Segundo o Diccionario de Medicina Popular do Dr. Chernoviz (1890:421), a palavra

miasma pode ser aplicada a “(...) todas as emanações nocivas, que corrompem o ar, e atacam

o corpo humano”. Para o Dr. Chernoviz, cada ente na natureza emana uma espécie de gás. No

espaço existente entre os seres tais emanações encontram-se, misturam-se e formam

combinações químicas distintas de suas originais. Algumas dessas são perniciosas, pois

resultam em venenos nocivos para os seres humanos – os temíveis miasmas.

Nessa concepção, seres humanos são perigosos coletivamente, pois, através de seus

dejetos, gases, suores e fluidos surgem as emanações mais nefastas para sua própria espécie.

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Os pântanos são, também, locais privilegiados na geografia das pestilências, assim como as

águas estagnadas, especialmente quando localizadas em climas tropicais. O calor e a umidade

são compreendidos como catalizadores miasmáticos, apesar do dia supostamente ser mais

seguro do que a noite, devido à obscuridade suspeita dessa. Nessa linha, as árvores fazem

parte do ciclo miasmático, atuando como purificadoras no processo:

As arvores e as plantas trabalham activamente n'esta depuração salutar; para se

desenvolverem ou entreterem, as plantas decompõem as emanações malignas, os

ventos as dispersam, os mineraes também se apoderam d'ellas e as submettem a

novas combinações, e, por estas contínuas transformações, o equilíbrio dos

elementos nunca é perturbado de uma maneira durável (P.Chernoviz, 1890:423).

As recomendações para resistir aos miasmas iam da ordem habitacional – não morar

perto dos focos – à moral – na impossibilidade de distanciar-se das emanações, dever-se-ia

atentar para os excessos, a fim de não prejudicar a resiliência do organismo. Recomendava-se,

também, a abertura das ruas para arejamento, de modo a permitir que a circulação de ar

dispersasse os miasmas:

Quando não se pôde impedir a formação dos miasmas, é preciso ao menos favorecer

a sua diffusão. Consegue-se isto procedendo-se nas cidades ao alargamento das ruas,

ou abrindo-se os quarteirões mal arejados; não se permittindo que se edifiquem

casas de muitos andares; multiplicando-se nos hospitaes, quartéis, prisões, etc, as

portas e janellas, procurando abrir, se o tempo o permittir, as portinholas e as

escotilhas dos navios; abatendo certos matos ou morros que concentram os miasmas

em um valle ou impedem a chegada dos ventos que devem dispersal-os, etc, etc

(P.Chernoviz, 1890:424).

Igualmente, se durante todo o século XVIII e XIX, pediu-se o arrasamento do Morro

do Castelo, os motivos foram os de “(...) ventilar a cidade com os ventos do quadrante sul”

(N.Santos & J.Nonato, 2000:211). Dessa forma, percebe-se que o processo de modernização

urbana foi construído a partir de ideias relativas ao meio natural. Consequentemente, como já

demonstrado pela historiografia, a ideologia da higiene não se restringia apenas aos elementos

naturais, mas expandia a categoria de insalubre, e as medidas sanitárias equivalentes, às

diferentes classes sociais e animais, resultando em uma sanitarização de toda a sociedade

(N.Sevcenko, 1984; N.Farage, 2013). Desse modo, as intervenções urbanas realizadas na

cidade tinham por base concepções específicas relacionadas à higiene pública. Elas eram

utilizadas como justificativa tanto para o que ficou conhecido como “bota-abaixo”,

permitindo agentes do Estado destruírem casas populares (S.Chalhoub, 1996), quanto como

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para a perseguição de cães errantes (N.Farage, 2013).

No Rio de Janeiro, pavimentar, drenar, escoar e ventilar foram os eixos do projeto

higienista. A era do prefeito Pereira Passos (1902 - 1906) foi a era de aterros e

impermeabilizações. Pois, também era corrente a ideia, da qual partilhava Barbosa Rodrigues,

de que os miasmas estavam comprimidos abaixo do solo. Em tal concepção, o centro da Terra

era um fervilhar de fermentações contínuas, resultando em perniciosas emanações telúricas,

veículo de gases infectos de toda espécie. A periculosidade do solo dava-se por ser foco de

doenças, fazendo com que toda atividade ligada à terra fosse considerada mortífera. Nesse

sentido, a impermeabilização do solo, advinda do processo de urbanização, era compreendida

como medida sanitária. Ao mesmo tempo, atribuíam-se às árvores a capacidade de realizar um

dissecamento tellurico (Barbosa Rodrigues, 1904b), uma purificação do solo ao absorver a

água e os gases infectos do subsolo, além de refrigerarem o ar e de tornarem a vista do urbano

mais aprazível.

Fosse pela limpeza do ar, ou pelo ressecamento do solo, o plantio de árvores era,

assim, uma das muitas medidas higiênicas compreendidas enquanto purificadoras do

ambiente. A criação de passeios, jardins e praças arborizados na capital teve, portanto, o

intuito de sanear o espaço urbano. A arborização era, então, considerada o “serviço de alcance

hygienico para a nossa Capital” (José de Sant'anna, Administração de Jardins Municipaes, ao

Conselho de Intendência Municipal, ms, 22.01.1892), e realizada pelos administradores das

praças e jardins da cidade, os quais relatavam seus trabalhos para a Câmara Municipal. De

fato, são constantes as referências sobre a utilização das árvores enquanto medida higiênica,

consideração correntemente citada nas acusações de falta de conservação dos espaços

públicos, nos quais elas se encontravam:

Esta cidade, que carece absolutamente de ser melhorada, sob muitos pontos de vista,

não pode descurar e abandonar alguns dos elementos de aformoseamento e hygiene,

quaes erão os jardins publicos. Além de respiradouros no meio dos quarteirões

edificados e onde é bastante densa a população, de verdadeiros oasis de verdura no

meio da aridez das construcções de pedra e cal, esses jardins emprestão á cidade

certo tom de conforto e de elegancia e são pontos de recreio e desafogo,

especialmente em relação ás crianças (Conselho de Intendência Municipal, recorte

de jornal de 05.04.1882).

