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 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA PROJETO HISTÓRIA ORAL MEMÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ENTREVISTADA: Drª. Raquel Branquinho Pimenta Mamede Nascimento ENTREVISTADOR: Prof. Dr. José Walter Nunes TRANSCRIÇÃO: Daniela Mendes e Carla Benevides REVISÃO: Juliana Nunes DATA: 22 de março de 2005 LOCAL: Brasília/ DF NÚMERO DE PÁGINAS: 55

Raquel Branquinho

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

PROJETO HISTÓRIA ORAL

MEMÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ENTREVISTADA: Drª. Raquel Branquinho Pimenta Mamede Nascimento

ENTREVISTADOR: Prof. Dr. José Walter Nunes

TRANSCRIÇÃO: Daniela Mendes e Carla Benevides

REVISÃO: Juliana Nunes

DATA: 22 de março de 2005

LOCAL: Brasília/ DF

NÚMERO DE PÁGINAS: 55

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................... 4

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ............................................................................... 4

A OPÇÃO PELO DIREITO...................................................................................... 9

VESTIBULAR.......................................................................................................... 9

A FACULDADE DE DIREITO E O EMPREGO NO BCN ...................................... 11

O CASAMENTO.................................................................................................... 13

TENTATIVA DE IR PARA BRASÍLIA .................................................................... 14

A EDÍCULA – PRIMEIRA CASA ........................................................................... 15

OS PRIMEIROS CONCURSOS NA ÁREA........................................................... 16

O ÚLTIMO ANO DE FACULDADE........................................................................ 19

A MUDANÇA PARA BRASÍLIA............................................................................. 21

O CONCURSO PARA PROCURADOR DO DF.................................................... 23

A PRIMEIRA GRAVIDEZ ...................................................................................... 23

O CONCURSO DO MPF....................................................................................... 24

A POSSE EM CAMPINAS..................................................................................... 26

PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO...................................................................... 27

CARREIRA EM CAMPINAS.................................................................................. 28

A ATUAÇÃO NO RIO DE JANEIRO ..................................................................... 34

O CASO SALVATORE CACCIOLA....................................................................... 35

AS DIFICULDADES TÉCNICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO .............................. 44

O CASO DOS PRECATÓRIOS............................................................................. 46

A MULHER NA PROCURADORIA........................................................................ 52

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VIDA PROFISSIONAL VERSUS VIDA PESSOAL................................................ 53

VIDA POLÍTICO CULTURAL ................................................................................ 54

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APRESENTAÇÃO

Hoje é dia 22 de março de 2005. Estamos aqui no gabinete da procuradora Raquel

Branquinho para uma entrevista onde vamos discutir a experiência dela no Ministério

Público Federal.

Drª. Raquel, você poderia dizer seu nome completo?

Raquel Branquinho Pimenta Mamede Nascimento.

Onde você nasceu?Eu sou natural de Franca, interior de São Paulo.

Quando você nasceu?

Dia 22 de outubro de 1970.

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Você sempre morou em Franca? Como foi sua infância? Quais são suas lembranças

dentro da sua infância?

Bem, a gente morou sempre em cidades pequenas, próximas a Franca, até,

aproximadamente, eu ter 16 anos, quando nós retornamos para Franca de forma definitiva.

Minha família está lá até hoje em dia. E os meus pais, uma família muito simples,

começaram a tentar a vida em vários locais. O meu pai morou até no interior de Goiás, em

uma fazenda, trabalhando, quando eu era bem pequena. Depois minha mãe retornou,

porque minha mãe tem curso superior e o meu pai não tinha, e ela resolveu prestar concursopara tentar dar uma oportunidade de vida melhor para nós. Então, com seis anos, eu

retornei. A minha mãe passou num concurso para a Secretaria Estadual de Fazenda num

cargo de exatora, que se chamava à época, né? E foi assumindo onde havia vagas, dentro

das disposições do concurso. Primeiro nós mudamos para Igarapava. Ela trabalhava lá. Eu

tinha seis anos, freqüentei um colégio estadual, municipal. Minha irmã é dois anos e sete

meses mais nova do que eu, ela era bem pequenininha e o meu pai trabalhava com

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caminhão em empresas que estavam construindo asfalto ou obras públicas, sempre na

região, e ia nos finais de semana. Posteriormente, minha mãe sempre tentou voltar para

mais próximo de Franca. Então surgiu uma vaga em Patrocínio Paulista, que fica a 28 Km

de Franca. Ela foi para Patrocínio. Eu fiquei lá, aproximadamente, um ano e depois ela foi

para Itirapuã, uma cidade também a vinte e poucos quilômetros de Franca. Só que ela

assumiria um posto um pouquinho melhor, né? Então ela resolveu ir para essa cidade. Eu

morei lá dos seis aos doze anos de idade. Foi uma época muito feliz. Nós tivemos sempre

muito problema com dificuldades financeiras, porque o meu pai se acidentou quando eu

tinha, mais ou menos, nove anos. Quase morreu. Teve que vender seu instrumento de

trabalho que era o caminhão. Depois ficou mais ou menos sem emprego e também serecuperando, porque teve lesão cerebral. Passou várias horas em cirurgia, entrou em coma

várias vezes. Então a sobrevivência dele foi quase um milagre. Mas moramos em uma

cidade pequena, com a minha mãe tendo um trabalho, a gente freqüentava um grupo

estadual. Nós não tínhamos casa ainda própria, mas alugava. Eu era muito feliz, porque a

gente tinha um contato de criança mesmo. Você tem sua visão de brincadeira. Brincava

todo dia na praça, na rua... Na prefeitura tinha um paço muito grande. Depois das cinco da

tarde, nós íamos todos para lá. Brincava de amarelinha, de corda, de pega-pega, brigava,

acontecia de tudo. Freqüentava a igreja, o catecismo, os movimentos que tinham na igreja.

A igreja em cidade pequena é quase que um instrumento social muito grande. Em dia de

procissão é uma festa. [risos] Porque não tem outras possibilidades de diversão e de lazer,

mas aquele lazer realmente muito lúdico, bucólico, me traz uma lembrança muito boa. Eu

sempre estudei muito, me dedicava muito. Hoje eu tenho consciência de que o estudo_ era

um estudo_ dentro daquela realidade_ era muito bom, porque embora fosse um colégio

estadual, atendia uma população muito carente. Então, embora muito bem preparados, os

professores, muitas vezes, não tinham condições de cobrar tanto de uma criança que chegacom fome. Muitas vezes na escola, ela não tem aquela possibilidade de dar o melhor de si

no aprendizado. Mas a gente conseguia realmente aprender e ter aquele respeito, aquele

carinho pelos professores. Eu sempre tive ótimas notas, estudei bastante e fiquei em

Itirapuã da minha infância até a pré-adolescência. Até, mais ou menos, meus doze anos de

idade, quando meu irmão nasceu_ eu sou doze anos mais velha que o meu irmão caçula _ e

a minha mãe se transferiu para Cristais Paulista. Uma cidadezinha quase que cidade

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dormitório de Franca, a quinze quilômetros. Muito bem estruturada também com colégio

estadual, colégio municipal, atividades esportivas. Eu freqüentei o grupo lá da sexta à

oitava série, em Cristais Paulista. Na oitava série, minha mãe conseguiu uma bolsa para

mim na escola Cultura Inglesa em Franca, [bolsa] integral, porque não tinha realmente

condições de pagar, de financiar um estudo em escola paga. Eu até me lembro muito bem

que, na época, eu estudava em um colégio e a gente recebia os livros da escola. Eu mesma,

nós mesmos trocávamos os livros com outros alunos de séries anteriores. Eu entregava os

meus para os irmãos deles e assim por diante. A gente apagava o livro inteirinho e a minha

irmã, que era muito folgada, [risos] não gostava muito que eu apagasse para depois ela não

ter que refazer. Eu apagava o meu e apagava o dela para a gente poder estudar. Então nós,realmente, tínhamos aquele negócio de receber os livros da escola ou até de trocar os livros

que já estavam usados. Isso não era regra. No outro colégio, a gente já tinha que adquirir e

tudo o mais, né? Eu comecei a fazer inglês na Cultura na oitava série e fui indo. Tinha que

viajar para Franca, que era muito próximo, mas naquela dificuldade toda, né? Numa escola

paga onde estudava a elite de Franca, uma cidade rica, porque tem uma elite muito grande

por causa da indústria de calçados. E eu ali era bolsista. Não era daquele meio. Mas, de

qualquer forma, eu sempre tive muito entusiasmo com o estudo, muita dedicação. Então

aquilo lá não me atrapalhou tanto, embora deixe você um pouco assim... você se sente um

pouco diferenciado, porque você vê que você é de outra realidade. Mas já no primeiro

colegial, assim que eu terminei a oitava série, fui para Franca estudar e viajava todo dia.

Saía cinco horas da manhã num ônibus. Freqüentava o primeiro colegial de manhã, em uma

escola pública tradicional em Franca, chamada Escola Estadual de Primeiro e Segundo

Graus Torquato Caleiro, que é no centro de Franca. Uma escola tida como uma escola forte.

Uma escola com bons professores. Realmente era uma excelente escola. Aí eu viajava com

um grupo de pessoas, de alunos de Cristais Paulista que, realmente, freqüentava a escola, ocolégio em Franca, embora em Cristais tivesse [escola]. Mas sempre uma cidade maior tem

aquele histórico de ter melhores condições de ensino. Eu ficava lá, duas vezes por semana,

até as três, quatro horas da tarde, porque eu tinha o inglês à tarde. Eu me lembro que eu

levava lanche. Eu sequer podia almoçar porque realmente... Ficava na praça, tomava um

lanche que eu levava de casa, fazia inglês, depois eu voltava no final da tarde e estudava o

tempo todo. Acordava de madrugada para estudar... No segundo colegial, quando eu estava

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no segundo colegial, já com quinze para dezesseis anos, minha família mudou-se para

Franca, para uma casa que minha mãe herdou da minha avó, e foi comprando as partes dos

seus outros irmãos, até ela ficar proprietária da casa que é bem no centro. Uma região boa,

uma casa muito simples, mas no centro. Um local bom. Aí eu continuei estudando no

Torquato Caleiro. Eu ia à pé para a escola todo dia. Minha irmã também foi para uma

escola próxima, porque ela ainda estava na sexta série nessa época. Quando ela iniciou o

colégio, ela foi para a mesma escola [Torquato Caleiro]. No segundo colegial, eu já arrumei

um trabalho. Eu sempre fiz algum trabalho. Eu ajudava minha mãe, né? Nunca fiquei sem

trabalhar. Inclusive a casa era sob nossa responsabilidade [minha e da minha irmã]. Sempre

foi. E no segundo, [colegial] eu já comecei a trabalhar numa livraria que também vendiadiscos. Ali eu conheci todo mundo. Eu lembro [risos] que, na época, a livraria era

tradicional. Chamava-se Livraria Martins. Muito tradicional. No centro, onde todo o tipo de

grupo, o que a gente chama hoje de as diferentes tribos, tinha seu horário. Tinha a turma

das cinco horas, os meninos; das sete horas, que saíam do trabalho. Aos domingos de

manhã era um grupo de aposentados que iam lá ouvir Nelson Gonçalves. E eu já sabia até,

mais ou menos, o gosto do pessoal. Colocava os discos conforme quem estava ali

freqüentando. Até aumentava as vendas. O pessoal até me elogiava. E conheci, realmente

[o pessoal]. Conversava com todo mundo ali. Foi uma experiência muito rica. Eu

trabalhava meio período porque eu estudava de manhã. Sempre estudei de manhã. Eu

trabalhava das quatro até as nove da noite nessa livraria, sábados também, até fechar, e dois

domingos por mês.

Você ainda ajudava em casa também?

Totalmente.

Seu irmão mais novo você ajudava?

Meu irmão ficava quase que por mim e pela responsabilidade da minha irmã, porque minha

mãe sempre trabalhou fora dois turnos. Tinha que entrar oito horas da manhã, sair meio-dia

para almoçar, voltava uma hora e trinta, depois chegava às seis horas da tarde. Então,

realmente, ela ficava com dificuldade de dar aquela assistência. Quando eu era pequena,

minha mãe, de cidade pequena, conseguia pessoas que ajudassem, porque embora ela

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ganhasse pouco, gasta-se menos. A renda na cidade pequena tem uma maior [inaudível],

tem uma melhor expectativa, condições de vida. O custo de vida é menor. Agora em

Franca, depois que nós fomos mudando, a gente nunca mais teve. Eu lembro de ter auxiliar

lá em casa até mais ou menos quando eu tinha uns nove anos, quando a gente já assumiu.

Com nove anos, eu e minha irmã já organizávamos a casa. Ia colocando a minha irmã

também para ajudar dentro do que ela conseguia fazer e queria fazer, porque ela sempre foi

meio revoltada com essa questão. [risos] Eu me lembro que chegava da escola... eu saía da

escola, vamos dizer assim, um tiro. Já ia embora correndo, porque eu chegava lá em casa,

organizava a mesa para o almoço, organizava meu irmão que chegava da escola, dava

almoço para ele, eu limpava a casa, varria, passava pano, organizava os banheiros todos,estudava e, depois, ainda ia para o trabalho. E sempre brigando com a minha irmã, porque

ela não fazia a parte dela. Deixava para mim. Mas isso a gente assumiu desde quando, mais

ou menos, eu tinha nove, dez anos. Assumimos tudo nessa parte de limpeza, de

organização, dentro da nossa possibilidade, dentro da visão de criança, porque, hoje em dia,

eu vou olhar, e não estava nada muito bem feito, mas eu achava que estava, que estava,

assim, um esmero, né? Dia de sábado eu dava faxina na casa. Todo sábado de manhã. O

pessoal, todo mundo reclamava. Meu pai, minha mãe. Falavam que eu era exigente. Tirava

todo mundo de dentro da casa para limpar. [se anima com as lembranças] Retornando,

então, sempre quando eu tive oportunidade de fazer alguma coisa eu trabalhava. Tinha

campanha de vacinação que pagava um extra para quem fosse no sábado, e eu ia auxiliar o

pessoal do posto de saúde, quando eu morava em Cristais [Paulista], para vacinar na zona

rural. Eu sempre tive essa visão de querer trabalhar e ter minha renda, até porque eu sabia

que os meus pais não poderiam me dar as condições de vida que eu almejava, né?

Aí no 2° Grau, você então trabalhou nessa livraria?Eu trabalhei na livraria. Embora fosse meio período, era bastante, porque tirando o período

que eu ficava na escola, o período que eu organizava a minha casa, que eu tinha que

estudar, que eu trabalhava, eu chegava no outro dia na aula meio, muitas vezes, cansada

mesmo, com sono. Dependendo do tipo da aula, física, química, que eu nunca fui muito

versada nessas matérias, me dava até um certo cansaço mesmo.

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A OPÇÃO PELO DIREITO

E no segundo colegial eu decidi. Em Franca tinha uma Universidade que estava iniciando,

mas com um renome muito grande que era a UNESP (Universidade Estadual Paulista) e a

área de Direito, que tinha surgido naquela década, estava, assim, muito aclamada pelos

professores, por todos. Tinha uma faculdade de Direito, particular, subsidiada pela

prefeitura. Até interessante lá.

Particular essa?

É. Particular, e a prefeitura subsidiava um pouco para cobrar menos. [A faculdadeparticular era] na área de Contabilidade, Ciências Econômicas. Tinha Direito também, mas

eu queria fazer na UNESP que é uma universidade pública e também tradicional. E eu

prestei [vestibular]. No segundo colegial, como eu trabalhava, eu consegui economizar um

dinheiro, porque o vestibular era caro. A inscrição do vestibular, em face da minha renda,

não era para ficar, assim, gastando à toa. Vamos dizer, né? Aí eu peguei o meu dinheiro e

paguei a inscrição do vestibular.

Mas quando você estava na segunda série do 2° grau?

Do segundo para o terceiro. Isso se chama segundo colegial. Eu não fiz científico. Quando

eu passei da 8ª série para o primeiro colegial, eu fiquei em dúvida: “Será que eu faço

Contabilidade nessas escolas técnicas, que eu já saio com uma profissão?”. Aí eu resolvi

investir em fazer o curso normal mesmo, o colegial, pensando em me preparar para uma

faculdade, porque eu fiquei com medo de fazer um curso técnico e depois eu não ter o

conhecimento que poderia me garantir passar na faculdade pública, porque eu não tinha

condições de pagar uma faculdade particular em hipótese alguma! Só se eu trabalhasse etivesse uma renda para isso.

