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O Jornal dos Estudantes de Medicina da UFES Edição 15 www.damufes.com/raiox AVALIAÇÃO NO CURSO DE MEDICINA Um paralelo entre o mé- todo e as normas que o regem, destacando os direitos e os deveres dos alunos e dos professores. COBREM: CONGRESSO BRASILEIRO DOS ESTUDANTES DE MEDICINA ANAMNESE ABRAMES DR. ROBERTO ATLÉTICA A motivação como caminho para a transcedência Um pouco da so- ciedade dos poe- tas médicos Estimulando o esporte na uni- versidade Uma lição de gra- tidão e de espe- rança

Raio-X, nº 15

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O Jornal dos Estudantes de Medicina da UFES. Edição 15: Fev/Mar/Abr 2015

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O Jornal dos Estudantes de Medicina da UFES Edição 15

www.damufes.com/raiox

AVALIAÇÃO NO CURSO DEMEDICINAUm paralelo entre o mé-todo e as normas que o regem, destacando os direitos e os deveres dos alunos e dos professores.

COBREM:CONGRESSO BRASILEIRO DOS ESTUDANTES DE MEDICINA

ANAMNESE ABRAMES DR. ROBERTOATLÉTICAA motivação como caminho para a transcedência

Um pouco da so-ciedade dos poe-tas médicos

Estimulando o esporte na uni-versidade

Uma lição de gra-tidão e de espe-rança

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Caro LeitorA palavra do editor

EXPEDIENTE:RAIO-X é o Jornal dos estudantes do Diretório Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (DAMUFES).Edição: Érico Induzzi Borges / Equipe: Brener Nogueira, Eloísa Giacomin, Enzo Dalfior, Joilton Tavares, Júlia Martins Brunelli, Rafael Mendes, Thaisa Malbar RodriguesRevisão: Érico Induzzi BorgesDiagramação: LF Diagramação / Impressão: Gráfica UFES / Tiragem: 300 exemplaresContato: [email protected] / Site: www.damufes.br/raiox

Edição 15 - Fevereiro, Março e Abril de 2015

Iniciamos mais um ano de Jornal Raio X e, antes de mais nada, deixo registrado meus agradecimentos à gestão passada, tanto do Diretó-rio quanto da Assessoria, pelos feitos e pelas produções em nosso jornal. Nós, da Assessoria de Comunicação da Gestão 2015 – equipe renovada e mais jovem, mas que nada deixa a desejar em qualidade - iniciamos os trabalhos com bastante energia e esperamos deixar o mesmo legado. Nesse ano, a Turma XCVI ingressou os estudos no primeiro período. Calorosamente recebida, foi informada dos trabalhos da nossa As-sessoria de Desportos, que muito tem se esforçado na promoção do esporte para os acadêmicos de Medicina da UFES.Tão importante quanto praticar esportes é dedicar-se a adquirir o novo ritmo de estudos, o da faculdade. Analisamos essa mudança, dando enfoque ao processo de avaliação, traçando um paralelo com os métodos de todo o curso. Ao mesmo tempo, salientamos normas vigentes e atribuições de ambas as partes envolvidas: aluno e profes-sor. Tudo isso com o intuito de destacar que o aprendizado deve ser o objetivo final de todo o processo. Por fim, recomendo-lhes a leitura da Anamnese. Com a destreza de uma dissecção anatômica ela foi conduzida. Uma investigação base-ada no protagonista de um dos doze capítulos do curso de Medicina, que traz mais do que ensinamentos e filosofias de vida. Tivemos o prazer de ser recebidos pelo Prof. Sarmento, em seu local de trabalho, para uma franca conversa. Boa leitura!

Equipe da Assessoria de Comunicação e Coordenação Geral da Gestão 2015Da esquerda para a direita: Júlia Brunelli, Thaisa Malbar Rodrigues, Gleison Valle e Paulo Victor Ferreira Mai (Coordenação Geral), Érico Induzzi Borges (Coordenação de Assessoria), Eloísa Spinassé Giacomin. Novamente, abaixo: Joilton Tavares, Rafael Gonçalves Mendes e Enzo Dalfior Antunes. Brener Nogueira não está na foto.

Esta edição foi impressa com recursos pró-prios do CCS.

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COLUNA VERTEBRALA opinião de quem escreve o jornal

O estudo e o exercício da Medicina nos ensinam que perdas e ganhos fazem parte do nosso convívio. São vidas que vêm e que vão a cada segundo, sendo o tempo importante variável na análise da saúde, tanto do paciente quanto do sistema. O ano que passou foi marcante. Num giro internacional, a África, já assola-da pela falta de recursos e de gestão eficaz, sofria a mais grave epidemia de doença pelo vírus Ebola, registrando 6,5 mil mortes dentre mais de 18 mil casos da doença. Na Suécia, nascia o primeiro bebê desenvolvido em útero transplan-tado – a mãe de 35 anos, portadora da Síndrome de Rokitansky (ausência ou má-formação congênita uterina) rece-beu o útero de uma senhora de 61 anos. Belo exemplo de que a Medicina quebra barreiras.No Brasil, a candidata do PT foi reelei-ta com maioria de votos no segundo turno, mesmo que em virtude de uma diferença não muito expressiva. Expres-siva, por outro lado, era uma classe em apoio à oposição. Médicos e acadêmicos de Medicina, em meio a mais represen-tantes da área, fizeram sua parte nas urnas, indignados com o mau progresso da saúde e do ensino.Para início de análise, em 2003, o ins-tituto DataFolha apontou que em meio a assuntos como segurança, corrupção, educação, desemprego e miséria, a saú-de era tema de maior preocupação para 6% dos brasileiros. Repetida a pesquisa em 2014, esse percentual alcançou sur-preendentes 45%, mas há razões. Se-gundo dados do CFM, entre 2010 e 2014 o SUS perdeu cerca de 14,7 mil leitos de hospital. E de 2005-2014, a queda ultrapassa 40 mil. Trata-se de uma per-da grave, em âmbito estritamente hos-pitalar e em todo o sistema, visto que implica a estada prolongada de pacien-tes nas emergências – locais já sobre-carregados. Isso porque só 8% do R$ 1 bilhão destinado pelo PAC 2 às UPAs, centros referenciados de emergência, foram aplicados, perfazendo um total de 39 obras concluídas, das 483 previstas – e só no Espírito Santo, o percentual de conclusão foi 12,6%. Vê-se, pois, que o pronto atendimento pode tardar.

Em meados de março desse ano, vol-tou à mídia o Programa Mais Médicos, aplicado pelo governo Dilma e respon-sável por trazer cubanos para atender na rede pública sem a obrigatoriedade de possuir certificado de formação. Seu corpo técnico, em gravação divulgada na TV, discutia a sugestível função do programa: ajudar o governo cubano. Vê-se que há sentido. Que os “médicos” trazidos devam de fato funcionar como marionetes, que distraem a população enquanto seu dinheiro cruza o mar do Caribe, selando um acordo entre as na-ções, ou melhor dizendo, entre Cuba e o governo brasileiro. A nação, por sua vez, carece de atenção.Não podíamos deixar de sentir vergo-nha ao ler noticiários condenando mé-dicos envolvidos na máfia de próteses e de órteses. Uma quebra de juramento e um desvio de conduta ética e moral, além de crime. Foi como uma biópsia do escândalo da Petrobras cujo diagnóstico é corrupção, de envolvidos cujos ros-tos também não se coram em verme-lho “vergonha na cara”. A corrupção tem características de neoplasia maligna – silenciosa, com alta taxa de crescimento e de infiltração nos diversos setores – suas consequên-cias são sistêmicas e, seu prognós-tico, reservado. Na ótica do ensino, em dezembro passa-do o MEC publicava a avaliação de 154 cursos de Medicina. Um somatório de 27 escolas recebeu o menor Conceito Preli-minar de Curso (CPC) - de valor 3, clas-sificado como insatisfatório. Uma delas, lamentavelmente, localiza-se no norte do estado. O nosso curso recebeu nota 4/5 no CPC e conceito 5/5 no ENADE – mesmas notas da USP, UnB e UFMG. Um fato do qual se orgulhar. A capaci-dade do aluno “MEDUFES” é reconheci-da nacionalmente e tem sido abordada por ex-colegas em seus textos para o Jornal Raio X, nos quais o “material hu-mano” da universidade é elogiado. Além disso, no ranking da Folha de São Paulo a UFES foi avaliada como melhor do es-tado e, dentre outras 186 faculdades no Brasil, a 27ª em qualidade. Até quando?A UFES vem perdendo alguns de seus melhores profissionais, médicos e/ou