A elegância e o conforto possibilitados pela presença de jardins no centro urbano são

identificados pelos estudiosos como uma das medidas civilizatórias realizadas pela

remodelação urbana da capital, ocorrida na primeira República (N.Sevcenko, 2003) que,

como outras medidas, também pautava-se por noções de civilidade. A criação, ou

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revitalização, dos jardins da capital foi, portanto, considerada atitude condizente com a

ideologia da higiene que, ao que parece, privilegiava, principalmente, a pequena parcela

abastada da população. Segundo Nicolau Sevcenko (2003:47), provavelmente referindo-se ao

Passeio Público:

O resultado mais concreto desse processo de aburguesamento intensivo da paisagem

carioca foi a criação de um espaço público central na cidade, completamente

remodelado, embelezado, ajardinado e europeizado, que se desejou garantir com

exclusividade para o convívio dos 'argentários'.

A exclusividade era obtida por alguns fatores, dentre os menos singelos, pela

instalação de grades e trancas ao redor dos jardins, medida amplamente utilizada e reforçada

no período, como modo de restringir o espaço:

A imagem da grade é fundamental. Nesse período seriam reformadas, modernizadas

e ampliadas as instalações presidiárias, penitenciárias, os manicômios e hospitais

públicos. São grades que se somam às dos parques e jardins urbanos e que se

destinam ao mesmo fim: conter, isolar, segregar (N.Sevcenko, 1984:65).

A restrição do livre acesso aos locais públicos foi, também, medida de moralização e

higienização urbana. Pois, constantes eram as reclamações dos administradores sobre as

atitudes tomadas pela população:

Urge restaurar esses jardins, dotando-os novamente de condicoes de hygiene, belleza

e de moralidade; de moralidade sim, porque até essa falta nesses lugares, só

frequentados na hora presente por maltrapilhos e vagabundos e onde não ha policia

(Conselho de Intendência Municipal, recorte de jornal de 05.04.1882).

Além dos jardins, em outros espaços da cidade foram registradas medidas restritivas

pela historiografia. Marta Abreu (1996), em sua tese de doutorado O império do divino,

relatou as mudanças ocorridas no Campo de Santana, o maior e mais amplo espaço da cidade.

Embora, nele, fossem realizados festejos populares, celebrações e honrarias oficiais,

gradualmente, ao longo do século XIX, a Câmara Municipal instituiu uma série de medidas

reguladoras das festividades, proibindo a ocorrência de diversos costumes tradicionais no

espaço público. As proibições realizavam-se tanto pelo aumento da burocracia estatal, na

efetivação de editais para autorização das festas, quanto pelas decorrentes perseguições aos

populares em suas expressões culturais. Sob alegação de ameaça à tranquilidade e à decência,

a municipalidade instituiu um conjunto de normas, no intuito de manter a ordem pública:

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Entretanto, desde os anos 30, os Códigos de Postura revelavam esta direção da

política municipal de 'civilizar o império' em termos de limpeza, saneamento, moral

pública, organização e embelezamento do espaço urbano. A ação da 'civilização' na

alçada municipal, como percebeu João Reis, era o melhor caminho para os liberais

de qualquer vertente procurarem agir contra a barbárie das ruas e contra a cultura

popular 'definida como atrasada, colonial e mestiça' (M.Abreu, 1996:196).

O mesmo demonstrou Rachel Soihet (2002), ao analisar as restrições impostas à Festa

da Penha, no final do século XIX. Assim como outras festividades, a comemoração era

entendida enquanto representação do atraso, incompatível, portanto, com o período

civilizatório e progressista republicano. Segundo a autora, as perseguições às festas deviam-

se, principalmente, a um desejo de controle cultural e político sobre a população e suas

manifestações.

De modo mais amplo, as restrições e regularizações diversas diziam respeito não

apenas ao que os governantes idealizavam para o espaço público de uma cidade civilizada e

higiênica, mas eram, também, uma maneira de estabelecer controle sob todos os aspectos da

vida urbana. No processo, práticas tradicionais do povo eram coibidas, como demonstrou

Amy Chazkel (2014), ao relatar a prática do jogo do bicho, no mesmo período. O jogo,

amplamente difundido, foi proibido, o que não modificou sua popularidade, apenas fez com

que, eventualmente, alguém fosse preso. A regulamentação criminalizava, assim, o que

anteriormente era comum, legislando sobre aspectos culturais e morais, em um projeto maior

de controle; eram os cercamentos da vida comum:

(...) tanto a criminalização de atos anteriormente tolerados quanto as mudanças

geopolíticas e econômicas que acompanharam a transição para uma economia

capitalista de consumo apontam para uma versão urbana de um processo

normalmente associado à história agrária: o cercamento das terras comuns. O

cercamento lembra a imagem de um anteparo que interrompe as ondulações verdes

da paisagem rural e restringe o acesso à matéria básica de sobrevivência material

considerada desde tempos imemoriais como propriedade comum (A.Chazkel,

2014:28).

A equivalência entre os cercamentos dos espaços naturais, e os cerceamentos da vida

urbana, também podia ser vista pela restrição ao acesso da população à moradia, através das

políticas de regulamentação da terra (B.Fischer, 2008). Especuladores tentavam fazer valer

regulamentos contrários às ocupações de espaços na cidade, evocando direitos proprietários,

em oposição à ocupação informal. Exigia-se um novo modo de habitação para efetiva

partipação dos benefícios públicos, em locais já estabelecidos pela posse regular e costumeira.

