R.a.ranieri (O Abismo)

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R.a.ranieri (O Abismo)

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  • O ABISMO

    Assim Est Escrito:

    No fars para ti imagem de escultura, nem alguma semelhana do que h emcima nos cus, nem em baixo na terra, nem nas guas debaixo da terra.

    xodo - Cap 20, v 4

    E ningum no cu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro,nem olhar para ele.

    Apocalipse - Cap 5, v 3

    E ouvi a toda a criatura que est no cu e na terra, e debaixo da terra, e queest no mar...

    Apocalipse - Cap 5, v 13

    E vi descer do cu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeiana sua mo. E prendeu o drago, a antiga serpente, que o Diabo e Satans, eamarrou-o por mil anos. E lanou-o no abismo, e ali o encerrou, e ps selo sobre ele,para que mais no engane as naes, at que os mil anos se acabem. E depois importaque seja solto por um pouco de tempo.

    Apocalipse - Cap 20, v 1-2-3

  • 1. ESTRANHO CAMINHOMeu pensamento foi assaltado por vibraes violentas vindas do seio da Terra.

    Senti como se um poderoso aparelho detonador me atingisse as fibras mais ntimas eme precipitasse em sintonia com a morte. No era medo o que eu sentia mas era umasensao quase que de terror. Foras desconhecidas agiam no meu subconsciente e meatraiam para perigoso abismo. A princpio pensei que me desintegraria mas a seguircompreendi que a exploso se dera dentro de mim mesmo. As clulas de meuorganismo espiritual entravam em vertiginoso movimento como se uma verdadeiraexploso atmica se realizara no meu interior. Tinha a impresso de que tudo giravadentro de mim. As clulas haviam se precipitado numa corrida louca de libertao.Centenas, milhares, milhes, em corrida vertiginosa.

    Minha mente tudo observava como que assombrada com o imprio de clulas quese desmoronava. Embora tudo aquilo fosse eu mesmo compreendia a insignificncia quesomos no emaranhado das leis que nos governam. Imensa era a minha ignorncia egrandiosa e infinita a sabedoria de Deus!

    O cosmo interior da minha individualidade se mantinha como um firmamento cheiode estrelas e planetas. Os astros em meio ao conglomerado de clulas dispersadasmarchavam no vrtice acelerado. No perdi a conscincia, contudo senti que girava emmim mesmo e que minha conscincia estava aparentemente desgovernada. Meu sercrescia, crescia sempre como se eu me tornara de repente enorme boneco de borrachaporosa que se dilatasse indefinidamente. Quis gritar algumas vezes mas a voz morria-me na garganta como se sufocada por mo de ferro. Acovardei-me e entreguei-me vontade de Deus. No alto brilharam as estrelas e a tive a impresso de que caminhavaao encontro dos astros. Mergulhei no firmamento e subi, subi sempre. L embaixocomeou a ficar a Terra, perdida no oceano do universo. No sabia a que alturas haveriade atingir mas via o mundo fugir de mim como a criana que contempla a sua bolinhade vidro perder-se nas guas do mar.

    2. ORCUSDe repente, senti que no estava sozinho.A meu lado estava Orcus que me contemplava afetuosamente. Olhei-o com

    ateno e verifiquei que era uma criatura formidvel. Longos cabelos brancos,ligeiramente enrolados como se fossem cordas desciam-lhe pelos ombros. Rostoenorme, redondo "aquadradado" sobre um pescoo taurino e peito descomunal. A tnicaaberta ao peito dava-lhe ao conjunto a expresso de um dos antigos profetas, talvezIsaas ou Pedro, o apstolo.

    O cu repleto de estrelas parecia conter-nos apenas a ns dois estabilizados noespao por uma fora que equilibrava a lei de gravidade. Aps o delrio vertiginoso dasclulas em debandada meu ser comeou a serenar-se e eu me senti como se fosse umacriatura de dimenses despropositadas, imensas.

    Eu estava "cado dentro de mim mesmo".Orcus contemplava-me com amor e de seus olhos comearam a partir em minha

    direo partculas ou centelhas de luz que vinham me atingir o ser.

  • Recebi-as a princpio no corao e fui tomado de uma sensao de confortoretemperado por energias novas. Em seguida estendeu-me o Esprito a destra cintilantee ondas esquisitas se desprenderam dela vindo atingir-me a casa mental.

    Aos poucos sob este novo influxo, principiei a diminuir-me lentamente e a voltar aoque poderia chamar, de "estado normal".

    Restabeleci-me interiormente sob o domnio espiritual de Orcus que metransfundia poderosas foras emitidas de seu poderoso organismo. Como um enfermoque se levanta do leito, equilibrei-me no Infinito. Na distncia imensurvel giravam osmundos em turbilho.

    Olhei a Terra: ainda estava l em baixo, perdida na vastido do universo.- Aonde estamos, Orcus? - Interroguei.- Entre as esferas do sistema solar, porm a uma distncia de 325 000 km da

    Terra - respondeu Orcus.- Estamos aqui na realidade ou apenas uma impresso que temos desse

    deslocamento?- No, no impresso. Estamos aqui mesmo. Fomos deslocados ao impulso da

    fora mental, que nos arrastou o organismo em direo ao infinito. Voc, meu filho,sofreu um processo de liberao parcial das clulas perispirituais afim de adquirir"leveza" para a viagem.Eu como j estou habituado ao "clima de mais alto" no tive necessidade de passar poresse sofrimento.

    Tornei a contemplar o Infinito e meu olhar inabituado ao panorama prodigioso demilhes e milhes de astros em carreira alucinante parecia submetido ininterruptamentea detonaes interiores que iriam explodir o globo ocular. Tive a idia que as pupilasestavam sendo dilatadas ao contacto das imagens novas do infinito portadoras de teorvibratrio diferente da vibrao terrestre.

    E assim, por longo tempo, me embebi na contemplao do Universo.

    3. A TERRA- Daqui, meu filho, contemplar a Terra - disse Orcus - O planeta gira no espao a

    milhes de anos impulsionado pelas foras vivas da Vida. Como ele, trilhes e trilhesde outros giram na marcha ascensional dos mundos. E neles a vida se expande emtodas as formas e em mltiplas manifestaes.

    Contemplei a Terra que semelhava realmente uma laranja de formato irregular eestranho. No era a forma redonda que nos representada nas escolas e ginsios doorbe mas sim um corpo repleto de salincias e tocado de luz e sombra, nas eminnciase nas reentrncias. Vales profundos e picos elevados, superfcie brilhante luz do solindicando as grandes massas d'gua. De fato, quela distncia, todos os problemasterrestres perdiam o interesse. De que valiam as lutas e guerras humanas? De nada.Vamos a Terra e compreendamos que o Homem gasta imensas energias por nada.Visto de longe, o nosso mundo era modesto departamento de educao no turbilho doCosmo.

    - Observe bem, acrescentou Orcus, e poder ver o desenho dos continentes e dospases recortados perfeitamente.

    Busquei ansioso com o olhar o continente Americano e particularmente o Brasil.

  • L estavam modelados na Crosta Terrestre acompanhando a marcha do mundo.Ligeiro colorido marron terroso sob uma nvoa plmbea cobria os continentes.

    Verifiquei que o meu olhar, agora dilatado, atravessava com relativa facilidade agrande extenso pertencente faixa da atmosfera terrestre.

    No pude me deter melhor na anlise de nossa casa planetria porque Orcus meinformou:

    - Prepare-se para descer. Aqui, meu amigo, iniciaremos a nossa jornada emdemanda das profundidades e dos abismos onde habitam os Gnios da sombra e domal.

    Senti uma espcie de calafrio.Como mergulhadores, abraados, comeamos a descer. A mente de Orcus qualpoderoso motor vibrava aceleradamente. Minha mente, porm, no podia acompanhar-lhe o ritmo na descida vertiginosa e eu, agarrado a ele, precipitei-me naquela estranhaaventura ao encontro do Abismo.

    4. NA SUB-CROSTANossa mente sentia o impacto das vibraes csmicas que nos atingia na descida

    vertiginosa. O Globo Terrestre aproximava-se no imenso mar do espao etreo.Orcus era um grande pssaro que se precipitava numa velocidade indescritvel.Aos poucos percebemos a faixa da atmosfera terrena, de cor plmbea, como um

    rio que cortasse repentinamente as guas do oceano. nossa frente surgiam os continentes enquanto a Casa Terrestre rodava sobre si

    mesma.O turbilho da mente em altssima freqncia vibratria atravessava as grandes

    massas de radiaes que como vasto cinturo circundavam o Globo.Percebi que centenas de tonalidades de cor misturadas compunham a crosta

    terrestre, predominando no entanto o amarelo, o marrom e o vermelho. Notei querepentinamente penetrvamos camada mais densa.

    - Mas como? a crosta da terra?- Estamos atravessando a crosta - disse Orcus.- Sim, a crosta da Terra. Voc no pode compreender bem o problema porque

    ainda v com os olhos de homem do. Eu, porm, vejo com os olhos do esprito.- Mas a terra no compacta, dura, intransponvel?- No, no bem isso. A Terra compacta e oferece resistncia aos corpos de

    certa densidade como os que existem na sua superfcie. O homem pela sua densidadefsica e pela densidade dos objetos que fazem parte de seu mundo encontra a terradura, difcil de ser vencida ou "varada". Mas para a densidade dos espritos a crostaterrestre como voc est vendo, apenas um turbilho de poeira em movimento.De fato, ns agora percorramos extensa faixa de poeira em movimento semelhante poeira que se levanta na superfcie do Globo quando este varrido por um forte vento.Na realidade, no encontrvamos ali a terra que ns to bem conhecemos e com a qualconvivemos. No oferecia resistncia nossa passagem e somente nos lembrava umacamada mais espessa de atmosfera.Fiquei assombrado. Nunca supus que se pudesse penetrar daquela forma o seio daterra!

  • - Mas, e o calor? No diz a cincia que a cada trinta e trs metros de descidacorresponde o aumento gradativo de um grau de calor?

