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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO RAMON SENA DE JESUS DOS SANTOS TAE-KWON-DO COMO PRÁTICA EXTENSIONISTA NA FORMAÇÃO SÓCIO- EDUCATIVA DE CRIANÇAS DA COMUNIDADE RIACHO DO MEL EM ALAGOINHAS-BA. ALAGOINHAS 2010

Ramon Sena

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

RAMON SENA DE JESUS DOS SANTOS

TAE-KWON-DO COMO PRÁTICA EXTENSIONISTA NA

FORMAÇÃO SÓCIO- EDUCATIVA DE CRIANÇAS DA

COMUNIDADE RIACHO DO MEL EM ALAGOINHAS-BA.

ALAGOINHAS

2010

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RAMON SENA DE JESUS DOS SANTOS

TAE-KWON-DO COMO PRÁTICA EXTENSIONISTA NA

FORMAÇÃO SÓCIO- EDUCATIVA DE CRIANÇAS DA

COMUNIDADE RIACHO DO MEL EM ALAGOINHAS-BA.

Trabalho monográfico para conclusão de curso apresentado como exigência parcial para obtenção do Grau de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus II, sob a orientação do Professor Ms. Ubiratan Menezes

ALAGOINHAS

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

Santos, Ramon Sena de Jesus dos

Tae-Kwon-Do Como Prática Extensionista na Formação Sócio- Educativa de Crianças da Comunidade Riacho do Mel em Alagoinhas-Ba/Ramon Sena de Jesus dos Santos - Alagoinhas: Universidade do Estado da Bahia, 2010. 59f. Orientador: Ubiratan Menezes Monografia (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. 1. Tae-Kwon-Do 2. Educação 3. Comunidade 4. Universidade

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AGRADECIMENTOS

Obrigado Senhor Jesus, pelo Dom da Vida. Obrigado Senhor, por tua

presença a me guiar em todos os momentos, até chegar neste, que representa

a conclusão de um sonho. Obrigado Senhor, pois bem sei que nos momentos

de dificuldades, em que as coisas pareciam não ter saída, o teu Braço forte

realizava prodígios em minha vida. Obrigado Senhor pelo Amor de minha

família, pela saúde, e pela Fé. Obrigado Senhor, por todos os amigos que

contribuíram para que este sonho pudesse se tornar realidade. Obrigado

Senhor por encontrar também nesta caminhada minha Anninha, meu grande

amor. Obrigado ó virgem Santa, Mãe de Jesus, por sua proteção em nossas

vidas. Obrigado aos Anjos e Santos, a quem sempre recorro em minhas

orações. Obrigado Senhor!

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DEDICATÓRIA

À Comunidade Riacho do Mel.

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“A Educação é a arma mais poderosa que você

pode usar para mudar o mundo”.

Nélson Mandela

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RESUMO

A presente pesquisa nasceu da experiência na monitoria de ensino do Projeto de Extensão Cultura Corporal na UNEB, realizado no ano de 2009, por meio do curso de Licenciatura em Educação Física, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus II, Alagoinhas-Ba. Trata-se de um estudo que focou o Tae-kwon-do como prático extensionista na formação sócio-educativa de crianças da comunidade Riacho do Mel, situada na zona rural da cidade de Alagoinhas, agreste baiano. O universo da investigação compreende o grupo de 25 crianças com faixa etária entre 05 e 12 anos, de ambos os sexos. Os procedimentos técnicos de pesquisa qualificam esta enquanto pequisa-ação, de natureza qualitativa. Utilizou-se da observação participante e entrevista coletiva como instrumentos para coleta e análise de dados. O Tae-Kwon-Do legitimou-se como prática sócio-educativa de grande importância no processo de formação das crianças emergidas no estudo, já que seus ensinamentos filosóficos possibilitaram dentre outras, ações em sua comunidade de origem. A falta de gerenciamento e mobilização dos recursos destinados para a concretização do Projeto de Extensão Cultura Corporal na UNEB, por parte da estrutura da universidade em pauta, caracterizaram suas limitações. Para o fortalecimento das inter-relações entre universidade e comunidade, torna-se imprescindível uma reavaliação tanto dos setores administrativos, bem como dos recursos destinados para tal finalidade. Entretanto, estes empecilhos foram superados por meio dos esforços de docentes, discentes e principalmente por parte dos sujeitos sociais da Comunidade em evidência. Palavras- Chave: Tae-Kwon-Do, Educação, Universidade, Comunidade.

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ABSTRACT

This research was born out of experience in monitoring teaching Extension Project in UNEB Body Culture, held in 2009, through the Bachelor of Physical Education, State University of Bahia - UNEB, Campus II, Ba - Alagoinhas. This is a study that focused on the Tae-kwon-do and practical training extensionist socio-educational children's community of Honey Brook, located in the rural town of Alagoinhas, Bahia harsh. The research universe consists of the group of 25 children aged between 05 and 12 years, of both sexes. The technical procedures of this research qualify as action research, qualitative in nature. We used participant observation and press conference as tools for collecting and analyzing data. The Tae-Kwon-Do legitimized itself as a socio-educational practice of great importance in the formation of children emerged in the study, as their philosophical teachings allowed among others, shares in their home community. The lack of management and mobilization of resources for the realization of extension project in UNEB Body Culture by the structure of university staff, marked his limitations. The strengthening of inter-relationships between university and community, it is essential both a reassessment of administrative sectors, as well as resources for this purpose. However, these obstacles were overcome through the efforts of teachers, students, and especially by the social subjects of the Community in evidence. Keywords: Tae-Kwon-Do, Education, University, Community.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1

2 UNIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL...................................... 4

2.1 Práticas Extensionistas e Comunidade: A Cultura como modelo de Educação. ......................................................................................................... 5

3 ARTE MARCIAL ........................................................................................... 13

3.1 Tae-Kwon-Do: Da Arte e Cultura Marcial Coreana à Esporte Olímpico15

4 ESPORTE E CULTURA NA EDUCAÇÃO.................................................... 22

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................... 29

5.1 Lócus Da Pesquisa................................................................................... 30

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................ 32

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 45

REFERÊNCIAS................................................................................................ 47 APÊNDICE

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1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, gostaria de compartilhar a emoção de estar discutindo um

tema o qual considero relevante à prática da docência consciente de seu papel

social, e que perpassa barreiras impostas por um modelo tradicional de ensino,

cujo objetivo também deve ser o de expandir para além dos muros das

instituições de ensino, atentando-se, sobretudo para a dimensão da Cultura,

Esporte e Lazer, como modelos de educação dotados de um potencial

crescente, e em evidência.

Despertei meus interesses no campo da pesquisa relacionada à prática

social a partir da caminhada na Universidade do Estado da Bahia - UNEB,

quando, no ano de 2007 iniciei os estudos no curso de Licenciatura em

Educação Física, na cidade de Alagoinhas, interior do Estado da Bahia. Venho

da cidade de Feira de Santana, localizada a 120 km da capital Baiana, e a 85

de Alagoinhas, onde está situado o campus II da UNEB.

Nos primeiros semestres de vida acadêmica, me deslocava diariamente

de Feira de Santana para Alagoinhas, e foi neste trajeto de idas e vindas, que

pude perceber mais de perto as enormes disparidades que nos cercam nos

contexto sócio-econômico, e político. Faço referência não somente de uma

política partidária, mas também e principalmente, dentro de uma perspectiva

organizacional por parte dos próprios indivíduos sociais. Para chegar até a

universidade, percorria um trajeto de dois quilômetros a pé por uma

comunidade rural circunvizinha à UNEB, a qual me foi apresentada por amigos

do curso como Riacho do Mel.

Passados meses de andanças diárias, acabei por estabelecer contatos

com algumas pessoas, que curiosas com minha “presença” todos os dias em

sua comunidade, perguntaram-me o que tanto fazia com aquela mochila nas

costas para lá e para cá, sempre nos mesmos horários? No primeiro momento,

foi um susto para mim, pensei que estavam pouco amigáveis. Mas logo

percebi que havia me equivocado. Na verdade aquela atitude refletia o

comportamento daqueles que se conheciam uns aos outros e não podiam

deixar de saber a respeito de minha pessoa, já que de certa forma, passava a

fazer parte do cotidiano da comunidade. Nascia naquele momento uma relação

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amistosa, e de respeitabilidade mútua, que embora ainda não me tivesse sido

revelado, tratava-se de um importante capítulo de minha caminhada.

A partir de então, passei a refletir mais intensamente sobre meu papel

como cidadão e educador. Todos os dias em que caminhava pelo Riacho do

Mel, tentava buscar uma forma de estar contribuindo para com aquela

comunidade. Algo que propiciasse uma melhoria da qualidade de vida

daquelas pessoas era algo que precisava fazer. Carregava sempre comigo a

convicção de que ainda que uma ação tomada neste sentido pudesse ser

minimamente percebida, seria certamente o início de uma mudança positiva

para todos.

Ao amadurecer as discussões na área da Educação Física, considerada

como de intervenção social, passei a visualizar a Cultura Corporal

representada também nas modalidades esportivas, como possibilidade de se

estabelecer um diálogo entre universidade e comunidade. Em meio àquela

comunidade repleta de crianças, o Esporte encarado como instrumento

pedagógico, poderia estar atuando como elemento construtor de sonhos e de

mudanças, iniciadas, sobretudo, por meio do processo de inclusão social.

Em 2008, o Colegiado de Educação Física, sob a coordenação professor

Ubiratan Menezes, propôs a realização de um curso de extensão, o qual visava

a construção e desenvolvimento de atividades tanto para a comunidade

acadêmica, quanto para com a comunidade externa. Inicialmente este projeto

consistiu no oferecimento de modalidades esportivas e culturais a serem

ministradas por discentes do curso de Licenciatura em Educação Física do

Campus II da UNEB.

Logo me veio ao pensamento a possibilidade concreta de estar

inserindo a comunidade Riacho o mel em meio ao projeto. De imediato me

disponibilizei a pessoalmente levar a proposta de participação das crianças

daquela comunidade à pais, mães e responsáveis, como forma de inseri-las no

projeto por meio das modalidades oferecidas, e em particular, por meio do Tae-

Kwon-Do, modalidade olímpica.

Minha relação com os esportes iniciou-se desde quando criança. Cresci

vivenciando a prática do Tae-Kwon-Do na expressão do meu pai, o professor

faixa preta 3º Dan de Tae-Kwon-Do, Romão Roberto dos Santos.

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Atualmente sou faixa-preta 1º Dan de Tae-Kwon-Do, e não pude deixar

de pensar na possibilidade de trabalhar com esta prática junto às crianças da

comunidade Riacho do Mel, já que faz parte de minha própria formação

enquanto ser humano.

No primeiro semestre do ano de 2009, o projeto tomou forma e partiu

para sua realização. No mês de Maio daquele ano, iniciamos as atividades do

projeto o qual foi intitulado Cultura Corporal na UNEB. Este veio a oferecer

dentre suas modalidades, a oficina de Tae-Kwon-Do para crianças de 05 a 12

anos da comunidade Riacho do Mel, e contou com o apoio de pais e mães das

crianças, além da cooperação em dado momento, por parte da escola da

comunidade. As atividades se estenderam até dezembro do mesmo ano,

concluindo um ciclo de 08 meses de ações na comunidade referida.

Nestas perspectivas, a presente pesquisa se dirige ao encontro de

esclarecimentos a respeito da possibilidade de pedagogizar o Tae-Kwon-Do e

sua relação na educação de crianças da comunidade Riacho do Mel, sobretudo

com objetivo maior de analisar de participação do Tae-Kwon-Do na formação

sócio-educativa das crianças acompanhadas no estudo.

Torna-se relevante também, por angariar pontos chaves para

compreensão a cerca do contexto de aplicação das práticas extensionistas e

sua relação com a comunidade, viabilizando neste sentido o entendimento do

processo de formação destas práticas e sua legitimidade em meio ao processo

de educação.

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2 UNIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL

A Educação compreende uma temática bastante ampla e relevante para

se discutir e compreender o processo de formação do homem ao longo de sua

trajetória de vida, e certamente que devido ao seu grau de abrangência, esta

se coloca ou é quase sempre colocada, como objeto de estudo das ”linhas”

auto-intituladas pensantes.

É nas instituições de ensino, sendo mais comumente nas escolas e

universidades, que encontramos o espaço defendido como sendo de

apresentação e desenvolvimento dos vários conhecimentos que circundam a

existência humana. Apresentemos então, de forma mais específica, a

universidade, seus protagonistas, e colaboradores.