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Aqueles que não conseguiam se adequar a burocracia eram expulsos de suas casas, o que

resultava em grande parte da população desabrigada (B.Fischer, 2008).

O período registrava, assim, uma crise habitacional na cidade, que atingia a população

trabalhadora. Pois, contrário à lógica simples, apesar da crescente expansão urbana, via-se a

diminuição das possibilidades de moradia, ao menos nos locais mais centrais do Rio de

Janeiro. Como já demonstrado por Sidney Chalhoub (1996), ao final do século XIX, e

especialmente nos anos iniciais da república, o centro da cidade presenciava conflitos,

gerados pelo esforço de retirada da população e de suas habitações coletivas. Motivados, em

grande parte, por meio da ideologia da higiene dominante no período, os cortiços – como

eram chamadas, pejorativamente, as habitações populares – eram derrubados, para dar lugar

ao projeto civilizatório de urbanização.

A administração pública colaborava ou criava, assim, espaço a casas consideradas

mais higiênicas, à ampliação de ruas, avenidas e à implantação de praças, retirando as

habitações para dar lugar a projetos urbanísticos, como o dos jardins, nos quais a participação

dos populares era limitada. Se os jardins eram, também, lugares tradicionalmente destinados

ao lazer, ao ócio e ao bucolismo contemplativo, o processo de higienização urbana contribuiu

para que esses espaços tivessem sua circulação restrita, para que não fossem mais locais “(…)

por onde se entrusam vagabundos que se entregam a pratica de actos immorais.” (Chefe de

Polícia Pedro Ribeiro para o Sr. Dr. Presidente da Intendência Municipal, ms, 09.05.1891).

O ócio e o lazer eram atividades reservadas a uma parcela específica dos habitantes da

cidade, sendo sua prática pela população veementemente combatida. Assim como

demonstrado por Sidney Chalhoub (1996), as preocupações dos parlamentares republicanos

após a abolição da escravatura, em 1888, diziam respeito a pensar em como garantir que a

população se tornasse a mão de obra necessária para os empreendimentos capitalistas. A luta

contra o ócio das massas, para a criação de uma classe trabalhadora disponível era, portanto,

uma tarefa assumida pelo governo republicano.

A normatização do uso de parques e jardins foi, por isso, um dos temas do Código de

Posturas da cidade do Rio de Janeiro de 1895. Já a documentação administrativa17

registra

inúmeras reclamações de fiscais quanto a abusos, como urinar nas plantas; riscar balaústres;

pisar na grama; subir em árvores; arremessar pedras em outros visitantes; falar alto; dormir;

comer; arrancar galhos e flores; e, principalmente, arrombar ou quebrar o gradil que cercava o

17 Segundo as fontes da série Jardins Públicos (AGCRJ), a qual abrange o período entre 1830 e 1907, e

acompanha as mudanças burocráticas do órgão responsável pelos jardins públicos da cidade do Rio de

Janeiro.

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estabelecimento. Desse modo, o decreto legislativo nº 213 de 23 de novembro de 1895

estabelecia como regulamento para os jardins públicos da cidade algo semelhante ao

implementado no Jardim Botânico:

É absolutamente prohibido:

a) fracturar ou tirar os vegetaes ou somente pôr-lhes a mão;

b) atirar pedras ou outros projecteis;

c) deitar-se sobre os bancos ou em outros logares;

d) andar sobre a gramma ou penetrar nos grupos de vegetaçao;

e) penetrar nos logares reservados à habitaçao do pessoal empregado nos jardins;

f) permanecer no logar onde estao situadas as latrinas, quando dellas não precisar

mais servir-se;

g) satisfazer qualquer necessidade natural fóra das latrinas;

h) damnificar os ornatos, predios, moveis, materiais e utensílios existentes nos

jardins;

i) fazer algazarras;

j) usar palavras obscenas;

k) praticar actos offensivos ao decoro publico;

l) fazer refeiçoes em outro logar que nao seja nos restaurantes existentes nos jardins.

(Regulamento para os Jardins Públicos, Decreto legislativo nº 213 de 23.11.1895, Art. 3.530)

Nos jardins, as restrições justificavam-se pelas reclamações sobre quebra de conduta,

as quais eram sempre acompanhadas do pedido de mais guardas, para que a fiscalização

possibilitasse a tranquilidade e o sossego do passeio noturno de famílias, e impedisse que

indivíduos “indecorosos” atormentassem a “gente de bem”. Desde a primeira metade do

século XIX, tal preocupação se evidenciava, na repressão a indivíduos que “(...) respondem

que o passeio é público, nos insultam e querem dar pancadas nos feitores” (Jardineiro do

Passeio Público Manoel Conceição aos Vereadores da Camara Municipal, ms, 1831). Os

relatórios administrativos revelam a quem se destinava o espaço, e o volume de acusações,

insistentes em um longo espaço de tempo, apontam para a recusa da população quanto à

conduta exigida.

É possível construir um histórico das tentativas de restrições aos jardins públicos,

especialmente ao que concerne às cercas, a partir da documentação disponível no Arquivo

Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Em 1832, em pedidos de compra de material para o

Passeio Público, seu administrador solicitou “varas e estacadas para reparar as cercas deste

jardim” (Jardineiro do Passeio Público Manoel Conceição aos Vereadores da Camara

Municipal, ms, 1832). Em 1833, o mesmo responsável, solicitou novamente material para

reparos, e inclui uma sugestão para melhor combater os arrombamentos: "estas cêrcas, em vez

de serem de varas, fossem constituídas de madeira serião, alem de mais formosas, mais

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duradouras (…)” (Jardineiro do Passeio Público Manoel Conceição aos Vereadores da

Camara Municipal, ms, 1833).