    - E, o que tem isso? verdadeira a afirmativa cientfica terrestre, mas isso no nosimpede de penetrar terra a dentro nem nos atinge.Calei-me, de novo admirado. Enquanto meditava, prosseguia na descida vertiginosa sobo controle poderoso de Orcus.

    - Vamos parar - exclamou o Esprito, de repente.Pude observar que nos aproximvamos de imensas cordilheiras que exibiam

    pinculos inacessveis se vistos de baixo. Alm deles, nas profundezas, abismosescuros se abriam aos nossos olhos acostumados agora viso panormica das alturas.

    Orcus segurou-me fortemente e compreendi que diminuamos a velocidade comodois torpedos que chegassem ao objetivo.

    Em seguida pousamos na ponta de um penhasco.- Vencemos, felizmente, a "poeira terrestre" - explicou o mensageiro. Aqui, por um

    pouco, estaremos seguros.Ficamos de p. Ventos midos gemiam naquelas regies sombrias. Leve claridade

    se filtrava atravs da poeira que turbilhonava acima de nossas cabeas. As cristasabruptas encharcadas de estranho lquido escorregadio lanavam-se perigosamente dasalturas. Eu nunca vira na terra coisa igual. Eram centenas e milhares perdidas navastido do Abismo. A princpio no se via ningum. Tudo silencioso e soturno. Pareciao fim do mundo ou o incio da Criao. Do silncio e das trevas uma espcie de terrorcaminhava para ns. Olhei Orcus: era assim mesmo uma figura impressionante.

    - No foi por aqui que passou Dante? - perguntei.- No, ele seguiu outro caminho - esclareceu Orcus. Dante buscava outras regies.

    No entanto, se for permitido, passaremos um dia por onde ele passou.Senti um arrepio. Estaramos a caminho do Inferno?

    5. GABRIELOrcus passou lentamente a mo espalmada sobre meus olhos. Pensei que ia ter

    uma vertigem. Cintilaes de grande intensidade invadiam-me as pupilas dilatadas.Parecia-me que um sol de luz branca penetrava-me a mente e que eu, ofuscado, iriaprecipitar-me das alturas.

    Sbito, em pleno abismo, estarrecido, divisei formas difanas, puras, cristalinas,que se moviam sobre os rochedos e os penhascos. Formas anglicas movimentavam-senaquelas vastides. Figuras de pureza lirial transportavam-se atravs do espao.

    No podia eu ainda perceb-las em toda a sua nitidez mas sabia que eram formassemelhantes s formas humanas, porm transparentes e feitas de luz.

    nossa frente numa distncia indescritvel para o pensamento humano,contemplei uma criatura de grandeza excepcional e de uma perfeio assombrosa. Tobelo que produzia na minha alma verdadeira vertigem.

    Acreditei enlouquecer.Pousado no penhasco mais elevado e pontiagudo, com longas asas descendo-lhe

    sobre as espduas cintilantes um Anjo de Sublime e Divina beleza dominava o abismo.- Aquele Gabriel, que assiste diante de Deus, - declarou Orcus com acento

    carinhoso e profundo.

  • Senti que o meu instrutor ao dizer essas palavras falara como quem expressa umsentimento que eu desconhecia. Eram respeito e amor ao mesmo tempo e tambm erauma revelao que me fazia.

    Levantei o olhar para o Anjo e verifiquei que de seu corao poderosas forasjorravam sobre o abismo e pouco a pouco milhares de cintilaes como uma chuva deestrelas iluminavam frouxamente as sombras. No fundo formas estranhas tocadas pelaluz principiavam a mover-se. Gemidos e soluos elevaram-se ento das trevas econtemplei horrorizado hordas inteiras de milhes de criaturas que agarradas ao "solo"ou ocultasnas reentrncias arrastavam-se como animais naquelas vastides.

    Lembravam rpteis, ou lagartas que no se animavam a ver a luz.- Aquilo que voc v, meu filho, exclamou Orcus, so uma infinidade de seres que

    pela permanncia no mal conquistaram a infelicidade de vagar nas trevas do seio daTerra. Agarram-se agora desesperados Me Terra como crianas cegas quedesejassem sugar os seus seios fortes e ubertosos. Na realidade alimentam-se agora domagnetismo terrestre e vagam inconscientes, paralisados no interior de si mesmoscomo "lesmas humanas" incapazes de gravitar para Deus.

    Meus olhos encheram-se de lgrimas. No sei dizer porque, estranhos soluosvieram-me garganta e uma espcie de estranha compaixo assaltou-me a almaalastrando-se por todo o meu organismo espiritual. Gabriel sobre o abismo pareciaamoroso pssaro de dimenses indescritveis alimentando o abismo como sol que doalto do firmamento alimenta a Terra.

    6. SOB A LUZ DO SOL ESPIRITUALEra claro que no poderamos nos aproximar do Anjo. A luz intensa que explodia

    de sua alma ofuscava os nossos olhos.- Estamos a uma distncia incalculvel de Gabriel! - esclareceu Orcus, - e mesmo

    que quisssemos ir at l no poderamos. Lembra-se da "parbola de Lzaro" noEvangelho? A nossa situao quase a mesma.

    Fiquei silencioso. Como somos insignificantes perante a grandeza da Vida! - Damisria daquelas criaturas rojadas no solo, de rastos, at a Perfeio daquele Anjopairando sobre o Abismo havia uma distncia de milhes de "anos-evoluo". Gabrielera a Luz e aqueles infelizes representavam as trevas mais intensas. Ns, porm, noramos nem luz nem sombras.

    Evidentemente, eu pensava tudo isso de mim mesmo, porque Orcus era tambm,em face da minha indigncia espiritual, um Gigante iluminado. O Esprito, por certoacompanhava-me o pensamento, porque carinhosamente me abraou e disse:

    - Meu filho, diante da Grandeza de Deus, todos so infinitamente pequenos. Noentanto, todos ns poderemos marchar ao encontro da Luz, o que j uma bnodivina, no acha?

    Concordei com ele.Sem mais palavra, levando-me pela mo, Orcus iniciou a descida pelos

    despenhadeiros de declives.- O vo nessas zonas mais baixas no se torna impossvel mas alm de perdermos

    as melhores oportunidades de aprendizado, levantaramos um clamor intil, pois que

  • essas criaturas que vivem nas trevas acreditariam que somos enviados celestes parasalv-las, - explicou Orcus. Agora iremos a p. Infelizmente, pouco poderamos fazerem favor delas. Permanecem na mais "rgida inconscincia".

    Orcus calou-se, e foi descendo.Os caminhos eram sinuosos e a terra escura, de um marrom fechado e

    escorregadia. Com imenso cuidado fomos vencendo as imensas distncias que nosseparavam das massas espirituais inferiores de "forma humana" que jaziam nas trevas. proporo que descamos notei que paredes enormes subiam o abismo.

    Pareciam os "canyons" de que nos falam os viajores que passam pelo Mxico.Tentei olhar para cima e to grande era a altura, que meus olhos de novo sentiram

    vertigem. Os paredes prumo projetavam-se como lanas para o alto. Parecamosduas formigas caminhando por entre montanhas. De repente, Orcus estacou. nossafrente, numa espcie de furna, um verdadeiro gigante completamente nu obstrua-nos ocaminho. Tamanho descomunal, espduas nuas, corpo de uma cor semelhante prata,cabelos encaracolados. Velho, de uma velhice moa, porm, que parecia no ter idade.Isto , tinha-se a impresso que aquela criatura era milenar e que no entanto "pararano tempo". Parecia um deus antigo.

    - Quem sois? - perguntou-nos ele.- Somos humildes viajores em busca de consolo ao nosso sofrimento.- No sabeis que estais nos infernos e que aqui no h consolo nem esperana?

    Aqueles que entram no podem mais sair porque se at aqui vieram por terem a almaendurecida no mal.

    - Compreendendo, disse Orcus, mas para Deus nada impossvel e todo pecadorarrependido encontrar a oportunidade de salvar-se.

    - No, no! no h oportunidade para os maus!To forte foi o berro do gigante que a sua voz ecoou por todo o abismo e ao

    mesmo tempo uma onda esfuziante de gritos de desespero levantou-se por toda aparte.

    Desespero e dor. Aquelas formas agarradas ao "solo" gemeram e gritaramassombrosamente. Um verdadeiro turbilho se fez em mim. Pensei que ia perder ossentidos. Mas Orcus delicadamente colocou a mo sobre meus ombros e restabeleci.

    - Voltem, voltem! No ouvem a minha voz? - estertorou o gigante. Daqui ningumsair nem voltar! Para trs! Para trs!

    Senti um grande medo e vi-me pequenino e frgil em face daqueles dois gigantes:Orcus e Palaton. Este era o nome do Guardador do primeiro portal no primeiro declivepor onde entrramos. Coisa estranha, sem saber explicar como, percebi que uma luz demuito alto atingia Palaton. Luz suave, de luar. Olhei e vi que um raio safirino desciacomo um fio pela ponta do penhasco onde se postara Gabriel e atingira o Gigante.

    Este encolheu-se todo, agarrou-se s rochas escondendo o rosto e disse, comouma criana amuada:

    - Podem passar, podem passar protegidos da Luz.Ns passamos, silenciosos. Eu tremia. Orcus, sereno, porm rgido e enrgico.

    Parecia uma esttua. No ousei olh-lo porque ele mesmo me assustava naquelassolides.

  • Em breve chegamos a um estreitamento do caminho na rocha que mal dava parapassar um homem.

    As pedras eram quase negras, midas e escorregadias. Um limo pegajoso desciapor elas. Sentamos em nossas pernas e em nossa tnica a umidade viscosa.

    O caminho estreito terminava numa srie infinita e incontvel de pequenosdegraus.

    - Desam! Desam o Abismo! - exclamou atrs de ns Palaton. L no fundo estoaqueles que no tm mais esperana!

    Fiquei transido de pavor. Orcus, porm, caminhava sempre como quem sabia oque queria e o que buscava.

    7. NA COVAEstacamos. A nossos ps enorme cova se abria como se fosse uma bacia funda e

    larga, recoberta de limo e umidade.Percebi que o terreno se tornava mais viscoso, escorregadio.Estvamos parados borda do novo abismo. Deveria ter uns oitenta metros de

    dimetro de boca por uns quinze de profundidade, mas era uma cova estranha. Dentrodela "formas esquisitas" se movimentavam.