Em meio ao modelo de educação encontradas nas inúmeras unidades

de ensino superior brasileiras, nos deparamos com a face de uma realidade

que perpassa obstáculos diversos para alcance da sonhada consolidação de

um cenário onde se encontre o acolhimento das diversidades. Na maioria das

vezes, estes obstáculos são observados em ótica política, econômica, e ou

organizacional. Contudo, têm a possibilidade de serem minimizados a partir de

uma revisão de consciências a respeito do papel de cada sujeito que compõe a

sociedade. De acordo com Silva e Silva (2006):

Quem trabalha na universidade pública – professores, estudantes, funcionários - têm a consciência que a universidade pertence ao estado democrático de direito e deve obedecer as normas de convívio estabelecidas na constituição política. A universidade pública se define pelo seu âmbito estatal ou nada significa. No estado de direito, a vida das pessoas é regulada por leis, e não pelo arbítrio deste ou daquele dirigente político, setor social ou partido. Seu alvo é o de buscar o bem, a verdade, a beleza, em todos os aspectos da vida humana. Com as ciências, as artes, os serviços sociais, ela cumpre o papel de ajudar povo brasileiro na busca de uma vida digna, ética, bonita (SILVA E SILVA 2006, p.18).

Em consonância com a citação acima compreendemos que o núcleo da

universidade esta em conhecer o conhecimento, conhecer por que se quer

conhecer. Assim sendo, podemos chamar atenção pra juntos refletirmos o que

se pretende alcançar na esfera acadêmica, quando enfatizamos a formação de

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professores tendo em vista seu processo de formação como educadores.

Espera-se minimamente que após, e por que não pensar mesmo durante sua

graduação, estes indivíduos possam estar condizendo efetivamente com as

perspectivas as quais se propuseram a realizar na continuidade de suas vidas.

Falo então da responsabilidade e do amadurecimento de preceitos sociais que

os impulsionem cada vez mais, a busca de uma abordagem crítica sobre as

realidades em seu estorno, colocando-os prontamente na condição de sujeitos

capazes de intermediar e realizar mudanças para melhoria da qualidade de

vida das pessoas, sobretudo, conscientes que esta ação passa pela amplitude

da educação em sua dimensão macro. Para Santin (2003), se faz necessário

ultrapassar a retórica criticista e alcançar um patamar onde à universidade,

enfim, detenha claramente de sua posição dentro dos quadros do paradigma

social da comunidade, tornando-se necessário a reflexão de uma práxis eficaz.

2.1 Práticas Extensionistas e Comunidade: A Cultura como modelo de Educação.

A universidade se apresenta a partir da conseqüência natural de

contribuições dos elementos que compõe a sociedade. Logo, atender às

demandas da comunidade representa algo que a universidade deve contemplar

imparcialmente na formulação de suas ações, mesmo porque, caso se

portasse de maneira adversa assim, não estaria legitimando sua base de

existência: ensino, pesquisa e extensão.

Certamente que seria redundante mencionar a prática do ensino e da

pesquisa como de extrema relevância aos mecanismos que movem a

sociedade acadêmica, e de igual forma podemos sinalizar para as atividades

ligadas às praticas extensionistas. O fato é que nem sempre é creditada a

devida importância pra chamada extensão universitária, o que me leva a

indagar este conceito de união das diversidades por via do tripé de ensino,

pesquisa e extensão, visto que dentro do próprio ambiente acadêmico estes

valores são por hora esquecidos, não valorizados, ou mesmo colocados em

detrimento de outros.

Comungo as idéias de Santin (2003) quando este relata:

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É sobre o prisma da extensão como um esforço de reaproximação da universidade com a sociedade, que vamos encontrar a possibilidade de atuação no tempo livre, no lazer ou na recreação das pessoas. É certo que a universidade tem razão de ser no seu enraizamento com a comunidade. Os grandes avanços científicos e tecnológicos distanciaram a universidade das situações existenciais dos indivíduos e das comunidades. A extensão pode ser essa ponte que tenta reaproximá-las (SANTIN, 2003, p.159).

Neste sentido, creio que pensar a educação nas comunidades a partir de

práticas extensionistas, apresenta-se como ponto relevante em meio às

discussões que circundam a universidade e seu papel social, principalmente na

medida em que a podemos entendê-la como ativa na formação de pessoas e

conseqüentemente, influente em suas posturas e ações diante de suas

respectivas comunidade e da sociedade como um todo. Para Silva e Silva

(2006): A universidade forma indivíduos para as mais diversas áreas de pensamento. O universo humano é o seu horizonte. Ela serve às comunidades locais, no mesmo impulso que serve a comunidade nacional e internacional, e vice-versa. Toda universidade digna deste nome não se limita ao espaço de tempo e imediatez. Ela permite a passagem do singular ao universal e permite aos cidadãos de uma cidade perceberem seus problemas e esperança em nível cósmico (SILVA E SILVA, 2006, p.20).

Tenho razões para acreditar que uma das formas de se pensar esta ou

aquela situação, suas possibilidades e forma de acontecer, pode estar junto a

uma das mais simples e instigantes formas de se buscar respostas: a

curiosidade.

Junto ao desenvolvimento de práticas direcionadas a busca pelo

conhecimento, sejam estas embasadas em uma plataforma formal ou menos

conservadora a respeito do que é o Saber, algo se faz unânime quando se

discute os caminhos para tanto: é preciso não somente saber, isso não

impulsionaria o desenvolvimento de novas abordagens metodológicas, de

novas pedagogias, de métodos variados de ensino condizentes com

necessidades diversas de aprendizado. Para Freire (1996):

A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvendamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que

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7

sugere alerta faz parte do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos (FREIRE, 1996, p.20).

No Brasil, as desigualdades sociais estão expressas nas mais diversas

realidades e segmentos, o que nos aponta para um dado alarmante do ponto

de vista do desenvolvimento humano, principalmente quando precedidos de

ações assistencialistas encaradas como remédios capazes de “minimizá-las”,

tratando-as como se fossem patologias.

As Comunidades ditas em vulnerabilidade, realidade que infelizmente se

faz presente na maioria das grandes cidades brasileiras há décadas, refletem

seguramente uma parcela dos efeitos vividos por “todos” em nível de território

Nacional. Segundo Barreto (2003):

O tema da comunidade é recorrente no discurso governamental brasileiro desde a década de 1940, manifestando-se concretamente na política nacional através da adoção de campanhas de educação, como a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), as quais se voltavam dentre outros objetivos, para integração da população ao desenvolvimento econômico, através da educação das comunidades. (BARRETO, 2003, p. 21).

Podemos perceber então, que há algum tempo, uma onda de

interferências mediadas por sujeitos às margens das realidades as quais se

propuseram a interferir, vislumbra a adequação daquilo que não parece

“atrativo aos olhos”, para uma forma mais conveniente de se tratar as

problemáticas sociais, como se estas não pudessem enveredar para um

caminho outro, independente daquele ao qual as querem remeter.

Isto significa dizer que para além da necessidade de se promover ações

e intervenção junto às realidades diversas, é de vital importância que o

desenvolvimento deste processo contemple a integridade cultural construída

nesta ou naquela comunidade em foco, entendendo que se pode construir junto

e não simplesmente para. Reconhecer a dimensão dos limites existentes nas

comunidades de fato se faz preciso, e de forma ainda mais contundente, sente-

se a importância de se evidenciar e reconhecer o grau de representatividade de

suas culturas e capacidade de auto-superação.

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Podemos prosseguir com esta linha de pensamentos com a convicção

de que independentemente de uma tipologia específica, percebe-se a presença

de dado fenômeno que perpassa a vida das pessoas, e ele o faz em

simultaneidade. Suas possíveis interferências na expressão corporal são

acordadas concomitantemente às “transformações” por ele acarretadas no

corpo interiorizado, ou seja, em sua forma menos visível e igualmente relatada,

aquela constituída também por pensamentos, sentimentos, e crenças. Surge

então o termo Cultura.

De acordo com o pensamento de Neira e Nunes (2006), uma das

problemáticas que se encontra para a atribuição da terminologia cultura neste

ou naquele processo fenomenológico, se dá justamente em seu paradoxo. Ao

passo em que as ciências sociais almejam o fortalecimento de uma discussão

crítica acerca do tema, o mesmo é também evidenciado nos demais universos

com as mais distintas conotações, estas que vão desde uma concepção de

cultura voltada para as produções intelectuais e artísticas, até ao modo de vida

dos variados meios sociais, o que tende a propiciar discordâncias entre o uso

restrito, e uma definição científica mais sólida.Para Santin (2003):

A história da cultura nos mostra que o ser humano deve ser observado na ordem cultural, pois elas são construções históricas. A comunidade emerge a partir de um processo criativo, que é ao mesmo tempo autocriativo. Cada indivíduo traça sua fisionomia pela instauração de um sistema de significações, por meio do qual se constitui a compreensão de todas as coisas. É a partir deste sistema de significações que uma comunidade confere uma imagem a si mesma como um todo e, ao mesmo tempo, constrói um instrumento de compreensão e interpretação do mundo que a envolve (SANTIN 2003, p.150).

Evidencia-se a cultura também com base em uma perspectiva voltada

para o fortalecimento das expressões de dado grupo social em virtude do

acúmulo de suas experiências ao longo de seu processo de desenvolvimento.

Tal ocorrência reflete às semelhanças e divergências de olhares e significações

a cerca dos diversos acontecimentos em seu contexto social. Para Neira e

Nunes (2006):

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De certo modo, somente pela noção de cultura poderemos pensar a humanidade em sua diversidade além dos termos biológicos. Se toda a espécie humana possui a mesma estrutura biologia básica – ossos, músculos, articulações, enfim, os diversos sistemas de funcionamento do corpo humano -, as diferenças que ocorrem entre as pessoas são proporcionadas pelas suas opções culturais, pelo modo que cada indivíduo ou grupo social enfrentou e resolveu historicamente seus problemas. Por conseguinte, a discussão sobre o tema cultura passa a ser então, uma possibilidade para argumentar sobre o comportamento humano (NEIRA E NUNES 2006, p.20).

Este pensamento tende por fortalecer a idéia de que o posicionamento

do homem frente a suas necessidades e disparidades precede de uma

formação, de uma base incentivadora que o impulsione a optar por este ou

aquele método de resolução, que o possibilite melhoras, seja lá em qual for a

situação em que se encontra.

Logo, podemos conceber este processo de formação, também através

da cultura - legitimada por meio também da expressão corporal - como um

modelo de educação em potencial, visto o alcance de suas atribuições. Segue

então a proposta de um modelo de educar embasado na então chamada

cultura corporal do movimento.

Certamente que ao nos depararmos com uma abordagem “nova” para

com o exercício da prática educativa, devemos inicialmente delinear estratégias

metodológicas de como fazer esta acontecer de fato.

Para Freire e Scaglia (2003), a busca pelo conhecimento e suas formas

de representação, pode ser interpretada a partir da “decodificação” a cerca do

corpo humano. Segundo estes, ao passo que pode significar um montante

expressivo na elaboração e desenvolvimento de uma didática embasada na

cultura corporal do movimento, o corpo passa a ganhar uma conotação

educativa.

Para além destas, se faz imprescindível o direcionarmos de olhares

também para o meio natural, para o “mundo”, visto que não existam

conhecimentos que sejam adquiridos de outra forma a não ser pela dialética

entre o sujeito e o lócus onde atua, assim, corpo e meio ambiente passam a

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conter, e estarem contidos, um ao outro, fazendo com que a sistematização

teórico-prática da abordagem educativa, alcance ares de unicidade.

2.2 O corpo, suas significações e resignificações

Para além da materialização de um organismo vivo, o corpo traz consigo

a capacidade de decodificação das variáveis impostas aos indivíduos sociais

por circunstâncias diversas, e realiza isso através de uma linguagem não

verbalizada, o que também podemos chamar de expressão corporal, ainda que

a encontremos por vezes de forma proposital ou mesmo inconsciente. Para

Soares (2004): As múltiplas faces das dobras visíveis do tempo são reveladas materialmente na arquitetura, no urbanismo, nos utensílios, no maquinário, na alimentação, no vestuário, nos objetos, mas, sobretudo no corpo. Ele é inscrição que se move e cada gesto aprendido e internalizado, revela trechos da história da sociedade a que pertence. Sua materialidade concentra e expõe códigos, práticas, instrumentos, repressões e liberdades (SOARES, 2004, p.109).

As faces que o tempo cria e que por vezes recebem interpretações

diversas no meio social perpassam aos acontecimentos históricos, e ou marcos

socais, antes são carregados na expressão de cada individuo ou grupo social

que se faz emergido neste tempo, e de forma (in) ou consciente o exterioriza

através de seus próprios corpos.

Ainda segundo esta autora, podemos atribuir às diversas formas de

representações sociais existentes - as quais por ventura se fazem por meio da

expressão corporal - às influências de fatores externos e ativos no cotidiano de

seus respectivos corpos, os quais se relacionam em conectividade com

elementos culturais que se identificam. Neste sentido, a participação de

agentes externos na construção e desenvolvimento de uma formação

identitária por entre indivíduos de um mesmo grupo, assim como de grupos

sociais distintos, tem se tornado uma prática por vezes pouco perceptível,

porém comumente ativas junto às comunidades.