Em todas as propostas de arrendamento dos jardins, a Câmara Municipal incluía a

condição do arrendatário cercar o local com um gradil de ferro, e conservá-lo. Mesmo os

moradores que se dispunham a ajardinar trechos de terra em frente às suas casas, ao enviarem

o pedido de permissão para a Câmara Municipal, incluíam no projeto o cercamento do jardim

com grades de ferro (Moradores de prédios da Rua Riachuelo à Camara Municipal, ms, 1865).

As grades não serviam apenas para controlar o horário de entrada dos visitantes, e de

quem poderia entrar, mas, também, para restringir o acesso de animais “danninhos” nas

dependências do jardim (Delegado Manuel João Correa de Menezes ao Prefeito do Districto

de Paquetá, ms, 12.09.1900). Quando danificadas, frequentemente, os fiscais denunciavam a

presença de galinhas, porcos e cães, fossem para pastarem, procriarem, parirem, vaguearem,

ou mesmo serem mortos por seus donos. Outros motivos para a fiscalização incluíam a

restrição às lavadeiras – que danificavam o arboreto dos jardins ao estenderem roupas

ensaboadas sobre os galhos das árvores (Directoria das Obras para a Camara Municipal, ms,

1865) -, bem como a proibição e multa pelo corte de árvores (Camara Municipal, ms,

04.03.1889).

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Figura 7- Desenho de um gradil de jardim para fabricação (Inspectoria das Mattas, Jardins e Caça, 1898).

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Embora tenham sido realizadas mudanças no órgão responsável pelos jardins da

cidade ao longo do tempo, um assunto tratado em seus relatórios fazia-se constante: mais

guardas e mais grades. O assunto dos relatórios da Inspectoria de Mattas, Jardins e Caça não

era a jardinagem, as espécies das plantas desejadas, as flores que seriam apreciadas, ou como

as mudas eram dispostas no espaço, mas antes, a descrição da disputa pelo uso e finalidade do

espaço. Ao relegar as preocupações vegetais à última importância e insistir repetidamente –

em aproximadamente um século de relatórios – nos termos: grade, gradil, sentinelas, guardas,

código de posturas, horários, proibição, punição, multa, vandalismo, arrombamentos, quebras

e invasão, os documentos revelam a existência de conflitos relativos à utilização do espaço

público por diferentes classes sociais.

O plantio de árvores nas ruas e praças da cidade era igualmente normatizado, seguindo

certas diretrizes, tanto na escolha das espécies quanto no posicionamento de seu plantio.

Como visto anteriormente, o JBRJ fornecia algumas das mudas para a cidade. Eram

escolhidas espécies que seguissem certos critérios, estabelecidos por algumas figuras

públicas, como Barbosa Rodrigues, e pela Inspectoria de Jardins, Arborisação, Caça e

Pesca18

, tais quais: serem indígenas; vistosas; de estatura baixa; possuidoras de uma copa

grande o suficiente para gerar sombra; de rápido crescimento; e que soltassem poucas folhas e

frutos no chão. Ainda que fossem espécies exóticas, privilegiavam-se aquelas que se

encaixassem em outros critérios, como a capacidade de sombrear as avenidas – item pontuado

por Barbosa Rodrigues em carta, ao indicar a Spathodea campanulata para plantio (IHGB,

1904). Além desses critérios, a família das palmeiras tinha presença marcante em todas as

praças da capital (Álbum da Exposição Nacional, 1908), pelos motivos apontados no segundo

capítulo.

Para realizar o plantio urbano, qualquer órgão, ou indivíduo, deveria seguir um

conjunto de padrões estabelecidos pela municipalidade. Fossem os administradores das praças

e jardins, ou os moradores desejosos por terem a frente de suas casas arborizadas, o Estado

estabelecia uma série de especificações necessárias para a tarefa:

Descripção e especificação: As árvores deverão ser de especie duradoura, caule

direito, copa regular e de sombra, devendo ter na occasião de serem plantadas a

altura minimo de 3,0 metros. Serão protegidas por um gradil de madeira de forma

triangular de 2,0 metros de altura e 0,5 de menos lado, e para mante-las em sua

posicao vertical collocar-se no centro um tutor. Serão plantadas a distancia de 7,0

18 Anterior Inspectoria das Mattas, Jardins e Caça (até 1898), e anterior Inspectoria das Mattas Marítimas e

Terrestres, Caça e Pesca (até 1903). A partir de 1903 as fontes referem-se à Inspectoria de Jardins,

Arborisação, Caça e Pesca.

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metros uma da outra em cada lado da rua, (...) a distancia dos prédios que for

determinada pela directoria de obras (Directoria das Obras, ms, 01.04.1882).

As grades não eram colocadas apenas ao redor dos jardins, mas também em volta de

cada muda de árvore plantada pelo centro da cidade, individualmente. A restrição ao livre

acesso encontrava, entretanto, resistência, por parte da população. A reação popular à

imposição das grades era clara: quebrá-las, consecutivamente.

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Figura 8 - Rua 1º de março. Na foto, visualiza-se como era posicionado o plantio de árvores pelas ruas

da cidade (Arquivo do Museu da República, s/d).

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Os pedidos para que os guardas, efetivamente, prendessem as pessoas que

arrombavam as cercas dos jardins repetem-se nos relatórios dos fiscais. Orçamentos de

conserto, pintura e substituição de gradil são igualmente exaustivos, assim como acusações

quanto à “(…) falta de educação social do nosso povo” (Secretaria da Illm.ª Camara

Municipal da Côrte, ms, 1879), que danificava as grades dos jardins e das árvores.

