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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE LETRAS COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LITERATURAS HISPÂNICAS RAQUEL DA SILVA ARAÚJO TRANSCULTURAÇÃO E LITERATURA EM EL ZORRO DE ARRIBA Y EL ZORRO DE ABAJO NITERÓI 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE LETRAS COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LITERATURAS HISPÂNICAS

RAQUEL DA SILVA ARAÚJO

TRANSCULTURAÇÃO E LITERATURA EM EL ZORRO DE ARRIBA Y EL ZORRO DE ABAJO

NITERÓI

2007

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RAQUEL DA SILVA ARAÚJO

TRANSCULTURAÇÃO E LITERATURA EM EL ZORRO DE ARRIBA Y EL ZORRO DE ABAJO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de concentração: Literaturas Hispânicas.

ORIENTADORA: PROFª. DRª LÍVIA MARIA DE FREITAS REIS

NITERÓI

2007

A663 Araújo, Raquel da Silva. Transculturação e literatura em El Zorro de Arriba y El Zorro de Abajo / Raquel da Silva Araújo. – 2007.

99 f. Orientador: Lívia Maria de Freitas Reis. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2007. Bibliografia: f. 95-99.

1. Arguedas, José Maria, 1911-1969 – Crítica e interpretação. 2. Arguedas, José Maria, 1911-1969 – El Zorro de Arriba y El Zorro de Abajo. 3. Literatura peruana – História e crítica. I. Reis, Lívia Maria de Freitas. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título. CDD P860.9

RAQUEL DA SILVA ARAÚJO

TRANSCULTURAÇÃO E LITERATURA EM EL ZORRO DE ARRIBA Y EL ZORRO DE ABAJO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de concentração: Literaturas Hispânicas.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Profª Drª Lívia Maria de Freitas Reis - Orientadora

Universidade Federal Fluminense UFF

_________________________________________ Profª Drª Eurídice Figueiredo

Universidade Federal Fluminense UFF

______________________________________________ Profª Drª Cláudia Luna

Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

NITERÓI 2007

Aos meus pais, que foram desde os primeiros instantes os guias de meus passos. Àqueles que

com amor, trabalho e sacrifício me orientaram pelos caminhos do saber. A vocês, todo o meu amor.

À Lívia, que quando deveria ser simplesmente professora, foi mestre; que quando deveria ser mestre,

foi amiga, e em sua amizade me compreendeu e incentivou a seguir. Pelo carinho dedicado desde a época da graduação.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me ajudado a vencer mais uma etapa de meus sonhos. Aos meus queridos pais Edson e Wilma, pessoas maravilhosas que com seu exemplo me ensinaram tudo o que sou. Ao meu grande amor e companhe iro de todas as horas, Luciano, que, até quando não devia soube me compreender. Aos meus irmãos Márcio e Rejane, por acreditarem em meus objetivos. À tia Graça, pelo carinho e preocupação. À Zulene, pelo incentivo. A todos os amigos, pelo companheirismo e ajuda em qualquer circunstância. Aos professores da UFF de quem tive o privilégio de ser aluna nos cursos da Pós-graduação. À Universidade Federal Fluminense. Ao CNPQ pela bolsa oferecida; sua contribuição foi fundamental para a realização deste trabalho. A José Maria Arguedas, por me fazer apaixonar-se pela literatura.

[…] un gran pueblo, oprimido por el desprecio social, la dominación política y la explotación económica […] se había convertido en una nación acorralada […] Pero los muros aislantes y opresores no apagan la luz de la razón humana.

JOSÉ MARÍA ARGUEDAS

RESUMO

José Maria Arguedas foi um dos mais sensíveis escritores a abordar, através de sua obra literária e antropológica, não só a questão do índio, mas também a questão do migrante. O presente estudo tem por finalidade observar como Arguedas descreve em El zorro de arriba y el zorro de abajo os enfrentamentos entre o estrato hegemônico e o estrato marginal sob a tensão produzida pelo desejo de morrer por mãos próprias. Como base teórica para análise dos enfrentamentos ali descritos foi utilizado o conceito de Transculturação, buscando um melhor delineamento dos embates que por toda a vida oprimiram a Arguedas. Palavras-chave: Transculturação – Heterogeneidade - Literatura

RESUMEN

José Maria Arguedas fue uno de los más sensibles escritores a abordar, a través de su obra literaria y antropológica, no sólo la cuestión de los indios, sino también la cuestión del emigrante. El presente estudio tiene por finalidad observar como Arguedas describe en El zorro de arriba y el zorro de abajo los enfrentamientos entre el estrato hegemónico y el estrato marginal bajo la tensión producida por el deseo de morir por manos propias. Como bases teórica para análisis de los enfrentamientos allí descritos fue utilizado por el concepto de Transculturación, buscando un mejor delineamiento de los embates que por toda la vida oprimieron a Arguedas. Palabras- llave: Transculturación - Heterogeneidad – Literatura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11

2. PELOS CAMINHOS DOS CONCEITOS........................................................................15

2.1 Transculturação: um conceito em processo..................................................................18

2.2 Heterogeneidade: uma reunião de perspectivas............................................................25

2.3 O Indigenismo visto por um representante de dentro...................................................28

3. EL ZORRO DE ARRIBA Y EL ZORRO DE ABAJO: UM ROMANCE INACABÁVEL

E INACABADO?....................................................................................................................36

3.1 Arguedas: o antropólogo e o romancista.......................................................................45

3.2 Los Zorros: diálogo entre dois mundos.........................................................................55

3.3 Chimbote e o choque da migração................................................................................62

4. ESCREVER PARA NÃO MORRER............................................................................... 72

4.1 Os diários: mais que um testemunho pessoal, um romance dentro do outro................76

4.2 O silêncio em Los zorros...............................................................................................81

5.CONCLUSÃO......................................................................................................................86

Anexos......................................................................................................................................89

Anexo 1: No soy um aculturado...........................................................................................89

Anexo 2: Soy hechura de mi madre…………………………………………………….….92

Anexo 3: Los zorros en la correspondencia de Arguedas……………………………...…..93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………....……………......................………………95

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1.0 INTRODUÇÃO

José María Arguedas (1911-1969), considerado um dos mais importantes escritores

peruanos, era um romancista reconhecido internacionalmente por sua obra Los ríos profundos

(1958). Além de romancista, também foi antropólogo, trabalhou em áreas sensíveis da

memória étnica andina, e sua teoria cultural supunha uma nacionalidade heterogênea, onde a

sociedade crioula dominante fosse capaz de reconhecer os direitos do mundo indígena não só

como uma cultura legítima, mas também como parte intrínseca da diferença nacional.

Esse escritor bilíngüe, cuja língua nativa fora o quéchua, encontrou no fenômeno

humano e social do movimentado porto de Chimbote, localizado na costa peruana, não

somente o conflito da migração andina e sua modernização compulsiva, mas também a

própria existência desse mundo andino.

Com um projeto de investigação apoiado pela Universidade Agrária de La Molina, em

cuja área de Ciências Sociais, o professor Arguedas visitou várias vezes o porto de Chimbote

para entrevistar os migrantes. Logo, seu projeto acadêmico transformou-se na elaboração de

um romance.

Planejava inicialmente escrever sobre o porto de Supe, mais próximo a Lima, que ele

conhecia muito bem por ter passado ali alguns verões, e também por este porto ter sofrido

uma violenta transformação econômica e social a partir do desenvolvimento da indústria

pesqueira; mas compreendeu que o fenômeno migrante era maior e mais complexo em

Chimbote.

Em meados dos anos 50, Chimbote era uma famosa baía na costa norte do Peru onde

viviam cerca de doze mil pessoas, entre os quais muitos artesãos, comerciantes e profissionais

liberais. Ainda que anunciassem os novos tempos, não era possível assegurar que em poucos

anos Chimbote passaria por uma metamorfose econômica e social.

A razão para que Chimbote se tornasse atrativa encontrava-se nas duras condições de

vida que os serranos experimentavam em suas comunidades ou nas fazendas nas quais

viviam, numa relação de servilismo, que levou ao empobrecimento grandes contingentes

populacionais da serra peruana, aos quais não restou outro caminho, a não ser escapar através

das correntes migratórias.

A migração de serranos em direção às cidades costeiras do Peru, em grandes

contingentes, foi um dos elementos que ajudaram a fundar a modernidade neste continente, e

é o aspecto mais relevante nesta última obra de José Maria Arguedas. Ao deixar o povoado de

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origem e seguir rumo à cidade, o indivíduo se lança em um caminho que, além de levá- lo a

um ponto desconhecido, leva-o também, não raramente, a experimentar um contínuo processo

de perda, de esvaziamento. Essa falta de coesão social auxilia no processo de derrocada moral

do indivíduo e pode, até, acarretar o seu fim abrupto.

Arguedas começou a escrever El Zorro de arriba y el Zorro de abajo 1(1971), obra

analisada neste trabalho, por recomendações médicas, buscando afastar a apatia que o

assolava. Trata-se de um romance baseado em conflitos de passagem entre o antes e o atual,

entre a serra que ficou para trás e a costa na qual se chega, entre a tradição e modernidade.

Os personagens do romance estão submetidos a uma ameaça: o ingresso avassalador

da modernidade que se instala num tranqüilo porto pesqueiro no formato de uma enorme

indústria que atrai os povos andinos e os obriga a participar de um novo sistema produtivo

baseado na pesca marítima e na indústria da farinha. Este sistema implica não só numa

violenta e traumática mudança de valores, mas também num processo acelerado de adaptação

imposto pelo modelo capitalista. Eles passam, então, a se questionar sobre uma identidade já

fraturada e seccionada pela nova configuração social a que estão submetidos. A prostituição, a

mentira, o desejo de prosperar a qualquer custo estarão entre as novas práticas adotadas pelos

recém-chegados às cidades.

O processo de migração – deixar uma terra para aventurar-se em outras – implica em

um desenraizamento com graves conseqüências sociais e psicológicas, principalmente em um

país como o Peru – com línguas e culturas distintas. E esse sentimento de desenraizamento,

que Arguedas conhecia tão bem, está diretamente vinculado com as trocas culturais presentes

nessa obra, permeada pelas confissões expressas com toda lucidez e inquietude de um homem

no limite de sua existência.

O projeto do romance começou chamando-se Harina mundo, logo Pez grande, e

finalmente, El zorro de arriba y el zorro de abajo, título tomado da mitologia pré-

colombiana; mais especificamente, do tomo de lendas e mitos recopilados no fim do século

XVI pelo frei Francisco de Ávila, que Arguedas traduziu do quéchua ao espanhol com o título

de Hombres y dioses de Huarochirí (1966). Estes zorros são deuses nativos que representam o

“mundo de arriba” e o “mundo de abajo”, ou seja: costa e serra andina. No romance, esses

zorros convocam as partes em disputa a um debate exacerbado e emotivo em torno do sentido

da modernidade peruana.

1 Utiliza-se neste trabalho a seguinte edição: ARGUEDAS, José María. El zorro de arriba y el zorro de abajo . Edição crítica, FELL, Éve-Marie (organizadora) 1ª reimp. Madrid: ALLCA XX, 1997. Para efeito de citação, usaremos a abreviatura Los zorros, seguido da página. (LOS ZORROS, p. _).

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El Zorro de arriba y el Zorro de abajo foi publicado inicialmente em fragmento na

revista Amaru n° 06 (1968). Logo após a morte do autor, em 2 de dezembro de 1969, sem

recuperar a consciência, após ter disparado dois tiros em tentativa de suicídio em 28 de

novembro, surgiram outras publicações parciais: Amaru n°11 e Oiga n°353. A revista Casa de

Las Américas, em seu n° 59 (1970) publicou o “¿Ultimo diário?”. E somente em 1971 o

romance apareceu na forma completa, editado por Editorial Losada de Buenos Aires.

O romancista peruano sintetiza em sua própria pessoa os enfrentamentos observados

nessa obra – “el mundo de arriba’ versus “el mundo de abajo” / o silêncio versus a palavra/ a

vida versus a morte – objetos deste trabalho.

Além desta introdução, a pesquisa em si completa-se com mais quatro capítulos. O

segundo tentará abordar, em linhas gerais, a teoria da transculturação, na tentativa de entender

a natureza da literatura na América Latina, uma vez que a simples definição de aculturação

parece não conseguir explicar o fenômeno do surgimento destas novas formas de expressão

cultural, já que a cultura considerada marginalizada não desaparece em função da imposição

cultural hegemônica.

O conceito de transculturação proposto, em 1940, pelo antropólogo cubano Fernando

Ortiz – no livro Contrapunteo Cubano del Azúcar y del Tabaco, requer, como todo conceito,

algumas considerações específicas para que possa ser utilizado, em parte pelo uso

indiscriminado que dele se fez ao longo do tempo. Porém, seria difícil pensar na narrativa

latino-americana do século XX sem considerá-lo. Identificaremos também dentro deste

capítulo os conceitos que possibilitem, de alguma forma, diálogo com o tema proposto, como

transculturação narrativa, heterogeneidade e indigenismo, voltando assim a nossa atenção

para temas e problemas postos no cenário cultural do romance.

O terceiro capítulo trata da relação de Los Zorros com os conceitos estudados no

capítulo anterior, procurando estabelecer uma reflexão mais ampla sobre questões identitárias

no Peru. Traçaremos um breve histórico sobre a trajetória biográfica e literária de Arguedas,

que soube como poucos romanc istas, transgredir as barreiras impostas pela ficção, fazendo

com que seus dados biográficos recebessem tratamento poético em suas obras ficcionais.

Los Zorros talvez seja a expressão mais incisiva das contradições que atormentavam

Arguedas, contradições estas que se estendem aos conflitos social e cultural tensionados pelo

poeta, na tentativa de esclarecê- los. Verificaremos que a mirada de Arguedas já não recai

sobre o índio como elemento discursivo primordial, e sim sobre um personagem desgarrado

que vê no processo de migração uma melhor possibilidade de vida.

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Considerando as circunstâncias em que o livro foi escrito, o quarto capítulo ressaltará

a importância dos diários como material literário e parte do romance. Neles, o autor trava uma

relação com a temática da morte e sobre seu suicídio. Apresentamos o silêncio como possível

elemento estruturante da linguagem, que ao abrir-se à significação permite diferentes

movimentos discursivos, diferentes possibilidades de estar na linguagem. O silêncio pode ser

visto com uma opção, nem sempre consciente, entre dizer/falando e dizer/calando. Para isso

usaremos as reflexões propostas pelo francês Michel Foucault em seu livro A ordem do

discurso e de Eni Orlandi em As formas do silêncio, como norteamento de nossos estudos.

A conclusão do trabalho será um posicionamento onde expressaremos nossa opinião

sobre os enfrentamentos, sobre a mágica fusão entre o mundo andino e o homem que é

Arguedas.

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2.0 PELOS CAMINHOS DOS CONCEITOS

O texto literário, muitas vezes, transforma-se em uma espécie de ferramenta nos

esforços para identificar os problemas decorrentes dos conflitos sociais entre culturas

heterogêneas. Numa tentativa de compreensão do homem latino-americano, muitos escritores

procuraram dar voz à América Latina, tentando assim delinear culturas e identidades próprias.

Porém, um perfeito delineamento cultural latino-americano não é possível, pois se

trata de um imenso território cuja cultura é uma variável em constante transformação, fruto de

um ininterrupto intercâmbio cultural entre diversos povos, onde até mesmo a camada

hegemônica apresenta transformações acentuadas que não são específicas de seu próprio

meio. Trata-se de um intenso processo de hibridização entre uma elite hegemônica e as

culturas marginais, o qual pode também ser observado no espaço narrativo.

As culturas marginais ou não hegemônicas contribuíram para a formação cultural do

continente, e é importante observar como tais estratos culturais se manifestam e como os

mesmos são incorporados ao processo cultural latino-americano.

Devido à sua posição menos privilegiada, tanto social, quanto econômica e

culturalmente, a dificuldade de expressão das margens é vista como um problema. Estes

grupos, antes de serem aculturados, são representantes de um processo de inter-

relacionamento cultural, de trocas observadas a partir de uma dinâmica de contatos de

diversas naturezas; um mecanismo inicialmente pensado por Ortiz (1940) e posteriormente

desenvolvido por Rama (1982), a que se denominou processo de transculturação; e, no âmbito

literário, transculturação narrativa, conceitos que serão trabalhados nos próximos capítulos.

Para uma melhor compreensão do fenômeno do enfrentamento cultural, e seus

resultados, que serão observados na obra El zorro de arriba y el zorro de abajo, é necessário

completar a lacuna deixada pelo conceito de transculturação e o de transculturação narrativa.

Tal lacuna é ocasionada pelo seu caráter processual, aplicável à análise de situações

específicas – a transformação cultural -, isto devido ao seu foco de observação direcionado.

A complementação dar-se-á pela adoção do conceito de heterogeneidade, proposto por

Cornejo Polar, conceito este, quiçá, mais complexo que o anterior. A visão a partir da

heterogeneidade abordará não um processo, mas o relacionamento cultural entre as diversas

camadas coexistentes tais como são, procurando manter as características que as identificam,

considerando momentos e formas literárias latino-americanas diversas e outras variáveis afins,

abrangendo então um espaço mais amplo, de visão mais generalista. Logo, possibilita um

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entendimento mais refinado dos níveis em que operam os diversos processos de intercâmbio

cultural na América Latina.

Desde os tempos da colonização ocorrem, neste continente, embates culturais dotados

de uma dinâmica ininterrupta.

De ahí que el fenómeno de transculturación, tanto como la noción de heterogeneidad, sean esenciales para entender los procesos de apropiación, redimensionamiento y resistencia cultural que se producen como consecuencia de la colonización y de los flujos modernizadores que imprimen sobre América, desde el descubrimiento, la huella del poder metropolitano y de la hegemonía criolla […] (MORAÑA, 1998,p.11)

Este trabalho, realizado a partir do romance El zorro de arriba y el zorro de abajo,

apoiado no conceito de transculturação e em seus desdobramentos, buscará os aspectos

específicos dos enfrentamentos identificados no Peru e trabalhados em sua obra através dos

recursos textuais utilizados pelo autor.

O conceito de heterogeneidade cultural - com nuances do indigenismo andino, que é

base das teorias de Cornejo Polar – complementará o estudo, possibilitando um panorama

mais amplo, sem desconsiderar as variáveis etnológicas, para que se entenda o contexto em

que o romance de Arguedas foi desenvolvido, assim como os objetivos e resultados obtidos.

Esta pesquisa buscará identificar, também, na obra em questão, os enfrentamentos

culturais expressos pelo autor, a partir do contato entre as “culturas de arriba” e as “culturas

de abajo”, conceitos que poderiam encaixar-se na definição de um outro conceito, o de

margem.

O real valor da cultura não hegemônica é de difícil mensuração, pois conforme os

pressupostos da heterogeneidade cultural, novas variantes culturais surgirão sempre e poderão

ocupar a periferia do sistema.

É importante ressaltar que em alguns momentos deste trabalho, será utilizado o termo

transculturação no lugar de transculturação narrativa, ou heterogeneidade, por

heterogeneidade cultural. Não se trata apenas de uma alusão ao sentido mais amplo dos

termos - o antropológico -, mas também o conceito aplicado à literatura. Caso haja a

necessidade de um esclarecimento, o próprio contexto encarregar-se-á de dirimir a dúvida.

Reafirmamos, então, que os pressupostos teóricos utilizados como pilares desta

pesquisa, no que se refere ao conflito resultante dos embates culturais das camadas

hegemônicas e marginais do Peru – talvez com uma perspectiva latino-americana – atenderão

à conceituação formulada por Cornejo Polar, Angel Rama e Ortiz, visto serem conceitos afins

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aos processos de hibridização, mestiçagem e outras formas de reconstrução cultural. É

fundamental reiterar-se que o conceito de transculturação narrativa representa um típico

processo, enquanto o conceito de heterogeneidade tende a representar antes um sistema bem

estruturado.

Tomando como base as observações de Ortiz, Rama constrói sua reflexão sobre a

transculturação narrativa. Este conceito inicialmente compreendeu um processo de conflito

observado entre o regionalismo e o vanguardismo e o produto resultante do mesmo, e sua

expansão, engloba posteriormente outras situações. (cf. subcapítulo 2.1).

Por sua vez, a heterogeneidade também observa o embate cultural, todavia partindo de

variáveis mais profundas, não contrapondo somente dois momentos literários. Antes, a

considera como um fenômeno que pode repetir-se além do âmbito local, levando em conta em

sua análise, a cultura dominadora, a dominada, a nativa e outras geradas destes

relacionamentos. (cf. subcapítulo 2.2)

Porém, antes de abordar estes dois conceitos em separado, faz-se necessário observar

que escrever sobre sistemas e processos de hibridização e mestiçagem, sem adentrar o campo

da antropologia, limitando-se à literatura, é uma tarefa de difícil realização. Serão necessárias

algumas incursões naquela ciência, para, então, embasar determinadas opiniões.

Uma delas seria a de que a possibilidade de coexistência pacífica entre duas culturas

heterogêneas é uma perspectiva ingênua, mas fortemente presente no imaginário das margens.

Essa completa integração é utópica, pois quer transformar índios e mestiços em “protagonistas

prematuros do drama da harmonia como desejo impossível” (CORNEJO POLAR, 2000,

P.77).

Ao permitir a integração, a dinâmica das trocas cessaria, formando, então, uma

camada hegemônica, com pontos de conflitos somente internos. Isso negaria a essência da

heterogeneidade cultural, pois a integração homogeneizante interromperia as trocas, e

descaracterizaria as culturas envolvidas.

A transculturação, por sua vez, prevê uma possibilidade de formação de uma cultura

intermediária como resultado do mesmo fenômeno integrativo. Mas, a ingenuidade da teoria

reside na aceitação desta variante transculturada por ambos os estratos que a originaram.

Em seu discurso No soy aculturado, Arguedas (1976, p.432), diz que a integração não

prevê a destruição da cultura dominada. Porém, a integração não prega a transformação

cultural proposta por Rama; transformação esta que mesmo não mantendo suas características

originais, não deixa de ser uma nova expressão da cultura local e também não deixa de ser

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latino-americana. Mas, não é possível, somente através dessa teoria, responder por nuances

mais específicas, fazendo-se, portanto, necessário utilizar-se o conceito de heterogeneidade.

O surgimento de um novo produto cultural deve considerar ambas as perspectivas: o

processo de formação de uma “nova” cultura, produto de inter-relacionamentos, e o sistema

que lhe deu origem até seu estágio atual, mas sem negar a diferença de culturas heterogêneas

no Continente.

2.1 Transculturação: um conceito em processo

A definição de transculturação narrativa tem suas raízes na crítica aos processos

identificados com a eliminação de uma cultura ao ser absorvida por outra, no processo de

formação das colônias latino-americanas, ou seja, nos processos de aculturação que teriam

ocorrido aqui. Porém, observamos que a simples definição de aculturação não consegue

explicar o fenômeno do surgimento de novas formas de expressão cultural, uma vez que a

cultura marginalizada não desaparece em função da imposição cultural hegemônica.

Segundo Martin Lienhard, estes processos de interação cultural geraram literaturas

alternativas,

fruto del encuentro desigual, en el marco de un sistema de dominación colonial o semicolonial, entre la cultura de los sectores hegemónicos y la de las subsociedades marginadas”. (LIENHARD, 1990, p.132).

Podemos entender que a literatura atua como ferramenta nos esforços que buscam

confirmar que a América Latina possui identidade e cultura próprias. Mas, não é possível

fazer um perfeito delineamento, pois o processo de ininterrupto intercâmbio cultural

observado nos países latino-americanos faz com que a cultura neste continente seja uma

variável em constante transformação, na qual a camada hegemônica vem apresentando

transformações, resultantes de um processo de hibridização entre ela e as culturas não

hegemônicas ou marginais.

Diante da necessidade gerada pela falta de uma terminologia e conceituação

específicas na área das ciências sociais, o antropólogo cubano Fernando Ortiz propõe, em

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1940, o conceito de transculturação – no livro Contrapunteo Cubano del Azúcar y del Tabaco,

com o objetivo de substituir o termo aculturação, na terminologia sociológica, pois aquele já

não contemplava o surgimento de novas expressões culturais a partir da margem do sistema –

e à restrita visão de mestiçagem cultural, incapaz de explicar alguns fenômenos específicos.

Para Ortiz, o conceito proposto era indispensável para compreender a verdadeira

história de Cuba e de sua dinâmica de formação.

O ensaio, além de propor e advogar o uso do conceito teórico da transculturação é, dentro do conjunto do livro, aquele mais preocupado com as questões relativas às ciências sociais. Ao traçar uma arqueologia da formação do povo cubano, o autor visita os diversos grupos que se mesclaram e resultaram no que hoje chamamos de cubanos. Desde as origens pré-históricas, marcadas pela presença de diversos povos indígenas, nativos da ilha, em diferentes graus de desenvolvimento, até a chegada dos europeus com seu “furacão cultural” e, por último, dos negros, oriundos de várias etnias africanas, a história de Cuba foi a história do encontro múltiplo e variado, não apenas de povos, etnias, raças, mas sobretudo de culturas e economias distintas, em choque permanente. (REIS, 2005, p.467)

Situado entre o estilo ensaístico e o literário “Do fenômeno social da transculturação e

de sua importância em Cuba”, é o segundo capítulo do livro, de Ortiz: Contrapunteo Cubano

del Azúcar y del Tabaco. O autor, com sua prosa irreverente, constrói um jogo de palavras

entre o açúcar e o tabaco, entre o doce e o amargo, destacando os dois principais produtos de

Cuba, que se transformam em elementos de uma contraposição cultural.

Fernando Ortiz afirmou que toda a escala cultural experimentada pela Europa em mais

de quatro milênios, em Cuba ocorreu em menos de quatro séculos. O que no velho continente

subiu por rampas e degraus, em Cuba deu-se a saltos e sobressaltos.

Nas palavras do próprio Ortiz, transculturação seria um fenômeno onde:

As fases do processo de transição de uma cultura à outra, este, não consiste somente em adquirir uma cultura diferente, como sugere o sentido estreito do vocábulo anglo-saxão, aculturação, mas implica também necessariamente a perda ou desligamento de uma cultura precedente, o que poderia ser chamado de uma parcial desculturação, e, além disso, significa a conseqüente criação de novos fenômenos culturais que poderiam ser denominadas neoculturação. Toda a fase do processo, em seu conjunto, é transculturação. (ORTIZ, 1983, p.90)

Bronislaw Malinowski, mestre contemporâneo da etnografia e da sociologia, aprovou

o neologismo proposto por Ortiz. Ele define o conceito como:

Um processo, no qual ambas as partes da equação são modificadas. Um processo no qual emerge uma nova realidade, composta e complexa; uma realidade que não é uma aglomeração mecânica de caracteres, nem sequer um mosaico, mas um fenômeno novo, original e independente. (MALINOWSKI, 1957, p. 5.)