    Centenas de criaturas arrastavam-se no solo como "lesmas".Fiquei atnito. Orcus segurou-me a mo. Andavam unidas aquelas lesmas de

    forma humana como se um instinto muito forte as ligasse. Verifiquei que formavamcomo que uma pasta animada que se movimentava.

    Orcus levantou a destra e fez um sinal. Do alto, Gabriel enviou-nos um novo raiode luz espiritual que clareou a cova.

    Era espantoso contemplar aquela massa que se agarrava desesperadamente terra.

    - So seres que perderam a conscincia - informou o Esprito. Repare que parecemcegos.

    Acompanhei a observao de Orcus e verifiquei que de fato no demonstravamenxergar coisa alguma. Plpebras cadas, fechadas ou semicerradas, peitos, barrigas erostos colados no cho viscoso caminhavam como serpentes ou minhocas.

    Algumas eram brancas, mas a maioria era da cor do terreno: marrom escuroquase negro.

    - Poderamos conversar com alguns deles? - perguntei.- No, impossvel. No ouvem, no falam e no vem. O pensamento desses

    seres est quase paralisado. Tanto se imantaram s coisas da terra que instalaram emsi mesmos o magnetismo terrestre como fonte de vida interior. So aqueles que noacreditaram em Deus nem na existncia da alma embora no tenham praticado grandemal entre os homens. Mentalizaram o nada e se tornaram inconscientes. O sentimentode Deus e a crena na imortalidade imprimem ao pensamento uma velocidade maior eao "corpo espiritual" maior intensidade de freqncia celular do organismo espiritual.

    O homem pedra se tornar pedra. Gravitamos para a superconscincia ouretornamos inconscincia. Ser no universo conquistar graus cada vez maisadiantados de conscincia.

    Fiquei pensativo e silencioso.

  • Orcus, porm, afagou-me a fronte com carinho e vi que em mim mesmo intensasvibraes despertavam para percepes diferentes.

    Na cova, aqueles seres rolavam ignorantes do que lhes acontecia. No poderiam,provavelmente, compreender o que se passava com eles. Como era triste a situao dosque se julgando conhecedores de toda a sabedoria perderam-se a si mesmos nainconscincia e no mal!

    - E agora, o que acontecer com eles? - interroguei aflito.- Permanecero neste estado at que um dia a fora da lei os arraste de novo para

    a superfcie...- Superfcie?- Sim, superfcie. Para a crosta terrestre onde voc habita. Eles vieram de l e ho

    de retornar para l. A lei de ascenso descreve um crculo perfeito e ampararnovamente os filhos do seu amor.

    - Gabriel desviara o raio luminoso e a sombra do abismo cobrira outra vez osinfelizes.

    - Vamos, convidou-me Orcus, ainda temos muito que descer.Olhei. nossa frente, o caminho e a sombra.Prosseguimos descendo.

    8. MAIS ABAIXOMeu pensamento fervilhava. No podia compreender a situao daquelas criaturas

    inconscientes que ficaram na cova. Cegas, presas ao solo numa nsia incontida deabraarem-se com a terra...

    Nisto, fomos surpreendidos por enorme serpente de cor escura, que se atravessouem nosso caminho.

    Quis gritar mas Orcus tapou-me delicadamente a boca com a mo. A serpentepassou por ns sem nos perceber. Contudo, de repente, voltou-se para nos ver e entoeu soltei. um horroroso grito de espanto e terror.

    A serpente possua cara de homem e nos olhava com os olhos chamejantes. A carapresa casca deixava entrever um ser "humano" escravizado a terrvel priso.O olhar do "ofdio" era de tristeza e dor. Duas lgrimas rolavam-lhe dos olhos tristes...

    - Piedade! Piedade! suplicou-nos com acento tristonho.No pude deixar de chorar. Estranha comoo dominou-me o ser.- Como te chamas? interroguei.- Para que desejas saber meu nome? Aqueles que caram tanto no tm mais

    nome.Contemplei-a assombrado e cheio de piedade. Como era dolorosa a sua situao!

    - Porque vives assim escravizado roupagem de uma serpente?- Egosta e mau reduzi meu corpo espiritual forma rastejante que agora vs.

    Jamais tive um pensamento de amor para quem quer que seja e nunca estendi a moao pobre e ao sofredor. Como castigo, perdi as mos e rolo nos abismos.

    Orcus apertou-me a mo e um fluxo magntico penetrou-me o ser dando-me novonimo.

    - S o tempo poder arrastar-te das sombras para a luz. Nada poderemos fazerinfelizmente - disse Orcus.

  • A serpente, ouvindo isso, deslizou para regio mais escura e perdeu-se em meio afantstica vegetao que crescia junto s rochas. Fitei Orcus frente a frente e percebique seus olhos tambm se marejaram de lgrimas.

    - Meu filho, compreendo o seu espanto mas nada podemos diante da Lei. Quemassume compromissos com a Lei fica obrigado a pagar at o ltimo ceitil. Os seres quese fecham no egosmo e na indiferena ou se precipitam no mal, destroem por simesmos os tecidos perispirituais e iniciam a desagregao do organismo psquico.Ningum comete o mal impunemente. Deus em Sua Infinita Bondade permite queaqueles que caram retornem superfcie aps sofrimentos extraordinrios.

    Aquela serpente apenas retornou a formas inferiores por que j passara na escalaevolutiva dos seres. Assim, todos aqueles que se desviaram da Lei precipitam-se a si

    mesmos na degradao das formas inferiores.- E depois - interroguei - estacionam ou a queda no tem fim?- Todos os seres podem subir ou podem descer. Todavia, como a misericrdia de

    Deus infinita, cada vez que um esprito "cai" a Providncia Divina o ampara em SuasMos cheias de amor e o ser estaciona no tempo e no espao. O nosso amigo"Serpente" estacionou h seis milnios, no tempo, e desceu a regies inferiores, noespao. Alguns conquistam as altitudes e os cimos, outros estacionam nos abismos. Nodescem contudo ao desamparo. Em toda parte est a Casa de Deus e labutam mosmisericordiosas. O escafandro de "casca" que ostenta o nosso amigo a misericrdiadivina em forma de vestimenta protetora. Por enquanto perdeu apenas os membros, secontinuar "caindo" dentro de si mesmo perder a conscincia...

    E depois?... E depois?...- Depois? - contemplou-me Orcus tristemente - se prosseguir, se desagregar

    completamente, Ento haver a segunda morte...

    9. MEDITAO NO SUB-SOLOEu ainda estava preocupado com o problema da segunda morte sem compreender

    na realidade o que acontecia com os seres que se precipitavam nos "abismosinteriores", quando fomos surpreendidos pelos gritos de fantsticas aves negras que,em bando, cortavam os espaos abismais.

    Pareciam enormes morcegos de asas sem penas, porm revestidas de leve plo oupenugem.

    Agarrei-me a Orcus, assustado.Ele, contudo, disse-me naturalmente:- Observe que tambm exibem estranhas fisionomias de criaturas humanas.Realmente, as aves eram outros tantos condenados s deformaes das formas

    perispirituais. Rostos humanos ou ex-humanos saltavam de entre as asas escuras quesindiam as camadas de poeira do abismo.

    Sobrevoavam pncaros pontiagudos e atravessavam zonas levemente dominadaspelos raios de luz irradiada por Gabriel.

    Parecia-nos, todavia, que voavam a quilmetros de distncia do Anjo colocadosobre o Abismo.

    Orcus continuou descendo e eu acompanhei-o silencioso certo de que descamos aregies "pouco freqentadas" pelos seres mais conscientes do mundo.

  • Detivemo-nos margem de enorme rio de guas prateadas que em turbilhorolava a nossos ps.

    Nova surpresa se estampara em meus olhos.Orcus percebeu porque me disse.- As guas deste rio que se chama platino lembra a prata lquida. No fundo da

    terra correm diversos rios dessa natureza. Grandes massas lquidas formam o interiordo nosso mundo, como se v...

    Apontou-me Orcus com o dedo em riste as guas turbilhonantes e exclamou:- Contemple! Contemple bem firme essas guas que correm e veja o que elas

    levam!Abri os olhos desmesurados ao contemplar o rio.Centenas de milhares de criaturas desgrenhadas e inconscientes rolavam em meio

    s guas como que arrastadas e batidas umas contra as outras no turbilhoescachoante.

    - Esses so aqueles que se deixaram dominar por todas as paixes e agoradormem na fria das guas desencadeadas sobre si mesmos.

    Ouvi a voz de Orcus como quem escuta um grito lancinante de dor porque minhaviso agora ampliada sentia que aqueles desgraados lutavam para alcanar asmargens do rio e no o conseguiam. Quanto mais lutavam contra a impetuosidade dasguas mais estas os arrastavam e abraavam em fria incontida.

    As vezes formas feminis se agarravam a formas masculinas na nsia desesperada em.

    No pude contempl-los por muito tempo porque eu tambm comecei a sentir emmim o tumulto de paixes desenfreadas.

    Orcus protegeu-me, no entanto, com a sua serenidade superior e eu voltei pazde esprito.

    Seguimos por um estreito trilho que margeava o rio at defrontarmos enormerochedo de pedras nuas por onde o caminho, apertado atravessava.

    Sinuosa, escura, estreita, e nauseante era a estrada aberta no rochedo.Tnel feito por mos divinas ou diablicas? No sabemos.Do outro lado, uma espcie de campina onde algumas rvores esquisitas

    levantavam os galhos retorcidos nos esperavam. Aquelas rvores tambm pareciamformas vivas de seres que se "vegetalizavam"...

    Esbocei um pensamento estranho.Orcus imediatamente, lendo-me as imagens mentais, esclareceu:- Realmente, meu caro, h os que se precipitaram nas formas vegetais e vivem

    agora aprisionados no que se poderia chamar de inrcia aparente... So coraes aflitose inteligncias que foram caindo, caindo, e atingindo a inconscincia comearam apercorrer para trs, a escala da evoluo... Iro at o mineral e descero um poucomais. Nessa ocasio podero sofrer uma espcie de exploso atmica que desagregaro prprio ser. Dizemos exploso atmica como quem usa expresso j inteligvel naTerra. Na realidade uma desagregao intercelular mas to distante de uma explosoatmica como a velocidade do som para a velocidade da luz.