Desde 1831 há registros sobre o cercamento dos jardins, primeiramente com varas de

madeira e, ao menos desde 1864, por um gradil constituído de diversas lanças de ferro

fundidas e adornadas. As acusações dos estragos realizados por “vadios” referiam-se,

também, às depredações dos elementos internos ao jardim, tais como bancos, bustos, flores ou

ao seu gramado, mas geralmente diziam respeito à quebra do gradil, fosse qual fosse o

material do qual era feito.

Do mesmo modo, os danos causados aos cercamentos das árvores não diziam respeito

apenas à grade que as envolvia, mas às próprias mudas em seu interior. Os fiscais acusavam a

população de atacar todas as mudas de árvores que eram plantadas pela Câmara Municipal,

desfolhando-as e cortando seus galhos, o que não permitia o seu desenvolvimento. Eles

requisitavam, assim, medidas urgentes no sentido de fazer cessar a “inexplicável mutilação”

realizada no arboreto (Conselho Municipal ao Prefeito do Districto Federal, ms, 11.09.1900).

Multas eram instituídas, mas os fiscais pouco conseguiam fazer valer a regulamentação.

Os ataques eram de conhecimento geral, de modo que mesmo aqueles cidadãos que

enviavam propostas de arrendamento dos jardins públicos, em busca de trocar seus cuidados

ao espaço por uma quantia paga pela Câmara Municipal, tentavam incluir no contrato uma

cláusula que os responsabilizasse apenas em replantar as árvores que morressem

naturalmente, e não pelos ataques da população (Empreiteiro Manoel Fernandes Guimarães à

Câmara Municipal, ms, 1881). Aqueles que não conseguiam fazer passar tal cláusula em

pouco tempo iniciavam uma disputa para cancelar suas obrigações, que lhes traziam enorme

prejuízo (Empreiteiro Manoel Fernandes Guimarães à Câmara Municipal, ms, 1881).

Até mesmo a imprensa não sabia o que motivava os “(...) depredadores da arborisação

pública” (Jornal do Commercio, 16.12.1894), e perguntava-se sobre os interesses da

população da cidade, senão ter no espaço urbano árvores para embelezá-lo e fornecer sombra

aos transeuntes. A indignação era grande, amplamente discutida dentro da Inspectoria de

Jardins, Arborização, Caça e Pesca, e pautava-se na falta de pessoal para lidar com tantas

infrações contra o serviço de arborização (Inspector da Inspectoria de Mattas, Jardins,

Arborização, Caça e Pesca ao Prefeito, ms, 16.02.1907).

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Assim, os motivos para o gradeamento das árvores não diziam respeito somente ao

controle dos espaços, como realizado nos jardins, mas também visavam restringir o acesso da

população às árvores recém-plantadas. Nas especificações do plantio de árvores, as grades

que lhes serviriam de proteção deveriam ter no mínimo dois metros de altura, o que revela

uma tentativa de barrar qualquer aproximação humana aos vegetais.

As repetidas tentativas da Câmara Municipal, para estabelecer a arborização enquanto

melhoramento urbano, tiveram altos custos. Os deputados decidiram, portanto, repassar a

terceiros, definitivamente, o serviço de arborização, visando torná-lo regular e contínuo, para

que fosse possível “(...) vencer a repugnância da população ignorante, habituando-a ao novo

regimento” (Secretaria da Illm.ª Camara Municipal da Côrte, ms, 1879), ao mesmo tempo em

que ficariam as despesas, convenientemente, a cargo do empresário responsável.

A municipalidade pagaria doze contos de réis, para que o responsável, por sua vez,

plantasse uma média de mil árvores ao ano e, ponto de maior relevância, se responsabilizasse

por mantê-las vivas por um espaço de tempo de dois anos. O período designado não era

aleatório, consistia a média de tempo limite dentro do qual as mudas recém-plantadas eram

depredadas. Sabendo-se da dificuldade do encargo, era permitido ao empresário o direito de

proceder contra aqueles que tentassem destruir as árvores, ainda que não fosse explicado

como isso poderia ser realizado.

Constantes eram as preocupações e as técnicas desenvolvidas para proteger as mudas

das árvores plantadas, sendo acompanhadas apenas pela capacidade da população as

atacarem. Em 1896, um dos engenheiros da Diretoria de Obras e Viação levou ao

conhecimento da diretoria um episódio na rua Voluntários da Pátria: em frente às obras de

diversos prédios, em plena luz do dia, deceparam-se nove palmeiras que constituíam a

arborização da referida rua, servindo-se o destruidor dos andaimes das obras (Engenheiro da

Directoria de Obras e Viação ao Director, ms, 08.05.1896). Fosse por mãos vadias, por

picaretas malévolas ou por andaimes desencaminhados, a destruição das árvores pela

população seguia o ritmo dos plantios realizados pela municipalidade e seus terceirizados.

Tais incidentes eram tratados como escândalos, brutalidades realizadas por uma

população ignorante e selvagem. Por outro lado, as fontes também revelam que os alvos dos

ataques não eram toda e qualquer árvore existente na cidade. Os relatos de vandalismo diziam

respeito somente às árvores que estavam sendo plantadas pela municipalidade, mas nada

acusavam sobre as árvores antigas já existentes. Sobre elas, o que temos na documentação são

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ponderações sobre podas e arranques, procedentes da própria diretoria, e eventualmente de

algum morador incomodado.

Nos relatórios da Inspectoria de Mattas, Jardins, Arborização, Caça e Pesca

encontram-se cartas de moradores, e pedidos de fiscais, requisitando poda ou arranque de

árvores antigas, ou plantio de árvores novas. A documentação registra as idas e vindas

burocráticas realizadas antes da decisão final sobre o assunto, expressando-se o fiscal e os

administradores sobre qual atitude seria apropriada, a partir de algumas considerações

comumente levantadas.