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Porém, Ralph Beals observou que Malinowski não fez uso do conceito do antropólogo

cubano em nenhuma de suas obras posteriores. Mas, o conceito introduzido por Ortiz agradou

ao também antropólogo peruano José María Arguedas.

No caso do Peru, os processos de transculturação envolvendo os habitantes da região

andina passam pelo processo de mestiçagem. Para Arguedas a transculturação no Peru seria

um processo altamente conflituoso e, de pavorosa lentidão (ARGUEDAS, apud

MANRIQUE, 1995)2, se considerarmos que teve início à época da conquista e que ainda

permanece em curso.

Del choque de los conquistadores hispanos con la civilización incaica, siguió un doloroso proceso de mestizaje, aún en curso, y cuyo destino depende íntimamente de la extirpación desde la raíz de las formas de dominación, internas y externas, que con su acción conjugada a lo largo de la historia, han mantenido (…) la segregación de los valores culturales propios de que son depositarias las masas indígenas. (LARCO, 1976, p.08).

Arguedas, ao receber o prêmio Inca Garcilaso de la Vega (1968), revelou sua

contrariedade ao ser considerado um aculturado, já que o vocábulo significaria, segundo seu

conhecimento, perda da cultura própria e a sua substituição pela do colonizador:

O cerco podia e devia ser destruído: o manancial das duas nações podia e devia ser unido. E o caminho não tinha por que ser, nem era possível que fosse unicamente aquele que se exigia com autoritarismo de vencedores espoliadores, ou seja: que a nação vencida renuncie à sua alma, mesmo que só aparentemente, de modo formal, e adote a dos vencedores, quer dizer, se acultura. Eu não sou aculturado: sou um peruano que orgulhosamente, como um demônio feliz, fala língua cristã e de índio, espanhol e quíchua. (ARGUEDAS, 1971, p.13)

Entendendo este processo de transição e hibridização intercultural como

transculturação, onde não há destruição total da cultura dominada, mas a adição constante

nesta de novos elementos da cultura dominante, é possível afirmar que a cultura na América

Latina vem constantemente enfrentando tal fenômeno, não se encontrando no Continente,

aspectos de uma cultura completamente transplantada.

O processo de transculturação prevê a transformação de culturas que coexistam em um

mesmo ambiente sem que uma sobrepuje a outra, isto é, sem que haja aculturação ou

desculturação. É um processo traumático, complexo, dialético, onde não há harmonia, e sim

perdas, ganhos, seleções, descobertas...

Impulsionado pelas mudanças ocorridas nas ciências sociais e com o advento do que

chamamos de boom da Literatura hispano-americana; que vem a ser uma rica produção na 2 Muitas vezes, em hipertextos e outras formas de mídia eletrônica, não constam n° das páginas.

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narrativa produzida nos anos 60, Ángel Rama constrói uma reflexão sobre a produção literária

no século XX.

Comparando as idéias surgidas do confronto entre vanguardistas e regionalistas, Rama

parte das observações de Ortiz, para construir sua reflexão, fazendo uso particular do termo

em seu livro La Transculturación Narrativa, de 1982.

Para Rama, a introdução de formas literárias pelos vanguardistas na metade dos anos

30, significou o “cancelamento do movimento narrativo regionalista que predominava na

maioria das áreas do continente e dentro do qual haviam se expressado tanto em áreas de

médio e escasso desenvolvimento educativo, como as mais avançadas” (RAMA, 2001,

p.209).

Diante deste impacto, as respostas dos regionalistas são três: aceitação das formas

literárias, rejeição de toda novidade estética e o que Rama define como plasticidade cultural

de uma produção literária que integra as novas estruturas formais sem recusar as próprias

tradições. Isto é, o que ele vai denominar de literatura de transculturação.

Ainda que baseado nos pressupostos de Ortiz e seu conceito de cunho antropológico,

Rama entendia que aquele autor não levou em conta, em seus estudos, a incorporação de

elementos evolutivos e criativos próprios da camada transculturada.

Detendo-se exclusivamente ao âmbito literário, Rama observa que esta reestruturação

literária operava em três níveis distintos:

• O nível da língua – em todos os seus aspectos, onde o idioma da cultura hegemônica

não era o único empregado, mas passava-se a considerar as expressões lingüísticas dos outros

estratos. É a partir de seu sistema lingüístico que trabalha o escritor que não procura imitar de

fora uma fala regional, mas sim elaborá- la de dentro com finalidades literárias.

Os escritores regionalistas da primeira década do século XX empenharam-se em fixar

um sistema que alternasse a língua culta do modernismo com o falar dialetal de seus

personagens, com o intuito de ambientá- los de uma forma realista.

Foram utilizados alguns recursos como aspas, adoção de glossário e apêndices

explicativos para o falar americano, na tentativa de resolver os problemas de diversos

registros regionais, marcando assim as diferenças.

Essas soluções apontam uma ambigüidade lingüística, na medida em que refletem a

estrutura social, na qual os escritores ocupariam um lugar privilegiado em comparação aos

estratos inferiores, devido a seu manejo do idioma.

Já sob o efeito da modernidade, os transformadores do regionalismo, de modo mais

efetivo, inserem mudanças. Abandonam o falar popular, reduzindo o uso de seu dialeto,

22

intensificando o uso do falar americano próprio de cada escritor. É eliminado o uso do

glossário, já que as palavras regionais transmitiriam por si só seu significado a partir do

contexto lingüístico. Logo é observada uma maior unidade lingüística e artística na obra.

Com relação aos escritores regionalistas em processo de transculturação, têm o léxico,

a prosódia e a morfossintaxe da língua regional transformados em instrumentos para destacar

os conceitos de originalidade e criatividade.

Em relação aos personagens que se utilizam de um falar autóctone, os narradores

transculturados forjam uma língua artificial, que permita registrar as diferenças do idioma,

sem romper o tom unitário, procurando encontrar uma equivalência dentro do espanhol.

O autor fala a partir do universo americano, reintegrando-se à comunidade lingüística.

Ele não tenta imitar o falar regional, por se sentir como parte dele, mas busca elaborá- lo com

finalidade artística.

• O nível estrutural – aqui os narradores tiveram que enfrentar problemas que exigiam

soluções mais complexas, que se fundam na narração oral e popular. O romance regionalista,

calcado no modelo do naturalismo europeu do século XIX, encontra-se diante de uma

variedade de recursos vanguardistas, outrora absorvido pela poesia e em seguida difundido na

narrativa urbana. Considerava outras abordagens como o mágico e o fantástico, além da

clássica abordagem naturalista e outras já conhecidas.

Houve um resgate do tradicional monólogo discursivo, em autores como João

Guimarães Rosa com o seu Grande sertão veredas. Foi reinventado o falar das “comadres”,

intercalado com vozes sussurrantes, como em Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Rama destaca

ainda García Márques, que, em Cien años de Soledad, através de “uma tia” reage com

naturalidade diante do irreal, do fantástico, do extraordinário.

• O nível dos significados globais – o terceiro nível seria o dos específicos,

denominados de cosmovisão, campo das ideologias. Este último é tão considerável que, ao

superar as propostas modernizantes, os transculturadores descobrirão o mito num repertório

fabuloso, com elementos ainda não explorados pela narrativa do regionalismo. “O mito, o

arquétipo, apareceram como categorias válidas para interpretar as características da América

Latina, em uma mescla sui generis com esquemas sociológicos, mais ainda, com um forte e

decidido apelo às crenças populares sobreviventes nas comunidades indígenas ou afro-

americanas na América” (Rama, 1982, p.51)

Segundo Rama, é o terceiro nível das operações transculturadoras que funciona no

interior das narrativas engendrando os significados. Os romances provenientes do

regionalismo conseguem excelentes resultados nesta área, pois é na cosmovisão que se

23

consolidam os valores e as ideologias. Trata-se do reconhecimento de um universo que ficara

oculto pelos cânones positivistas, e que revigorado, permite o reaparecimento das culturas

rurais latino-americanas vistas, neste momento, sob um novo prisma.

Rama conclui seus estudos da teoria da transculturação narrativa com a análise de

alguns narradores que, segundo o autor, operam em suas obras todos os mecanismos

apontados anteriormente. Como exemplo destes escritores considerado, por ele, escritores

transculturadores, ou seja, aqueles comprometidos com suas tradições nacionais, e que ao

mesmo tempo sentem o chamado da modernidade, destacamos o peruano José Maria

Arguedas.

A presença do elemento cultural andino, a linguagem poética e a musicalidade

presente em El zorro de arriba y el zorro de abajo transformam o romance em um exemplo

da transculturação narrativa. Uma obra apresentada sob o modelo narrativo pertencente à

cultura dominante, tanto no que se refere ao idioma em que foi escrita, o espanhol, como pelo

veículo utilizado, a própria escrita; que permitiram a Arguedas expressar a realidade dos

serranos que migravam esperançosos por melhores condições de vida.

O escritor peruano, como um representante de dentro, alguém que vivenciou a

realidade andina, soube compreender e expressar com fidelidade os anseios e medos, as

esperanças e perspectivas daquele povo.

A transculturação age como a possibilidade de tradução do pensamento índio, de

modo diferente do que era feito nos romances indigenistas tradicionais, tornando-o acessível

ao estrato hegemônico. Poderíamos, portanto, considerar este peruano como um dos

expoentes máximos do que seja um escritor transculturado.

Antes de los trabajos de Arguedas era opinión mayoritaria entre los sociólogos y antropólogos y aún los novelistas, que el elemento colonizador a través de su destructora labor, que va desde los violentos días de la conquista hasta la grave violencia presente, había neutralizado completamente el factor indígena. Al que se lo consideraba, según los “optimistas” a la integración (léase “aculturación”), y de acuerdo con los “pesimistas” a la desaparición (léase “degeneración”) de la raza. (URRELLO, 1991, p. 56-60)

É importante ressaltar que a transculturação possui certas limitações, todavia neste

trabalho não se pretende analisá- las a fundo. Mas um esclarecimento se faz mister: os

processos de trocas culturais são uma via operacionalizada em dois sentidos, o que não é

privilegiado pelo conceito de transculturação ou de transculturação narrativa. Logo, Rama

consideraria que para a operacionalização do conceito de transculturação, seria necessário

24

haver a participação da cultura hegemônica, pois este processo não é característico de culturas

subalternas.

Numa entrevista antes de sua morte, perguntaram a Rama se no último romance de

Arguedas, El zorro de arriba y el zorro de abajo, havia esperança para a cultura indígena; o

crítico respondeu:

Sin duda, pero no de la cultura indígena sino de la cultura mestiza, porque la cultura india ya no tenía sentido. Lo qué él [Arguedas] comprendió es que efectivamente la salida era esa barrosa salida del mestizaje. Ese zigzagueante, y muchas veces sucio, camino, como la vida misma, pero que era mucho más rico en posibilidades. (ARGUEDAS, apud BEVERLEY, 1998, p.269)

Portanto, no âmbito literário:

La literatura culta tiene el poder de incorporar la oralidad de estas culturas […]. Aunque en principio culturas orales y culturas letradas tienen una posición igual en el proceso de transculturación, ya que la literatura también es modificada por su contacto con lo no letrado (como en el caso del estilo literario de Arguedas), de hecho la literatura es el polo superior, el lugar desde donde se efectúa la transculturación. (BEVERLEY, 1998, p.269)

Alberto Moreiras também apresenta forte crítica nesta linha de pensamento, quando explica

que a Transculturação seria uma transculturação “orientada”, com um fim delimitado e

servindo uma ideologia.

A pluralidade dos sujeitos envolvidos indicaria que não há transparência ali, fazendo

com que o conceito esteja além da função de instrumento técnico “para a integração das

influências externas em um trabalho de preservação e renovação cultural”. (MOREIRAS,

2001, p. 224)

Como aparato crítico genealógico de certa expressão cultural e histórica, terá extrema dificuldade de ser proteger da história que procura criticar ou derrotar a favor da história que procura preservar em uma forma mediada, pois ambas as histórias, e não apenas a segunda, são simultaneamente parte de sua própria constituição: a transculturação não pode sair de si mesma a fim de estabelecer distinções claras e objetivas ou descomprometidas. Co mo um conceito radical, na medida em que se orienta em direção a uma possível restituição, preservação ou renovação das origens culturais, e não em direção a uma mera fenomenologia da cultura, a transculturação choca-se com a parede teórica que marca suas condições de possibilidade como a heterogênea em relação a si mesma. (MOREIRAS, 2001, p. 224-225)

Seria possível afirmar então que a transculturação é, em si, transculturada e só existe a

partir do próprio processo aplicado a si mesmo: o que a compromete com a cultura

dominante.

25

Alberto Moreiras questiona o que Rama denomina de transculturação “bem sucedida”,

aquela onde a cultura dominada é capaz de inscrever-se na cultura dominante. Essa posição de

Rama, segundo Moreiras, tende a um forte posicionamento ideológico.

Aos poucos, a reflexão que ele faz desconstrói a teoria elaborada por Rama, e com um

estudo sobre José Maria Arguedas, escritor usado para exemplificar os processos de

transculturação narrativa, conclui sua análise. Para Moreiras, a obra do peruano, El zorro de

arriba y el zorro de abajo:

Abre a teoria da transculturação para a presença do evento silencioso e ilegível. O suicídio de Arguedas ocorre, para nós, como um evento de linguagem. É um evento ilegível, no sentido de que abre uma fissura entre linguagem e significação... Como ato literário, a utopia fundadora latino-americana chega ao fim. Arguedas perde para nós todos os traços da possibilidade de uma meditação real mágica de culturas. (MOREIRAS, 2001, p.246/7)

Ele afirma ainda que o romance póstumo de Arguedas identifica o momento do óbito

do realismo maravilhoso, com o esgotamento da capacidade crítica do modelo transculturador

latino-americano. Para Moreiras, Arguedas leva o realismo maravilhoso a suas últimas

conseqüências, até o ponto em que este se desfaz, aniquilando a narrativa e o romance.

Estas são algumas visões críticas da transculturação, que obrigam ainda uma

abordagem sob o prisma da heterogeneidade, visto que este conceito não exclui o de

transculturação. Entretanto, a visão global do conceito de Transculturação aclara melhor

diversos aspectos da produção cultural indígena, o que interessa objetivamente a este estudo.

2.2 Heterogeneidade: uma reunião de perspectivas

He sido feliz com mis insuficiencias porque sentia el Peru em quechua y en castellano. Y el Perú ¿qué? todas las naturalezas del mundo en su territorio, casi todas las clases de hombres. […] Y ese país en que están todas las clases de hombres y naturalezas yo lo dejo mientras hierve con las fuerzas de tantas sustancias diferentes que se revuelven para transformarse al cabo de una lucha sangrienta de siglos que ha empezado a romper de veras, los hierros y las tinieblas con que los tenían separados, sofrenándose. Despidan en mí a un tiempo del Perú

26

cuyas raíces estarán siempre chupando jugo de la tierra para alimentar a los que viven en nuestra patria, en la que cualquier hombre no engrilletado y embrutecido por el egoísmo puede vivir feliz, todas las patrias.(LOS ZORROS , p.246)

O conceito de transculturação narrativa não considera os relacionamentos existentes e

resultantes dos contatos culturais em que as culturas não se descaracterizem, ou ao menos não

totalmente, mantendo-se em algum grau preservadas.

Esta falta de consideração fez-se necessária à compreensão do fenômeno dos

enfrentamentos de ordem etnológica, a adoção do conceito de heterogeneidade cultural.

O resgate por parte da crítica literária do debate acerca da busca da identidade latino-

americana exigiu que se passasse a considerar, a partir dos processos de mestiçagem ou

hibridização, uma perspectiva mais ampla destes fenômenos que não só englobasse um

posicionamento múltiplo como também uma visão conjunta deste leque cultural heterogêneo.

Diante desta perspectiva, o conceito de transculturação é então considerado

insuficiente, pois não leva a uma idéia de que as características inerentes a cada cultura fazem

parte de um todo latino-americano, nem defende sua preservação, mas pode adotar uma

tendência homogeneizante.

Cornejo Polar, ao verificar a aplicabilidade do conceito de transculturação à questão

dos embates culturais, percebe sua insuficiência operacional:

[analisemos aos] (...) universos socioculturais radicalmente diversos e mesmo incompatíveis (...). Complexos e confusos, incisivamente ambíguos, porque à quase incontrolável metástase de poder, exacerbado a ponto de converter-se em espetáculo de si mesmo, um poder capaz de reproduzir-se inclusive nas instâncias mais provadas da vida colonial, até nos sonhos, na imaginação e nos desejos, opõe-se, quase sempre subterraneamente, gestos, atitudes e movimentos de resistência que também se desdobram por todo o corpo social, e por seus mais sutis interstícios, gestando, às vezes, enfrentamentos de extrema violência e – em certas ocasiões, ao mesmo tempo – complicadas e férreas ou débeis redes de negociação e entrelaçamentos, para as quais a categoria de transculturação torna-se adequada, mas incompleta. (CONEJO POLAR, 2000, p.77)

Passa-se a conceber a idéia de uma perspectiva que considerasse não só as

particularidades de cada cultura em um contexto global latino-americano, mas que também

não deixasse de considerar a realidade das descaracterizações, além de reconhecer estas novas

culturas periféricas como representantes latino-americanas necessárias ao seu entendimento

global. No bojo deste conceito estaria o resgate da pluralidade.

A heterogeneidade passou a ser, então, a reunião de todas as perspectivas, desde a

transculturada até as alternativas, buscando integrá- las em uma tendência de modernidade,

independente de estas perspectivas serem consideradas marginais ou étnicas.

27

Para impedir a tendência à homogeneização, Cornejo Polar identifica que a

irredutibilidade nas diferenças culturais que a historiografia deveria reconstruir-se a partir de

ume idéia de totalidade, porém contraditória, que contemplaria a irredutibilidade e a

heterogeneidade do continente.

Cornejo parte da idéia de que a totalidade latino-americana é composta de outros

subsistemas. Estes são formados por expressões literárias de diversas gradações, que iriam

desde grupos mais hegemônicos até grupos marginais.

Mas a aceitação da heterogeneidade como componente dos subsistemas não os isenta

de conflitos, visto que são estes conflitos os responsáveis pela criação de novas culturas, que

realimentariam o sistema e garantiriam a continuidade de criação cultural.

A Heterogeneidade Cultural funciona então como um sistema estrutural que não nega

as rupturas existentes dos contatos interculturais, mas que não abandona a idéia de conjunto

em nome de um pluralismo cultural que tenda a um desmembramento enfraquecedor.

Este conceito seria o reconhecimento de um fazer literário que se baseia na

“construção de vários sujeitos sociais e etnicamente dissimiles e confrontados, de

racionalidades e imaginários distintos e inclusive incompatíveis, de linguagens várias e

díspares em sua mesma base material, e tudo “no interior de uma história densa, em cuja

espessura acumulam-se e desordenam-se vários tempos e muitas memórias.” (CONEJO

POLAR, 2000, p.296)

Segundo Raúl Bueno, numa tentativa de definir os conceitos de transculturação e

heterogeneidade, como também os seus campos de aplicabilidade:

“A heterogeneidade precede a transculturação; uma transculturação começa a ocorrer quando se dá uma situação heterogênea de pelo menos dois elementos. Mas a heterogeneidade é também o momento seguinte, quando a transculturação não se resolve em mestiçagem, e sim em uma heterogeneidade reafirmada e mais acentuada, ou quando a mestiçagem começa a solidificar-se, como cultura alternativa, adicionando um terceiro elemento à heterogeneidade inicial.” (BUENO, 1996, p.21)

Cornejo Polar, ao aplicar o processo de heterogeneidade ao indigenismo, ressalta que:

A definição do indigenismo como literatura heterogênea aponta, principalmente, para a evidência de que se trata de uma produção discursivo-imaginária sobreposta entre dois universos socioculturais diversos – e mesmo opostos e beligerantes, quando se incorpora o dado histórico da conquista e a subseqüente dominação de um deles sobre o outro. É óbvio que na América Latina o indigenismo não é a única literatura heterogênea, e não há nenhuma razão para repelir a idéia de que a heterogeneidade possa ser característica de muitas outras literaturas, incluindo setores das literaturas metropolitanas. (CORNEJO POLAR , 2000, p. 195)

28

Arguedas não podia falar a partir de um ponto de vista exclusivamente branco e

tampouco de uma perspectiva puramente indígena. Fazia-se necessária uma visão integradora.

Contudo, esta visão apontava para a criação de uma nova forma de se expressar, sem que se

descaracterizasse qualquer das culturas, conforme a perspectiva da transculturação. Daí a

necessidade da visão heterogênea: tanto a cultura branca quanto a indígena poderiam ser

abordadas tais como são, já que não interfeririam na avaliação de uma possível síntese entre

as duas expressões.

2.3 O indigenismo visto por um representante de dentro.

A literatura da região andina foi produzida e transmitida por meio da oralidade a

diversas gerações, fato que não a coloca em posição inferior diante das literaturas escritas,

tanto que Arguedas, numa entrevista a Alfonso Calderón, enfatiza seu valor ao responder

sobre qual elemento do folclore e da antropologia tinha importância capital para ele.

- La literatura oral. El antiquísimo pueblo de habla quechua y aymará y aún las tribus amazónicas, han dejado testimonio, en una de las literaturas más bellas y estremecedoras de todos los tiempos, testimonio de su visón del hombre y de la tierra y del proceso de dominación y de resistencia, frecuentemente triunfante a esta dominación, a que estuvieron sometidos desde la invasión hispánica. (CONVERSANDO con Arguedas, 1976. p.27)

Porém, a falta da escrita configurou-se como um problema no âmbito dos estudos

indigenistas, se considerarmos o desconhecimento da cultura indígena por parte da população

hegemônica. Visto que, falar em indigenismo andino no âmbito da Literatura em sua variante

escrita, incluindo o romance, irremediavelmente nos remeterá à idéia do representante

externo, pois como já enfatizado,

“Pese a todos sus adelantados, la civilización quechua [e o habitante andino em geral] no llegó a la escritura, pero produjo una gran cantidad de poemas líricos, leyenda dramatizadas, narraciones y representaciones escénicas, de una mínima parte de lo cual los misionereos hicieron versiones en quechua y en espanõl.” (MORETIC, 1976, p.32)

29

A literatura indigenista no Peru baseou-se nas características extraídas da tradição oral

do habitante andino. É importante ressaltar também que fenômeno parecido ocorreu em outros

países da América Latina até a década de 30. Entretanto, é necessário notar que a produção

literária daquele período pautava-se pelas características identificadas com valores sociais

dominantes, europeus, construída pela visão de um observador alheio à margem observada.

Logo, o que foi produzido gerou estereótipos indígenas largamente difundidos, e que

obviamente não correspondiam à realidade do índio. O indígena presente na obra literária

hispano-americana dessa época era uma figura que não condizia com a realidade física, social

ou psicológica das comunidades que lhe serviam de ponto de observação.

Entretanto, o resultado obtido pelos escritores daquele período não foi totalmente

infrutífero, pois, mesmo com todos os seus excessos, cumpriram, de certo modo, sua missão

social de representar o índio, que naquele momento, era incapaz de produzir sua própria

literatura:

La mayor injusticia en que podría incurrir un crítico, sería cualquier apresurada condena de la literatura indigenista por su falta de autoctonismo integral o la presencia, más o menos acusada en sus obras, de elementos de artificio en la interpretación y en expresión. La literatura indigenista no puede darnos una versión rigurosamente verista del indio. Tiene que idealizarlo y estilizarlo. Tampoco puede darnos su propia ánima. Es todavía una literatura de mestizos. Por eso se llama indigenista y no indígena. Una literatura indígena, si debe venir, vendrá a su tiempo. Cuando los propios indios estén en grado de producirla. (MARIÁTEGUI, 1998, p. 335)

Em geral, o índio idealizado povoou toda a literatura indigenista em estilo romântico

produzida em nosso continente:

El viejo indigenismo literario, el que se afirmó en la década del veinte, dejó sin resolver este problema. Ni tuvo acaso, conciencia de él. A despecho, empero, de sus flaquezas y limitaciones, cumplió una importante función histórica, que fue la de traer al indio al mundo de la literatura, y la de contribuir a afirmar una nueva conciencia en el Perú. […] Denunció al latifundio feudal o semifeudal, y a su señor, el gamonal, señor de horca y cuchillo, dueño de indios y haciendas. Adoleció, en general, de esquematismo en el tratamiento de personajes y situaciones, de cierta visión externa y estereotipada del indio, y cedió, en conjunto, ala tentación del maniqueísmo. (LARCO, 1976, p. 9-10)

Com a publicação da obra de José Carlos Mariátegui, Siete ensayos de la

interpretación de la realidad peruana (1928), e o surgimento da revista Amauta (1926-1930),

dirigida por ele, além do trabalho de outros autores que começaram a produzir, entre eles o

poeta César Vallejo (1892-1937), iniciou-se uma transformação na perspectiva de se trabalhar

literariamente o indigenismo.

30

Mariátegui, figura central deste período, questionava duramente a postura romântica

adotada até então, na tentativa de compreensão da cultura indígena. A partir dos artigos

publicados na revista Amauta, pela primeira vez estabeleceu-se uma relação entre o problema

indígena, a propriedade da terra, assim como a exclusão dessa população de suas terras.

Amauta foi para o país um ponto de confluências de tendências políticas e artísticas.

Em Siete ensayos de la interpretación de la realidad peruana Mariátegui buscou

compreender a sociedade em sua totalidade, ao colocar, mais uma vez, as condições do uso da

terra como urgência, assim como teceu pesadas críticas contra o latifúndio.

O indigenismo socialista que pregou, tanto em livros quanto na revista, tinha seu alicerce num entramado de três fatores: a) as forças sociais em mudanças, a presença do operariado e do movimento camponês, que, no período de 1890 a 1924, foi centro de onze sublevações indígenas; b) uma percepção diferente da construção temporal da nação; c) o dispositivo marxista como intérprete e canalizador das energias do presente. (CARRIZO, 2005, p.210-211)

Iniciam-se, com Mariátegui movimentos de reivindicação dos direitos dos indígenas,

sem abandonar a denúncia na qual tiveram importância as classes médias e a raça mestiça,

que tomaram este movimento como bandeira, lutando por suas reivindicações, e mais uma vez

culparam o “feudalismo”, o centralismo, pelos fatos que aconteciam na serra. O que difere o

indigenismo socialista do grupo Amauta é a condição social de seus colaboradores,

provenientes de uma classe emergente, ideologicamente marxista, em conflito com as classes

dominantes.