    Estaquei assombra- J sei o que est pensando - colaborou Orcus

  • - isso no acontece!Eu no dissera nada mas a percepo do Esprito era muito viva.- O centro da conscincia que constitui o verdadeiro ser eterno no se desagrega

    mas volta a um estado to grande de inconscincia que como se no existisse comoser dotado de possibilidades divinas. certo que um dia retornar na viagem de voltacomo quem cansado da permanncia no quase nada reiniciasse a conquista de Deus. Hno Universo correntes de vida que arrastam para baixo ou para cima, para dentro oupara fora, para o ser ou para o no ser. Evoluir conquistar graus cada vez maisadiantados de conscincia. E conquistar graus de conscincia simplesmente conhecer-se a si mesmo. Tinha razo o "Velho Scrates..."

    Percebi que Orcus me fazia grandiosas revelaes e que um impulso novo meconduzia pelos caminhos do Conhecimento.

    10. O DRAGOPercebi que proporo que penetrvamos no Imprio Terrestre uma terrvel

    angstia tentava dominar-nos o corao. Ao mesmo tempo sentia que foras de maisalto, talvez as irradiaes de Gabriel, auxiliavam-nos na marcha.

    Ali, no me sentia agora to seguro como antes. Tudo que nos rodeava parecia tervida e dentro de cada pedra ou no interior de cada acidente do caminho estranhasformas sepultadas ansiavam por se comunicar conosco.

    Orcus estava sereno. Eu, porm, submetido quelas impresses desconcertantes,arrastava-me um pouco aturdido como se nvoas esquisitas invadissem-me a mente.

    Orcus passou-me a mo delicada sobre a testa e disse:- Nada tema. O que sente a aproximao cada vez mais intensa dos olhos do

    Drago.- Drago? Quem o Drago? balbuciei.- Meu filho, em todas as pocas da humanidade, o Drago simbolizou as foras do

    mal ou a legio de seres revoltados que lutam contra Jesus. No se recorda de Satans? o mesmo smbolo. No entanto, aqui ns encontramos realmente figuras querepresentam o Drago que se ope a Deus. H sempre no fundo da Terra um Dragoque domina o Imprio dos Drages mas isto no somente na Terra, em todos osmundos de vibrao semelhante Terra existem os filhos do drago ou seja aquelesque no querem aceitar a lei de Deus e s evoluem sob a fora compulsria da mesmaLei.

    - Mas existe ento nesta regio um ser que se diz o Drago?- Existe, grande, enorme e terrvel. possvel que voc o veja e que tambm

    conhea os seus filhos.Calei-me. Um silncio sem limites tomara conta de minha alma. Olhei para o alto

    e, estarrecido, verifiquei que Gabriel era apenas um ponto luminoso na distncia, comouma estrela em pleno firmamento.

    Havamos descido centenas ou milhares de quilmetros. Terra a dentro havamospenetrado nas profundezas do Abismo. Onde me levaria ainda Orcus?

    O amigo pareceu compreender-me porque segredou:- Agradea a Deus a oportunidade porque Jesus tambm desceu a estas regies

    antes de subir para nosso Pai Celestial.

  • 11. PROFUNDIDADE E SUPERFCIEAinda no andramos muito e defrontamos imenso lago de guas paradas, de um

    verde muito claro e transparente.- Toque-o com o dedo - aconselhou Orcus.Abaixei-me e toquei as guas. Assombro e estupor encheram-me a alma e

    cobriram-me a fisionomia. No havia possibilidade de mergulhar o dedo ou a monaquela gua. Era uma massa gelatinosa e esquisita. Levantei-me assustado e afastei-me um pouco. Na massa lquido-gelatinosa eu vira um rosto que me olhava. Ansiosa edoloridamente. E quanto mais eu olhava outros muitos me contemplavam cheios deangstia como se me implorassem algo que eu no saberia dizer.

    Devoravam-me com os olhos.Lembrei-me de Dante. Seria eu um novo Dante e estaria no inferno? Voltei-me

    para Orcus, tambm eu cheio daquela temvel tristeza e pungente angstia queemanava daqueles seres. Quem ramos ns? Seria ele o Alighieri ou seria eu?

    - s tu Virglio e sou eu o Dante ou s o Dante e sou eu Virglio?Orcus sorriu tristonho.Meu filho, o Abismo o mesmo, apenas isso. Sairemos daqui, como entramos,

    pelo amor de Deus.As palavras e os pensamentos de Dante ao mundo foram truncados, modificados,

    alterados, para satisfazer aqueles que vendem a prpria alma se preciso for.Retornamos ao Abismo para restabelecer a Verdade. Tem medo?

    Olhei-o angustiado e voltei a contemplar na gelatina aqueles que me olhavamcomo quem olha velho conhecido. O olhar daquelas criaturas era triste e dolorido eparecia brasas de fogo a queimar-me a alma.

    - Porque esto a? - interroguei.- Perderam a forma humana. Degradados pela permanncia no mal, desceram at

    o mais profundo abismo e no tm mais "corpo espiritual". Por isso, no poderoreencarnar to cedo. A Bondade Divina porm permite que estacionem nessa massadifusa, informe e vaga que os conter por muitos sculos e milnios. Nos braosamorosos da Terra e em seu seio de me, lentamente, se recuperaro para reiniciar amarcha de volta. Esto na profundidade e anseiam pela superfcie. A superfcie para eles a superfcie da Terra onde os homens vivem e representa para essas criaturas umaespcie de cu ou de esfera superior.

    Se os homens l em cima suspiram pelo cu ou lutam por subir as esferassuperiores, estes seres aqui anseiam por renascer na Terra como quem conquistarverdadeiro cu.

    12. OPORTUNIDADE DIVINAEu bem no me refizera do espanto, quando Orcus apontou-me uma turba sombria,verdadeira multido de criaturas esfarrapadas e tristes, cobertas por mantos ou panoscor terrosa, colocadas no lado oposto do lago. Contemplavam-nos de longe com osolhos voltados para o cho. Temiam talvez contemplar-nos.

    Compacta multido de seres irreconhecveis aos homens da Terra. Fisionomiaspatibulares e angustiadas.

  • Silenciosos, profundamente silenciosos. Os ps mergulhavam no charco formadopelas guas do lago que ali formava uma espcie de praia.

    - Aqueles, mais do que estes, disse o Grande Esprito - anseiam por reencarnar naSuperfcie. No esto no Templo da Inconscincia ainda e por isso compreendem queretornar ao mundo em corpo de carne como respirar um pouco de oxignio puro. Areencarnao, meu filho, bno de Deus e oportunidade divina. A conquista de umcorpo na Terra concesso pouco compreendida pelo homem. A permanncia no seiodessa horda que voc v que levou muita gente a acreditar no Inferno Eterno.Dante foi claro mas os homens e os frades de seu tempo com as mos do Dragodeturparam-lhe a obra.

    Cabe-nos a tarefa de contribuir para o restabelecimento da verdade.- Eu quero! Eu quero! - bradou urna voz do outro lado do lago, interrompendo-nos

    a meditao.- O que queres? - perguntou Orcus.- Quero voltar! - ajuda-me.- Eu quero! Eu quero! Eu quero! - gritaram milhares de vozes enchendo o abismo

    de rumor de ondas de oceano que semelhavam quebrar em praias distantes...Depois, gritos horrveis e tristonhos de angstia sem fim sucederam-se aos

    primeiros berros.Gemidos lancinantes, uivos, gargalhadas e choros de verdadeiros loucos.- Deixa-nos voltar Superfcie! Deixa-nos, Anjo do Abismo!Encheram-se-me os olhos novamente de lgrimas.Orcus deteve-se tambm cheio de palidez e tristeza como quem desejasse fazer

    alguma coisa e no pudesse.Vi-lhe o corao cortado por mil dores e a alma cheia de compaixo.De repente, porm, um vozerio diferente sucedeu ao tumulto anterior. Estalos

    estranhos, como se chicotes de capataz azorragassem escravos na senzala.Raios cortaram o espao e a onda "sub-humana" recuou espavorida...- O que isso? - interroguei assustado.

    - So os drages - esclareceu Orcus. Os terrveis drages, perversas entidades quegovernam estes ermos com intensa crueldade. Incapazes de cumprir as leis de Deus,organizam-se para o Mal. Escravizam e fazem sofrer.

    Quedei-me com o corao a bater descompassado.O vozerio, ao som da vergasta, desapareceu nas trevas mais profundas. Voltei a

    contemplar o lago. L estavam aquelas caras estranhas a me olharem estranhamente...

    13. O IMPRIO DOS DRAGESComeamos a sentir os primeiros sinais do Imprio dos Drages - disse Orcus.

    Alm destas zonas mandam eles, por Misericrdia Divina.No entendi bem, porque Orcus contemplou-me como um pai a um filho e ensinou:- Tudo que ocorre no Universo depende da Misericrdia Divina.- Mesmo o mal?- Mesmo o mal. Deus no violenta conscincias nem constrange ningum.

    Organizou as suas leis que governam os fenmenos naturais de todo o Universo edentro delas os seres se movem. O mal a ausncia de bem. No entanto, o mal

  • apenas resultado da inconscincia das criaturas. Os drages vivem porque as leisdivinas permitem que eles vivam e fazem sofrer porque as leis divinas permitem quefaam sofrer. Um dia, a fora mesma da lei, os arrastar de novo superfcie parasofrer por sua vez e viver.

    Como seriam os drages?Enquanto Orcus me ensinava, meu pensamento percorria outros caminhos.Ele percebeu porque esclareceu logo:- So seres maus, perversos, terrveis. Endurecidos por muitos milnios de

    maldade. Isto aqui um verdadeiro inferno mas no Inferno Eterno. S o Bem podeser eterno. O mal no. O mal ausncia de bem assim como a sombra somente ousimplesmente ausncia da luz.