professores, que sofrem com a má re-muneração e com as condições, tanto estruturais quanto burocráticas, sob as quais são obrigados a trabalhar – o que faz com que muitos peçam demissão ou não retornem à faculdade após a apo-sentadoria. O impacto dessa perda é claro, e os prejudicados são os acadê-micos e a população, por não receberem as melhores instruções e cuidados. Mas não é só isso. Do orçamento da educa-ção no plano de governo de 2015, mais de R$ 7 bilhões foram cortados, afetan-do as universidades federais. Com isso, observamos, por exemplo, a precarieda-de da prestação de serviços terceiriza-dos, fazendo com que o lixo se acumule e os banheiros fiquem inutilizáveis. Não podemos deixar de citar a falta de ma-nutenção nos bebedouros em todo o campus de Maruípe. Esses problemas, aliados ao corte na capacitação de pro-fessores e à interrupção de obras não ratificam o slogan de governo “Pátria Educadora” e fazem da universidade um ambiente cada vez menos propício ao aprendizado.Entregamos, ao total, uma em cada qua-tro obras de saúde prometidas. Temos 2,3 leitos por mil habitantes, enquanto que a média global é 2,7. Ainda leva-mos duas vezes e meia mais tempo para aprovar pesquisas clínicas, em compa-ração com a média mundial. Em meio a tanto atraso e desrespeito, o mundo não espera pelo Brasil. Vemos que o cená-rio atual não é favorável e que os inte-resses maiores são em ganhos próprios em vez de coletivos e, quando se pensa em coletivo, o benefício não é para o povo brasileiro, e sim para organizações políticas. Nosso papel é, nessas circuns-tâncias, fazer o melhor possível, sermos intensos – nos estudos, no trabalho, no pensamento crítico e no respeito ao ser humano. Valorizar nossos mestres. Agir moralmente e com ética. Isso porque seremos médicos, produtores de conhe-cimento, formadores de opinião. A Me-dicina não deve ser somente um ofício, nem nós devemos ser meros executores de protocolos – precisamos aplicar es-forço consciente. Se não pudermos sal-var o sistema, ao menos que aliviemos seus problemas.

Não tem sido fácilpor Érico Induzzi Borges

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ESTADO GERALUm giro de notícias diversas

INFORMATIZAÇÃO IA diretora do Centro de Ci-ências da Saúde, reafirman-do o propósito de integrar o ensino ao serviço, participou da videoconferência que inaugurou o Data Center no Hospital Universitário Cas-siano Antônio de Moraes. A estrutura servirá de base para informatização dos ser-viços do hospital, inclusive a confecção de prontuários eletrônicos. “Considerando o HUCAM um hospital de ensino, acredito que a infor-matização e armazenamen-to de dados e informações auxiliarão o desenvolvimen-tos dos projetos pedagógi-cos dos cursos de saúde no CCS, no que tange a ensino, a pesquisa e a extensão”, afirma a diretora.

INFORMATIZAÇÃO II A Eduroam, uma rede de internet sem fio, está dis-ponível nas bibliotecas e cantinas dos campi de Goia-beiras, Maruípe, São Mateus e Alegre. Trata-se de um serviço de acesso seguro, desenvolvido para a co-munidade internacional de educação e pesquisa. Já in-tegram a rede Eduroam uni-versidades de cerca de 60 países, e a Ufes foi a tercei-ra das 12 universidades bra-sileiras que aderiram ao ser-viço. Ampliando a rede de conteúdo digital, a TV Ufes é veiculada no Canal 13 da NET e também divulga seus conteúdos na internet, por meio da página no Facebook e canal no Youtube.

NOVOS LEITOSO HUCAM inaugurou, no dia 6 de abril, oito novos leitos de UTI adulta. A solenidade aconteceu no auditório do setor de Pediatria e contou com a presença da vice--reitora da Ufes, Ethel Ma-ciel. Durante a cerimônia, também foi apresentado

um novo aparelho de ma-mografia digital, adquirido pelo Hospital. O aparelho, que utiliza tecnologia 3D, é o único existente em hos-pitais públicos do Estado e permite fazer o exame com mais precisão e eficiência no diagnóstico.A aquisição do mamógra-fo digital vai possibilitar ao hospital dobrar a capaci-dade de realização de exa-mes de mama, passando dos atuais 300 para 600 exames mensais. Com uma equipe formada por 26 mé-dicos, o serviço diagnósti-co do HUCAM realiza, em média, 3.500 exames por mês, como raio-x, ultrasso-nografia, mamografia, den-sitometria óssea, ressonân-cia magnética e tomografia computadorizada. No setor também são realizados pro-cedimentos como biópsias de próstata, pulmão, rim, fígado e mama.

VI CEMESO Congresso dos Estudan-tes de Medicina é um evento realizado e promovido por acadêmicos da Universidade

Federal do Espírito Santo, tendo neste ano sua sexta edição. Com o propósito de discussão acadêmica de te-mas considerados relevan-tes para qualquer estudante e profissional da área mé-dica, o congresso abordará de questões jurídicas a con-dutas de emergência, e de doenças crônicas a eventos delicados na relação médico paciente.O evento será realizado nos dias 15 e 16 de maio, no Teatro Universitário da UFES, onde serão minis-tradas palestras por médi-cos convidados, do Espírito Santo e de São Paulo, todos reconhecidos pelos seus tra-balhos de qualidade e sua ética, trazendo para os es-tudantes um pouco de sua experiência e do que há de mais recente sobre cada as-sunto. As inscrições podem ser feitas no site (www.ce-mes2015.com.br) - até o dia 30/04 custam R$ 75 e, até

15/05, o valor passa a ser R$ 90.CCS SOLIDÁRIOA solidariedade está em alta no CCS. Alunos de Medicina se mobilizaram para alegrar a Páscoa das crianças inter-nadas na enfermaria da Pe-diatria. Muitas brincadeiras, música e ovos de chocolate fizeram a alegria dos peque-nos pacientes em atividades que envolveram alunos do básico à residência. De acor-do com Natália Reis, aluna da turma 94 que coordenou a ação, “foi gratificante ver a dedicação de todos, que fez surgir planos de transformar essa iniciativa em projeto de extensão de forma a certifi-car, validar e conseguir mais recursos para as atividades”. No Natal de 2014 o CCS já havia experimentado dessa solidariedade e o saldo po-sitivo incitou essa segunda edição, que comprovou o sucesso da iniciativa.

SAIBA MAIS - TV UFESFacebook: www.facebook.com/tvufesYouTube: www.youtube.com/TelevisaoUfes

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O icônico Professor Sarmento recebeu em sua sala a nos-sa equipe para uma conversa repleta de franqueza e sensi-bilidade. Aluno da 13ª turma da UFES, ele sempre sentiu atração por Neuroanatomia e, em 1979, a convite do Dr. Fernando Musso, começou sua carreira como professor desta Universidade. Com muita generosidade ele nos fala sobre motivação, amor pelo ensino, cabelos brancos, transcendência e metas futu-ras.O Raio-X foi presenteado pela oportunidade de ouvir esse amante da sabedoria já na primeira edição do ano. Leia essa entrevista e tenha uma prova desse presente inspirador.