Espera-se da literatura rumos e saídas para o país, cuja fragmentação social começava

a transparecer cada vez mais. Conceitos como socialismo, nacionalismo e indigenismo são

pilares do espírito de mudança característico não só de Mariátegui e do grupo da Amauta, mas

também no campo literário:

A propagação das idéias socialistas no Peru trouxe como conseqüência um forte movimento de reivindicações indígena. A nova geração peruana sente e sabe que o progresso do Peru será fictício ou pelo menos não será peruano enquanto não se constituir a obra que signifique o bem-estar para a massa, da qual quatro quinto são indígenas e camponeses. (MARIÁTEGUI, 1998, p.44)

É a partir de 1930 que surgem autores e obras de grande valor para o indigenismo

nascente.

El indigenismo literario alcanza, dentro de esta corriente general, una mayor perspectiva ambiental y sicológica a la vez. En tal sentido, resultan especialmente valiosas las obras de José Diez Canseco (1904-1949), Fernando

31

Romero (1905), Ciro Alegría (1909) y José María Arguedas (1911). (MORETIC, 1976, p.38)

Angel Rama propõe na introdução de Formación de uma cultura nacional

indoamericana, três períodos do indigenismo: o do começo do século, onde se destaca a

figura de Julio César Tello (1880-1947); o indigenismo de Mariátegui (1894-1930), com

Amauta; e por fim, o de Ciro Alegria (1909-1967) e do próprio Arguedas (1911-1969),

interessado em conservar as demandas sociais, políticas e econômicas do indigenismo dos

Sete ensaios, no qual busca uma ampliação do enfoque sobre a sociedade peruana, trazendo à

luz o mestiço. (RAMA, 1975). Este período se propunha:

Abarcar todo el mundo humano del país, en sus conflictos y tensiones interiores, tan complejos como su estructura social y el de sus vinculaciones determinantes, en gran medida, de tales conflictos, con las implacables y poderosas fuerzas externas de lo imperialismos [...]. (ARGUEDAS, 1975, p.196)

Ainda que outros autores tenham contribuído de alguma forma para o

desenvolvimento da questão indígena, Ciro Alegria e José María Arguedas são os mais

citados pelos estudiosos.

A obra de Ciro Alegria desenvolveu-se sob uma perspectiva diversa do que já tinha

sido produzido anteriormente, pois seu contato com a população indígena permitiu- lhe uma

maior fidelidade em sua descrição. Em El Mundo es ancho y ajeno (1941), o autor trabalha

psicologicamente a figura do índio, em um contexto social mais desenvolvido. Trata-se de um

posicionamento distinto dos românticos, ainda que teça uma visão redutora, com a ressalva,

porém, de uma contextualização cultural mais consistente.

O índio andino surge com força total a partir da obra de Arguedas, seja através de sua

poesia, quanto de seus contos e romances. Para Bella Jozef, Arguedas, “descreve a beleza

sombria e violenta dos Andes com profundo lirismo.” (JOZEF, 1982, p.241).

O peruano Arguedas consegue criar um índio diferente do que fora até então

trabalhado pela literatura e pela antropologia. Com seu trabalho como antropólogo e o íntimo

contato com o índio, o escritor evita os estereótipos até então cometidos pelos outros autores.

Logo, seu indigenismo apresenta-se não só na função acusatória, mas também como revelação

do universo andino.

La obra de Arguedas se sitúa en el centro mismo de este proceso de gestación de un pueblo, de una nación. Otros escritores se ocuparon también del tema del indio, y alguno, como Ciro Alegría, nos dejó obras de incuestionable significación. Pero ninguno expresó como Arguedas el conflicto derivado del enfrentamiento de dos

32

culturas, de dos espíritus, de dos lenguas. Porque ese conflicto lo padeció en su propia carne, marcó para siempre su espíritu. (LARCO, 1976, p. 08)

Em seu ensaio Visiones del Perú en la obra de Arguedas, Rodrigo Montoya afirma

que Arguedas, junto com Mariátegui e Vallejo, formam os pilares da nacionalidade peruana

em formação. Referindo-se especificamente a Arguedas, afirma:

Bebió de la fuente indigenista, estuvo cerca de la izquierda socialista, se formó como antropólogo dentro de la corriente culturista norteamericana y a lo largo de su vida fue un peruano especial, zorro de arriba y de abajo, dolido hombre andino y al mismo tiempo ciudadano urbano, feliz descubridor de otros cielos del mundo. (MONTOYA, 1991, p.124)

Arguedas traz para a literatura a realidade dos Andes, retomando o problema da

inserção indígena na sociedade peruana moderna, que se desenvolve a partir da

conscientização da condição existencial do índio e do mestiço. O autor consegue identificar as

diferenças entre o índio moderno e o índio pré-hispânico. Sobre este posicionamento de

Arguedas, Cornejo Polar se expressa:

No índio moderno – pensava Arguedas – quase não há rastros do passado pré-hispânico, mas o que se lhe impôs de fora e o que mais ou menos livremente assumiu de outras tradições torna-se radicalmente transformado em termos de uso e de sentido, a tal ponto que sua identidade moderna – apesar dessas mudanças e talvez graças a elas – continua sendo inconfundivelmente indígena. (CORNEJO POLAR, 2000, p. 127).

Em suas obras, Arguedas reconstitui literariamente a vida dos índios andinos

retratando a beleza de seu mundo, sem, entretanto, deixar de abordar o problema da violência

sofrida por esses indivíduos.

Com uma opção mais coerente que a utilizada pelo indigenismo tradicional, buscando

reparar algumas distorções recorrentes nesse âmbito, ele descreve com fidelidade o universo

quéchua, talvez porque, mesmo sendo proveniente da cultura branca, em sua infância e

adolescência esteve em contato direto com os índios.

Podemos afirmar que a vida e a obra do poeta peruano Jose María Arguedas foram

tentativas de reconciliar seus dois mundos: o que realmente era seu – biologicamente, e outro

a que aderiu – afetivamente (FORGUES, 1991, p.50).

Ele falava a partir de uma experiência íntima e pessoal. Usava sua narrativa para

expressar a denúncia, o protesto angustiado desde uma perspectiva do homem andino, na luta

33

pela defesa dos margina lizados e oprimidos. Todo esse sentimento produziria uma literatura

que, segundo Arguedas:

Podría seguir siendo calificada de indigenista en tanto que continúa reafirmando los valores humanos excelsos de la población nativa y de la promesa que significan o constituyen para el resultado final del desencadenamiento de las luchas sociales en que el Perú, y otros países semejantes de América Latina se encuentran debatiéndose. (ARGUEDAS, 1975, p.197)

Mas a estratégia do escritor trouxe um problema que se opunha à própria visão de

mundo dos indigenistas, colocando, deste modo, em conflito suas convicções. Sua proposta

original implicava um movimento contrário: trazer o mundo indígena para o mundo ocidental,

“mas indigenizando a língua castelhana e permitindo os cruzamentos e conflitos nas ordens da

lógica, da sintaxe e da própria narrativa.” (CARRIZO, 2005, p.221).

Entendemos que con Los Ríos Profundos comienza otra etapa en Arguedas, un nuevo indigenismo, si se quiere, más refinado y sutil; pero una etapa en que los términos “novela poemática” o “realismo mágico” resultan por lo menos tan adecuados como el tradicional de indigenismo. (ESCAJADILLO, 1976, p. 90-91)

O exemplo que retrata com maior fidelidade a proposta de Arguedas - de que a

modernidade seria compreendida na perspectiva da racionalidade indígena - é sua obra

póstuma El zorra de Arriba y el zorro de abajo.

Nos anos sessenta acelera a migração aos centros urbanos e cada vez mais se tem a

consciência de que o inimigo é a imposição colocada pelo imperialismo. Em 1969 aparece El

zorro de arriba y el zorro de abajo na busca de traduzir a angústia diante das ameaças do

deslocamento, da perda da identidade étnica.

Tomás Escajadillo, em sua tese de doutorado de 1962, insere a obra de Arguedas junto

à de Ciro Alegria no que chama de indigenismo ortodoxo. Porém, denomina neoindigenismo

Todas las Sangres, Los rios profundos e El zorro de Arriba y el zorro de abajo. Já Rama

coloca Agua na corrente indigenista da época, aquela que contribuiu com re-elaboração em

concordância com as transformações da estrutura social e cultural do Peru. Também Vargas

Llosa sinaliza a contribuição de Arguedas, baseado na produção do período que compreende

até Los ríos profundo, e confirma o ingresso da figura do índio na literatura peruana, junto

com a beleza, mitos e contradições dos Andes. Por sua vez Roland Forgues entende que

apenas nos primeiros textos é que se encontraria o indigenismo tradicional, ocorrendo uma

ruptura com Yawar Fiesta.

34

Cornejo Polar possui pontos de vista semelhantes aos autores anteriores, pois afirma

que o escritor peruano executa o duplo movimento da transculturação, retrocedendo em busca

de fontes mais antigas do que as que haviam nutrido o indigenismo regionalista, sem deixar,

entretanto, de avançar no processo modernizador. Logo, para criar essa visão ampliada, o

autor torna complexos seus recursos narrativos, informadores de uma realidade diferente

daquela de que se ocupava o indigenismo clássico.

E, segundo o próprio Cornejo Polar, o romance objeto de nosso estudo é o verdadeiro

exemplo dessa difícil empreitada:

Arguedas submerge as raízes de sua obra em húmus cada vez mais profundos. Assim, por exemplo, o que era costume, lenda e, às vezes, apenas superstição, converte-se em racionalidade mítica e – o que é muito mais significativo – começa a formar parte não do universo representado, mas da perspectiva a partir da qual se enuncia o relato, ao mesmo tempo que a estrutura narrativa fica impregnada da têmpera lírica das canções andinas, e o espanhol torna-se permeável – não só nos diálogos – aos requisitos da língua quechua. (CORNEJO POLAR, 2000, p.210).

Cornejo afirma ainda que o romance póstumo de Arguedas, mesmo concebido como

uma incursão pela experimentação narrativa mais moderna, não deixa de ser um ato de

enraizamento nas mais antigas tradições. Cita ainda que Martín Lienhard em Cultura popular

andina y forma novelesca, entende que o romance El zorro de Arriba y el zorro de abajo pode

ser lido como a primeira mostra de um indigenismo ao revés:

“já não é o mundo andino interpretado com os atributos da modernidade, mas a modernidade compreendida de uma perspectiva fortemente aderida à racionalidade indígena.” (CORNEJO POLAR, 2000, p.210-211).

Todavia, Cornejo Polar caracteriza o momento da chegada desta obra como o término

do indigenismo discursivo e da literatura, abrindo deste modo canais para novas formas de

expressão:

A questão não passa por fundar um “modelo lingüístico” que “superando as contradições entre dois povos e duas culturas” se projete, de modo premonitório para a constituição de uma sociedade nova e provavelmente homogênea, mas [...] por reconhecer a inviabilidade de um modelo que faz do que é vário, diverso e problemático apenas uma coisa só. (CORNEJO POLAR, 1994, p.218)

Numa conversa com Ariel Dorfman, pouco antes de sua morte, Arguedas dizia: “¿qué

soy? Un hombre que no ha dejado de ser en la médula, un indígena del Perú; indígena, no

indio .” (MARTÍNEZ, apud DORFMAN 1991, p.67). Anteriormente declarou que: “Somos

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un país mestizo: la historia ha demostrado que mantendremos una personalidad indígena.

Estamos mezclados hasta la raíz.” (MARTÍNEZ, apud FORGUES, 1991, p.87)

Numa tentativa de evolução do velho indigenismo, Arguedas procurava fazer conhecer

o Peru e o mundo andino desde dentro, e mostrar assim a riqueza cultural de um povo

oprimido. Verifica ainda se a literatura reproduzida pelos brancos em nome dos índios, seria a

melhor alternativa para representá- lo.

É possível colocá-lo como o autor que com maior propriedade em todo indigenismo,

abordou o problema do índio andino com uma proposta de integração, ainda que em Los

Zorros esta alternativa seja transformada em desilusão.

36

3.0.EL ZORRO DE ARRIBA Y EL ZORRO DE ABAJO: UM ROMANCE INACABÁVEL E INACABADO?

Um ano depois da primeira tentativa de suicídio, Arguedas dá início a sua nova

empreitada, a construção de El Zorro de arriba y el Zorro de abajo, buscando abandonar a

depressão que o assolava. El Zorro de arriba y el Zorro de abajo, muitas vezes será tratado

neste trabalho como Los Zorros, como o próprio Arguedas gostava de denominar.

O romance é dividido em duas partes que são entrecortadas pelos diários: a primeira

contém o primeiro diário, onde o autor expõe o porquê começa escrever o livro e sobre o que

irá narrar; o I e II capítulos, que são interrompidos pelo segundo diário, onde Arguedas

descreve a dificuldade de iniciar o capítulo III e questiona o fato de usar o conceito de Los

zorros no romance; conclui esta primeira parte com o capítulo IV e o terceiro diário, onde ele

decide não elaborar o capítulo V e sim uma segunda parte para o romance, que seria

preenchida por Hervores. Como último capítulo está o que o romancista denomina de ¿Ultimo

Diario?, parte dedicada ao desabafo final do escritor.

O texto é publicado, em forma integral, depois de sua morte; sua viúva, Sibila

Arredondo, e seu amigo, Emilio Adolfo Westphalen, eram os responsáveis pela edição. A

confecção da obra foi extensa; em suas correspondências feitas com amigos e parentes e que

foram acrescentadas na edição crítica elabora por Eve-Marie Fell, Arguedas mostra que, longe

do período de debilidade psicológica, produzia um razoável número de páginas. Porém,

quando a apatia se instalava, ele direcionava seu trabalho apenas à correção dos capítulos já

escritos, voltando a produzir somente semanas ou meses depois.

Creo que si venzo la crisis haré una buena novela con el tema del puerto y le encontraremos un título adecuado […] La novela sobre el puerto pesquero quedaría comprometida con ustedes. Si mi salud mejora, espero concluir esa obra en unos 16 meses más. (LOS ZORROS, p. 276-277)

Em cartas trocadas com o editor espanhol Carlos Barral, o poeta deixa claro também

como foi a escolha do tema:

Hace dos años empecé a escribir una novela sobre el tema de los pescadores de anchoveta y la verdadera revolución que ha causado en la costa peruana la industria de la harina de pescado. […] convirtió al puerto en un inmenso surtido de humo pestilente y la playa en un fango cargado de gusanos nunca vistos. […] Fui testigo de la transformación del puerto y de sus gentes. […] Pero en este horno están gentes de las costumbres más diversas: es otra imagen del Perú, en algo semejante a la que he intentado mostrar en Todas las sangres, pero más

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compleja aún, acaso más difícil de narrar. He escrito los tres primeros capítulos. No tengo necesidad casi de inventar personajes para la primera parte. Podré concluir entonces la novela en unos dos años más, a lo sumo. (LOS ZORROS, p. 277)

Após a publicação de Todas las Sangres (1964), Arguedas se arrisca, no que podemos

denominar de seu último esforço, numa tentativa de, através da simbologia do porto, oferecer

uma imagem global do Peru. O poeta considerava a sua pátria “como una fuente infinita para

la creación. […] no hay país más diverso, más múltiple en variedad terrena y humana; todos

los grados de calor y color, de amor y de odio, de urdimbres y sutilezas, de símbolos

utilizados e inspirados.” (ARGUEDAS, 1976, p.433).

Para Enrique Camacho, sacerdote norte-americano que conhecera em Chimbote, porto

objeto de seu estudo, o escritor peruano afirma que Los Zorros

“me causa desasosiego porque mis otros libros los escribí como un manantial hace brota agua. Ésta sigue un curso diferente. Los capítulos brotan con gran espontaneidad pero luego de un detenido análisis de las cosas.”(LOS ZORROS, p. 286).

Numa carta datada com o mesmo ano da anterior, 1969, Arguedas afirma a sua esposa,

Sybila Arredondo de Arguedas, que: “Todo el cauce de la novela está abierto [...] No son ni

van a ser cuadros sucesivos, como te decía, creo, sino verdaderos hervores.” (LOS ZORROS,

p. 287). Em uma entrevista concedida ao jornalista M. J. Orbegozo para o jornal El Comercio,

do ano de 1967, que junto com as correspondências de Arguedas fora agregada a edição

crítica de Los Zorros, o próprio poeta aclara sua pretensão com a obra:

Trabajo en una obra que pretendo hacer representativa de toda la complejidad cultural del país, de su esetratificación social. Estoy trabajando en Supe, en Chimbote, tomando datos de ese mundo donde las grandes empresas hacen su agosto, donde trabajan juntos los hombres de todos las regiones del país; donde los patrones de las lanchas son analfabetos, como abogados o ingenieros, donde tú tanto tienes, tanto vales, donde la única preocupación es pescar más para ganar más. Será una obra de mayor aliento donde el escenario ya no son los Andes, sino la costa, que es donde más se percibe la transformación del país. (LOS ZORROS, p. 281)

Uma minuciosa análise do fervor cultural que era o porto, e automaticamente seu país,

deixava Arguedas, muitas vezes, em plena inquietação e em uma conseqüente apatia. Numa

última aposta de compreensão deste universo, o poeta não tinha como fazer uma obra que não

tivesse seu “cauce abierto”, e, em nota, esclarecendo a entrevista publicada por Orbegozo,

afirma: “En el Perú actual, costa y sierra se mezclan, se agitan en un movimiento de atracción

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y de agresión que solamente el arte puede ser capaz de interpretar.” (LOS ZORROS, p. 281).

Logo, o romance arguediano seria o responsável por retratar essa atmosfera em constante

ebulição.

Na tentativa de revelar o que ocorre na sociedade peruana, Arguedas introduz Los

Zorros Míticos, referência feita ao título da obra, que foi extraído das narrações quéchuas

recolhidas por Francisco de Ávila por volta de 1598 e que Arguedas traduziu com o nome de

Dioses y hombres de Huarochí.

Esses deuses seriam a alternativa que conseguiria dar o verdadeiro sentido da

sociedade peruana, pois comunicam-se tanto com os povos de cima, da serra, como com os

povos de baixo, da costa. Seria possível afirmar que Arguedas assume a condição de Zorro,

um zorro moderno, que utiliza a cultura desses povos em suas obras objetivando a

intercomunicação entre eles. Segundo Vargas Llosa,Los Zorros explica mais que o conjunto

da obra, uma vez que estes personagens míticos parecem afetar a personalidade do

romancista.

La extinción de ese pasado quechua –que en él seguía ardiendo era algo a lo que Arguedas nunca lo resignó, y su obra es un esfuerzo, no del todo consciente y a menudo contradicho por gestos y declaraciones públicas, para resucitar y actualizar ese arcaísmo en una utopía literaria. Presentir que ella era utópica –incapaz de realizarse- es una de las angustias que hostigó a Arguedas a lo largo de su vida y un factor que debe ser tomando en cuenta para entender la crisis que desembocó en su suicidio. (VARGAS LLOSA, 1980, p.05)

Ele toma a metáfora de Los zorros, que representam os mundos de abajo – o mundo

do ocidente, e arriba – representado pelo universo indígena quechua, e imagina um encontro

entre eles, agora tendo o porto de Chimbote como cenário.

Este porto seria o lugar do enfrentamento da cultura quéchua com a cultura do

ocidente. A partir da indústria de farinha de peixe, é possível considerar que o porto é o ponto

de partida da dominação capitalista no Peru, pois grande parte da população que compõe o

porto são serranos migrantes dos Andes.

Arguedas mostra o difícil processo de marginalização que os migrantes sofrem dentro

do porto. As ocupações menos importantes e as moradias mais miseráveis estavam destinadas

a esses migrantes. Os que deixam a serra não encontram outra alternativa a não ser aderir ao

modo de vida dos criollos, adaptando-se às duras condições de vida de Chimbote.

[Chimbote], ese símbolo premonitorio de la devastación, del desmantelamiento, de la degradación de la sociedad peruana. Chimbote, el lugar en que se patentiza la caída, la decadencia de una colectividad en quiebra, moral y económica, en la

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que se rescinde la dignidad. Ese sitio en que los hombres son apenas restos abandonados en la costa por la resaca después del naufragio. (SAGUIER, 1997 p.16)

A importância desta obra é ímpar, Arguedas contempla a aproximação dolorosa de

dois mundos contraditórios – a serra e a costa, numa tentativa de recuperar a vontade de viver.

Los Zorros possui em seu início referência ao próprio relato e a seu processo de criação.

Escribo estas páginas porque se me ha dicho hasta la saciedad que si logro escribir recuperaré la sanidad. […] voy a escribir sobre el único que me atrae: esto de cómo no pude matarme y cómo ahora me devano los sesos buscando una forma de liquidarse con decencia, molestando lo menos posible a quienes lamentarán mi desaparición y a quienes esa desaparición les causará alguna forma de placer. (LOS ZORROS , p.08)

A crise que afetava o romancista levou-o a um período de abstinência de criação.

Numa tentativa de se livrar dessa apatia, Arguedas mescla as narrações das angústias e caos

de todo um povo com relatos da agonia que antecede seu próprio suicídio:

[...] hace ya algo más de dos años, intenté suicidarme. En mayo de 1944 hizo crisis una dolencia psíquica contraída en la infancia y estuve casi cinco años neutralizado para escribir. […] Y ahora estoy otra vez a las puertas del suicidio. Porque, nuevamente, me siento incapaz de luchar bien, de trabajar bien. (LOS ZORROS, p.07) Voy a tratar, pues, de mezclar, si puedo, este tema que es el único cuya esencia vivo y siento como para poder transmitirlo aun lector; voy a tratar de mezclarlo y enlazarlo con los motivos elegidos para una novela que, finalmente, decidí bautizarla: El Zorro de arriba y el Zorro de abajo; también lo mezclaré con todo lo que en tantísimos instantes medité sobre la gente y sobre el Perú, sin que hayan estado específico comprendidos dentro del plan de la novela. (LOS ZORROS, p.08)

Em seu ensaio Visiones del Perú en la obra de Arguedas, Rodrigo Montoya afirma

que:

Desafortunadamente, la novela es un encuentro inconcluso y casi frustrado de los zorros. Fue escrita como recurso terapéutico recomendado por una siquiatra, como el único modo de combatir esa larga depresión nacida en los primeros años de la infancia de Arguedas. La segunda parte de la novela apenas si había comenzado cuando el autor la detuvo, le agregó el último diario y decidió acabar con su vida. (MONTOYA, 1991, p.136)

O entrelaçamento entre o romance e a autobiografia faz com que o romance possua um

atrativo a mais. Arguedas, numa carta entregue a seu amigo Gonzalo Losada, e que foi

acrescentada como epílogo da obra, afirmava que El Zorro de arriba y el Zorro de abajo

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“[ya tenía] tendencias y personajes ya definidos – el proyecto era amarrar y atizar en la Segunda Parte- y símbolos apenas esbozados que empezaban a mostrar su entraña han quedado detenidos. Así los capítulos de la Primera Parte y los episodios de la Segunda, llegan, creo, a formar una novela algo inconexa que contiene el germen de otra más vasta”. (Los Zorros, p.249).

As relações entre o discurso romanesco e o discurso autobiográfico são de diversos

tipos. É possível afirmar que existe um romance dentro do outro, ao considerarmos que os

diários de Arguedas apresentam características de um romance. Sua estratégia de escritura

surge nos diários como um “yo” completamente autobiográfico. Já dentro do romance o

sujeito da enunciação, por analogia, parece assumir a identificação com certos personagens do

enunciado ficcional. Porém este assunto será tratado mais adiante.

No capítulo intitulado ¿Útimo diario? Arguedas coloca que:

He luchado contra la muerte o creo haber luchado contra la muerte, muy de frente, escribiendo este entrecortado y quejoso relato. […] Este desigual relato es imagen de la desigual pelea. […] ¡Cuántos hervores han quedado enterados! (Los Zorros, p.243) Esta novela ha quedado inconclusa y un poco destroncada […] pero mi vida no ha sido trunca (Los Zorros, p.246)

O romance pode ser considerado uma obra inacabada, se entendermos que muitos

episódios ficaram truncados e pouco desenvolvidos:

Los Zorros no podrán narrar la lucha entre los líderes izquierdistas, y de los otros, en el sindicato de pescadores; no podrán intervenir. […] No aparecerá Moncada pronunciando su discurso funerario, de noche, inmediatamente después de la muerte de don Esteban de la Cruz […] No podré relatar, minuciosamente, la suerte final de Tinoco […] Ni el suicidio de Orfa […] Ni la muerte de Maxwell […] (Los Zorros, p.243-245)

Arguedas afirma ainda para seu Amigo Gustavo Losada que:

Si hubiera podido seguir trabajando al ritmo con que lo hacía entonces quizá lo habría conseguido. Pero me cayó un repentino huayco3 que aterró el camino y no pude levantar, por mucho que hice, el lodo y las piedras que forman esas avalanchas que son más pesadas cuando caen dentro del pecho. […] Hace muchos años que mi ánimo funciona como los caminos que van de la costa a la sierra peruana, subiendo por abismos y laderas geológicamente aún inestables. (LOS ZORROS, p.249-250)

Seria possível afirma que Arguedas sabia que suas debilidades psíquicas não lhe

permitiriam terminar sua obra. Ele parece aceitar que a realidade na qual o país se encontra

colabore com sua apatia. E afirma que: “He vivido atento a los latidos de nuestro país” (LOS

3 Huayco: (Vocábulo quechua) avalanche de água, terra e pedra; sinônimo de Lloqlla (Vocábulo quechua).

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ZORROS, p.253), e assim seria possível retratar “los hervores” do Peru e seu universo em

constante trânsito de cultura.

Para Tulio Mora o romance não será nunca completo:

[...] la novela no llegará a estar completa, y lo que podemos nosotros colegir no pasa de un simple comentario de suposiciones, un somero cálculo de posibles, conscientes de que la obra de Arguedas no significa ni mucho menos esta novela, pues aún sin su aparición, Yawar Fiesta, Los Ríos Profundos y Todas las Sangres, son de por sí, la expresión más trascendente que ha podido dar nuestra literatura en el plano mundial. Ninguna actitud encomiástica es válida entonces para El zorro […]; además no la necesita, cuenta con ser únicamente el testimonio de las angustias personales de Arguedas. (CORNEJO POLAR, 1997, p.228 )

Podemos refutar parte desta afirmativa caso caminhemos na perspectiva de que o

romance é muito mais que um testemunho pessoal de Arguedas. Para Cornejo Polar, (1997,

p.228) Zorro de arriba y el Zorro de abajo é uma obra que possui alguns episódios em aberto,

os quais, com as informações que o leitor possui sobre a realidade peruana, podem ajudá-lo a

completá-la.

Mas, considerar esta obra incompleta é deixar de observar o exposto pelo narrador no

¿Ultimo Diario? - que Arguedas perde a vontade de narrar. Logo a vida dos personagens, os

fatos não narrados pelo autor tornam o romance uma obra aberta, entregue à generosidade do

leitor, que deve preencher este vazio com as informações e possibilidades oferecidas pelo

próprio texto. O não escrito nesta obra de Arguedas, representado pelo silêncio produzido pela

morte do autor, resulta em parte importante dela.