Para Sant’Anna in Zabalza (2004):

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As cidades revelam os corpos de seus moradores. Mais do que isso elas afetam os corpos que as constroem e guardam, em seu modo de ser e de aparecer os traços dessa afecção. Há um trânsito ininterrupto entre os corpos e o espaço urbano, há um prolongamento infinito e, em via dupla, entre o gesto humano e a marca “em concreto” de suas ambições e de seus receios (ZABALZA, 2004, p.110).

Considerando a reflexão acima, ao nos remetermos a uma sociedade

onde os corpos e as formas comportamentais são influenciados por diversos

fatores e especial de convívio citadino, podemos também entender que em

proporções menores, como em uma comunidade, por exemplo, estas

ocorrências se fazem presentes e intervenientes de maneira semelhante,

aproximando-se singularmente do ponto agora em questão: o corpo como

marca de culturas e transformações.

É neste sentido que chamo atenção para a legitimação das práticas

corporais como elementos potencializadores junto ao processo de educação

em comunidades, sendo que majoritariamente se preserva a identidade desta,

acrescentando-lhe, todavia, novos olhares e perspectivas de interferência e

sintonias com o mundo natural, geográfico, com o outro, e consigo próprio.

Em relação às interferências externas as quais foram apontadas, me

parece conveniente atribuí-las uma nomenclatura, um código pelo qual

podemos pensar o valor de sua presença na formação interna do sujeito e

expressão externa de seu corpo, penso que a estas podemos chamar Cultura.

O processo educacional acontece de forma simples e espontânea

quando gerida de igual forma. Mas, se acaso, apresentar-se moldada por uma

ou outra intervenção fundada em propósitos particulares, apenas desconstrói,

faz retroagir. Entretanto, aquilo que um dia fora “posto de pé”, por meio de um

mecanismo coeso e fidedigno aos preceitos de uma verdadeira educação, não

se dar por satisfeito quando a ele se apresenta preceitos estáticos, este não se

acomoda, antes segue seu rumo natural, o novo. Para Brandão (1986):

A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras intervenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras de trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo

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precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a cada um de seus sujeitos, através de trocas com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo social, onde a própria educação habita, e desde onde ajudar a explicar de geração em geração, a necessidade da existência, de sua ordem (BRANDÃO, 1986, p.10).

Ao ser evidenciada em suas múltiplas faces, a educação apresenta-se

com nitidez na formação de pensamentos, idéias e anseios na sociedade. Logo

deve merecidamente ser reconhecida como parte imprescindível do processo

de construção do homem em meio à diversidade de suas representações.

Ainda de acordo com Brandão (1986):

Vista em seu vôo mais livre, a educação é uma fração da experiência endoculturativa. Ela aparece sempre que há relações entre pessoas e intenções de ensinar-aprender. Intenções, por exemplo, de aos poucos “modelar” a criança para conduzi-la a ser o “modelo” social de adolescentes, e ao adolescente, para torná-lo mais adiante um jovem, e, depois um adulto. Todos os povos sempre traduzem de alguma maneira esta lenta transformação que a aquisição do saber deve operar. Ajudar a crescer orientar a maturação, transformar em, tornar capaz, trabalhar sobre, domar, polir, criar, como um sujeito social, a obra, de que o homem natural é a matéria-prima (BRANDÃO, 1986, p.24).

Assim, pode-se afirmar que muito se vêm atentando pra um modelo

educacional que em partes transcende para com o método tradicional de se

conceber Educação. Ao invés de apenas lápis, cadernos e borrachas –

reconhecendo aqui a importância de suas presenças no processo educativo –

não se pode negar a relevância de elementos “vivos” na e da realidade

humana. Estes, que no momento nos vem à “luz” da cultura, que aliás tem se

mostrado um elemento relevante no processo de compreensão formativa de

cada indivíduo nas distintas fases de seu amadurecimento, estando

expressados das mais distintas formas, e singularmente por meio do corpo, e

logo por que não dizer, da cultura corporal, devem ser reconhecidos enquanto

protagonistas conjuntos da ação educativa.

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3 ARTE MARCIAL

Neste momento, aponto para pontos os quais considero relevantes para

que tenhamos uma melhor compreensão acerca das artes marciais, tais como

os primórdios de sua criação, as diferentes conotações atribuídas para estas

levando-se em consideração suas raízes culturais, sua filosofia e princípios,

atentando-me de maneira particular para o Tae-Kwon-Do, arte marcial focada

neste estudo.

As artes marciais encontram-se emergidas na história da humanidade

desde sua gênesis. Inicialmente, ainda que de forma primária, estas já se

faziam presentes unicamente como meio de autodefesa. A afirmação de tais

práticas podem vir a ser comprovadas ao longo dos tempos através de

descobertas de sítios arqueológicos espalhados nas mais diversas zonas

geográficas.

Para Cardia (2007), a essência de criação das artes marciais vem da

necessidade do homem em potencializar seu poder de caça, seguida logo, pela

conquista de território que possibilitasse condições melhores de sobrevivência,

como aqueles com proximidades às nascentes de água, e ou com maior

potencial agrícola, além de outros.

Nos colocando em meio a Grécia Antiga, podemos perceber a

exteriorização de uma “nova” concepção de “arte marcial”. Se anteriormente se

buscava a sobrevivência, sendo que pra isto se fazia uso do corpo e artefatos

outros, agora se pensa em promoção e combates totalmente as margens dos

propósitos das artes marciais quando em seu início, desta vez se prioriza o que

fora então chamado de Espetáculo, e procedia em meio ao Coliseu, o primeiro

anfiteatro romano.

Nesta passagem histórica, fica logo evidente uma mudança de conceitos

e ideais referentes à utilização do corpo enquanto instrumento capaz de

suscitar golpes contra um suposto oponente. Agora, àqueles que lutavam entre

si, nos espetáculos acontecidos no coliseu, era atribuído a denominação de

Gladiadores. Segundo Cardia (2007):

Os gladiadores eram na maioria prisioneiros de guerra, escravos, ladrões, cristãos, e todos aqueles que se opunham contra as leis do império. Havia escolas especiais para seu

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14

treinamento, onde eram constantemente vigiados e exercitados na arte de matar. Usavam como armas: tridentes, escudos, capacetes, gládios, e pesadas redes para envolver o inimigo. As maiores atrações eram as lutas corpo-a-corpo entre pessoas e animais ferozes, além das corridas de carros, puxados por cavalos e um auringa (condutor), que dirigia de pé (CARDIA, 2007, p.14).

A utilização de movimentos das artes marciais em sua pluralidade de

golpes de ataque e defesa por sua vez, nunca foram antes mencionadas de

forma antagônica aos ideais filosóficos de suas respectivas culturas. Quem

prática alguma modalidade de arte marcial não a faz de maneira

indiscriminada, antes, sobretudo, lança mão da filosofia de sua arte como meio

de vencer uma luta interior, onde o mais difícil a ser vencido é o próprio “eu”.

Além disto, quando é retratada na citação anterior a lutas com animais, da

forma como eram realizadas, apenas fortalecem uma idéia de agressão à vida

selvagem. As maiorias dos movimentos encontrados nas artes marciais surgem

da observação do homem para com a Natureza, e esta relação, ao menos para

os verdadeiros praticantes, deve sempre se valer de forma harmoniosa e

equilibrada.

Para Cardia (2007), a arte marcial pode ser relacionada com o caminho

para o mundo interior, sendo este o trajeto que seu praticante deverá percorrer

para encontrar o equilíbrio mental e espiritual que busca, sendo possível o seu

alcance apenas por meio da harmonização com a Natureza e o meio Social.

Por se tratar de uma prática que objetiva também o desenvolvimento de

habilidades técnicas para o combate, não se pode negar aqui, a inquestionável

busca por aprimoramentos técnicos. Contudo, é na presença e aplicação da

filosofia, implícita no “mundo” das artes marciais, que podemos apontar um

diferencial inigualável do ponto de vista dos preceitos que fizeram emergir tais

técnicas. Não basta saber, é preciso saber quando aplicar. Passamos então a

desmitificar que mera representação corporal que apresente golpes de artes

marciais, venha à representá-la de forma satisfatória.

É com base nestas perspectivas que relata Cardia (2007):

Então, arte marcial, nunca poderia ser somente uma arte de luta com socos e pontapés como escutamos corriqueiramente.

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15

É, na verdade, a transformação do indivíduo através de uma prática de combate que contem princípios filosóficos e religiosos, a qual conduz o praticante em direção à sabedoria e à consciência plena de seus atos, ocupando o seu real espaço social, onde os direitos e deveres de cada um devem ser preservados (CARDIA, 2007, p.37).

O praticante de artes marciais, no decorrer de seus aprendizados a

cerca da arte que pratica o que na verdade acontece de forma contínua ao

longo de sua existência, passa a interiorizar muitos dos preceitos defendidos

em sua filosofia. A partir do sumo conseqüente de suas reflexões ao longo da

vida, lhe é ofertada uma base que o possibilita dialogar com o mundo externo

de maneira singular, onde os movimentos e técnicas assimiladas devem

resignificar o modelo de vida compreendido anteriormente ao início de sua

caminhada marcial.

3.1 Tae-Kwon-Do: Da Arte e Cultura Marcial Coreana à Esporte Olímpico

De origem coreana, o Tae-Kwon-Do acompanha a história do povo

coreano há mais de 2.000 anos, quando ainda a coréia estava dividida em três

reinos: Koguryo, Paekche, Silla. Tae (Pés), Kwon (mãos) e Do (caminho). A

palavra significa literalmente, o caminho dos pés e das mãos através da mente.

De acordo com Cardia (2007), muito antes de surgir o primeiro reino

coreano, os homens já destinavam práticas de movimentos corporais e mentais

como forma de autodefesa, sejam contra seus adversários, ou mesmo animais

selvagens. Com o desenvolvimento da tecnologia e todo o aparato de guerra,

as técnicas de combate corporal não podiam deixar de serem repassadas. Este

comportamento propiciou o aparecimento de inúmeras formas de artes

marciais, como também foi o caso do Tae-Kwon-Do,

Silla, então um dos três reinos da Coréia, e por sua vez o menor e mais

vulnerável, vinha sendo constantemente invadido por seus adversários, o que

provocou um movimento de revolta por entre seus moradores, e este foi

literalmente o pontapé inicial para o começo de uma cultura que perpassaria

gerações ao redor do mundo, o Tae-Kwon-Do. Segundo Cardia (2007):

Certo dia, Chinghung Wang, vigésimo quarto rei de Silla, convocou integrantes de berço nobre esmerada educação

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familiar para formarem uma tropa de elite e defender seu povo e suas terras, chegando a atingir jovens de até 14 anos. Criou-se então um corpo de oficiais de elite denominado Hwarang (irmão maior), que seria responsável pela defesa e proteção do reino. Concentrando-se arduamente na tarefa de defender Silla, e unificar a península, essa tropa guerreira, além do treinamento militar normal, recebia complemento com manejo de lança, arco e flecha, espada, faca, bastão, e estudavam os textos da “Arte da Guerra” escritos por Sun Tzu. Seus treinamentos consistiam na dura pena de nadar em meses frios nos rios turbulentos e escalar montanhas escarpadas. Todo este sacrifício com fim de aprimorar o físico e o mental (CARDIA, 2007, p.49).

Ainda segundo este autor, os Hwarangs, além de dominarem com

maestria vários tipos de armas da época, direcionavam treinamentos

específicos à luta corpo-a-corpo. Este grupo defendia o código de honra regido

por cinco itens: Obediência ao Rei, Respeito para com os pais, Lealdade para

com os amigos, Nunca recuar ante o inimigo, e Somente matar quando não

houver alternativa. Este código também abriu precedente para a criação do

juramento do Tae-Kwon-Do, que todo Taekwondoin deve interiorizar e aplicá-

los em sua vida, a saber: Observar as regras do Tae-Kwon-Do; Respeitar o

instrutor e seus superiores; Nunca fazer mau uso do Tae-Kwon-Do; Construir

um mundo mais pacífico; Ser campeão da liberdade e da Justiça.

Ainda que emergidos em um contexto de guerra, este grupo defendia

ideais de amor e respeito, apresentando desta forma o propósito extremo de

sua formação, a qual se fez voltada para os padrões éticos e morais da

sociedade, na medida que valores humanos foram ressaltados como forma de

não banalização da violência. Segundo Cárdia(2007), seu código de honra era

definido como “O caminho da Honra e do Bem”, baseando-se no zen budismo,

e no confucionismo proporcionados pelo monge budista Wong Wang.

O grande destaque para este acontecimento na história da Coréia

surge tanto do intuito do rei para com seu povo, como também do povo pra si

próprio. O que se fez acontecer em Silla naquele momento de sua história,

revela a realidade de muitos “reinos” na atualidade, que, se vendo

constantemente “invadidos”, não tem ou ao menos não buscam recorrer de

suas forças enquanto sociedade civil para no enfrentamento das mais adversas

realidades. O mais intrigante, é que nem se precisa de adversários externos

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17

pra isso, em alguns casos, os maiores responsáveis pelo não desenvolvimento

do “reino” são os próprios reinados.