VESTIBULAR

O que aconteceu? Eu realmente prestei o vestibular. Eu já estava decidida a fazer Direito,

porque eu gostava muito da área de humanas: história, geografia, OSPB (Organização

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Social da Política Brasileira), que tinha na época. Eu gostava muito dessa área e tive umas

professoras muito boas, que me deram uma boa orientação. E, um dia, eu tive uma palestra

sobre o que era o Direito... Eu vejo hoje muito romantizado, mas que foi excelente para

mim, porque eu falei: “_É essa a profissão que eu quero”. Então eu uni o útil ao agradável.

Tinha uma faculdade pública boa de um curso que eu queria, na cidade onde morava. Seria

o meu objetivo. Aí eu falei: “_Eu vou prestar esse vestibular agora, no segundo ano do 2°

grau, para ver como é. E no ano que vem, eu tento me preparar melhor.” E, realmente, eu

tive a sorte de passar! Foi uma coisa assim... minha família, os amigos, o pessoal ficou

entusiasmado, né? “_Nossa! Passou!” Um curso que dava não sei quantos por vaga na

época. Não eram tantos quanto hoje, mas era bastante concorrido. Mais de dez. Não seiquantos. Quinze por vaga. E eu fiquei doida, né? Baratinada e já chateada porque eu não

poderia entrar aquele ano. Até parece que o diretor da faculdade me consultou para que eu

fizesse uma desistência formal, para que o próximo candidato na lista já pudesse ser

chamado, e eu fiz essa desistência com um peso no coração muito grande. E o terceiro

colegial, quando eu fui para o terceiro colegial, eu fiquei muito preocupada. Foi em 1988.

Eu falei: “_Esse ano vai ser tudo ou nada, porque imagina eu ter desperdiçado a chance da

minha vida e agora eu não conseguir?” Então eu trabalhei até o meio do ano. Saí do meu

trabalho. Eu ia à escola de manhã, mais para manter. Não me preocupava tanto em tirar as

melhores notas, porque eu resolvi fazer um programa de estudo em casa. Eu consegui

aqueles fascículos da Editora Abril para vestibular, completo, da época. E eu estudei

naquilo lá e no que eu tinha de livros de história... Mas eu sempre comecei no início de

tudo. Até para o Direito, depois, quando eu comecei a estudar para os concursos. Eu vou lá

no primeiro livro, na base mesmo, estudo bem aquilo lá, depois eu retorno, faço uma

recordação, avanço um pouquinho, retorno, avanço um pouquinho e faço esse método de

estudo. Também fiz um curso de Português aos sábados junto com datilografia. Faziaquatro horas de manhã de datilografia e quatro à tarde de Português no sábado, o que me

deu uma boa base na parte de morfologia, sintaxe. E prestei, novamente, o vestibular. Fiz a

inscrição já no final do terceiro colegial. A inscrição para o vestibular da Unesp. Só essa

inscrição. Só Direito. Não coloquei nenhuma outra opção. E à noite, porque eu sabia que ia

ter que trabalhar. Fiquei muito preocupada em não passar, com aquele peso da

responsabilidade. Eu mesma cobrando muito de mim. E o que aconteceu foi que realmente

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eu passei. Numa colocação boa, não me lembro. Depois eles me mandaram um documento

falando qual era a colocação no vestibular. E iniciei o ano de 89 fazendo Direito, né?

Faculdade de Direito. E trabalhando num banco que eu iniciei já. Assim que eu terminei o

colegial, eu arrumei emprego, num banco, de caixa.

A FACULDADE DE DIREITO E O EMPREGO NO BCN

Qual banco?

É o BCN. Foi até engraçado porque eu...

BCN é Banco...?

Era Banco de Crédito Nacional. Eu acho que ele já foi encampado por algum desses outros

bancos aí. Eu lembro que eu terminei o vestibular, aquela pressão toda, e eu falei: “_Eu vou

arrumar um emprego”. Aí eu comecei a ir em banco, porque numa cidade igual a Franca,

onde tem muita indústria de calçados, eu não era versada na área de calçados mesmo, né?

Ééé... sobra muito, assim, Banco. Um trabalho que seria médio, que você vê assim que seria

bom. E eu comecei a procurar. E aí aquela história: “_Ah, você tem que aprender a digitar

para trabalhar no caixa. Você tem que trabalhar em calculadora. Você sabe trabalhar em

calculadora?” Eu falei: “_Não, eu sei!” Eu não sabia não [rindo], mas aí eu falei: “_Eu seu

trabalhar sim!”. Aí eu lembro que, na época, eu estava namorando meu atual esposo e eu

falei para ele: “_Eu preciso aprender de hoje para amanhã”. Ele já tinha trabalhado em

banco, trabalhava em banco na época. “_Eu tenho que aprender a digitar em calculadora,

porque amanhã eles vão fazer um testezinho de conhecimentos gerais, essas coisas, e,

também, um prático de calculadora.” Eu fiquei a noite inteira, a tarde inteira treinando. No

outro dia eu estava bem na calculadora. Aí eu fui contratada. Foi uma experiência boa, masque me traumatizou muito, porque eu trabalhei, assim, sem condições, porque era um ano

de ciranda financeira, de juros. Então todo dia, todo mundo passava o dinheiro de over  

[overnight] para open e de open não sei para quê. As filas de banco eram imensas. A

demanda nossa era muito grande. A gente não tinha aquele apoio que esperava ter de

retaguarda, de orientação. Realmente você era jogada num caixa de banco assim... e eu saía

de lá... Eu estava no último ano do inglês. Quase não consegui fazer. Assim...não fiz bem

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feito o último ano do meu inglês. Eu prestei o Cambridge porque na Cultura [Inglesa], você

tem que prestar uma prova First Certificate do Cambridge. Eu passei com uma nota média.

Eu fiquei até chateada porque eu achava que podia ter passado com uma nota melhor, mas

do jeito que estava...Eu fui fazer o primeiro ano de faculdade onde eu tinha Introdução à

Ciência do Direito. Um professor excelente chamado Clóvis, mas ele dava tudo pra gente

ler: Leviatã, Hobbes, Encíclicas Papais da área social, [inaudível], e eu não tinha, a gente

não tinha aquela visão para entender, muitas vezes, o conteúdo do que eu estava lendo,

porque era muito pesado. Direito Romano... E eu ficava doida com todo aquele conteúdo e,

durante o dia, trabalhando o dia inteiro, né? Ainda tive o último ano de inglês. Então foi

muito pesado. Eu mesma acho que eu já desmaiei nesse banco umas três vezes, porque euficava doente, caía nos caixas, o povo me segurava do lado de lá. Era igual boxe. [gesticula

com os braços]

Quantas horas você trabalhava?

Então... eu entrava às dez e devia sair às quatro. Meu horário era o das dez e meia. Seria,

em regra, seis horas, mas nunca eram seis horas. Impossível. Se dava alguma diferença, eu

tinha que conferir fita de caixa, ficava até dez horas. Tinha dia que eu tinha que faltar a

faculdade.

Eles pagavam hora-extra?

Nunca recebi. Nunca recebi, mas também nem entrei contra o banco nem nada, porque

você sai e você quer mudar de vida. Eu sei que eu fiquei traumatizada. Não passei nem na

calçada de banco mais. Pior é que eu prestei concurso para um banco. Porque eu falei:

“_ Eu tenho que passar em alguma coisa. Tenho que sair daqui.” Aí eu prestei concurso

para o BRB (Banco de Brasília) em Brasília. E eu estudei contabilidade, não sabia nada decontabilidade, mas estudei aquele conteúdo todo lá. Mas em Português eu era forte, em

algumas outras áreas, e eu passei no concurso em 90. Eu já estava casada. Casei em janeiro

de 1990. Eu comecei a namorar com dezesseis anos e casei com dezenove, quando eu

terminei o primeiro ano de faculdade. Isso porque o casamento foi assim... não preparei

nada.

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O CASAMENTO

Nós falamos: “_Vamos casar? Vamos”. [risos] Aí minha mãe falou: “_Ah, vamos

organizar”. Esse negócio de festa, de confraternização, foi tudo organizado, assim, um mês

antes. O vestido de noiva minha mãe tinha uma amiga que a irmã dela tinha casado, ganhou

até prêmio numa revista, e me emprestou o vestido. Então foi aquela diversão mesmo. Hoje

eu vejo casamentos com cerimoniais, com uma organização toda. Eu não tive nada dessa

organização. Foi tudo assim, muito simples. Primeiro eu falei: “_Primeiro eu tenho que

terminar a faculdade. O ano. Concluir com notas que eu passe para o próximo ano”. Então

meu objetivo era esse. Passei. Tive que formar no inglês. Formei. Tudo isso em dezembro eia casar em janeiro. Olha só se tem idéia, né?

Aí juntou tudo né?

Tudo. Só que aí, realmente, o casamento foi o que menos me preocupou porque eu estava

feliz com a situação, tranqüila. Não me preocupei com essas questões de organização. Eu

lembro que no dia do casamento eu estava organizando o salão, meu marido correndo,

chegando familiares, aquela coisa. Minha amiga foi lá e passou o terno do meu pai, porque

a minha mãe estava não sei onde organizando. Foi tudo muito assim, mas foi legal! É óbvio

que hoje você enxerga: “_Ó, poderia ter...”, mas não me arrependo de nada.

Hoje têm até empresas que organizam casamento.

É. Você tem que ter também grana. É óbvio que minha mãe fez uma festa. Depois minha

mãe ficou melhor [economicamente], conseguiu uma graduação melhor no trabalho dela, se

aposentou em uma situação melhor, mas eu não peguei nada disso. Eu até falo que peguei

só o pesado. O meu irmão, que é o caçula, já teve estudo em escola paga, entendeu? Jáconseguiu ter. E a minha irmã também, porque demorou bem mais do que eu para casar.

Ficou em casa mais tempo do que eu. Teve uma estrutura melhor. Embora ela também

trabalhava, resolvia a vida dela, mas em casa teve estrutura melhor do que a época quando

eu saí. É, mas aí minha mãe pagou a metade da festa, meu marido também tinha as

economias dele e pagou a outra metade. Nós fizemos convites no computador dele. Ele

programou matricial naquelas folhinhas de papel vegetal que, depois, se chovesse, derretia

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tudo. Não podia molhar. [risos] Então tínhamos que entregar o convite enroladinho

[gesticula, explicando com as mãos]. Mas fizemos tudo e foi muito legal! Mas aí eu já casei

trabalhando... porque eu já tinha começado a trabalhar, e prestei esse concurso [para o

BRB] e passei. Ele falou: “_Bem, é a oportunidade de eu ir para Brasília”. Porque ele

trabalhava no Banco do Brasil.

TENTATIVA DE IR PARA BRASÍLIA

Ah, o concurso do BRB, né?

Meu marido já trabalhava no Banco do Brasil ,porque ele é seis anos e meio mais velho doque eu. Ele já tinha terminado a faculdade. Fez Matemática. Quando eu estava namorando,

ele já tinha terminado a faculdade. Ele já trabalhou na Caixa Estadual, depois tinha entrado

no Banco do Brasil, em 86. Ele falou: “_Brasília é o meu rumo”. Porque ele queria fazer

carreira, né? Eu falei: “_Bem, eu presto o [concurso do] BRB aqui em Brasília, e nós

vamos embora”. E, por coincidência, eu passei. Só que, quando eu fiz os exames médicos,

deu uma dissolução de continuidade, porque tinha entrado o governo [Fernando] Collor. Aí 

suspendeu um pouco, mas depois eles voltaram a me achar, porque eu tinha feito o exame

médico, e eles deram uma interrupção no processo, depois chamaram. Só que, quando eu

fui ver na UnB (Universidade de Brasília), eu gostaria de transferir para a UnB, né? Aí 

quando eu fui ver a situação para eu transferir era muito burocrática. Era incerta.

Dependeria de umas avaliações, porque ele [marido] não estava sendo transferido de ofício

do trabalho dele. Ele estava vindo porque ele queria. Arrumando um posto aqui em Brasília

para ele poder estudar também, porque ele queria fazer mestrado. E eu estava assumindo

um concurso aqui. Então isso, na orientação da época da UnB, não me dava direito a uma

vaga lá. Então falei: “_Eu não vou prejudicar o meu curso”. Eu adorava. Embora todaaquela dificuldade do primeiro ano, eu falei: “_É isso aqui mesmo que eu quero. Eu não

vou prejudicar o meu estudo, porque eu acho que o número um agora é eu terminar uma

faculdade bem feita. Se eu for para Brasília, ainda que eu consiga, a UnB pode não bater

currículo, eu posso perder tempo.” Então eu abandonei o BRB. Só que, nesse meio tempo,

quando eu fui tomar posse no BRB, eu tinha me exonerado com muita alegria e felicidade

do BCN. Todos os gerentes: “_Fica mais! Fica mais!”. E eu falei: “_Não”. Quando eu saí à

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tarde, o dia que eu saí do banco _eu nunca tinha faltado_ eu olhei assim a luz do dia à tarde,

porque o banco era todo com vidros fumê, você não sabia se estava chovendo, ou se estava

sol lá fora, e falei: “_Isso aqui é a liberdade! Eu estava presa”. Aí eu saí do banco. Só que aí 

só meu marido trabalhava, ganhava pouco. Foi aquela época da inflação. A gente ganhava,

tudo subia, foi em 90, né? 91. Eu lembro que nosso aluguel ficou oitenta por cento do

salário dele. Aí o que a gente fez? Vendemos nosso carro. Tínhamos uma Belina.

Ainda teve o Plano Collor, né?

Não, mas eu não tinha dinheiro, né? Então o Plano Collor até que não me pegou, não. Mas

a gente estava em uma situação difícil, porque eu lembro que teve um reajuste da inflaçãoem torno de oitenta por cento de um mês ao outro e o salário não foi repassado. Porque,

antes, o salário sempre era repassado, mas teve uma época em que o salário não teve essa

recomposição e aí o que aconteceu conosco? Ele pagava o aluguel do nosso apartamento e

o aluguel ficou 80% do salário dele, praticamente. Uma coisa assim inimaginável. Nós

vendemos uma Belina que a gente tinha, à álcool, que demorava meia hora para sair, meia

hora para andar.

A EDÍCULA – PRIMEIRA CASA

Vendemos, trocamos num terreno, mudamos para a casa da minha mãe. Moramos dez

meses na casa da minha mãe e construímos uma casinha no fundo [inaudível] terreno

chamada edícula. Mas muito bem construída. Aí eu dei aula particular, dei aula de inglês no

Fisk, dava aula particular e, assim, aquela situação de UTI. Chegava aluno dois meses antes

[da prova] com “D” em tudo, e os pais: “_Ele tem que passar de ano”. [risos] Era um

trabalho de salvação. Aí a gente tinha que fazer milagre. Trabalhamos, nessa época.Construímos a casa mesmo. Ele pintou, eu lixei, trabalhamos juntos na casa. Apesar de ter

pedreiro e tudo, mas nós também trabalhamos. Mudamos para a casa.

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OS PRIMEIROS CONCURSOS NA ÁREA

Nesse meio tempo eu prestei todos os concursos que tinha. Fui passando e fui assumindo

conforme eu era chamada. Aí eu fui escrevente do Fórum. Em 91, era escrevente do Fórum

da Justiça Estadual. Trabalhava digitando alguma coisa, no andamento dos processos, no

cartório cível da Comarca de Franca. Eu não tinha uma visão do todo, mas eu vi como é

difícil, muitas vezes. Não tem realmente um gerenciamento e a Justiça precisa muito disso,

até para otimizar os seus resultados, né? Mas eu trabalhei ali no Fórum. O salário também...

