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Rancière - Comunistas sem comunismo? Ementa de curso
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A Ideia de Comunismo (3): Jacques Rancière – Comunistas sem comunismo? (ou “No princípio é a
igualdade...”)
Prof.º Germano Nogueira Prado
EMENTA:
O módulo terá como texto-base a conferência “Communists Without Communism?” [Comunistas
Sem Comunismo?], proferida por Jacques Rancière na primeira edição do evento “A Ideia de
Comunismo”, que teve lugar em Londres, em março de 2009, evento que reuniu uma grande gama
de teóricos dos mais diversos matizes que, não obstante, compartilhavam a tese de que devemos
manter (em algum sentido) a fé na palavra “comunismo”. Tendo essa tese como pano de fundo, a
contribuição de Rancière parte da máxima igualitária da emancipação intelectual, cujas
consequências pedagógico-políticas foram descritas e exploradas por ele no Mestre Ignorante. Essa
máxima, oriunda do pensamento e do método de ensino desenvolvido por Joseph Jacotot no séc.
XIX, deixa-se resumir em dois princípios: (i) a igualdade é/precisa estar no princípio, e não ser
posta como finalidade, pressuposto que abriria um campo de verificação; (ii) a inteligência não é
dividida, mas sim una. Em correspondência a isso, emancipação significaria: (i) a verificação do
potencial igualitário dessa inteligência (pela) (ii) apropriação da inteligência una. Uma vez que,
como diz a frase de Badiou com a qual Rancière começa seu texto, “a hipótese comunista é a
hipótese da emancipação” e que a máxima igualitária seria a “mais consistente e poderosa ideia de
emancipação”, a questão (da conferência e do módulo) passa a ser: “Em que medida pode a
afirmação comunista da inteligência de cada um coincide com a organização comunista da
sociedade?” Para enfrentar essa questão, teremos que fazer frente a (pelo menos) quatro ordens de
problemas: a) as múltiplas experiências sob o nome “comunismo” (gloriosos movimentos do
passado, Estado constituídos e destituídos ao longo do século XX, uma tarefa de emancipação a ser
retomada, o Partido que governa uma das maiores potências capitalistas de hoje); b) o fato de que,
no interior mesmo do movimento comunista e a apesar do seu potencial emancipatório, funciona
sobretudo o princípio diametralmente oposto à máxima igualitária: o princípio da desigualdade.
Esse princípio coloca a igualdade como meta (e não como princípio), estabelece a suspeita no lugar
da confiança (na igualdade da inteligência) e se manifesta sobretudo no que se poderia chamar
“lógica da vanguarda” e os múltiplos modos em que ela separa e opõe “comunistas” (a
“vanguarda/elite” intelectual comunista) e “trabalhadores” (massa, povo, etc.); c) a vitória do
comunismo do Capital sobre o comunismo dos comunistas, via apropriação do trabalho coletivo
imaterial; d) as múltiplas experiências sob o nome “democracia” (a organização estatal da
dominação burguesa, o mundo da vida emoldurado pelo poder da comodidade). Contra os
“comunistas sem comunismo” presentes em b) e c), veremos que, em linhas gerais, a proposta
Rancière será: chamemos isso de “comunismo” ou “democracia” (e ele dá razões para preferirmos o
primeiro nome), o futuro da emancipação “só pode significar o crescimento autônomo do espaço do
comum criado pela livre associação de homens e mulheres implementando o princípio igualitário.”
Esse seria o corolário de uma série de teses que constituem a ideia de emancipação e que, na
medida do possível, deveremos também analisar: 1) a de que o comunismo é uma forma de
temporalidade que singulariza a conexão entre os múltiplos momentos, “famosos” ou não, de
experimentação organizativa igualitária, é um momentum que produz uma reconfiguração no
possível via ressignificação (prática) do comum; 2) a ausência de necessidade histórica do
comunismo assim pensado; 3) a heterogeneidade dele com relação ao tempo da dominação.
Bibliografia básica:
RANCIÈRE, Jacques. “Communists Without Communism?”. In: The Idea of Communism. Edited
by Costas Douzinas and Slavoj Zizek. London: Verso, 2010.
Bibliografia de apoio:
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Tradução de Lilian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica,
2002.
_________________. A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Neto.
São Paulo: Ed. 34, 2005.
___________________. O ódio à democracia. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo,
2014.
Despojo:
(…) entre outas coisas, não perder de vista os múlitplos sentidos presentes em “comunismo”: esta
palavra é não só o nome de gloriosos movimentos ou infames poderes estatais do passado, não só o
nome de uma heroica tarefa a ser retomada, mas também o nome do partido que governa o maior
povo e um dos mais prósperos países capitalistas de hoje. Em particular, é preciso não perder de
vista que, apesar do seu potencial emancipatório, o movimento comunista se estruturou (e se
estrutura) em grande medida segundo o princípio diametralmente oposto à máxima da emancipação:
o príncipio da desigualdade. Esse princípio se manifesta sobretudo nas diversas variações do que se
pode chamar de “lógica da vanguarda”. Estabelecendo uma separação entre “comunistas” (a
“vanguarda/elite” intelectual-comunista) e “trabalhadores” (massa, povo, etc.), essa lógica vai do
extremo (maoísta?) de desvalorizar o impulso comunista da elite téorica em favor da experiência
dos trabalhadores ao extermo oposto de desvalorizar a experiência (particular, sem muito alcance
histórico, condicionada por ilusões ideológicas) em nome do conhecimento da vanguarda comunista
(leninista?).