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SPG04 - Estado em movimento: interações socioestatais, incorporação de demandas e seus impactos institucionais no Brasil contemporâneo Movimentos Sociais no Brasil Contemporâneo: o Fórum Nacional de Reforma Urbana Ramon José Gusso

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SPG04 - Estado em movimento: interaes socioestatais, incorporao de demandas e seus impactos institucionais no Brasil contemporneo Movimentos Sociais no Brasil Contemporneo: o Frum Nacional de Reforma Urbana Ramon Jos Gusso Resumo As anlises sobre os movimentos sociais no Brasil contemporneo vm sendo desafiadas medianteasconstantestransformaesnestecampo.Impe-se,assim,anecessidadede articulardiversosprocessosqueinfluenciamnaformao,namanuteno,ouna mudanadasaescoletivas.Taisprocessospodemserexemplificadospelasestruturas deoportunidadeserestriespolticas;asbasesdemobilizao,queincluemamplas redes que conectam atores sociais e polticos; a formao de projetos polticos, frames e identidades;asestratgiasquedosuportesescolhasdosrepertrios,entreoutros. Buscandoresponderaestesdesafios,estapesquisavolta-separaaanlisedoFrum NacionaldeReformaUrbana,oqualseconfiguracomoumdosprincipaismovimentos sociais vinculados questo urbana no Brasil, sendo tambm o responsvel por articular diversas redes sociais no mbito desta temtica. Outra importante caracterstica do Frum o seu papel como interlocutor da sociedade civil frente ao Estado, sobretudo no que diz respeitoaoCongressoNacionaleaoExecutivoFederal.Assim,esteestudotemcomo principalobjetivoidentificarquaissoasorganizaesqueocupamosespaosmais centraisnestarede,suasrelaescomatoreseorganizaespolticas,asestruturasde oportunidades polticas que influenciaram a escolha de seus repertrios de ao poltica e osprincipaisquadrosinterpretativosquesomobilizadosequemobilizameste movimento social.Palavras-chave: Movimentos Sociais, Frum Nacional de Reforma Urbana, Direito Cidade. Introduo OnascimentodoFrumNacionaldeReformaUrbana(FNRU)estdiretamente ligadoaoprocessoderedemocratizaodasociedadebrasileira,queaofinaldadcada de 1970 e toda a dcada seguinte viu a emergncia de diversas organizaes da sociedade civil. Em paralelo, houve tambm a construo da nova Constituio, que produziu uma imensamobilizaosocietrianointuitodeinfluiremsuaredao.diantedesse cenrio que surge o Movimento Nacional de Reforma Urbana- NMRU, articulao que uneumapluralidadedeatoresdessanovasociedadecivilparaacoletadeassinaturas para a Emenda Popular de Reforma Urbana.A partir dessa conjuntura o MNRU passa a se designar como Frum Nacional de Reforma Urbana - FNRU, agregando novas organizaes e estimulando a articulao de outras redes regionais, para atuarem em conjunto na promoo de lutas e campanhas pela reformaurbanaepelodireitocidade.OFrumir,apartirdaaprovaodaCF/88, empreenderdiversasaescomoobjetivoderegulamentarosartigos182e183, retomando parte do contedo da Emenda Popular que ficou fora do texto constitucional. Para tanto, o FNRU atuar em grande proximidade ao Congresso Nacional, tendo comoestratgiainfluenciarosparlamentaresparaaaprovaodaLeidoEstatutoda Cidade.Esseprocessodurou11anosatqueessaLeifosseaprovadaem2001,dando novo flego para as aes do FNRU, que se intensificaram no sentido de divulgar a nova legislao. Em 2003, com a eleio de Lula Presidncia da Repblica, e posteriormente, emseugoverno,comacriaodoMinistriodasCidadeseoestabelecimentode processos participativos vinculado poltica urbana, como as Conferncias das Cidades e doConselhoNacionaldasCidades,abre-seumasriedenovoscaminhosparao desenvolvimentodasaesdoFNRU,estasmuitomaisprximassaeseprojetos polticosempreendidospeloprpriogovernopetista.Talfatorefletiuemavaliaes positivas desse processo, indicando a construo de polticas pblicas prximas s pautas doFrum.Entretanto,asmesmasaesrefletiramtambmemdesafiosinternos,novas estratgias e repertrios, alm de crticas internas e externas a essa aproximao como o governo petista. Objetivo Geral da pesquisa Paraaconstruodestapesquisaosseguintesobjetivosforampropostos:(i) mapearasprincipaisorganizaesquecompemarededoFNRU;(ii)mapearos principaisvinculosestablecidoscomatoreseorganizaesestatais;(iii)identificaras estruturasdeoportunidadespolticasqueinfluenciaramaescolhadeseusrepertrios de ao poltica; (iv) identificar os os projetos polticos e os quadros interpretativos que so mobilizadosequemobilizamestemovimentosocialparaodesenvolvimentodesuas aes ao longo dos ltimos 25 anos. Metodologia: Paraaelaboraodestapesquisarealizou-seprimeiramenteumaanliseda literatura cientfica produzida diretamente sobre o FNRU ou indiretamente ao campo da reformaurbana.Tambmforamanalisadosdocumentosetextosdeanlisehistricaou de conjuntura produzidos pelo FNRU ou por suas organizaes.Outros dados foram obtidos por meio de pesquisa documental e pela presena em eventosorganizadospeloFrumouquecontaramcomasuaparticipao,sejaviaa composiodemesasdedebatesouatuandocomoformaderepresentarseusinteresses em instncias de participao, como a Conferncia Nacional das Cidades. Em sua grande maioriaessesdebatesforamgravadoseposteriormentetranscritos.Foramcoletados informaes no Encontro do Frum Nacional de Reforma Urbana, realizado em Recife - PE, entre os dias 22 e 24 de outubro de 2009; no World Urban Forum - WUF e no Frum Social Urbano - FSU, ambos realizados no Rio de Janeiro - RJ, entre 22 e 26 de maro de 2010ena4ConfernciaNacional dasCidades,realizadaemBraslia-DF,noperodo de 19 a 23 de junho de 2010. Subsidiou tambm esta anlise a realizao de entrevistas semi-estruturada com lideranas do FNRU.Paraarealizaodaanlisederedesforamutilizadastcnicasdepesquisaem AnlisedeRedesSociais(ARS),emqueseproduzirammatrizesderelacionamentos analisadasposteriormentepormeiodosoftwareUCINET6edesenhadascomo programaNETDRAW.Foramprivilegiadas,naanlise,asmedidasdecentralidadeda rede,taiscomo:grau(degree),graudeintermediao(betweennes)egraude proximidade (closenness). O Processo Constituinte e a Formao do Repertrio do FNRU. OFrumNacionaldeReformaUrbana(FNRU)configura-secomoumdos principaismovimentossociaisvinculadosquestourbananoBrasil,sendotambmo responsvelporarticulardiversasredessociaisnestatemtica.Onascimentodesse Frum est diretamente ligado ao processo de redemocratizao da sociedade brasileira, queaofinaldadcadade1970etodaadcadaseguinteviuaemergnciadediversas organizaesdasociedadecivil,comoassociaesdemoradores,movimentosque lutavamporinfraestrutura,sindicatos,movimentossociaisurbanos,ruraisetemticos, partidospolticoseOrganizaesNoGovernamentais-ONGs.Diantedessesnovos atorespolticos,haviatambmimportantesestruturasdemobilizao,queagiamno sentidodeincentivaraproduodeengajamentos,deaescoletivasedemovimentos sociais, sendo a Igreja Catlica, pormeio das Comunidades Eclesiaisde Base (CEBs)e degruposemissionriosligadosTeologiadaLibertao,atoresessenciaisneste contexto de intensa mobilizao social. A redemocratizao e a possibilidade de construo da nova Constituio, trouxe umagrandeinfluncianosprocessosdemobilizaosocietria,fornecendoparao Movimento Nacional de Reforma Urbana NMRU um forte apoio em sua articulao, o queresultouemumacomposioformadaporumapluralidadedeatoresdessanova sociedade civil - associaes profissionais e acadmicas, sindicatos, movimentos sociais e ONGs.Esse projeto unificador ganhou fora com a Constituinte, sobretudo, por meio da possibilidade regimental para a construo de emendas populares, que foi