    Fiquei ouvindo no ntimo de mim mesmo aquelas palavras sbias. O silncioenchera agora as naves do abismo. Parecia que tudo emudecera.

    Voltramos a ser outra vez criaturas solitrias e insignificantes em face daquelaspenhas e daquelas profundidades. L em cima, Gabriel governava silencioso e fiel.

    Olhei-o. Uma espcie de vertigem atingiu-me a alma.Tinha a impresso que o abismo era em cima e no onde estvamos. A distncia

    esmagava-nos.O Anjo cintilava ainda como estrela solitria.Imensa ave de asas espalmadas com um sol de Deus.Ouvimos, no entanto, um rugido ensurdecedor. Estremeceu o abismo e todo som,

    toda palavra ou todo o pensamento silenciara ao estertor daquele grito desumano. Sentio corao esmagado por um terror indizvel. Devo ter empalidecido porque Orcus meabraou e disse:

    - No se aterrorize. o Drago.No pude responder nem interrogar. Parecia-me que outra morte, mais terrvel e

    mais pungente me destruiria a vida. Aquele grito estava cheio de vibraes terrorizantese penetrara-me as fibras mais ntimas do ser.

    Contudo caminhvamos ao seu encontro.A princpio uma sombra mais espessa encheu o abismo para logo em seguida uma

    claridade maior nos atingir. Gabriel enviava-nos maior soma de luminosidade e a nossosps seres estranhos exibiam as faces cadavricas e patibulares. reunidos comocrocodilos inofensivos e apalermados.

    Olhei-os estarrecido. Homens-monstros e homens-feras como que magnetizadospela "Luz" arrastaram-se nas reentrncias do caminho solitrio.

    A voz estentrica do Drago talvez lhes tivesse paralisado a ao porque algunsofereciam olhares aterrorizados e tristes como se houvessem recebido em cheio emplena alma punhaladas de infinita dor.

    Se quisssemos poderamos afag-los com a mo como se fossem animaisdomsticos inofensivos. Mas observei que assim que acabvamos de passar por eles,uma onda de gritos, uivos e expresses de revolta nascia no meio deles.

    Voltando-me para v-los, contemplei-os em luta uns caro os outrosentredevorando-se como ces.

    Eram um bando de feras momentaneamente paralisados pela Luz ou imobilizadospelo terror do Drago.

  • 14. LEGIOamos prosseguir quando ouvimos os sons de uma espcie de batalho que

    marchava.A cinqenta metros abaixo de ns, numa praa aberta, em formao militar,

    criaturas que lembravam os soldados egpcios, de saiote e de capacete, marchavam emdireo ao fundo da praa. Notei-lhes as fisionomias de cor amarelada terrosa e o olharfixo como sonmbulos que cumprissem fielmente uma obrigao.

    Bem formados, obedeciam a um chefe e deveriam se constituir de cerca dequinhentos "homens" mais ou menos.

    A frente dois deles sopesavam pequeno cofre apoiado em um estrado cujascintilaes metlicas lembravam o ouro, porm avermelhado.

    - O que levam naquela caixa? - perguntei.- Os pergaminhos da sua lei - informou Orcus.Imitam os Judeus do Templo de Jerusalm. Aquilo simboliza a arca. Alis, no Egito

    Antigo tambm era assim. E pela Lei se dirigem. Mas quem faz essa lei o ser a quemchamamos Drago e que a Igreja denomina Lcifer. No momento, est prisioneiro,acorrentado, no centro da praa. Olhe l e veja bem que no centro mesmo dessa praaonde se observa uma espcie de "fonte luminosa" existe algum acorrentado.

    Procurei contemplar e observar melhor e quedei-me assombrado.Sob pesadas correntes, um ser como jamais foi dado ver a criaturas da superfcie

    da Terra ali se encontrava prisioneiro. Conquanto a fisionomia lembrasse a fisionomiade um homem ou de um esprito de forma humana, estava to distanciado de nossaespcie quanto um dinossauro de um homem. Descomunal, perna que lembravamcolunas de um edifcio, ps que mediam muitos metros de altura, braos cabeludos,embora de pele amarelada e ao mesmo tempo esfogueada, rosto enorme de mais dequinze metros onde dois olhos maus lanavam chamas.

    As vezes uivava ou gemia.- Porque no arrebenta as correntes - indaguei.- O Senhor no permite. Contudo lhe foi concedido por Deus certo tempo de

    liberdade e em breve reinar livre das amarras com permisso divina.Fiquei paralisado. Aquele monstro libertar-se?Como? Seria possvel?- Sim. Deus em Sua Misericrdia lhe dar oportunidade para redimir-se. Segundo

    estamos informados ter a concesso de subir em breve tempo superfcie da Terra eestabelecer uma luta contra o Bem durante mil dias (1). Depois, ser vencido. Oshomens ficaro nessa poca entregues ao seu livre arbtrio, exclusivamente a ele.Apenas os bons espritos os ampararo distncia. Isto se dar porque nessa ocasio ohomem decidir o destino do Mundo. Os que forem verdadeiramente bons subiro aregies mais altas de conscincia e os que somente "parecerem bons" rolaro nosabismos da inconscincia.

    - Mas isso no uma temeridade, um mal?- Deus permite o que chamamos o mal para que muitos melhorem. A presena do

    drago por em risco apenas aqueles que ainda no consolidaram o bem em si mesmos.- E o Drago o que lucra com isso?

  • - Sua conscincia culpada ter oportunidade de aproveitar a experincia humanaassim como receber da Terra vibraes transformadoras que h milnios o homemlana na superfcie. Os drages tambm fazem parte da criao divina. A parte maisembrutecida da Terra. Lembram os mamutes, os brontosauros e os surios. So anatureza primitiva que retm os elementos primrios e embrionrios de nosso sistema.

    (1) No nos foi permitido pelo Plano Superior esclarecer a significao ou espaode tempo designado por "mil dias". (Nota do Orientador Espiritual).

    15. O MONSTROObservei que o batalho estacou e que algumas daquelas criaturas foram se

    prostrar aos ps do monstro. Rendiam ou pareciam render-lhe humildemente cultocomo se ele fosse um Deus.

    Orcus passou-me a destra frente aos olhos e senti que minhas percepes seampliaram grandemente como se eu, de sbito, colocara poderoso binculo. Passei av-los de perto, como se estivessem ao alcance de minhas mos. Recuei aterrado.Aqueles espritos possuam um s e nico olho em plena testa e a fisionomia cansadalembrava animais antediluvianos. A pele terrosa semelhava couro endurecido e spero.O olho era grande e a pupila fixa exibia raios de sangue em todas as direes.

    O Drago pareceu sorrir satisfeito e acalmou. Tive a impresso que falava-lhesuma lngua estranha, talvez por gesto porque todos se curvaram. Logo depois,prorrompeu um alarido ensurdecedor.

    De toda a parte ento, como se sassem das prprias rochas, saltaram criaturasesquisitas, de todas as formas e feies e foram se ajoelhar contritas na praa.

    Vi seres que se arrastavam dolorosamente na nsia de se aproximarem o maispossvel. Cobras e largatos, macacoides e aves negras que se dirigiam para o Drago afim de lhe prestar homenagem.

    Acreditei que toda a criao inferior do mundo ali se reunia sob a fora depoderoso magnetismo. O ambiente encheu-se de um medonho mistrio e nvoasatordoantes levantaram-se do solo como se ali se houvesse aberto um pantanal.

    De repente, por mais estranho que parea, o monstro elevou a voz e eu pudeentend-lo simplesmente pela linguagem do pensamento.

    - Filhos dos Drages! - bradou ele - a nossa hora se aproxima. H sculos espero,acorrentado aqui, prisioneiro e escravo desse que se diz Senhor da Vida espera dalibertao. Mas um dia haveremos de vencer. Em breve, liberto, comandareipessoalmente as nossas hostes e ento invadiremos a superfcie.

    Um alarido estentrico sucedeu s suas palavras.Aqueles seres apticos, terrosos e automatizados grunhiram nas profundezas dos

    abismos e elevaram vozes desumanas em frenticos clamores de alegria.- Venceremos! venceremos! - clamaram eles.- Sairei para a luz do sol - continuou o Drago e aprisionaremos as almas que nos

    pertencem, pois os filhos do crime por direito divino so propriedade dos Drages!Novo clamor de contentamento se elevou da multido. Os espritos militarizados

    batiam com os ps no solo fazendo coro multido oculta por entre as pedras.

  • - Aguardem! Aguardem, filhos das Trevas. Combateremos a Luz e haveremos devenc-la!

    Bem no dissera ele isso e uma rajada de luz em catadupas desceu do altoensolarando o Abismo.

    Gritaria ensurdecedora respondeu quela demonstrao do Mundo Superior,todavia espavoridos aqueles milhares de espritos possuidores das mais estranhasformas atiraram-se uns contra os outros em corrida louca para se esconderem naescurido.

    Gabriel talvez ouvindo a arenga do Drago enviara-nos a sua luz e o seu poder.E aqueles seres infelizes e inferiores sentiam-se queimar e cegar-se ao contato da

    luminosidade sublime do Anjo.Desesperados chocavam-se nas trevas e mergulhavam nas reentrncias e nas

    fendas como animais desorientados que houvessem perdido a noo de dignidade e deamor prprio.

    Na praa, em pouco, permanecia somente o Drago, vencido e despeitado, voltadopara o cho, sofrendo a cruel amargura da derrota.

    Assim mesmo murmurou:- s forte e poderoso, Anjo do Abismo, mas no te temo. Liberto, subirei para

    lutar!Punhos fechados, fez um gesto de desafio para o Alto.Orcus concentrou-se, porm, cheio de humildade no silncio da orao.