Outro ponto tão relevante quanto, e que necessita de ser abordado,

acontece quando podemos perceber a cultura local como sendo uma das

formas encontradas por seu povo para lutar e defender seus ideais deforma

sistemática e organizada. As bases de uma sociedade devem estar embasadas

em seu povo, em sua gente, naqueles que as constroem, e reconstroem ao

longo dos tempos. A cultura simbolizada em Silla através do Tae-Kwon-Do

reflete a parcela significativa de força em uma nação quando se põe em

evidência sua tradição, sua cultura, enfim, suas raízes formadoras, que por vez

não podem se fazer tímidas nem tão pouco passivas. É ela quem faz renovar a

face de uma sociedade oprimida, marginalizada, e em muitas vezes - e me

parece não ser difícil pensar - esquecidas pelo poder público.

Podemos observar um pouco da importância de se preservar as raízes

culturais de um segmento social, seja para qual for a especificidade, quando

analisamos aquilo que nos mostra Cardia (2007):

É fato que a Coréia, tendo sido invadida e ocupada pela Japão no período de 1909 a 1945, teve sua cultura totalmente paralisada e todas as formas de treinamento com fins marciais foram proibidas, mas felizmente Mestre como Song do Ki e Han Il Dong decidiram-se manter a arte viva, ariscando-se ao ensinar secretamente o TaeKkyon nesses trinta e seis anos de lamento.Os Monges da seita Do Ro também fizeram a sua parte ensinando as pessoas nas montanhas (CARDIA (2007,p. 50).

Logo, pode-se afirmar a importância da preservação da cultura local,

assim como também a de proporcionar sua passagem de geração à geração,

fazendo com que a identidade cultural esteja interiorizada nos diferentes

segmentos sociais, sejam eles de caráter político, e ou ideológico, e mesmo

religiosos. Justamente por se defender a concepção de uma cultura

verdadeiramente “enraizada”, é que as tradições tornam-se preceitos

largamente valorosos.

Atualmente o Tae-Kwon-Do também possui uma linha esportiva,

situação esta que lhe confere o reconhecimento como um dos esportes

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18

olímpicos de combate mais praticados no mundo, já se fazendo presente em

mais de 150 Países. Para Cardia (2007): Competições, principalmente as de Kyorugi (luta), ganham mais enfoque no esporte, talvez por ser mais próximo da realidade. Lutadores testam seu verdadeiro potencial competitivo colocam em prática o que aprenderam em aula, na necessariamente tudo, mas uma pequena parte, pois as regras são bastante limitadas (CARDIA, 2007, p.126).

Estas competições também fazem que alguns princípios filosóficos

encontrados no Tae-Kwon-Do possam ser expressos, o que de fato nem

sempre acontece. Isso se faz por conta de um modelo de competição que

perpassa alguns valores das artes marciais. No universo marcial não é preciso

ser melhor que o outro, mas, precisa-se do outro para ser melhor. O resultado

de uma prática de treinamento somente se faz possível de acontecer, a partir

de quando “eu” posso lançar mão da campainha de alguém pra treinar as

habilidades marciais, caso contrário, não existe aprimoramento técnico, seja de

ataque, ou, e principalmente de defesa.

No entanto, o fato de competir não quer dizer que não se esteja

contemplando a filosofia das artes marciais, mas, se faz imprescindível

estabelecer em meio as competidores, um grau de consciência referente à sua

postura diante das competições, de forma a fazer que estes se reconheçam na

condição de praticantes de uma filosofia, o que na verdade simboliza com

maior propriedade o conceito das artes marciais em geral. O próprio Espírito do

Tae-Kwon-Do, que de acordo com Cárdia (2007) defende ideais como

Cortesia, Integridade, Perseverança, Autocontrole, e Espírito Indomável, trata

de educar o seu praticante neste sentido.

As duas principais práticas de competição para o Tae-Kwon-do

envolvem o Kyorugi, e o Poomsae. De acordo com Cardia (2007), o Kyorugi,

que se estabelece no combate corpo-a-corpo tradicional, e se constitui em uma

prática relevante para o competidor aplicar sua habilidade contra um oponente,

aparentemente com seu mesmo nível técnico. O tempo destinado à luta e as

quantidades de rounds estão de acordo com a graduação, idade, e sexo dos

competidores.

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19

Enquanto ao poonsae, este representa uma luta contra um adversário

imaginário. Os movimentos devem demonstrar técnica e um controle de

aplicação de tempo e força em sua aplicação. Comumente utilizados para o

aprimoramento técnico em aulas em academias.

Certamente que existe uma diferença significativa entre esporte e arte

marcial. Estas diferenças podem vir a ser minimizadas, desde quando

orientadas por um professor formado nas tradições marciais, o que não

permitirá tal distanciamento.

Para ser um bom competidor, antes de tudo é preciso ser um artista

marcial, empenhado no cumprimento dos ensinamentos que lhe foram

passados, sendo que a base desta importância consiste na criação de atletas

conscientes de suas ações, e respeitosos para com o outro, principalmente no

que diz respeito à sua integridade física, afinal estamos falando de deferir

golpes em seres humanos, onde certamente é necessário que se tenha a

responsabilidade para com que intensidade aplicá-los, sem, contudo causa-

lhes grandes transtornos.

A aplicação consciente da técnica, independente de qual situação

encontra-se o Taekwondoin (praticante de Tae-Kwon-do), é que revela os

verdadeiros preceitos desta arte.Para Cardia (2007):

Para a maioria, o Tae-Kwon-Do é apenas um esporte, mas para nós, ele ultrapassa esse velho rótulo. É um caminho que nos faz acreditar no ser humano; é perceber que somos tão importantes quanto qualquer outra forma de vida e que viver em sociedade é saber respeitar pra ser respeitado, acreditando que com essa filosofia teremos um futuro bem melhor. (CARDIA, 2007, p.136).

Quando abordamos o esporte com vista à competição, ao rendimento,

algumas problemáticas surgem em meio a este processo. Independente da

modalidade, algo parece ser unânime por entre os competidores: todos querem

ganhar. Contudo, os mesmos preceitos podem ganhar uma conotação outra,

na medida em que a competição abre espaço para valores como respeito,

disciplina, lealdade, e cooperação, ocasionando assim um modelo de prática

competitiva que direciona o praticante à busca de auto-superação como vitória

prima.

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20

Por tratarem de representações de elementos da cultura oriental, e que

trazem consigo enquanto herança cultural uma aproximação com uma

perspectiva de vida fortalecida na filosofia, as artes marciais, naturalmente

quando bem instruídas, tem o poder de oferecer aos seus praticantes uma

perspectiva diferenciada do que é competir.

No Tae-Kwon-Do esportivo, também se encontra um juramento feito por

seus competidores como forma de elevar os princípios éticos de competição

defendidos pela arte, que segundo Cárdia (2007) expressa: Eu prometo:

Respeitar o regulamento da competição; Respeitar meus adversários;

Respeitar árbitros e meus superiores; Competir com lealdade; Ser humilde na

vitória e paciente na derrota.

Parece então que é preciso um equilíbrio interior para se alcançar com

eficácia os preceitos destas artes no esporte. A prática e uma arte marcial, que

possui em sua extensão uma versão esportiva de sua aplicação na vida de

seus praticantes, ao menos àqueles que optam em competir, pode sim ser

equilibrada, e isso pode ser feito por meio de uma disciplina de consciências e

fortalecimentos filosóficos. Esta busca advém principalmente da interiorização

marcial feita por seus estudantes, compreendendo o valor sua energia interior,

o Kihap, na filosofia oriental.

Para Cardia (2007), um dos modelos de atingir tal meta á por meio da

mediação, pois esta regula o fluxo do Kihap no organismo, equilibrando todo o

sistema de uma forma tranqüila e correta, tendo como objetivo atingir o

equilíbrio interior, reduzir a ansiedade, equilibrar a respiração, obter clareza

mental, paciência, além do descanso físico e emocional, repondo desta forma

as energias do corpo, tornando seu praticante mais forte, e com a mente mais

objetiva.

Entre os conhecimentos depreendidos entre pelo Tae-Kwon-Do com

perspectivas de arte marcial, assim como de esporte olímpico, podemos

entender com base nas abordagens apresentadas, que embora sua prática se

apresente possível de ser direcionada a duas linhas distintas - a marcial e

esportiva - se percebe claramente a valorização dos conhecimentos de base e

filosofia marcial em suas ações, o que pode ser entendido aqui como forma de

exteriorização de um modelo cultural que perpassa gerações e visões diversas,

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21

sem, contudo, perder de vista seu caráter e responsabilidade para com a

preservação de suas raízes culturais.

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22

4 ESPORTE E CULTURA NA EDUCAÇÃO

Atualmente, os esportes encontram-se disseminados nos vários

contextos sociais da sociedade globalizada. Certamente que o conhecimento

de dados preceitos podem nos conferir algumas visões acerca deste fenômeno

no dia-a-dia, sendo que, mesmo quando não praticantes desta ou daquela

modalidade esportiva em específico, nos vemos por hora emergidos neste

frenético sistema, sobretudo, por meio dos vários veículos de comunicação e

mídia.

Ao considerarmos a história do Esporte, nos remetemos à cultura Grega,

a qual fez popularizar as práticas deste fenômeno em todo o cenário mundial.

O povo Grego transpôs séculos na defesa e preceitos de formulações as quais

vislumbravam desde aspectos de cunho sócio, político e religioso, ao

movimento de afirmação e superação das valências corporais, da beleza, da

conquista da força física, assim como do desenvolvimento das habilidades

mentais.

Com base nestes resgates podemos entender a estética e o intelecto

como pontos chave para este seguimento cultural - ao menos no começo de

suas reflexões e os conceitos a cerca do movimento corporal sistematizado -

ao qual atualmente denomina-se dentre outros, Esporte.

Para Bracht (2002), ao se abster de uma visão de esporte de acordo

com os parâmetros atuais, pode-se entender que, em todas as culturas ele

sempre existiu, atualizando-se aos diferentes contextos e momentos históricos

caracterizados nas respectivas realidades ao longo de sua existência. É neste

sentido que direcionar forças para entender a representação do esporte em

nosso modelo de sociedade atual, vem a representar um ponto investigativo

relevante para seu valor na sociedade.

De acordo com Tubino (1999), o termo esporte, como o conhecemos,

nasceu no século XV, quando então marinheiros utilizavam as expressões

“fazer esporte”, desportar-se, ou “sair do porto”, para assim explicar as

atividades que desenvolviam nos momentos livres, como forma de

passatempos.

Em sua fase de desenvolvimento e disseminação global, a visão

encarada pelos críticos, expressava o empareamento do Esporte com a

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23

população de uma forma geral. Na verdade, esta questão precedia às

indagações a respeito de como o esporte - algo com dimensões inimagináveis

pra época - poderia vir a contribuir para com o modelo de sociedade idealizado

pela maioria populacional.

Até este momento, o esporte se apresentava na grande maioria das

vezes como modelo de uma prática competitiva, sendo praticado por indivíduos

que apresentavam um corpo avantajado para o desenvolvimento de certas

modalidades, onde a força limitava a participação de muitos, ou que

desfrutasse de uma habilidade técnica que lhe possibilitasse um título.

Passadas algumas reformulações de conceitualização dos esportes na

sociedade, aqui entendido como sinônimo de expressão corporal, torna-se

perceptível o aumento das discussões propostas como formas de se legitimar

seu alcance a todas as parcelas populacionais, não se fazendo específico para

quem detém desta ou aquela qualidade, ou não qualidade, e sim, acessível,

pura e simplesmente à todos.

Para se analisar as implicações sociais sinalizada pelo esporte, as quais

devem ser interpretadas historicamente como modelos construídos em dada

cultura, e em sociedades diversas, é preciso levar em consideração em que

base foram erguidas as identidades de cada segmento populacional.

Podemos estender o alcance desta mesma afirmação enquanto

instrumento relevante para que abordemos as significações e contradições

encontradas em nossas discussões a respeito do esporte, principalmente na

medida em que podemos considerar este como produto de realidades na qual

se encontra, passando a ser entendido enquanto elemento de sua própria

Cultura.

Segundo Tubino (1999), a Cultura é uma expressão que advêm do latim

(colere), significando cultivar, e que somente posteriormente os romanos

creditaram outra conotação, a qual veio a ser relacionada com a educação

voltada para as artes, filosofia, e às ciências.

Independente da atmosfera onde este termo possa ter sido idealizado, o

fato é que o Esporte passou por uma série de profundas transformações

sociais até aos dias atuais, representando um dos temas mais relevantes para

a história da humanidade. Podemos afirmar que centenas de povos espalhados

por todo o mundo, passaram por momentos sublimes de sua formação, onde

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24

um movimento em comum, embora analisados sob óticas diferentes, se fez

presente e responsável por parte dos encaminhamentos dados à consolidação

deste ou daquele povo. Podemos conceber também, que a cultura contribui

significativamente para a estruturação de comunidades em suas diversidades,

embora coexistam em regiões geograficamente próximas, ou distantes

demasiadamente.