o resultado da insero no regimento da Assembleia Nacional Constituinte do instrumento de Iniciativas deEmendasPopularesaoprojetodeConstituio.Estemecanismopassouapermitira inserodeemendasadvindasdasociedade,desdequeestivessemsubscritasporno mnimo30mileleitoreseporpelomenostrsorganizaesdasociedadecivilque estivessemformalizadaslegalmente(BONDUKI,2009;MARKEZINI,2006).Assim, pormeiodesterecurso,foramencaminhadas122propostasdeemendaspopulares Constituinte, totalizando 12.264.854 assinaturas.A abertura por meio deste instrumento deu um forte incentivo para a organizao daslutasurbanas,masprincipalmenteparaaconstruodearticulaesemrede,que mobilizaram atores para alm do seu local especfico de atuao, representando tambm o fortalecimento de muitas organizaes da sociedade civil. Assim, as reivindicaes dos movimentos urbanos que eram pontuais passaram a ser articuladas em torno de questes maisamplas,explicadasporconceitosqueeramproduzidosnasuniversidadesesuas solues justificadas em torno da conquista de direitos e cidadania.Tem-seassimacriaodeummovimentosocialarticuladonacionalmenteea definiodeumcampodeluta,quepassadiretamentepelaintervenonoEstado.A Constituinteforneceuoespaodelutaparaomovimentodereformaurbana:ocampo institucional,possibilitandoaconstruooualteraodeleiseodirecionamentode polticaspblicas.Orepertrioqueuniuosdiversosmovimentossociais,ossindicatos, as ONGs e intelectuais das universidades, no foi, por exemplo, o da ocupao de terras, masaredaodapropostaEmendaConstitucionalearealizao,emseguida,do abaixo-assinadoparaaEmendapopular.Ocampojurdicotornou-secentral, conformandoosframesdediagnsticoeasutopiastransformadoras.Aleitornou-se central, pois representaria a conquista da luta, do engajamento, dos esforos coletivos. A leiodireitoconquistado,mesmoqueposteriormenteouemcurtoprazonose materialize em melhoria de vida. Representa em si um ganho, capaz de promover outras aes, novos engajamentos, novas leis, novos direitos.SegundoMaricato(1997),oprocessodecoletadeassinaturasparaaEmenta popular foi, at aquele momento, o perodo em que mais se discutiu os princpios daquilo queseriaumareformaurbanaparaascidadesbrasileiras.Essaao,conduzidapelo MNRU, obteve 160 mil assinaturas, 130 mil a mais do que era exigido pela Assembleia NacionalConstituinte,dandolegitimidadeaodocumentoeservindocomoumestmulo aoprpriomovimento,aodemonstrarsuacapacidadedemobilizaoentreosdiversos atores envolvidos em lutas ou discusses sobre o espao urbano. AofinaldaConstituintefoiincorporadoConstituioapenaspartedas propostasindicadaspeloMNRU,representadaspelosartigos182e183doCaptuloda Ordem Econmica e Financeira, que definiu a funo social da propriedade e da cidade e aintroduodemecanismosdegestodemocrticaparaascidades.Apesardosdois artigos aprovados no expressarem todoo contedo proposto pela emenda popular, eles foraminterpretadoscomoumaconquistafundamentaldamobilizaopopularao colocarem,pelaprimeiravez,emtextoconstitucionalumcaptuloespecficosobrea questo urbana (SILVA, 2002).Porm,aConstituiodeixouemabertoanecessidadederegulamentaodeste captulopormeiodeumalegislaoespecfica,comotambmpermitiuaintroduode processosparticipativosparaaelaboraodasnovasleisOrgnicasedasConstituies estaduais(SILVA,2002).ParaBonduki(2009),aConstituintemunicipalizouareforma urbanaaosubmeteradefiniodafunosocialdapropriedadeelaboraodeplanos diretores municipais.Assim,objetivandoresgataraarticulaoeocontedocriadodurantea construodaEmendaPopular,foiformadoem1989,oFrumNacionaldeReforma Urbana,nosmoldesdaredeestabelecidaduranteaAssembleiaConstituinte,dando continuidade luta pela regulamentao dos artigos 182 e 183 agregados na proposta de leichamadadeEstatutodaCidade.Destemodo,aEOPabertacomaConstituinte, associadaanoinclusoporcompletodaspropostasapresentadaspeloMNRU,crioua possibilidadedestemovimentopermanecerunidoemtornodasconquistasdembito legal,marcandoassim,ofuturodoFNRUpormeioderepertrioscentradosnaao dirigida ao campo institucional. A Estrutura de Mobilizao do FNRU Aaberturapolticaadvindacomoprocessoderedemocratizaoeaarticulao no entorno da Contituinte permitiu tambm a estruturao de um campo movimentalista vinculadoreformaurbana,contituidoprincipalmentepelainterlocuoeintercmbios entrediversossetoresformadadosdanovasociedadecivil.Oesquemaabaixo exemplificaesseprocessoapartirdososintercmbiosquediretaouindiretamente contriburam para a constituio das quatro principaos organizaes populares presentes no FNRU Conferederao Nacional de Associaes de Moradores - CONAM, Central deMovimentosPopulares-CMP,UnioNacionaldeMoradiaPopular-UNMPe MovimentoNacionaldeLutaporMoradia-MNLM.Oqueemparteexemplificaa propriatrajetoriadoFNRU,marcadaporumintensoprocessorelacionalqueenvolveu movimentossociaisurbanos,sindicatos,correntesdaigrejacatlica,ONGsepartidos polticos.Figura 1 Estrutura de mobilizao e origem dos movimentos sociais (FNRU) Ilustrao: Ramon Gusso, 2012.Apesardasrupturaspresentesnesseprocesso,marcadopelassubdivisese disputasporprojetospolticos,possvelidentificarapresenadeumcampotico-poltico que orientou posteriormente a insero de vrias organizaesjunto ao FNRU. Assim,oconjuntodeorganizaesqueparticipamdaformaodoNMRUe posteriormentedoFNRUpossuemumamesmaestruturademobilizaoqueenvolveu uma rede ampla de atores que se desenvolveram durante o processo de redemocratizao brasileiraeajudaramaforjartramascomplexasdeapoio,demobilizaoderecursos, solidariedade e que influenciaram a construo de identidades e de projetos polticos, que em parte permanecem dispostos na rede do FNRU.Esta mesma estrutura de mobilizao sustentouedeubaseparadiversasaesimplementadasporestasorganizaesnos ltimos30anos.Aomesmotempo,tambmfoiresponsvelpelaconstruodelimites poltico-ideolgicos entre elas, o que permitiu a constituio de espaos de articulao e trajetriasindependentesparamuitasdelas,apesardaproxidadeentreosprojetos polticos.Apartirdessarede,portanto,outrastantassurgiram,envolvendocentenasde outras organizaes e militantes pelo pas. AtualmenteoFNRUcentralnamobilizaodeatoresqueatuamnadefesada bandeiradareformaurbana,sendooresponsvelpeladefiniodequadros interpretativos,deprojetospolticoseidentidadesque,emconjunto,temproduzidoos diagnsticos de apoio para o engajamento e que ajudam a definir o campo de ao, a rede de aliados, os repertrios e seus potenciais adversrios. Por outro lado, tambm funciona como um espao de encontro para diversas organizaes da sociedade civil que possuem tanto posies centrais em seus campos de atuao, como para aquelas mais perifricas, podendoassim,representarumespaoprivilegiadodeaproximaoemesmode potencializaodeaesentreorganizaesquepossuemcentralidadesdesiguais (LAVALLE,CASTELLO,BICHIR,2006).Dessaforma,paraumconjuntoamplode atores,oFNRUconstriumaagendacomum,agregandointeressesereivindicaes, organizando ou propondo aes, dando referenciais e indicando propostas e pautas para a representao junto a instncias de participao, como conferncias e conselhos.O FNRU articula-se fundamentalmente como uma rede formada por um conjunto amploepluraldeorganizaes.Contudo,osmltiplosatoresenvolvidosnatramano possuemomesmograudeparticipao,conexoedecentralidade.Algumasso responsveisporunirouvinculardiversasorganizaesisoladasrededoFNRU, exercendo, desse modo, a funo de ponte ao conect-las a outros ns na rede.Outras organizaessoperifricasemrelaoaosdemaispontosdarede,pois,emgeral,se conectamapoucasorganizaesdoFNRU.Nessesentido,entreasorganizaesque compem a coordenao nacional do Frum existem grandes disparidades em relao ao grau de conexo e centralidade desenvolvidas no interior dessa rede.Asorganizaesqueapresentamamaiorcentralidadedeintermediao (betweennesscentrality)so:FASE,ObservatriodasMetrpoles,CMP,PLISe ActionAid1.Taisorganizaesassumemopapeldeintermediaojustamenteporque inmerasoutrasdependemdelasparaconectar-seredeouparaacessaroutras organizaes,possuindoassim,umavantagemposicionalemrelaessdemais. Entretanto,istospossvelporqueessasso,emgrandemedida,asquemais estabelecemcontatoscomoutrospontosdarede.Estabelecerummaiornmerode contatos faz com que essas organizaes estejam entre as mais lembradas pelo conjunto deatoresqueformamarede,facilitandoaconquistaderecursosdentrodocampo.As organizaesObservatriodasMetrpoles,CMPePLISsoasqueestabelecem diretamenteamaiorquantidadedeconexes,sendo,portanto,asquepossuemamaior atividade relacional na rede. Figura 2. Sociograma da Rede de Organizaes Vinculadas ao FNRU