    16. PELAS TREVAS MAIS DENSASA escurido voltou a dominar o Abismo.Embuados nas trevas, prosseguimos nossa jornada no seio da Terra.O silncio sucedera ao tumulto.Sbito, um ser estranho e terrvel se atravessou em nosso caminho. Possua asas

    longas e corpo de lagarto. Enorme e repelente.Olhei-o assombrado. Era um verdadeiro Drago com a forma tradicional que a

    mente humana representa na Terra.Uma lngua fina e vitratil saa-lhe da boca e dois olhos chamejantes lanavam

    chispas.Seria um ser inteligente ou era de fato um simples animal sem conscincia?Eu estava enganado. Encarou-nos de frente e obstruindo-nos a passagem

    exclamou, numa linguagem mental semelhante que fora usada pelo "rei acorrentado":- O que quereis em nossos domnios? No temeis, criaturas infelizes?Orcus olhou e disse:- Afasta-te, irmo, ns somos filhos do Cordeiro e buscamos as profundidades para

    aprender e progredir!O animal afastou-se aterrado e, aps, lanando um grito bestial atirou-se nas

    profundezas. Um arrepio percorreu-me a alma. Contemplei os penhascos e senti-meimensamente s.

    Orcus compreendeu-me a indeciso e a luta ntima porque me falou:

  • - realmente, esse, um esprito terrvel que exibe a forma tradicional do Dragoconhecido pelos homens. Aqui, encontraremos a cada passo espritos envergandoformas animalescas que vivem no abismo.

    Aqueles que fogem luz do sol encontram ainda assim em Deus a misericrdia e oamparo. Descem aos abismos de sombra metamorfoseando-se na decadncia ou nadegenerescncia da forma. Embora o esprito no retrograde, a forma contudo,degrada-se quando a mente estaciona no mal ou no pecado. Poder o perisprito atdesintegrar e a mente, quem sabe, tambm poder atingir os limites da desintegrao?

    A nossos ps comecei a perceber olhos estranhos que pareciam fincados na terra e"feies patibulares" refletiam-se no solo. De repente, senti que por toda a parte umalegio de seres diablicos acompanhavam nossos passos e o meu corao encheu-se detemor. Valeria pena descer mais?

    Orcus, paternalmente, beijou-me a fronte e afagou-me carinhosamente.- Nada tema. O Senhor est conosco. As trevas no prevalecero contra a luz e o

    Mal no vencer o Bem jamais. Esses seres que habitam o Abismo so de fato criaturasque "desceram em si mesmas at o fundo dos abismos mais insondveis". Perderam ocontrole da mente consciente e caminham na descida vertiginosa. Passaro numaespcie de retrospecto pela fieira da animalidade atravs da qual um dia ascendero aestgios superiores da conscincia. Cairo, contudo, provavelmente, no se perdero.Nos mais recuados infernos penetra a Bondade de Deus, nosso Pai, para salvar os queesto perdidos. ..

    Compreendi o quanto estava enganada a Igreja Catlica que embora identificandoo Verdadeiro Inferno, errara, considerando eternas as penas e sofrimentos por quehaveriam de passar os seres que se condenaram a si mesmos.

    Jesus tambm um dia descera aos abismos, aps a morte na Cruz, mas ali foragloriosamente numa demonstrao de Suprema humildade. Abracei-me a Orcus. L emcima numa distncia que se me afigurava sem limites, ficara o mundo.

    Como era bela a superfcie e como era suave a vida humana!Estaria ainda l em cima o meu pobre corpo fsico ou eu tambm agora era apenas

    uma sombra espiritual nos caminhos tenebrosos das quedas humanas ou espirituais?Sbito, defrontamos extensa muralha sobre a qual uma espcie de era gigantesca

    debruava-se recordando vegetaes seculares existentes na superfcie da Terra. Folhasgrossas e enormes parecendo orelhas de elefantes.

    Silncio sepulcral pairava sobre ela. O que haveria do lado de l? Notamos queestreita porta dava passagem na muralha. Um capim muito verde estendia-se a nossosps.

    Penetramos pela porta a dentro, rvores esparsas punham no ambiente umaestranha nostalgia. Grama e rvores semelhantes s da Terra, embora rvoresesquisitas de cor avermelhada enroscassem-se umas nas outras como se fossemcriaturas abraadas no supremo delrio.

    Habitao rstica, de pedra vulcnica, por onde vegetao luxuriante se agarrava,erguia suas paredes singelas.

    Batemos. Abriu-se uma porta. E um anjo de porte majestoso e fisionomiaimpressionantemente bela estendeu-nos a mo. Era um jovem de augusta beleza.

  • Tnica simples e difana e pele lirial. Seu rosto tambm no demonstrava sexo. Pareciaum jovem de idade eterna e parecia ao mesmo tempo um ser do sexo feminino.

    - Eu sou Atafon -, falou-nos ele com voz profundamente doce. E controlo oscaminhos do Abismo mais profundo.

    Entramos. L dentro, um verdadeiro lar nos esperava. Fiquei encantado. Jamaispoderia supor que onde Deus em sua misericrdia colocara os espritos do Mal, colocarapor sua vez para ampar-los, anjos do Paraso.

    17. ATAFONContemplei as linhas perfeitas de Atafon.Era como se eu visse uma figura irreal que tornara o ambiente j to fantstico

    mais irreal ainda. Perfeio absoluta para os meus olhos de esprito mortal.Olhou-me carinhosamente e perguntou a Orcus:- O nosso amigo, pelo que vejo, ainda desfruta das alegrias da reencarnao na

    Terra, no certo?- Sim. Respondeu Orcus. Permitiu o Senhor que descesse comigo ao fundo dos

    abismos. Tem compromissos milenares com a esfera fsica e com os abismos.Atafon pareceu compreender porque sorriu satisfeito e acrescentou:- Terei prazer em facultar a descida sob proteo aos Grandes Abismos. At

    certo ponto, eu mesmo os acompanharei. Contudo, de longe os "Guardas Abismais"vigiaro. Creio que o ltimo mortal que esteve em nossos domnios, tendo entrado pelaregio de leste foi Dante. Ningum mais veio.

    Senti terrvel choque ao ouvir essas palavras. Parecia-me imensa aresponsabilidade que caa sobre os meus ombros.

    - De fato, completou Orcus, mas a mensagem de Dante foi deturpada pelospadres, seus irmos, que desejavam adaptar o Abismo s suas necessidades maisimediatas. Pretendemos reavivar de maneira gradativa os conhecimentos terrestressobre as zonas do Abismo.

    Um vento frio comeou a soprar l fora e uma onda imensa de queixumesperpassava neles. Embora as paredes do lar de Atafon abafassem os sons, ainda assim,ouvamos.

    - So os lamentos das almas desesperadas, disse ele, que atravs da acstica dospenhascos vm at ns.

    Esse vento frio o Teon. Sopra s mesmas horas todos os dias e dessa formapodem os infelizes que habitam estas zonas ter uma idia de tempo, como se fosse umrelgio.

    Retornando sempre aps o mesmo espao de tempo estabeleceu uma certamedida para os espritos que aqui habitam de modo a que se consolem. A incapacidadepara medir o tempo uma das provas mais dolorosas destes abismos. A sensao de"eternidade na

    dor" produz em cada ser uma profunda angstia que desperta neles uma revoltacontra Deus...

    - A "fora da Lei" faz com que retomem pouco a pouco superfcie. No hinjustia de Deus nem a perda de "compreenso do tempo" um castigo. Os seres queno acionaram a mente no sentido da meditao e do trabalho cristo verdadeiros ou

  • espirituais tendem a estacionar no tempo e a cair no espao. Se prosseguem nessecaminho da inconscincia atingiro um dia a desintegrao do prprio organismoperispiritual...

    Eu j recebera algumas noes esparsas da Segunda Morte, por isso no mesurpreendi, mas fiquei temeroso.

    Atafon bateu-me no ombro com familiaridade e perguntou:- Onde est Orcindo?Diante dessa pergunta, ento, me surpreendi extraordinariamente. No me

    lembrava mais de Orcindo. Viera conosco ou no? Coisa estranha! Onde o deixramos?Um calafrio percorreu-me o organismo. Estaria eu j sob a influncia do Abismo eestaria perdendo tambm a noo de tempo?

    No saberia mais dizer quando deixara a superfcie. Pareciam-me sculos aquelashoras passadas no Abismo. Seriam horas?

    Orcus percebeu minha luta ntima porque disse:- No procure medir o tempo aqui. Para o esprito um minuto pode representar

    uma eternidade.Abracei-me a ele agradecido e duas grossas lgrimas rolaram-me dos olhos como

    se eu repousasse nos braos de meu pai.Atafon contemplou-nos carinhosamente e animou:- Nada temam. Descerei com vocs at s regies prximas do centro.Gabriel protege-nos de mais alto. Contudo, busquem orar sempre porque estamos

    em plenos domnios do Drago.

    18. OS "HOMENS"Com Atafon, a situao era diferente e a descida tornou-se mais fcil, apesar do

    adiantamento inegvel de Orcus.As sombras iluminavam-se passagem do Anjo e a luz que se irradiava de seu

    organismo era um verdadeiro arco-ris multicolorido. Um silncio profundo sucedia-se proporo que avanvamos. Sbito, comecei a ouvir em mim mesmo a voz dosilncio. Parecia-me que o silncio era feito de sons. Aquilo surpreendeu-me mais quetudo. Atafon sorriu.

    - Est ouvindo o silncio, meu caro? Se os homens compreendessem assurpresas do silncio no seriam to barulhentos.

    - O que isso que escuto? - perguntei-lhe.- Nada, meu filho. Na quietude destas profundidades, cessado o barulho exterior,

    voc passa a ouvir-se a si mesmo. O que voc est ouvindo a vibrao de seuprprio organismo perispiritual. voc que vibra intensamente em voc mesmo.So os sons da sua alma.

    Fiquei pensativo. Aquilo era realmente estranho mas era a verdade. Dentro de mimum som agudo vibrava intensamente.

    Orcus calara-se. A descida conquanto mais fcil, ainda assim oferecia perigos.Havia caminhos gelatinosos e escorregadios. De repente, divisamos na distncia figurasenormes semelhantes a navios encalhados no fundo do mar.

    Assustei-me.Atafon acalmou-nos com carinho.