Cornejo Polar afirma ainda que:

El zorro no sólo es un texto inacabado; es, al mismo tiempo inacabable. […] la última novela de Arguedas era inacabable por esencia, tan inacabable como el universo que quería representar. Sucede entonces, paradójicamente, que una novela que cierra definitivamente, de manera absoluta, con el suicidio que mencionan sus palabras y que deviene luego en inconmovible realidad, más allá de todo lenguaje y de toda literatura, queda abierta, inacabada como hirviente y silencioso enigma. (CORNEJO POLAR, 1997, p.228-229)

Desde Água o escritor peruano trabalha esta dupla realidade índio versus branco serra

versus costa, espanhol versus quéchua, escritura versus oralidade, que culmina em Todas las

Sangres com a morte de Rendón Willka, advento de um novo mundo.

Caso se queira fazer uma aproximação entre realidade e ficção, poderemos entender

que o porto de Chimbote seria esse novo mundo que percorre a dolorosa trajetória prescrita

por Arguedas. A busca pelo lucro, baseada no individualismo, demonstra seu poder num

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pequeno e tranqüilo porto e o transforma numa enorme indústria que atrai os povos andinos e

os leva a participar de um novo sistema produtivo - a pesca marítima e a indústria da farinha.

Em seu último diário o poeta afirma que:

[...] he sido feliz con mis insuficiencias porque tenía el Perú en quechua y en castellano. Y el Perú ¿qué? todas las naturalezas del mundo en su territorio, casi todas las clases de hombre […] yo lo dejo mientras hierve con las fuerzas de tantas sustancias diferentes que se revuelven para transformarse al cabo de una lucha sangrienta de siglos que ha empezado a romper, de veras, los hierros y las tinieblas con que los tenían separados, sofrenándose. (LOS ZORROS, p.246)

O Peru não foi para Arguedas somente seu país de nascimento e um simples objeto de

estudo, mas um drama do qual ele não pôde se separar, pois ele viveu e sentiu com

intensidade os conflitos daquele país, e tentou expressá- los através de seus romances. Mas,

um país como o Peru não poderia ter uma obra que o sintetizasse. Ao fim e ao cabo, pode-se

dizer que Arguedas não conseguiu dissolver esses conflitos, fato que agravou a depressão que

o levou ao suicídio.

O romancista deixou uma obra instigante, com uma série de modos narrativos, como o

diálogo entre Ángel Rincón e Don Diego, no terceiro capítulo do romance; pela narração em

terceira pessoa onisciente feita no capítulo um, intercalados com música como o canto da

prostituta. Encontramos também presentes na obra relatos de memória e recordações que

funcionam como motor. É importante ressaltar ainda as referncias feitas ao título da obra, as

menções aos mitos e lendas recolhidos por Ávila, que são encontradas em Los Zorros,

inclusive o episódio do diálogo dos dois Zorros, o primeiro representa a costa e o segundo a

serra:

EL ZORRO DE ABAJO: [...] Este es nuestro segundo encuentro. Hace dos mil quinientos años nos encontramos en el cerro de Latausaco, de Huarochirí; hablamos junto al cuerpo dormido de Huatyacuri, hijo anterior a su padre, hijo artesano del dios Pariacaca. […] Nuestro mundo estaba dividido entonces, como ahora, en dos partes: la tierra en que no llueve y es cálida, el mundo de abajo, cerca del mar, donde los valles yungas4 encajonados entre cerros escapados, secos, de color ocre, al acercarse al mar se abren como luz, en venas cargadas de gusanos, moscas, insectos, pájaros que hablan; tierra más virgen y paridora que la de tu círculo. Este mundo de abajo es el mío y comienza en el tuyo, abismos y llanos pequeños o desiguales que el hombre hace producir a fuerza de golpes y canciones; acero, felicidad y sangre son montañas y precipicios de más profundidad que existen. ¿Suceden ahora, en este tiempo, historias mejor entendidas , arriba y abajo? EL ZORRO DE ARRIBA: Ahora hablas desde Chimbote; cuentas historias de Chimbote. Hace dos mil quinientos años. Tutaykire (Gran Jefe o Herida de la Noche), el guerrero de arriba, hijo de Pariacaca, fue detenido en Urin Allauka, valle yunga del mundo de abajo; fue detenido por una virgen ramera que lo

4 Yunga: vocábulo quéchua que significa Vale cálido da costa

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esperó con las piernas desnudas, abiertas, los senos descubiertos y un cántaro de chicha. Lo detuvo para hacerlo dormir y dispersarlo. El agua baja de las montañas que yo habito: corre por los valles yungas encajonados entre montañas secas y ocres y se abre, igual que la luz, cierto, cerca del mar, son venas delgadas en la tierra seca, entre médanos y rocas cansadas, que es la mayor parte de tu mundo. Oye: yo he bajado siempre y tú has subido. Pero ahora es peor y mejor. Hay mundos de más arriba y de más abajo. El individuo que pretendió quitarse la vida y escribe este libro era de arriba; tienen aún ima sapra5 sacudiéndose bajo su pecho.

¿De dónde, de qué es ahora? Yanawiku hina takiykamuway antispaqa, asllatapas, Chimbotemanta. Chaymantaqa, imaymanata, imaynapas, munasqaykita willanakusun ¡Yaw! Yunga atoq. [Como un pato cuéntame de chimbote, oye, zorro yunga. Canta si puedes, un instante. Después hablemos y digamos como sea preciso y cuanto sea preciso] EL ZORRO DE ABAJO: [...] [Muy fuertemente, aquí, los olores repugnantes y las fragancias; las que salen del cuerpo de los hombres tan diferentes, de aguas hondas que no conocíamos, del mar apestado, de los incontables tubos que se descargan unos sobre otros, en el mar y al pesado mar aire se mezclan, hinchan mi nariz y mis oídos. Pero el filo de mis orejas, empinándose, chocan con los hedores y fragancias de que te hablo, y se transparenta; siente, aquí, una mezcolanza del morir y del amanecer, de lo que hierve y salpica, de lo que se cuece y se vuelve ácido, del apaciguarse por la fuerza o a pulso. Todo ese fermento está y lo sé desde las puntas de mis orejas. Y veo, veo; puedo también, como tú, ser lo que sea. Así es. Hablemos, alcancémonos hasta donde es posible y como sea posible.] (LOS ZORROS, p. 49 -51)

A viagem que o leitor dos textos de Arguedas realiza rumo às raízes da cultura andina

renova as essências do passado, dramatizam seus valores no Peru atual. Esta narrativa nos traz

não somente as oposições do mundo andino, as contradições do Peru e o seu confronto com o

imperialismo econômico, mas também a questão universal:

Y ese país en que están todas las clases de hombres y naturalezas yo lo dejo mientras hierve con las fuerzas de tantas sustancias diferentes […] despidan en mí a un tiempo del Perú cuyas raíces estarán siempre chupando jugo de la Tierra para alimentar a los que viven en nuestra patria, en la que cualquier hombre no engrilletado y embrutecido por el egoísmo puede vivir, feliz, todas las patrias. (LOS ZORROS, p.246)

O autor sente-se testemunha da efervescente heterogeneidade de sua nação ao relatar a

atmosfera matizada de uma sociedade em processo de decomposição e rearticulação,

sociedade em verdadeira crise, na qual diferentes camadas do tecido cultural estão em

movimento, pois soube captar uma visão totalizadora da complexa trama que consiste o

processo social peruano.

5 Ima sapra: vocábulo quechua que significa bromélia.

44

O porto pesqueiro de Chimbote é o cenário escolhido por Arguedas para apresentação

da emergência de uma nova sociedade e de suas conseqüências sobre o destino dos peruanos:

“[a través de] Chimbote, pude interpretar mi experiencia del hervidero que es el Perú actual y,

bastante, nuestro tiempo, el más crítico y formidable; nuestra época que tenemos la suerte de

sufrir como ángeles y condenados”. (ARGUEDAS6 1969 apud WESTPHALEN, 1976).

O processo de superação enfrentado pela sociedade peruana é retratado com toda

sensação de angústia e desolação oferecidas pela atmosfera chimbotana, que contrasta com a

esperança de libertação de cada ser humano e da sociedade em seu conjunto. Uma perspectiva

libertadora que funciona no seio da sociedade, não como uma dimensão mítica e sim como

uma tendência real. É essa perspectiva que dá sentido e unidade ao mundo caótico e

desordenado de Los zorros.

Arguedas assegura ainda para Losada, na carta que se encontra no epílogo do

romance, que:

Yo no voy a sobrevivir al libro. Como estoy seguro que mis facultades y armas de creador, profesor, estudioso e incitador, se han debilitado hasta quedar casi nulas y sólo me quedan las que me regalarían a la condición de espectador pasivo e impotente de la formidable lucha que la humanidad está librando en el Perú y en todas partes, no me sería posible tolerar ese destino. (LOS ZORROS, p.250)

Arguedas recorre à literatura para demonstrar a dura realidade e a luta dos pescadores

contra a avalanche que representava o porto de Chimbote. A energia com que estes

pescadores enfrentavam a nova realidade que lhes era apresentada, a solidariedade que

demonstravam na tentativa de refrear os elementos dominadores, quando vítimas deles,

exaltando a importância de seus trabalhos para a economia do país é um exemplo de

esperança de que a riqueza beneficie e traga felicidade a uma grande parte de peruanos. A

continuação deste romance seria a atuação do povo peruano.

No ¿Ultimo Diario? Arguedas expõe que:

Los Zorros corren del uno al otro de sus mundos; bailan bajo la luz azul, sosteniendo trozos de bosta agusanada sobre la cabeza. Ellos sienten, musian, más claro, más denso que los medio locos transidos y conscientes y, por eso, y no siendo mortales, de algún modo hilvanan e iban a seguir hilvanando los materiales y almas que empezó a arrastrar este relato. (LOS ZORROS, p.244)

6 ARGUEDAS, José Maria: Los rostros del Perú (entrevista por Alfonso Calderón). Santiago de Chile, 1969.

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O autor apresenta-nos os episódios que poderiam ter sua continuidade relatada, mas a

inconclusão do relato poderia ser um modo de articular o texto com a história, e o suicídio

seria, portanto o cume da técnica de um relato aberto.

Os temas propostos por Arguedas neste último romance se enraízam na consciência

anticapitalista, oriunda de determinadas camadas sociais durante os anos sessenta. Neste

período, as camadas sociais se diversificaram como conseqüência das modificações que

ocorreram em sua estrutura produtiva e ocupacional. O anticapitalismo desenvolveu-se,

sobretudo, em grupos cuja estabilidade em sua estrutura social haviam sido solapadas pela

expansão capitalista, grupos estes que se caracterizavam por um indigenismo fundamentalista,

que rejeita toda forma de modernidade e a sustentação de um messianismo andino, até aqueles

que encarnam uma nova modernidade, articulam os valores humanos da tradição andina e da

ocidental.

Apoiado num socialismo que incorpora a cultura andina e enfatiza a integração dos

seres humanos com a natureza, Arguedas afirma que:

Fue leyendo a Mariátegui y después a Lenin que encontré un orden permanente en las cosas; la teoría socialista no sólo dio un cauce a todo el porvenir sino a lo que habla en mí de energía, le dio un destino y lo cargó aún más de fuerza por el mismo hecho de encauzarlo. ¿Hasta dónde entendí el socialismo? No lo sé bien. Pero no mató en mí lo mágico. (ARGUEDAS, 1976, p.432)

Podemos dizer que a perspectiva de Arguedas nesta obra é de crítica ao sistema

capitalista tal como o sistema se materializava no Peru, antes, impedindo uma determinada

integração social, que resultaria, em última instância, na constituição de uma nova sociedade

composta cujo principal elemento seria. – o quéchua moderno - como ele próprio se

autodenominava.

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3.1 Arguedas: o antropólogo e o romancista

Neste subcapítulo pretende-se, dentro dos objetivos a que se propõe o trabalho, estudar

duas das facetas mais conhecidas de José Maria Arguedas: o de antropólogo e o de

romancista.

Arguedas, muitas vezes interpretado como um escritor menor dentro do cânone

literário, soube, como poucos, através de seus escritos, interpretar magistralmente a realidade

social peruana. Refletir sobre sua trajetória biográfica e literária possibilita uma melhor

compreensão de sua obra:

No es posible separar de manera absoluta la dolencia que aquejaba a Arguedas de su drama espiritual, ni éste del drama de una sociedad, de un pueblo. No se deben confundir, pero guardan sin duda una secreta relación. (LARCO, 1976, p. 07)

Ele reuniu em si os resultados de uma transculturação, refletida em sua escrita. Ambas

as culturas convivem nele, paralelamente, não sendo capaz de refutar nenhuma delas, cujo

resultado é a expressão de um perfil heterogêneo. Por mais que outros escritores também

trabalhassem com temas correntes aos de Arguedas, nenhum outro expressou tão

fidedignamente o conflito de duas culturas, de duas línguas, talvez porque ele houvesse

vivenciado este embate em sua infância e adolescência, fato que o marcaria por toda a vida.

Nascido em Andahuaylas, departamento de Apurímac, na serra peruana, em 18 de

janeiro de 1911, Arguedas era filho de pessoas distintas da região. Seu pai, advogado de

traços físicos predominantemente brancos, o deixou, com apenas três anos, sob cuidados

indígenas, após o falecimento de sua mãe. A perda da mãe marcou-o definitivamente e quiçá

tenha sido o início dos problemas emocionais que o perseguiram até sua morte.

Em 1917, seu pai casa-se com Doña Grimnesa Arangoitia, uma viúva rica de San Juan

de Lucana. O laço com a comunidade indígena estreitaram-se quando o menino de apenas sete

anos, foi morar na fazenda de sua madrasta, a qual o obrigava a viver com os índios da

criadagem:

[...] yo soy hechura de mi madrastra. Mi madre murió cuando yo tenía dos años y medio. Mi padre se casó en segundas nupcias con una mujer que tenía tres hijos; yo era el menor y como era muy pequeño me dejó en la casa de mi madrastra, que era dueña de la mitad del pueblo; tenía mucha servidumbre indígena y el tradicional menosprecio e ignorancia de lo que era el indio, y como a mí me tenía tanto desprecio y tanto rencor como a los indios, decidió que yo había de

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vivir con ellos en la cocina, comer y dormir allí. (ARGUEDAS, 1993, p.195-196).

Devido às condições adversas nas quais passou a ser criado, o garoto direcionou seu

amor aos indígenas, com os quais passou a conviver. A partir de então, iniciou-se um

processo de identificação com o mundo indígena que o havia acolhido e de onde se sentiu

protegido.

[...] toda la obra humana y literaria de Arguedas, su combate social, político e ideológico, su utópico ideal de mestizaje, surgen de un desgarramiento individual que el escritor trató en vano de superar colectiva y socialmente por la reunión de los dos mundos, blanco e indio, que, aunque por razones distintas, eran muy queridos por él. (FORGUES, 1991, p. 56)

As traumáticas experiências vividas na infância e na adolescência serviram-lhe como

fonte de inspiração para a confecção de parte considerável de sua produção literária. Tal

afirmativa pode ser confirmada pelas próprias palavras do autor, o qual confirma a

importância da paisagem e dos costumes indígenas em sua formação.

Em entrevista à Revista Portal, e respondendo a “como começou sua relação com a

literatura e o que definiu sua vocação”, Arguedas responde:

- Creo que al escuchar los cuentos quechuas que eran narrados por algunas mujeres y hombres que eran muy queridos en los pueblos de San Juan de Lucanas y Puquio, por la gracia con que cautivaban a los oyentes. Creo que influyó mucho la belleza de la letra de las canciones quechuas que aprendí durante la niñez. (CONVERSANDO con Arguedas, 1976, p.22)

Em uma primeira etapa, com os contos de seu primeiro livro intitulado Água (1935),

Arguedas já expressa a sensibilidade e a importância das duas culturas com as quais conviveu.

A narração dos três contos (Água, Los escoleros y Warma kruyay) mostra o trânsito de um

menino, que se chama Ernesto no primeiro e terceiro conto e Juan no segundo, entre dois

universos: o branco, do qual é oriundo, e o indígena, ao qual escolheu pertencer. Entre esses

dois mundos parece haver um abismo gerado de choques e tensões permanentes.

A opção de Ernesto/ Juan é a mesma de Arguedas – um menino branco, filho de

advogado, que abandona seu mundo e escolhe o dos índios para fazer-se seu, num movimento

de deslocamento entre dois mundos tão diferentes. Dentre dezenas de textos que abordam o

assunto destacamos, mais uma vez, este que faz parte de Intervención en Primer Encuentro de

Narradores Peruanos, com o título bem sugestivo de Soy hechura de mi madrastra:

[…] [Mi madrastra] me tenía tanto desprecio y tanto rencor como a los indios, y decidió que yo había de vivir con ellos en la cocina, comer y dormir allí. Así viví muchos años […] Los indios y especialmente las indias vieron en mí exactamente como si fuera uno de ellos, con la diferencia de que por ser blanco

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acaso necesitaba más consuelo que ellos … y me lo dieron a manos llenas. Pero algo de triste y de poderoso debe tener el consuelo que los que sufren dan a los que sufren más, y quedaron en mi naturaleza dos cosas muy sólidamente desde que aprendí a hablar: la ternura y el amor sin límites de los indios, el amor que se tienen entre ellos y que le tienen a la naturaleza, a las montañas, a los ríos, a las aves; y el odio que tienen a quienes, casi inconscientemente, y como por una especie de mandato Supremo, les hacían padecer. Mi niñez pasó quemada entre el fuego y el amor. . (ARGUEDAS, 1993, p.195-196).

Como se percebe pela citação anterior a infância foi um dos grandes mananciais de

Arguedas, à qual sempre recorria com muita nostalgia, o que se percebe na produção de seus

romances tais como Los Rios Profundos e contos como Agua. O deslocamento do olhar de

Arguedas para a figura do índio fica mais claro à medida que avança em sua produção

literária. Respondendo a Tomás Escajadillo em entrevista para a revista Cultura y Pueblo,

Arguedas confirma sua auto- integração como personagens de seus romances:

- Tú eres el niño de Agua y el adolescente de Los Ríos Profundos ¿Eres, también, el adulto Rendón Willka de Todas las Sangres? - Oye, sí, pero también soy un poco don Bruno. -¿En lo bueno y en lo malo, José María, o solamente en los rasgos positivos? - Yo he sentido, desde pequeño, cierta aversión a la sensualidad. Algo así como don Bruno en sus momentos de arrepentimiento. Aquel personaje poderoso e inmensamente malvado que presento en el cuento Agua fue sacado de la vida real. Era un hermanastro mio [...] yo era un niño de siete años y este hombre, en más de una oportunidad, tuvo la maldad de obligarme a que lo acompañara en sus andanzas amorosas y a que presenciase sus “hazañas”. Recuerdo todo eso con gran nitidez. (ESCAJADILLO,1976, p. 83)

Um dos fatos mais marcantes foi sua convivência com o filho da madrasta, expressa

por Arguedas como um dos períodos difíceis de sua infância. Sua repulsa fica evidente

quando decide retratá-lo como o gamonal7 muitas vezes com diferentes características físicas,

e com seu abusivo comportamento marcado, sobretudo pelo maltrato aos índios em distintas

circunstâncias de sua obra. O mesmo ocorre quando opta traçar a imagem de seu meio irmão a

partir de tristes lembranças, pois este, além de seu brutal comportamento sexual, obrigava

Arguedas a presenciar suas aventuras sexuais.

Entende-se uma vez mais que foi na tentativa de fugir da adversidade do meio em que foi

criado, que Arguedas encontrou refúgio seguro no seio da comunidade indígena.

Paradoxalmente, entretanto, tenha vivido uma das etapas mais felizes de sua vida, pois as

adversidades acabam por levá-lo a integrar-se à natureza e a vivenciar a solidariedade

comunitária do indígena, da qual já se sentia íntimo. 7 Gamonal:Latifundiário com poderes facultativos, cacique local.

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Além disso, resulta importante destacar que a adversidade o levou a ter o quéchua

como sua primeira língua: “yo aprendí a hablar el castellano con cierta eficiencia después de

los ocho años, hasta entonces sólo hablaba quechua” (ESCAJADILLO, 1976, p. 78). Quando

começou sua carreira literária foi aos jogos, cantos e crenças indígenas que recorreu para

configurar seu mundo ficcional. A ficção realista que passou a oferecer aos seus leitores

trazia-lhes uma realidade com a qual não estavam acostumados, pois a serra, as aldeias e

fazendas do interior não lhes eram mais que referência distante.

No plano lingüístico esse realismo derivou na criação de uma espécie de língua

fictícia, que deu um tom diferenciado tanto aos personagens quanto ao mundo ficcional

indígena.

Cuando yo leí ese relato, en ese castellano tradicional, me pareció horrible, me pareció que había disfrazado el mundo tanto casi como las personas contra quines intentaba escribir y a quienes pretendía rectificar […] Unos seis o siete meses después lo escribí en una forma completamente distinta, mezclando un poco la sintaxis quechua dentro del castellano, en una pelea verdaderamente infernal con la lengua. (ESCAJADILLO, 1976, p.79)

Arguedas era fruto de uma outra cultura, pois ao ser criado no seio de comunidades

indígenas sentia-se como se fosse um deles. Aprendeu o quéchua e utilizou esta língua em

praticamente todos os seus contatos. Parece ser alguém que está culturalmente integrado ao

universo andino, mas no fundo sente-se pertencente a lugar nenhum, daí sua luta para a

aproximação das duas culturas, branca e índia e a “infernal pelea con la lengua”, que o levou a

criar uma linguagem especial, o espanhol incorporado ao quéchua. Essa característica é

marcante em sua produção literária, e se transforma num traço de distinção com relação à

produção literária indigenista geral:

Las obras de José Maria Arguedas representan, en efecto, una transición entre el indigenismo y el neo-indigenismo. [...] Un fuerte sentimiento de empatía caracteriza la actitud del narrador con respecto a los personajes. Aunque el flujo de conciencia del narrador se realice en registro culto, el narrador/ personaje es bilingüe, y se dirige a los indígenas en su propio idioma, el quechua. Arguedas hace una brillante maniobra lingüística y trasplanta al castellano la sintaxis quechua, porque él mismo domina el quechua como idioma materno. Esto no necesariamente es el caso de varios autores indigenistas, cuyo conocimiento de quechua era más superficial y se limitaba al discurso entre el amo y el súbdito. (NAGY, 1995)

Aos 13 anos, Arguedas instala-se em Abancay passando a estudar em um internato.

Aos dezessete anos, ingressou na Universidade de São Marcos, em Lima, onde cursou Letras.

A partir de então, teve a percepção de que já não voltaria a viver entre os índios, e que deveria

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aprender a conviver num mundo estranho, com sentimentos crescentes de desapego, que o

acompanhariam até o final de seus dias.

Trinta anos depois da edição de Água, publicou Amor Mudo, uma coleção de quatro

relatos breves, definido por ele mesmo como um romance curto, que se assemelhava ao

primeiro, tanto pela escolha da aldeia como espaço ficcional, quanto pela retomada de

fragmentos da infância e por expressar a visão de um mundo dicotômico.

Em seu livro Los Universos Narrativas de José Maria Arguedas, Cornejo Polar

propõe uma divisão didática da obra de Arguedas. Em Yawar fiesta e Los Ríos Profundos a

comunidade indígena aparece como protagonista. Além disso, há uma evidente veneração

pela natureza, talvez adquirida no convívio com os indígenas. Tais escritos também deixam

transparecer a dicotomia entre os dois mundos que tiveram fundamental importância na

formação do autor. Verifica-se ainda uma posição de forte repúdio ao sistema capitalista que

se desenvolve na costa peruana, que traz conseqüentemente a ambição e o individualismo.

Esse universo contrasta com o universo da serra, preenchida com o apego e o respeito do

homem com a natureza e do homem consigo mesmo.

No romance Yawar fiesta destaca-se o poder de resistência dos indígenas. Eles se

unem em defesa de uma festa de origem espanhola, apropriada pelos costumes indígenas. Esta

mesma vontade de resistência é encontrada em Ernesto, personagem de Los Ríos Profundos, o

qual traz consigo as experiências que teve durante a infância no mundo indígena, e que agora

se confrontam com a realidade que o rodeia. Considerada uma obra com forte caráter

autobiográfico, onde, mas uma vez, o menino Ernesto representa o olhar de Arguedas sobre a

problemática dos conflitos e enfrentamentos, surgidos do contato entre as duas culturas, Los

Rios Profundos não apresenta apenas a opressão colocada pelo branco, mas também o desejo

do índio de permanecer ligado ao seu mundo.

Siendo él mismo [Arguedas] un miembro de ese grupo social [de los intelectuales], literato, maestro universitario y doctor en Antropología, en numerosas ocasiones trató de distanciarse del mundo académico reivindicando para sí una identidad indígena, marginada y empobrecida por la cultura y el poder criollo; en suma, un wakcha, es decir, un huérfano, un solitario, abandonado e ignorante, que son las connotaciones de ese vocablo quechua […] esforzándose por construir un puente dialogante y comprensiva con la cultura quechua de su origen. (PONCE, 1998)

A ponte construída por Arguedas na esfera lingüística age como um mediador entre as

duas culturas e assume uma identidade de alguém que fala espanhol e quéchua, não deixando

de ser branco ou índio. Essa característica remete-nos às questões propostas pelos conceitos

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de transculturação e heterogeneidade. Conforme observado no capítulo 02, o conceito de

transculturação proposto por Fernando Ortiz, difere do termo aculturação, por não apontar

para a simples adoção da cultura dominante em desfavor da cultura dominada – como

acontece com Arguedas.

Partindo-se do conceito de heterogeneidade, Arguedas não seria um indivíduo

portador de características somente da terceira cultura, resultante das outras duas, mas sim

alguém que traz em si aspectos de ambas, sem negar a existência das diferenças culturais.

A escolha de Arguedas para este trabalho deveu-se não apenas à sua dualidade, mas,

sobretudo, à defesa da cultura indígena, a qual procurou trabalhar ficcionalmente, pois o índio

andino não possuía o recurso da escrita para estabelecer sua literatura, e foi Arguedas um dos

principais autores a procurar dar voz a esta cultura por meio de suas obras.

Sua obra literária certamente tenha saído privilegiada, se comparada a outras, pelas

pelo fato de que Arguedas não era apenas um escritor, mas também antropólogo, pois ele

soube unir seus conhecimentos antropológicos aos de literato. Seus questionamentos de

antropólogo repercutiram no seu universo literário. Esta associação trouxe- lhe êxito, mas nem

sempre foi bem recebida.