Eu lembro que eu falei: “_Não vou ficar aqui muito tempo”. Porque eram tipo dois, três

salários mínimos na época. Estava defasadíssimo o salário, e eu já fui prestando concursopara outro cargo que fosse possível dentro da minha formação, porque eu ainda não tinha o

terceiro grau completo. Então eu prestei para auxiliar judiciário na Justiça do Trabalho. Aí 

eu passei. Eles chamaram. Eu lembro que a gente teve que fazer esses concursos. A

experiência lá no Fórum de Franca foi muito rica, porque eu estava fazendo o segundo ou

terceiro ano de faculdade e ali eu estava vendo os processos. Eu lia as petições iniciais,

embora o meu trabalho fosse muito mais segmentado, né? Digitar um edital para sair no

 jornal, digitar um despacho, dar andamento no processo. Mas eu pude analisar como é que

funcionava concretamente aquilo que eu estava aprendendo lá na faculdade. É obvio que

você fica um pouco desapontado. Você tem uma expectativa de que as coisas são diferentes

quando você esta estudando no plano teórico. Mas, de qualquer forma, eu sempre fiz

muitos amigos. Também sempre me dediquei muito ao trabalho. Eu mal conheci o juiz,

assim, pessoalmente. Era o Dr. João Sartori. Acho que ele ainda é o juiz da 1ª Vara Cível lá

em Franca, mas eu peguei uma transição que era o Dr. Ivan, um juiz que tinha ido para

Ribeirão [Preto], e o Dr. João Sartori, que havia ingressado. O juiz ficava no andar de cima

e os cartórios no andar de baixo. Quem tinha o contato direto com o juiz era o diretor desecretaria e o funcionário que fazia as audiências. Então, no nosso cartório, nós não

tínhamos esse contato. Mas eu acho que ele até reconhecia o trabalho por indicação do

diretor, e eu o respeitava muito, porque parecia que ele era muito dedicado, um bom

profissional. Mas eu vi que estava difícil ficar ali e eu tinha que prestar outros concursos. E

fui prestando... Engraçado que eu passei no concurso de auxiliar [da Justiça do Trabalho] e

a gente fazia essa prova geralmente em São Paulo. As provas não eram interiorizadas, igual

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hoje em dia se faz prova mais próximo de casa. Antes era em São Paulo. Você viajava a

noite inteira, chegava de madrugada na rodoviária de São Paulo, pegava um metrô ou

ônibus, ia para o local de prova, fazia aquelas provas difíceis, saía totalmente cansada,

pegava um ônibus no mesmo dia, voltava para Franca – são quatro horas, cinco horas o

ônibus entre São Paulo a Franca. Aí você passava na prova, você tinha que fazer uma

prova de datilografia. Tinha que viajar para o centro de São Paulo, para a Praça da Sé, para

fazer uma prova de datilografia de seis minutos, quer era a duração, né? Eu lembro que nós

ficávamos na porta daquelas escolas de datilografia. Isso porque eu já tinha passado para

auxiliar, e auxiliar da Justiça do Trabalho tinha que ter, todas essas áreas meio da Justiça

tinha que ter datilografia. Tinha que digitar e tinha prova. Mas em vez de fazer a prova numlocal, não. Você ia viajar para São Paulo, gastar dinheiro, passar a noite inteira para fazer a

prova de datilografia. E eu sempre nervosa. Porque eu até lembro quando eu tirei a minha

carteira de habilitação. Eu fiquei totalmente nervosa. Esqueci todas as regrinhas, as dicas

que o orientador tinha me passado. “_Quando você vir o pauzinho sumir, você pára. Você

vira para a esquerda”. Eu esqueci tudo isso. Eu fiquei numa situação. Aí eu lembro até que

me falaram que o delegado de trânsito falou: “_Essa aí já foi reprovada!”. E eu contornei

[gesticula com as mãos e ri], minha perna balançando ali, e passei. Na primeira. Mas foi

assim, ó? Um sufoco. A mesma coisa a datilografia de auxiliar judiciário. A gente naquela

fila, naquela tensão, chamam: “_Entra mais trinta”. Entrava na sala. “_Olha, você tem aqui

a instrução, tantos minutos, não sei o que lá...”.

Que nem aquela metralhadora.

Aí aquilo me dava tudo quanto é tique nervoso. Meu rosto balançava, meu braço puxava,

minha perna pulava. Eu tinha que controlar esses negócios todos para conseguir fazer o

mínimo. Hoje em dia eu digito. Quando eu digitava, eu digitava com mais de duzentostoques por minuto. Só que naquele nervoso todo, eu voltava para casa deprimida. “_Eu não

passei. Eu não fiz o mínimo”. Depois consegui passar, porque acho que não é impossível,

né? Eu acho até que o pessoal olhava [gesticula com as mãos indicando os toques na

máquina]... Aí quando estava em greve no Fórum_ porque os salários estavam defasados,

teve uma greve no Judiciário, acho que era 91_ eu nem entrei de greve, porque foi

 justamente quando me chamaram para assumir na Justiça do Trabalho. Eu fui a pessoa mais

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feliz na face da terra. O meu salário ia aumentar, a Justiça do Trabalho era Justiça Federal,

tinha melhores condições de trabalho. Saí a pessoa mais feliz do mundo. E, realmente,

assumi na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Franca. Tive uma excelente diretora:

Maria Helena Quirino. Até hoje, quando eu vou a Franca, de vez em quando eu a

encontro.Ela me manda cartão de natal. Assim, eu a respeito muito. Uma pessoa que

trabalhava demais. E tiveram alguns juízes. Porque juiz nunca fica. Vem, depois pede

transferência para outro local, mas era o Dr. Paulo. Não me recordo qual o sobrenome dele

agora, mas eu trabalhava diretamente com ele. Tinha uma gratificação que ninguém queria

porque o negócio não devia ser bom, né? Aí a gratificação estava sobrando para quem

fizesse audiência com o juiz, preparasse os processos para as audiências, digitasse assentenças. Eu assumi esse cargo. E ele era muito preso porque você tinha que ficar a tarde

inteira fazendo audiência e digitando. O juiz viu que eu fazia duas coisas, porque eu era um

pouco dinâmica, então ele me colocou em duas salas. Eu fazia a instrução com ele e a

conciliação com os classistas. Então estava lá fazia as conciliações. “_Conseguiu?”.

“_Não”. Deixava mais ou menos no ponto, digitava o termo, voltava para a instrução e

enquanto eles faziam a negociação, voltava lá, terminava a instrução depois. A gente

conseguia fazer duas coisas ao mesmo tempo, praticamente. E separava os processos para a

audiência, fazia as pautas. Eu lembro até que uma vez na sexta-feira, as audiências eram de

manhã, e eu, na faculdade, saí para comemorar não sei o quê. Dormi tarde e, no outro dia,

acordei em cima da hora. Tinha que estar lá às sete e meia e eu acordei tarde. Coloquei

minha lente de contato sem colocar o neutralizador e o negócio queimou meu olho. Eu sei

que cheguei sete e meia na Justiça com o olho saindo água sem parar. Eu não enxergava.

Fiz audiência com ele, digitei tudo. Quase molhava o papel. Tinha que ficar longe assim,

[se afasta da mesa levemente e ri] porque eu coloquei a lente... O Dr. até ria. Eu falava

assim: “_Nossa, acontecem umas situações”. Mas eu fiz a audiência porque eu tinha quefazer. Não tinha outra pessoa naquele dia. Era de manhã e Junta é uma situação muito

assim: você se sente bem, porque você esta na Justiça do Trabalho. Você efetivamente está

dando uma prestação jurisdicional rápida para quem precisa. Então ali está o trabalhador.

Ele tem o acesso fácil, as audiências realmente eram rápidas, o juiz dava a sentença e eu,

muitas vezes, pegava aquelas carteiras de trabalho... porque eu tinha que pegar as carteiras

de trabalho para qualificar a pessoa. Ficava do lado do juiz para fazer a ata e a audiência,

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toda digitada. Era em máquina de escrever elétrica, ainda não era computador. E eu pegava

aquelas carteiras assim, desmanchando. Trabalhador rural, a pessoa tinha viajado. Tinha

carteira de tudo quanto é tipo. Eu pegava assim, olha... Eu ficava com dó da pessoa.

Também, ai meu Deus! É cada carteira de trabalho que vem aqui. Você vê que retrata muito

a vida das pessoas. Muitas das vezes cinco carteiras de trabalho. A gente pega tudo

direitinho. Mas eu gostava muito. Eu trabalhava lá das onze e meia, mais ou menos, até as

sete. Saía direto da Junta às sete horas. A faculdade começava às sete, mas como a cidade

tinha um trânsito bom, chegava às sete e quinze, comia um enroladinho de queijo com um

enroladinho não sei do quê e ia para a aula. Tinha uma cantina na faculdade e a moça até

separava, já sabia que eu pegava todo dia a mesma coisa. [risos] Comia, ia para a aula,ficava até as onze horas na aula, ia para casa e ainda estudava e tal. Durante a faculdade, eu

me dediquei muito a faculdade. Tudo que eu podia, dentro das minhas condições. Porque

eu gostava muito de estudar. Tentava fazer os trabalhos nos finais de semana e tudo o mais.

O ÚLTIMO ANO DE FACULDADE

Em 92, no final de 92, eu estava no quarto ano de faculdade, e meu marido teve uma

proposta para vir para Brasília e ele veio com o objetivo de fazer mestrado na UnB. E eu

fiquei lá para terminar meu último ano de faculdade, porque eu falei: “_Não vou

interromper agora o curso”. E eu terminei. Foi em novembro de 92 que ele veio para

Brasília. Nós ficamos viajando todo final de semana de ônibus. Ele fala que ele vinha mais

do que eu, e ele tem razão, coitado. Ele saía do banco, pegava um ônibus, viajava a noite

inteira, chegava em Franca de manhã, ficava sábado, voltava domingo cinco horas da tarde

e, na segunda-feira, ia trabalhar. E eu vinha mais nos feriados, mas eu vinha também,

porque, no outro dia, eu estava morta quando eu voltava para Franca. Eu já ia para Juntatrabalhar, digitava os negócios tudo assim embolado. Aí o meu marido veio para Brasília

em novembro de 92. Eu falei: “_Vou ficar em Franca, fazer o último ano de faculdade, me

formar e eu vou para lá também”. Nós mal moramos juntos na edícula que nós construímos

e ele veio para cá. Aí eu ficava lá assim: eu ia à noite para a faculdade, fazia faculdade,

dormia na casa da minha mãe, acordava no outro dia cedinho, deixava meu irmão na escola

às sete horas da manhã e ia para minha casa. Ficava lá até às onze horas_ quando eu entrava

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na Junta_ estudando, organizando a casa e estudando. Almoçava e ia para a Junta.

Trabalhava na Junta e, à noite, eu ia para a Faculdade. Eu fazia essa rotina, assim, para não

dormir sozinha lá, porque era afastado o bairro e tudo o mais. E aí, no final de semana,

quando eu não vinha [para Brasília] _eu preferia vir mais quando eu estava em feriado,

porque eu também estudava e era muito cansativo_ ele ia todos [os finais de semana]. A

gente não pulava um final de semana. Começo de casamento, você já está chateado de estar

separado e tal, mas era difícil porque era ônibus. Não tínhamos dinheiro para avião nem

nada. Até hoje ninguém tem dinheiro para avião. Avião é uma coisa inacessível para ser

rotina, né? E nós ficamos naquela rotina, viajando, e eu prestei, no início de 93, concurso

para nível superior. Eu era auxiliar e prestei para técnico da Justiça do Trabalho. Aí eupassei, mas eu falei: “_Bem, passei, só que vou aguardar a nomeação”. Eu não tinha o curso

superior e o edital falava que na nomeação é que tinha que apresentar a conclusão do curso.

Aí eu tive sorte porque eles demoraram para nomear. Nomearam em dezembro, quando eu

 já tinha terminado o curso de Direito. Eu apresentei o certificado e assumi como técnico, já

formando, porque eu formei em dezembro. O último ano da faculdade foi muito pesado.

Tinha que apresentar monografia. Tinha um professor que adorava Coimbra, Pontes de

Miranda. Fazia uma prova pra gente sobre Pontes de Miranda que é um autor de Direito

muito conhecido, mas ele é singular, o pensamento dele não é corrente. Ele tem só no

tratado de Direito Civil 65 volumes. Tratado de Processual Civil não sei quantos mil

volumes. Ele é realmente um autor de peso. Só que era árduo entender o entendimento dele

e a gente tinha que fazer uma prova oral, selecionar um texto, como se faz em Coimbra nos

encerramentos do curso. Uma sustentação oral com banca e tudo e uma tese sobre Pontes

de Miranda. Então eu suava para fazer isso daí. E também é no último ano que todo mundo

está cobrando alguma coisa. Em vez de relaxarem por estar no último ano, não! Está todo

mundo querendo concluir um negócio, cobrar. E eu falei: “_Meu Deus do Céu! Vou ficardoida aqui”. Mas deu certo, graças a Deus. Eu sempre estudei muito. A minha faculdade foi

assim sem dificuldade. Sem dificuldade vírgula, né? Uma dificuldade imensa porque eu

tinha que estudar igual uma condenada, mas eu tirava assim, dez em Direito

Administrativo. Nessa área até que tenho mais facilidade hoje. Sempre fui muito boa aluna.

Me dedicava bastante. E tentando aprimorar. Ia nos estágios, assistia audiência, trabalhava

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na Justiça. Sempre fazendo trabalhos. Tudo isso. E no último ano eu passei nesse concurso.

Eu falei: “_Bem, agora eu tenho que ir para Brasília”.

A MUDANÇA PARA BRASÍLIA

Só que eu nunca, como eu disse, não conhecia ninguém em lugar nenhum. Eu sempre entrei

nos lugares pelo concurso e me estabeleci pelo trabalho. E também nunca estive num órgão

que tivesse alguma conotação política de indicação, porque quando a gente trabalha na

base, não tem nada disso, né? E eu trabalhei em Junta. Aí o que aconteceu? Eu consegui

uma moça que trabalhava no TST e queria ir para Campinas. O meu Tribunal era a 15ªRegião, vinculado a Campinas. O único Estado que tinha dois Tribunais e ainda tem dois

Tribunais Regionais do Trabalho é São Paulo. Tinha o tribunal em São Paulo e tinha o

tribunal em Campinas, porque São Paulo historicamente é muito industrializado e tem uma

demanda muito grande na área da Justiça do Trabalho. Então ele tem dois tribunais:

Campina e São Paulo. E eu era vinculada ao tribunal de Campinas, onde eu tinha prestado o

concurso. E ela queria ir para lá. Então nós fizemos uma permuta e eu vim para Brasília.

Início de 94. Nesse meio tempo nós tínhamos vendido nossa edícula e comprado um

apartamentozinho de dois quartos no Cruzeiro Novo, onde meu marido ficou o ano de 93

praticamente sozinho. Tínhamos juntado um dinheirinho e conseguido dar entrada,

vendendo o apartamento do Cruzeiro, e nós compramos o direito de uma colega dele que

morava na AOS 4. Aí nós mudamos para lá, para a Octogonal, e eu comecei a trabalhar no

TST, e ele continuou trabalhando no Banco do Brasil. Nisso ele já estava fazendo a prova

do mestrado. Ele se preparou no ano de 93 e acho que ele iniciou o mestrado na área de

Economia na UnB, em 94, se não me engano. E eu tive uma decepção muito grande com o

TST, porque eu fui apresentada ao diretor geral do TST não porque eu pedi, mas eles:“_Ah, você chegou aqui, então você vai ser apresentada para o diretor geral”. A sensação

que eu tinha é que eu ia ser jogada para um canto, para o outro. Eles não tinham uma rotina

para esses encaminhamentos. Um método, critérios, nada, e atendiam a gente com muito

desdém também. E aí eu fui, fiquei lá esperando horas na sala desse diretor. Quando ele me

atendeu, nem sequer me olhou, não olhou meu currículo, nem onde eu tinha me formado.

Ele falou assim: “_Você vai ser lotada na seção de pessoal”. Então eu até falei: “_Mas eu

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fiz Direito numa faculdade muito boa. Tenho boas notas”. Quando eu fechei, eles me deram

aquele histórico de notas. “_Tenho experiência na área do trabalho, eu trabalhei em Junta, o

 juiz fazia a sentença, eu digitava”. Mas, quer dizer, você tem uma experiência na área...

Nada! Ele me jogou lá na área do serviço de pessoal, que eu vi que era uma área

problemática, com funcionários problemáticos. Tipo assim: deu problema em tudo quanto

era lugar, ia para lá. Uma disputa de poder e uns negócios lá que eu não entendia direito,

porque eu não tinha o histórico. Depois eu fui conhecendo como era aquilo lá. Porque uma

coisa eu tenho certa: a Constituição de 88 foi um marco, porque o concurso público limpou

essas coisas que existiam muito. Ainda tem, né? Tem aquela porcentagem que pode ser

chamada por livre nomeação e tudo o mais. Mas a regra é o concurso público. É a pessoa seestabelecer pelos seus próprios méritos e tudo mais. Mas o TST, em 94, ainda tinha um

saldo muito grande de funcionários antigos que tinham entrado sem concurso, por

indicação dos presidentes da época, por critérios totalmente... Pessoas que não tinham a

mínima preparação. Não sabiam digitar, não sabiam escrever, não sabiam redigir. Então o

que é que a pessoa vai fazer? Então tinha um inchaço de funcionários e uma pouca

eficiência do serviço. Muito pouca. Mas nisso eu já ia vendo o pessoal novo entrando e

mudando a mentalidade. Porque o mínimo que a pessoa fizesse, já estava muito bom. E

nesse setor eu tive essa dificuldade, porque eu tinha que ficar preparando uma lista e

olhando: “juiz classista para o Tribunal tal. Ele tem título eleitoral, cópia do RG, cópia do

CPF”. Aí eu olhava numa listagem, fazia um check list e montava um dossiêzinho do juiz

classista naquele setor lá. Uma salinha, uns fumando_ eu sempre tive problema alérgico

com cigarro_ não tinha janela direito, quer dizer, foi um trauma! Eu estava em depressão.