1Todas as entidades destacadas no quadro exercem papeis centrais em relao s demais mapeadas na rede. Ilustrao: Ramon Jos Gusso. A FASE a organizao que mais se aproxima de organizaes locais e regionais, participandotambmdeumamploconjuntodearticulaescomFrunseRedes.O Observatriopossuitalcentralidadeporreuniremseuentornoumaredenacionalde ncleodepesquisassobreaquestourbana,sendopormeiodessequemuitosdos ncleos recebem recursos para pesquisas, para publicaes ou para realizarem atividades de capacitao para movimentos sociais, tcnicos do poder pblico e membros de ONGs. ACMPvincula-seaumnmeroamplodeoutrosmovimentossociais,comotambm participadediversasoutrasarticulaes.OPLISsedestacaaoprocurarseinserirem diversasarticulaesdasociedadecivil,participandodeinmerasredesefruns,no Brasil e na Amrica Latina.EntreosmovimentossociaisaCMPqueapresentaosmaioresindicadoresde centralidade, isto porque ela tambm tem a funo de articuladora de outros movimentos eredesdediversastemticas,ouseja,atuaparaalmdatemticadareformaurbanae moradia.De igual modo, outros grupos e movimentos sociais ligados reforma urbana so filiados CMP, como o caso da UNMP e MNLM. Os demais movimentos possuem valoresdecentralidademenoresporatuaremdeformamaissegmentada,ouseja, vinculam-seaoutrasorganizaesoumovimentosdentrodeumamesmatemtica,por exemplo,aUnioMovimentosdeMoradiadeSoPauloassocia-seUNMP.Isto tambmocorrecomossindicadoseorganizaesprofissionaisligadasaoFNRU,que possuem uma atividade relacional centrada em vnculos com organizaes similares, que muitas vezes so representaes locais ou regionais do mesmo sindicato. Isto visvel no padroderelacionamentoestabelecidopelaFISENGE,FNA,CFESS,FENAE,AGB, FENEA e ANTP. Na rede do FNRU, h um papel de centralidade exercido tambm por outras redes e fruns, pois diversas organizaes presentes no FNRU participam de forma conjunta de outrasarticulaes.Nessesentido,oFNRUampliasuaarticulaoeseuprogramade aopolticaseinserindoemoutrosFruns,taiscomo:oFrumAmazniaOcidental- FAOC, Articulao Paulista do Direito Cidade - APDC, Frum Brasil do Oramento - FBO,FrenteBrasileiradeSaneamentoAmbiental-FBSAN;FrenteNacionalde ParticipaoPopularFNPP.Contudo,perceptvelpelaanlisedosociograma,que muitas das organizaes que esto vinculadas ao FNRU so perifricas e dependentes das organizaes destacadas acima para vincular-se ao conjunto da rede, bem como atuam de formamaispassiva nacontruodos projetos polticos e framesrelacionados reforma urbana e a luta pelo direito cidade. O projeto Poltico: intercmbios entre FNRU e Estado Aps a realizao da campanha pela Emenda Popular de Reforma Urbana e findo oprocessoConstituinte,foirealizadopelaarticulaomobilizadaemtornodoNMRU, emdezembrode1988,oIEncontroNacionaldoFrumdeReformaUrbana.Nessa reunioforamavaliadasasaesempreendidaspelomovimentoduranteaConstituinte, sendotambm encaminhadasnovas pautas e aesque deveriam ser empreendidaspela articulao.Entreosobjetivosretiradosdesseencontroestavammanutenoda articulaopelareformaurbana,sendo,paratantoconstitudooFNRU,quepassaria imediatamenteacriaraescomoobjetivodepressionaroCongressoNacionalpara regulamentarocaptulodapolticaurbanapresentenaConstituio,comotambm atuarianosprocessosdeelaboraodasConstituiesEstaduais,paraqueestas incorporassemosprincpiosdereformaurbanaedagesto democrtica(SAULEJR,et al. 2006; FNRU, 1993; SILVA, 2002). No ano seguinte, realizado o II Encontro do Frum de Reforma Urbana, em que soconstrudososprincpiosquedeveriampautaraaodasorganizaesligadasao FNRU,comotambmasestratgiasdeatuaodaarticulaoemtornodaelaborao das Leis Orgnicas e dos Planos Diretores municipais. Para Ferreira (2008), ao vincular a funosocialdapropriedadeoutraleidembitomunicipal,talfenmenopropicioua articulaodenovasredeslocais,queporsuavezinduziramavoltadoplanejamento municipal, sobretudo, via a realizao de Planos Diretores. Para o FNRU, a retomada da municipalizao, concedendo maior autonomia e papis aos governos locais, representou tambm o surgimento de novos campos de luta. Deste modo, desenvolveram-se diversas aes em torno da aprovao das Leis Orgnicas e das Constituies estaduais.SegundoBassul(2002),foinesteencontroqueoFNRUpassouainterpretara elaborao de Planos Diretores como um instrumento de reforma urbana. J para Burnett (2009),essafoiumaestratgiaqueconsistiaemarmaroFNRUdepropostasque poderiamsermobilizadas,sobretudo,naelaboraodosPlanosDiretoresdosgovernos deesquerdarecm-eleitos.Nessesentido,oFNRUpassaaproduzirumasriede propostascomoobjetivodetransformaroantigoinstrumentodeplanejamento-visto como tecnocrtico e autoritrio pelos militantes da reforma urbana-, em um mecanismo capazdetransformarpositivamenteascidades,sobretudo,emrazodosprincpiosde gestodemocrticaqueseriamomotorfundamentaldetaismudanas.ParaBurnett (2009),esseencontroconstruiuumreceituriodecomoconstruirPlanosDiretores baseados nos princpios da reforma urbana. Tal proposta ganhou fora entre os membros dasorganizaesdoFNRU,comotambmseinseriuemprogramasdegoverno, particularmente,naquelesvinculadosaoPartidodosTrabalhadores.Assim,as administraesmunicipaisdoPTforamosprimeiroslaboratriosautilizarem instrumentos baseados em princpios da reforma urbana, sendo os processos em torno da elaborao dos Planos Diretores o caminho mais rpido para a promoo de reformas no espao urbano. Destemodo,tem-seoprimeirocruzamentodefronteirasentresociedadecivile Estado, ou melhor, entre membros do FNRU e os governos petistas, demonstrando que o compartilhamentodeprojetospolticosedeinterpretaescomunssobreosproblemas urbanosdava-seemdecorrnciadaestruturaderelaesconstrudasnoprocessode redemocratizao que tornou tais atores partidrios com mltiplos vnculos, ou mltiplas militncias,queaoseconectaremaumavariedadederedessociais,sobrepuseram identidadesepermitiramaexistnciadecomplexosmecanismosdeinterao comunicativa e processos de recrutamento, alianas e disputas entre os atores (MISCHE, 2003).Damesmaforma,consolidava-se,nestecontexto,umamatrizideolgicae discursivapr-democraciacomumaosatores,quesinalizouparaapossibilidade,at ento impensvel, de um partido de trabalhadores, de modo orgnico, por via eleitoral e oferecendocontedoprogramticosreivindicaesquesurgiamnasociedadecivil, mediar o trnsito at o Estado do projeto de transformao elaborado originalmente pelos setorespopulares(FELTRAN,2006,p.373).Assim,nestecaminho,osprincpiosdo FNRU para a gesto urbana e a habitao tambm se confundem com as propostas e os mtodos propugnados como o modo petista de governar 2.