Toda e qualquer comunidade detém de uma identidade própria, e esta

não pode se deixar fazer despercebida diante de sua sociedade, assim como

os indivíduos que nelas se inserem devem possuir o mínimo de consciência

sobre suas origens, sobre a base cultural singular emergida de seu espaço de

convivência, e da importância de sua preservação e respeitabilidade. Para

entender como o esporte se inseriu e como se dá sua prática considerando

suas dimensões sociais, é necessário entendê-la do ponto de vista da

comunidade onde esta se faz atuante. Para Tubino (1999): Um estudo que se propõe a abordar um em fenômeno qualquer numa perspectiva cultural tem que necessariamente considerar a história da civilização no seu conteúdo, pois desta forma não estará desprezando o homem na sua evolução, na qual foi capaz de criar esta civilização (TUBINO, 1999, p. 67).

É também neste sentido que Tubino (2001) destaca o esporte como

sendo possibilitador de discussões que se encerram socialmente relevantes, se

fazendo assim dignos de estudos sociológicos direcionados ao seu grau de

participação na construção social, visto o grau de relevância ao estar sendo

apontado como um dos fenômenos marcante no final do século XX, e

promessa de crescimentos e resignificações sócio-políticas em meio ao

presente século.

Com este embasamento é que foram então idealizados alguns modelos

de lhe dar com o esporte dentro de uma concepção que não vislumbrasse

apenas o desempenho técnico, mas, que abrangesse a sociedade de forma

mais significativa, lhe conferindo melhorias do ponto de vista social.

Com base nestas perspectivas, buscou-se então a criação de uma

política de expansão do esporte, algo que o mediasse de forma mais

contemplativa à sociedade.

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25

Assim, agora a partir de uma nova formulação, o esporte passa a ser

ampliado também para aqueles sujeitos que por um ou outro motivo não

querem se remeter à disputa por medalhas unicamente, visam apenas

temáticas referentes ao bem estar social, a diversão, o lazer. Surgem então

manifestações que passam a ser compreendidas como as dimensões sociais

do esporte, a saber: o esporte educação, esporte participação, e esporte

desempenho, com vista à democratização de acesso deste elemento da cultura

e expressão corporal.

Em conformidade com a discussão aqui apresentada, sinalizamos para o

Esporte em uma perspectiva macro, onde sua inserção na vida societal, suas

problemáticas e resoluções tornem-se perceptíveis. Também com base nestes

aspectos, são realizadas abordagens referentes à democratização dos

esportes e das práticas esportivas à sociedade, e em uniformidade. Para Proni

e Lucena (2002):

O problema da democratização do esporte, hoje, deve ser compreendido em sua ambigüidade. A massificação do esporte não implica necessariamente sua democratização. Não são poucos os regimes autoritários, ou mesmo ditatoriais que têm massificado a prática esportiva, isso sem, contudo democratizar, no sentido de possibilitar às minorias (idosos, deficientes, etc.) efetiva participação. (PRONI; LUCENA 2002, p.13)

A partir do momento em que determinada prática esportiva passa a ser

incorporada pelas vivências de um grupo social, esta tende a ser resignificada

pelos mesmos, tornando-se inclusive como inesgotável fonte de expressão

corporal. Ainda que por meio de uma linguagem não verbalizada, tal prática

tende a propiciar mudanças de olhares e posturas nos próprios indivíduos

sociais, seja com relação à reorganização do espaço em seu entorno, e das

suas formas de relacionar-se consigo mesmo, e com seus semelhantes, o que

parece valer substancialmente o processo de mudanças sociais.

O fato de abordarmos uma política de bem estar social, e que para tanto

lança mão do esporte em suas várias representações, nos permite identificar

situações que em hora parece apresentar-se favorável, noutras nem tanto. O

esporte por si mesmo não basta como solução às mazelas sociais existentes,

Page 35: Ramon Sena

26

antes é preciso dialogar com os universos variados, considerando as causas e

conseqüências de maior e ou menor impacto.

Para Tubino (2001), aí se encontra uma das evidências equivocadas de

como se pensar o esporte. Certamente, em momento algum se deve entender

o esporte como um fenômeno às margens das questões sócio, políticas e

culturais que envolvem a sociedade como um todo. Logo, para este:

A ação do estado, no sentido do bem estar social, utilizando o esporte como meio, deve compreender programas relacionados à educação, saúde, seguro-desemprego, terceira idade, infância em situação de carência e abandono, e outras áreas de problemas sociais agravados, devendo sempre atuar nas causas, conseqüências e segurança (TUBINO, 2001, p. 24).

De acordo com a possibilidade das melhorias sociais levantadas, e ao

se apontar o esporte com elemento capaz de promovê-las, também se faz

necessária a oferta de uma prática esportiva livre de preceitos e estereótipos

conservadoristas.

A partir da prerrogativa de democratização do esporte, fazendo valer

todo o sentido desta palavra, é que deveremos encaminhar a sociedade à

consciência de sua autonomia a cerca da prática esportiva, conquistando como

conseqüência deste processo o experimento ampliado das infindas

possibilidades de se conceber tais práticas, o que conseqüentemente

possibilitaria a abertura de diálogos às novas problemáticas, novos

pensamentos. Neste sentido nos apoiamos em Tubino (2001) que diz: Democratizar o esporte é assegurar a igualdade de acesso à prática esportiva para todas as pessoas. Desse modo, percebe-se que a utilização do esporte como meio de democratização, será sempre uma conseqüência da amplitude da prática esportiva. Por essas afirmações é possível explicar que as ações na área social do esporte, para que estejam contemplados com preceitos democráticos, terão que passar pelo esporte-participação (TUBINO, 2001, p.24).

Ao comungar sobre a heterogeneidade de indivíduos, assim como de

suas necessidades para com as atividades incluídas no chamado “mundo” dos

esportes, logo nos é ressaltado que: Se tenho possibilidades de lhe dar com

uma mesma esfera de forma diferente, que eu tenha o direito de experimentar

Page 36: Ramon Sena

27

todas, ou a sua grande maioria de possibilidades. Esta talvez seja uma das

possibilidades de se estabelecer a democracia falada parágrafos atrás,

prontamente à aqueles que assim se predispõem a fazê-la.

Surge então a terminologia esporte-educação, o qual se atenta de

maneira mais expressiva para formação humana. Este se apresenta de acordo

com Freire (1999), como sendo uma das vertentes na qual podemos perceber

de maneira mais visível a apresentação de um conteúdo sócio-educativo,

justamente por este se basear em princípios educacionais como participação,

cooperação, co-educação, integração, e responsabilidade. De forma

semelhante, porém distinta, encontra-se em meio às possibilidades de

democratização do esporte, algo não poderia deixar de ser cogitado: o

segmento “participativo”. Para este autor:

O esporte participação, ou esporte popular, por sua vez, se apóia no princípio do prazer lúdico, no lazer e na utilização construtiva do tempo livre. Esta manifestação esportiva não tem compromisso com regras institucionais ou de qualquer tipo e tem na participação seu sentido maior, podendo promover por meio dela o bem estar dos seus praticantes, que é a sua verdadeira finalidade (Freire, 1999, p.34).

Ao pensarmos um modelo de esporte onde se priorize a participação do

sujeito de forma a promover o bem estar, quer dizer também convidar o próprio

individuo à construção daquilo que por vez poderá lhe acrescentar tal estado

de humor e qualidade de vida. Diante do que o próprio termo nos sinaliza, a

participação da comunidade torna-se imprescindível, contudo, esta participação

deve ser concreta, sendo preciso para além de simples momentos de lazer,

possibilidades de encaminhamento para a construção de uma sociedade mais

humanizada, mais participativa também das problemáticas que envolvem suas

respectivas formas de Ser.

Para Freire (2003) por conta do grau de envolvimento estabelecido entre

as pessoas para com as atividades, as quais por livre e espontânea vontade se

propunham a desenvolver, torna-se possível a percepção e desenvolvimento

de um espírito comunitário, e de integração social, o que vem a propiciar o

fortalecimento de parcerias e inter-relações pessoais.

Page 37: Ramon Sena

28

Pode-se inferir que a reflexão de práticas esportivas voltadas para a

cultura de movimento do corpo, de maneira espontânea e livre de restrições

impostas ao movimento, possibilita à sociedade vivenciá-lo em sua forma mais

criativa e dinâmica. Ao mesmo passo em que atores sociais não se apresentam

meramente condicionados, e tão pouco como responsáveis pela “criação”, e

descoberta de talentos, o esporte ganha fôlego para estruturar um caráter mais

democrático e abrangente. Tal representação e perspectivas tornam-se

passíveis de serem entendidas como sendo de grande relevância para

concretude de uma realidade social onde as pessoas possam viver de forma

mais autônoma e humanizada, uma vez que todos tenham o direito de

encontrar-se com a diversidade, e lançar mão daquilo que lhes cabe, sobretudo

respeitando o direito de seu semelhantes.

Page 38: Ramon Sena

29

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No que se refere aos procedimentos metodológicos dirigidos neste

estudo, o que de acordo com Barreto e Honorato (1998) constitui o conjunto de

ações dinamizadas no sentido de atingir os objetivos propostos, esta pesquisa

se faz de caráter qualitativo.

Os procedimentos técnicos de pesquisa qualificam esta enquanto

pequisa-ação, um modelo no qual as ações empregadas na resolução de uma

problemática social em evidência, procedem da interação entre pesquisadores

e participantes da pesquisa de forma cooperativa ou participativa, como

sinaliza Thiollent (1985). A fase exploratória desta pesquisa, segundo Gil

(2002) objetiva determinar o campo de investigação, as expectativas dos

interessados, bem como o tipo de auxílio que estes poderão conferir ao longo

da pesquisa. Desenvolveu-se a partir do contato direto com a realidade

investigada, e também por diálogos com a comunidade. O grupo com o qual

foram desenvolvidas as atividades do Tae-Kwon-Do foi composto por 25

crianças com idade entre 05 e 12 anos, e ambos os sexos, todos pertencentes

à comunidade. A maioria deles freqüentava a escola da comunidade, outros,

no entanto, ou freqüentavam escolas no centro da cidade por conta de já

estarem no ensino fundamental II ou não estavam matriculados em uma

unidade de ensino regular.

A seleção do grupo se deu a partir da perspectiva de inclusão de

crianças da comunidade em atividades de caráter educativo, oportunizados

neste caso pela Universidade do Estado da Bahia no exercer de suas práticas

extensionistas mediadas pelas aulas de Tae-Kwon- Do.

A técnica utilizada para a coleta de dados foi realizada por meio da

observação participante e entrevistas coletivas, enquanto que a análise e

interpretação dos mesmos aconteceram por meio da interpretação aferida em

dados constatados empiricamente e em paralelo com bases teóricas, onde de

acordo com Gil (2002) somente por meio deste procedimento os dados obtidos

na pesquisa podem expressar significados concretos.

Page 39: Ramon Sena

30

5.1 Lócus Da Pesquisa

Inicialmente, como forma de entender as necessidades e entendimentos

reais para com a cultura corporal, as atividades foram desenvolvidas na

comunidade Riacho do Mel, local que garantiu o projeto em primeiro momento,

sendo que posteriormente estas foram estendidas para o Campus Universitário

da UNEB, em Alagoinhas, ambas as realidades se fazem localizadas às

margens da BR 101, km 03, Salvador-Alagoinhas.

O desenvolvimento da pesquisa ocorreu efetivamente no Campus II da

Universidade do Estado da Bahia, como ação realizada no intuito de aproximar

comunidade e universidade, possibilitando à primeira, a utilização da infra-

estrutura disponível para uma vivência mais proveitosa da prática do Tae-

Kwon-Do, sendo que a universidade dispunha de espaços e materiais para o

desenvolvimento da oficina. Este faces pensamento foi legitimado quando nos

deparamos com o depoimento da Mãe “A” ao desabafar: “Até que fim esta

universidade vai fazer alguma coisa pela gente”.

De forma ainda mais concisa, a vivência da comunidade no Campus

Universitário objetivou também, realizar um trabalho de conscientização no

sentido de sinalizar para aquelas pessoas sobre a importância da utilização de

um espaço que por direito, também as pertence.

A comunidade esta situada em meio a área rural da cidade de

Alagoinhas, sendo que apresenta em sua realidade necessidades básicas

ligadas a moradia como a exemplo de pavimentação, transporte, saneamento

básico, e disposição de espaços públicos que possibilitem práticas esportivas e

de lazer. É assistida por uma única escola de ensino fundamental I, a Escola

Municipal Joana Angélica, que segundo relato de mães envolvidas na pesquisa

não atende à demanda da comunidade, onde mesmo as práticas corporais e

esportivas são totalmente esquecidas. “Óia que eu estudei na mesma escola

de meu menino tem mais de 20 anos e naquele tempo já num tinha essas

coisas não”.