O senhor, ainda acadêmi-co, proferiu aulas em um cursinho da Grande Vitó-ria. Clinicou após forma-do, mas preteriu essa arte em função do magistério, que exerce até então. Quais são a origem e a im-portância dessa vocação, a docência, em sua vida?O aluno acha que escolhe a especialidade, e com toda a experiência que tenho, afir-mo que o aluno não esco-lhe nada, é a especialidade que escolhe o aluno. Então, de repente, ele fala “eu es-colhi a neuro”; mentira, foi a neuro que o escolheu. E assim aconteceu comigo, quando estava entrando no sexto ano, não sei por que eu queria dar aula. Acredi-to que o cursinho foi uma grande escola para mim... lá eu era professor, coloquei muitos alunos para fora de sala, e tinha o apoio dos pais.

Um sentimento exaltado pelo senhor é a motiva-ção: um artifício constru-ído por nós que nos entu-siasma e encoraja frente aos fatos e escolhas da vida. O que lhe motiva na medicina e no ensino?O sentimento mais impor-tante para o ser humano é a motivação. E a motivação se manifesta em mim por uma coisa que já conheço há mui-tos anos: um frio na barriga. Antes de toda aula, fico com aquele frio na barriga, e esta é a maneira que temos de dizer a nós mesmos que es-tamos motivados. Digo com muita sinceridade: o dia em que eu não tiver mais este frio, será este o motivo, acre-dito, que me fará aposentar. Então, enquanto eu senti--lo, continuarei dando aula.E o mais importante para mim é saber que, de alguma forma, eu ajudo a constituir

aquele aluno para aquela

profissão que eu considero a mais nobre de todas, que é a medicina, muito embo-ra - aí vai uma crítica -, o aluno, hoje, busque muito o currículo. O currículo tornou--se o alvo do aluno; não, a consequência: então ele vai fazer monitoria por causa do currículo, uma iniciação cien-tífica também pelo currículo. E eu não vejo isso com bons olhos. Ele deve fazer aquela monitoria por considerá-la essencial a ele; consequen-temente, vai para o currículo.

Desde 1979, quando começou a lecionar na UFES, muita coisa mu-dou. O que melhorou e o que piorou no curso de medicina nesses 35 anos?De mudança positiva, hoje temos acesso a equipamen-tos que antes não tínhamos, a condição material é muito

melhor. Por outro lado, acre-dito que a gente fazia muito mais antes do que agora. Sou um professor que brigo muito com a turma, pois que-ro o melhor deles. A melhor coisa do mundo é ver uma turma motivada, e luto por isso. Tenho a impressão de que os professores não estão se comprometendo muito. Para seguir com progresso na formação de médicos, o que pode ser feito pela Ufes daqui pra frente?A resposta é óbvia: o que vocês podem fazer? Gen-te, pensem no pobre, as-sumam aquele que sofre. Não sei o que eu faria se eu tivesse uma filha passan-do mal e não tivesse o que fazer. Graças a Deus, todas as vezes que as minhas fi-lhas passaram mal resolvi da melhor maneira possível, e me orgulho muito disso.

ANAMNESEUm bate-papo com os mestres

Prof. Sarmento: Dissecando um anatomistapor Enzo Dalfior, Joilton Tavares, Julia Brunelli e Rafael Gonçalves Mendes

José Alberto Barreira Sarmento é professor de Neuroanatomia do curso de Medicina da UFES há 35 anos. É médico, doutor em anatomia humana, teólogo, graduando em filosofia, pai de duas filhas, avô de três netos, capixaba da ilha, amante do samba de raiz e fotografia. Nunca dispensou um café, nem um debate sobre a mente humana.

Professor Sarmento dá uma aula de motivação em sua sala.

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Esse é o ponto fraco do mé-dico, pois muitos alunos que passam por mim, mesmo sendo extremamente ide-alistas, quando vão para o hospital entram na cris-ta da onda, e seguem junto com ela, esquecendo, in-felizmente, esse propósito.

Suas aulas práticas são lembradas por todos pela excelente qualidade das dissecções. Não há quem se esqueça, por exemplo, da peça de ouvido inter-no com o músculo es-tapédio. A que o senhor atribui essa excelência? Quando era acadêmico entrei na monitoria de anatomia, e Dr. Musso veio com um mem-bro superior fechado, me pe-dindo que o dissecasse, e pro-curasse deixar pelo menos os ossos. Aquilo me deu uma rai-va... Fiz, então, uma dissecção linda! E a partir daquele mo-mento eu não podia ver uma peça, que queria dissecar. Ele me deu um estojo, material que eu tenho até hoje. Eu ti-nha uma mania, não gostava de só visualizar a artéria, ia dissecando ela até onde eu via, e isso deixa a peça muito bonita, porque você disseca a artéria, seus ramos, os ra-mos do ramo, e vai embora. Inclusive, Dr. Musso me per-guntava “Sarmento, pra que isso?”, mas eu achava que fi-cava muito bonito, e insistia. A

construção mais bela é o cor-po humano, então, eu tenho que mostrar o lado bonito. De que adianta eu mostrar uma artéria se ela está feia? Foi as-sim que eu aprendi a gostar de dissecar pescoço, axila, fossa poplítea... até o dia que disse-quei uma medula espinhal, e falei: só disseco neuro agora.

Há quem considere que as provas não são méto-dos eficazes de avaliação do conhecimento, além de frequentes causadoras de ansiedade contrapro-dutiva. O que o senhor pensa sobre esse método adotado na avaliação do acadêmico de medicina?A prova, para mim, é a pe-dra no sapato, pois a única parte da minha disciplina que ainda não cheguei a um con-senso foi a avaliação. Na pri-meira é notável que o aluno traz muito da ansiedade do primeiro período, sem querer culpar ninguém de lá. Fico tranquilo porque o aluno diz, quando sai dessa prova, que ele foi muito bem, que foi bem feita. E, assim, vai para a segunda muito mais segu-ro. Já até tentei outros méto-dos: prova oral, descritiva... a primeira, por exemplo, sei que não é boa, pois o aluno fica tão nervoso que dá mui-to branco nele. Essa é a parte indefinida, pois quanto ao cor-po e a sequência da disciplina

estou muito seguro. Sempre pergunto para as turmas que passaram se o que foi abor-dado em neuroanatomia aju-dou em neurofisiologia, e vejo uma positiva unanimidade.

Sabemos que, além de um grande apreciador de cine-ma, o senhor dedica muito do seu tempo aos livros, em cuja biblioteca pessoal ultrapassam facilmente 4 mil obras. Quais outras ati-vidades o senhor inclui em sua rotina fora da UFES? O senhor tem hobbies? Tenho hobbies, sim. E digo, assim, de uma maneira mui-to contente, que os levo to-dos muito a sério, isto é, não é porque é hobby que não vou levar profissionalmente.Tenho o hábito de passar fo-tografias em aula; muitas são minhas, sobretudo as bonitas, mas não as digo, à exceção de uma que é bonita demais! Devo ter uns dez cursos de fotografia e assino a revista Fotografe Melhor, inclusive.De cinema, bem, tenho uma coleção razoável... quantos filmes já vi várias vezes?!Agora, uma coisa para com a qual sou quase compulsi-vo é o ler. Para mim não há nada melhor do que ler. Ler e conversar, principalmente em um botequim. Quando me refiro a botequim, falo de um bar simples; não de um bar derrubado. Dali não

tem como sair... só quando o dinheiro acabar! [risos].

Em suas aulas, o senhor diz que, diferente de ou-tras espécies, o ser huma-no nasce, transcende e, no fim da vida, volta à fonte de onde veio. Para o se-nhor, o que é essa fonte?Deus. Mas eu não falo em Deus, porque, por estar em um meio acadêmico, não quero falar de religião, de teologia, pois cada um tem a sua. A esta conclusão es-pero que o aluno chegue.

“A prova, para mim, é a pedra no sapato, pois a única parte da minha disciplina que ainda não che-guei a um consenso foi a avaliação.“

O senhor, então, tem uma religião?Tenho, com certeza. Aliás, sou teólogo, formado em curso superior de teologia. E ainda aluno da UFES, de filosofia. Porém, como as aulas lá co-meçam às 18:00, e minhas aulas práticas muitas vezes estendem aqui até às 18:30, decidi por trancar o curso. Afinal, se requeiro dos meus alunos pontualidade, cobro de mim à mesma medida.