2Ocontedodastemticasreunidonolivroomodopetistadegovernarfoielaboradoapartirde seminriossetoriaisinternos realizadosemdiversascidadescujoPTexerciaoutinhaexercidoogoverno (SantoAndr,SoPaulo,Santos,Ipatinga,BeloHorizonte,AgradosReis,Vitria,PortoAlegre).O contedodessedocumentotinhacomoobjetivodifundirexperincias,prticaseprincpiosrelativosao modo petista de se governar.O Seminrio Habitao e Uso do Solo foi realizado em So Paulo, em 22 de fevereirode1992,sendocoordenadoporNabilBonduki,RaquelRolnickeFranklinCoelho,todos histricos militantes da reforma urbana e membros do PT. Naexperinciadagestodenossasprefeiturastrabalhamosna formulaodemecanismoseinstrumentosdeumapolticafundiriae imobiliriacapazdeavanarrumoreformaurbana(...).Oplano diretorummomentoprivilegiadoparacolocaressesprincpiosem discusso, namedida emque representa uma reviso global das regras deusoseocupaodosoloqueorientamaproduodacidade.A introduodestesmecanismosnoplanopossibilitareorganizartodaa estratgiadacidadenadireodeumareformaurbana.(...)Nossa experincianaelaboraodeplanosdiretores,emboratenhasido bastantediversademunicpiosparamunicpios,significounamaior partedasadministraespetistasumapolitizaododebate,ouseja,a superaodavisotecnocrticadafrmula-planocomopropostade ordenamento racional do territrio (BITTAR, 1992, p. 43). Essaconvergnciadeobjetivosclaramenteresultadodainteraoentre militantesemdiversosespaossociaisepolticosemtornodadisputapelaconstruo da democracia, em que valores, interesses, utopias, repertrios de ao coletivas e outras tantasprticassociaissocombinadasepostasemao.ComoindicaFeltran(2006), essaconvergnciacolocavaemjogofundamentalmenteacrenadeumprojetopopular queviacomorealapossibilidadededemocratizaodoEstadoedasociedadepela interao entre governos e populao, por meio da abertura a processos participativos. Asprimeirasexperinciasdaadministraopetista,aindanadcadade19803, contriburamparaquetaisprincpiosfossemcolocadosemprtica.Nasceramassim inmerosprocessosdeoramentosparticipativoseconselhosdegestodepolticas pblicas.Nocasodareformaurbana,adisputa paraaimplementaodosprincpiosde uma democracia popular se deu em torno da elaborao dos planos diretores e tambm da criao de conselhos de habitao e de desenvolvimento urbano. Amaneiracomoasprefeituraspetistasimplementaramapoltica habitacionalcontribuiuparaofortalecimentodosmovimentosde moradia,poisestessetornaraminterlocutoresprivilegiadosda administrao,tantonaformulaodeprogramasenaelaborao oramentria,comonadefiniodeprioridadesdeinterveno,como ocorreuemSoPaulo.Nofoi poracasoque a propostadacampanha peloFundoNacionaldeMoradianasceuemSoPaulo,frente constatao pelo movimento de que a Prefeitura no tinha recursos para ampliar o programa do mutiro por autogesto, de grande aceitao. A transparncianadiscussodooramentofoiindispensvelparaqueo movimentocompreendesseaslimitaesdopodermunicipaledesse

3 Fortaleza, 1985 e So Paulo, So Bernardo do Campo, Campinas e Vitria, em 1988. umsaltopolticoemdireoaumanovabandeiradelutaanvel nacional.Consegue-seassimqueomovimentosuperasseumaviso meramente reivindicatria, avanando em direo interferncia numa poltica nacional. (BITTAR, 1992, p. 45) Houve,portanto,nessecontexto,ainserodeumconjuntoamplodemilitantes dareformaurbanacomotcnicosdessasadministraes,sendoocasodaSecretaria Municipal de Habitao e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de So Paulo, durante ogovernodeLuizaErundina(1989a1992),talvezomaisemblemtico.Comorelata Maricato entregamo-nos totalmente chance de colocar em prtica tudo o que vnhamos discutindo(...).MasgovernarSoPaulo,amaiorcidadedopas,eraalgoantes impensvel (MARICATO, p.18, 2011). Junto a este exemplo, outras tantas experincias similares neste perodo foram realizadas em administraes populares e democrticas, taiscomo:PortoAlegre,Fortaleza,Vitria,BeloHorizonte,Diadema,SantoAndr, Santos, So Bernardo do Campo, Santos e Campinas. Taisexperinciaspermitiram,porumlado,aaproximaodosgovernoscom setorespopulares,poroutro,ainserodeumconjuntoamplodeintelectuais,que segundo Maricato (2011), atuavam primeiramente na formao de um pensamento crtico sobreosprocessosdeurbanizao,equeduranteasadministraesdoPTforam incorporadossequipestcnicasquepassandoaformularumasriedeinovaesno campo das polticas pblicas, tais como urbanizao de favelas, regularizao fundiria e mutiresautogestionriosparaaconstruodemoradias.Almdisso,foram desenvolvidasumasriedeprocedimentosemtodosparticipativosbaseadosemuma pedagogia popular (PONTUAL, 1994) inspirada nas proposies de Paulo Freire e em sofisticadasteoriassobreademocracia4,quebuscavamtantoconstruirmecanismosde dilogo com a populao como atuar em um processo mais amplo de formao poltica. Emrelaoaesteprocesso,tambmfoifundamentalaatuao,nointeriordessas administraes, de tcnicos oriundos de ONGs, como as relaes de parceria que foram desenvolvidas entre os governos e ONGs, muitas dessas nascidas tambm por iniciativas de militantes de esquerda. ParaFeltran(2006),talcaractersticamostraacapacidadedoPT,naquele contexto, de atrair geraes de militantes de diversas origens que lutavam pela ampliao

4 Por exemplo, a participao de Cornelius Castoriadis a convite da Prefeitura Municipal de Porto Alegre paraproferirconfernciasobreosocialismodofuturoeparticipardasPlenriasdoOP,em1991. http://www.musicgoal.com/podcast/id/1000049962.html democrticanopas.AparticipaopopularemespaoscomoconselhoseOP,servia tambm como um mecanismo de aproximao ao projeto do partido, funcionando como um espao privilegiado para se recrutar militantes e simpatizantes, que posteriormente se configurariam como estruturas de apoio s candidaturas ou na defesa do projeto perante a populao.NaspalavrasdeFeltran(2006,p.397)funcionavamcomoterrenos privilegiadosparaconquistaroconsentimentoativodossetoressociaise,portanto,a disputa pela hegemonia do seu projeto poltico 5. Duranteasprimeirasadministraespetistasforamcolocadasemprticauma sriedeiniciativaseproposiesdefendidaspelosmilitantesdareformaurbana,assim comosurgiramnovasdemandasoriundasda intervenonasrealidades especficas,que apontaram a importncia de se avanar na construo de novos instrumentos capazes de responderaosdilemasobservados.Damesmaforma,aintroduodeiniciativasde reforma urbana no mbito das administraes municipais revelou o campo de oposio democratizaodapolticaurbanaedagestosobreapropriedadeprivadaeousodo solo. Todavia, lembra Silva (2002) que o FNRU passou a conduzir diversos processos de assessorias a movimentos e organizaes locais, a fim de capacit-los para atuarem como interlocutoresdasociedadecivilperanteasadministraesmunicipais,tantonos processosdeelaboraodasLeisOrgnicascomonosPlanosDiretores.Aautora tambmindicaquefoinombitomunicipalquealutaporreformaurbanaacumulouo maiornmerodevitrias,sendoessasdemonstradaspelaincorporao,naslegislaes municipais, dos princpios que norteavam a luta pelo direito cidade e a reforma urbana. Entretanto,EvanizaRodrigues,daUNMPponderadizendoquedopontodevistado movimentopopular,percebe-setambmumadependnciaemrelaoaosistema poltico.Istosetraduzemmobilizaoeconquistasdomovimentopopularemum mandatodemocrtico,mastambmemperdasseomandatodeumExecutivo autoritrio (In: CYMBALISTA, 2000, p.11). J, Grazia de Grazia (2002), de forma mais enftica,apontaqueumadasbarreirasquelimitavamaampliaodeavanos institucionaisemfavordareformaurbanaligava-sediretamentecomacapacidadede permeabilidadeentreprojetospolticoscomaquelesqueocupavamosgovernos.Detal modo, sabiam que na relao como o Estado o fruto de sua ao no cairia longe do p,