Eu já ia pedir exoneração. Aí um juiz do Tribunal, José Luiz Vasconcellos, ficou sabendo

que eu tinha formação em Direito e me chamou para trabalhar no gabinete dele. Eu fui

trabalhar no gabinete dele na área fim, na área de processos. Gostei muito porque pudetrabalhar, mas também tive aquela visão de que a pessoa que não era filha de ministro,

sobrinha de ministro, e filho de não sei quem, ela não tinha funções melhores. As funções

melhores no tribunal, naquela época, eram indicações por critérios subjetivos. Tinham

muitos parentes de um no gabinete de outro, parentes de outro no gabinete de um e que não

trabalhavam tanto quanto a gente. Então eu achava tudo aquilo um absurdo porque minha

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história de vida é não querer privilégio para mim, é querer meu lugar por meus próprios

méritos e garantir isso para todo mundo.

O CONCURSO PARA PROCURADOR DO DF

Então eu comecei a prestar concurso. Prestei concurso para procurador do DF e procurador

Autárquico e Fundacional. Procurador do DF é como se fosse um advogado do Distrito

Federal. Era um concurso, e ainda é, muito concorrido, muito difícil, com nota de corte alta,

sessenta por cento por grupo, e tudo o mais. E eu estudei bastante para esse concurso. Fiz a

prova e fui aprovada nos dois. No Autárquico e no Fundacional, porque eles fizeram doisconcursos que são atividades afins, mas que são carreiras diferentes. Desculpe, Autárquico

e Fundacional e para Defensor. Eu fiz os dois. Do DF. Então era o concurso de procurador

Autárquico e Fundacional e o de Defensor. Os dois foram andando paralelos. O mesmo

estilo de prova. Demorou um pouco, porque demorava para os professores corrigirem as

provas, para dar resposta para passar para a segunda [fase]. Eram três fases.

A PRIMEIRA GRAVIDEZ

Eu lembro que na segunda fase que era subjetiva, eu estava grávida já de oito meses com

toda aquela dificuldade para fazer a prova, mesmo porque minha primeira gravidez foi

muito problemática. E eu fiz a prova, depois eu tive minha filha. Eu tive infecção hospitalar

e quase morri, literalmente. Fiz um tratamento árduo para tentar conter o avanço da bactéria

que, graças a Deus, não avançou. Mas minha filha nasceu com baixo peso, eu tive todo um

problema no início. Ter de tratar de mim e dela que era pequenininha e requeria maiores

cuidados, além de ser o primeiro filho que é tudo mais difícil, né? Mas, mesmo assim,continuei estudando. Fiz a prova oral de procurador Autárquico e Fundacional, ia operar no

outro dia. Fiz a prova oral e falei: “_Vou vencer essa meta”. Até falava para o médico: “_

Não adianta marcar minha operação antes dessa prova aqui. Está marcada para tal dia e eu

quero fazer antes da cirurgia, porque eu não sei se depois vou ter condições de ir lá e fazer e

eu não quero perder”. Concurso é assim: se não foi no dia, você perdeu. Ele respeitou isso.

Fui estudando, fiz [a prova]. Depois até acho engraçado. Minha casa era só livro. Fralda,

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livro, mamadeira. Aí eu guardei tudo e falei: “_Não, amanhã eu faço a cirurgia”. Para

fechar tudo, né? Porque os pontos abriram todos, tive que fazer tratamento com curativos

durante vinte ou trinta dias, tomar antibiótico. Aí o engraçado é que aí eu esqueci. Venci

isso aqui, depois saiu o resultado, “_Pronto. Fiz o melhor que eu pude. Agora eu passo para

cá”. E voltou toda a minha aflição. Aí eu falei: “_Agora eu morro mesmo!”. Tive aquelas

febres que a gente fica com aquelas tremedeiras. O médico também estranhou a situação.

Minha família estava em polvorosa no interior de São Paulo, querendo que eu mudasse de

médico. Meu marido também estava inseguro, mas a gente achou melhor manter [o

médico], porque eu falei: “_Aqui o médico conhece o meu histórico. Vou chegar lá [em

São Paulo], vou ser mais uma pessoa no meio da multidão”. Mas, graças a Deus, superamostudo isso. É uma fase assim na vida que depois a gente olha e fala: “_Venci”. Na época,

você fala assim: “_Não sei o dia de amanhã”. Aí passei no concurso de procurador

Autárquico e Fundacional, que era meu objetivo. Um cargo bom, salário bom, um trabalho

na minha área mesmo. E o que aconteceu foi que assumiu o governo Cristovam [Buarque].

Teve uma série de problemas com a Justiça. Começou todo dia a fazer seqüestros, retenção

de valores de pagamento de funcionários para pagar precatórios. A situação foi bem

complicada no início da gestão dele e, um dia, ele suspendeu as contratações. Eu tinha

ficado em trigésimo alguma coisa no concurso e chamaram só os seis primeiros. Até acho

engraçado porque a regra é chamarem cinco, dez e chamaram seis. A sexta era a filha de

um senador. Aí o pessoal até falou que ele [o senador] pediu, deu uma pressionada para

chamar. Eu fiquei muito chateada com a situação, porque eu estava na expectativa de sair

do tribunal e assumir esse cargo. O meu salários ia melhorar, minha condição de vida ia

melhorar e eu ainda ia trabalhar.

O CONCURSO DO MPF

Aí, nesse meio tempo, enquanto suspenderam a contratação, embora o concurso já estivesse

concluído, eu prestei para procurador da República. Ministério Público Federal eu nem

sabia direito o que era. Mas eu falei: “_Bem, eu estou vendo aqui que a matéria do

concurso é semelhante à de juiz”. Eu já havia prestado o de juiz do Trabalho quando eu

estava na Justiça do Trabalho. Chegava até a terceira fase. Na primeira prova que era de

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teste, eu fazia assim, cem testes, oitenta, noventa. Ninguém fazia. Porque eu trabalhava na

Justiça do Trabalho. Na segunda [fase] eu passava, na terceira, mas na quarta.... Porque a

Justiça do Trabalho, nem ela mesma se entendia. Porque tiveram algumas orientações que a

Constituição trouxe que ainda estavam muito divergentes. Então, muitas vezes, eles

perguntavam nas provas justamente as questões polêmicas. Eu apresentava uma orientação

que eu tinha aqui no TST, que é a corte máxima da Justiça do trabalho, mas os juízes que

corrigiam, muitas vezes, tinham outro entendimento. Então isso ficava muito assim... Eu

prestei três provas para a Justiça do trabalho. Quase passei, mas não passei. E, hoje, eu até

fico muito feliz com isso, porque minha vida tomou um rumo que eu queria. Porque eu

entrei na profissão tal qual o Direito. Talhada para a qual eu fui talhada, né? Sem saber.Então eu não tinha nenhum familiar que era procurador, não sabia o que era procurador da

República direito, qual era a função, nem nada. Comecei a estudar para esse concurso

sabendo que era um concurso bom, uma área valorizada, enquanto não resolviam meu

problema lá para procurador do DF. Aí eu passei na primeira fase, dizem que é a fase mais

difícil do nosso concurso. Aí assumi lá na Procuradoria do DF. Quando eu assumi,

obviamente, quem entra pega a pedreira, né? Então eu trabalhava em tudo: passava em

Junta, vara da Fazenda, TRT, Tribunal, tudo no mesmo dia. Eu não tinha tempo de estudar,

mas eu fiz a segunda fase do procurador da República que são provas subjetivas. Mas eu já

tinha uma base muito boa, porque eu tinha estudado muito para procurador do DF e passei

nesse concurso. Aí eu fiquei um pouco em dúvida, porque meu marido tinha terminado o

mestrado, queria seguir a carreira dele aqui no banco e eu fiquei em dúvida se assumiria ou

não e eu resolvi assumir. Porque eu falei: “_Eu não sou de Brasília e procurador do DF

sempre vai ser vinculado aqui porque é um cargo próprio do DF. Então é melhor que eu

assuma um federal, porque se amanhã eu quiser voltar para o interior de São Paulo, eu

tenho como transferir”. Aí eu tomei posse. Nós fomos sete aprovados em Brasília. Meuconcurso foi de cento e dois aprovados. Eu fui a de número trinta e três, depois das provas

de títulos. Antes do concurso de provas e títulos eu acho que tinha até uma colocação

melhor, mas a colocação final foi essa. Em Brasília eram sete aprovados e não tinha

nenhuma vaga.

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A POSSE EM CAMPINAS

Eu selecionei ir para Campinas , interior de São Paulo, próximo a São Paulo e a 300 Km da

minha cidade, Franca, de onde eu nunca perdi o vínculo. Quando eu morava aqui [em

Brasília], todas as férias, feriados... Sempre que posso eu sempre vou para Franca. E o que

aconteceu? Meu marido estava no banco, teve que, realmente, dar uma guinada na carreira

dele em função disso, procurar um lugar onde ele pudesse trabalhar em São Paulo. Em

Campinas sequer tinha, porque ele trabalhava na direção geral. O perfil de agência não é o

mesmo de direção geral. Ele foi trabalhar em uma Superintendência em São Paulo depois

de seis meses. Eu fui em fevereiro de 97. Minha filha ficou em Franca. Tinha um ano enove meses. Meu pai tinha sofrido um infarto, naquela época. Foi uma época muito

complicada, mas eu assumi em Campinas. Fiquei em Campinas. Tive o apoio do meu

cunhado, aluguei um apartamento, fiquei lá. O meu marido ainda ficou em Brasília. A gente

se via no final de semana, quando dava. Aí ele conseguiu assumir em São Paulo e eu

continuei em Campinas. O trabalho de Campinas foi excelente. Foi um laboratório. Foi meu

início como Ministério Público. A visão do que é Ministério Público. Nós iniciamos lá

quando tinha um procurador só. Ele ficou lá vários anos. Dr. Ademar. Ele era um

procurador da época antiga, de antes da Constituição de 88. Advogava para a União. Então

ele tinha uma outra visão de Ministério Público, o que muito me marcou. Quando passei no

meu concurso para procurador, tivemos um curso rápido, nem vou dizer um curso, uma

apresentação aqui em Brasília, onde aquelas principais personalidades do Ministério

Público, Dr. Vagner, que é corregedor e outros procuradores mais experientes conversaram

com a gente, passaram uma visão do trabalho deles, do que é Ministério público. E eu falei:

“_Poxa! Esse é um trabalho excelente. Eu estou no lugar que eu quero. Isso aqui mesmo

que eu quero. Transformação social, poder acompanhar políticas públicas, barrar acorrupção, Nossa Senhora! Isso aqui é o que eu acho que eu vou trabalhar mesmo”. E eu já

cheguei lá em Campinas com essa visão. Desse curso. Hoje o curso é muito melhor, o que

eles preparam para os novos procuradores. Realmente é um curso. Antes era uma

apresentação. E chegamos [a Campinas] eu e mais três colegas. Os três do Rio Grande do

Sul. Com uma eu mantenho um vínculo até hoje com ela, Drª. Luciana Guarnieri, muito

forte. Éramos duas mulheres e dois homens: Dr. Fernando, que está no Acre, e Dr. José

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Osmar Pumes, que está também em Porto Alegre, e a Drª. Luciana que está em Caxias do

Sul hoje. Mas nós duas ficamos muito amigas. E o José Osmar também auxiliava a gente. O

Dr. Fernando era um pouco mais reservado, mas respeitava muito o trabalho da gente. E

nós pegamos uma área assim... de um procurador que tinha uma outra visão, também uma

outra condição de trabalho, porque ele era sozinho. E tinha alguns procuradores que tinham

passado seis meses lá antes da gente, dois ou três procuradores, mas foram removidos.

Então não deu para fazer um trabalho continuidade. E nós chegamos lá e, realmente,

chegamos e começamos a modificar [inaudível]. “_Aqui o Ministério Público tem que ser

conhecido. A gente tem que fazer a população saber o que é o nosso trabalho”. Aí essa

minha colega tinha uma experiência criminal muito grande e eu comecei a trabalhar muitona área de tutela. A gente tinha uma orientação de São Paulo. Tem uma colega, a Lísia

Cristina, que era procuradora de Defesa do Cidadão, naquela época, que passava uma visão

do trabalho dela para nós. O que faziam em São Paulo, o que eles meio que reproduziam no

interior para nós fazermos também. E ali eu lembro que a gente começou a ter uma atuação

[na área de meio] ambiente. Uma vez teve uma poluição imensa num rio, que uma

empresa... [provocada por uma empresa]. Campinas é uma região muito industrializada e

aqueles dejetos industriais caíram no rio que abastecia a cidade e mataram não sei quantos

da população total de peixes. Nós nos unimos ao promotor da cidade, fomos para lá,

participamos de reuniões com a sociedade, entramos com uma ação civil pública para

produzir provas, entramos com uma ação de indenização contra a empresa. Então aquilo lá

deu, realmente, uma repercussão muito grande lá na região, e eu começava a trabalhar

muito nessa área da tutela e ela mais com atuação na área do crime. Uma apoiando a outra e

os outros também.

PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O que é mesmo Tutela?

A tutela é tudo aquilo que a gente fala, além da vocação criminal, porque o Ministério

Público está representando a sociedade. Então a sociedade tem que se defender contra

aquelas práticas que ela considera inadmissíveis, porque quando a prática é a tal ponto

grave ela é criminalizada. Então para ela se defender quanto às práticas ilícitas criminais

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tem o Ministério Público, seu representante, que vai levar para a Justiça, processar aquela

pessoa. [o MP] Tem obrigação de levar as provas e obter, dentro do seu melhor trabalho, a

condenação quando for o caso. Então eu sou representante na área criminal. E na área cível  

[inaudível]. Essa visão de Ministério Público não existe quase que no mundo nenhum. Não

existe em outra parte do mundo, o Ministério Público tal como ele é aqui no Brasil. Até em

função de nosso histórico de muita deficiência na parte da tutela da sociedade. Nós sempre

tivemos uma orientação muito individualista do processo civil. Eu defendo a minha

propriedade, a minha terra, o meu direito, mas nunca aquela visão coletiva. Isso começou a

ser criado na década de 70/ 80. Uma visão de defesa da sociedade, principalmente, na parte

do meio ambiente e do consumidor. E com isso, quando veio a lei que regulamentou aatividade do Ministério Público, e principalmente a Constituição Federal, quem vai ser o

representante da sociedade na área cível para a proteção de tudo que seja de interesse

coletivo, seja coletivo de um grupo certo de pessoas, coletivo de um grupo determinável de

pessoas, ou coletivo de toda a sociedade de forma que você não possa nem mensurar, quem

vai ser beneficiado ou não por essas ações, vai ser o Ministério Público. E ele vai ter

também uma função de defender os hipossuficientes, índios, crianças, adolescentes, idosos,

meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, patrimônio público, uma grande função do

Ministério Público, ações na área da saúde, da educação. Então tudo isso que a nossa

Constituição prioriza.