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A Teoria da Correspon-dência, proposta pelo senhor, relaciona intima-mente corpo, cérebro e mente e atribui à ansie-dade a origem das doen-ças mentais. Que influên-cia negativa a ansiedade impõe na vida das pesso-as, em especial na vida de um estudante de medici-na? Todas as influências negati-vas, principalmente porque a ansiedade é a grande causa de doenças tanto mentais quanto somáticas; como, por exemplo: o câncer, a de-pressão, e a esquizofrenia. Enquanto se quiser tratar tais doenças com remédio, a medicina vai andar para trás. Mas no dia em que se fizer psicoterapia somada a far-macoterapia, a medicina vai deslanchar.O ser humano vai muito além de uma salada de neuro-transmissores, e do cérebro que ele ostenta. Preocupe-mo-nos, então, com a mente; isto é, enquanto o indivíduo estiver sendo oprimido, es-tressado e sem saída, jamais terá uma mente e, por conse-guinte, um corpo saudáveis.

O senhor tem confeccio-nado um atlas de neuro-anatomia, certo? O espe-rado “Atlas comentado de neuroanatomia do Sar-mento”. Tem previsão pra lançamento?Estou preparando, sim: um atlas que estou com mui-to orgulho de fazer, pela qualidade com que ele está saindo. Mas é um atlas-tex-to. Boto uma foto e descre-vo. Não tenho nem ideia de quando pode sair, mas está muito adiantado. Se durar mais dez anos não vai me surpreender. É porque, tam-bém, a gente tem uma crítica muito grande. Nessas férias aí, vim para cá [Anatômico da UFES], disse-quei cerebelo e fotografei. Ficou muito bom! Inclusive, estou revisando alguns con-ceitos de cerebelo. Vai sair um texto bem diferente do jeito que os livros falam. Do

jeito que a gente acha que é. Neuro tem isso, a gente tem muita coisa para revisar. Mui-ta coisa da qual dizer “não é assim, é de outro jeito”. Cere-belo é uma delas.

Existe algum outro gran-de objetivo a se alcançar nos próximos anos?Primeiro, o atlas que venho preparando. Segundo, traba-lho de pesquisa, mas se afas-tando cada vez mais do neu-rotransmissor. Procurando fazer filosofia da imanência e da transcendência. Quer di-zer, o que é transcender? Por que se transcende? Quem é que transcende...? Eu pre-tendo fazer muita entrevista. Por exemplo, algo fantástico que ajudaria muita gente é fazer o perfil de um poten-cial Alzheimer, a ponto de você chegar à pessoa e falar assim: “Eu vou lhe dar o seu perfil de vida. Sua vida é as-sim. Esse perfil tende para o Alzheimer, então, vamos mu-dar o perfil. Vamos tirar você desse caminho.” Teria de se-lecionar, digamos, 50 pacien-tes com Alzheimer, o que não é difícil, e estudar com por-menor a história deles. Penso que seria inédito.

Como médico conhecedor dos efeitos do tempo no corpo, cérebro e mente humanos, o que é o enve-lhecimento e como deve-mos lidar com ele?No meu entendimento, o ho-mem começa a envelhecer a partir do momento em que ele não transcende mais. Nós temos duas dimensões: a da imanência e a da transcen-dência. Se eu não transcen-do, eu estou envelhecendo, mesmo que esteja com a saúde de ferro, porque a mi-nha obrigação, havendo uma humanidade que habita em mim, é atualizar essa huma-nidade. E eu a atualizo como? Transcendendo. Eu tenho que transcender. Imanência versus transcendência é mais um trabalho que eu vou pas-sar esse semestre, e o grupo que o pegar vai crescer mui-to. Transcender significa suar.

Veja bem: o suar, o que é o suar? É uma secreção deixar seu corpo e ir para a atmos-fera. É eu, enquanto mente, enquanto alma, enquanto espírito, deixar meu corpo e buscar quem me criou.

“No meu entendi-mento, o homem começa a enve-lhecer a partir do momento em que ele não transcende mais.”

Aprendemos em suas aulas que sentir-se útil preserva a saúde men-tal. Tanto é verdade que estudos mostram a ocio-sidade como um dos gati-lhos do Alzheimer. Diante disso, qual a sua opinião quanto à aposentadoria compulsória, muitas ve-zes imposta a professo-res plenamente úteis na transmissão de conheci-mento? A pior coisa do mundo. Não entendo o porquê. Quando você chega lá no alto da sua maturidade, do seu conheci-mento, eles aposentam você? Não sei se, antigamente, com essa idade, o pessoal tinha problemas mentais. Então, seria uma espécie de profila-xia. Mas, pra mim, é terrível e eu acredito que vai cair. Ali-ás, um ou outro está dizen-do que já tem um projeto. Gente, o cara, quando chega a um momento em que ele pode converter o que sabe, aposentar não tem sentido nenhum.

Nas suas aulas, podemos notar que o senhor con-sidera o branco uma cor bem sublime e encara essa cor com muito res-peito. Como o senhor en-cara seus cabelos e bran-cos? E o que isso significa para o senhor?Bom, primeiro, eu não sei se eu tenho cabelo branco [ri-sos], mas se eu tiver, encaro como vivência. Eu acredito que a boa vivência deve ser

aquilo que todo mundo deve aspirar e esperar. E que não há nada que imponha mais respeito do que uma velhinha toda de cabelo branco, mas branco que nem algodão, e simpática, educada. Ninguém conquista mais as pessoas do que ela. Ninguém.Agora, o branco, pra mim, é a cor de quem... é muito pri-vilegiado. Só vocês podem usar o branco fazendo o bem; quero dizer, só vocês podem usar o branco no trabalho. Então, vocês devem dar va-lor a esse branco – apesar de que não dão! Quando vocês vão para o terceiro período e vêm aqui ao anatômico, todo mundo, de calça jeans é uma pena. A gente queria que vo-cês entendessem isso e assu-missem também. Mas um dia vão assumir. Vocês vão ver.

Muito a se dizer versus pouco espaço para transcrição: um quadro previsível para os que conhecem o prof. Sarmen-to. Considerando isso, ainda antes da árdua tarefa de se-lecionar o que seria apresen-tado nessa edição, chegamos à conclusão de que o mais justo seria disponibilizar a en-trevista na íntegra a todos os interessados. Sem delongas, então, compartilhamos, abai-xo, o direcionamento para a versão virtual completa da entrevista, onde, entre outras coisas, Sarmento revela um sonho, opina sobre os atuais movimentos de rua e conta sobre um possível projeto de extensão.

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Por avaliação, entendemos o ato de estimar, de calcular, ou ainda de qualificar o valor de algo ou de alguém. Quan-do aplicado ao contexto aca-dêmico, esse conceito ganha significado tanto mais amplo quanto complexo. Avaliar e ser avaliado é a rotina do estudante e o pressuposto para que seja ou não qua-lificado para assumir a po-sição que lhe é designada. Embora muitos teóricos da educação tenham dedicado anos de suas vidas na tenta-tiva de encontrar a fórmula mágica que una aprendizado e avaliação, o consenso do melhor método parece estar longe de ser alcançado. En-quanto isso, alunos e profes-sores continuam a vivenciar uma realidade primordial-mente pautada em provas de papel, na somatória de pontos e em padrões numé-ricos de aprovação. Na UFES e na maioria das universidades do país, o que predomina como mo-delo avaliativo é a prova teórica, acompanhada da apresentação de seminários e de provas práticas, con-forme a aplicabilidade das disciplinas. Cada disciplina segue sua normatização e tem expectativas do que o aluno saiba após cursá-la. A Medicina é um curso teó-rico-prático, modelo no qual