El análisis de la etnografía como escritura se ha visto obstaculizado por consideraciones varias [...] Una de éstos [...] es que seria poco antropológico hacer algo así. Lo que etnógrafo debe hacer es ir a los sítios y volver con informaciones sobre la gente que vive allí [...] em vez de vagar por las bibliotecas. (GEERTZ, 1997, p.11)

Porém os trabalhos antropológicos desenvolvidos por Arguedas certamente

auxiliaram-no na empreitada literária. O escritor apresentava o mundo andino a partir de sua

experiência com a realidade do indígena, e não como simples observador. Portanto, a sua obra

é fidedigna na descrição dos hábitos desse povo, visto que a sua condição de integrante do

mundo indígena - experiência que usava com propriedade, somada a seus estudos de cultura e

folclore, executado por um integrante do estrato observado, logrou a aceitação da veracidade e

precisão de seu trabalho.

Clifford Geertz afirma que “la capacidad del antropólogo de convencernos de que lo

que dicen es resultado de haber podido penetrar (o, si se prefiere, haber sido penetrado por)

otra forma de vida, de uno u otro modo, realmente “estado allí”. (GEERTZ, 1997, p.14).

Podemos afirmar com Arguedas ocorrem as duas situações. Porém, o literato conseguiu mais

destaques que o antropólogo junto aos seus leitores. No entanto, é importante ressaltar que no

caso de Arguedas, é difícil separar escritor e antropólogo, pois um está presente no outro.

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La obra antropológica está hecha por un escritor y por eso las fronteras entre la literatura y la antropología - en el caso preciso de Arguedas – no son nítidas. Puede serlo con toda claridad si uno compara a dos personas diferentes: un escritor, de un lado, y un antropólogo, de otro. Pero cuando una persona es un escritor y un antropólogo, al mismo tiempo, no puede dejar de ser antropólogo cuando escribe literatura y no puede dejar de ser literato cunado hace antropología. (MONTOYA, 1995)

Arguedas buscava fazer a intermediação cultural e transmitir sua experiência ao

universo hegemônico, mas ressaltava sua condição de defensor do universo quéchua. Assim

ele

“consideró que su misión como escritor era constituirse en un intermediario entre la cultura indígena y la cultura de los blancos. Estaba muy conciente que su condición de biculturalidad ayudaría a la realización de la intermediación”. (ZEVALLOS-AGUILAR, 1999).

Dentre os escritores que Rama considera transculturados, José Maria Arguedas é

portador de características ímpares, principalmente no que toca à análise dos enfrentamentos

entre as culturas marginal e hegemônica e seus resultados. Sua obra confunde-se com sua

vida, vida esta dedicada à tentativa de superação do antagonismo entre os universos índio e

branco. A fé nesta possibilidade é percebida em seus primeiros trabalhos.

El adolescente que dialoga con las viejas piedras del Cusco, el indio que se deja fusilar porque sabe que el futuro es suyo y de los suyos, la voz plural que canta al invencible Amaru, el hombre que se suicida y se despide no con amargura, sino con euforia, imaginando que con su muerte acaba un mundo y comienza otro, el de plenitud de la vida, son figuras y testimonios de una conciencia portadora de la conciencia de todo un pueblo. Quizás José María no nos contó más que una única y espléndida historia: la historia (que es la historia de un mito y el mito de una historia) de cómo un hombre puede ser muchos hombres, y una patria todas las patrias, cuando el amor y la rabia hierven en un fuego que sabe mucho más de luz que de destrucción. (CORNEJO POLAR, 1991, p. 21-22)

Suas teorias sobre a integração nacional começaram a surgir a partir de seu contato

com os índios do vale do Mantaro, quando cursava o terceiro ano intermediário em Huancayo,

1928. Em 1935, num novo contato com a região central “realizó en este escenario los estudios

antropólogos que marcarían fuertemente su concepción del mestizaje como la vía a través de

la cual podría producirse la integración de la sociedad peruana”. (MARINQUE, 1995).

Sua produção literária até Los Ríos Profundos apresentava uma crença na resolução

dos conflitos culturais através dos processos de hibridização cultural – a integração

minimizaria os abismos entre as principais culturas existentes no Peru.

Uno de los problemas más complejos abordados por la obra literaria y antropológica de José María Arguedas es el de la integración de las distintas

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vertientes de la sociedad peruana, profundamente escindida en las realidades sociales, culturales, regionales y raciales muy diversas y, en algunos casos, contrapuestas. La obra arguediana, escrita en el período cuando la dominación gamonal sobre la población indígena de la sierra era una realidad viva e intensa, tiene en la búsqueda de alternativas a esta situación una de sus claves principales. El mestizaje constituye, para varios investigadores, una noción clave dentro de esta búsqueda: es entendido como la posibilidad de una integración armónica de elementos contrapuestos pero que no son, por su propia naturaleza, necesariamente irreductibles. (MANRIQUE,1995).

Com o descrito é possível perceber a forma como Arguedas está vinculado ao mundo

indígena. Ele não anseia apenas compreendê- lo, mas também defendê-lo e tal atitude é

ratificada pelo personagem Ernesto.

Arguedas apontava a possibilidade de superar, através de processos que passavam pela

mestiçagem e pela inclusão do índio em posições sociais de prestígio na sociedade peruana, o

problema da dicotomia branco versus índio, dicotomia esta herdada do indigenismo

tradicional. Sua obra era uma proposta de superação da questão puramente indígena, de forma

que a sua perspectiva de um Peru integrado acabou por abarcar todos os níveis da sociedade.

Era uma proposta igualitária, visando o fim dos preconceitos, à superação das diferenças e,

conseqüentemente, dos conflitos.

Essa perspectiva caminha para uma mudança a partir de Todas las Sangres e El Zorro

de Arriba y el Zorro de Abajo. Seria uma terceira etapa da obra arguediana, muito similar às

duas anteriores, inserindo-se aqui, porém, um novo elemento - o imperialismo, que rege o

destino dos países periféricos ao sistema capitalista e gera uma atmosfera de conflitos sociais.

Em Todas las Sangres a fé na integração indígena ainda está presente, pois, ao invés

de excluídos por um sistema de prevalência da cultura européia, o índio pretende reconhecer-

se como parte deste estrato. Deve-se ressaltar que talvez este romance seja uma tentativa de

oferecer uma visão de conjunto da sociedade peruana.

Com a publicação de El Zorro de Arriba y el Zorro de Abajo, Arguedas reconhece a

impossibilidade de inserção do indígena no processo de integração nacional, pois os indígenas

poderiam até adquirir novas características sociais, mas seriam sempre inferiores. Com plena

consciência do sentido do romance, Arguedas declara, em 1969, numa entrevista concedida a

Alfonso Calderón que “[intentaba] escribir una novela acaso más difícil aún que Todas las

sangres. A través del hervidero humano que es el puerto pesquero más grande del mundo,

Chimbote[…].”(ARGUEDAS 1969 apud WESTPHALEN, 1976 op.cit.)

É o retrato de uma sociedade em processo de decomposição, em crise. A esperança de

libertação que alguns personagens levam consigo, contrasta com a desolação e a angústia do

ar chimbotano. Na entrega do prêmio Inca Garcilaso de la Vega, em outubro de 1968,

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Arguedas pronuncia um discurso no qual encontramos elementos importantes que serviram de

pilares para a construção de sua última obra:

La ilusión de juventud del autor parece haber sido realizada. No tuvo más ambición que la de volcar en la corriente de la sabiduría y el arte del Perú criollo el caudal del arte y la sabiduría de un pueblo al que se consideraba degenerado, debilitado o “extraño” e “impenetrable” pero que , en realidad, no era sino lo que llega a ser un pueblo, oprimido por el deprecio social, la dominación política y la explotación económica en el propio suelo donde realizó hazañas por las que la historia lo consideró como gran pueblo: se había convertido en una nación acorralada, aislada para ser mejor y más fácilmente administrada y sobre la cual sólo los acorraladotes hablaban mirándola a distancia y con repugnancia o curiosidad. (ARGUEDAS, 1976, p.431)

Arguedas ansiava ser um “quechua moderno”, ao qual fosse possível vincular a

tradição andina e a tradição ocidental. As experiências que assume com o adolescente de Los

Ríos Profundos, com o índio que se deixa fuzilar em Todas Las Sangres, o homem que se

suicida imaginando que com sua morte encerra um período e começa outro em El Zorro de

Arriba y el Zorro de Abajo são testemunhos e configurações de uma consciência portadora da

consciência de todo um povo.

Toda la obra de Arguedas, todo su drama espiritual y humano - y en Arguedas, obra y vida son una y la misma cosa -, giran en torno a la superación de esta dicotomía, a la cancelación en y por la vida y el arte, de este antagonismo, aparentemente irreducible, entre el mundo del indio y el mu ndo de los otros, de los mistis. (LARCO, 1976, p. 09)

Uma sociedade tão marcada por violentas oposições, como a peruana, possui uma

especial correlação com sua geografia : a costa é povoada basicamente por criollos e brancos,

já a concentração indígena se dá em sua grande maioria na serra.

O romancista descreve o mundo indígena de forma singular, ansiando compreender e

defender esse universo oprimido. O índio deixa de ser o simples objeto do romance para

converter-se em seu fundamento, em seu protagonista.

A experiência de vida do próprio autor funciona coma substrato de seus romances. A

relação de seus personagens com o universo em que habitam é geralmente conflitante e

demonstra a divisão entre os universos que Arguedas carregava consigo - branco e o ind ígena,

uma atmosfera de choques e conflitos permanentes, e de muita contradição.

Em sua última obra El Zorro de Arriba y el Zorro de Abajo, relata essa oposição

permanente em sua vida e a agonia de seu suicídio, que coincide com a agonia de todo um

povo. Sua morte deve ser entendida como a representação trágica de sua luta, de sua obra, ao

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longo de uma vida marcada por carências afetivas, que talvez expliquem suas tentativas de

suicídio.

Arguedas utiliza a literatura como instrumento para elaborar diferentes imagens do

Peru. Essas imagens são resultantes tanto de sua experiência na infância e adolescência, como

de seu amor pela cultura quéchua, quanto de sua prática como professor, em Lima, e de seus

trabalhos como antropólogo. É praticamente impossível interpretar a obra literária de José

Maria Arguedas corretamente sem entender a vida do homem José Maria Arguedas em toda

sua complexidade.

3.2 Los Zorros: diálogo entre dois mundos

A obra literária de Arguedas está entrelaçada entre dois mundos, numa tentativa de

diminuir o abismo social e econômico entre o mundo indígena e o branco, divididos por

muros invisíveis, embora sólidos:

y opresores no apagan la luz de la raza y mucho menos si ella ha tenido siglos de ejercicio, ni apagan, por tanto, las fuentes del amor donde brota el arte. Dentro del muro aislante y opresor, el pueblo quechua bastante arcaizado y defendiéndose con el disimulo, seguía concibiendo ideas, creando cantos y mitos y bien sabemos que los muros aislantes de las naciones no son nunca completamente aislantes. A mí me echaron por encima de ese muro, un tiempo cuando era niño; me lanzaron en esa morada donde la ternura es más intensa que el odio, por eso el odio no es perturbador sino fuego que impulsa. (ARGUEDAS, 1976, p. 431-432)

O conflito étnico e de classe aparece na obra de Arguedas com toda complexidade. A

descrição de dois mundos que se opõem, corresponderiam em certo sentido à realidade

histórica de seu país. Apesar deste grave conflito, o romancista soube explicitar também a

troca mútua de elementos culturais que ocorre entre esses mundos.

Arguedas se converte numa espécie de intérprete e guia do mundo do qual se apossou

durante sua infância, e compartilha com o leitor todo este sentimento, utilizando como um dos

recursos para demonstrar a cultura quéchua, a música e a dança. Em muitas passagens de suas

obras esses ritos relembram a origem, o destino e a luta desse povo, mas em outros momentos

essas atitudes são apenas resquícios do vínculo com o povo de origem.

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Na tentativa de desvendar o que estava acontecendo na sociedade peruana Arguedas

introduz Los Zorros míticos, já que estes seriam os únicos capazes de romper o abismo das

relações sociais existentes entre os dois mundos. O próprio escritor afirma não entender muito

bem o que se passa em Chimbote, porto usado como cenário do romance: “[...] pero no

entiendo a fondo lo que está pasando en Chimbote y en el mundo” (LOS ZORROS, p. 79).

No Peru coexistem e se confundem formas de organização social e tradições culturais

dissímiles: da cultura quéchua à cultura ocidental de raiz hispânica. José Carlos Mariátegui

afirmara que:

[...] o problema da unidade é muito mais profundo porque aqui não há que resolver uma pluralidade de tradições locais ou regionais, mas uma dualidade de raça, de língua e de sentimentos, nascida da invasão e conquista do Peru autóctone por uma raça estrangeira que não conseguiu fundir-se com a raça indígena, nem eliminá-la, nem observá-la. (MARIÁTEGUI, 1998, p. 178).

Seriam então Los Zorros os responsáveis pela compreensão destes mundos, pois eles

podem ver o que os outros não conseguem. Don Diego é um dos personagens que poderiam

ser colocados como los zorros, pois assume que: “Yo soy de toda la costa, arenales, ríos,

pueblos, Lima. Ahora soy de arriba y abajo, entiendo de montañas y costas, porque hablo con

un hermano que tengo desde antiguo en la sierra,” ( LOS ZORROS, p. 119).

Los zorros colaboram para sua transformação que acontece ao longo da obra, visto que

muitas vezes assume sua origem, porém, na maior parte do tempo posiciona-se com

superioridade diante de tantos outros migrantes.

Percebemos como o “mundo de arriba” trata o “mundo de abajo” numa conversa entre

Don Ángel y Don Diego. Enquanto andavam pela fábrica, o primeiro afirma para o segundo

que depois que os imigrantes, mesmo em sua condição inferior, aprendem a utilizar as

máquinas da fábrica de farinha de peixe tornam-se tão bons quanto os “gringos”, mas Don

Diego coloca sua superioridade ao tratá- los de uma forma descartável:

[...] Ningún indio tiene patria, ¿no? Me consta. No saben pronunciar ni el nombre de su provincia. Ningún cholo, ningún negro verdadero, zambo o injerto, tienen concierto entre ellos. Son peores que los indios en eso. [...] sin embargo, cuando se les enseña a manejar máquinas y, más todavía, cuando los ingenieros les explican el funcionamiento de las piezas difíciles, maestras, de las máquinas y de todo el conjunto, estos bestias aprenden algo despacio, pero yo diría que más a fondo que los mismos gringos. [...] Mejor que los extranjeros, pero no tiene concierto, disciplina, orientación verdadera; su alma navega sin rumbo, como cargamento de mierda. [...] - [...] Pero yo a esos “maestros” los hago y manejo. Y no los puedo tomar sino a contrato, porque la revisión y montaje de maquinarias los hacemos durante la veda grande. Tres meses. Después se van a vender a papas, a comer basura en las barriadas. Quedan sólo un mecánico y su ayudante. Así es... (LOS ZORROS, p. 116-117)

57

Ao apresentar-nos o porto de Chimbote, Arguedas nos mostra as mudanças sociais

causadas pelo capitalismo. O mundo infernal no qual se converte este porto oferece-nos a

imagem desordenada do que o poeta imaginara em seus relatos anteriores para seu país. Nesta

cidade cujo desenvolvimento econômico deu-se pela implantação de uma indústria baseada

farinha de peixe, dinheiro e sexo, os índios, negros, cholos8 e zambos9 perdem suas raízes e

mergulham num processo de degradação.

Logo, a propriedade de ser humano é o que se torna latente, como afirma o Zorro

Diego: “Pero dicen, Don Angel, que aquí, en Chimbote, a todos se les borra la cara, se les

asancocha la moral, se les mete en molde” (LOS ZORROS, p.87).

As pessoas que estão em Chimbote não têm cara nem nome, são chamados por seus

apelidos: “el Mudo”,“la Argentina”,“el obrero”, “el pescador”, “el Chaucato”. São

praticamente vítimas de um mundo que não conhecem, passivos frente ao capitalismo que os

leva a gastar o pouco que ganham.

Até mesmo os que detêm o poder também são identificados por apelidos, como é o

caso de Braschi. Somente os pescadores mais antigos desfrutaram de sua presença, ao longo

do romance ele termina por converter-se em uma espécie de ser mítico, pois ninguém sabe

exatamente onde ele se encontra, mas, independente disto, controla todo seu império:

- Ahora, Don Ángel, Braschi produce, Braschi compra; está aquí y en el Japón y Rusia; fabrica harina y fabrica locos también, ciegos también y él y su tropa de águilas sin detención se han alzado hasta donde no hay ni sol ni luna. - […] Sólo desde esas alturas se manda, se dispone, se arregla, se pone en vereda a mezcolanzas tan peores que mierda de chancho de barriada […]. (LOS ZORROS, p. 116)

As diferenças entre os dois mundos também são percebidas na natureza. No “mundo

de abajo” não há uma relação de transparência entre natureza e ser humano, pelo contrário, a

podridão do mar e da cidade reflete a atmosfera desta região. Don Esteban percebe também

que até as

[...] gaviotas que a veces cubrían, gritando, el cielo del totoral y bajaban cayendo lento sobre la poquita agua que flotaba en el fango. […] en los lagos cristalinos de las grandes alturas; pero en las aguas frías la gaviota es rara, linda y airosa, y no forma bandadas que revuelven el cielo, como ésas que llegaban al fango del totoral cuyo fondo nadie ve ni conoce. (LOS ZORROS, p. 167)

8 Cholo: Termo que designa o individuo de origem indígena que deixa por sua migração a cidade, por sua prosperidade, por sua educação ou seu comportamento social, de ser considerado como “índio”. Entretanto, para os costenhos das camadas superiores, cholo resulta, em sua linguagem, sinônimo de “índio”. Nos setores populares, cholo, e seu diminutivo cholito, são considerados um termo afetivo. 9 Zambo: Descendente de negro e índia ou ao contrário; pessoas com características negras.

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O capitalismo, representado pelo império de Braschi, não explora somente operários e

pescadores, mas obtem lucro em todos os outros negócios de Chimbote, com é o caso do

prostíbulo: “Que el Blanco y el Rosado y el “corral”, tú también, le pagan a Braschi, tanto por

ciento...” é o que a afirma a prostitua Narizona ao chefe de lancha Mendieta.

Podemos citar Asto, personagem representante de todo um grupo que deixa a serra

rumo à cidade, como um dos grandes exemplos desta convivência, deste diálogo conflituoso

entre os dois mundos. Ele penetra no “mundo de arriba” faz suas conquistas, incorpora o

mundo do dinheiro e abandona suas tradições. Comprova-se isto numa visita dele ao

prostíbulo de luxo da região de El Rosado, onde depois de se deitar com a prostitua Argentina

e de pagá- la uma grande soma em dinheiro, ele se sente “transformado”:

Asto no percibió las filas de clientes de la Argentina y de las otras. Se fue silbando un huayno, cruzando las otras filas de clientes. Zavala, lo vio irse. “Pisa firme ahora- dijo -. Camina firme, silba firme ese indio. Desnudo, amarrado al muelle, días de días, aprendió a nadar para obtener matrícula de pescador. No hablaba el castellano. ¿Cuál generosa puta lo habrá bautizado? […] Asto se dio cuente que silbaba sólo cuando llegó al final de callejón rosado y se acabó la luz neón. Pasó al campo de arena. “yu…criollo, carajo; argentino, carjo; ¿Quién serrano, ahura?”, hablando se acercó a uno de los automóviles de plaza. Oye,chofir –le dijo-, a me casa, carajo. Hasta me casa. (LOS ZORROS, p. 38-39)

Asto repete a história de outros índios que também fugiram das difíceis condições da

serra, esperançosos com a possibilidade de riqueza na costa, sendo, porém, obrigados a

adequar-se a um novo sistema social. Ele não retrocede ante as dificuldades, aprende a nadar,

passa a receber por seu trabalho, faz suas conquistas e, pensa que “se acriolló”, o que ele

acredita ser um progresso. Asto pensa que foi transformado, mas suas características serranas

estão presentes tanto no seu falar quanto no seu aspecto físico, características que o fazem

tomar algumas decisões que ajudam a estigmatizá-lo, como no momento em que entra no

prostíbulo e ao encontrar a polícia, foge sem ter motivos. Por suas características físicas, e por

ter fugido, ele é detido e precisa pagar suborno para se livrar do mal-entendido.

Otro guardia entró en el salón. Traía a un pequeño sujeto de cabellos hirsutos. - Venía corriendo, mi cabo –lo presentó el guardia-.[…] - Creía que era pabellón blanco, me’covicado –repetía el hombre. Calzaba zapatos nuevos. - Vas preso –ordenó el cabo-. Creías que era el “corral”. Tú eres del “corral” - Pescador, yo, lancha Mendieta; Jefe Planta, caballiro respeto Rincón, Jefe Bahía, caballiro respeto Corosbi; Compañía Braschi, jefe. A “corral” va pión hambriento, chino desgraciado, negro desgraciado… .[…] - En la cara, en el hablar se conoce al serrano. Usted serrano. (LOS ZORROS, p. 35) Volvió donde la Argentina; le mostró dos billetes de cien soles. “Entra”, le dijo ella. Entró y la Argentina cerró la puerta. “¿Por qué corriste?”, preguntó.

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- Guardías, guardías, pues, asustado a mí. (LOS ZORROS, p. 38)

Asto converte-se em protagonista de uma luta que tenta ser resolvida dentro de si

mesmo. Ele é uma peça nova de um sistema já existente, e deslumbrado pelo dinheiro e pela

possibilidade de relação com um ideal de beleza materializado pela prostituta argentina, Asto

se renega, se aniquila. Contudo, a realidade do transplantado se aproxima dela mais uma vez;

ao retornar ao prostíbulo, desta vez ao “corral” - a parte destinada aos miseráveis, encontra a

sua irmã, e decide retirá- la da vida. O relato de Asto é semelhante ao relato mítico encontrado

no final da parte I, onde os zorros narram a historia de Tutaykire – que seria representado por

Asto, que é enganado por uma prostituta “la virgen ramera” – representada por “la argentina”

e se vê aniquilado. Não se trata de uma comparação isolada, mas de uma visão comprometida

com o ponto de vis ta do serrano, e que o tempo ainda não foi capaz de solucionar ou reverter

a situação.

Outro personagem que pode ser destacado por travar um diálogo paralelo entre os dois

mundos é Bazalar. Ele também provém da cultura quechua, mas encontra um meio diferente

de estabelecer-se socialmente. Como criador de porco, conseguiu uma posição econômica

estável. No que se refere à família, mesmo sendo bígamo, conseguiu respeito dos seus

vizinhos. Com sua ambição se elege presidente da associação dos moradores de San Pedro, o

bairro mais pobre de Chimbote. Nesta aproximação com o “mundo de abajo”, Bazalar começa

a perder a identidade do “mundo de arriba”.

En el resto de la vastísima área de la barriada Bazalar era notable, era ya verdaderamente notable, porque salía temprano a recoger desperdicios de los restaurantes más baratos del puerto y siempre andaba impecablemente afeitado, de camisa limpia y con una chaqueta que llevaba con formalidad distinta que impresionaba ni bien ni mal pero que ganaba para el chanchero cierto espíritu como de respetabilidad en el vecindario. Debía contribuir a ese su castellano que, a pesar de los “motes”, no dejaba de imponerse porque lograba hacerse entender y respetar, y las palabras “aseñoradas” que usaba, las empleaba con petulancia como legítima. (LOS ZORROS, p. 212) [Bazalar] no quería recordar los tiempos de cuando fue niño casi sin ropa y de cuando fue peón sin tierra y sin casa en el mundo de arriba. (LOS ZORROS, p.214) Yo, quizás –pensó; ya no podía pensar en quechua- puede ser capaz, en su existencia de mí, no seré ya forastero en este país tierra donde hemos nacido. (LOS ZORROS, p.215)

Diferente dos outros migrantes, o criador de porcos se sente parte integrante deste

novo mundo, mundo este que não lhe é próprio e que o oprime.

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Lo que martirizaba a Balazar era que él no era dueño de los chanchos, sino sólo alimentador y partidario. El dueño era un comerciante del mercado Modelo que sólo llegaba a la hora de “cosechar”; a la cita convenida para la venta de los cerdos, y cuando su socio le comunicaba que había habido parición. (LOS ZORROS, p. 212)

Começa a despertar uma consciência de classe nos trabalhadores explorados

diretamente pelo sistema capitalista. E um dos primeiros passos neste caminho foi a

recuperação do sindicato dos pescadores, que era coordenado por agentes capitalistas (“la

mafia”). Desta forma os trabalhadores buscavam resistir à exploração econômica local.

Alguns personagens, como Moncada, Maxwel e Don Esteban, são orientados por

valores autenticamente humanos e não se incorporaram ao mudo degradado em que vivem,

regido pelos valores impostos pelo capitalismo. Em meio a esta sociedade dominada pelo

caos, suscitam nesses personagens relações sustentadas pela alegria, compreensão e

solidariedade. O primeiro, considerado um louco, afirma que não devaneia por causa do

dinheiro, e sim por sua estrela. Ele é o único que tem uma visão totalizadora do porto de

Chimbote, tanto num conjunto como num particular. Seus discursos, muitas vezes escutados

com humor e outras com indignação pelos chimbotanos, são formulados através da mescla de

linguagem esotérica e conscientização do caos em que se encontra o porto. Seria uma

metáfora de como ver realmente a desordem de dentro da loucura. (LOS ZORROS, p. 53-66).

Já Maxwel renunciou ao “Cuerpo de Paz” e à sociedade norte-americana. Ele entra

no mundo andino através da música e vê que este meio o ajuda a compreender o

sentimentalismo daquele povo. No porto se apaixona pela humilde Fredisbinda e logo pensa

que Chimbote é verdadeiramente seu lugar. O processo de imersão numa diferente realidade

provoca a transformação do personagem e Maxwell se sente cada vez mais afastado de sua

origem, passando a repudiar o sistema do qual, como “Cuerpo de Paz”, fizera parte. Arguedas

frisa esta transformação em seu último diário: “Tú, Maxwell, el más atingido, con tantos

monstruos y alimañas dentro y fuera de ti, que tienes que aniquilar, transformar, llorar y

quemar.” (LOS ZORROS, p. 246)

Por sua vez, Don Esteban, personagem que aparece no capítulo II e retorna no IV,

mantém seus valores da cultura andina, além da conduta movida pelo amor e solidariedade,

que apóia o desamparado - representado pelo louco Moncada. Presente e passado se

misturam, sem uma seqüência cronológica, na vida desse personagem. Ele foge da miséria da

serra, depois de muitas andanças chega a uma mina onde presencia a morte de muitos

companheiros. Vai para Chimbote na tentativa de se recuperar do mal que o carvão lhe causou

e, ao encontrar um primo que sobreviveu a mina, dá inicio a sua heróica luta contra a morte. O

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conhecimento de vivência foi adquirido por Don Esteban por experiência própria, o mesmo

que se passou com Arguedas – suas vidas são uma espécie de síntese do que pode ser a

existência num país como o Peru. Os dois querem derrotar o “carvão” e recuperar a esperança

de viver num mundo fraterno.