CARREIRA EM CAMPINAS

Em Campinas não tinha uma divisão temática. Nós chegamos, quatro procuradores recém

ingressos, os quatro na mesma situação, mas cada um com uma visão, uma estória de vida

diferente. Eu me identifiquei muito com o Dr. Luciano que tinha a mesma vontade demodificação que eu tinha de alteração, de utilizar como instrumento efetivo mesmo. Os

outros também dentro da sua visão, mas nós trabalhamos mais conjuntamente. Nós não

tínhamos divisão de área, nós trabalhávamos em tudo: mandado de segurança, parecer. O

Ministério Público tem três funções muito características: criminal, processar crimes que

sejam de ação penal pública ou quando a pessoa representa, sujeita a representação. Cível,

de defesa coletiva. Aí ele é autor de vários tipos de ação, todo tipo de ação vinculada

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através... Todo tipo de pretensão possível que possa ser veiculada numa Ação Civil Pública,

em algumas ações específicas, o Ministério Público é o representante para fazer isso na área

coletiva e também tem leis que determinam que ele atue como parecerista em processos. A

maior demanda de pareceres é no mandado de segurança que tem a parte que entra com a

ação; tem o juiz, que vai dar a sentença; e ainda tem o Ministério Público, que vai dar o

parecer. Eu não acho essa a prioritária das nossas funções. Não pode ser relegada, porque

ali a gente vê muita coisa que pode também apontar um caminho correto, ensejar uma outra

apuração por ali, mas não é uma área prioritária. Nossa área prioritária é a defesa da

sociedade, coletivamente falando, né? Ainda que a gente trate de um caso individual que há

uma repercussão coletiva. Então lá eu fui me aprimorando mais nessa parte coletiva e elamais na criminal, embora nós trabalhássemos o máximo juntas. Eu também fui treinando

mais a parte criminal que eu não tinha experiência. Ela já teve experiência porque ela já

tinha sido estagiária no Ministério Público Estadual no Rio Grande do Sul. Eu não tinha

nenhuma experiência na área criminal e comecei a reviver isso e a aprender no dia-a-dia,

mas eu dava um grande enfoque para essas ações coletivas. Até me lembro muito bem que

em Campinas duas coisas marcaram muito, porque a gente começou a trabalhar em São

Paulo. A colega Luiza Cristina, que estava nessa área específica de defesa do cidadão, ela

entrou com ações, porque a Constituição dá direito ao benefício da assistência à prestação

social continuada, que é um salário mínimo para criança, para pessoa portadora de

deficiência que não pode prover seu sustento ou ser provido pela sua família e para o idoso.

E, na época, isso não estava sendo implementado de forma alguma. Aí eu lembro que saiu

até uma lei que é a Lei da Assistência Social, de 1993, do governo Fernando Henrique, que

falou que o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) é o gerenciador desse mega

programa de assistência social que está no artigo 203 da Constituição Federal, inciso

quinto. “Nós, governo, considerando a pessoa, além da parte da incapacidade física,mental, o que a gente considera incapacidade material de prover o sustento ou ter provido

pela sua família é aquele em que a renda per capita seja inferior a um quarto do salário

mínimo”. Quer dizer, o governo estabeleceu uma situação de miserabilidade, uma situação

que a Constituição não prevê. Se a gente pegar uma família que ganha um salário mínimo.

Tem um deficiente, o pai e a mãe. Um deficiente, um filho, ganhou um salário mínimo.

Divide por quatro, dá um quarto do salário mínimo para cada um. Essa família não

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precisaria da assistência social, sendo que a nossa Constituição fala para que serve o salário

mínimo para prover... Óbvio que é uma utopia, que nunca foi implementada, mas a gente

não pode aceitar essa situação. Então nós consideramos essa lei inconstitucional e fizemos

um trabalho junto com São Paulo e começamos a entrar com ação na defesa, porque há uma

lei que dá legitimidade para o Ministério Público defender interesse de crianças e

adolescentes. E nós começamos a entrar com ações, com um rol imenso de crianças e

adolescentes portadores de deficiência, para que o governo estabelecesse o pagamento

desse salário mínimo. Aí eu fiz reunião com vários... com a APAE (Associação de Pais e

Amigos dos Excepcionais), com a instituição que protege crianças com Síndrome de Down,

várias instituições de Campinas. Estabelecemos para eles um manualzinho do queprecisaria de documentos na situação para ver se a pessoa, se a família realmente era

carente. Porque, em regra, o que a gente pode observar é que a pessoa pobre, carente, ela

vai ter uma gestação difícil e a incidência de problemas no nascimento da criança é muito

mais alta do que nas outras classes sociais. Então, em regra, a nossa grande demanda por

assistência social para a pessoa portadora de deficiência física ou mental é na classe pobre.

E há uma deficiência muito grande disso. E, realmente, se tem uma pessoa totalmente apta

para o trabalho e o mercado de trabalho não está absorvendo, imagina pessoas com

dificuldade. Porque a orientação do INSS é: “mas ele pode um dia vir, se ele tiver um

programa de treinamento...”. Realmente nós sabemos disso, mas a situação hoje em dia é

essa: ele não está inserido no mercado de trabalho, ele é uma pessoa portadora de

deficiência, a família é carente e gasta para prover seu sustento, remédios e tudo o mais.

Então nós entramos com ações coletivas imensas, várias. Aí fazia fila na porta da

Procuradoria. Nós colocamos uns servidores para fazerem a classificação, fizemos um

contato com essas associações, os juízes davam as liminares, as pessoas começaram a

receber o salário mínimo e o Tribunal ia mantendo, realmente foi um trabalho assim...

Os governos se sentem incomodados? [risos]

Eu acho que totalmente. Se um membro do Ministério Público implementar, trabalhar

conforme determina a Constituição, a sua lei de regência, e for fazer o que ele deve fazer

mesmo, ele vai incomodar sempre, porque [inaudível] grande demanda nossa na área, até

porque a tutela coletiva, porque a nossa sociedade precisa de representantes. Na França, na

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Europa, o Ministério Público tem uma outra função, mas, às vezes, ele não tem essa função

social tão enaltecida. Mas lá tem um outro histórico, não é uma sociedade tão

hipossuficiente.

Com os problemas que nós temos aqui, não é?

Infelizmente devemos classificar a nossa sociedade com essa demanda hipossuficiente,

porque a gente tem um grande nível de analfabetismo...

Como é o nome que você classifica? Hipossuficiente?

Hipossuficiente. Necessita de uma proteção. Porque ela é vítima de um sistema eleitoral.Ela é vítima de um sistema de políticas públicas inadequadas. Ela é vítima de mau

direcionamento de rendas, de má distribuição de rendas. É vítima do analfabetismo, da

alfabetização oficial, mas que não cumpre seu papel de informação. Ela é vítima da má

informação, da manipulação política. Então a nossa sociedade é vítima, quando eu digo a

nossa sociedade, não é a elite de cinco por cento, que divide o PIB. Estou falando dos

noventa e cinco por cento que não dividem nada e vive como se sobrevive aí com o salário

mínimo. Então tem, realmente, que ter um representante. Infelizmente, eu gostaria muito

que as coisas andassem por si, que a gente não precisasse... Aqui a gente precisa atuar nas

áreas mais inimagináveis, onde você pensa que não precisaria, que o governo poderia

implementar para garantir direitos. Não tem a mínima garantia, embora nós tenhamos uma

excelente Constituição. [A Constituição] sofreu um ataque muito grande por emendas, mas

aquele seu corpo essencial da parte social, do que é coletivo foi mantido e é isso que a

gente tem que priorizar e tentar. A nossa visão da Constituição não é mais proteger o

indivíduo em si, proprietário do início do século de 1900, quando foi concebido o Código

Civil nosso. A nossa visão hoje é proteger o social. A propriedade serve como uminstrumento dentro desse quadro social nosso, e não ela é a prioritária. Porque a

Constituição estabelece lá no seu artigo primeiro, segundo, não sei qual é a ordem de

prioridade: é a vida, a liberdade, a segurança e em quinto ou sexto, a propriedade. Então se

estabelece o parâmetro que nós devemos seguir. Então a gente tem um excelente

instrumento de trabalho, que é a Constituição Federal, temos leis boas, só que o que nós

precisamos, realmente, não é mudar todo o arcabouço jurídico, não. É dar efetividade para

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aquilo que a gente tem. E pequenas mudanças poderiam melhorar. Mas retornando na

questão de Campinas, nós trabalhamos muito, sentimos um retorno muito grande nesse

trabalho, um incentivo e comecei a trabalhar muito em outras situações. Uma vez eu estava

com um procedimento apuratório de denúncia de um sindicato de trabalhadores nas

indústrias de cerâmica, na região de Jundiaí, que tem um grande parque industrial dessa

parte de cerâmicas, azulejos, e que havia um grupo de fiscais de trabalho corruptos que

mantinham uma garantia para essas empresas que não cumpriam as leis trabalhistas,

especialmente de proteção ao trabalho. Então a gente tinha um dossiê com um tanto de

pessoas picadas nas máquinas, simplesmente. Isso no interior de São Paulo, sem nenhuma

providência. Inclusive havia tido um procedimento administrativo contra esses fiscais etinha sido dissolvido, arquivado. Aí nós iniciamos, eu e minha colega, um procedimento

sério. Começamos a ouvir os representantes, ouvir as famílias das vítimas, trazer

documentos, entramos com uma ação de improbidade contra esses fiscais, pedimos o

afastamento deles. Informação muito trabalhosa, mas assim muito autêntica porque

representava o que estava acontecendo. Eu lembro que eu fiquei um ano em Campinas, não

tive o retorno desse trabalho, mas quando eu saí, me veio a informação de que eles foram

todos exonerados. Refizeram os processos administrativos contra eles. Aqueles fatos lá

eram verdadeiros. Eles ganhavam propinas das indústrias para não... E aquele quadro tinha

melhorado, inclusive com regras mais rígidas no setor de acompanhamento dessa proteção

ao trabalho. Nós fizemos um trabalho muito próximo ao Ministério Público do Trabalho, lá

em Campinas, que tinha uma área de defesa também na área trabalhista de direitos

coletivos do trabalhador muito forte, onde eles apuravam o trabalho de menores, trabalho

em regime de semi-escravidão ou onde o trabalhador recebe e já está com dívidas com a

empresa e não consegue sair daquela situação. Nós fizemos... A gente denunciava, eles

apuravam, porque a competência criminal é nossa, eles representavam, a gente denunciava.Um dia nós fizemos uma diligência, eu e minha colega fomos junto à Polícia Federal. Foi

um procurador dessa área, ele era inclusive cego, mas tinha uma habilidade imensa. Junto a

Polícia Federal, seis horas da manhã, num galpão de uma empresa que pagava com cigarros

os empregados. Chegamos lá, pegamos tudo. As pessoas realmente pagando com cigarros o

trabalho, que era uma fábrica distribuidora de cigarros. Eles pagavam com cigarros os seus

trabalhadores. Tinham que vender os cigarros e fumar, né? [risos] Aí a pessoa ficou tão

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intimidada ao ver o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia

Federal, que ele falou assim: “_Eu pago tudo que eles têm direito”. Nós levamos eles para o

Ministério Público do Trabalho, colhemos depoimento de todo o mundo, as pessoas até

choravam porque aí ele começou a pagar, reconheceu todo o vínculo, pagou direitinho,

reconheceu... Nós denunciamos também. Outro trabalho que nós fizemos legal, que nós

acreditamos que Campinas tinha uns pseudoconsórcios. Tinha uma família forte lá da Bahia

que fazia um tipo de empresa em que quem comprava era uma sociedade com cota de

participação. Um sócio-oculto era quem comprava. Era uma fraude lá. Qualquer regra sobre

consórcio e venda de veículos, e aliciava aqueles trabalhadores de classe média baixa que

queria ter seu carro, mas tinha uma renda instável. Eles pagavam prestações e nuncachegavam a receber esse veículo. Eu vi uns trinta na Procuradoria instaurando inquérito na

área criminal. E na área da tutela coletiva, eu comecei a tocar sobre o enfoque do

consumidor. A minha colega preparando a denúncia deles na área criminal, e eu preparando

a ação de improbidade e ação civil pública. Entramos na Justiça ao mesmo tempo, eles

foram presos. Na área cível, a juíza deu interdição de todas as empresas, uma faixa lá

“ Interditado por ordem da Justiça Federal”, nomeou um professor da UNICAMP

(Universidade de Campinas) como administrador para levantar o ativo, passivo, para ver o

que podia pagar. Todo o patrimônio da empresa foi apreendido. Também o retorno que eu

tive disso é que foi julgada procedente a ação, o que pode pagar do que se levantou dos

bens dele foi dividido entre as pessoas que tinham pago... dentro do possível, né? Porque

tinha uma lista maior que a lista telefônica dos supostos sócios ocultos [risos] que eram os

adquirentes dos veículos. E na área criminal, foram condenados. E engraçado! Foi o meu

primeiro contato com essa questão de poder político, porque a gente não tinha muito essa

visão. A gente morava no interior. “Ah, ele foi preso, já ligou para um senador”. [inaudível]  

para o delegado. Pode ligar para quem quiser.  O juiz deu a ordem para ele ser preso.Naquela época, eu ainda achava que as pessoas do colarinho branco poderiam permanecer

presas iguais aos demais cidadãos. Hoje eu tenho, realmente, uma visão diferente. Sei que

isso vai se concretizar ainda. Hoje em dia a gente tem uma República que não trata todos de

forma igual como é o princípio. Posteriormente, eu fui para o Rio de Janeiro...

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Vocês nunca sentiram medo não?

Não.

Nunca foram ameaçados?

Quando eu fui nesse às seis horas da manhã acompanhar a Polícia eu falei [pensei]: “Pode

ser que eu não volte para casa. Imagina se tem um tiroteio, algum negócio ali”. Eu fui meio

com medo da situação, mas eu não ia deixar de ir, entendeu?

E ameaças vocês...

Nunca sofri, nunca sofri. Eu já tive escuta em casa, uma pessoa já viu que... Tinha um fio.Ficava ouvindo lá na minha casa, mas não me preocupei tanto com isso e, realmente, eu

não tive nenhum tipo de pressão. A não ser a pressão do trabalho, algumas fases ruins de

trabalho. Mas a minha pessoa mesmo, não. Já tive medo em algumas situações,

principalmente no Rio de Janeiro.

A ATUAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Sim, mas aí você foi para o Rio...

Aí eu fui para o Rio. Fiquei doente, peguei uma virose, porque eu estava tão triste de

abandonar esse trabalho em Campinas que eu... Ah, Meu Deus! Eu me afeiçoava muito ao

trabalho. Mas achei melhor ir para o Rio. Cheguei no Rio, eu tive um impacto muito

grande, porque enquanto em Campinas eu era um quarto da Procuradoria, eu era quase

cinqüenta por cento, porque os colegas: “O que você entender está bom, a gente assina

 junto”. Muito assim. Trabalho coletivo, não importava se a gente tomava a frente nisso ou

naquilo. Eu lembro que em Campinas eu trabalhei junto com o Luiz Francisco, aqui emBrasília, nas privatizações, quando estava privatizando o sistema Embratel. Lá em

Campinas, tinha um centro de tecnologia da Telebrás, que foi criado na década de setenta,

que ia passar totalmente para a iniciativa privada sem a menor... de forma ilegal. Nós

entramos com cautelares, ganhamos liminar. Uma hora da manhã a gente passava por fax,

no outro dia não tinha o leilão, mas aquilo lá foi um processo, um rolo compressor, né? Não

teria como barrar. Mas nós trabalhamos muito nisso daí. E no Rio, eu fui trabalhar na área

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criminal. Na área criminal, eu era uma em vinte, trinta e tantos procuradores. Tive minha

salinha lá. Até eu me situar, eu tive um choque muito grande. Eu ficava perdida naquela

sala. Não sabia nem o que eu começava a fazer. Mas aí eu comecei a trabalhar numa Vara

Criminal com excelente juíza que foi a Bel. Tive colegas que me deram apoio muito

grande: André Baião, que está lá, Silviano, que hoje é regional, Artur [inaudível] e logo eu

me entrosei e comecei realmente a trabalhar só no crime. Até foi bom que eu estudei mais,

com uma visão melhor, e vi que o Rio é uma questão assim de um problema policial muito

grande. A estrutura da polícia é vinculada a um sistema político do Estado muito

complicado. Os dois ex-superintendentes já tinham sido denunciados pelo Ministério

Público e o relacionamento não era muito bom. E mal eu entrei, tinha uma área lá que eracoordenação criminal que ninguém queria. “_Ah, então você quer ser coordenadora

criminal?”. “_Mas o que faz?”. “_Tem que ter contato com os órgãos externos, com o

Banco Central, com a Receita, com a Polícia, com o representante da área criminal”. E aí 

[risos] comecei a trabalhar nessa área e assumi a Coordenação Criminal. Foi uma

experiência excelente porque tudo quanto é problema que vinha que não tinha um dono

ainda, que não tinha sido distribuído, ia falar com o coordenador criminal. A gente ia correr

com aquela situação, distribuir para um colega, e eu fiz contato com a Receita Federal, com

o Banco Central, com vários órgãos, estabelecendo uma rotina de requisitar deles as

informações que eles deveriam encaminhar para a gente, mas não encaminhavam, porque,

nessa época, começaram a ter umas leis prejudicando o nosso trabalho, né? Porque a gente

trabalha com a matéria prima que é a informação. A informação tem que vir de fora,

principalmente, desses órgãos federais que têm um relacionamento grande com a gente.