há sempre o desafio de ava-liar a prática, que engloba habilidades como a relação com o paciente, que não são pautadas por técnicas específicas nem possuem quantificação por caráter objetivo. Em tal habilidade, mesmo sendo indispensável o professor, o aprendizado é predominantemente pela vivência, e a avaliação real é feita pela clientela futura.Durante o primeiro perío-do, o esquema avaliativo é semelhante ao vivenciado pelo aluno anteriormente: provas parciais de cada uma das disciplinas, distribuídas ao longo do período letivo. Somado a isso, de maneira marcante na disciplina de anatomia, há a aplicação de provas práticas, sendo frequentemente o primei-ro contato do aluno com o método: um grupo de alu-nos, em uma sala preparada com peças/modelos a res-peito dos quais são elabo-radas perguntas com tempo de resposta cronometrado – um cenário ansiogênico por si só, que aliado às ou-tras dificuldades do período transforma o ingresso do aluno na faculdade em uma experiência, para muitos, inesquecível e de efeitos du-radouros. Conforme relata o professor Sarmento, da Neu-roanatomia (2º período), o

aluno traz muito da ansieda-de anterior para a primeira prova de sua disciplina.No quinto período tudo muda. As avaliações são diá-rias e o assunto deve ser es-tudado antes da aula, obri-gatoriamente. Essa rotina, bem conhecida por aqueles que já passaram pelo perí-odo, divide opiniões, mas decididamente mostra ao aluno a necessidade da atualização constante e da dedicação como principal ferramenta para que sejam alcançados seus objetivos. De acordo com a opinião da

professora Drª Renata Care-ta, da disciplina de Anato-mia e Fisiologia Patológicas, “as avaliações constantes do conteúdo proposto, de preferência diariamente, são uma forma objetiva de avaliar o aproveitamento individual, pontualmente e no decorrer do processo” A partir do ciclo clínico, o in-terno é avaliado no exercício de suas funções como um médico atuante, entretanto possui supervisão e precep-tores, aos quais, em caso de dúvida, possa recorrer.

FIQUE POR DENTRO:

O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes ou Enade é um dos procedimentos de avaliação do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Sendo realizado pelo Insti-tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é componente curricular obrigatório aos cursos de graduação, conforme determinado em lei, e apli-cado periodicamente aos estudantes de todos os cursos de graduação, durante o primeiro (ingressantes) e último (concluintes) ano do curso. O exame objetiva o acompanhamento da aprendizagem por meio do desempenho acadêmico dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas res-pectivas diretrizes curriculares de cada curso. Seus re-sultados produzem dados que permitem a construção de referenciais para definir ações que visem melhorias na qualidade da graduação, tanto por parte de professores como de dirigentes. Na última edição do Enade, em 2014, a UFES alcançou nota máxima – 5/5, equiparando-se às maiores universi-dades do país.

Avaliação no curso de Medicina

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O Regimento Geral da UFES apresenta regras gerais sobre o modelo avaliativo adotado na universidade, apesar da re-lativa liberdade que cada cur-so e cada disciplina possuem para estabelecer seus pró-prios métodos, principalmen-te no que tange ao formato da avaliação. O documento trata, nos capítulos VII e VIII, da verificação e da avaliação da aprendizagem, respecti-vamente. Suas informações mais relevantes englobam os critérios de aprovação: fre-quência mínima obrigatória de 75% da carga horária na disciplina e nota mínima de 5 pontos (considerando a rea-lização de prova final). Com-plementando o texto do Regi-mento, documentos tratando dos aspectos da avaliação do acadêmico foram escritos e postos em vigência.

“O retorno de resul-tados aos alunos de-veria ser imediato e intencional, para per-manente motivação e correção, ainda du-rante o curso da dis-ciplina. Esse retorno certamente é um de-safio a ser superado como professora. Um entre tantos!”

Esses são chamados Resolu-ções, e as mais importantes são a 25/1986 e a 56/1992. Ambas estabelecem normas de recursos de avaliação, as-segurando assim os direitos do aluno. Isto é, o aluno pode abrir processo de recurso toda as vezes que não con-cordar com a nota recebida, seja em qualquer prova, seja em trabalhos acadêmicos.

COMO É O PROCESSO DE RECURSO?Para recorrer da nota dada pelo professor a qualquer um dos trabalhos escolares durante o período letivo, o aluno deve redigir um re-querimento endereçado ao Chefe do Departamento, no prazo máximo de 5 dias após divulgação do resultado. No requerimento, o aluno deve explicitar as questões envolvi-das e os motivos pelos quais entende que a nota atribuída pelo professor é injusta. Os requerimentos que simples-mente pedem para revisar a prova, sem qualquer justifica-tiva plausível, geralmente são indeferidos.Uma vez concluído, o reque-rimento deverá ser protocola-do na secretaria do Departa-mento. De acordo com a Res. 25/86, “recebido o recurso, o Chefe do Departamento, ou seu substituto legal, anexa-rá ao processo o original do trabalho, objeto do recurso, e designará uma Comissão for-mada por três professores do Departamento para, no prazo de 03 dias úteis, proceder a nova avaliação, ouvidas as partes discordantes”. O De-partamento deverá obedecer o prazo de 15 dias corridos, contados a partir da data de entrada do recurso, para deli-berar sobre o assunto. Ao solicitar recurso para nota da prova final, há pra-zo de apenas 48 horas após a divulgação dos resultados. Embora também deva ser composta uma comissão de três professores para julgar o recurso, esta tem apenas 48 horas para deliberar sobre o assunto. Em ambos os ca-sos o aluno deverá ter a sua disposição sua prova e o res-pectivo gabarito para ajudar a

compor sua defesa.É comum vivenciar o descum-primento dessas normas no cotidiano da faculdade, cau-sando ansiedade, descrédi-to, dentre outros transtornos para a organização do aluno. Motivos para isso não faltam: carga horária extensa dos professores, múltiplas tarefas e prazos apertados para ou-tras atividades na faculdade. Apesar disso, é preciso lem-brar que a avaliação é um dos deveres do professor e que deve ser cumprido com o mesmo vigor e responsabi-lidade das demais funções e não ser renegada a uma posi-ção secundária. “O retorno de resultados aos alunos deveria ser imediato e intencional, para permanente motivação e correção, ainda durante o curso da disciplina. Esse re-torno certamente é um desa-fio a ser superado como pro-fessora. Um entre tantos!”, relata a Dra. Renata Careta.Para tanto, é preciso saber se a norma estabelecida condiz com a realidade do curso e de suas exigências, para que as-sim seja possível discutir pos-

síveis mudanças. Equalizar essas questões seria uma for-ma muito eficiente de ofere-cer mais conforto e praticida-de para alunos e professores.Ao final de toda prova, o ob-jetivo é certificar-se de que o aluno está apto a passar para a próxima etapa. A questão é não somente saber quanto, mas quão bem esse conhe-cimento está consolidado. Sendo a avaliação um evento pontual em todo o processo de formação, seu resultado não é de reprodutibilidade equivalente com o passar do tempo, o que faz com que o verdadeiro avaliador seja o ‘mercado’, ou a saúde do pa-ciente. Por fim, o essencial é saber que mais importante que a nota é o conhecimen-to. E mais importante do que certificar-se dele, é aplicá-lo devidamente. Nesse sentido, a responsabilidade é conjunta e é preciso comprometimen-to em todos os âmbitos para que aprender seja o maior dos objetivos.

por Eloísa Giacomin e Érico Borges

• O limite mínimo de trabalhos escolares que o professor deve aplicar é de dois por período letivo.• O professor tem prazo máximo de 20 dias corridos para correção e apresentação dos trabalhos/provas corrigidos, explicando critérios de avaliação.• Não há obrigatoriedade do professor entregar os traba-lhos corrigidos aos alunos, ele poderá retê-los em arquivo. Caso o aluno deseje entrar com processo de recurso, o pro-fessor deve disponibilizar imediatamente a avaliação e o respectivo gabarito.• O aluno dispõe de prazo de 5 dias para apresentar recurso caso não concorde com a nota obtida em qualquer avalia-ção, exceto a final, cujo prazo é de 48 horas.• A divulgação da média semestral deve ser feita até 48 horas antes da prova final.

Fonte: RGU, Resoluções 25/1986 e 56/1992.

O texto completo do Regimento Geral da Ufes e das reso-luções pode ser encontrado no site do Departamento de Administração dos Órgãos Colegiados Superiores (DAOCS).