Um país profundamente marcado por seu conflito colonial interno, só é possível ser

compreendido se visto por sua totalidade. Pois, reduzir o Peru a seus componentes ocidentais

e indígenas, como se fossem mundos separados seria a privação de um possível entendimento.

Los Zorros estão em conflito, mas compartilham elementos ao mesmo tempo.

Em seu discurso No soy aculturado está a proposta de Arguedas que corresponde a

uma imagem global do Peru:

[...] intenté convertir en lenguaje escrito lo que era como individuo: un vínculo vivo, fuerte, capaz de universalizarse, de la gran nación cercada y la parte generosa, humana, de los opresores. El vínculo podía y debía unir. Y el camino no tenía por qué ser, ni era posible que fuera únicamente el que se exigía con imperio de vencedores expoliadores, o sea: que la nación vencida renuncie a su alma aunque no sea sino en la apariencia, formalmente, y tome la de los vencedores, es decir, que se aculture. Yo no soy un aculturado; yo soy un peruano que orgullosamente, como demonio feliz habla en cristiano y en indio, en español u en quechua. (ARGUEDAS, 1976, p.432) El otro principio fue el de considerar siempre el Perú como una fuente infinita para la creación. Perfeccionar los medios de entender este país infinito mediante el conocimiento de todo cuanto se descubre en otros mundos. No. No hay país más diversos, más múltiple en variedad terrena y humana; todos los grados de calor, de amor y odio, de urdimbres y sutilezas, de símbolos utilizados e inspirados. (ARGUEDAS, 1976, p.433) […] los yungas de la costa y de la sierra; la agricultura a 4.000 metros; patos que hablan en lagos de altura, donde todos los insectos de Europa se ahogarían; picaflor que llegan hasta el sol para beberle su fuego y llamear sobre las flores del mundo. Imitar desde aquí a alguien resulta algo escandaloso. En técnica nos superarán y dominarán, no sabemos hasta qué tiempos, pero en arte podemos ya obligarlos a que aprendan de nosotros y lo podemos hacer incluso sin movernos de aquí mismo. (ARGUEDAS, 1976, p.433)

Semelhante ao que acontece a Don Esteban, Arguedas almejava, numa tentativa de

purificação, devolver ao mundo o carvão de seus pulmões. Também como a opção adotada

por Maxwell, o romancista assume todas as pátrias encontradas no Peru, na tentativa de

cumprir o desígnio da universalidade. Seu objetivo seria a validez universal da especificidade

nacional, através de um processo de ampliação do mundo representado. É a identificação do

nacional com o universal.

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3.3 Chimbote e o choque da migração

O crítico literário Rodrigo Montoya, em seu ensaio Visiones del Peru en la obra de

Arguedas (1991), afirma que Arguedas é uma metáfora para imaginar um mundo de todas as

línguas e culturas florescendo em um mesmo solo. Um homem que levou o Peru a ver a si

mesmo. Sua convivência entre duas culturas permitiu- lhe interpretar a realidade como poucos,

alimentando sua obra com a problemática de vários ícones sociais, como o índio e o mestiço.

Arguedas, que se definia como antropólogo, afirmava que arte e antropologia eram

inseparáveis.

Em seu livro Los Universos Narrativos de José María Arguedas (1997), o crítico

peruano Antonio Cornejo Polar propõe um outro olhar sobre a narrativa arguediana: não só a

vê como a gesta do índio e do mestiço, mas também como a gesta do migrante. De acordo

com Cornejo Polar, a mestiçagem seria insuficiente para explicar as "oscilaciones y

multivalencias" da obra de Arguedas. Sugere então a perspectiva da migração como uma das

possíveis estratégias de leitura, principalmente de seu último romance, El zorro de arriba y el

zorro de abajo:

Ciertamente la condición de migrante no desplaza a las categorías étnicas de indio o mestizo, pero de alguna manera puede englobarlas, como a otras, en términos de un proceso tanto individual como colectivo, dentro de un imprevisible proceso que sitúa al movimiento, y por consiguiente a la historia y su encabritada fluencia, en un primer plano. (CORNEJO POLAR, 1997, p. 271.)

Desde Escribir en el aire (1994), o pensamento de Cornejo passeia pelo campo da

migração, relacionando-o com a obra de Arguedas. Este trabalho é mais enfatizado em seus

dois ensaios: Condición migrante e intertextualidad multicultural: el caso de Arguedas

(1995) e Una heterogeneidad no dialética: sujeto y discurso migrantes en el Perú moderno

(1997). Neste último, Cornejo Polar explica que o discurso do migrante é descentrado porque

não se apóia em um só eixo cultural, convertendo-se em um discurso contraditório: desarraigo

por um lado e triunfo por outro.

Transculturación masiva o mestizaje universalizado se podría decir, y con razón, pero sucede que el migrante nunca deja de serlo del todo, aunque se instale definitivamente en un espacio y lo modifique a su imagen y semejanza, porque simpre tendrá detrás su experiencia fundante y una casi impertubable capacidad para referir la existencia - la suya y la de sus nuevos prójimos – en relación y de acuerdo a la índole de las estaciones y de las fronteras que hubo de conocer para

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instalarse – precariamente o no – en un lugar que probablemente lo fascina tanto como lo aterra. (CORNEJO POLAR, 1997, p. 279.)

Pode-se dizer que o romance póstumo de José María Arguedas, El zorro de arriba y el

zorro de abajo, é um romance da migração, produto de suas vivências pessoais e

representação dos problemas da realidade nacional peruana, no qual proclama a igualdade de

raças e sangues para construir sociedades multiculturais. Arguedas toma Los zorros

mitológicos da narração do manuscrito quéchua recolhido na província de Huarochirí pelo

sacerdote Francisco de Ávila no final do século XVI, manuscrito que traduziu e publicou com

o nome de Dioses y hombres de Huarochirí em 1966. Estes zorros míticos aparecem no

romance como zorros e também têm a faculdade de converter-se em personagens da narração:

José María Arguedas es, por excelencia, el poeta quechua de la reconquista utópica andina. Reinterpretando viejos mitos andinos y, paralelamente, reelaborando la estructura mítica de los himnos católicos quechuas – cantos corales que traducen toda la fuerza de la religiosidad indígena – Arguedas ha creado una nueva poética quechua del migrante, una poética donde el poema se presenta como himno y como manifiesto a la vez. (NORIEGA, 1996, p. 330.)

Percebemos então que muitos dos escritos de Arguedas estabelecem relação com a

realidade do Peru, e que alguns personagens têm uma grande semelhança com a vida do

próprio autor. Portanto, a narração de Los Zorros não remete só à crise depressiva que leva o

escritor à impotência criativa e à morte, mas tem também suas raízes na crise cultural e social

pela qual passava o país. Em uma região com duas línguas e culturas diferentes, a migração

possui um sentido muito mais acentuado: “[…] un gran pueblo, oprimido por el desprecio

social, la dominación política y la explotación económica […] se había convertido en una

nación acorralada […]” (ARGUEDAS, 1976, p.431)

A narração de Los Zorros começa com uma partida, com uma viagem, sinalizando

uma nova etapa, a da migração:

Chaucato partió en su bolichera “Sansón I” , llevando de tripulantes a sus diez pescadores, entre ellos al maricón el Mudo, y como suplementario, a prueba , a un violinista de la boite de copetineras “El gato negro”. ( LOS ZORROS, p.25 )

Pessoas de condições sociais e procedências geográficas variadas, mas, a maior parte é

de serranos que acabam de chegar a Chimbote no final dos anos 1960, no momento do boom

da indústria pesqueira.

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…siguen bajando a buscar trabajo a Chimbote; también vienen de la selva, atravesando trochas y montes, ríos callados de tan caudalosos. Del Cuzco y Arequipa, ciudades grandes, antigüísimas, ya no vienen indios sino mestizos obrelires, comerciantes; y más aún de Huacho. De Chiclayo, de Pacasmayo, de toda la costa. (LOS ZORROS, p. 88)

Este sistema produtivo (a pesca marítima e a indústria da farinha de peixe) implica não

só num violento e traumático câmbio de valores, mas em um processo acelerado de adaptação

do migrante, o ingresso avassalador na modernidade que se instala num tranqüilo e pacífico

porto pesqueiro sob a espécie de uma enorme indústria, que atrai os povos dos Andes e os

obriga a participar de um novo sistema produtivo.

A prosperidade repentina encheu o porto de construções e negócios, mas também de

bares, bordéis e violência que, somados à pesca indiscriminada, converteram a paisagem

urbana em uma contraditória versão da modernização compulsiva. Greves, invasões de

terrenos, conflitos com a polícia, se destacavam no processo caótico e desigual do

desenvolvimento.

¿Por qué siguen viniendo serranos a Chimbote? ¿Saben las fábricas están reduciendo su personal a una quinta parte? ¿Qué a la industria no le convienen seguir teniendo obreros fijos con derechos sociales y que pronto eliminarán a todos y no quedarán sino eventuales bajo el sistema de contratista general? (LOS ZORROS, p. 89)

A razão para que Chimbote se tornasse atrativa encontrava-se nas duras condições de

vida que os serranos experimentavam em suas comunidades ou nas fazendas, uma relação de

servilismo, que levou ao empobrecimento grandes contingentes populacionais da serra

peruana, que não tiveram outro caminho a não ser escapar através das correntes migratórias.

La gente “homilde”, como se llaman a sí mismos, bajó de la sierra a cascadas, porque en la sierra, ¡yo lo he visto!, los hacendados grandes y chicos se mean en la boca y en la conciencia de os índios... (LOS ZORROS, p. 91)

A migração é vista como uma alternativa de se chegar mais perto do centro político e

econômico. Porém o contingente migrante foi desproporcional e logo houve um desequilíbrio

no mercado de empregos responsável por absorver todos. A miséria se instaura e poucas são

as pessoas que controlam o dinheiro, e estão no centro do poder.

A metáfora do inseto usada por Arguedas no romance é uma primorosa

exemplificação do que acontece com os migrantes chegados a Chimbote. O animal, atraído

pela luz, é rechaçado pelo vidro violentamente. Assim é o migrante que chega ao porto,

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esperançoso com uma nova oportunidade de vida, de trabalho. Porém são recebidos pela dura

realidade de Chimbote:

El visitante observaba un bicho alado que zumbaba sobre el vidrio de la lámpara; el cuerpo del bicho parecía acorazado y azulino, se golpeaba a muerte contra el vidrio; era rechazado como un rayo y volvía. [...] el visitante se levantó; alzó un pie, dio una vuelta bajo la lámpara, pescó de una manotazo al bicho volador que seguía atacando la luz; lo pescó como un rayo en la fría luna, lo mordió y puso el cadáver sobre el escritorio de don Ángel. - Y así, asicito como este bicho, los serranos de todos los pueblos de las montañas andinas, ¿no es cierto?, siguen bajando a buscar trabajo a Chimbote; también vienen de la selva, atravesando trochas y montes, ríos (LOS ZORROS, p. 85-86; 88)

A realidade chimbotana rompe com o sonho de realização humana dos serranos,

levando-os a fazer parte de um grupo de vítimas que está submetido, uma vez mais, a todo

tipo de exploração. Passam por uma mudança, configura-se- lhes uma nova identidade.

Constrói-se, então, um processo de autonegação, devido aos deslumbres advindos da nova

situação econômica, que não seria possível na serra, e, com isso, aniquilam-se. É um mundo

novo para os que chegam, mas um mundo que já existia e que era controlado por poucos, que

buscavam de alguma forma receber de volta o dinheiro dos pagamentos feitos a estes

migrantes. Como exemplos destes que ocupavam o centro do poder, destacamos o império de

Braschis, que utiliza os bordéis e as cantinas como estratégia para absorver o capital, e de

alguma forma colaborar para derrocada moral destes indivíduos:

A los pobrecitos serranos les haremos enseñar a nadar, a pescar. Les pagaremos unos cientos y hasta miles de soles y ¡carajete! Como no saben tener tanta plata, también les haremos gastar en borracheras y después en putas y también en hacer sus casitas propias que tanto adoran estos pobrecitos. (LOS ZORROS, p. 92). Pero la “mafia” hizo gastar a los pescadores en su debido tiempo: cebó sus apetitos de machos brutos. Con buenos trucos los hizo derrochar todo lo que ganaban; los mantuvo en conserva de delincuencia, y esa mancha no se lava fácil. (LOS ZORROS, p. 96).

Com uma ocupação importante tanto para economia quanto para o ócio de Chimbote,

o prostíbulo possui uma divisão em seus setores: o branco, o rosado e o coral, que sinalizam a

desigualdade e a injustiça. O primeiro é dedicado aos “patrones de la lancha”, o outro aos

pescadores e comerciantes e o último aos negros, índios e mestiços. Até mesmo o ambiente e

as prostitutas obedeciam a esta divisão:

El pabellón blanco no tenía patio ni árbol. Los cuartos daban a callejones más ancho, de piso de cemento, alumbrados con tubos de luz neón blancos. Angostos

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pasadizos, que estaban en sombra, comunicaban los callejones y también allí había cuartos, los más pequeños, de las remeras más baratas. El salón de baile quedaba en uno de los extremos de los vericuetos; tenía la apariencia de un gran depósito o de una pequeña iglesia. Olía a ruda. Las prostitutas no se vestían de tul para mostrar-se en la puerta de los cuartos como del “Rosado”; se exhibían con medio cuerpo calato. El olor de los urinarios se mezclaba con el de la ruda en el piso y en las paredes, y como los callejones eran anchos y parecían menos concurridos que el angosto y de luz rojiza del pabellón rosado. (LOS ZORROS, p. 37) El “corral” malamente alumbrado por dos focos altísimos, atornillados en la punta de un poste de madera sin cepillar, algo retorcido, recibía directamente el olor de las fábricas y del mar. Se alzaba la arena con el viento, atoraba un poco las narices de los visitantes. La mayor parte de esos clientes venía a pie desde la carretera, y muchos venían a ver. No tenían dinero. (LOS ZORROS, p. 41)

O setor rosado tinha um ambiente iluminado e perfumado, preenchido por belas e

sedutoras mulheres. Já o setor branco pertencia a mulheres não tão belas e não era tão

perfumado e espaçoso como o primeiro. Por sua vez o corral cheirava mal, era o lugar das

“remeras cholas” que ofereciam sua “zorra” em troca de qualquer oferta, até mesmo em troca

de uma dança, pois desta forma se sentiam valorizadas como seres humanos. Essa divisão é

um reflexo que surge entre as personagens, como conseqüência da discriminação dos

imigrantes serranos na costa.

Os personagens deixam de ser aqueles que sofrem a ação para tentar começar a

construir sua própria história, uma tentativa de se tornarem agentes de suas próprias vidas.

Asto, como os outros personagens similares, representa os índios que deixaram a serra rumo à

costa, todos esperançosos com a promessa de riqueza, de melhores condições de vida, fugindo

da miséria serrana e de sua condição inumana. Eles se deparam com uma nova realidade, um

novo sistema sociocultural ao qual devem adequar-se.

Ao deixar o povo de origem e seguir rumo à cidade, o indivíduo se lança em um

caminho que, além de levá-lo a um ponto desconhecido, leva-o também a experimentar um

contínuo processo de perda, de esvaziamento de sua cultura. Essa falta de coesão social

provoca a derrocada moral do indivíduo e pode, até, acarretar o seu fim abrupto.

As músicas e danças folclóricas, fatores que poderiam fortalecer a identidade

fragmentada do sujeito imigrante, ficam em episódios isolados. Isto é produzido por um

sujeito essencial coletivo, que realiza suas ações não como indivíduo único e sim como grupo.

Como a dança executada por Don Diego no escritório de Cardozo:

-¡Toca, Max! ¡Esta casa es del Dios del triunfo, de la esperanza! ¡Toca, Max! Hutchinson hierve más que tu y que los mares de los mares...

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Maxwell había abierto en un instante el estuche, antes de que Cardozo terminara de hablar. Las cuerdas de alambre brillaron; luz de acero, azul. Rasgó la danza de Capachica. El mensajero empezó a emplumarse de la cabeza, como pavo real o picaflor de gran sombra. Retrocedieron todos hacia las paredes. Diego comenzó a hacer vibras sus piernas abiertas y dobladas en desigual ángulo; las hizo vibrar a más velocidad que toda cuerda que el hombre ha ensangrentado y ardido, luego dio una voltereta en el aire e hizo balancearse a la lámpara, le dio sonido de agua, voz de patos de altura, de los penachos de totora que resisten gimiendo la fuerza del viento. - ¡Yo nunca jamás hey tenido esperanza! – se oyó la voz de Ramírez - Sólo he andado fuerte. Último tiempo, con Max del brazo trabajo rendimiento. Esperanza verdadera, ¿dónde está? ¡Baila, joven! (LOS ZORROS 239)

A música e a dança tocam profundamente o coração do índio, produz entusiasmo

exaltação, ousadia e muitas vezes expressa fúria e desesperação. A rejeição destas

características simboliza a perda da identidade, da memória, se converte em violenta

submissão. É possível comprovar este exemplo com a citação de Raúl Bueno em seu ensaio

Heterogeneidad migrante y crisis del modelo radial de cultura:

Desde esta perspectiva, la migración masiva del hacer, en que el cuerpo masivo termina por urdir un lenguaje enérgico y desafiante (que, claro, induce las acciones represivas de quienes se sienten cercados, amenazados y desterritorializados por ese significativo hacer). (MORAÑA, 1998 apud BUENO, p.255)

O sujeito leva consigo suas características até a costa, ou seja, desloca junto com ele

toda heterogeneidade que o circunda. Há uma abundância de culturas e formas de

transculturação, um paradoxo entre a ocidentalização oferecida pela modernidade e a

resistência ocasionada por suas origens.

A realidade de Chimbote não é homogênea, mas o lugar onde os diversos tipos

humanos e sociais se confrontam. Logo surgem novos discursos dentro desse cenário

conflituoso, onde indivíduos de distinta condição social, cultural, idioma e precedência

geográfica, expressam desde imagens bíb licas e sintaxe derivadas do quechua. Podemos citar

como exemplo a luta obstinada pela sobrevivência de Esteban de la Cruz, e também os

discursos repletos de metáforas sexuais como os dos crioulos, passando pelo discurso dos

sacerdotes ianques. Uma verdadeira pluralidade de discursos. Por isso, os instrumentos

habituais do conhecimento ocidental, como a língua castelhana e a escritura, se revelam

muitas vezes ineficazes para expressar esse turbilhão. Destacamos o diálogo dos migrantes

Don Esteban e o louco Moncada:

- Cierto- dijo Don Esteban […] Quizás el evangélico de Chimbote es…, ¿cómo ostí dice? ¿Desabridosos?

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- Desabrido - Eso mismo, en quichua, más seguro dice qaima , hace conocer a profeta Esaías. (LOS ZORROS P. 153)

Por conviver com culturas diferentes, as obras do peruano tinham o bilingüismo como

uma de suas características vivas. Tanto os personagens que descem a serra como os que vem

dos Estados Unidos, ao chegar em Chimbote, se vêem afetados pelo problema da

comunicação. O escritor lança mão das riquezas da linguagem falada na costa, elaborando um

dialeto literário evocando o caos lingüístico deste povo. Esta é uma característica da obra

arguediana, essa tentativa de conciliação de dois mundos opostos que representam não

somente duas culturas diferentes, mas também duas classes sociais antagônicas.

No exemplo em questão, destacamos a introdução de um intertexto bíblico em fonética

quéchuizada – Esaías por Isaías, a situação lingüística se dramatiza porque sua seqüência está

estritamente vinculada com a mensagem de uma nova religião. É importante frixar também a

afirmação de que seria mais pertinente a utilização de “desabridoso” ainda que saiba que

“desabrido” é a forma correta, e por sua vez subestimar ambas pelo quéchua “qaima”, que

para tanto expressaria melhor o que queria dizer.

Arguedas utilizou e defendeu o quéchua tal como o utilizava a população. Ele dizia

que era praticamente impossível expressar em espanhol o que havia aprendido em quéchua,

como os sentimentos – amor e ódio, e suas relações com a paisagem andina.

Assim Arguedas convoca outras fontes para tentar representar e compreender a

realidade multiforme de Chimbote, como ações revestidas de símbolos religiosos e

patrióticos. Sua entrada no "mundo de abajo", no mundo costenho, representa o mesmo trajeto

de milhares de homens e mulheres que rumaram da serra a cidade. Mas o próprio autor

afirmava não conhecer bem Chimbote:

El segundo capítulo lo escribí, arrebatado, sin conocer bien Chimbote ni conocer como es debido ninguna otra cuidad de ninguna otra parte. A través siplemente del temor y la alegría ni se puede conoce bien las cosas (LOS ZORROS, p.80)

Chimbote impressionava e entusiasmava muito Arguedas, mas ele não a compreendia.

Como os personagens que são lançados ao mar e aprendem a nadar, o escritor peruano terá

que decifrar Chimbote e seus signos.

A imagem de Chimbote é de caos, múltipla concentração de diferentes tipos humanos

que se relacionam com o porto. É o lugar de choque, de ebulição constante, como denominava

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o próprio autor. O personagem Don Ángel Ricón em uma conversa com seu ilustre visitante

Don Diego, usa o vocábulo quéchua lloqlla, para definir Chimbote:

- ¿Usted sabe lo que es una lloqlla? - La avalancha de agua, de tierra, raíces de árboles, perros muertos, de piedra que bajan bataneando debajo de la corriente cuando los ríos se cargan con las primeras lluvias en estas bestias montañas. - Así es Chimbote, oiga usted; y nadie nos conocemos. (LOS ZORROS, p.87)

O cenário que retrata fidedignamente esta realidade desordenada é o do mercado:

El mercado se extendía de la reja hacia arriba, em dirección de las montañas, por toda la ancha calle Buenos Aires. La línea del ferrocarril partía en dos la calle y el mercado. A un lado quedaba el suelo donde se vendían animales vivos, granos, verduras, alfalfa; centenares de puestos. En la otra orilla, las barracas de esteras, un hormiguero de puestos “privilegiados” con mostradores que daban a la línea. La línea del ferrocarril era calle activa del mercado y sobre los rieles había puestos de vendedores de limones, flores, lechugas, jaulitasde cuyes, pequeños cajones de cartón llenos de pollos vivos. Decenas de restaurantes se cobijaban en el laberinto techado. Allí tomaban el almuerzo-desauyno miles de gentes. Cerca del mediodía chillaban de contento, se atrevían a salir algunas ratas; perros mostrencos las perseguían gimiendo, alborotados. No las cazaban jamás; agitando el rabo, echados, los perros olían huecos, las grietas del suelo. Los compradores se empujaban en los pasadizos; los dueños de los comedores les retorcían el pescuezo a las gallinas, haciéndolas girar en el aire, mientras charlaban. A excremento, a frutas, a sudor, a yerbas medicinales, olían la parte techada del mercado. Alcatraces tristes sobrevolaban en el aire, pajareando sueltos, o miraban, con los picos colgantes, desde los techos bajos de las casas y ramadas. Alguna, alguna mujer les arrojaba tripas de pescado o desperdicio de chancho de mar. Si bajaban, los agarraban a patadas, los perseguían a trapazos, a palos; los perros se banqueteaban con ellos. (LOS ZORROS, p. 58)

A dura miséria impediu a realização do ideal de harmonia social que Arguedas

sonhava – os imigrantes assumiram como própria, mas à sua maneira, uma modernidade já

existente. É possível afirmar que aconteceu transculturação, ressaltando que o imigrante

nunca deixará completamente de ser o que é mesmo se instalando num espaço que o

modifique, o porto no caso do romance, mas sempre terá sua experiência fundante.

À medida que pensamos que o boom da fabricação da farinha atraiu uma avalanche

humana até Chimbote, podemos comprovar que a metáfora usada por Don Ángel não é só

uma comparação inusitada. Negros, zambos, mestiços e índios procuram encontrar-se dentro

desta nova realidade que os rodeia. A mescla de culturas, de classes e tipos sociais fazem de

Chimbote um verdadeiro caos, um lugar cheio de contradições.

A baía também é comparada ao órgão sexual feminino de uma prostituta, pois tanto

uma como outra são vítimas do capitalismo, são usadas, tiram tudo que elas podem oferecer

todo seu proveito e benefício. Elas são desnudadas e exploradas: “Esa es la gran “zorra”

70

ahora, mar de Chimbote (…). Era un espejo, ahora es la puta más generosa “zorra” que huele

a podrido”. (LOS ZORROS, p.41). Como a prostituta, com sua “zorra”, vê o sexo como

simbologia do que devora e perverte, a costa também vê na exploração do sistema capitalista

esta mesma alegoria. Através da “zorra” é possível explicar Chimbote, que por sua vez tem

sua configuração geográfica em forma de concha, e “concha” é o termo utilizado pelo falar

popular peruano para designar o sexo feminino. A prostituta, que tem seu corpo como

instrumento de trabalho, também é explorada como o porto, que vê sua natureza assolada pelo

sistema. O prostíbulo tem um espaço importante dentro do porto; e tanto num como no outro

circulam os mais diversos tipos humanos, são lugares de trânsito cultura e ambos têm suas

hierarquias.

Arguedas afirma que o desenvolvimento industrial capitalista do porto, onde se

desenvolve a trama da romance, é uma espécie de maldição. Porque seu crescimento se dá à

custa de danos irreparáveis, de destruir as tradições e os idiomas dos povos andinos. O que

significará, no futuro, inevitavelmente, uma maior degradação e degeneração da cidade e de

seus habitantes, especialmente dos índios migrantes:

La fetidez del mar desplazaba el olor denso del humo de las calderas..El olor de los desperdicios, de la sangre, de las pequeñas extrañas pisoteadas...y el olor del agua que borbotaba de las fabricas a la playa hacia brotar de la arena gusanos gelatinosos, esa fetidez a ras del suelo y elevándose (LOS ZORROS, p. 50)

O escritor propõe a construção de uma escrita hermenêutica social que origina a

conversão de um modesto porto pesqueiro no maior do mundo, mas que convivia com a

desigualdade, com a pobreza. Uma massiva migração de personagens das mais variadas

procedências geográficas e diversidade cultural é o que ocasiona esta mudança e uma

explosão demográfica. Um verdadeiro fervor multiétnico e plurisocial: empresários,

sacerdotes, políticos, artesão, prostitutas, operários, profissionais fracassados à margem da

miséria além da gente andina que escolheu enfrentar o mar e a nova estrutura social que

seguir a submissão. Todos dispostos a subir e conseguir riqueza, mesmo que fosse necessário

romper limites.