  • - No se assustem. O que pensa voc que aquilo?Respondi-lhe:- Monstros estacionados no tempo e no espao.Atafon sorriu e Orcus deu uma risada alegre que retumbou em todo o Abismo.- Quando vim aqui pela primeira vez pensei a mesma coisa.No, no so monstros, meu amigo. Aquilo uma cidade subterrnea.- Uma cidade?!A voz sufocara-se-me na garganta.- Quer dizer que so prdios?- Sim. So prdios. Enormes construes de origem espiritual inferior.Envoltas pelas nvoas midas das profundidades, as torres dos prdios escuras,

    pontiagudas, elevavam-se no meio da neblina. Em torno, porm, um silncio de morte.- E l habitam seres?- Sim. Semelhantes aos homens, todavia, em pssimas condies espirituais.

    Prepare-se para ver o pior.Um arrepio percorreu-me o organismo. Teria eu foras para suportar essas vises

    do Abismo?Atafon compreendeu-me a luta interior. De seu organismo, na altura do corao,

    uma luz azul de maravilhosa pureza aflorou como uma rosa e em breves instantescomecei a receber-lhe os raios em pleno corao e na regio do crebro. Notei queOrcus por sua vez recebia os efeitos da luz. Uma calma divina penetrou-me a alma e amente pacificou-se como por encanto.

    Agora percebamos melhor as construes em estilo medieval em parte. O restoassemelhava-se de alguma forma aos palcios dos doges. Havia, contudo,agrupamentos de habitaes parecidas com as nossas favelas mais sujas. Enfim, umamistura de estilos e combinaes de arquitetura. Dir-se-ia que a loucura de algumdiablico arquiteto resolvera estabelecer ali a confuso de toda a arte do mundo.

    Atafon explicou:- Ali residem espritos de todas as qualidades e tipos. Artistas, poetas, escritores,

    pintores, engenheiros, homem comuns - se poderia ainda hoje classific-los deconformidade com suas atividades da poca em que estiveram na superfcie da Terra.H neles, porm, um sinal de identidade que lhes comum e que os rene no mesmolugar: - a indiferena Lei de Deus e a permanncia no mal. Isso que os rene.

    - E esto a? gaguejei.- Esto. Vocs os vero.Senti de novo aquele calafrio que me acompanhava desde a superfcie. Como

    seriam? - pensei.Orcus apertou-me a mo com carinho. O influxo da luz me reajustou. Estvamos

    agora atravessando os prticos da cidade. Havia um porto enorme em arco e julgueipor um momento ver ali a inscrio que Dante descrevera com tanta perfeio:

    "Deixai aqui toda esperana, vs que entrais".Mas no era.O que estava escrito era coisa diferente. Dizia apenas:"No amamos Deus.Nosso mestre o Drago".

  • Atafon sorriu com indulgncia.- Esses seres querem demonstrar o seu desprezo a Deus, com essa inscrio.

    Deus, todavia, h de am-los sempre at que um dia retornem ao domnio da Lei. Oque os homens e os espritos pensam de Deus nada representa para Ele que Paiamigo e justo e os aguardar de braos abertos at o final dos sculos.

    A habitam os espritos maus que ainda pensam que so homens.Aquela expresso de Atafon abalou-me profundamente o ser.- Porque no so mais "espritos de homens" e algum pode deixar de ser?Atafon contemplou-me com profundo amor no olhar.- O embrutecimento da criatura espiritual pode lev-la a perder as caractersticas

    de homens, que uma conquista superior do esprito que sobe. A animabilidade caracterstica do esprito que desce, que estaciona ou que est em evoluo.

    O ensinamento calara-me de maneira irrespondvel na mente e trouxera-meprofunda meditao.

    Agarrei com mais fora a mo de Orcus que caminhava junto comigo, amparando-me.Havamos chegado na cidade e o calamento das ruas lembraram-me uma das

    ruas das velhas cidades coloniais do Imprio Portugus.

    19. A CIDADE DO MALAs pedras eram escuras, as paredes das casas midas de uma umidade indefinvel.

    A gua escorria sem cessar e sem que se soubesse de onde vinha. Portas carcomidas,um hlito de morte e terror penetrava todas as coisas.

    Batemos na primeira casa. A porta entreaberta deixou ver uma criaturahorripilante que nos fitava desesperada. Cabelos desgrenhados e olhos esgazeados. Aface descarnada dava-nos a idia de algum dominado pela lepra. Era uma mulher.Desfigurada, s longinquamente nos lembraria um ser humano. Comeamos a perceberporque Atafon nos dissera que eram espritos maus que ainda pensam que sohomens..."

    A mulher no nos disse nada.Sabamos, no entanto, que havia nela o desespero sem nome.

    A luz de Atafon, provavelmente, deixara-a distncia e garantia-nos a visita.Retiramo-nos silenciosos.- Viu? - No lhe disse que se preparasse para o pior?Eu devia estar terrivelmente plido porque sentia-me tremer intensamente.Orcus abraou-me com afeio e dele uma corrente eletromagntica desprendeu-

    se alcanando-me todo o esprito.Prosseguimos os trs na ruela escura e ftida.- Se a humanidade soubesse o que existe aqui em baixo! - exclamei com um

    profundo suspiro.- A humanidade j foi informada do que existe - esclareceu Orcus -, o que ela

    acredita porm que isso constitui um inferno eterno. No h eternidade no Mal. A Leide Deus no fez o inferno eterno. O que existe so zonas infernais onde as conscinciasculpadas se renem atradas por imposio inexorvel da Lei de Afinidade. O espritosob o impulso da Lei de evoluo aperfeioa-se, adquire leveza e sobe. Da mesmaforma, se estaciona no mal, embrutece-se, torna-se pesado e desce. Essa uma lei

  • ainda desconhecida dos homens mas que funciona rigorosamente nos planos espirituaise tanto atinge o esprito encarnado quanto o desencarnado. o que poderamos chamarpeso especfico do perisprito. O responsvel, no entanto, por isso a mente. Quando amente abriga pensamentos de baixa vibrao determinam eles o nascimento desentimentos inferiores de natureza materializante que agem diretamente sobre os fiosque constituem a rede vibratria do perisprito produzindo correntes mais lentas o que otornar mais pesado e mais grosseiro. O fenmeno contrrio, isto , quando a menteabriga pensamentos de ordem superior ou de alta vibrao, nascem os sentimentos deprojeo superior que produzem correntes vibratrias mais velozes trazendo comoconseqncia direta maior leveza do perisprito. Como um balo, o esprito busca ento,as alturas espirituais ou desce s profundezas do abismo...

    Orcus calou-se. Uma interrogao pairava, contudo, no meu esprito. E depois...?- Depois, continuou Orcus - a lei da maternidade terrestre determina que o esprito

    que desceu s profundidades estacione nas trevas enquanto que a Terra em seu seioamoroso e amigo, como um enorme tero, lhe d novamente o impulso da vida que nocessa. E o esprito "cado" recomea a marcha de ascenso para alcanar um dia a luzda superfcie...

    As palavras de Orcus repercutiam ainda no meu ser como estranha sinfonia deensinamentos profundos.

    Minha mente lutava desesperada para compreender tudo aquilo que me pareciaum sonho fantstico e mau.

    Na sombra, percebamos que medida que avanvamos, seres esquisitos seescondiam nos ngulos mais escuros dos caminhos. Evidentemente a cidade inteira erahabitada. Atafon conduziu-nos por estreitos e terrveis caminhos. Uma abertura emrocha viva deu-nos passagem para extenso corredor mais mido ainda.

    Onde iramos ns?Orcus manteve-se silencioso e Atafon ganhando um pouco nossa frente deixou que

    de sbito suave luz de luar se lhe irradiasse do ser. Branda e pura, a luminosidadederramava-se-lhe dos tecidos como tnue claridade atravs de lmpada fluorescente.

    O caminho iluminou-se francamente mas de modo a permitir-nos a marcha emperfeita segurana.

    Orcus cochichou-me paternalmente:- Atafon est usando apenas um pouco mais de sua vibrao com o objetivo nico

    de facilitar nossa caminhada. Os seres inferiores, todavia, que habitam as trevas jsabem que estamos por aqui. Se Atafon usasse mais luz causaria enorme perturbaonestes domnios porque essas criaturas sentem-se queimar incidncia da luz.. Deresto, voc j viu isso...

    Compreendi o que Orcus me dizia. Realmente, era um fato impressionante aquele.Os espritos que vivem nas trevas e tm a treva em si mesmos no suportam a luz.Ofuscam-se e sofrem ao mesmo tempo queimaduras dolorosas. Por isso, imensocuidado mantm as entidades mais elevadas a fim de no surpreend-los com o seupoder. Assim como Deus, oculto no Infinito, no exibe escandalosamente a sua fora eo seu poder, tambm os espritos superiores envolvem na humildade o seuconhecimento e as suas conquistas. Ningum pode ou tem o direito de estabelecer adesordem na "Casa do Pai".

  • Jesus ensinou-nos a humildade de tal forma que o homem ainda no descobriu quenos mais longnquos recantos do Universo a humildade Lei.

    Lei de vida e evoluo, progresso e ascenso espiritual. Sem ela nada se conquistanas esferas da vida imortal.

    Continuamos penetrando atravs da rocha com Atafon frente.De repente, enorme salo, todo de rocha avermelhada como imensa fogueira

    descortinou-se-nos aos olhos. Uma figura estranha de ano com um s olho na testa,segurando nas mos poderosas enorme molho de chaves de mais de dois palmos detamanho cada uma, veio at ns. Aterrorizei-me e senti um apavorante impulso parafugir mas Atafon conteve-me com um gesto.

    A criatura aproximou-se-lhe humildemente.- Que quereis Anjo do Abismo? aqui estou para servir-vos.O ano vestia roupa de tecido semelhante ao couro.A cabea grande de macrocfalo, balanava-lhe nos ombros como um globo

    oscilante e os braos excessivamente longos contrastavam-lhe com o corpo curto. Aspernas grossas, no entanto, suportavam-lhe a esquisita estrutura.