A IMPORTÂNCIA DE FAZER VALER OS DIREITOSConfira esse depoimento de um aluno que quase foi vítima do não cumprimento das regras estabelecidas no regimento. Para evitar exposições desnecessárias, as identidades de ambas as partes foram preservadas.“ Quando passei pelo ‘quinto dos infernos’, e passei direto - não foi fácil. Na primeira das muitas provas, mesmo tendo estudado bastante e feito toda a prova com convicção de que alcançaria ótima nota, ela foi baixa. Após entrega do resul-tado, a turma foi informada que somente poderiam ter acesso à prova os alunos com notas abaixo de 6 – grupo no qual eu não me encaixava, por décimos de ponto. Insisti bastante, durante dias, e a contragosto minha prova me foi mostrada. Resultado? Uma página inteira não havia sido corrigida e minha nota real alcançou quase 9. Se eu não tivesse insistido, fazendo valer meu direito como aluno, estaria reprovado.”

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Um pouco sobreDr. Roberto GomesUm dos primeiros e mais bem conceituados cancerologistas do estado, internacionalmen-te renomado, com amabilida-de e conhecimento científico inspiradores de admiração, o Dr. Roberto Gomes compõe o quadro dos grandes médi-cos que passaram pelo Curso de Medicina da UFES – como aluno e professor. Nascido em Petrópolis, no Rio de Ja-neiro, mas capixaba de co-ração, fez parte da 6ª Turma de Medicina da universidade e, anos mais tarde, ministrou aulas de Oncologia, de 1977 a 2010.Mesmo se afastando da UFES em 2010, não deixou de lado a convivência com os es-tudantes da Universidade, “adorava esse contato, dizia que se sentia mais jovem”, em palavras da ex-aluna e monitora Lorena Brunoro. Pelo gosto do ensino, contam

Caio Nasser e Lucas Moreto, recém-formados da turma 84, manteve, em sua clínica, com um grupo rotativo de alunos interessados em on-cologia, encontros semanais, nos quais casos clínicos eram apresentados e discutidos por eles próprios. Além disso, os alunos também o acom-panhavam em cirurgias de mama e pele.É difícil conversar com um ex-aluno do Dr. Roberto e não ouvir menção a sua afe-tividade. Além de excelente professor, um “paizão”, se-gundo o residente em anes-tesiologia Kaio Seglia, “uma pessoa fantástica”. Entre os seus pacientes, pa-lavras de muita gratidão e carinho se mostram recor-rentes. Assim é no relato de Diva Beatriz, que, lidando com o câncer de mama, pas-sou por diferentes médicos e

uma árdua série de cirurgias: “Agora, falar do Dr. Roberto Gomes é falar do paraíso que vivi com relação às consequ-ências desta doença. Sempre muito atencioso, ele cuidado-samente examinava e pedia, rigorosamente, os exames para rastrear qualquer indício de o câncer voltar. Já não era um cuidado só com a mama direita, mas com todo o cor-po”.A verdade é que nós que es-crevemos esta matéria não conhecemos o Dr. Roberto. Não chegamos a ter a opor-tunidade. O que conhece-mos, nesses últimos dias, foram os relatos, dados de bom grado, de alguns daque-les que tiverem a felicidade de conhecê-lo. Não tivemos, reiteramos, tal oportunidade. Ainda. Esperamos tê-la as-sim que possível e aprender com este homem que, segu-

ramente, tem legado não só profícuo ensinamento cien-tífico e valiosos tratamentos médicos, mas também refle-xões acerca do modo como se guia, equilibradamente, a

própria vida e como se tra-tam os outros. “Além de ser exemplo de médico bem su-cedido e professor, é exemplo de pessoa também, pois sua simplicidade e alegria de vi-ver contagiam a todos a sua volta”, compartilha Lorena Brunoro.

por Joilton Tavares e Rafael Gonçalves Mendes

SAIBA MAISDr. Roberto já foi presidente da Sociedade Brasileira de Can-cerologia e da Federação das Sociedades de Cancerologia da América do Sul. Além disso, comandou 39 trabalhos científicos, coordenou quatro cursos internacionais de cancerologia e rece-beu 23 prêmios (quatro internacionais). Em 2012, ele foi eleito Capixaba do Ano na área da Saúde pelo jornal A Gazeta.

“Sempre muito atencioso, ele cui-dadosamente exa-minava e pedia, ri-gorosamente, os exames”

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Fundada em 17 de novembro de 1987, em homenagem ao dia e ao mês de nascimento de Manuel Antônio de Almei-da, seu patrono, a ABRAMES (Academia Brasileira de Mé-dicos Escritores) reflete um estetismo forjado, uma ex-pectativa não correspondida - de uma aparente tentativa de resgate àquela tradição de algo no qual já fomos bons um dia. Entretanto, equiva-lentemente a alguém que em ato de afogamento tenta, frustradamente, alavancar-se para fora d’água com o tor-que dos próprios membros superiores, não pode haver salvação àqueles que, obnu-bilados por um ufanismo pro-vinciano, estão impedidos de enxergar o gradual e iminen-te atolamento, na recusa de recorrer a uma força externa, para além do seu limitado es-copo de ação.A escolha mesma do patrono da Academia pode-nos reve-lar que, ou por um abuso de arbitrariedade por parte dos Srs. Marco Aurélio Caldas Barbosa e Mateus Vascon-celos, este ex-presidente da

SOBRAMES (Sociedade Brasi-leira de Médicos Escritores) – a divisão de base para o time adulto, a ABRAMES -, ou pela inexistência de alta cultura neste país, não temos gran-des referências intelectuais às quais recorrer naqueles momentos de fuga de tudo que aí está. Restou-nos, en-tão, a derrisão... melhor: o futebol depois do Faustão! Sob aquele narrador onis-ciente embusteiro, Manuel A. de Almeida não fez-se digno de erguer, enquanto capitão escalado, a taça de campeão com os outros 10 em campo, digo, os 50 patronímicos ocu-pantes das cadeiras da Aca-demia.Bem, a ABRAMES “é o único silogeu literário exclusivo de médicos que se conhece no mundo”, não tão exclusivo quanto o nosso excêntrico padrão de tomadas, nem tão idiossincrático quanto a co-lossal constituição que com retumbante orgulho ostenta-mos, além dos 39 indispensá-veis ministérios em Brasília. Ah, e aquele singular “jeito moleque” de bater na bola,

e que, quando nem batidos somos, encenamos ao mun-do aquele cai-cai demasiado vaiado pelos gringos que, por certo, nada sabem de fute-bol! Na história da civilização oci-dental há uma vasta seara de médicos que se dedicaram à arte da escrita. Alguns, pela intransitividade da arte em si mesma; outros, por de-corrência de suas atividades intelectuais que, por conse-guinte, nos apresentaram ocultos segredos da condição humana. Em terras canari-nhas, encontramos alguns lampejos, sim, bem como uns suspiros aqui e outros acolá, contudo não pode-mos elencar um time de 1ª grandeza; ora, por exemplo, não temos um meia à altura de Arnau de Vilanova... uma visão ímpar dentro de campo – não à toa, pois subia como poucos sobre os ombros de gigantes! Antes, temos nos contentado com os eventuais 7 a 1, e nos recusamos a me-

xer no time, mudar a tática e, muito menos, de treinador: o insubstituível, Paulo Freire!Quem almeja uma vida en-tregue à intelectualidade, ao estudo, deve fazê-lo reser-vando-se à solidão de cada página que passa com o de-vido afinco, longe do mains-tream, da Academia, e sem jamais esperar que a busca de toda uma vida seja re-compensada por certificados, obscenas bajulações, prêmios Jabutis, ou quiçá um desses Nobéis. Com efeito, analo-gamente à mesma solidão do saibro a que se reserva o tenista ao aprimorar seu 1º serviço, a cada braçada que faz o nadador, a sós, cruzar de 50 em 50 metros aquela multidão de águas, trata-se, pois, de uma busca essen-cialmente individual, em um país que a coletividade foi corrompida pelo brilho dos holofotes e pelas aparências, que a quantos mais ainda en-ganam... ou não enganam?