5 O autor indica que posteriormente h um deslocamento do espao privilegiado pelo PT para a construo hegemnica de seu projeto poltico, saindo da sociedade civil para o Estado (FELTRAN, 2006, p.398). sendoaabrangnciadoprojetorestritaaosgovernosmobilizadosemtornodabandeira da democracia popular. Nas Leis Orgnicas e nas Constituies Estaduais tem nossa mo. OFNRUreconhecidoporterparticipadodesteprocesso.Agora, evidentequeelas[asleis]sseefetivaramconcretamentenos governos petistas. Por exemplo, no Rio de Janeiro, conseguimos um PlanoDiretorsuperavanado,masnofoiimplementadonenhuma linha.Ento,estaagrandequestoparans:oquesignificao avanonainstitucionalidade?Essaumadiscussocomplicada, poisquemhegemonizaaelaboraodaspolticasaindanoo nosso campo (Grazia de Grazia, in: SILVA, 2002, p.165). Repertrios, projetos polticos e EOP: o FNRU no sculo XXI JentradadonovosculomarcaprofundamenteoFNRU,sobretudo,peloforte entusiasmo que marcou as entidades e militantes da reforma urbana. O clima otimista se configurou a partir da conjuno de trs fatores: a aprovao do Estatuto da Cidade, aps 11anosdetramitaonoCongressoNacional;aeleiodeLulaparapresidnciada repblica,e,posteriormente,emseugoverno,acriaodoMinistriodasCidadesedo sistema de gesto democrtica que envolveu a realizao das Conferncias Nacionais das CidadeseoestabelecimentodoConselhoNacionaldeCidades-Concidades.Essa conjunturacriouumanovaestruturadeoportunidadesparaaatuaodoFNRU, refletindo tambm em desafios internos, novas estratgias e repertrios de ao coletiva. Comovimos,aaprovaodoEstatutodaCidadetrouxeasensaodevitria pela conquista da Lei e, junto com ela, a introduo de novas pautas e aes. Se antes da aprovaodoECoFNRUsecaracterizavaporserumarededeentidadesorganizadas paraoexercciodereivindicaesjuntoaoCongressoNacionaltendoemvistaa regulamentaodoCaptulodaPolticaUrbananaConstituioFederal,apartirdesse novoaparatojurdico,oFNRUreorientasuaao,agoranomaisexclusivamente direcionadaaoCongressoNacional,masparaoestabelecimentodeformasmaisdiretas de cooperao com a esfera governamental, sobretudo, por meio de projetos que incluam a divulgao e a capacitao para a implantao dos novos instrumentos jurdicos.Esse processotornou-semaisintensoquandodaCampanhaNacionaldoPlanoDiretor Participativo, a partir de 2005. AeleiodeLulaparapresidentedarepblicasignificou,paraocampode organizaes e militantes prximos ao FNRU, a emergncia de um projeto popular para o paseapossibilidadederealizaodemudanasprofundasnaconduodaspolticas pblicas.De acordo como o FNRU A eleio de Luiz Incio Lula da Silva para a presidncia da Repblica abreumapossibilidadehistricaparaoBrasil.Podemosconcretizar mudanassociaisepolticasquepermitamsociedadebrasileira romperdefinitivamentecomseucarteroligrquicoeautoritrio, construindo uma verdadeira democracia (FNRU, 2003, p. 01). No caso da poltica urbana, a chegada de Lula presidncia significou tambm a criaodenovosmecanismosdeparticipaopopulareaconsolidaodediversas reivindicaeshistricasdosmovimentossociaisurbanos,sobretudo,relacionadas criaodoMinistriodasCidades6edaConfernciaNacionaldasCidades7,ambosem 2003edoConselhoNacionaldasCidadesem2004,contribuindopara oclimaotimista que marcou o incio de seu governo.Segundo o FNRU: AvitrianasurnasdeLulaparapresidentesignificouumainflexo progressista na coalizao de partidos que governam o pas e adoo de umanovaagendareformista,incorporandoaspropostaselaboradas pelospensadoresepelasorganizaesvinculadasaomovimentode reforma urbana (FNRU, 2009, p. 11). Pode-se dizer que desde o incio do governo Lula (2003), constata-se a intensificao desse processo, configurando a base para a construo de ummodelodegestoparticipativa,baseadanamobilizaode conferncias e na institucionalizao de conselhos de polticas setoriais (FNRU, 2009, p.09). AcriaodoMinistriorepresenta,deumlado,ofatodeonovo governoassumiraquestourbanacomoumadasprincipaisvertentes daquestosocialbrasileira,edeoutro,avontadedetratardeforma

6 Criado pela Medida Provisria 103 de 2003, posteriormente pela Lei Federal 10.683/2003. 7De2003a2010,foramrealizadasquatroconfernciasdascidadesemmbitoMunicipaleEstaduale Nacional. Na 1 Conferncia das Cidades (2003), 1.430 municpios realizaram suas conferncias e na etapa Nacionalparticiparam2.095delegados.A2ConfernciadasCidades(2005)foirealizadapor865 municpiosecontoucomaparticipaode1.820delegadosnaetapanacional.AterceiraConferncia (2007)foirealizadapor1.554municpioseaplenrianacionalcontoucomaparticipaode2.513 delegados. A quarta Conferncia Nacional das Cidades ocorreu de 19 a 23 de junho de 2010, contando com 2.000 mil delegados.Segundo o Ministrio das Cidades, at janeiro de 2008, 93% dos municpios (1.682) com obrigao de realizaram planos diretores realizaram dentro do prazo estabelecido. integradaosproblemasurbanos,superandoahistricasetorializao daspolticasdehabitao,saneamento,transporteemobilidade (FNRU, 2003, p 01). Contudo,aconstruodessenovodesenhoinstitucional,quecentralizoudiversas temticas junto ao Ministrio das Cidades e estabeleceu novas instncias de participao, no explicadasomentecomoresultadodeumprojetopolticopetista,mastambmcomo resultadodereivindicaeshistricasdosmovimentosligadosreformaurbanaedesua capacidadeparaimporumaagendadegoverno.Nestecaso,aimplementaodessanova estruturaseriaoresultadotambmdacomplementaridadeedocruzamentoentreprojetos construdos por atores ligados ao FNRU e ao novo governo. Assim, a influncia do FNRU para a criao do Ministrio das Cidades explicitada tambm pelo texto de apresentao do site do Ministrio das Cidades, sem, no entanto, cit-lo nominalmente: AestruturadoMCidadesconstituihojeumparadigma,nosem territrio brasileiro, mas como em toda a Amrica Latina. O movimento socialformadoporprofissionais,lideranassindicaisesociais,ONGs, intelectuais, pesquisadores e professores universitrios foi fundamental paraacriaodoMinistriodasCidades.Essemovimentoalcanou vriasconquistasnosltimos15anos,taiscomoainseroinditada questourbananaConstituioFederalde1988,aleifederalEstatuto daCidade,de2001,eaMedidaProvisria2220,tambmde2001 (Ministrio das Cidades, 2009). Maricato(2011)confirmaqueodesenhodoMinistriofoifrutodolongo processodereivindicaesconstrudaspeloFNRU,bemcomodaprpriaestruturade mobilizao a qual o movimento estava inserido, que inclua, portanto, a articulao com diversas organizaes, redes e partidos polticos, como o PT: OcaminhoquelevouacriaodoMinistriodasCidadesteveuma pavimentao consolidada por muitos e sucessivos passos dados por um nmero cada vez maior de lideranas sociais, profissionais