O CASO SALVATORE CACCIOLA

E nesse período que você estava no Rio o que mais te marcou desse seu trabalho?

No Rio, se eu for levantar os meus processos, o dia-a-dia era uma experiência nova. Eu me

deparava com uma situação nova e complicada muitas vezes. Eu não poderia deixar de falar

porque hoje já passou bastante tempo, está para sair a sentença aí, é o processo do caso do

Banco Central. Eu até estava na Coordenação Criminal, quando veio uma representação de

que uns bancos estavam sendo beneficiados pelo Governo Federal por medidas. Aí eu

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distribuí aquela representação, porque lá a gente distribuía tudo, e caiu para um colega, o

Bruno, e ele me disse que até hoje ele tem esse bilhete meu: “_Bruno, esse caso é muito

grave. Acho que você poderia fazer um grupo para trabalhar com essa matéria, porque

estou vendo aqui que essa questão é complicada e tal”. E ele chamou justamente a mim e a

um outro colega, o Artur, para trabalhar junto com ele. E aí nós verificamos que havia

informações de que tinham tido bancos com informações privilegiadas, na época da

alteração da política monetária em janeiro de 99, onde a maioria do sistema bancário

ganhou, esses bancos tinham perdido. Tinha toda uma situação ali. Nós partimos para fazer

uma petição, pedir para a juíza deferir. Caiu para a Sexta Vara Criminal do Rio. Nós

pedimos busca e apreensão em todos os bancos e aí eu vou trabalhar com os instrumentosque eu tenho. Peguei os mandados da Justiça e a Justiça era perto da Polícia, andamos até a

Polícia _ eu desfilei com os mandados em mãos, com os colegas, o superintendente era o

Dr. Enéas, que hoje está aqui. Aí falei: “_Dr, nós vamos fazer uma operação amanhã de

busca e apreensão em alguns locais. Não gostaria de revelar com antecedência e gostaria

que o senhor designasse uma equipe de policiais que a gente já até conhece”. Aí a gente

indicou o nome de alguns delegados que a gente já tinha contato. Ele falou: “_Não. Sem

problemas. O local é de risco?”. Porque lá no Rio tem muito a questão do morro e tal... Nós

falamos: “_Não. Não é de risco. Não precisa de um grande aparato”. “Ah! Então amanhã a

que horas?”. “_Oito horas da manhã na Procuradoria. Tantos delegados, cada um com tanto

equipe. Lá nós vamos distribuir os mandados e também já estabelecer como vai ser feita a

operação”. E quando nós começamos era o Banco Marka, o Banco Fonte Cidam, a casa do

presidente do Banco Marka, Salvatore Cacciolla, que era um apartamento de luxo no Rio, a

do presidente do Banco Fonte Cidam. Eram essas as buscas e umas outras empresas lá.

Quando nós iniciamos essas buscas virou um reboliço, porque obtivemos documentos que,

realmente, comprovavam aquela suspeita e dali nós pedimos uma extensão da busca deapreensão para a casa do presidente do Banco Central, na época, Francisco Lopes. E a juíza

deu, e meu colega cumpriu. Quando nós apreendemos, no segundo dia, todos esses

documentos, simplesmente, começou a ter todo tipo de retaliação. A polícia ligando, esse

delegado ficou desesperado, o superintendente, porque Brasília cobrou dele, que ele não

sabia onde era. Começou a falar que a operação era ilegal, sendo que era uma operação com

autorização judicial e quem cumpriu foi a polícia. O Ministério Público apenas

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acompanhou, como pode acontecer. Mas o delegado tinha ordem para ir embora da

Procuradoria e largar tudo. Nós fechamos a porta e falamos: “_O senhor não sai daqui”.

Passamos a noite inteirinha, depois da busca e apreensão, eu, os colegas, o delegado e

alguns escrivões fazendo a ata de tudo que tinha apreendido, porque a gente sabia que se

não fizesse aquilo logo ia ser... Então nós passamos lá à noite. Fizemos uma busca na

quinta, outra na sexta, ou uma na quarta outra na quinta. Passamos a noite de quinta. Eu

cheguei às oito horas da manhã na Procuradoria, na quinta, eu saí sete horas da manhã na

sexta, ou no sábado. Eu sei que foi uma noite inteira para terminar aquilo lá. Quando eu

cheguei em casa, estava minha mãe me ligando que o Presidente da República tinha falado

que era uma operação ilegal, arbitrária... Ministro da Justiça... A gente mesmo não tinhanoção do que tinha acontecido e a polícia retirou seu apoio. Eu lembro muito bem que esse

próprio delegado que tinha feito as buscas junto conosco, Dr. Lourenço, ele chegou no

sábado porque nós ficamos trabalhando no fim de semana lá, e ele falou: “_Olha, eu tenho

ordem para ir oferecer garantia de vida a Salvatore Cacciolla”. [risos] “_Está tendo algum

problema? Porque nós fizemos a busca e apreensão. Ninguém vai oferecer risco de vida

para ele, em nenhum momento aconteceu isso”. “_Não, mas o ministro da Justiça que era o

Renan Calheiros determinou que a gente fosse lá no apartamento dele, no Edifício

[inaudível] e oferecesse garantia para ele, segurança, e eu me sinto desmoralizado, porque

eu fui o delegado que fiz a busca e apreensão na casa dele”. Na casa dele pegou documento

dele para o Presidente do Banco Central, na casa do Presidente do Banco Central pegou

documento que tinha dinheiro no exterior. Tinha todo um... Aí o que acontece? Eu e o

colega, dez horas da noite, na Procuradoria da República, falamos assim: “_Nós vamos

exigir proteção para o prédio da Procuradoria da República, onde estão todos os

documentos na busca e apreensão. É para cá que tem que ser. Eu acho isso uma... é um

ultraje o que está acontecendo”. Aí nós fizemos um ofício onde exigimos que fosseencaminhado um corpo policial para manter a garantia até nossa e dos documentos aqui, e

que outro delegado que vá cumprir esse papel. Porque a Polícia Federal faz segurança de

dignitário, que são autoridades de outros países. Agora o Salvatore Cacciolla, um banqueiro

envolvido com crime, era para ter o apoio de autoridade dignitária! O que aconteceu? Nós

fizemos ofício, eu e um colega, Bruno. Dez horas da noite, Procuradoria da República no

centro do Rio, passamos por fax, ninguém recebeu do outro lado da polícia, o fax

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desligado. Aí nós fomos lá e entregar em mãos. Aí nos pegamos o ofício, fomos lá na

praça, bem na zona portuária, região complicada ali do Rio, fomos lá na polícia, estava

fechando. Entregamos em mãos para o Delegado de plantão, onze horas da noite, e

falamos: “_Exigimos segurança na Procuradoria da República. Aqui está o ofício. O senhor

assina o recibo aqui e também que esse delegado não seja o indicado para ir lá na casa do

nosso investigado. No máximo vocês mandem outro porque a situação totalmente...”. Aí foi

um outro delegado lá cumprir isso aí. Mas desse momento em diante a situação ficou muito

complicada, porque a gente percebeu que o apoio, quer dizer, eu quando iniciei esse

trabalho fazendo um trabalho igual como eu faço qualquer outro, falei: “_Bem, quando bate

numa classe realmente política, do alto escalão, a coisa é diferente”. Fizeram fila parareclamar para o Dr. Brindeiro, na época, os senadores, deputados, Presidente da República,

ministro da Justiça e tudo mais. O Dr. Brindeiro manteve a mesma estrutura dele. Ficou

quieto. Mas a classe deu um apoio muito grande. O Conselho do Ministério Público nos

chamou, na época. O Dr. Fonteles foi um dos que mais deu apoio muito grande para o

nosso trabalho, nessa época, e nós conseguimos avançar, conseguimos um delegado para

fazer investigação, e vou te falar, e nós avançamos muito, muito.

Conseguiram proteção também lá no prédio...

Proteção, não. Mandaram uns PM`s lá. Pra nós, pessoas, nunca tivemos. [risos] A polícia

não foi. Encaminharam a PM, mas ficou um carro lá da PM. É que nós achamos, assim, um

desrespeito com as autoridades constituídas no país. Uma juíza dá uma decisão, ela é

cumprida pela Polícia, o Ministério Público acompanha_ o que dá uma garantia maior

porque ele é um órgão de controle externo da atividade policial_ ele acompanha as

medidas, são apreendidos documentos relevantes, e quem o governo manda dar proteção é

para o investigado? E ainda manda o mesmo delegado como se fosse “vai lá pedirdesculpas pelo que você fez”, entendeu? Aquela situação a gente achou ultrajante. Então da

nossa parte vai ficar consignado aqui esse documento. Nós estamos retratando essa situação

que nós estranhamos. A gente retratou tudo isso e exigimos segurança para o prédio e tudo

onde estão depositados os documentos. Mas não deram, não. Mas de qualquer forma, nós

conseguimos com muita luta, quando o caso se tornou um escândalo, que um delegado de

Polícia ficasse direcionado para essa investigação. Nós fizemos um trabalho muito intenso

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na área fiscal, financeira e esse delegado era excelente: Dr. Contel. Em ano de um trabalho

conjunto, ele conseguiu terminar a investigação, e nós fizemos a denúncia criminal,

pedimos a prisão desse pessoal todo. Mas aí o juiz deu só do Cacciolla, porque ele tem

cidadania italiana e poderia deixar o país, mas aí ele foi preso e nós iniciamos a ação penal.

Eu acho essa ação penal histórica. Em janeiro do ano passado, nós fizemos a alegação final

que é a fase final desse processo. Eu que já estava aqui em Brasília, o colega Artur, que

estava no Rio, e o colega Bruno. Fizemos, assim, um trabalho conjunto. Nós não estávamos

mais, a bem dizer, no processo, mas eu achava que era um passivo nosso, uma

responsabilidade nossa. Eu levei de férias. No meu carro foi só cópia do processo. Fiz a

minha parte, eles fizeram a deles. Nós fizemos uma alegação final muito fechada e agora a juíza já está para dar a sentença desse caso. A instrução dele foi uma coisa assim

inimaginável. Era banqueiro e presidente de Banco no banco dos réus. Simplesmente as

testemunhas de defesa foram todos os ex-presidentes do Banco Central do Brasil, desde o

Ernani Galvêas, o último da era militar. Então é um arquivo histórico aquilo lá: o

pensamento econômico do país desde sua abertura do governo militar. As testemunhas de

defesa deles: “_Que tudo era muito natural, muito... Banco Central tem que ajudar mesmo

os bancos”. E aquela situação. As nossas testemunhas de acusação eram os funcionários do

Banco Central do Brasil que estavam oprimidos pela cúpula. Imagina! O seu ex-presidente

era o réu, dois diretores eram réus, a diretora de Fiscalização era ré, isso pressionava muito.

Nós tivemos um depoimento de uma testemunha de acusação que nem na era militar sofreu

tanta coação igual sofreu, naquela época, daquela direção. Então nossas testemunhas

estavam intimidadas. A juíza muito sabiamente vendo essa situação toda, embora nossas

provas... Aquelas pessoas experts, ex-presidentes do Banco Central, diretores, professores

dessa área econômica dessa linha, todos os cronistas de revistas especializadas, donos de

consultorias na área econômica, ex-presidentes do Banco Central, dirigentes de todos osgrandes conglomerados financeiros do país, de seguradoras eram as testemunhas. Todos

com pós-graduação em Harvard, não sei que lá, eram duas folhas para fazer o histórico da

testemunha. A gente deixava tudo tranqüilo, mas nós estávamos muito preparados também

e conseguimos fazer perguntas que deixavam a coisa sem resposta. E a juíza, de ofício,

determinou que fossem ouvidos quatro economistas que não eram dessa escola que estava

sendo ouvida na área de defesa, que não tinham nenhuma vinculação com o Ministério

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Público. Nós nunca tínhamos ouvido falar deles e ela tinha feito pesquisa e verificado

pessoas neutras desse processo todo para ela poder verificar o que de fato estava

acontecendo. Assim, ela teria uma visão econômica, porque isso envolveu muito a questão

da política econômica. E o que aconteceu é que ela ouviu os quatro...

E aí essa juíza então...

Então ela determinou. Quando eu vi aquela decisão dela que eu nem tinha conhecimento eu

falei assim: “Brilhante”. Porque eu estou num esforço sobre humano para tentar neutralizar

esse pensamento deles que já vem todo na mesma direção, e ela determinou quatro

economistas que eram; professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; oDr. Lessa, que já foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social); Reinaldo Gonçalves, Aluísio Teixeira, todos vinculados a Faculdade,

e um outro professor que não me recordo o nome, que não era de mercado, que não tinha

trabalhado nessas empresas. Porque nós tivemos muito aquela questão: era do Banco

Central, saiu do Banco Central para o Banco, do Banco para o Banco Central... E eles não

eram desse meio. Eles falaram sem a gente saber. Ela mandou cópia da nossa denúncia para

eles e cópia da defesa dos réus para que eles pudessem saber qual era a discussão. E

perguntou para eles sobre todas aquelas questões que estavam sendo debatidas, e mais de

cinqüenta testemunhas foram ouvidas. E eles tinham uma versão totalmente diferente, que

aquilo tudo poderia ter sido diferente, não precisa... Porque ao mesmo tempo em que o país

ajudou essas duas instituições de forma totalmente subjetiva, privilegiada, ela também

privilegiou todo mundo que estava na outra ponta, porque a gente estava num jogo, a nossa

política econômica era um jogo. Só quem perdia, eu já sabia, era o erário, era a nossa

reserva. E cada vez que a gente tinha um baque na nossa reserva, o nosso adversário que é o

sistema bancário, que dominava e ainda ditava as regras do jogo, ganhava. Ganhava na[inaudível], ganhava na Bolsa. Aquela alta do dólar, essa especulação toda. Enquanto a

gente mantinha a rentabilidade deles, a gente pega dinheiro emprestado do exterior. Então

isso foi a vertente. Eles mostraram tudo. Mostraram que não tinha nada que ajudar naquelas

coisas. Então para mim aquilo lá foi um marco. Eu saí aliviada porque foi extenuante.

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E eles foram punidos? Como foi?

O Cacciolla foi preso. Quando ele conseguiu uma liminar do Supremo Tribunal Federal do

ministro Marco Aurélio, que deu essa liminar, e soltou e falou que ele não deveria ter

ficado preso e não sei que lá... Uma estória que nós somos totalmente contrários. E isso não

é só o Salvatore Cacciolla. Todos que foram até hoje presos, fazem parte dessa elite

econômica e política do nosso país, eles ficam pouco, porque já se sabe de antemão que

eles têm bons advogados, que eles têm acesso à cúpula do Judiciário. Enquanto um Zé

ninguém, nunca que um recurso deles chega no Supremo, no STJ, pelo trâmite normal.

Essas pessoas [elite], os desembargadores, os juízes despacham final de semana, de

madrugada, de manhã, na praia, no carro, quer dizer, estão prontos, sempre dentro da suaorientação ideológica, porque acho que isso passa muito por orientação ideológica. “Não.

No país a gente vive o princípio da inocência, enquanto não houver o trânsito em julgado”.

Por outro lado, não há como haver o trânsito em julgado porque o processo não anda,

entendeu? Enquanto não houver, a gente não pode punir. Tanto que a gente tem uma massa

carcerária aí imensa, muitos por situações de potencial ofensivo milhões de vezes menor do

que esses criminosos de colarinho branco. Mas ele foi solto. Fugiu do país. Ele tem dupla

cidadania. A Itália não vai extraditá-lo, porque o Brasil não extradita os seus nacionais. Em

princípio de Direito Internacional é a reciprocidade: “eu só faço o que você faz”. E ele

ficou lá na Itália vivendo bem. Agora nós já fizemos de tudo para que um dia quando ele

sair do território italiano, ele seja capturado e retorne ao nosso país. É capaz que depois ele

retorne e consiga uma liminar ... que a gente vive aqui as questões ... Então no Rio de

Janeiro me marcou muito isso, esse trabalho...

E Francisco Lopes que era o Presidente do Banco Central?

Embora ele foi rápido [o processo], mas como ele é muito volumoso, está demorando muitoa fazer a sentença, porque a juíza já vem trabalhando em mais de um ano nesse processo.

Nós demoramos mais de sessenta dias para fazer a alegação final. A alegação final é o

seguinte: o Ministério Público aponta todas as provas que foram produzidas na Instrução e

que comprovam aquilo que ele falou na denúncia, querendo a condenação ou absolvição.