Médicos Escritores:embuste e alta cultura no [ex] país do futebol

por Enzo Dalfior Antunes

SAIBA MAIS:http://www.abrames.com.br/abrames/abrames1.sobre.htm

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De 9 a 18 de janeiro de 2015 ocorreu o COBREM (Congres-so Brasileiro de Estudantes de Medicina) em Belo Horizonte. Organizado por estudantes para estudantes, o objetivo do evento é deliberar quais serão as frentes defendidas pela DENEM (Direção Execu-tiva Nacional dos Estudantes de Medicina) durante o ano. Para isso, nos primeiros dias são realizados espaços de formação sobre diversos te-mas atuais em saúde e edu-cação, como oficinas sobre trote e opressões na univer-sidade, saúde de pessoas em situação de rua, da popula-ção carcerária e de pessoas trans, plano de parto, luta antimanicomial e privatiza-ção da saúde, por exemplo. Em seguida, começa a fase de deliberações, culminando com a escolha de três temas gerais que guiarão as ações da Executiva no ano seguin-te. Por fim, tem-se um docu-mento especificando prazos e atores para essas ações, até o próximo COBREM. Nes-se ano, foram escolhidas as bandeiras de “Mercantiliza-ção da Educação”, “Educa-ção Médica” e “Saúde como Direito”.

Dentro de “Educação Médi-ca”, a recorrência do tema sobre trotes e opressões na universidade foi notável, sobretudo após chocantes relatos de estudantes pau-listas sobre violência física, psicológica e sexual impostas por acadêmicos de medicina a calouros. O que antes se mantinha no silêncio da res-peitada “tradição”, hoje vem à tona por meio da instaura-ção da “CPI dos trotes” em São Paulo. Em “Mercantiliza-ção da Educação”, a luta pela

regulamentação das escolas médicas pagas foi um obje-tivo recorrente de ações pro-postas. Por fim, em “Saúde como Direito”, houve enfoque na preparação da DENEM e dos estudantes para a 15ª Conferência Nacional de Saú-de que ocorrerá em novem-bro de 2015.Apesar da extensa carga ho-rária do COBREM – da ma-nhã à noite – ainda há fes-tas no fim de cada dia, com direito ao famoso “acorda” dos eventos da DENEM em

cada manhã pós-festa. Isto é, grupos da organização se revezam para cantar e dar “bom-dia” quantas vezes for necessário em cada sala do alojamento até que todos se levantem para o café-da-ma-nhã. Em resumo, o COBREM é uma excelente chance de aprender, contribuir para as decisões da Executiva e co-nhecer estudantes de Medi-cina e realidades de todo o país!

por Thaisa Malbar

PRÓXIMOS EVENTOS DA DENEM1,2 e 3 de maio, Seminário do CENEPES - Ouro Preto28 a 31 de maio, Encontro Regional do Estudantes de Medicina (EREM) - Petrópolis25 de julho a 2 de agosto, Encontro Científico dos Estudantes de Medicina (ECEM) - Paraíba

Congresso Brasileiro dosEstudantes de Medicina

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MEDICINA SOCIALA coluna social do Jornal RAIO-X

Visando incentivar a prática de esportes e atender aos pedidos de diversos estudan-tes, o nosso curso inaugura a sua própria Atlética. O pro-jeto é fruto do trabalho dos integrantes da Assessoria de Desportos e Lazer da atual gestão do DAMUFES. Mas as novidades não param por aí: também está prevista a cria-ção de uma bateria, a con-fecção de produtos próprios da Atlética e mais outras me-didas que buscam melhorar o preparo da MedUfes para as competições esportivas.Após a criação da Atlética, o próximo passo foi a reali-zação, em fevereiro, de uma votação para eleger o mas-cote definitivo do curso e o escolhido foi o Chapolin. Se-gundo os membros da Atléti-ca, o Chapolin é um persona-gem que une o divertido ao porte atlético, criando uma conotação esportiva. A outra

grande novidade é que have-rá treinos regulares durante todo o ano em diversas mo-dalidades esportivas (futebol, handebol, basquete, vôlei, natação, entre outros) e os acadêmicos também podem participar da bateria e da tor-cida.Todo esse empenho visa me-lhor treinar os atletas para que a MedUfes chegue com-petitiva aos jogos capixabas de Medicina e às Olimpíadas Regionais dos Estudantes de Medicina (OREM) – que, nes-te ano, a Ufes retorna para a série B. Por isso, é funda-mental a participação de to-dos! Os interessados podem se inscrever na modalidade desejada através do formulá-rio que se encontra disponí-vel na página da Atlética no Facebook. Os treinos devem começar em breve.

por Brener Nogueira

MedUfes cria Atlética e elege novo mascote

Nos dias 26 e 27 de feverei-ro, desenrolou-se mais uma Visita dos Calouros. Dessa vez, foi a Turma 96 a recep-cionada. No passeio pelas duas frações do Campus de Maruípe, os ingressantes co-nheceram desde os principais prédios do Ciclo Básico até o HUCAM, passando por uma dinâmica no prédio de Técni-cas Operatórias, onde alguns calouros constataram que o nó simples não é tão simples assim – provas disso estão em um álbum de fotos na página do Raio-X, no Face-book. Ao final da visita, não somente por mera tradição, os ingressantes assistiram à palestra do Dr. Paulo Merçon, no prédio da Patologia. Fin-dadas as andanças, a última comemoração do ingresso se deu na área de churrasqueira anexa ao DAMUFES, em um dos melhores churrascos de

recepção dos últimos tem-pos.A essa altura, passada a pri-meira prova de Anatomia, tudo indica que todos so-breviveram, a despeito da incredulidade dos mais inse-guros. Com o tempo, a típica insegurança de ingressante deverá ser sobreposta pela

constatação de que, na vida universitária, há muito mais com o que se preocupar, do que com a nota em cada pro-va – e há muito mais a se aprender, do que o conteúdo de cada uma. Nós do Raio-X, em nome do DAMUFES, espe-ramos que essa constatação lhes ocorra o mais logo possí-

vel e lhes desejamos - agora nos dirigindo diretamente a vocês, colegas da Turma 96 - empenho em aprimorar-se, abastança de aprendizado e sucesso (não só na vida aca-dêmica).

por Rafael Gonçalves Mendes

Caras novas

Page 14: Raio-X, nº 15

HEMOCULTURA

PRESCRIÇÃO CINEMATOGRÁFICA

Saída do colégio, o caçula é agredido covardemente por um garoto maior, quando Chris Kyle intervém energi-camente em favor de seu ir-mão, protegendo-o do jovem malfeitor. Esta cena perpassa enquanto os irmãos, à mesa da ceia de jantar, diligente-mente escutam na voz de seu pai o seguinte sermão:

“Existem três tipos de pessoas neste mundo: ovelhas, lobos e cães pastores. Algumas pes-soas preferem acreditar que o mal não existe no mundo, e se algum dia o mal bate-lhes à porta, elas não sabem como se proteger: estas são as ovelhas. Então você tem predadores, que usam a violência para se alimen-tar dos mais fracos: estes são os lobos. E depois há aqueles abençoados com o dom da agressão, uma necessidade incontrolá-vel de proteger o reba-nho. Estes homens são a raça rara que vivem para confrontar o lobo; são eles os cães pastores.”

Já após a maioridade, então, deparando-se com os aten-tados do 11 de setembro,

Chris muda o curso de sua vida ao entrar para a Marinha de Guerra dos EUA, onde se torna atirador de elite. Em campo de batalha, nas pe-riódicas missões ao Iraque, sua vocação se manifesta: detentor de uma rara acuida-de moral tão precisa quanto seus tiros, Chris é implacável contra o mal, que é capaz de enxergar a quilômetros de si. De certo, vocação; afi-nal, que pode mover aquele homem a deixar para trás esposa e filho senão aquela inabalável convicção de que poupar o lobo é sacrificar as ovelhas?