e tcnicas de diversasorigens.Umsignificativonmerodedocumentos,projetosde lei,plataformas,programasfoidesenvolvidopeloFrumNacionalde ReformaUrbana,porcadaentidadequedelefizeramparte,pelos partidospolticosprogressistas,pelasinstnciaslegislativas,pelas entidadessindicais,profissionaisouacadmicaseapresentadasem frunsinternacionais(...).OMinistriodasCidadesfoifrutodeum amplomovimentosocialprogressistaesuacriaopareciaconfirmar, comosavanos,osnovostemposparaascidadesnoBrasil (MARICATO, 2011, p.24). Ermnia Maricato (2005) diz que a criao do Ministrio das Cidades era tambm umapropostaquejcirculavanosprogramasdegovernodoPartidodosTrabalhadores (PT)emeleiesparapresidnciaanterioresa2003.Contudo,onomedesseMinistrio aolongodasdiversaseleiessofreuvariaescomoMinistriodaReformaUrbana, MinistriodoDesenvolvimentoUrbanoeMinistriodasCidades.Noprogramade governoqueelegeuLulaem2003,haviaumtpicochamadoProjetoMoradia8,que indicavaacriaodoMinistriodasCidadescomafunodearticularoconjuntode polticasurbanasquehistoricamenteestavamespalhadasemdiversosministriose secretariasdoGovernoFederal.Dessaforma,quandodacriaodoMinistriodas Cidades,esseseestruturouapartirdastrstemticasidentificadascomoosproblemas urbanosdemaiorimportncia:habitao,saneamentoambientaletransporte,incluindo, em sua estrutura, uma quarta rea, cujo objetivo seria articular o planejamento urbano e a poltica fundiria, agregada em torno da secretaria de Programas Especiais Urbanos. Nocontextodecriao doMinistriodasCidadesforaescolhidocomoMinistro Olvio Dutra, ex-prefeito de Porto Alegre, que contribuiu para tornar a cidade referncia internacionalvinculadaparticipaopopular,sobretudo,pormeiodooramento participativo.Em decorrncia dessa experincia, havia a crena que esse projeto poltico iria fortalecer a democratizao da gesto urbana no pas. Associado escolha de Olvio Dutra,outrofatorfundamentalpara darcredibilidadeaesse processofoiaformaoda equipequeiriaconduziroMinistrio,formadaporimportanteslideranas,tcnicose intelectuaisderenomenocampodareformaurbanaoumesmodiretamenteligadosao FNRU e s organizaes que o compem. Assim afirma o Frum: ValedestacarquealgunsdosSecretriosNacionaisedostcnicosdo Ministrio das Cidades eram pessoas vinculadas a esse movimento. Ao mesmotempoaatuaodoFNRU,podeserconsideradacomoum elementochavenasmudanasocorridas,pordarlegitimidadeas polticasimplementadaspeloGovernoFederaleporformularnovas

8Maricato (2005) destaca que este Projeto Moradia foi escrito por um conjunto de entidades, movimentos sociais e professores universitrios vinculados bandeira da reforma urbana. demandasepropostas,emparteincorporadasnesseprocesso(FNRU, 2009, p.10). Da mesma forma ressalta Maricato (2011, p. 26): A primeira equipe9 que comps o time que dirigiu o Mcidades resultou numaconvergnciatambmrarademilitantes,sindicalistas, profissionais,acadmicoscomaparticipaoanterioremexperincias deadministraopblicaemuitoprestigiadasnomeiotcnicoe acadmico, alm de forte insero nos movimentos sociais urbanos. Nesse sentido, a diminuio de distncias entre o FNRU e o poder pblico se d pela presenadediversosmembrosdasentidadesvinculadasaoFrumNacionaldeReforma atuando como tcnicos no Ministrio das Cidades, pois a presena deles tambm ressaltada comoumreconhecimentodosaberacumuladopeloFrum.ReginaFtimaFerreira, secretriaexecutivadoFNRUpelaFASEat2010,apontaqueacriaodoMinistrio das Cidades umareivindicaohistricadomovimentodereformaurbana.Esse novorgoreuniuasdiversaspolticassetoriais,antesdispersasem vriosministrios.Comoboapartedesuaequipetcnicaoriundado MovimentodeReformaUrbana,favoreceuoavanonaconstruode polticas e da gesto democrtica (FERREIRA, p.35, 2008). ComacriaodoMinistrioumapartesignificativadostcnicosprovmde articulaesvinculadasaocampodareformaurbana,sobretudoduranteagestodo MinistroOlvioDutra.OquadroabaixomostraqueduranteagestodeOlvioDutra, vriosdosSecretriosNacionaistinhamfortevinculaoaoprojetodareformaurbana, tendo inclusive nomes indicados diretamente pelo Frum. Cabe observar ainda, que cada

9 Entre os nomes dessa equipe com vnculos com o projeto de reforma urbana, ou diretamente ligados ao FNRU,estavamGraziadeGrazia(coordenadoradaFASE,SecretriaExecutivadoFrumNacionalde ReformaUrbanaeMembrodaCoordenaodoFrumNacionaldeParticipaoPopular);Denisede CamposGouva(integrantedoInstitutoPolis);WeberSutti(integrantedoInstitutoPlis);Anderson KasuoNakano(IntegrantedoInstitutoPolis);AntonioMenezesJnior(foivice-presidentedaFNA); BennySchvasberg(ProfessordaUNB);OlilieMacedoPinheiro(arquiteta,foitcnicanasprefeiturasde SantoAndr1989a1992,Betim1993a2000,BeloHorizonte2001a2002);EvanizaLopesRodrigues (Membro da Coordenao do Frum Nacional de Reforma Urbana e da Direo da Coalizo Internacional do Habitat, Integrante da UNMP). Secretaria composta por vrias diretorias, e que parte significativa do quadro tcnico foi indicadadiretamentepelossecretrios,sendoquemuitosdesseseramnomescomuma profunda histria no campo da Reforma Urbana10. Quadro 01. Secretrios do Ministrio das Cidades - 2003 a 2010 Gesto Olvio Dutra - 2003 a 2005 SecretariasNome Trajetria e Indicao Secretaria de Mobilidade e Transportes Jos Carlos Xavier Seu nome comps uma lista trplice, sendo indicado pela comisso setorial de transportes do PT e Associao Nacional de Transportes Pblicos (ANTP), organizao vinculada ao FNRU. Secretaria de Saneamento Ambiental Abelardo de Oliveira Filho Frente Nacional do Saneamento indicou alguns nomes e o Ministro escolheu um sindicalista e histrico militante da temtica. Secretaria de Habitao Jorge Fontes Hereda Nome apoiado pelos movimentos sociais de moradia. Tinha trabalhado pela COHAB de Salvador e de So Paulo, pelas Prefeituras de Diadema e de Ribeiro Pires, tendo sido um dos pioneiros da Articulao Nacional do Solo Urbano, criada pela Comisso Pastoral da Terra, na dcada de 1980, e que, posteriormente, articulou o FNRU. Secretaria de Programas Urbanos Raquel Rolnik Professora de arquitetura e urbanismo da USP, fundadora do Instituto Plis, foi indicada pelo Frum Nacional de Reforma Urbana. Atualmente relatora especial da Organizao das Naes Unidas para o direito moradia adequada, aps indicao e mobilizao do FNRU para a escolha de seu nome. Secretria Executiva do MCidades ErmniaMaricato Professora titular de arquitetura e urbanismo da USP. Foi Secretria de Habitao e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de So Paulo (1989/1992), COHAB (1991-1992) e Ministra Adjunta das Cidades (2003-2005). Foi a relatora da Emenda Popular de Reforma Urbana na Assemblia Nacional Constituinte.Participou do FNRU at 1996. Foi indicada pelo Presidente Lula, participou da equipe de transio que elaborou o Projeto Moradia, que foi a base para a estrutura do MCidades. Gesto Mrcio Fortes - 2005 at2010 Secretaria de Mobilidade e Transportes Luiz Carlos Bueno de Lima (2007) Administrador de empresas, Luiz Carlos Bueno de Lima foi Secretrio Nacional de Cincia, Tecnologia e Insumos Estratgicos do Ministrio da Sade, entre 2004 e 2005. Foi indicado pelo PP.