A escola tem em seu quadro de professores três funcionários com

formação em magistério, e atende a cerca de 30 crianças no turno matutino e

vespertino. Possui infra-estrutura mínima à prática de ensino-aprendizagem,

Page 40: Ramon Sena

31

onde muito dos pontos apontados como necessitados de melhoras pela própria

comunidade, remontam desde muito tempo.

A partir destas constatações iniciais, chamamos atenção em primeiro

instante para uma concepção de universidade compenetrada com a construção

de políticas que efetivamente perpassem todos os segmentos sociais de forma

a acolhê-los e compreendê-los numa perspectiva de legitimação do processo

de educação, onde se valoriza aspectos da cultura corporal de um dado grupo

como sendo fonte detentora de conhecimentos passíveis de serem refletidos e

aplicados ao processo de formação humana, onde a reciprocidade valorativa

entre comunidade acadêmica e comunidade externa deve sempre se fazer

presente e atuante.

Page 41: Ramon Sena

32

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

Em meio ao desenvolvimento da fase inicial da pesquisa, um ponto já se

apresentava como de grande relevância para que esta pudesse ser efetivada: o

deslocamento comunidade – universidade. Este que a princípio ficou a cargo

da UNEB com a disponibilização de um veículo para transportar as crianças, foi

interrompido pela instituição, a qual alegou não ter recurso para abastecimento

do veículo, para este fim. Este fato obrigou o deslocamento a pé das crianças,

que passaram a ser trazidas por algumas mães que se revezavam no sentido

de possibilitar a continuidade das às aulas para seus filhos. Embora diante da

boa vontade daquelas mães em fazê-lo, o tráfego às margens da BR 101, na

companhia de 25 crianças era algo preocupante. Estas mães se deram em

número de 3, apresentando faixa etária entre 30 e 38 anos, casadas, e com

nível de escolaridade fundamental e médio incompletos.

É neste sentido que podemos evidenciar o que diz Santin (2003),

quando alerta para o posicionamento eficaz por parte da universidade no

desempenho de suas ações junto à comunidade. Segundo este autor, para

que se fortaleçam os laços entre comunidade e universidade, para além da

criação de políticas diversas, se faz preciso sustentar tais práticas, na medida

em que estas são evidenciadas. Embora condizente com a elaboração e

desenvolvimentos de práticas extensionistas, a UNEB não se ateve para com a

responsabilidade de possibilitar o funcionamento pleno dos mecanismos

necessários para manutenção destas mesmas atividades.

Ao primeiro encontro com a turma, a abordagem se deu em uma

perspectiva histórico-filosófica, apresentando às crianças o caráter cultural da

arte em evidência. Lançou-se mão para isso da utilização de aulas teóricas

com apresentação de slides, mostrando o processo de construção do Tae-

Kwon-Do enquanto arte marcial e sua significação cultural para a Coréia, seu

país de origem. O entendimento a cerca das artes marciais perpassam mitos e

imaginações conferidas por meio da mídia e fontes outras formadoras de

opinião, e se faz importante na medida em que buscamos o desenvolvimento

de atividades em que estas estejam inseridas. A mãe “C” expressou a respeito

de seu entendimento sobre as artes marciais dizendo: “Pra mim também é um

jeito de se defender. Agora tem gente que aprende pra saí dano murro nos

Page 42: Ramon Sena

33

outros, isso ai pra mim já é briga de rua, e violência, só gera violência.”, Esta

visão equivale aquilo que diz Cárdia (2007) quando afirma que arte marcial foi

criada para defesa, sendo o ataque utilizado apenas em ações extremas. Tal

relato por parte da Mãe “C” expressa a concepção de arte marcial às margem

de sistemas violentos e banalização de golpes marciais.

Ficou por parte das crianças, a curiosidade em saber mais sobre a

criação do Tae-Kwon-Do e como este tinha chegado ao nosso país. Para Freire

(1996), esta inquietação é o que gera o processo de educação. A busca por

respostas abrem caminhos nos quais a fase do descobrir e redescobrir remete-

nos para o conhecimento em sua forma plena e dinamizada. A curiosidade

despertada nas crianças no início das atividades tornava as aulas mais

proveitosas e discursivas.

Uma das atividades que certamente mostrava-se um tanto quanto

desafiadora para o cumprimento de uma tradição marcial junto ao grupo, seria

aquela que contemplava momentos destinados à prática da meditação. Para

Cárdia (2007) em meio ao aprendizado do Tae-Kwon-Do, a prática de

exercícios mentais é tão importante quanto a assimilação dos gestos motores.

De acordo com as tradições marciais, a meditação representa o estado de

mente “aberta” e com uma percepção plena de todo o conjunto formador do

indivíduo, sendo justamente este estado que o capacitará a desenvolver

habilidades corporais as quais desejam.

No momento da aula acima representado, as crianças não apresentaram

resistência alguma, muito pelo contrário, acredito ter sido também nos

momentos de meditação, de encontraram um tempo “delas”, e pra elas, sem

pré-determinações, sem questionamentos, sem certo nem errado, que o

caráter educativo tornou-se mais uma vez evidente. O fato de se manterem

calmas diante da dinâmica sinalizou um resultado bastante significativo,

principalmente do ponto de vista educacional. Foi possível a partir desta

realidade, constatar o que relata Cardia (2007) quando afirma que a meditação

regula o fluxo de energias no organismo, equilibrando todo o sistema de uma

forma tranqüila e correta. Esta metodologia foi aplicada às aulas de Tae-Kwon-

Do, como forma de atingir o equilíbrio interior por parte das crianças.

Por se tratar de uma atividade que aborda também as variáveis físicas,

as aulas de Tae-Kwon-Do requerem uma preparação dos membros e

Page 43: Ramon Sena

34

articulações como forma de preparação e prevenção de contusões. Assim

sendo, as aulas começavam sempre a partir de alongamentos e aquecimentos,

tendo-se uma preocupação em especial com a cervical, ombros, quadril,

lombar, joelhos e tornozelos como forma de aquecimento, sendo estes

pautados sempre em uma perspectiva lúdica fundamentada em jogos e

brincadeiras. Em seguida eram passados os planos traçados a serem

realizados para aquele dia de aula. Como crianças cheias de idéias pro

mundo, e principalmente para o mundo da ludicidade, na maioria das vezes

sinalizavam para mudanças que poderiam de alguma forma “melhorar” a

dinâmica da aula, e quando pertinentes estas eram prontamente atendidas.

Como referido no parágrafo anterior, apesar de aulas teóricas e diálogos

por vezes demorados, fatores que se fazem totalmente relevante na

abordagem educacional, em muito se davam também por meio da ludicidade.

Os aquecimentos sempre se fizeram por meio de jogos que consistiam

corridas, saltos, rolamentos, enfim, uma complexidade de percepções de

tempo- espaço, coordenação motora, e equilíbrio, que ao final apresentava um

resultado mais significativo que em muitos modelos de aquecimentos ditos

tradicionais, o que de forma alguma poderia vir a se encaixar no perfil do

trabalho desenvolvido.

Por entender o Tae-Kwon-Do como uma realidade de corpo e

movimento por hora “às margens” da compreensão do grupo, o fomento de seu

entendimento, aprendizado e praticidade, possibilitaram o avivamento e

resignificação da concepção de expressão corporal advinda do “berço” sócio-

cultural do qual provinham às crianças.

As bases técnicas iniciais do Tae-Kwon-Do, como exemplo da Jun Tun

Sogui Tirigui (base do cavalo), citam o nome de vários animais como resultado

de observações da vida selvagem na disposição de seus ataques e defesas.

Utilizei desta conotação como instrumento pedagógico para aproximar o grupo

tanto das nomenclaturas, quanto da execução das técnicas marciais

compreendidas na arte.

Por pertencerem a uma comunidade rural, onde a presença de animais é

mais perceptível que em zona urbana, analisamos que a metodologia utilizada

criou uma maior identidade entre as crianças e a arte e conseqüentemente um

melhor aprendizado a cerca das nomenclaturas de bases e golpes do Tae-

Page 44: Ramon Sena

35

Kwon-Do. De acordo com Brandão (1986) o processo de construção de

aspectos sócio-educativos deve iniciar-se sobre tudo, a partir do

reconhecimento e aceitação dos sujeitos em sua realidade, sendo este ponto

foi nitidamente expresso na pesquisa. A necessidade de se legitimar as

diversas expressões como formas educativas, resultou no entendimento do

grupo em relação aos diversos significados que estas poderiam tratar.

Segundo Cárdia (2007) os antigos Mestres tiravam proveito sabiamente

das lutas entre animais, observando quais movimentos eram utilizados por eles

como forma de atacar e defender-se. O fato das crianças se adaptarem melhor

a tais nomenclaturas legitimou a utilização filosófica de observação da vida

animal na criação das várias artes marciais, inclusive no Tae-Kwon-Do.

Em dada fase de andamento do projeto, passamos à realização das

práticas de “rolamentos”, que consiste em mais um exercício que garante uma

compreensão a cerca da autodefesa na arte marcial. Para além deste, levando-

se em conta o propósito pedagógico do Tae-Kwon-Do, os rolamentos nos

permitiram realizar leituras que possibilitaram o entendimento a cerca do grau

de auto-confiança por parte dos alunos na execução de sua prática. A grande

maioria das crianças apresentou dificuldades na execução desta “técnica”, e

até mesmo em se permitir o contato físico com o tatame, o que se pode

facilmente compreender, devido a pouca familiaridade pra com o equipamento.

Entretanto, mesmo após vários encontros direcionados pra este

propósito, - o de promover maior familiaridade no tatame, para assim

preconizar os rolamentos - algumas “resistiam”. Tal postura pode ser

compreendida como uma insegurança proveniente não somente do contato

com o novo, mas principalmente por conta da privação de atividades que

apresentassem características semelhantes junto ao cotidiano das crianças.

Para a Mãe “A”, uma das entrevistadas na pesquisa, quando indagada a

respeito de sua vivência a cerca dos esportes esta nos relata: ”Professor

Ramon, a única modalidade que eu conheço é a inchada, desde menina. E óia

que eu estudei na mesma escola de meu menino, e naquele tempo já num

tinha essas coisas não, agente tinha era que trabalha pra ajudar em casa”.

Este pressuposto é legitimado quando Cárdia (2007) observou que o

meio social em que uma pessoa se faz inserida, apresenta naturalmente suas

particularidades, e por conta disto reflete na formação do aluno. Podemos

Page 45: Ramon Sena

36

entender que é das experiências diárias que são formados os meios de

exteriorização da linguagem corporal. É possível encontrar estes movimentos,

na maioria das vezes, em simples brincadeiras da infância, mas, devido às

atividades as quais vivenciavam em sua comunidade, as crianças

apresentaram ações que nos permitem dizer, influenciou em sua capacidade

de criação de movimentos, o que não pode ser encarado aqui como algo

negativo, apenas limitante, no ponto de vista é claro, da diversidade de

movimento.

Por meio de diálogos e vivências, as crianças passaram a se sentir mais

a vontade no tatame, principalmente a partir de quando passamos a

desenvolver dinâmicas, tais como jogos e brincadeiras, onde as “regras” lhes

permitiram a ação “se jogar” ao tatame, o que gradativamente veio a aproximá-

los das técnicas de rolamento propriamente dita.

A partir daí, a insegurança antes apresentada, abre espaço pra uma

ação de caráter lúdico e expressa nas ações executadas, momentos

prazerosos, de alegria e espontaneidade no ato de “rolar”, significando o

transpor de uma barreira, tornando-se um referencial de superação em

atividades outras.

Passado este momento, buscamos evidenciar o poder de equilíbrio das

crianças. No Tae-Kwon-Do, esta variável se faz de grande importância, embora

não seja apenas aos que tem um bom equilíbrio o desenvolvimento das

técnicas, mesmo por que, este passa a ser conseqüência de uma rotina de

treinamentos.

Buscando uma forma de trabalho em grupo, algo que tendesse ainda

mais, para o fortalecimento das inter-relações, propôs a execução de

movimentos corporais que requeriam o equilíbrio, e como meio de realização

das mesmas, estas deveriam ser desenvolvidas em duplas e ou tril. Lancei

então o “desafio”: Deveriam estar na base Jun Tung So Gui, e contraporem a

palma das mãos, com seus respectivos parceiros. A idéia era de provocar o

desequilíbrio do outro, que por sua vez, deveria fazer o máximo para se manter

na base, em equilíbrio. Percebi então uma atmosfera de competição, o que não

era a intenção. Contudo penso ter sido este um acontecimento positivo na

medida em que percebemos a fluidez das ações em meio às aulas. Logo fiz

uma intermediação, não como forma de dizer que tal prática era certa ou

Page 46: Ramon Sena

37

errada, mas sim de conscientizá-los que aquele não era o momento para

competir, sendo prontamente atendido.