Os pedidos eram formulados tendo por base a afirmativa do prejuízo promovido pela

árvore em questão, o que poderia incluir danos materiais causados em construções, devido às

raízes sobressalentes; galhos frouxos que pudessem cair sobre os transeuntes; o impedimento

Figura 9 - Praça XV de novembro, após urbanização realizada pela administração Pereira Passos,

com mudas recém-plantadas e circundadas por grades, segundo especificação designada. É

possível, ainda, visualizar uma árvore antiga sem grades (Arquivo do Museu da República, 1904).

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do escoamento da água da rua; a quebra dos muros e gradis das casas; ou mesmo as árvores

estarem posicionadas fora do enquadramento determinado pela diretoria de obras, o que

produziria, além de danos estéticos, a quebra das sarjetas que seriam assentadas nas ruas.

Além das motivações relativas à engenharia do espaço, estavam também presentes nos

pedidos motivos higiênicos para o corte de árvores antigas. Dizia-se que, por derrubarem

muitas folhas, tornavam o lugar úmido, prejudicavam a passagem de ar, e causavam um

escurecimento excessivo do ambiente. Como vimos, tais fatores, no período, eram

considerados responsáveis pela insalubridade de um determinado local. As árvores antigas

eram, por isso, vistas como contribuintes à concentração de miasmas pútridos. Assim, a

altura, o volume excessivo e a falta de espaçamento correto das árvores eram características

que as tornavam prejudiciais à saúde humana, sendo, portanto, isoladas as conhecidas

contribuições das árvores à salubridade de um local. Tais ideias eram também relatadas pela

imprensa:

A arborização desta capital, que constitue um dos mais importantes encargos da

secção terrestre, vai sendo feita com a maior regularidade, é certo, mas sem

interrupções, sendo gradualmente eliminadas as antigas arvores, que embaraçam a

viação publica nos pontos de grande transito, e bem assim as que, pela sua colocação

nas sarjetas das ruas, dificultam o escoamento das aguas pluviaes e aquellas que pela

sua proximidade das habitações as prejudicam e damnificam, sendo substituidas por

especimens apropriados á arborização urbana (O Paiz, 08.04.1905).

Existia, assim, uma diferenciação entre árvores novas, plantadas pela municipalidade,

e árvores antigas, anteriores ao processo de revitalização urbana da capital. As árvores novas,

que se encontravam tanto nas ruas da cidade quanto no replantio da Floresta da Tijuca,

obedeciam determinações de plantio, tais como espaçamento, altura ou espécie, e eram

conservadas pelo governo enquanto medida higiênica, estética e civilizatória. Por sua vez, as

árvores antigas deveriam ser “abatidas”, quando fora dos critérios especificados. Funcionários

e moradores assim se expressavam, ao se referirem a elas: em carta à Câmara Municipal, um

morador pedia para que três árvores antigas fossem “abatidas”, pois estavam impedindo a

passagem de ar e luz, tornando seu prédio “insalubre” (Morador à Câmara Municipal, ms,

19.07.1883). As ponderações dos fiscais e administradores variavam entre conservar as

árvores, resolvendo o problema pela poda de alguns galhos para aumentar a entrada de luz e

ventilar melhor o ambiente, ou retirá-las:

A póda das arvores existentes e o corte das velhas e inuteis têm sido feitos com toda

a regularidade e attendidas, em grande numero, as reclamações dos proprietarios,

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nesse sentido, quando procedentes (Mensagem do Prefeito do districto federal, O

Paiz, 1906).

Na discussão de uma das cartas de moradores, o engenheiro responsável escreveu

parecer favorável ao abate de algumas delas, uma vez que eram “grandes e velhas” (Morador

à Câmara Municipal, ms, 19.07.1883). Por serem as árvores em questão mais antigas do que a

regulamentação sobre o plantio, tendo sido apenas conservadas quando as ruas foram abertas,

o engenheiro acreditava que elas poderiam ser substituídas por árvores mais novas “uma vez

que elas não foram plantadas para efeito de arborização” (Morador à Câmara Municipal, ms,

19.07.1883). Sendo assim, elas poderiam ser “arrancadas e substituidas por outras que não

offereçam os mesmos inconvenientes”, mas que, entretanto, fossem “um meio de maior

salubridade para o lugar” (Morador à Câmara Municipal, ms, 19.07.1883).

A salubridade proporcionada pelas árvores era, portanto, dúbia, sendo vantagem de

pouca importância quando os regulamentos da arborização estavam em questão. Mesmo para

o plantio de novas árvores, as regras de implantação eram o fator principal a ser verificado.

Em 1892, um cidadão enviou para a Intendência Municipal um pedido de licença para plantar

duas árvores em frente à sua casa, localizada no centro da cidade. As considerações feitas no

documento são a princípio favoráveis, pela atitude ser permitida pelo código de posturas, mas,

ainda assim, a decisão final foi contrária, uma vez que “(…) o plantio de arvores em uma

cidade deve obedecer o plano adaptado de acordo com principios scientificos que não podem

ser preteridos” (Barata Ribeiro em carta de Cidadão ao Presidente e demais membros da

Intendência Municipal, ms, 26.08.1892).