10 O primeiro concurso pblico para o Ministrio das Cidades aconteceu em 2005 e o segundo em 2008. Em 2010, foi realizado outro concurso para preenchimento de vagas temporrias. Secretaria de Saneamento Ambiental Leodegar da CunhaTiscoski (2007) Em 1987, foi eleito para o primeiro de trs mandatos de Deputado Estadual (SC) at 1999.Na Cmara, foi membro da Comisso de Desenvolvimento Urbano. Foi Secretrio Estadual dos Transportes e Obras de Santa Catarina (1999-2002) e Secretrio da Casa Civil (1992-1994). Foi indicado pelo PP. Secretaria de Habitao Ins da Silva Magalhes Sociloga. Foi Diretora do Departamento de Urbanizao de Assentamentos Precrios no MCidades. Foi Diretora de Projetos entre 1998-2002 da ONG Urbis. Entre 1998 a 2002, foi Assessora da Secretaria Nacional de Assuntos Institucionais do Partido dos Trabalhadores. Entre 1989 a 1993, foi Chefe de Gabinete da Administrao Regional da S, Prefeitura Municipal de So Paulo, durante a gesto de Luiza Erundina. Secretaria de Programas Urbanos Celso Santos Carvalho (substituto) Engenheiro Civil, professor da Escola Politcnica da USP e Diretor de Assuntos Fundirios Urbanos do Ministrio das Cidades. Foi indicado por Raquel Rolnik para diretoria de Assuntos Fundirios. Com a Sada de Raquel Rolnik (2007), assumiu a Secretaria (2008) Teresa Juc (PSB/RR), ex-prefeita de Boa Vista e ex-esposa de Romero Juc, lder do Governo no Senado (PMDB/RR) que a indicou ao cargo. Deixou o cargo em maro de 2010, para sair candidata deputada Federal. A vaga ainda pertence ao PP. Secretria Executiva do MCidades Rodrigo Jos Pereira-Leite Figueiredo Advogado, filho do ex-deputado Milton Teixeira de Figueiredo (MT) um dos principais lderes polticos de Mato Grosso. Possui ligao estreita com o governador Blairo Maggi (PR). Foi indicado pelo PP. Fonte: Torres e Acselrad (2005), Ministrio das Cidades (2010), entrevista com tcnico Ministrio das Cidades (2010). Deacordocomoquadroacima,percebe-sequeapsoafastamentodeOlvio Dutra,houvedefatoumareformulaonacomposiodassecretarias,oquelevou sada de muitos membros do quadro tcnico/poltico vinculados ao FNRU, bem como ao prprioPT.SegundooFNRU(2009,p.40),houveumainflexoconservadorano MinistriodasCidades,apsaentradadoMinistroMrcioFortes(PP),permanecendo apenasaSecretariadeHabitaocomquadrostcnicosepolticosvinculados diretamenteaocampodaReformaUrbana.ParaMaricato(2011),algunsfatores explicamamudanadeorientaoouprojetopolticojuntoaoMinistriodasCidades, entre eles estariam primeiramente, a forte oposio da equipe do ministrio forma como era distribudo o oramento federal e o repasse de fatia importante dos recursos do rgo para o clientelismo [das] emendas parlamentares que nos primeiros anos engoliam 50% dasmigalhasderecursosoramentriosquecabiamaoMCidades(2011,p.51).Essa postura, segundo a autora, teria atrado para o Ministrio diversas crticas, tanto internas como externas ao governo. O segundo fator, talvez mais importante, se deu em relao ampliaodabasegovernistanoCongressoNacionalque,emtroca,redistribui Ministriosepastasparaospartidosaliados.Nessecaminho,houveatransfernciado Ministrio das Cidades da gesto petista para o controle do Partido Progressista - PP, do entopresidentedaCmaraSeverinoCavalcanti.Apsessamudana,muitosdos secretriosetcnicosalinhadoscomooprojetodareformaurbanasaram progressivamente do Ministrio. De acordo com o FNRU, essa mudana trouxe graves consequncias [como a] interrupo de vrias propostas em andamento e na dinmica do prprioConselhodasCidades,apesardeestemanterseufuncionamentoregular (FNRU, 2009, p.39). Para o FNRU, os impactos advindos com a mudana de orientao doMCidadesforamafragmentaodeaesepolticaseainterrupodearticulaes setoriaisparaaPolticaNacionaldeDesenvolvimentoUrbano.Nessesentido,Maricato (2011)fazumaampladefesadaequipetcnicaquecompsoMCidadesnosprimeiros anosdesuaexistncia,indicadoqueasadadessegrupopsfimapossibilidadedese avanarnaconstruodepolticaspblicasquefossemaoencontrodoprojetode reforma urbana. Assim diz ela: No se pode afirmar que mantida a equipe inicial do MCidades o novo paradigma da poltica urbana fosse alcanado mas, sem ela, certamente, nohaveriachances.Nosetrataaquidefalsamodstia,massimdo reconhecimento da legitimidade dada por muitos anos de militncia no chosocialdascidades,muitosanosdeestudoedebatessobreas especificidadesdacidadeperifricae,finalmente,muitosanosde trabalhoprofissionalnosetorpblicopriorizandocombaterainjustia urbana.Semessaequipe,oualgumaoutraquerepresentasseesse arranjo, dificilmente a tarefa se completaria (MARICATO, 2011, p.43). SegundooFNRU(2009),essaproximidadeentreprojetospolticos,construda tambmpelapresenademilitantesdoFrumedesuasorganizaesnafunode tcnicosdoMcidades,permitiuaintroduodediversaspolticaseaesqueforamao encontrodaspautasereivindicaesdefendidaspelosmovimentosdereformaurbana,em especial pelo FNRU.EmgrandemedidaoFNRUcompreendequesuaspautasforamincorporadasno mbitodapolticaurbananacional.ParaoFrumhouve,principalmentenoperodode 2003a2005,ocompartilhamentodeentendimentosacercadaconstruodepolticas pblicas,revelandoainegvelcapacidadedeincidnciadoFNRUnaesferapblica, interferindo no desenho e na gesto da polticas urbanas nacionais (FNRU, 2009, p.40) Nesseaspecto,a pauta do FNRU, construda ao longo de duas dcadas, aparentemente foi assimilada e inserida na esfera governamental por meio de polticas pblicas direcionadas ao desenvolvimentourbanoehabitaodeinteressesocial11.Almdaregulamentaode instrumentos jurdicos de gesto democrtica e de controle social que permitiram a insero depautasedemandasadvindasdosmovimentossociais.ParaoFrum,foitointensaa proximidadeentreoseuprojetocomaspropostasrealizadaspelogovernoqueatarefade classificar e separar a origem de cada ao tornou-se algo de grande complexidade. A correlao de foras no interior da coalizo partidria que sustenta o Governo Federal possibilitou uma composio de pessoas no interior do MinistriodasCidadescomprometidascomaagendadareforma urbana,oque,pordiversasvezes,gerouiniciativasquenofaziam parte da plataforma da reforma urbana elaboradas pelo Frum, mas que estavamemabsolutasintoniaemoseuiderio.Daadificuldade,em diversassituaes,desepararasiniciativasdoFNRUdasdoGoverno Federal,tendoemvistaquenessescasosseriamaisadequadofalarde iniciativas compartilhadas (FNRU, p. 40, 2009). Grifo do autor. Isso no significa que o Frum tenha perdido a sua capacidade reivindicatria ou que tenhasidosimplesmentecooptadopeloEstado,masqueasmudanasocorridasnaesfera administrativa do Governo Federal, aps a chegada de Lula presidncia, trouxeram novos desafios,estratgias,disputasinternas,articulaeseconflitosparaoFrumNacionalde ReformaUrbana.Nessesentido,oFNRUindicaqueaestratgiadeaproximaocoma esferainstitucionalresultounoalcancedevitriasparaomovimento,emdecorrncia, sobretudo,daestruturadeoportunidadespolticasqueforacriadaapartirdaformaoda equipe do Ministrio das Cidades. Assim,

11 O Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social - SNHIS foi institudo pela Lei Federal n 11.124 de 16 de junho de 2005 e tem como objetivo principal implementar polticas e programas que promovam o acessomoradiadignaparaapopulaodebaixarenda.ALein11.124tambminstituiuoFundo Nacional de Habitao de Interesse Social FNHIS, que em 2006 centraliza os recursos oramentrios dos programas de Urbanizao de Assentamentos Subnormais e de Habitao de Interesse Social, inseridos no SNHIS. Sendo apontado pelo FNRU tambm como conquistas das lutas e articulaes desenvolvidas pelo Frum. PodemosdizerqueosresultadosalcanadospeloFrumexpressamo xitodeumaestratgiacoletivaplanejadapeloconjuntode organizaesquecompemessacoalizosocial,quecombina diferentesescalasdeao,articulandointervenessocietriasno campo da organizao da sociedade e da capacitao e institucionais no campo das polticas pblicas. Nesse sentido, concebemos as aes desenvolvidascomoaesdeadvocacy,situadasnocampoda exigibilidadepelodireitocidade.AforadeincidnciadoFrum parece vir exatamente dessa estratgia (FNRU, 2009, p. 40). Esse tem sido um debate central para o FNRU, na medida em que a prpria anlise sobre as conquistas e avanos na poltica urbana no se apresenta na forma de um consenso interno.Assim,aprincpio,duasabordagenstmsidorecorrentes:aprimeiraapontaquea polticadeaproximaodoFNRUedosmovimentossociaisurbanoscomoGoverno Federal, particularmente com o Ministrio das Cidades, gerouuma desarticulao das lutas e a cooptao de lideranas, uma vez que o Frum passou a agir dentro da agenda estabelecida pelo governo. Dessa forma, no haveria mais lutas sociais, porque os todos os movimentos teriam uma agenda lotada pela participao em conferncias, debates e reunies para leitura dediagnsticos,legislaesearticulaesparaparticipaonosespaosinstitucionais12.A segundatendnciaapontatambmparaalimitaodalutamedianteaconquistade legislao,masenfatizaqueaaproximaocomatoresinstitucionaisfundamentalparaa conquista do direito cidade, e que isto no menos importante que outras formas de luta ou que essa aproximao signifique necessariamente o enfraquecimento dos movimentos 13. Outroaspectoquecontribuiparaessedebatedizrespeitocentralidadeda participaodoFNRUedesuasorganizaesjuntoaoConCidadeseasConfernciasdas Cidades.Ouseja,apartirde2003osmovimentosdereformaurbanaelegeramessas instncias como um dos focos privilegiados de suas aes, sendo essa insero mediada por umasriedeatividadesprviascomo:aelaboraodetextosecartilhasqueexplicama importnciadessescanaisparaaconstruodapolticaurbananacional;arealizaode encontrosentreasorganizaesquecompemacoordenaoparaodesenvolvimentode estratgias; a insero dessa temtica nos Encontros Nacionais; a formulao de propostas a seremapresentadasedefendidaspelasarticulaesregionaisnasconfernciaseconselhos