Se por um lado ficou evidente a insegurança em realizar os rolamentos

no tatame, mais evidente se tornou a facilidade para se executar saltos por

parte das crianças. De acordo com Cárdia (2007), o Tae-Kwon-Do em sua

gênesis, fora conhecido como arte dos homens voadores devido a abrangência

e plasticidade de seus saltos e chutes no ar, e em dado momento da pesquisa,

embora com outro contexto, este conceito me foi relembrado.

Junto ao campus universitário, temos uma quadra de areia com medidas

oficiais á prática dos esportes de areia. Certamente o lugar mais apropriado pra

se ensinar saltos de artes marciais para um grupo de 25 crianças, cheias de

energia e adrenalina pra gastar. Iniciamos uma brincadeira chamada pelos

meninos como “cama de gato”, que consistia no saltar o corpo do outro, que

estaria agachado, sendo progressivamente aumentado a grau de dificuldade

com o aumento de sua posição em relação ao salto. Tornou-se uma

abordagem lúdica e de grande valia quando falamos em percepção tempo-

espaço, e controle energético para efetivação da ação, no caso, a de saltar.

Este pensamento metodológico se fez relevante, principalmente se analisarmos

a partir da ótica de que pra se chegar ao conhecimento de determinada cultura,

não necessariamente precisa-se abdicar de sua própria forma de lhe dar com o

mundo, mas, as crianças aprenderam a praticar saltos de artes marciais por

intermédio das brincadeiras que já realizavam em sua comunidade.

A utilização do universo de brincadeiras comuns no cotidiano das

crianças constituiu em um resultado significativo de compreensão da prática de

saltar vivenciada na arte em evidência. Ratifico esta compreensão quando

afirma Santin (2003), que cada indivíduo traça sua fisionomia pela instauração

de um sistema de significações, por meio do qual se constitui a compreensão

de todas as coisas, tornando ao mesmo tempo algo criativo, em auto-criativo.

As atividades que anteriormente eram realizadas com grau de

dificuldade maior, como foram as técnicas de rolamentos, passou a ser

incorporada pelo grupo de forma natural. Percebi então estar a cada dia

preparando aquelas crianças para uma aproximação gradativa com as raízes

do Tae-Kwon-Do, no entanto, sem privá-los de se expressarem naturalmente

Page 47: Ramon Sena

38

enquanto crianças. E o mais importante é que ainda que inconscientemente,

elas expressavam tal realidade em suas atitudes.

O Tae-Kwon-Do tem como característica marcante, o predomínio de uso

das pernas nas lutas, sendo uma das modalidades de esporte de combate que

mais faz uso dos membros inferiores. Neste sentido, agora com uma vivência

mais significativa de movimentos da arte, começamos a adentrar no universo

de apresentação, ensinamentos, desenvolvimento e aplicação de técnicas de

chutes característicos do Tae-Kwon-Do com o grupo.

O ensino das técnicas de chutes, por se fazerem práticas que objetivam

a aplicação de força em determinado ponto, precisou ser bastante cauteloso, e

de maneira ainda mais específica por estarmos considerando um grupo com

idade de 05 a 12 anos.

As aulas para esta finalidade se davam da seguinte forma: como

costume marcial, iniciava-se com as saudações á bandeira da Coréia, devido

esta ser o país de origem da arte, e a bandeira do Brasil, reafirmando nosso

patriotismo.

Primeiro se trabalhava com os menores, de 05 a 07 anos. Iniciávamos

com o Ap Chagui, o chute frontal. A priori não se buscava o uso da força, e sim

a vivência e conseqüente consciência de aplicabilidade do movimento, sendo

este momento “livre” de técnicas. Estes movimentos eram estimulados por

meio de um comando de voz efetuado por minha pessoa na qualidade de

professor, sendo que ao final da aplicação de cada movimento, as crianças

efetivavam o Kirap. Do ponto de vista da fisiologia, a partir do momento em que

deferimos um grito, automaticamente, aumentamos nosso poder de contração

muscular, o que na prática marcial é vital. Além deste fator, de acordo com a

filosofia Marcial, o Kirap (grito) fortalece o espírito.

As crianças deste primeiro grupo se mostraram bem adaptadas às

atividades, sendo que atendiam aos comandos no tempo previamente pedido,

e com um diferencial em relação aos maiores, se divertiam bastante com o

movimento do chutar, e de maneira particular com relação aos gritos. Este

“treinamento” aconteceu na quadra poliesportiva do campus universitário, e o

eco proporcionado pelos gritos ganhava força no ginásio, tudo que os

pequeninos queriam.

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39

Considerando a idade pela qual estavam passando, achei mais que justo

permitir um pouco de todo aquele “barulho”, afinal se a proposta era também

mexer com entusiasmos daqueles, sem sombras de dúvidas, este estava

sendo alcançado, diria até para além do esperado. Analisando mais

cuidadosamente as ações e reações acontecidas neste primeiro momento, foi

perceptível naquelas crianças a necessidade de extravasar, de se expressarem

emocionalmente, de literalmente gritar pro mundo.

Em Cárdia (2007) verificamos que a execução do Kihap, oportuniza aos

lutadores autonomia e confiança nos movimentos a serem executados, além de

estabilizar a energia encontrada em todas as partes do corpo. Em nossos

pequenos “lutadores” este processo se apresentou de igual forma.

Enquanto isto acontecia, o segundo grupo, agora formado por uma

turma com idade entre 08 e 12 anos, mal esperava a hora de também poder

estar a realizar aquelas atividades. Na grande maioria das vezes, as atividades

aconteciam com todo o grupo e em conjunto, mas, neste caso preferi ter um

pouco mais de cuidado, afinal, são crianças e necessitam de alguns cuidados

básicos.

A atividade recomeçou com a mesma energia com que havia terminado

anteriormente. Agora, se tratando de crianças mais desenvolvidas fisicamente,

o emprego da força passou a ser maior, e mesmo o controle na aplicabilidade

do movimento, fator relativamente compreendido pelos menores, deu lugar à

imaginação “fertilizada” por “Homens-aranhas”, “Superman’s”, “Batmam’s”, “He-

man’s”, “Power Rangers”, enfim, um batalhão inteiro de Super-heróis.

Como forma de não perder de vista o enfoque do trabalho, a atividade foi

paralisada, e posteriormente feita uma roda de conversação no sentido de

“controlar” os ânimos. Tudo bem são crianças e precisam expressar-se,

contudo, direcioná-las a uma adequação de normas e condutas à serem

seguidas, estando consciente da sociedade que nos cerca, no momento

pareceu ser a coisa certa a fazer. Em Cardia (2007), é expressa a idéia de que

embora emergidos em uma esfera de conhecimentos diferentes, o que por

vezes proporciona ao praticante um estado de agitação, o respeito pelo

professor torna-se algo imprescindível à relação professor e aluno, e sua

compreensão.

Page 49: Ramon Sena

40

Após conversar com as crianças, retomamos as atividades, agora de

forma mais organizada. Entre uma série de chutes e outra, direcionava

algumas palavras aos menores que estavam sentados ao redor da área de

“treinamento”, e foi exatamente em um destes momentos que pude perceber

uma ação desmedida por parte de duas crianças em particular. Mesmo no

momento em que deveriam estar atentos aos ensinamentos teóricos

verbalizados a cerca da prática de chutes, estes estavam a ponto de deferir

chutes um ao outro, o que culminaria em uma agressão, algo que jamais havia

acontecido antes na oficina.

Quando questionados a cerca daquela postura no andamento da aula,

ficaram em silêncio e não emitiram resposta alguma. Neste momento pedi que

todos fizessem um grande circulo, e de tratei fazer uma serie de levantamentos

a cerca do bom comportamento diante das aulas, imprescindível para que

pudéssemos dar continuidade, e que aquele tipo de comportamento poderia

machucar alguém e este não era nosso objetivo. A idéia certamente era de não

preencher momentos da aula com estas problemáticas, mas, que bom que elas

existiram e aconteceram junto ao grupo, assim, tivemos a possibilidade de

problematizá-las.

Pedi que eles pudessem falar algo sobre o acontecido, e permaneceram

sem palavras. Uma atitude destas, aparentemente inocente, pode estar sendo

influenciado por uma série de fatores de ordem psicosocial, e que, se não

tratado com a devida medida, pode perpetuar um exemplo que não seria

interessante pra vida futura daqueles meninos. Como eles não souberam, ou

ao menos optaram em não falar sobre o que acabara de ocorrer, ficamos todos

em silêncio, sem que ninguém falasse uma palavra se quer, por vários minutos.

Percebi então que ainda que não falasse sobre, o posicionamento de todos em

ficarem ali, em roda e sentados, mantendo-se em silêncio, significo uma atitude

respeito. Quando menos esperava, um dos meninos disse: “fale logo o que

aconteceu se não o professor não vai dar mais a aula!” Tratava-se do irmão de

um dos meninos envolvidos no acontecido. Como não foi atendido, e ansioso

para recomeçar a aula, visto que o tempo corria, exclamou: “professor estes

dois aí tão brigados, não tão se falando mais!” Logo todos interviram tentando

explicar o que havia ocorrido entre os dois meninos.

Page 50: Ramon Sena

41

A partir deste momento pedi que se mantivessem em silêncio, chamei-os

em particular e tentei mediar à situação. Foram pra casa após um aperto de

mãos “amarelo”. Bem, foi um começo. A postura adotada pelo grupo para falar

sobre o acontecido caracteriza os preceitos defendidos nas artes marciais, sem

dúvidas, influenciados pelo Tae-Kwon-Do. Para Cárdia (2007), o espaço

preenchido em sala de aula por professores e alunos vai além de um simples

entendimento da luta como um conceito, onde a disciplina, a metodologia e

resolução de problemas, apresentam-se como freqüentes, já que são de

extrema importância para a Educação. Tal situação esteve presente na

pesquisa, tornando-a verdadeira aos preceitos marciais defendidos em meio às

inter-relações humanas.

Na aula seguinte propus uma atividade em dupla que tinha mais uma

vez como fundamento o equilíbrio. Agora, justamente a dupla mencionada no

episódio acima, se puseram juntos na tentativa de realização da atividade

proposta. Minha conclusão foi nítida! Apesar de divergências, aquelas crianças

não apresentaram um comportamento violento, não queriam machucar um ao

outro. Estavam aprendendo a aplicar chute de artes marciais, e este fato não

os tornou indivíduos agressivos, mas de maneira adversa, os aproximou.

Quando conversei com as mães de alguns meninos - algumas das que

iam buscar seus filhos ao término da oficina - sobre o acontecido, deparei-me

com uma alarmante situação em comum que refletia a ação realizada por

aqueles garotos: eram filhos de pai viciados em álcool, e já haviam sido

espancados por pessoas da família antes. Em relação a estes fatos as mães

presentes no estudo se faziam unânimes, todas eram contra a qualquer tipo de

violência às crianças. Enquanto à participação de seus filhos no Tae-Kwon-Do,

demonstraram estar conscientes do dimensionamento desta atividade, como

destacou a Mãe “C”: “Pra mim também é um jeito de se defender, agora tem

gente que aprende pra saí dano murro nos outros, isso ai pra mim já é briga de

rua, e violência só gera violência”.

Neste momento da pesquisa, embora consciente de até onde adentrar

às questões referentes à comunidade, foi necessário abrir um “leque” de

conversações junto às mães das crianças como maneira de entender um

pouco mais da verdadeira realidade na qual aquelas crianças estavam

inseridas. Que era uma realidade nada fácil, isto estava implícito, contudo, se

Page 51: Ramon Sena

42

fazia necessário familiarizar-me um pouco mais com as problemáticas que nem

sempre se percebe pela observação, e sim pelo bom e velho diálogo, que para

Neira e Nunes (2006), pode ser estimado enquanto forma de elemento cultural

em seus dimensionamentos, possibilitando o conhecimento prévio sobre o

comportamento humano.

Então, após conversarmos - eu e as mães – foi constatado uma

realidade tal, que não a abordaria como triste, e sim, preocupante. Os relatos

se deram de forma mais marcantes em casos de drogas, assaltos, e

homicídios. Nada diretamente ligado aos meninos é claro, até por que são

crianças bem pequenas, mas, constatou-se a ocorrência de casos relapsos nas

famílias e que assim sendo, os atingem de forma direta, sem dúvidas.

Ainda que em meio à uma realidade instável, do ponto de vista de como

os acontecimentos poderiam interferir na comunidade e conseqüentemente nas

abordagens realizadas na oficina de Tae-Kwon-Do , as aulas perseguiram,

contudo, com uma ênfase ainda maior para com o cuidado no trato com

aquelas crianças.