Nós não pedimos absolvição de ninguém, salvo engano. Deu mais de quatrocentas folhas a

nossa alegação final, fazendo toda essa análise desse conjunto. E aí veio o prazo para todas

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as defesas. São vários réus. Treze réus fazem suas alegações finais e agora está na fase de

sentença. A gente imagina que agora, em breve, vai sair a sentença que é a resposta para a

sociedade desse trabalho todo. Embora eles estão, principalmente, Salvatore Cacciolla e

alguns outros estão com bens apreendidos, nós entramos com medida de seqüestro,

indisponibilidade de bens, quer dizer, o que estava... há pouco tempo nós conseguimos

pegar doze milhões que ele estava sacando na Justiça de Brasília de forma... doze milhões

na Justiça de Brasília que ele estava sacando por uma fraude. Por acaso nós ficamos

sabendo e entramos com cautelar. Então, quer dizer, o que a gente pode agir, a gente está

atuando.

E nessa época... E o Governo Federal?

O problema do país é o seguinte. Há duas orientações: primeiro, manter a situação que está.

A situação oligárquica, a situação da classe política dominante, a situação do seu patrocínio

por interesses específicos financeiros. Só que em outros países há esse patrocínio, mas é um

patrocínio mais transparente. Aqui o patrocínio não é, muitas vezes, transparente. Nessa

questão de prestação de contas de campanha então, é meio... Não é o que de fato acontece.

Então eu vejo que a visão é não mudar isso, “porque eu venho disso, eu mantenho isso e

esse sistema há de continuar”. O Ministério Público é uma pedra no caminho. Toda a

Instituição, porque se a gente vai realmente trabalhar, uma hora ou outra a gente vai pegar

essa alta cúpula, porque tudo que é sistêmico, tudo que acontece de forma mais grave, tudo

que acontece de forma mais entranhada nas organizações, ela tem o apoio institucional da

cúpula. Senão, seria um crime de [inaudível]. Não. Mas quando é organizado, ele vem de

um poder que vem de cima para baixo. Então nós vamos de forma a incomodar isso. Então

as duas medidas que eu vejo, independente do governo que esteja lá: fazer um sistema de

blindagem jurídica e [inaudível] disso, esse sistema tem funcionado. A gente temtrabalhado muito. A gente fura um caso aqui, outro ali, mas não consegue a efetividade que

deveria existir do trabalho porque o sistema é... ,depois a gente explica. Todas as leis, foro

privilegiado, a escolha, nomeação de membros do Tribunal Superior, nomeação de PGE e

várias outras medidas que vão se criando. Tentar retaliar o poder de investigação do

Ministério Público, quer dizer, todo um sistema de blindagem para isso, para impedir... E

quando houver um grande clamor público, eu finjo que estou auxiliando. Quando vocês

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virem aquele discurso assim “Nós estamos tomando todas as providências plausíveis,

pedimos uma série de apurações por parte da Polícia... né? Então...”.

Você está vendo um discurso semelhante do César Maia lá no Rio...

Eu não tenho acompanhado o caso do Rio de Janeiro, mas...

O prefeito... Tem uma intervenção lá no momento. O Governo Federal fez uma

intervenção na área de saúde dos hospitais públicos de lá...

Já não era sem hora.

E aí então ele aparece na TV e diz assim: mas isso é uma medida muito importante do

Governo Federal e tal. E por trás ele...

Trabalha para minar isso daí.

Destitui os médicos, cinqüenta profissionais dentre médicos, enfermeiros e tal, para a

intervenção do Governo Federal não dar certo.

Então assim conta com a curta memória da população. Nós estamos passando por uma

rigorosa apuração e já passa para outro escândalo, já esqueceu daquela, entendeu? Então a

estrutura é para funcionar assim, porque o Ministério Público, eu acho que ele foi

concebido como um braço do poder para fazer essa divisão de classes que há muito na

nossa sociedade. Então eu vou ter um órgão que integra a representação da sociedade, mas

vai representar quem? O dono da empresa, o dono da terra, o dono da propriedade. E quais

são os crimes? Latrocínio, homicídio, roubo, estelionato. Então é para funcionar nisso daí.

Colocar essa população carcerária na cadeia. Manter, pregar o terror na classe da

sociedade... Quando a Constituição deu uma outra feição para o Ministério Público, e eleassumiu o rosto da sociedade nossa, o anseio da nossa sociedade, o que a gente quer:

distribuição de renda, política pública séria, diminuição da corrupção, punição igual para

todos, um sistema rígido de controle, uma boa gestão dos recursos públicos. Aí o pessoal

falou: “Mas que é isso?”. [risos] O que esse órgão está querendo fazer aqui na sociedade?

Então eu vou retaliar e estruturar para que não funcione. Então eu acho que, muitas vezes,

quando perguntam: “_Você tem efetividade no seu trabalho?”. Eu falo: “A gente tem de

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conscientização, a gente consegue alguns resultados, não acho que o conjunto seja tão bom

quanto poderia ser, se a gente não estivesse pulando esses obstáculos”, porque todo dia é

um obstáculo, uma surpresa. No Rio de Janeiro, a gente vivia uma indústria de liminares de

HCs (habeas Corpus). Todo mundo que tinha um mínimo de entrosamento político,

econômico, que a gente protestava, conseguia uma liminar no Tribunal. Hoje esses

desembargadores estão afastados por corrupção, mas demorou para acontecer isso. Mas

ainda acontecem as liminares, que deve ter sobrado mais. Aí quer dizer, a estrutura...

AS DIFICULDADES TÉCNICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Raquel, e que outro tipo de dificuldades que vocês têm em termos de infraestrutura

para vocês operarem?

Nós temos uma dificuldade operacional muito grande porque é uma Instituição nova que

foi se estruturando desde 88, a bem dizer, a partir de 93 quando teve a Lei Complementar.

Então a gente não tinha um corpo funcional que dê realmente um apoio. Eu sempre

trabalhei sem nenhum analista. A gente chama de analista a área fim, de apoio. Geralmente,

contando com um grupo que atende por rodízio, por revezamento, uma época sim, outra

não. A gente nunca estruturou a base de forma a ter um apoio técnico eficiente. Então a

gente tem dois estagiários, uma época era um estagiário, depois foram dois e uma secretária

para a demanda de trabalho. Você faz tudo. É bom que você fica bom em tudo ou, quer

dizer, você mexe um pouco em tudo, porque você digita, você ouve as pessoas, você

mesmo digita, você sabe como é o sistema aqui, onde que estão os processos, precisa

procurar, eu também sei em qual caixa está, onde que está, o que é, você conhece tudo

porque você está trabalhando...

Faz Tudo? 

Faz tudo. Agora está melhorando a estrutura. Eu acho que a intenção do Procurador-Geral é

colocar um analista ao menos para que fique... Porque o Dr. Brindeiro, que é o anterior

PGR (Procurador-Geral da República), ele estruturou da cúpula para a base. Primeiro ele

estruturou lá em cima, Subprocuradores, com gabinetes grandes, com bastante assessoria e

tal. Os Regionais agora estão ... Depois para chegar... Sendo que eu acho que era para ser

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diferente. A maior demanda é aqui embaixo. Tinha que ser da base. E nós temos problemas

técnicos que, muitas vezes, os órgãos estão envolvidos e eles não liberam os seus

profissionais para ajudar na nossa apuração porque vai se voltar contra eles o resultado. Só

que é uma vantagem muito grande. A gente tem tanta seriedade de trabalho por saber que,

muitas vezes, não estamos buscando um resultado político, não vai ter nenhuma

negociação, que a gente vai até o fim. Pessoas envolvidas nisso conseguem vir e dar o

apoio, muitas vezes, que a gente precisa. Tem um funcionário do Banco Central que vem e

ajuda, ou da Receita Federal, indignado com toda essa situação e, geralmente, pessoas

técnicas, com conhecimento técnico muito bom. A gente sempre teve um quadro de apoio

assim...

E eles vêm de forma... E pode ser...

Nem sempre oficial, nem sempre a pessoa gosta de aparecer, de se identificar, porque ela

pode sofrer uma retaliação. Trabalhou com o Ministério Público se queima lá no órgão de

origem. Agora aqui na PRDF (Procuradoria do Distrito Federal), a minha colega Valquíria,

que é procuradora-chefe, me chama para ser vice-chefe. Eu aceito para a gente cumprir uma

meta. Eu quero cumprir uma meta. Eu quero estruturar um setor de apoio na nossa área fim

para análise financeira, para prestação de informação, pesquisa de dados, e nós

conseguimos montar um setor aqui que está dando apoio. Ainda é uma coisa, assim,

amadorística. A gente conta com servidores de outros órgãos. Mas eu acho que é um

embrião até o PGR (Procurador-Geral da República) estruturar isso melhor em toda a Casa.

E vai poder dar um resultado melhor. O nosso resultado tem melhorado muito, muitas

vezes, localizar as pessoas, você mesmo procurador, entrar num banco de dados que

demora duas horas, você não sabe operar bem, para procurar um endereço, para entrar com

uma ação, você faz uma coisa ou outra, não é?

E você ficou quanto tempo no Rio de Janeiro?

Eu fiquei cinco anos, se não me engano. Eu acho que fiquei de setembro de 98 a janeiro de

93.

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O CASO DOS PRECATÓRIOS

Aí você veio para Brasília...

Vim para Brasília. No Rio de Janeiro também eu tive uma outra experiência que eu

gostaria, muito rica, que eu fiquei muito chateada com o resultado dela que é o caso dos

precatórios. Nós denunciamos lá toda uma quadrilha que envolvia nessa questão de

precatórios, e a gente vê que por questões políticas, que envolveu o governo de

Pernambuco, de Santa Catarina, cúpula do Banco Central, Senado Federal, não teve

resultado nenhum, embora nós tenhamos feito denúncia contra aquele pessoal do

[inaudível]. Tudo isso não teve. Foi total impunidade, embora nós fizéssemos a nossadenúncia, e os Tribunais não aceitaram, mudaram a competência. Depois foi para o

Supremo, o Supremo absolveu. Quer dizer, tirei licença-prêmio para fazer esse processo,

trabalhei mais de trinta dias direto, e tinha gente trabalhando muito do Banco Central, e não

ter resultado nenhum, justamente porque chegou nessa cúpula aí. Isso é um caso para

escrever um livro também que foi uma das maiores fraudes aos cofres públicos desde a

Constituição de 88, esse caso chamado Precatórios. E também a questão de bingos.

Comecei a trabalhar lá bastante e pegava no pé mesmo. O que eu conseguia fazer, a gente

ia tentando para fechar esses bingos. Consegui a liminar, vendo toda essa ilegalidade. Eu

trabalhei na coisa em caráter denunciante lá. Tive uma boa experiência e consegui lá iniciar

um trabalho também em relação ao sistema DATAPREV (Empresa de Tecnologia e

Informações da Previdência Social). Verificar todo o sistema de fraude de INSS que chega

a ser trinta a quarenta por cento de toda a sua concessão de benefícios, de todo o seu

gerenciamento. Ele é destinado para um fim de fraude. Isso é muito grande, que é o

primeiro ou segundo orçamento do país. Por isso que tem essas forças tarefas que ficam

enxugando gelo, porque o sistema é fraco, o sistema é totalmente inoperantepropositadamente. E quando vai se lutar contra isso para mudar esse sistema DATAPREV,

que está na mão de uma empresa privada e tal, tem toda, novamente, aquela rede de

proteção que a coisa não saí. E eu iniciei esse trabalho lá e toco aqui porque eu vim para

Brasília. Me transferi em 2003, em fevereiro, e vim para cá porque meu marido veio para o

Banco do Brasil aqui. Achei melhor aproveitar aquela remoção daquela época e já me

estabelecer. Adorei o trabalho no Rio. A experiência e tudo o mais foi muito rico. Fui três

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vezes coordenadora criminal. Fazia inspeção nas carceragens onde tinha preso federal, já

fui nos presídios piores lá do Rio de Janeiro, já escrevemos relatórios das situações, já

entramos com HC´s (Hábeas Corpus) de réus também. Eu e os colegas. Então, quer dizer,

conheço o histórico policial lá também. Muitos processos contra policiais. Toda essa

questão lá. Aqui tinha vaga na área cível. Eu escolhi o Patrimônio Público porque eu acho

que tem maior correlação com a minha experiência profissional e eu faço ações de

improbidade. Então em Brasília é que eu vi mesmo o que é o sistema político e econômico

nesse país, porque até então eu acho que não conhecia. Aqui as grandes questões, eu vejo

que as grandes fraudes, os grandes desvios de recursos, eles estão vinculados a um sistema

engendrado dentro do Estado. É preciso uma força muito grande. Ou se tira essa rede deproteção que impede o Ministério Público de avançar, porque se tirar a proteção, se manter

a nossa feição tal como a Constituição determina, com essa orientação que nós temos e tal,

a gente consegue avançar, e aí eu acho que vai ser legal porque o Judiciário precisa

melhorar muito. Tanto na sua parte gerencial, operacional e também na sua questão

ideológica dos Tribunais Superiores. A base do Judiciário é muito boa. Juízes que têm a

mesma visão que a gente, que também buscam executar seu trabalho. Mas o Judiciário, eu

acho que ainda precisa avançar muito mais. O Ministério Público conseguiu, por ser mais

enxuta a carreira, não sei, mas conseguiu avançar muito mais do que o Judiciário. Um

grande problema nosso hoje... A gente está fazendo um trabalho de gestão do serviço

público aqui. Pegamos aquele programa de qualidade no serviço público, estamos tentando

implementar aqui na Procuradoria e a gente vê muito isso: cliente, parceiro, essa visão, o

que vou melhorar... Qual é o nosso parceiro? É o Judiciário. Se ele não anda? Por mais que

eu implemente e acelere esse processo de produção aqui na PRDF (Procuradoria do Distrito

Federal), não anda nada lá Justiça porque tem pouco juiz, talvez mau gerenciamento de

recursos humanos, materiais e tudo o mais. E também a gente já verificou que eu acho queBrasília não tem uma vontade política que tenha uma Justiça Federal rápida, bem equipada.

E o que acontece? Eu comecei a trabalhar aqui, trabalhei com vários casos aqui. A gente

conseguiu um grupo de colegas, eu junto, fechar esses bingos todos. Entramos com ação

civil para fechar o bingo, a denúncia na área criminal, entramos com ações de improbidade

contra vários desvios de recursos públicos do INSS, impedimos contratação de recursos

com super faturamento da ordem de milhões e o bom é que você tem o conhecimento de

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como funciona o sistema. E também de poucas coisas que precisam melhorar, mas poucas

coisas que têm um resultado muito grande. Por isso não tem uma vontade política de se

implementá-las.

O caso da GETEC também, você atuou nisso...