A questão da migração aparece com evidência tanto no relato romanesco quanto no

talante andarilho dos animais que dão título ao romance. Até os diários revelam a condição

migrante do próprio autor. Seus traumáticos deslocamentos da fazenda, onde sofreu muito, a

pobres comunidades quéchuas que o acolheram com afeto. Já durante a vida adulta segue o

seu vagar por dezenas de povoados e cidades andinas. O próprio Arguedas se autodefiniu

71

como forasteiro permanente, considerando como experiência desassossegante o fato de ser

homem de vários mundos e ao mesmo tempo de nenhum. (CORNEJO POLAR, 2000, p.129).

Depois de Los Zorros, no qual a marca da migração é evidente, torna-se possível ler

toda a obra arguediana com uma nova perspectiva – a da migração. Muitos de seus textos

aludem ao assunto. Podemos, portanto, definir a sua produção como a gesta do migrante,

mesmo levando-se em conta que o migrante não deixaria de ser migrante por completo, ainda

que se instalasse num determinado espaço e modificasse a sua imagem, levaria consigo suas

experiências.

72

4.0 ESCREVER PARA NÃO MORRER

Nas primeiras páginas do romance, em seu primeiro diário, Arguedas anunciava o

propósito de se matar. Porém, adverte que a escritura do romance poderia permitir- lhe mudar

de opinião, ao fazê- lo recuperar a vontade de viver e de avançar em seu projeto. Além disso

narra a luta para se afastar do mal-estar recorrente, suas viagens entre Lima, Santiago de Chile

e Chimbote e a transição entre a apatia e a escritura, entre os diários e o romance.

Na tentativa de recuperar a sanidade, Arguedas segue a recomendação de sua

psiquiatra Dra. Hoffmane, que era a de escrever seu romance sobre Chimbote como um

exercício terapêutico. Mas, o ato de escrever não deveria ser somente a construção de uma

representação de Chimbote e de sua heterogeneidade peruana e sim, o que é mais audacioso,

reconstruir um espaço narrativo onde a ficção transferisse o mal-estar do autor ao narrador,

operando, desse modo, uma articulação simbólica vital entre a vontade de morrer do autor e a

necessidade de viver do narrador. Vida e morte se mesclam em vários planos e estão

entregues à sorte do autor, cedendo lugar às palavras e ao silêncio.

Sua inquietação com a situação econômico-social do porto de Chimbote é simétrica à

sua perturbação psíquica e se confunde com seus traumas de infância: “algo nos hicieron

cuando más indefensos éramos [...]” (LOS ZORROS, p.16). Numa constante luta entre o

desejo de viver e de morrer, de vencer ou ser derrotado, o escritor escreve os diários, ao

mesmo tempo em que descreve episódios de sua infância, e os complementa com o tema do

suicídio. Ele se apresenta não só nos seus diários, mas também no próprio romance, como um

personagem tão agonizante quanto o porto que utilizava como cenário de sua obra.

O romance começa com o romancista contando sobre uma de suas tentativas de

suicídio e sobre a alusão ao encontro com uma “zamba gorda” a quem é grato por recuperar,

ainda que parcialmente, sua capacidade de escrever:

En abril de 1966, hace ya algo más de dos años, intenté cuidarme. En mayo de 1944 hizo crisis una dolencia psíquica contraída en la infancia y estuve casi cinco años neutralizado para escribir. El encuentro con una zamba gorda, joven, prostituta, me devolvió eso que los médicos llaman “tono de vida”. El encuentro con aquella alegre mujer debió ser el toque sutil, complejísimo que mi cuerpo y alma necesitaban, para recuperar el roto vínculo con todas las cosas. Cuando ese vínculo se hacía intenso podía transmitir a la palabra la materia de las cosas. (LOS ZORROS, p. 07)

O personagem-escritor, para lutar com a morte, não pode deixar de escrever,

acreditando que desta forma recuperaria sua sanidade. Mas, ao mesmo tempo parece fazer

73

desse oficio a busca de diferentes maneiras de terminar com esse martírio através da morte.

Começa a escrever sobre a impossibilidade de escrever, esse é o tema que o atrai, é a situação

que o escritor vive no momento, e mescla o tema da morte com o Peru e sua gente.

O caráter incerto do suicídio (um disparo ou o enforcamento?) estende-se na escritura

dos diários oscilando entre confissões, um balanço pessoal e a esperança de um possível

leitor: “Ayer escribí cuatro páginas. Lo hago por terapéutica, pero sin dejar de pensar en que

podrán ser leídas” (LOS ZORROS, p.10). Os diários serão para Arguedas um diálogo

múltiplo, onde se encontra com diversos interlocutores, lugar de debate com seus colegas

romancistas. O eu, do relato autobiográfico, despede-se de seus amigos e leitores através de

seu diário e suas cartas, fazendo da morte algo sentido pelo ato mágico de escrever.

Arguedas sofreu com o marasmo que o impedia de escrever, período caracterizado

pela perda do “tono de vida”, e com a impossibilidade de transmitir o sentido de cada coisa

em palavras. O autor confessa que: “[...] estuve casi cinco años neutralizado para escribir [...]”

(LOS ZORROS, p.07). Em seus diários luta contra o fantasma da melancolia, que o leva ao

“ánimo casi en la nada” (LOS ZORROS, p.173), fazendo com que perdesse a imaginação.

Cornejo Polar, em Los universos narrativos de José Maria Arguedas (1997, p.262),

sinaliza que a dupla identificação da palavra com a vida e do silêncio com a morte motivam

uma corrente dialética, na qual os personagens lutam para não permanecer no silêncio, seja

através da palavra, do canto ou da dança. Em seu diário, o próprio Arguedas afirma que a

palavra representa o vigor do ser humano: “cuando el ánimo está cargado de todo lo que

aprendimos a través de todos nuestros sentidos, la palabra también se carga de esas matérias.

¡Y cómo vibra!” (LOS ZORROS, p. 10).

O silêncio da narração – superado pela dança dos zorros – é confundido com o silêncio

do escritor, o qual, por não estar psicologicamente bem, não consegue ordenar suas idéias. Ele

faz essa confissão em seu segundo diário: “Pero ahora no puedo empalmar el capítulo III de la

nueva novela, porque me enardece pero no entiendo a fondo lo que está pasando en Chimbote

y en el mundo”; (LOS ZORROS, p. 79).

Los zorros é um romance que tem sua escritura vinculada com o diário – no qual o

escritor se expressa em primeira pessoa, fala de si mesmo e de suas dificuldades para escrever

o romance que está escrevendo, de como ele se forma e se deforma; já em seus capítulos, o

narrador, em terceira pessoa, conta, descrevendo e inventando os personagens e suas

aventuras. Logo, a construção do livro possui uma dupla manifestação do autor.

Se o relato de Los zorros, tal como o apresenta o autor-narrador, está construído sob o

permanente assédio da morte, não será difícil coligir desta circunstância uma luta pela

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linguagem como manifestação essencial da vida. Neste sentido, as reflexões lingüísticas que

salpicam a romance sinalizam a tentativa de resolver as oposições seculares:

castelhano/quéchua, escritura/oralidade, palavra/canto, pensamento racional/pensamento

mítico que se apresentam interligados na narrativa.

A noção de palavra como um corpo vazio, que deve ser carregado para que possa

transmitir as sensações da experiência, revela uma concepção animista da linguagem: a

palavra é um ser vivo que necessita ser alimentado para que possa manter suas forças.

A interferência do substrato quéchua funciona em alguns personagens como um

estigma que dificulta a ascensão social, pois não permite a apreensão do castelhano. É o que

acontece com Asto, Don Esteban, Chaucato e muitos outros personagens, os quais, tendo

como língua nativa o quéchua, sofrem para dominar o espanhol. Não se trata de um processo

de aprendizagem propriamente dito, mas sim da legitimação do idioma; para, a partir deste

ponto, pertencer a um mundo completamente alheio.

Los personajes, como el autor, fundan su existencia en la capacidad de reconocerse y reconocer el mundo, inscribiéndose en él, a través de la palabra. Y no siempre lo consigue. […] En este grupo de personajes la relación silencio-muerte se diseña claramente, como el enlace opuesto (leguaje-vida) se percibe en el esfuerzo, a veces logrado y a veces fallido, de quienes, como Balazar, enfrentan la actividad lingüística en términos de afirmación existencial. (CORNEJO POLAR, 1997, p.264)

Essa dura batalha, de tantos personagens com o idioma, pode representar a difícil

jornada vivida paralelamente pelo autor do romance, qual seja, a busca da recuperação do ato

de escrever. No dia 20 de agosto de 1969, Arguedas confessa: “he luchado contra la muerte o

creo haber luchado contra la muerte, muy de frente, escribiendo este entrecortado y quejoso

relato”. (LOS ZORROS, p. 243). Um relato que o romancista ainda afirma ser “imagen de la

desigual pelea” (ibid), que se coloca num duelo pela vida, na tentativa de sair do fracasso.

Em textos anteriores a Los Zorros, o escritor já desenvolve uma concepção de morte.

No romance Todas las sangres, Rendón Wilka assume seu destino, e sua morte é a imagem

dos ideais pelos quais o herói se sacrificou. Em Los rios profundos a morte dos colonos

infectados pelo tifo não só fortalece os sobreviventes, mas faz com que eles transformem a

mitologia dos opressores em força para vencer a doença com a ajuda de rezas e canções.

É possível afirmar que para Arguedas a morte não é o fim, e sim renovação, mudança

da atual situação do mundo por obra e pelas mãos, em seu caso, do herói. O paradoxo da

invulnerabilidade de quem anuncia o próprio suicídio só pode ser explicado dentro do

elemento mítico da obra de Arguedas.

75

Arguedas encontra em sua morte dimensões, representações e valores transpessoais,

assim como encontrou em sua vida. Se o menino forasteiro seria a metáfora de um povo em

busca de sua identidade, e o homem maduro se assume como mostra de que é possível unir o

indígena à sociedade opressora, e deste modo alcançar a universalidade dos paradigmas

quéchuas; logo a morte por suas próprias mãos adquire uma ressonância que ultrapassa o

âmbito do individual. (CORNEJO-POLAR, 2000 p. 149). O peruano afirmava que:

... Quizá conmigo empieza a cerrarse un ciclo y a abrirse otro en el Perú y lo que él representa […] y ese país en que están todas las clases de hombres y naturalezas yo lo dejo mientras hierve con las fuerzas de tantas sustancias que se resuelven para transformarse al cabo de una lucha sangrienta de siglos que ha empezado a romper, de veras, los hierros y tinieblas con que los tenían separados, sofrenándose. Despidan en mí a un tiempo del Perú cuyas raíces estarán siempre chupando jugo de la tierra para alimentar a los que viven en nuestra patria, en la que cualquier hombre no engrilletado y embrutecido por el egoísmo puede vivir, feliz, todas las patrias. (LOS ZORROS, 245-246)

A morte pela própria mão pode ser vista como uma atitude que adquire uma

ressonância que excede o âmbito do individual. O romancista assume sua morte como signo

da transformação da sociedade peruana, o fim de um ciclo de sofrimento e opressão, a

libertação e a justiça, o e resgate dos valores que lhes eram negados.

Escritores como Alberto Moreiras sustentam que El Zorro é uma narrativa “entre a

autobiografia e a ficção, entre o pessoal e o social” (MOREIRAS, 2001.p.230). Para Cornejo

Polar:

A passagem de um estado a outro é, da perspectiva da história, mas da história pensada em termos quéchuas, um pachacuti: um cataclisma que tanto destrói um mundo como constrói outro. Incorporado a essa história mitológica, de dimensões e ressonâncias cósmicas, o suicídio de Arguedas é também parte da liquidação de um universo e fato construtivo de outro. (CORNEJO-POLAR, 2000 p. 152)

A realização de Los zorros seria um objetivo dolorosamente necessário para Arguedas,

pois ele acreditava que o ato de escrever o romance seria uma forma de purgação neurótica,

uma vez que se via como um escritor com representatividade coletiva, e cujo fato de escrever

em nome de uma complexa coletividade converteria seu suicídio em ato de significação não

só individual.

O romance se converte num documento desolador e magnífico – seu nascimento

coincide com a promessa do suicídio do autor. A primeira página anuncia a última: o autor faz

de sua morte um ato narrativo, onde a linguagem deixa de ser fictícia e é mais que

documental. Portanto, o suicídio não será apenas o fim da sua vida, mas sim o começo do

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romance, o início dessa textualidade póstuma de sua morte, assinalada como uma biografia

sumária, desgarrada do relato de sua fé em seu trabalho, em sua obra, em sua cultura. O

relato, além das evidências do mal-estar, amplia a força dialógica do projeto da obra como

mito regenerador, comunica ao registro do desamparo a lucidez e a emoção de uma certeza,

cedida ao futuro.

Ao terminar o livro, Arguedas encontra-se diante da possibilidade do suicídio como

parte de um diálogo de sacrifício e renascimento. Simbolicamente, o porto de Chimbote

converte-se numa disputa pelo sentido (humano, espiritual) do país. Trata-se de uma utopia do

discurso, das somas de plenitude, onde a morte já não seria a contradição da vida, e sim uma

parte integrante de sua potencialidade criativa. É, por isso, uma utopia capaz de recuperar para

o homem o seu espaço, que muitas vezes lhe foi negado pelo sistema capitalista, que os

comprava e os vendia como produtos, e não como seres humanos.

Estamos diante de uma linguagem, que com certa mentalidade religiosa, recorre ao

espaço infernal para converter a palavra em um possível dom reparador. Arguedas faz com

que sua morte pertença, em sentido especial, à ficção literária, assim como ocorreu com sua

infância e com seus dramas e conquistas pessoais, durante toda sua vida. E isso o próprio

Arguedas sabia, pois, humildemente, traz à luz sua impotência criativa, dispondo de sua

intimidade, no entanto articula tudo com grande maestria. E quando compreende que não

poderá concluir seu romance, com capítulos denominados pelo próprio Arguedas como

“hervores”, por serem a gesta de um processo efervescente, prepara sua publicação no estado

em que o livro se encontra. Escreve as cartas finais, e as do suicida, que são um testamento

público; prepara o manuscrito, e acredita que ainda que o romance fique inconcluso, terá valor

narrativo próprio além de um valor documental.

4.1 Mais que um testemunho pessoal, um romance dentro do outro.

A primeira parte dos diários de Arguedas foi publicada antes mesmo da publicação do

romance, e quando posteriormente publicou- lhes integralmente, vieram a público divididos

em quatro partes dentro do próprio livro: primeiro, segundo, terceiro e o ¿último diário?

Podemos afirmar que existem dois enfoques diferentes nos diários: um possui uma relativa

77

unidade e está presente nas três primeiras partes; e um outro é aquele que se relaciona com o

romance e seu desenvolvimento.

Muitas vezes, aos diários foi atribuído um interesse apenas documental, como se

fossem nada mais do que uma mera radiografia da neurose que afetava o escritor. Não

desconsiderando o fato de eles retratarem suas reais dificuldades psíquicas, é importante

ressaltar também sua importância como texto literário, pois, a tecitura dos diários é a mesma

empregada na narrativa literária, a qua l Arguedas manejava conscientemente.

É importante analisar estes textos sob o prisma literário, ou seja, com relação a sua

lógica interna e sua ligação com o romance, não deixando, porém, de atentar para sua

irregularidade temporal, característica aparente dos diários. Sua irregularidade difere da

característica principal do que seria um diário, já que a definição desta narrativa tem por

característica principal o ritmo diário da escrita, limitando, muitas vezes, a expressar o

cotidiano. O ritmo dos diários de Arguedas expressa a impossibilidade de escritura do

romance, e em diversos momentos funciona como impulso para a realização deste. É o lugar

onde o autor reflete sobre a narrativa e os problemas para concluí- la.

Em diferentes momentos as passagens dos diários mostram que a voz do narrador é

algo mais que individual, por reivindicar uma representatividade coletiva. E esta voz coletiva

ameniza a neurose expressa nos diários, já que ela assume a responsabilidade de representar a

coletividade através do texto.

Uma série de elementos textuais confirma essa coletividade. Podemos destacar como

exemplo a transcrição de símbolos significativos do pensamento andino. Estes símbolos

geralmente fazem alusão a seres ou objetos da natureza, e o narrador utiliza,

preferencialmente, os nomes em quéchua, considerando que uma tradução não abarcaria todo

o seu significado. Analisaremos alguns desses:

• El ima sapra10: uma planta que abunda nas regiões importantes durante a infância de

Arguedas. É citada tanto no diário de 17 de maio de 1968 (LOS ZORROS, p. 20-23) como no

¿último diário? (ibid, p. 243-247) Trata-se de um símbolo tanto positivo como negativo, pois

em sua primeira aparição na obra ajuda a espantar os animais durante a iniciação sexual do

narrador dos diários; já no final da obra é o responsável por uma cerração que causa o suicídio

da prostitua Órfã.

10 El ima sapra : Bromeliácea. Planta parasitária musgosa de cor cinza esverdeado que se pendura nas árvores; usada na farmácia popular andina. Seu nome significa “barbuda”, em alusão ao seu aspecto visual; em espanhol “salvajina”.

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• Yawar mayu11 (el río de sangre): depois de Los ríos profundos e Todas las sangres, yawar

mayu aparece agora no segundo diário, “el río sangriento, que así llamamos en quechua al

primer repunte de los ríos que cargan los jugos formados en las cumbres y abismos por los

insectos, el sol, la luna y la música.” (LOS ZORROS, p. 79). Arguedas a utiliza para fazer

alusão às suas obras anteriores, onde alcançara vitórias sobre a escritura, ou seja, ao conseguir

transformar o mundo andino em escritura. O rio de sangue encarna a essência do mundo

andino, numa ótica mágico-poética; o conflito, a violência da luta e sua capacidade de

resistência que o caracteriza.

• El pino de Arequipa: de todos os símbolos destacados nos diários, este é o que apresenta

maior destaque. É numa parte do terceiro diário (LOS ZORROS, p. 175-176) que

encontramos a evocação literária de um pinheiro, em Arequipa, de cento e vinte e cinco

metros, que “lo hacen aparecer como un ser que palpa el aire del mundo con sus millares de

cortes. [...] sabe de cuanto hay debajo de la tierra y en los cielos ”. É dentro de uma tradição

antiga e animista, de relações entre os seres e os objetos da natureza, que se situa o diálogo

travado entre o pinheiro e o narrador. Ele afirma que “ese pino llegó a ser mi mejor amigo [...]

Era para mí algo sumamente entrañable y a la vez de otra jerarquía”. O pinheiro emite um

canto capaz de transmitir os conhecimentos que possui, uma música “tan intensa y

transparente de sabiduría, de amor, así tan oníricamente penetrante, de la materia de que todos

estamos hechos y que al contacto de esta sombra se inquieta con punzante regocijo, con

totalidad”. Toda esta inspiração seria convertida em palavra e transmitida no momento da

escritura do romance. Porém, o autor não rogou pela proteção desta árvore, representação de

um ser superior, privilegiado e digno de respeito, que se vê dotado do poder de proteger o

homem que o peça: “Pero no le pedí que me transmitiera sus fuerzas, el poder que se siente al

mirar su tronco desde cerca. No se lo pedí.”

Ao se afastar do pinheiro e regressar à sua vida rotineira, o narrador volta à apatia e,

desta forma, não encontra forças para concluir o terceiro capítulo: "cuando llegué a él, yo

estaba lleno de energía, y ahora estoy abatidísimo; sin poder escribir la parte más intricada de

mi novelita”. Com o objetivo de recuperar a vontade de escrever, recorda-se do pinheiro, na

esperança de retomar seu trabalho através desta relação mágica com a natureza.

Será nesses espaços textuais que confluirão a cultura andina, a infância de Arguedas e

a ebulição de sua obra. “La lucha del narrador contra la muerte y por la producción novelesca

11 Yawar mayu: Rio de sangue. Expressão metafórica que se refere aos rios turbulentos e argilosos nos períodos de chuva. Ritmo musical que se toca em certas batalhas rituais.

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es la que cristaliza los impulsos venidos de tales “horizontes”, constituidos por experiencias

antiguas y modernas, individuales y colectivas.” (LIENHARD, 1981, p. 61).

A escritura dos diários funciona como uma caldeira onde os elementos supracitados

fundem-se e se transformam sob a égide do pensamento original de seu criador. As pautas

deste pensamento “obedecen a unos mecanismos suficientemente colectivos para volverse

significativas e inteligibles: quizás no a partir de la lógica occidental [...] pero sí, sin duda,

desde la perspectiva de una cosmovisión “transculturada”, tendencialmente mayoritaria en un

país como el Perú.” (ibid). É com uma escritura transculturada, adequada a expressão dos

conflitos dos países em desenvolvimento que Arguedas cumpre com a tarefa de produzir uma

literatura contemporânea.

La literatura “transculturada”, de acceso difícil por su constitución contradictoria, se opone voluntaria o involuntariamente a una literatura hecha en países culturalmente menos heterogéneos o por escritores que apelan directamente a un público ya existente de “lectores de novelas hispánicas (o latinoamericanas) modernas”, y que renuncian a asociar, de alguna manera, a las mayorías de sus países respectivos. Fuera de América Latina, la oposición entre estas dos tendencias aparece con gran nitidez: incluso los mayores escritores “transculturados” (Arguedas, Rulfo, Roa Bastos, etc.) no alcanzan sino una difusión muy limitada en comparación con la del otro grupo. Este, en realidad, no es homogéneo, pese a las apariencias: en cuanto al modo de relacionar su escritura con el medio de sus países de origen, Cortázar (escritor de un país “occidental”) y Vargas Llosa (novelista de un país “transculturado”) adoptan actitudes divergentes. (ibid. p. 62)

Arguedas refere-se aos escritos de outros romancistas latino-americanos

contemporâneos, com os quais o autor parece querer ajustar contas, e ao se posicionar como

principal interlocutor, é- lhe permitido dialogar, fazer confidências e conduzir o debate. Critica

o grupo de “los cortázares”, que seriam aqueles escritores de técnica vanguardista, de

preocupações comerciais excessivas, cosmopolitas, arrogantes e urbanos, tanto em suas

origens como em suas vivências.

Arguedas escreve dentro de uma perspectiva confessional, um balanço de simpatias e

diferenças, expondo seu mais alto e seu menor grau de identificação com os outros

romancistas e artistas que conheceu. Estas páginas levaram-no a uma polêmica com Julio

Cortázar, a quem o peruano teve tempo de responder em seu penúltimo diário de los Zorros.

Tratava-se de um mal-entendido, que posteriormente também foi reconhecido por Cortázar.

Se entendermos os diários de Arguedas como gênero literário discursivo, não

poderemos classificar os “diários” do romance como autobiográfia. Em um diário o autor

presta conta de sua vida dia a dia, e a enumeração que é feita refere-se a um passado imediato,

80

geralmente o que aconteceu no dia em que escreve. Ou seja, em um diário não seria possível

escrever coisas de um passado muito distante, e também não seria possível, em tese, falar do

futuro. Em um diário geralmente fala-se de si mesmo. Quanto aos diários de Arguedas,

apresenta características diametralmente contrárias ao que foi exposto.

O autor fala do momento em que escreve os diários, fala também de fatos ocorridos

num passado distante, e muitas vezes se projeta ao futuro. No primeiro diário do dia 11 de

mayo dice: “ayer escribí cuatro páginas, lo hago por terapéutica, pero sin dejar de pensar en

que puedan ser leídos”.(LOS ZORROS, p. 10). Esse é só um exemplo das tantas vezes nas

quais Arguedas refere-se à possibilidade de ver os diários publicados. No jornal peruano El

Comercio de 1 de junho 1968, se refere ao “Primer diario” como um “capítulo sui generis de

la novela que estoy escribiendo”.

Com isto fica claro que Arguedas planejava estes diários como ficção, e não como

autobiografia. Ele os corrige, relê, ordena e seleciona e constantemente o narrador escreve:

“voy a releer”; este método de escritura pode ser percebido com mais freqüência no “¿Último

diario?”, quando ainda agrega entre parêntesis “(trozos seleccionados y corregidos en Lima el

28 de octubre)” (LOS ZORROS, p. 243). Porém, a data do primeiro fragmento desse diário é

do dia 20 de agosto de 1969. O autor corrigiu seu diário depois de dois meses de escrito.

Desta forma podemos afirmar que Arguedas corrigia criteriosamente seus diários porque para

ele não eram simples diários, o poeta não imaginou esses como uma autobiografia, e sim

como ficção.

Mas é importante considerar o fato de que Arguedas não colocou um nome no

narrador dos diários, de modo que é difícil definir o Eu no texto. O que condiciona a leitura

dos diários como autobiografia foi a proposta dos editores de agregarem no epílogo uma carta

dirigida ao editor argentino Gonzalo Losada, uma carta ao reitor da Universidade Agrária e

algumas notas, que estão assinadas por Arguedas, mas que não estavam incluídas no plano do

romance.

Este epílogo contribuiu para o caráter autobiográfico dos diários, e leva alguns

escritores como Vargas Llosa a afirmar que os textos são assinados por Arguedas e que o

escritor suicidou-se assim que terminou de escrever as últimas páginas de seu romance. Mas

Arguedas pára de escrever seu romance de julho de 1969, conforme deixou expresso em carta

ao seu irmão escrita em Valparaíso e datada em 18 de agosto de 1969: “te escribo porque muy

pronto estaré con Uds., yo algo más de seis semanas que no escribo”. A última coisa escrita

foi uma nota antes de disparar um tiro contra si, onde expõe o porquê escolheu esse dia para

suicidar se. Esta nota está assinada pelo autor:

81

[28 de noviembre de 1969] Elijo este día porque no perturbará tanto la marcha de Universidad. Creo que la matrícula habrá concluido. A los amigos y autoridades acaso les hago perder el sábado y domingo, pero es de ellos y no de la U. (LOS ZORROS, p.255)

Os diários, mais que descrever a possibilidade de recuperar a vida pelo ato de escrever,

podem ser entendidos como um romance dentro de outro romance. Eles não são apenas

comentários do próprio romance, muito menos a narração da vida do autor, pautada pela

presença constante da morte e preenchida com o silêncio. Os diários inauguram, interrompem

e finalizam o romance. A tensão e a emoção dos diários surgem do paradoxal desejo pela vida

e pela morte. Um destino que pareceu rumar para a aniquilação desde as suas origens.

4.2 - O silêncio em Los zorros

Este subcapítulo pretende analisar a presença do silêncio no interior do conflito da

obra póstuma do peruano José María Arguedas. Neste âmbito, Los Zorros situa-se no ponto

convergente entre o silêncio e o conflito, o que, por um lado, é o fruto da luta do autor para

sair da apatia na qual se encontrava; por outro lado parece tratar-se da busca de uma

linguagem autêntica.