O primeiro passo foi buscar por meio do diálogo uma aproximação maior

com as famílias, apresentando para elas as abordagens planejadas e

executadas nas aulas de Tae-Kwon-Do, cogitando a possibilidade das mães

também proporem algumas atividades ou sugestões de como estar dando

continuidade ao projeto. Assim foi sinalizado pelas mães que seria importante

que as atividades fossem oportunizadas também no interior da escola da

comunidade, e nos horários de aula, o que segundo a Mãe “A”, “fariam os

meninos tomarem gosto pela escola”. Entendendo a proposta deferida pelas

mães, com possível forma de estreitar os laços escola-comunidade partindo da

revisão de conceitos da representatividade da escola como parte relevante e

atuante na construção e manutenção das práticas educacionais propícias ao

desenvolvimento das pessoas de sua comunidade, aulas também foram

ministradas naquele espaço escolar. Este pensamento também foi legitimado

pela Mãe “B” ao se posicionar a respeito das aulas de Tae-Kwon-Do e sua

participação na educação das crianças, contribuindo para um dos momentos

mais marcantes da pesquisa, quando relatou: “Esses negoço acaba afastando

as crianças e os jovens de um caminho errado, que é as drogas, da violência,

da cachaça, então eu acho que acaba ajudando. Já perdi um filho pras drogas

Page 52: Ramon Sena

43

e não quero perder outro. Esses daqui eu levo e trago da escola todos os dias,

não quero mais correr o risco, só eu sei o que passei”. Neste momento tornou-

se ainda mais compreensivo o quanto aquelas mães queriam estar próximas

das atividades desenvolvidas com as crianças, o sentimento de proteção

materna as impulsionavam a estar sempre presente nas aulas. Considerando

estas ações, pode-se afirmar que as aulas de Tae-Kwon-Do contribuíram

também como elemento de aproximação entre mães e filhos.

Por não apresentar uma área interna propícia ao desenvolvimento das

atividades de Tae-Kwon-Do, foi utilizada a área externa da escola, que por

conter uma vegetação comum à região, contendo espinhos, necessitou ser

limpa por meio da “capinação”, que logo tratou de ser feita pelos próprios

moradores. Compreendemos esta ação a partir daquilo que nos traz Santin

(2003), ao afirmar que a comunidade confere uma imagem de si mesma e

como um todo, realizando neste processo a construção e interpretação do

mundo que a envolve.

Assim, os moradores encontraram aparentemente de forma

inconsciente, uma solução ao menos emergencial para a problemática de

transporte até a universidade, visto que para este ponto e neste momento da

pesquisa não mais estava cumprindo com seu papel no projeto. Torna-se

evidente a necessidade não apenas do desenvolvimento de políticas de caráter

diversos, mas, de igual maneira que se pense formas de continuidade das

mesmas, e esta realidade em algum momento foi sentida na pesquisa.

No desenvolvimento das aulas junto à escola da comunidade,

percebemos uma motivação generalizada. Como a área da escola em que

estávamos, oferecia uma visibilidade ao grupo externo, notei que algumas

crianças, ainda com idade pré-escolar, começaram a ajuntar-se para assistir às

aulas. Percebi o interesse destas em participar das atividades e as convidei,

todos já eram conhecidos, moravam bem próximos uns dos outros, o que não

acarretaria empecilho algum, e assim foi constatado.

As crianças que faziam parte do grupo em que se realizava a pesquisa

as acolheram de forma bastante receptiva, o que acredito que para além das

vivências em sua comunidade, esta ação refletiu também das aulas de Tae-

Kwon-Do na medida em que foi expressa a importância do trabalho em grupo,

e de promoção da cooperatividade, legitimando o Espírito do Tae-Kwon-Do,

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que segundo Cárdia (2007), se expressa por meio da Cortesia, Integridade,

Perseverança, Auto-Controle, e Espírito Indomável.

A abordagem que se iniciou com propósito de atender às crianças, havia

incluído mães de alunos, e agora ganhava notoriedade também por parte das

educadoras da escola da comunidade. Este fato pode ser interpretado como de

grande relevância na medida em que se conquista o reconhecimento de como

educar através também de outras formas de ensino, senão a conceituada

tradicional, no qual também se pode creditar a aproximação dos pequenos

moradores. Aqueles que antes não tinham a possibilidades de estarem

desenvolvendo atividades junto cm o grupo que freqüentava as aulas na escola

da comunidade, por conta da pouca idade, agora já se aproximaram pela

primeira vez de uma atividade realizada naquela escola, o que me pareceu

fazer com que estas começassem a desenvolver uma atração por aquele

universo, entendendo aquele espaço como espaço “aberto” a todos.

A respeito da integração Universidade - Escola e Comunidade, A mãe

“B” interpretou que as atividades na escola aproximaram mais as crianças das

atividades escolares. “Agora os meninos tem até mais ânimo para se arrumar e

ir para a aula” relatou.

As aulas foram continuadas com a mesma perspectiva que as realizadas

no Campus universitário. Como as aulas na escola eram ministradas 2 vezes

na semana, obviamente no decorrer dos dias que não tínhamos as atividades

com o Tae-Kwon-Do, não me fazia presente, mas, certo dia, ao passar de

ônibus pela frente da escola, percebi que algo estava diferente: As crianças

haviam aproveitado a parte limpa de capim, para ali instalarem uma trave de

futebol. Bem, entendi que as aulas de Tae-Kwon-Do, por possibilitarem uma

iniciação das atividades esportivas na realidade da comunidade, para aquele

grupo, tenham despertado nos pequenos o sentimento de que ali também é um

espaço de expressar-se corporalmente, de fazer dos momentos extra-classe,

momentos também proveitosos, de atividades lúdicas, e de socialização do

tempo livre. Um espaço de ser educado, e educar-se.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino universitário, na pluralidade de suas formas e conceitos,

compreende possibilidades diversas para o levantamento de abordagens

pedagógicas relevantes à legitimação de seu papel perante a sociedade. Neste

sentido, as práticas extensionistas sinalizam para a possibilidade de atribuir

novas perspectivas para a formação de educadores nas distintas áreas do

conhecimento. A pesquisa em foco, Tae-Kwon-Do como prática extensionista

na formação sócio-educativa de crianças da comunidade Riacho do Mel em

Alagoinhas, BA, contribuiu de maneira ímpar para o fortalecimento das

relações entre universidade e comunidade externa, apresentando-se diante dos

30 anos da presença da universidade na comunidade Alagoinhense, como

pioneira no estabelecimento de uma ponte entre a UNEB e o Riacho do Mel.

Com base nos resultados apresentados nesta pesquisa, pode-se afirmar

que a inserção do Tae-Kwon-Do na realidade investigada consistiu na

construção de uma proposta sócio – educativa que contemplou a face de um

modelo educacional fundamentado e expresso por meio da cultura, aqui

entendido como o sumo educacional.

A falta de gerenciamento e mobilização dos recursos destinados para a

otimização do Projeto de Extensão Cultura Corporal na UNEB, por parte da

estrutura da universidade em pauta, caracterizaram suas limitações. Umas das

problemáticas de maior representação, referente ao deslocamento das crianças

da comunidade para a universidade, impossibilitou um maior contato destas

com a universidade, algo que poderia ser tranquilamente solucionado, caso

houvesse um comprometimento maior da UNEB com sua Política de Extensão

Universitária, o que para tanto, requer ampla discussão e revisão de posturas

internas. Entretanto, estes empecilhos foram superados por meio dos esforços

de docentes, discentes e principalmente por parte dos sujeitos sociais da

Comunidade em evidência, o que chama atenção para o potencial de ação

desprendido pela comunidade externa, fator que lhe confere o status de

parceira incondicional para a realização efetiva das práticas extensionistas.

A realização desta experiência fomentou o Esporte, representado

através da modalidade de Tae-Kwon-Do, enquanto elemento valoroso na

conceitualização de uma nova perspectiva de abordagem educativa e de

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inclusão social, possibilitando à comunidade investigada uma aproximação com

o modelo educacional que perpassou o modo tradicional de promover

educação, além de potencializar perspectivas a respeito do papel social do

Educador.

O Tae-Kwon-Do atuou como elemento de construção e afirmação de

um modelo sócio-educativo inovador para as crianças participantes do estudo,

uma vez percebida sua flexibilidade pedagógica e adaptativa para a realidade

especificada, aproximando-se da comunidade como parte da mesma,

intervindo como meio propiciador de reflexões e resoluções de problemáticas

ali existentes, e contribuindo significativamente para a edificação e legitimação

de transformações sociais, as quais se aperfeiçoam na medida em que

universidade e comunidade se completam, sendo o amanhã daquelas crianças,

o resultado desta união.

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REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 1986.

CARDIA, Roberto Nascimento. Tae-Kwon-Do. Arte Marcial e Cultura Coreana. Rio de Janeiro, R.N, 2007.

FALCÃO, José Luis Cerqueira. SARAIVA, Maria do Carmo. Esporte e Lazer na Cidade: a prática teorizada e a teoria praticada. Florianópolis: Lagoa editora, 2007.

FREIRE, João Batista. SCAGLIA, Alcides José. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

NEIRA, Marcos Garcia. NUNES, Mário Luiz. Pedagogia da cultura corporal: práticas alternativas. São Paulo: Phorte editora, 2006.

PRONI, Marcelo. LUCENA, Ricardo. Esporte: história e sociedade. Campinas, SP: Autores associados, 2002.

SANTIN, Silvino. Educação Física: Uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí, Rio Grande do sul, Brasil, 2003.

SILVA, Maria Abadia, SILVA Ronalda Barreto. A idéia de universidade. Brasília: Líber Livro, 2006.

TUBINO, Manuel Carlos. O que é Esporte. São Paulo: Brasiliense, 1999.

ZABALZA, Miguel A.O ensino universitário: Seus ensinos e protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.

TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões sociais do Esporte. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2001.

TUBINO, Manoel José Gomes. Esporte e Cultura Física. São Paulo: Ibrasa, 1992.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa ação. São Paulo: Cortez, 1985.

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APÊNDICE

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ENTREVISTA COLETIVA REALIZADA EM 09 DE SETEMBRO DE 2009 COM MÃES DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DAS ATIVIDADES DE TAE-KWON-DO DESENVOLVIDAS NO PROJETO CULTURA CORPORAL NA UNEB.

O que é cultura?

Mãe A - A cultura é uma coisa que todo mundo conhece né? Que nem a cultura de plantar milho no tempo certo, feijão, de roçar, essas coisas.

Mãe B - É aquilo que as pessoa gostam de fazer. Umas gostam de futebol, outras gostam de jogar capoeira, e ai vai!

Mãe C - As festas são cultura, os jogos, as músicas típicas de São João, que só passa mais nessa época..., e tudo que as meninas já falaram antes.

Fale um pouco do que você conhece sobre Esporte

Mãe A- Acho que correr, saltar, pular, são jogos que disputam medalhas

Mãe B - É botar o corpo pra se mexer, fazer caminhada, fazer ginástica, eu mermo sempre.. sempre... tô fazendo minhas caminhada aqui pela pista mermo, vou e volto até a universidade umas três vezes.

Mãe C - É quando os jogos tem disputa de medalha pra ver quem fica com a de ouro, ou de bronze, ou então de prata. Tem os time, treinador, que nem na seleção, só muda de futebol pra vôlei, pra basquete, se tiver jogo e tiver medalhas, que dizer que aquilo é esporte.

Já praticou alguma modalidade esportiva?

Mãe A - Professor Ramon, a única modalidade que eu conheço é na inchada, desde menina, e óia que eu estudei na mesma escola de meu menino e naquele tempo já num tinha essas coisas não, agente tinha era que trabalha pra ajudar em casa.

Mãe B - Eu tinha o costume de brincar na escola, mas na hora de fazer o time... essas coisas, aí eu não fazia parte não.

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Mãe C - Não, mas sempre gostei de assistir os jogos na televisão e pra mim sempre gostei, até hoje se tiver passando alguma coisa na televisão, campeonato ou coisa assim se eu tiver com tempo, eu para pra ver.

O que você entende sobre Lutas?

Mãe A - É uma coisa que as pessoas “usa” pra se defender na rua, pra não apanhar.

Mãe B - Pra mim é que nem aqueles povo que fica lutando na televisão. Tem luta que diferente uma da outra, tipo o boxe, e outras que nem no Tae-Kwon-Do.

Mãe C - Pra mim também é um jeito de se defender. Agora tem gente que aprende pra saí dano murro nos outros, isso ai pra mim já é briga de rua, e violência só gera violência.

Em sua opinião, as aulas de Tae-Kwon-Do podem ajudar na educação das crianças?

Mãe A - Eu acho que pode, se a criança for bem educada pra num tá brigando com os outros na rua, ai sim.

Mãe B – Eu também acho que sim..sabe porque? Esses negoço acaba afastando as crianças e os jovens de um caminho errado, que é as drogas, da violência, da cachaça, então eu acho que acaba ajudando. Já perdi um filho pras drogas e não quero perder outro. Esses daqui eu levo e trago da escola todos os dias, não quero mais correr o risco, só eu sei o que passei.

Mãe C - Creio eu que sim, se no esporte as pessoas tem que ter disciplina pra aprender as coisas, nas lutas deve ser da mesma forma, só muda mesmo o esporte, mais os conhecimento a pessoa leva pra vida toda.