Atuei. Quando eu cheguei com o processo aqui, que tinha a questão da contratação da

Getec pela Caixa, e como eu já tinha a experiência DATAPREV e Unysys, eu trabalhei

nesse processo e pude verificar o seguinte: principalmente na década anterior, porque esses

contratos datam... O da DATAPREV com a Unysys tem mais de vinte anos. O da Getec, do

início da década de 90, teve a seguinte visão na parte administrativa no nosso país: tirar atecnologia de conhecimento da mão de nossas empresas públicas, privatizar as nossas

empresas públicas passando áreas sensíveis para a economia privada colocando o Estado na

mão, tanto na questão contratual quanto tecnológica, nas mãos da economia privada, que

vai cobrar o preço que quiser por esse serviço. Então isso aconteceu em tudo. E também

contratar aqueles softwares, aquelas pacotaiada do Microsoft a preços exorbitantes,

comprando softwares desnecessários e deixando de investir em tecnologia de conhecimento

que as empresas tanto necessitam. Áreas sensíveis como INSS nas mãos de empresa

privada que faz o que quer. A Caixa, área de loterias, nas mãos de empresas privadas, e

tantas outras situações. O Ministério do Trabalho... Então isso ficou uma vertente. Então o

que aconteceu com a Caixa? A gente verificou naquele processo. Ela privatizou uma

empresa chamada Datamec. Era noventa e nove por cento da Caixa, essa empresa, e a

Datamec com o seu conhecimento, com os seus clientes, com a sua carteira de cliente

público e tudo, passou para empresa privada, no mesmo estilo de contrato público. Tudo

bem. É uma empresa pública, então não vou ser tão rigorosa no contrato porque o dinheiro

no fundo vai para o erário. Essa mesma visão passou para mão privada que continuou a nãoprestar contas. Eles mesmos que tomam conta de tudo. Ele presta serviço, ele gerencia, ele

apresenta prestação de contas e você só paga. A regra é essa. Então o que aconteceu na

Caixa foi uma licitação direcionada para a empresa Racimec que já estava sendo

encampada pela norte-americana Getec. Ao mesmo tempo que transferia esse

conhecimento para a Datamec e para essa Racimec, passava a Datamec para a economia

privada. A Racimec ganhou a licitação que iniciou em 94 e terminou em 97. Uma licitação

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para o processamento de toda loteria on line, real time como era chamado, que a loteria

ainda não era um processo... Loteria, sistema de jogos do Brasil sempre foi tratado de

forma muito restritiva. Apenas a União, a partir da década de cinqüenta, que pode explorar

sua destinação muito específica, destinação social. Isso dá uma entrevista um dia à parte de

tudo que tem sido feito desde a década de noventa para tornar o país uma... melhorar a

lavanderia por intermédio dos jogos e tudo mais. Cada vez está sofrendo um ataque,

embora as autoridades estejam respondendo, fechando os bingos, jogando contra porque é

monopólio da União. Só a União pode explorar e não os estados. Então a Caixa é a

executora, a gestora dessa exploração. E ela está na mão dessa empresa privada. Ganhou a

regra de licitação aqui, impessoalidade, igualdade, condições de concorrência e tudo mais.Ela ganhou o certame direcionado. Ela ganhou vários aumentos de preço de formas ilegais

e, ao longo de oito anos, ela estabeleceu uma dependência contratual com o apoio das

gestões da Caixa, e tecnológica. A Caixa não podia movimentar porque ela estava na mão

dessa empresa. Nós entramos com ação de improbidade, pedimos a nulidade de tudo, o

retorno de tudo que foi pago_ mais de dois bilhões de reais, menos os custos para a União e

o depósito de parte do que a União pagava mensalmente para a empresa Getec_ e até hoje

está sendo depositado trinta por cento do que a Caixa paga, que dá em torno de dez

milhões, numa conta separada disso daí. E aí desestruturou essa rede. A Caixa conseguiu,

por um clamor público, ligada àquelas mordomias, se liberar dessa empresa fazendo

licitações a médio prazo. Agora o contrato tem prazo certo para terminar. Quem vai ser a

gestora, a inteligência desse sistema é a própria Caixa, e vai contratar apenas insumos, o

seu meio logístico de executar esse trabalho. Isso é um perigo muito grande para essa

empresa, porque ela pode perder o mercado nacional, que é o maior mercado nacional, que

é o maior mercado dela. Pode perder a América Latina, porque amanhã outros governos

descobrem que o governo brasileiro conseguiu. Podem até importar essa tecnologia. Aí oque acontece? O Congresso começa a se posicionar rapidamente para aprovar uma lei em

que a exploração de jogos vai ser permitida para os Estados. Qual a empresa que vai fazer

contrato com todos os Estados? A Getec. O que vai acontecer com a Caixa? Esvaziar seu

investimento, um esforço imenso para assumir esse trabalho e vai esvaziar seu produto que

é a loteria e os jogos, porque todo mundo vai ter tudo quanto é tipo de jogo. Na visão do

Ministério Público vai fragilizar o sistema de controle porque a Caixa é uma empresa

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Federal, onde os seus recursos estão direcionados pela Constituição, e a gente pode

acompanhar sua aplicação. Nós não temos condições de acompanhar vinte e sete Estados,

um dinheiro não carimbado em que pode acionar o crime organizado de uma forma assim,

imprevisível. Imprevisível o resultado disso daí. Mas essa ação foi um sucesso. Ainda não

chegou ao seu fim, mas a gente já conseguiu liminar, já conseguiu trabalhar isso, dar uma

visão de tudo que aconteceu, que o nosso Estado nessas áreas sensíveis...voltou a se colocar

prisioneiro de tecnologias. A Polícia Federal ia fazer um contrato em 2003, fez uma

licitação para fazer um passaporte. Vendo o edital de licitação, com a mínima experiência

que a gente tinha na época, pode verificar que desde a costura do papel e do barbantezinho

para costurar o passaporte até o sistema de inteligência, a logística, tudo ficaria na mão deuma empresa privada. O que era isso? Uma terceirização desse sistema. O que aconteceria?

A empresa ganharia a primeira licitação e nunca mais haveria licitação. Por quê? Quando

você faz um sistema fechado e proprietário não tem como você, depois licitar com tanta

facilidade, porque você não tem modelo no mercado compatível para fazer o parâmetro de

preço e tudo mais. Então o superfaturamento advém muito disso. São sistemas próprios,

fechados e tal. E aí nós mandamos uma recomendação para a polícia. Era a empresa Itautec

que tinha ganho. Eram quinhentos milhões, mas isso ia virar não sei quantos bilhões porque

posteriormente... e o Diretor de polícia, eu acho que muito, sabiamente, entrando naquele

momento, ele tinha homologado, mas ele anulou aquele certame, a partir da recomendação

do Ministério Público e do próprio Ministério da Justiça. Anulou, a empresa recorreu,

perdeu, e hoje quem vai fazer isso? A Casa da Moeda, uma tecnologia nacional, um custo

muito menor e ainda vai poder exportar para outros países. Então, quer dizer, muitas vezes

tem que ter olhar fundo. A coisa passa porque eu acho que o crime organizado,

principalmente, na área da corrupção que envolve também a lavagem de dinheiro e a

utilização do sistema administrativo nosso para a prática de crime, já verificou a fragilidadedo nosso sistema político. A pressão que o Executivo sofre do Legislativo, a cooptação

ideológica do Judiciário, e uma forma de neutralizar o Ministério Público. Então, nisso daí 

fica a...

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Agora, o Ministério Público deve estar atento em relação ao Congresso em relação a

Getec, as loterias...

Eu acho que deve. Até dei uma declaração no Globo, eu não sou muito de dar declaração,

mas achei importante isso, porque o Globo está fazendo uma reportagem sobre isso daí que

tem um lobby. As loterias estaduais, que tem um deputado que está encampando, e já tinha

sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Uma questão inconstitucional.

Historicamente, a nossa Constituição estabelece que é monopólio da União. Então tinha que

ser no mínimo uma emenda a Constituição, se pudesse, porque o jogo é que ele é um mau,

é uma forma de sugar a economia popular. Mas se vai ter isso, se a população anseia por

isso até determinada forma, que seja de uma forma administrada e razoável e que tenhauma finalidade social. Então se o povo gosta de jogar, então deixa a Caixa administrar

determinados tipos de jogos, loterias e dá o retorno social disso daí. Agora, autorizar os

 jogos nos Estados, inclusive por empresas terceirizadas, estabelecer um cassino em cada

Estado, onde a lavagem de dinheiro não tem nenhum controle, as práticas de investimento

em eleições de pessoas comprometidas com esse grupo... A experiência que nós tivemos já

com o Luiz Francisco, o colega Guilherme Schelb, já trabalharam e verificaram que tem

dinheiro da máfia espanhola, chinesa, tudo quanto é, porque é um mercado que todo grupo

criminoso quer, não é? Você pode fazer o que você quiser, tanto lavar para cá, para lá,

esquentar dinheiro, esfriar dinheiro e além de tudo, sonega, não dá destinação nenhuma,

aumenta a corrupção. Aumenta porque o dinheiro é muito fácil. O nosso sistema político é

muito frágil. Vão bancar eleições e não vão ter controle nenhum disso. E ainda vai fazer

uma propaganda para a população, “Ah, nós estamos dando umas ambulâncias aqui,

estamos construindo um negocinho aqui”. Continua aquele fisiologismo próprio aqui...

Mas então o Ministério Público está atento.Está atento. O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual já fizeram várias

notas contra isso. O Presidente da Câmara estava com o projeto para aprovar, tirou de

pauta. Então é preciso que a sociedade bata firme falando: aqui não.

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A MULHER NA PROCURADORIA

Esse cargo de procurador da República majoritariamente é ocupado por homens.

Como é essa relação de gênero? Por que você faz parte, acredito, de uma minoria que

veio ocupando esses cargos. Como são essas relações?

Bem, eu acho que historicamente é maioria masculina. Isso tem diminuído, mas embora

pareça que há sempre uma prevalência de homens no concurso. Desde que eu entrei, eu

acho que é uma questão até cultural, a gente não foi educado para se sentir discriminado, e

para entrar no mercado de trabalho de igual para igual. Então eu nunca senti nenhuma

forma de discriminação. E olha que eu já trabalhei com policiais, com procuradores...Nunca senti, porque eu tentei sempre entrar no meio como profissional. Estabelecer

prioritariamente a questão profissional e, realmente, não senti nenhuma forma de

dificuldade. Inclusive no caso Marka são dois colegas: Bruno e Artur. Quando eu era

coordenadora criminal, tinham vezes que, sexta-feira, Rio de Janeiro, sete horas da noite,

liga da Polícia: “_Olha, estourou um caso aqui gravíssimo, precisamos de um procurador”.

Não tem procurador, tem que ir para o coordenador criminal. Aí eu até tentava, vai lá um

colega comigo porque... é até ruim eu chegar lá sete horas da noite, sozinha. De vez em

quando eu achava algum colega. De vez em quando, eu não achava, mas eu seguia lá. Eu

sou procuradora e tal, ficava, muitas vezes na mesa, na Polícia então a prevalência

masculina é inacreditável. Então eu estava lá: dez delegados, eu de mulher. [risos] Então

realmente eu nunca senti. Já fui a carceragem de polícia, você sabe dificuldade. Eu gostaria

de ter maior segurança, ter algum colega, muitas vezes, para enfrentar juntos determinadas

situações. Se tiver, melhor. Se não tiver, eu iria assim mesmo. E tanto com homem quanto

com mulher, sempre fiz excelentes trabalhos, embora a gente tende, por uma questão assim

de método, eu acho que mulher é mais organizada. Tem algumas coisas assim... Então eutenho lá meu grupo de trabalho, porque meus colegas é assim, eles faziam, faziam: “_Ah,

isso é [inaudível]”. Porque é uma questão até de visão de mundo. Mas eu trabalho com um

e com outro, normalmente. Eu não senti, eu acho que não tem.

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VIDA PROFISSIONAL VERSUS VIDA PESSOAL

E como é que você consegue cumprir esses papéis sociais de procuradora, mãe,

esposa...

É difícil conciliar tudo. É bem difícil. Eu vivo uma rotina diária bem pesada. Não reclamo

porque é escolha. É óbvio que eu dou um ritmo no meu trabalho que eu acho que deve ser

necessário, porque você não tem um controle externo e não tem um controle interno,

embora algumas questões, seria até bom que tivesse um melhor entrosamento para verificar

como é que está sendo o trabalho, mas eu acho que o trabalho por si já demanda muito de

você. Então eu dedico muito, trabalho muito. Por outro lado, eu também quero dedicar paraos meus filhos e para a minha família. Então eu quase não tenho uma vida social. Eu tenho

aquela vida família, trabalho, muito marcante. Meus filhos ainda são pequenos, dependem

muito de mim. Eu faço acompanhamento diário da escola do meu menino, mas meu marido

divide bastante comigo.

Quantos filhos você tem?

Eu tenho dois. Uma que vai fazer dez e um que vai fazer três. Têm nove e dois anos. O meu

marido divide muito comigo. Então a gente divide essa rotina bem. É óbvio que eu tenho

apoio em casa de auxiliar doméstico, essas coisas assim, mas a gente é quem cuida deles

mesmo. E tem dia que é catecismo, é reunião na escola, é sábado literário [risos], você já

acorda, assim, numa rotina ali de doido e sai correndo atrás para tentar dar conta, porque eu

acho que eles também não podem ficar prejudicados, mas também não prejudico o trabalho:

“_Ah, porque meu filho hoje...”. Eu me sinto uma trabalhadora como todas as outras. Não é

porque tenho muitas vezes possibilidades de não chegar no horário no seu trabalho que

você vai relaxar. Porque quantas mães saem e deixam os filhos em situações precárias? Eunem preciso deixar em situação precária, então já acho isso uma situação a meu favor e eu

tento administrar isso.

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VIDA POLÍTICO CULTURAL

Uma coisa que esqueci de perguntar foi sobre a sua vida político-cultural. Quando

você fazia primeiro grau, segundo grau, sua vida universitária, como foi a sua

participação?

Bem, os locais onde eu passei não tiveram movimentos muito marcantes. Eu acho que o

que teve de mais destaque para mim assim foi o movimento das Diretas, que quando eu

comecei ter uma visão... Embora desde pequena eu ficava lá assistindo posse de Presidente

da República, desfile de sete de setembro, eu ficava ligada nessas coisas. Mas quando teve

o movimento das Diretas Já, eu tinha catorze anos. Eu achei aquilo lá uma renovação. Meentrosei naquela situação. Achei que o Tancredo Neves era um mártir... Tinha o pessoal do

bem e do mau. A gente vê que não tem nada disso, mas eu me entrosei muito com isso. Eu

sempre tentei ficar do lado de minorias, não é que eu tentei ficar do lado da minoria, é que

o meu pensamento estava do lado das minorias. Nunca era aquele grupo então. Era o

partido que estava na oposição, lutando por uma renovação. Então eu sempre fui muito

forte nisso. Não de política partidária. De tentar passar uma ideologia de modificação:

“_Gente a gente não pode votar nessa pessoa de continuísmo aí, um cara que nunca

trabalhou, filho de não sei quem lá da República, teve tudo mão beijada, está sendo

construído para colocar para a gente goela abaixo...”. Mas a gente não sabe que em cima

disso tem toda uma divisão econômica, uma conotação econômica da situação, mas eu

sempre pensei muito nisso. A minha escola, faculdade, não teve muitos movimentos,

embora uma vez teve greve de professores, a gente deu o maior apoio, os professores

realmente ganhavam mal, então nós nos envolvemos nisso. Então o que era possível

participar para modificação de um pensamento, de uma situação considerada injusta, eu

sempre estava ali na luta, mas dentro da minha possibilidade. Na campanha de 99, aí foiquando eu mais atuei porque eu queria a modificação.

Que mensagem você deixaria, Raquel, baseada na sua experiência e ainda nos seus

sonhos? Que mensagem você deixaria para os procuradores que virão?

O meu sonho é de modificação para melhor. Vejo as dificuldades, muitas vezes fico

deprimida mesmo por ter um contexto [inaudível] por saber como a coisa está andando, não

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ter o resultado que deveria ter dentro do processo, dentro da nossa linha de atuação, muitas

vezes essas, questões de influência, essa visão do Judiciário... Mas eu acho que a gente tem

que sempre se indignar e tentar modificar. Então eu não vou por aqui, eu vou por ali. Parar

é que eu não vou, porque eu vou fazer o meu trabalho da melhor forma possível. Não

importa se o outro não vai dar encaminhamento. Eu acho que eu sempre vou tentar criar um

ambiente para que o resultado seja bom. Mas eu acho que a gente não pode: “_Ah, não vou

fazer porque o resultado não vai dar. Eu não recomendo porque o Juiz não pensa...”. O

Ministério Público é para provocar, provocar. Se o resultado for ruim, mas se nós

estivermos no caminho certo, a gente provoca, provoca, provoca até mudar.

Ok. Você quer dizer mais alguma coisa?

Eu acho que é muito interessante o trabalho, de vez em quando apareço em alguma... faço

alguma discussão... A TV Justiça sempre dou um apoio porque acho que é um canal de

divulgação do nosso trabalho jurídico, mas acho também, quando eu tive contato contigo

que me explicou direitinho, achei inovador, diferente. Eu acho que vai ser um bom legado

histórico do trabalho do Ministério Público. Eu acho que tem que ser priorizado, não

porque eu sou do Ministério Público, eu já até falei para o PGR: “_No dia que o nosso

Ministério Público não estiver cumprindo o seu papel social, tem que extinguir”. Eu acho

que não é porque eu estou aqui... Por acaso eu entrei nessa instituição, mas é uma

instituição de transformação”. 

Você acha importante constituir essa memória do Ministério...

É extremamente relevante. Porque isso se perde. As pessoas vão mudando. A gente tem o

nosso grupo daquele momento que sabe como todo mundo está trabalhando, mas isso vai se

perdendo porque cada um vai tomando o seu rumo. Eu acho muito importante manter atéigual você disse, para essas novas gerações que têm interesse, porque eu acho que tem que

ter um perfil, tem que entrar com essa vontade de modificar e de trabalhar bem.

Ok. Obrigado, então.