O filme de Clint Eastwood não é sobre patriotismo, muito menos pró ou anti--guerra. Trata-se do preço que um homem pode pagar pelo que parece a mais sim-ples de todas as coisas, mas que em verdade é a mais di-fícil de todas elas: enxergar com seus olhos o que está diante dos seus olhos. Nosso Sniper é daqueles que não negociam seus caros valores e que, sobretudo, não dissi-mulam enxergar 50 tons de cinza onde só há, em fato, preto-no-branco.

por Enzo Dalfior

Page 15: Raio-X, nº 15

HEMOCULTURA

PRESCRIÇÃO LITERÁRIA

Em uma visita à Biblioteca Central, um amigo, perplexo pela quantidade de livros ali presentes, comigo desaba-fou: “Puxa, não é desanima-dor saber que não leremos nem 10% disso aí tudo?” A ele respondo com esse coló-quio entre Nelson Rodrigues e um pretenso intelectual, em que implicitamente susci-ta-se a questão que tratarei logo após o trecho que se segue:

“Certa vez, um erudi-to resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me: “O que é que você leu?” Respondi: “Dostoiévski”. Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil volumes. Insistiu: “Que mais?”. E eu: “Dostoi-évski”. Teimou: “Só?”. Repeti: “Dostoiévski”. O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volu-mes, não entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro de Dostoi-évski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema de não sei quem...” (retirado de O Ób-vio Ululante, Nelson Rodri-gues)

Que vale a pena, então, ser lido? Segundo Adler, são aqueles livros que irão re-compensar o leitor pelo es-forço a ser empreendido ao lê-los, e que lhe forçará a ampliar seus horizontes a fim de entendê-los e apreciá-los – distanciando-o cada vez mais, acrescento, daquela vocação brasiliana de medir o mundo inteiro pelo próprio umbigo. Todavia, se o leitor almeja entrar em contato com as melhores coisas já pensadas, discutidas e re-gistradas sob a forma escrita

em nossa tradição literária, é salutar que ele aprimore sua habilidade de leitura.Dá-se aí, portanto, a impor-tância desta obra-prima do maior filósofo da educação do século XX, Mortimer J. Adler, cujo prefácio à edição brasileira escrito pelo sau-

doso professor José Monir Nasser já vale a aquisição. Este manual prático, além de instruir o leitor à arte e à ati-vidade de ler em diferentes níveis - elementar, inspecio-nal, analítica e sintópica -, perpassando por orientações de como se ler os principais

gêneros literários, apresenta uma lista de leituras reco-mendadas, os Great Books of the Western World, em que, claro, Dostoiévski e Shakes-peare se fazem presentes.

por Enzo Dalfior

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VERBORRAGIA

A seção Verborragia publica artigos escritos por alunos e ex-alunos de Medicina da UFES.As opiniões aqui divulgadas não necessariamente condizem com a opinião do Jornal.

Diante de familiares e amigos que comemoram e vibram, tra-jando elegantemente uma beca verde e negra, você recebe em suas mãos o diploma, objetivo final de pelo menos seis anos de estudos e sacrifícios. É a faculdade te dando um ta-pinha nas costas e te dizendo: “agora é com você”. Essa cena certamente já deve ter sido imaginada, fantasiada e reprisa-da diversas vezes na sua cabeça. É sem dúvida o momento mais aguardado - e temido - por todo estudante de Medicina. E vai chegar, mais cedo ou mais tarde.

“Há lugares melhores que outros para se trabalhar, e é muito importante se informar antes com os colegas sobre as condições de trabalho.”Tão logo o clima de festividade da formatura acaba, você se registra e manda fazer seu poderoso carimbo. Você é médico. E agora? Escrevi esse texto porque passei por essa experi-ência há poucos meses, e decidi compartilhar algumas dicas que acabei aprendendo desde então, e que teriam tornado tudo mais fácil se eu já soubesse delas desde o início. Porque muitas dessas coisas a faculdade não ensina.A primeira grande decisão do médico recém-formado é onde trabalhar. E infelizmente, a menos que você tenha bons con-tatos, restarão os serviços que os colegas mais experientes não querem: plantões noturnos e nos fins-de-semana, PSF em cidades longínquas e sem recursos, PAs movimentados, serviços de remoção em ambulâncias. Ainda assim, há luga-res melhores que outros para se trabalhar, e é muito impor-tante se informar antes com os colegas sobre as condições de trabalho. E não se deve olhar somente a remuneração: um serviço pode pagar bem, mas e se não houver recursos no local para atender adequadamente à demanda? E se a equipe de enfermagem for ruim? E se for difícil transferir um paciente grave para uma unidade maior?Definido o local, lá vai você para o primeiro dia de trabalho. A sensação é apavorante. As pernas tremem e o estômago embrulha. Você não sabe o que vai encontrar pela frente, e o pior sempre passa pela sua cabeça. E se chegar um politrau-matizado? Um IAM? Um AVE? Mas aos poucos você se tran-quiliza e percebe que os casos não são tão complicados como imaginava, e que já viu boa parte daquilo na faculdade. Lá pelo quarto ou quinto dia o temor chega a níveis saudáveis. Claro que há meios de diminuir a insegurança. Alguns pre-ferem dar os primeiros plantões acompanhados por colegas. Ter o número dos professores no celular e um grupo de co-legas no Whatsapp para tirar dúvidas é tranquilizador. Além disso, não tenha vergonha de carregar material para consulta durante os atendimentos. Acredite: um Blackbook na gaveta e aplicativos como o Medscape e o Whitebook no celular ou no tablet podem salvar o seu dia. Porque não importa onde

você se formou ou o quanto você se dedicou na faculdade, a Medicina não cabe toda na sua cabeça e não se pode ver tudo em seis anos. Uma hora a dúvida vai surgir, a dose da medicação vai fugir da sua memória, aparecerá um caso du-vidoso ou atípico ou alguma doença digna de nota de rodapé. O medo acaba diminuindo com o tempo, mas ele nunca pode chegar a zero. O médico, principalmente o recém-formado, deve ser cauteloso e jamais assumir uma responsabilidade além de sua capacidade. Peça ajuda sempre que achar pru-dente. Se um paciente seu está instável ou pode complicar e o lugar onde você está não tem recursos, não hesite em tentar transferí-lo, ou a bomba pode explodir no seu colo. Lembre-se: você levou seis anos para conseguir um diploma, não deve arriscá-lo à toa. Se não conseguir transferir o pa-ciente, registre no prontuário que tentou. Aliás, registre tudo no prontuário, porque ele é sua defesa.Todos os grandes médicos de hoje já foram recém-formados sem experiência e tiveram medo no início, tanto quanto você ou eu. A insegurança é inerente à condição de recém-forma-do, e não há como fugir disso.

“Todos os grandes médicos de hoje já foram recém-formados sem ex-periência e tiveram medo no início, tanto quanto você ou eu. A insegu-rança é inerente à condição de re-cém-formado, e não há como fugir disso.”Outras lições de humildade vêm com o tempo. Uma equi-pe de enfermagem pode salvar seu dia ou acabar com ele, dependendo de como ela trabalha e de como você lida com ela. Às vezes você tem que admitir para o paciente que não sabe o que ele tem, ou que não tem condições de resolver o problema dele com os recursos disponíveis, e isso é terrivel-mente frustrante. Às vezes o seu dia de trabalho será estres-sante, e às vezes você ficará desanimado achando que não sabe nada. Mas não se engane: faça aquilo que aprendeu na faculdade, e você já estará fazendo mais do que muita gente - pelo menos é o que se observa em muitos hospitais e PAs por aí.Todos os grandes médicos de hoje já foram recém-formados sem experiência e tiveram medo no início, tanto quanto você ou eu. A insegurança é inerente à condição de recém-forma-do, e não há como fugir disso. Dar o primeiro passo da sua vida profissional pode ser assustador, mas é só caminhando que se chega longe. Portanto, certifique-se de que o solo é firme, pise com cuidado e comece a sua jornada. Há muito caminho pela frente.

O difícil primeiro passopor Eduardo Pandini