Assim, ao mesmo tempo em que a população danificava as árvores novas, plantadas

sob o planejamento científico da revitalização urbana, a municipalidade arrancava as árvores

antigas, que não se enquadravam nesse padrão. Quando as novas mudas eram atacadas, os

relatos informavam que as árvores haviam sido mortas, decepadas, mutiladas, acutiladas ou

esfoladas. Em contrapartida, se tratava-se de ação do órgão governamental responsável, dizia-

se que eram retiradas, removidas, podadas ou transplantadas. A escolha dos termos parecia

depender, assim, de um local de discurso e de sua autoridade. As mesmas árvores, se

maltratadas pela população, são descritas na documentação administrativa como sujeitos

sensíveis e sofredores:

Requeiro que, por intermedio da meza, sejam pedidas urgentes providencias á

Prefeitura, no sentido de fazer cessar a inexplicavel mutilação que está sendo feita

na arborização do bairro de Botafogo (Conselho Municipal ao Prefeito do Districto

Federal, ms, 11.09.1900).

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Hé de meu dever levar ao conhecimento de VSª, que á dias apareceo na Praça do

(...), huma árvore das maiores inteiramente esfolada, acutilada por baixo; (...) na

noite do dia 26 hum vizinho presenciou que um pedestre que rondava depois das 10

horas, dera em outra árvore de igual altura duas cutiladas bastantes profundas como

se pode ver (Carta ao Chefe de polícia, ms, 28.12.1855).

Já sob a ação governamental, eram descritas como objetos inertes, como “bens

públicos” (Delegado Manuel João Correa de Menezes ao Prefeito do Districto de Paquetá, ms,

12.09.1900).

Ao mesmo tempo em que a municipalidade tentava proteger as novas mudas de

árvores, cercando-as com grades, instituindo multas e aumentado o número de fiscais, há

indícios de que a população tentava proteger as árvores antigas. Não pelo efeito urbanístico,

como realizado pelo governo, mas por razões sentimentais. Em 1883, um morador, em carta à

Câmara Municipal, implorava que uma árvore antiga, plantada por ele mesmo em frente à sua

casa, não fosse “botada abaixo” (Cidadão à Câmara Municipal, ms, 02.04.1883). Em sua

defesa, garante que ela não atrapalhava o trânsito, nunca havia provocado nenhum acidente,

sequer atrapalhava o bonde, e ainda possuía valor higiênico. Em seu relato, dizia não entender

o motivo pelo qual o fiscal havia aparecido com seus agentes e picaretas para arrancá-la, e por

isso suplicava a revogação da ordem. A utilização do termo “bota-abaixo” pelo morador para

se referir às árvores antigas, anteriores ao projeto de modernização e urbanização civilizatória

da cidade, nos fornece correlações profícuas, uma vez que era também utilizado para

descrever a derrubada de cortiços e moradias populares, no período.

Aparentemente esses pedidos não eram poucos; outros moradores escreviam para a

Prefeitura pedindo clemência pelas árvores antigas, frequentemente evocando os benefícios

que elas traziam, ou a afeição que por elas sentiam, em oposição ao planejamento de reformas

urbanas. Em resposta a esses pedidos, a imprensa contra-argumentava a série de protestos,

considerando-os reclamações irracionais e, dizia ser a substituição das árvores uma prática,

ainda que nova, racional de arborização:

Nunca teve mais razão de ser o velho proloquio da impossibilidade de contentar a

todos. Hontem, um communicante da Noticia vem lamentando que a Prefeitura não

alargue a área calçada da praia de Botafogo, onde passam hoje os veículos, por amor

ás dezenas de frondosas arvores que ali existem. Hontem, uma 'Varia' do Jornal do

Commercio vem lamentando o córte de alguns galhos das arvores da rua Olinda!

(…)

A allegação de ser necessario cortar uma arvore velha ou bichada para substituil-a

por outra nova não è simples desculpa: é razão incontestável. Nem sempre é possivel

plantar arvores novas ao lado das velhas e esperar que cresçam aquellas para

derrubar estas. Quando o é, tem sido feito pela Prefeitura (O Paiz, 26.08.1904).

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Segundo a argumentação apresentada, era a “arborização”, atividade genérica da

presença de árvores, o serviço imprescindível para o espaço urbano, pouco importando quais

eram as árvores viventes. Os pedidos de proteção às árvores antigas não tinham, assim, razão,

pois em pouco tempo uma árvore nova ocuparia seu lugar, e pouco entendia-se da

individualização feita pelos moradores às árvores.

O processo em larga escala era recente. Ainda que, em 1904, a imprensa defendesse a

ciência praticada na arborização urbana, o jornal O Paiz, exatamente dez anos antes,

questionava as práticas de corte de árvores antigas:

Não sabemos se a devastação a que se está procedendo é aconselhada por alguma

autoridade hygienica; em todo caso, para instrucção, estimariamos conhecer os

fundamentos da nova doutrina em que parece apoiar-se o elemento official da

municipalidade do districto federal (O Paiz, 23.02.1894).

Assim, embora a higienização da cidade se utilizasse da possível purificação a ser feita

através das árvores novas, designava também a retirada das árvores antigas, por estas não

respeitarem as determinações de plantio. As razões da população são menos evidentes na

documentação, mas a depredação das mudas recém-plantadas pode ser lida como um indício

da resistência oposta por trabalhadores ao processo de higienização da cidade, que os

expulsava de seu espaço, tal como descrito por N.Sevcenko (2003) e S.Chalhoub (1996). No

entanto, o fato de a população buscar proteger as árvores antigas, na linha do que sugeriu

N.Farage (2013), sobre a resistência da população carioca à expulsão dos animais da cidade

no mesmo período, indica positivamente que a população também tinha seus próprios planos,

ainda que vencidos pelo Estado, para o que deveria ser o espaço urbano e sua convivência

compartilhada com outras espécies.