12 Apontamento feito por Ermnia Maricato durante mesa redonda para avaliao das lutas sociais urbanas no Frum Social Urbano, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 22 e 26 de maro 2010. 13 Apontamento feito por Nelson Saule Jr e outros na mesa redonda Atualizao da Reforma Urbana na Amrica Latina, realizado no Word Urban Forun (ONU/Hbitat) realizado no Rio de Janeiro entre os dias 22 e 26 de maro de 2010. municipais, estaduais e nacionais. Assim, a centralidade dessas instncias pode ser percebida tambm,porumlado,pelafortepresenadasentidadesquecompemoFrumno ConCidades,mesmoquenoorepresentemformalmente,umavezqueasentidadesso eleitas de forma autnoma pelos seus segmentos durante a Conferncia Nacional de Cidades (GUSSO, 2013). Neste aspecto, outras vozes no interior do FNRU apontam para a necessidade de seampliarosrepertrios,norestringindoaaospautasquesoinstitudaspelo governo.Indicamanecessidadedecombinarrepertrioscontenciososcomaqueles institucionais. Assim, o prprio processo institucional visto como uma ao necessria, pormdestitudadeaura,umavezqueacapacidadedeinflunciajestariadadade antemo. Neste caso, h certo desencantamento em relao s Conferncias, uma vez que elasteriamopapeldemonitoraroqueseestproduzindopeloEstadoenodeliberar sobreproduodenovaspolticas.Novamentesocolocadascrticasscapacidades internas de criar processos mais amplos de mobilizao para alm da ao institucional. Entretanto, a defesa da utilizao exclusiva de repertrios de confronto no vista como umaunanimidade.Essestambmsoquestionadosnosentidodequenoproduziriam resultadosnecessariamenteeficazes.Aocontrrio,asuaampliaotrariamaiores restriesaodomovimento,particularmente,nasuacapacidadedecolocara bandeira da reforma urbana de forma positiva para o pblico em geral e, por conseguinte, nosmecanismosdepressojuntoaoEstado,significando,dessaforma,apossibilidade de aumento da represso aos movimentos, especialmente aos de moradia. Esseprocessoavaliativosobreosmtodosutilizadospelasorganizaesda sociedadecivil,sobretudo,emrelaoconstruodemocrticaapartirdasdiversas experinciasdeinseronosespaosinstitucionaistem,comoindicaDagnino(2002), gerado amplos processos de avaliao por parte da sociedade civil, sobretudo em relao aos impactos desses encontros.Primeiramente,essaperspectivafundou-senumaapostageneralizadade atuaoconjuntaentresociedadecivileEstado,orientando-seporumprojetopoltico queconcebiaumaamplaexpectativaaoprojetodademocraciaparticipativaqueseria capazdeampliardireitos,obtermaiorcontrolesobreagestopblica,democratizaro Estado, permitindo a construo de uma sociedade mais igualitria. Contudo, muitas das crticas produzidas se deram em resposta s expectativas que foram geradas: ao constatar quetaisencontrosparticipativosmuitasvezessedistanciavamdaquiloqueera esperado,produziram-seavaliaesqueinexoravelmenteconstatavamofracassodessas experincias.Essedesencantamentoproduziu,nocampodasorganizaesdasociedade civilqueestavaminseridasemespaosinstitucionais,oseguintequestionamento:os ganhos no seriam maiores com outro tipo de estratgia que privilegiasse a organizao e a mobilizao na sociedade civil? (DAGNINO, 2002, p.293). Esse questionamento fica explcito,nocasodoFNRUquandodiversosatoresbuscamindicarquehconsenso sobreodiagnsticoeocontedodasquestesquefundameorientamaodoFNRU, mas que a principal divergncia diz respeito aos repertrios utilizados, ou aos mtodos que seriam majoritariamente dirigidos as instncias institucionais. Consideraes Finais Um dos primeiros resultados da pesquisa foi o mapeamento da ampla estrutura de mobilizaodoFNRU,indicandoohistricodeformaodasorganizaeseseus principaisvnculoscomoutrasorganizaessociais,desdeaquelesoriginadosdurantea dcadade1980atvnculosmaisrecentes,voltadosaofinanciamentodeaes.A construodohistricodasorganizaesfoifundamentaltambmparaentendero contextoemqueosprojetospolticosforamformados,bemcomocompreenderqueo deslocamentodeatoresdoFNRUparaoMinistriodasCidadesapartirde2003foi resultadodemltiplasmilitnciaseprojetospolticosdesenvolvidosa partirdofinalda dcada de 1970, contribuindo fundamentalmente para a interao entre atores do FNRU e do governo petista.A pesquisa demonstrou que no interior do FNRU so as ONGs que exercem uma maiorcentralidadenarede,poissoasquebuscamconstruirmaisvnculoscomoutras organizaes, fruns e redes, como so tambm as que possuem uma maior diversidade nas relaes, sendo intermedirias de vrios vnculos na rede. Igualmente, so as ONGs, emgrandemedida,asresponsveisporproduzir,sistematizaredivulgarosquadros interpretativosdoFNRU.Humafortecentralidadeemalgumasorganizaes,queso asresponsveisporestimularaparticipaonarede,porproduzireforneceros referenciais tericos e a prpria histria do movimento. Nesse sentido, trs organizaes tmsedestacado,FASE,PLISeObservatriodasMetrpoles.OFNRUtem marcadamente atuado prximo s arenas institucionais, sendo estas, em grande medida, o prpriocontedodesuasreivindicaeseabasedeseusrepertriosenquantoaese polticas voltadas para a institucionalidade estatal. nestes termos que as campanhas e as lutas realizadas pelo Frum tm sido encaminhadas.Essesrepertrios,todavia,socontemporizadosdiantedecontextospolticose eleitorais, como indicado por vrios atores do FNRU ao longo deste trabalho, existindo, portanto,governosmaisabertosreformaurbana,ouquecompartilhamdeumprojeto polticoqueincluiareformaurbananointeriordeprogramasdegoverno.Esse compartilhamento de projetos aproxima o Frum de partidos de esquerda, com destaque paraoPartidodosTrabalhadores,queemmuitosmomentosintermediouotrnsitode militantes do FNRU para o interior de governos municipais e para o Governo Federal, em particular para o Ministrio das Cidades, seja por meio de cargos de essncia tcnica ou com carter mais poltico. Essa relao entre o governo petista e FNRU, diferente de uma simplesdecooptao,temsidofrutodeestratgiasedecompartilhamentodeprojetos polticoseafinidadesideolgicasepartidrias,queresultoumuitasvezesemmltiplas militncias e de complexos mecanismos de interao comunicativa e de sobreposio de identidades (MISCHE, 2003).Dessaforma,odilemaentreparticipaoemespaosinstitucionaisversus mobilizaoderuaexpeasperspectivasqueforamprojetadase,emparte,frustradas comaeleiodoPTparaapresidnciadarepblica.Assim,houve,pelomenosnos primeiros anos da administrao de Lula, um forte empenho mobilizatrio para ocupar os espaosinstitucionaisqueforamcriados,muitosfrutodedemandasdosprprios movimentos,revelandocompromissoseprojetospolticoscompartilhadossobos princpiosdeumareformaurbanademocrticaeparticipativa.Aconstatao, posteriormente,dequetaisespaoseramemmuitossentidosdestitudosdepoder,no impondo obstculos aos interesses contrrios queles defendidos pelo FNRU, levaram a certa descrena em relao s expectativas postas inicialmente. Uma importante liderana do MNLM indica que o compartilhamento de projetos polticos,mesmoquandoessesjseapresentavam,emgrandemedida,desencantados, continuam a fornecer constrangimentos ao contestadora das organizaes do FNRU. Taisconstrangimentosrefletemassimoscompromissosearticulaeshistricasque foram estabelecidas entre organizaes do campo da reforma urbana e o PT. Neste caso, osencontrosentresociedadecivileEstadoforammediadosporoutrosencontros realizadosnocampomovimentalista,muitoantesmesmodepartedessesatoresse tornarem governo.Dessaforma,osquadrosmobilizatrioscontinuamemdisputa,sendomediados poranlisespessimistaseotimistas,masquerefletemdiferentesentendimentossobrea formaderealizaroprojetopolticodareformaurbana.Seporumladoodiagnstico sobreascontradiesurbanasnoapresentamgrandesdivergncias,osrepertriosde ao e as formas de mobilizao no so consensuais e refletem a prpria diversidade de atores e projetos polticos que compem o FNRU.

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