A morte do narrador não leva somente à desolação frente à tragédia pessoal de

Arguedas, mas também à interpretação desse fato atroz como um signo silencioso que

permeia todo o discurso que a precede e a anuncia.

A intensidade na incorporação do silêncio é evidente nesta obra. É significativo para

este trabalho observar a noção do silêncio enfocada pela análise do discurso. Michel Foucault,

em seu livro A ordem do discurso (2006), interessado pelos procedimentos de interdição nos

discursos e seus distintos modos de funcionamento, estabelece uma divisão destes

procedimentos a partir de uma perspectiva material, ou seja, a partir da materialidade do

discurso, sua genealogia e efeitos de sentido. É importante lembrar que não implica aos

objetivos de nossa dissertação as considerações feitas por Foucault, em parte de seus estudos

82

relacionados à análise do discurso médico-psiquiátrico, e sim sua divisão e considerações

sobre o silêncio no discurso.

Segundo Foucault, o discurso é o lugar do acontecimento, seleção e ordenação da

linguagem, na medida em que a linguagem é dispersão e possibilidade aleatória. O discurso é

a articulação a partir de escolhas que se dão e se inserem na rede de linguagem produzida e

aceita socialmente sob determinados rituais. Visto que o discurso é manejado pela escolha

ordenada em meio à dispersão aleatória da linguagem, o silêncio funciona com um papel

central e constitutivo da organização da linguagem, já que os procedimentos de exclusão

atuam como controladores da linguagem armando seu plano discursivo, não como tela de

fundo e sim como matéria prima.

Para Foucault há um silêncio componente da linguagem que rege e controla a

produção dos discursos e um silêncio local que se materializa por meio da relação presença-

ausência, ou seja, toda escolha implica uma justificativa, sendo assim quando digo uma coisa

em lugar de outra, o elemento interditado segue significando em outro lugar do discurso e

produzindo efe itos de sentido.

Veremos que, na obra de Arguedas, o silêncio vai mais além ao invadir o discurso do

narrador e adotar diferentes matizes. Nosso objetivo é comprovar que o silêncio presente nos

diálogos implica interdição, resistência e é parte constitutiva da linguagem.

Há um silêncio que cruza as palavras e reconstrói o fragmento do discurso, revelando

a dupla face do silêncio-palavra por meio da presença-ausência. Por ser assim, encontramos as

fraturas do discurso representadas pela escritura fragmentada também pela reação dos

personagens cingidos, muitas vezes, aos gestos de submissão, excessiva humildade e servidão

em relação aos superiores.

Para exemplificar esse silêncio, destacamos o encontro com Maxwell, don Cecilio

Ramírez e Bazalar, dentro do escritório de Padre Cardozo:

Se pusieron de pie los tres hombres en la oficina de Cardozo cuando éste apareció en la puerta. Antes de saludar a los visitantes el cura prendió la muy potente lámpara de la oficina. Los tres visitantes parecían haber estado callados en la semioscuridad y eso mortificó a Cardozo; le causó irritación contra Maxwell que hubiera y debiera haber prendido la lámpara. (LOS ZORROS, p. 201)

Os personagens permaneceram na penumbra, no silêncio, até Padre Cardozo -

personagem hierarquicamente superior - chegar. O único que poderia romper com o silêncio,

83

ter acendido a luz e iniciar um diálogo, seria Maxwell, que diante dos outros dois

participantes é o que ocupava uma melhor posição – era membro do Cuerpo de Paz.

A relação entre palavra e desejo é indissociável da vida e da experiência vivida.

Romper o silêncio é romper as barreiras das forças da morte que imperam e o gesto

articulatório e fisiológico que implica, é uma luta entre vida e morte no interior do indivíduo.

As duas forças estão em permanente jogo de oposições e uma depende da outra para se

sobrepor ou se extinguir. E é nesta batalha que Arguedas inicia a elaboração de seu romance.

Arguedas inicia sua obra na tentativa de afastar o silêncio trazido pela morte. Mas para

ele só a palavra não era suficiente, pois queria “transmitir a la palabra la matéria de las cosas.

”(LOS ZORROS, p. 10). Para ele, a energia que a palavra cria, a “chispa”, a “candelita” à

qual ele se refere no terceiro diário (LOS ZORROS, p. 174) se apagou. O mundo se faz

impenetrável diante de uma palavra opaca, de uma palavra que não tem mais sentido, e que

deve desaparecer, assim como deve acontecer também com o homem que a pronunciava.

Muitos personagens de Los zorros são tomados de um silêncio que parece querer negar a vida

como afirmação de sua própria identidade.

A palavra é o laço que une os indivíduos à comunidade, é o modo de enfrentar a vida.

Em contrapartida, o retrocesso da palavra, o silêncio de resistência é a negação da vida – o

lugar onde imperam as forças da morte. Contudo, ao lado deste caráter negativo que o silêncio

também convalida, há um silêncio que é um modo de afirmação, de eleição, até mesmo, um

modo de dizer. Por isso, os personagens da obra oscilam entre a opressão e a angústia, palavra

e silêncio, assomados pelos abismos que desbordam no limite da palavra, no perigoso

território de encruzilhada e incompreensão do sujeito. O discurso substituído pelo silêncio

pode ser completo, na medida em que o silêncio apresenta um alto grau de imaginação.

Arguedas deixa a sua obra entregue à complexa interpretação do silêncio, afastando a

possibilidade de “cerrar el círculo, de crear una coherencia ficticia mediante la producción de

una ilusión narrativa” (LIENHARD, 1981, p.194).

Ao verificar a representatividade que o silêncio assume nos diálogos do romance,

observamos que este silêncio é um dos cernes da escritura de Arguedas. Ao incorporar este

aspecto em sua produção, o autor rompe o silêncio literário e, consecutivamente, o silêncio da

escritura predominantemente em castelhano ao introduzir o quéchua em seu ideal literário e,

vai mais além ao buscar - em uma “pelea verdaderamente infernal con la lengua”

(ARGUEDAS, 1976, p.16)-segundo suas próprias palavras - um modo de escrever em

quéchua permeado pelo espanhol ou vice-versa.

84

Essa afirmação do falar de origem se dá não só através do discurso em si, mas também

através da música e da dança. Quando a tensão se eleva, quando as palavras parecem não

serem suficientes, os personagens procuram outros modos de linguagem. Isso é claro no

diálogo entre Don Diego e Don Ángel, quando as palavras são insuficientes e eles lançam

mão de um desenho (LOS ZORROS, p. 108), da poesia, da música e da dança: “Don Ángel

recitaba y canturreaba algo desigualmente todo, ritmo, melodía y movimineto. Trataba de

seguir el baile de Diego [...]” (LOS ZORROS, p. 111).

O que percebemos é que esse silêncio não explica uma atitude recorrente dos falantes

do quéchua diante ao desconhecido, e sim um fator de complexidade ao longo do

desenvolvimento do conflito, devido à ambigüidade e polissemia das estratégias discursivas

empregadas, as quais se articulam ao redor da representação dos diálogos literários.

Tanto a dificuldade de incorporação do quéchua como a necessidade vital de escrever

em quéchua ajustam-se perfeitamente aqui e devem ser entendidas como a impossibilidade de

continuar escrevendo que assola a Arguedas. Mas devemos dizer que o quéchua não emerge

somente nesses momentos de impossibilidade da tradução, do sentimento e palavras em

espanhol, mas em um jogo permanente e imperecível entre as duas línguas, seus registros e

variantes – o que dá à sua obra, a partir deste projeto estético, um novo matiz. É aí também,

onde o silêncio é encoberto pelas eleições/omissões tanto do espanhol como do quéchua que

produz o efeito de velado/desvelado ao criar fissuras discursivas profundas.

Observamos que existem formas de discursos onde palavra e silêncio expressam seus

significados e sentidos. Mas algumas vezes é preciso suspender a fala, restituir seu caráter de

acontecimento. Silenciar a voz e a produção de sentido é, de certa forma, mais fácil do que

ouvir e compreender ou dizer. Porém, a qualidade física do silêncio pode ter um significado

mais específico e abrangente: “o silêncio não é o vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é o

indício de uma totalidade significativa. Isto nos leva à compreensão do "vazio" da linguagem

como um horizonte e não como falta.” (ORLANDI, 1995, p.70).

Segundo Eni Orlandi, “o silêncio atravessa as palavras e o que existe entre elas indica

que o sentido pode sempre ser outro, ou ainda que aquilo que é o mais importante nunca se

diz.” (ORLANDI, 1995, p.162). O silêncio poderia ser tomado como sinônimo de

passividade, de não participação ou de participação não ativa. Mas a tendência de preencher o

silêncio em situações de interação comunicativa aparecerá como resposta às vozes que exijam

que o sujeito fale, e justamente aí, ele marca uma forma de estar na linguagem.

Em As formas do silêncio, Eni Orlandi explora a multiplicidade do conceito,

contrapondo a opacidade do silêncio às formas "apreensíveis e verbalizáveis" delineadas pelos

85

significados. Assim como a palavra, o silêncio também está determinado por suas condições

de produção. Segundo Orlandi, há muitas formas de silêncio; entre elas estão o “silêncio

imposto” e o “silêncio proposto”. O imposto significa exclusão, e é forma de dominação, já o

proposto vem do oprimido e representa uma forma de resistência.

O silêncio pode funcionar com uma espécie de alicerce, pois, para falar, o sujeito tem

necessidade de silêncio, um silêncio que é fundamentalmente necessário ao sentido, e que ele

reinstaura falando. Funciona como aquilo que marca a palavra do outro. É silêncio quando

não há palavra, há silêncio antes e depois da palavra.

Porém o sujeito não tem o direito de dizer tudo, não pode falar tudo em qualquer

circunstância. Ainda que exista o discurso aparente, as interdições que o atingem podem

revelar uma ligação com o desejo no interior de um discurso. O silêncio funciona então como

reduto do impossível, do múltiplo e abre espaço para o que não é, permite o movimento do

sujeito, aparece como possível operador de subjetividade.

Para Arguedas, a tarefa de escrever produz um excesso e uma falta angustiante, porque

nunca é igual, porque sempre é impossível dizer tudo ou calar tudo, porque quando se cala se

revela o mistério e quando se diz se oculta algo. Deste modo, são muitos os recursos aos quais

recorre em seus textos, os quais parecem ser quase sempre inoperantes a seus propósitos,

derivando-se daí um conflito e uma angústia que se expressam, justamente, na busca pela

palavra inesgotável e invencível.

O silêncio está presente na materialidade discursiva, o que é fartamente explorado, e

sob muitas perspectivas, nos diálogos que observamos na obra. Em termos globais, faz parte

do projeto de permanente e incansável discursividade, tarefa que pressupõe a luta através das

palavras e, portanto, a luta do escritor consigo mesmo, luta de escrever-calar ou de vida-

morte. Muito mais que uma frágil oposição, o silêncio atua como aliado da palavra, ambos

criando sutilezas em um jogo de contínuo revelar-desvelar ou de inversão da profundidade e

superfície textuais.

86

5.0 CONCLUSÃO

José María Arguedas apresenta El zorro de arriba y el zorro de abajo, publicado

postumamente, como uma luta da vida contra a morte. Este argumento, "lisiado y desigual",

que transparece desde as primeiras páginas da narrativa, está presente em cada uma das

instâncias discursivas presentes no romance, sejam os diários pessoais, a matéria narrada que

tem como cenário o porto pesque iro de Chimbote, os diálogos dos zorros, as cartas e o

epílogo.

Essas características fazem do romance um campo de luta pela vida. Para desenvolver

esse objetivo, essa tentativa de recuperar a vontade de viver, Arguedas apóia-se em seus

conhecimentos etnológicos e em sua própria experiência de vida. Daí a insistente crítica

social, um dos temas centrais desta obra, a qual contribui para ressaltar sua originalidade, pois

traduz o mundo de contradições e de caos como testemunho legítimo de um homem

prisioneiro de um meio social pelo qual se viu sempre inconscientemente condicionado.

O romancista peruano afirma não conhecer bem a cidades sobre a qual está

escrevendo: “no es que pretenda descrever precisamente Chimbote. No, ustedes lo saben

mejor que yo. Esa es la ciudad que menos entiendo y más me entusiasma. ¡Si ustedes la

vieran! (LOS ZORROS, p. 82). Talvez seja esse o motivo para convocar los Zorros para que

consigam o que o saber letrado não era capaz de realizar sozinho, ou seja, indicar ao

romancista “lo que está pasando en Chimbote y en el mundo”.

Los Zorros são os únicos personagens que habitam os diários e o romance, que vão de

um ao outro, como um vínculo interno da obra. Eles condensam uma pluralidade de

significados, conectam o mundo “de arriba” e o mundo “de abajo”, mesclando o discurso oral

da tradição quéchua com a palavra escrita, com a tradição romanesca da América Latina. O

diálogo dos Zorros introduz uma instância do discurso não tão nova: o discurso do outro, que

como num sonho, se situa num outro tempo, o do mito, o da profecia, que é expresso através

de enigmas que requerem a interpretação do leitor.

A escrita de Arguedas era impulsionada por sua própria força criativa assim como pelo

anseio de criticar as transformações que o capitalismo e a modernidade geraram na cultura

andina, que sofreu uma outra transculturação à medida que parte de sua população migrava

para a costa.

O fenômeno da migração pressupunha expectativas diferentes aos que deixavam as

serras e rumavam à costa. Eles acreditavam encontrar a prosperidade, a educação, o progresso

87

e escapar da pobreza e da submissão em que viviam. Migrar para a costa seria a saída em

busca de melhores condições de vida.

Junto com os migrantes, migrava também a cultura quéchua, expressão maior do povo

andino. Esse processo vai da oralidade à escritura, sendo um processo de ocidentalização

híbrido por sua natureza transitória e heterogênea, carregado de bilingüismos e de figuras

míticas que disputam por integrar dois mundos distintos.

A cosmovisão quéchua tem como principal característica uma profunda atitude de

respeito e de comunhão com a natureza. Nos diários, escritos paralelamente junto ao romance,

Arguedas fala dessa natureza como de uma realidade que apresenta características quase

humanas; afirma que o respeito à natureza ajudará numa maior humanização das pessoas. Ele

usa o meio do estrato dominante – a escrita e o espanhol, para transpor a grandeza cultural e

os conflitos enfrentados pelo estrato dominado.

O romancista vê na transculturação o encontro e a transformação entre as culturas

encontradas no Peru. Ele era consciente de que o processo de mestiçagem das sociedades

andinas era quase irreversível, por isso, entende que seus romances sejam um meio para que

os modos de vida e os valores éticos indígenas sobrevivam a esse processo.

Entretanto, as circunstâncias da morte do escritor e o traço peculiar de seu romance

“aberto” fizeram com que a crítica o estudasse antes como um testemunho de vida e das

circunstâncias que o levaram a viver num país marcado pela violência, pela pobreza, e pelo

esquecimento das classes pobres e, principalmente, dos indígenas que tanto preocupavam

Arguedas.

É possível afirmar que El zorro de arriba y el zorro de abajo possui algumas

características de Todas las sangres, já que nesta obra nota-se uma fé num futuro ansiado que

se opõe à história real. Los zorros propõe um nível mítico que fosse pertencente a uma ordem

mais complexa e que não se referisse só ao poder da morte individual, mas sim ao trânsito de

um mundo a outro, dentro de uma realidade em constante ebulição e inumeráveis contradições

vencidas pelo silêncio sinaliza a emergência de um novo mundo.

Arguedas escreve essa obra como um grandioso esforço para integrar, por meio da

linguagem, uma série de rupturas e antagonismos dos que abandonaram suas origens, dos

explorados, dos índios, dos mestiços... e que são o próprio narrador expresso em rupturas

discursivas.

Concluímos que El zorro de arriba y el zorro de abajo é uma obra contraditória não

por estar inacabada, como alguns críticos acreditam, mas por ser a reprodução de inúmeras

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contradições que nem a realidade do Peru e nem o pensamento do romancista poderiam

resolver.

O verdadeiro sentido de transculturação tal como ansiava Arguedas em suas obras

anteriores, aparece agora através do mito. Seria como se a história parodiasse a utopia do

mito, algo similar ao que aparece nos Diários, onde afirmações entusiastas aparecessem

escavadas pela hipótese de suicídio de quem as escreve. O romance se torna um testemunho

verdadeiro das contradições não resolvidas.

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6.0 ANEXOS

Os textos abaixo, são importantes para enfatizar os choques sócio-culturais em

Arguedas.

Anexo 1

NO SOY UN ACULTURADO12

Acepto con regocijo el premio Inca Garcilazo de la Vega porque representa el

reconocimiento a una obra que pretendió difundir y contagiar, en el espíritu de los lectores, el

arte de un individuo quechua moderno que, gracias a la conciencia que tenía del valor de su

cultura, pudo ampliarla y enriquecerla con el conocimiento y asimilación del are creado por

otros pueblos que dispusieron de medios más vastos para expresarse.

La ilusión de juventud del autor parece haber sido realizada. No tuvo más ambición

que la de volcar en la corriente de la sabiduría y arte del Perú criollo el caudal de arte y

sabiduría de un pueblo al que se consideraba degenerado, debilitado o “extraño” e

“impenetrable” pero que, en realidad, no era sino lo que llega a ser un gran pueblo oprimido

por el desprecio social, la dominación política y la explotación económica en el propio suelo

donde realizó hazañas por los que la historia lo consideró como gran pueblo: se había

convertido en una nación acorralada, aislada para ser más facilmente administrada sobre la

cual sólo los acorraladores hablaban mirándola a distancia, con repugnancia o curiosidad.

Pero los muros aislantes y opresores no apagan la luz de la razón humana y mucho menos si

ella ha tenido siglos de ejercicio; ni apagan, por tanto, las fuentes del amor de donde brota el

arte. Dentro del muro aislante y opresor, el pueblo kechua, defendiéndose con disimulo,

seguía cantos y mitos. Y bien sabemos que los muros aislantes de las nacinoes no son nunca

completamente aislantes. A mí me echaron por encima de ese muro un tiempo, cuando era

niño; me lanzaron en esa morada donde la ternura es más intensa que el odio y donde, por eso

mismo, el odio no es petubador sino fuego que impulsa.

12 Palabras de José María Arguedas en el acto de entrega del premio “Inca Garcilazo de la Vega” (Lima,

Octubre de 1968).

90

Contagiado para siempre de los cantos y los mitos, llevado por la fortuna hasta la

Universidad de San Marcos, hablando por vida el kechua, inciorporado al mundo de los

cercadores, visitante feliz de grandes ciudades extranjeras, intenté convertir en lenguaje

escrito lo que era como individuo: un vinculo vivo, fuerte, capaz de universalizarse, de la gran

nación cercada y la parte generosa, humana, de los opresores. El vinculo podía

universalizarse, extenderse; se mostraba un ejemplo concrteo, actuante. El cerco podía y

debía ser destruido, el caudal de las dos naciones se podía y debía unir. Y el camino no tenía

por qué ser, ni era posible que fuera únicamente el que se exigía con imperio de vencedores

expoliadores, o sea: que la nación vencida renuncie a su alma, aunque no sea en la apariencia,

formalmente, y tome la de los vencedores, es decir que se aculture. Yo no soy un aculturado;

yo soy un peruano que orgullosamente, como un demonio feliz habla en cristiano y en indio,

en español y en quechua. Deseaba convertir esa realidad en lenguaje artístico y tal parece,

según cierto consenso más o menos general, que lo he conseguido. Por eso recibo el premio

Inca garcilazo de la Vega con regocijo.

Pero este discurso no estaría completo si no explicara que el ideal que intenté realizar,

y que tal parece que alcancé hasta donde es posible, no lo habría logrado si no fuera por dos

principios que alentaron mi trabajo desde el comienzo. En mi primera juventud estaba

cargado de gran rebeldía e impaciencia pr luchar, por hacer algo. Las dos naciones de las que

provenía estaban en conflicto: el universo se mostraba encrespado de confusión, de promesas,

de belleza más que deslumbrante, exigente. Fue leyendo a Mariátegui e después a Lenin que

encontré un orden permantente en las cosas; la teoría socialista no sólo dio un cauce a todo el

porvenir sino a lo que había en mí de energía, le dio un destino y lo cargó aún más de fuerza

por el mismo hecho de encauzarlo. ¿Hasta dónde entendí el socialismo? No lo sé bien. Pero

no mató en mí lo mágico. No pretendí jamás ser un político ni me creí con aptitudes para

praticar la disciplina de un partido, pero fue la ideología socialista y el estar cerca de los

movimientos socialistas lo que dio dirección y permanencia, un claro destino a la energía que

sentí desencadearse durante la juventud.

El otro principio fue el de considerar al Perú como una fuente infinita para la creación.

Perfeccionar los medios de entender este país infinito mediante el conocimiento de todo

cuanto se descubre en otros mundos. No, no hay país más diverso, más múltiple en variedad

terrena y humana; todos los grados de calor y color, de amor y odio, de urdimbres y sutilezas,

de símbolos utilizados e inspiradores. No por gusto, como diría la gente llamada común, se

formaron aquí Pachácamac y Pachacutec, Huamán Poma, Cieza y el Inca Garcilaso, Tupac

Amaru y Vallejo, Mariátegui y Eguren, las fiestas de Qoyllur Riti y la del Señor de los

91

Milagros; los yungas de la costa y de la sierra; la agricultura a 4.000 metros; patos que hablan

en lagos de altura donde todos los insectos de Europa se ahogarían; picaflores que llegan hasta

el sol para beberle su fuego y llamear sobre las flores del mundo. Imitar desde aquí a alguien

resulta escandaloso. En técnica nos superarán y dominarán, no sabemos hasta qué tiempo,

pero en arte podemos ya oligarlos a que aprendan de nosotros y los podemos hacer incluso sin

movernos de aquí mismo. Ojalá no haya habido mucho de soberbia en lo que he tenido que

hablar; les agradezco y les ruego disculparme” ( ARGUEDAS, 1976, p.432-434).

92

Anexo 2

SOY HECHURA DE MI MADRASTA

Trechos da intervenção de Arguedas no “Primer encuentro de narradores peruanos”,

em Arequipa, 1965.

Voy a hacerles una confesión un poco curiosa: yo soy hechura de mi madrasta. Mi

madre murió cuando yo tenía dos años y medio. Mi padre se casó en segundas nupcias con

una mujer que tenía tres hijos; yo era el menor y como era muy pequeño me dejó en la casa de

mi madrasta, que era dueña de la mitad de un pueblo; tenía mucha servidumbre indígena y el

tradicional menosprecio e ignorancia de lo que era un indio, y como a mí tenía tanto rencor

como a los indios, decidió que yo debía vivir con ellos en la cocina, comer y dormir allí.

§§§

Cuando llegó mi hermanastro de vacaciones, ocurrió algo verdaderamente terrible [...]

Desde el primer momento yo le caí muy mal porque este sujeto era de facciones indígenas y

yo de muchacho tenía el eplo un poco castaño y era blanco en comparación con él. [...] Yo fui

relegado a la cocina [...] quedaba obligado a hacer algunas labores domésticas; a cuidar los

becerros, a traerle el caballo, como mozo. [...] Era un criminal, de esos clásicos. Trataba muy

mal a los indios, y esto sí me dolía mucho y lo llegué a odiar como lo odiaban todos los

indios. Era un gamonal.

§§§

Entró mi hermanastro, estaba tomando sopa y tenía un plato de mote a mi lado con su

pedacito de queso. Me quitó el plato de la mano y me lo tiró a la cara, y me dijo: “no vales ni

lo que comes” [...]. Yo salí de la casa, atravesé un pequeño riachuelo, al otro lado había un

excelente campo de maíz, me tiré boca abajo, en el maíz, y pedí a dios que me mandara la

muerte” (ARGUEDAS, 1993, p.195-196).

93

Anexo 3

LOS ZORROS EN LA CORRESPONDENCIA DE ARGUEDAS

Entre janeiro e fevereiro de1967 José María Arguedas se corresponde com o

antropólogo americano John Murra sobre suas pesquisas no porto pesqueiro, lugar que

pretende retratar em seu romance.

20 de febrero de 1967:

Esta es la segunda vez que me encuentro en Chimbote. Vine con el objeto de explorar

en la inmensa colonia ancashina la difusión del mito de Adaneva y a tratar de encontrar otros

materiales semejantes. Pero quedé fascinado por la ciduad. Es una Lima de laboratorio. Grabé

algunas entrevistas y me desvié por entero a la etnología. Como el dinero con que vine estaba

destinado a folklore, al cabo de quince días regresé a Lima y tuve una charla de casi dos horas

con Bravo Bresani, que ya sabes que es el Decano, y con Ratto, Jefe del Departamento de

Humanidades. Bravo se entusiasmó sinceramente y me autorizó de muy buen grado a

abandonar el tema folklórico y a seguir infomándome sobre el tipo de relaciones que se

establecen aquí entre los diversos tipos de gente andina y costeña criolla. El tema me queda

grande, y mucho más para el tiempo que dispongo: 32 días. He obtenido algunos datos

excelentes: la biografía grabada de un patrón de lancha de Yunguyo, que fue analfabeto hasta

los 30 años; ahora es una especie de líder singularísimo de los pescadores. Sybila debe estar

copiando la entrevista. Te la enviaré. Pero tuve que interrumpir mi permanencia aquí para ir a

Puno a presidir un jurado de un concurso folklórico. Desfilaron 2.500 bailarines y 300

músicos; presencié los carnavales en la ciudad y el campo. Mi psiquis, mi emotividad tan

zarandeada no pudo resistir bien. Medio que me quebré en Lima. He llegado aquí hace cuatro

días y sólo me siento algo alentado. Estuve pésimo; ayer llamé al médico y no me sirvió de

nada. Tú bien sabes cómo se hunde uno hasta el cuello en esos instantes. Y yo, seguramente

como todos los deprimidos, tengo zonas aparentemente incurables en mis dolencias: la mujer

me hace mucho daño cuando estoy abatido. Y no he logrado aún apreciar, o mejor, ser feliz

con aquello que la mayoría de los hombres son felices. Felizmente, Sybilla es muy sabia y

ahora estoy segura que me quiere mucho. [...] Yo había trazado ya una línea general de mi

nueva novela; pero el viaje a Puno me ha casi aniquilado. Increíble. Recibí toda la voz, la

94

presencia del hombre actual del altiplano y su immensa fuerza me enardeció y luego me dejó

como exhausto. Es que llevo demasiados años de intranquilidad. Pero si venzo las dos o tres

obsesiones que todavía me agobian, haré una gran novela, John, realmente una gran novela, a

mi vuelta del viaje que debo hacer a Apurimac, Huancavelica y Ayacucho. Necesito, para eso,

recuperar mi energía y... tener algún dinero hacia enero de 1967 [sic, ¿1968?]. Porque el

Ministerio suprimió la partida para el proyecto.

95

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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