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Conclusão

Como visto, em princípio, os jardins botânicos distinguiram-se por serem locais em

que eram conduzidas pesquisas científicas, tendo sido utilizados, em grande parte, como

instrumentos coloniais de trato com a flora para empreendimentos rentáveis. Percorri a

história de um deles, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, atentando para as mudanças de

objetivos em suas atividades, no que disse respeito a se estabelecer como local de pesquisa

botânica, parque de passeio ou local de desenvolvimento da indústria agrária. Detive-me em

um recorte temporal (1890 -1909), no intuito de aprofundar a análise através da trajetória de

seu diretor, João Barbosa Rodrigues, cujos trabalhos, além de representarem a produção

científica do Jardim no período, davam forma ao que ele aspirava para a instituição.

Dentre as atividades do período, para as quais dispomos de relatos documentais,

busquei examinar a participação do Jardim na Exposição Nacional de 1908. A análise partiu

de uma questão empírica: na coleção de plantas selecionada por Barbosa Rodrigues para

representar o Jardim Botânico faziam-se presentes mais plantas exóticas do que indígenas. O

fato surpreendia pelo histórico do naturalista, que havia feito carreira sobre a flora amazônica

e era franco defensor do conhecimento botânico indígena.

Busquei, portanto, levantar as conexões existentes para o significado de indígena no

período, que se relacionavam com a formação da identidade nacional, tanto para coesão

ideológica, quanto para promover o país comercialmente. Desejava-se inventariar os

elementos do território e, ainda mais, modificar a imagem de perigo relacionada aos trópicos,

de modo a projetar uma visão de país promissor e industrioso. O JBRJ tinha um papel nessas

questões, enquanto instituição de trato com a flora. Da flora indígena elaborava-se,

principalmente, conhecimento taxonômico, enquanto da flora exótica produzia-se

conhecimento agrário rentável. Priorizar a última na coleção do Jardim para a Exposição

parecia ser um modo de relacionar a vitalidade tropical à fertilidade do solo.

Mostrar que as espécies estrangeiras – humana e vegetais – sobreviveriam e

frutificariam no país, não era prioridade no projeto de Barbosa Rodrigues para o estudo da

flora. Descortinavam-se, assim, conflitos existentes sobre os rumos do Jardim Botânico:

ajudar a desvelar espécies indígenas, e seus possíveis usos, ou contribuir com o conhecimento

agrário, para tornar o país celeiro de um programa comercial mundial já em andamento.

Ainda que o projeto de Barbosa Rodrigues tenha sido vencido, algumas de suas

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diretrizes para o Jardim Botânico foram mantidas, sobretudo a de constituir um local de

produção de ciência. Isso assegurava à instituição renda e proteção que a flora ao redor não

partilhava, como visto pelo processo de desflorestamento do Rio de Janeiro, ocorrido tanto

pela expansão da fronteira agrícola, por meio de técnicas pouco conservacionistas, quanto

pelo modo em que se estabeleceu a urbanização.

A diferenciação entre o Jardim e a mata foi, também, reforçada por um elemento

simbólico importante: a cerca. Como dito, a cerca mantém a coesão interna dos elementos de

um jardim, e o diferencia do meio natural selvagem. No JBRJ, ela também tinha outra função,

a de impedir que os operários do bairro vizinho o utilizassem como local de coleta. A restrição

também era observada nos jardins do centro, e estendia-se a outros espaços e seres viventes na

cidade, sendo expressão de um movimento maior por parte dos governantes, para regular e

controlar a vida das populações (N.Farage, 2011).

Em resposta, a população quebrava, consecutivamente, as grades que cercavam os

jardins. Entendemos o fato como uma forma de resistência a esse controle. As fontes acusam

que o principal serviço realizado pela Inspectoria de Mattas, Jardins, Arborisação, Caça e

Pesca, órgão governamental ativo ao longo do século XIX e princípio do XX, foi, justamente,

o reparo de gradis vandalizados. A municipalidade ignorava, assim, o que motivava a

população, e insistia em seu projeto, excludente, de cidade. As restrições dos espaços e das

formas de existência derivavam das mudanças impostas ao urbano pelo projeto civilizatório e

higienista, elaborando-se até mesmo regulamentos para o plantio de árvores pelas ruas.

A arborização era realizada não apenas por motivos estéticos – através da disposição

em linhas retas e eqüidistantes de árvores de características similares – mas também por

motivos higiênicos – de acordo com as percepções científicas sobre as formas de propagação

de doenças. Consideradas purificadoras das pestilências contidas no solo e nos ares, árvores

novas eram implementadas pela administração municipal, mas o mesmo tratamento não se

aplicava às árvores antigas, que eram “botadas abaixo” – sublinho, novamente, o paralelo

estabelecido pela população entre as perseguições aos cortiços e às árvores anteriores ao

processo de higienização urbana – ou, “abatidas” – em semelhança ao termo usado para

descrever o assassinato de animais.

As posições contrárias entre população e governo notavam-se no trato com a flora e,

por meio delas, podemos apreender conflitos e ambiguidades. Enquanto a municipalidade

plantava mudas de árvores de acordo com as diretrizes de seu projeto de urbanização, a

população atacava essas árvores e as grades que as rodeavam, uma a uma. Por outro lado, as

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árvores antigas pareciam contar com a proteção da população – por motivos sentimentais –,

sendo arrancadas pela municipalidade por não se enquadrarem nos padrões estabelecidos. O

desvio do que era determinado à elas fazia com que, da perspectiva do controle exercido pelo

Estado, elas não fossem mais concebidas como melhoria sanitária, mas sim, como agentes

malsãos. A conclusão é de Lima Barreto:

(...) uma coisa que ninguém vê e nota é a contínua derrubada

de árvores velhas, vetustas fruteiras, plantadas há meio século,

que a aridez, a ganância e a imbecilidade vão pondo abaixo

com uma inconsciência lamentável (Lima Barreto, Correio da

Noite, 31.12.1914)

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