    - Venho em visita de inspeo - disse Atafon e trago amigos.No pude conter um grito de terror. Pelos cantos da gruta mida, frouxamente

    iluminada por uma lanterna esverdeada, seres patibulares jaziam acorrentados.O ano mantinha as chaves daquelas correntes. Orcus abafou-me os soluos

    abraando-me com paternal amor.As lgrimas insopitveis saltavam-me dos olhos incontrolados. Era insuportvel

    aquela viso. Meus sentimentos ainda no submetidos a uma disciplina que capaz denos dar a compaixo sem o desvairamento traiam-me a condio inferior.

    O ano contemplou-me por um minuto como se estivesse em dvida mas apresena de Orcus e Atafon salvaram-me.

    Enquanto Atafon se adiantava para os seres horripilantes que estavam na sombraOrcus murmurou: - Se por ventura voc pudesse ter chegado aqui sozinho, as suaslgrimas que na superfcie so prova de sublimidade e amor, aqui seriam motivo paraque voc tambm fosse acorrentado junto com aquelas criaturas ali.

    Acompanhei com os olhos o gesto de Orcus expresso em sua mo estendida, erecebi em todo o meu organismo um arrepio medonho de pavor. Compreendi quenaquelas regies s duas condies credenciavam o esprito: ou imensa elevaoespiritual ou prodigioso atraso prximo da inconscincia. Os espritos de sublime posioeram respeitados e os espritos maus que governavam as trevas podiam se mover. Oresto era impiedosamente escravizado. Uma lgrima nos olhos era um sinal de perigo.Poderamos ser arrastados a sofrimentos inauditos. A serena superioridade dos quesabiam amar sem se perder mantinha os verdugos distncia. A fraqueza dossimplesmente bem intencionados no os amedrontava. Quo difcil me era aproximardaquelas criaturas acorrentadas! Um cheiro nauseabundo tresandava-lhes doorganismo. Os membros pareciam putrefatos e os olhos injetados perdidos na facesemelhavam duas plidas e pequeninas luas.

    Chamei a ateno de Orcus para o fato de possurem dois olhos. Orcus esclareceu:- Estes so espritos que desceram recentemente s profundezas deste abismo.

    Todavia, repare bem que trazem os olhos vidrados ou opacos. No possuem viso.

  • Gastaram os olhos na "Terra" naquilo que os homens poderiam denominar de"hipnotismo sensual".

    O desejo e a sensualidade exercida pelas vistas na nsia do desejo da mulher doprximo ou a aplicao do magnetismo visual para a conquista e amor de baixo padrodesgastam as fibras do perisprito e cega a criatura por muitos milnios. So cegos deamor e paixo.

    Quedei-me pensativo e silencioso. Nunca havia suposto l na superfcie que osolhos que ardem na paixo desenfreada dos sentidos estavam condenados destruio.

    O amor cheio de maldade destri o prprio veculo pelo qual se transmite.Orcus demonstrou com um olhar compreender minhas profundas reflexes e

    aduziu ao meu pensamento:- O que voc est pensando, meu filho, corresponde mais exata realidade,

    todavia bom esclarecer que o olhar carinhoso e amigo, verdadeiramente sincero,aplicado no amor verdadeiro que obedece ao cumprimento da Lei, constri pupilasluminosas para a imortalidade. a mesma lei que estabelece as probabilidades desubida e descida que estudamos anteriormente. O amor ao mal e s coisas da matriamaterializa. O amor ao bem e s coisas do esprito, espiritualiza.

    Tudo em toda a parte, toca-se de luz e sombra. A mesma energia depende apenasde direo. por isso que o Evangelho bssola...

    A observao judiciosa de Orcus calou-me fundo.Atafon dirigia-se mais para o interior e notei que se aproximava daquelas criaturas

    "descarnadas", expresso que usamos a fim de dar uma idia da condio delas.Verificamos que os seus perispritos, conquanto organismos de naturezaeletromagntica e infinitamente distanciados daquilo que chamamos carneapresentavam-se dilacerados exibindo membros onde faltavam pedaos enormes. Amaioria exibia rbitas vazias.

    E dizemos a maioria porque ali se alinhavam em verdadeira multido de algunsmilhares. O salo como imenso plat lembrava prodigiosa laje sobre a qual as criaturasinconscientes ou semiconscientes permaneciam abandonadas em um estado que se noera a morte tambm no era a vida.

    Uma mulher cujos membros dilacerados e enfraquecidos lembravam rvore seca,desgalhada, batida pela fria da tempestade, falou-nos ininteligivelmente.

    Paramos tentando ouvi-la.- Sabe quem essa? - interrogou Orcus.Olhei a mulher como quem contempla uma runa inimaginvel e no pude me

    recordar daquelas feies monstruosas. Quem seria?- A mulher de Csar...Meu olhar ansioso buscou Orcus. Quis saber mais.Ele compreendeu mas no me disse nada. Vi que no lhe convinha me revelar

    mais. Uma estranha fora, contudo, desde aquela hora me atraiu para aquela mulher.Teria sido eu aquele Csar? Qual deles?Tomei-me de compaixo.Orcus, porm, alertou-me.- Por mais tenhamos amado algum algumas vezes a criatura se lana em

    precipcios to profundos que nada podemos fazer em seu favor. S a Lei de Deus,

  • inexorvel, dura, mas misericordiosa, salva os que esto aparentemente perdidos. Cadaum se salva por si mesmo ao influxo da misericrdia do Pai. "Descer e subir" so forasda vida.

    Caminhei olhando para trs. Orcus arrastava-me pela mo. Entre os mulambos e ohorror daquela forma cada no mal eu sentia um corao que no me amara mas aquem eu sempre amei.

    - Voc no foi Csar - acrescentou Orcus - mas apenas algum que a amou. Elaque sempre sonhou com o esplendor das cortes e dos reinados, renunciando aoverdadeiro amor foi caindo, de queda em queda at o ponto que voc viu. Naquelesolhos vidrados e na sua inconscincia ainda sonha com as multides e com os palciosdos csares. Est coberta de ouro e prpura.

    Para ns, no entanto, s exibe podrido e lama. Contudo, um dia, retornar aoParaso. O Reino de Deus, meu filho, feito de simplicidade e amor. Os tesouros dessereino so apenas a afeio verdadeira e o amor imortal.

    Orcus cessou de falar. Atafon que se distanciara fez um aceno com a mo.Apressamo-nos.

    Um grupo de "homens" amontoados uns sobre os outros como uma pilha de capimou palha aguardava-nos para estudo. Pareciam esqueletos de formas patibulares.Embora no exibissem revestimento na ossada lisa, gemiam como se possussemgarganta e lngua. Estranhos gemidos saiam do monturo!

    Contemplamos o espetculo inaudito! Em meio ossada vozes murmuravampalavras de paixo e dor.

    - Que criaturas so essas? - perguntei profundamente surpreendido.- So os espritos daqueles que acreditaram firmemente que aps a morte nada

    restaria deles e seriam apenas esqueletos abandonados. To grande foi a mentalizaonesse sentido que adquiriram a forma que voc v.

    A resposta de Orcus de uma certa maneira deixou-me aterrorizado. Jamaisimaginara to grande a fora do pensamento.

    - Sentem-se eles realmente como se fossem esqueletos. O perisprito moldou-se nova forma e provavelmente se andassem pelo mundo seriam vistos por alguns comoassombraes em formas esquelticas. Muitos tm sado assim na superfcie...

    Um calafrio percorreu-me a coluna... Estava diante de fatos novos para mim.Nunca Dante me surgiu to respeitvel na conscincia. Compreendi o verdadeiro sentidode sua histria e fiquei imaginando quo enorme foi o seu sofrimento por no sercompreendido na superfcie da Terra. Acreditaram no mundo que ele houvesse sidosomente um artista. certo que ningum sups que o assunto de seus poemas fosseverdadeiro, real. Provavelmente, eu encontraria resistncia maior ou semelhante naCrosta. Valeria pena?

    - Quem serve por amor ao servio e tem a Deus por Pai e Jesus por irmo, nopode deter-se para informar-se se o que pensam os homens a seu respeito...

    - falou-me Orcus mansamente como que respondendo s minhas angustiosasinterrogaes mentais.

    Palavras sbias que eu no tentaria sequer discutir.Atafon prosseguia percorrendo o imenso rochedo onde os espritos infelizes fizeram

    por desgraa o seu ninho de sofrimento. Seres estranhos entremeavam-se quelas

  • formas. Alguns pareciam serpentes, lagartos e drages menores. Outros exibiam tohorrorosa fisionomia que os enfermos da superfcie ao lado deles seriam criaturas desublime beleza.

    Defrontramos agora uma infinidade de espritos que exibiam formas dilaceradas.Espantou-me o fato. Nem sempre possuam as pernas e os braos. Havia os que

    apenas apresentavam a cabea e o tronco.Estranho reunirem-se eles numa espcie de panela aberta no vasto rochedo em

    forma de prato. Aninhavam-se uns aos outros como crianas, dominados por um sonoinquieto. Misturavam-se, aconchegavam-se uns nos outros como que procurando calor.A maioria ostentava um crnio limpo, brilhante, sem cabelos; outros, apenas recobertopor uma penugem rala. A maioria lembrava crianas com a fisionomia de velhosmilenares cuja boca adquiria a feio de meninos que esto chupando bico. Os olhosfundos absolutamente fechados.

    Na realidade, eram seres voltados para dentro de si mesmos num esquisitomovimento mental interior.

    O exterior no lhes fazia conta e para eles deixara de existir.Semelhavam fetos amontoados no tero materno.No era a primeira vez que eu contemplava criaturas s quais faltavam membros,

    mas eram sempre homens da Terra. O fato de existirem espritos mutiladosimpressionava-me profundamente.

    Orcus no deixou de perceber-me as dificuldades internas e a luta do pensamentopara adaptar-se quela realidade nova.

    - De fato, meu caro, sempre chocante a observao detalhada da degradao daforma em qualquer reino da criatura no universo. O esprito no retrograda, todavia aforma tem possibilidade de desgastar-se, dilacerar-se e degradar-se at dissolver-se.Voc no se lembra do ensinamento relativamente Segunda Morte? O princpio no novo, como vemos, e foi expresso pessoalmente por nosso Excelso Mestre.

    Senti como terrvel impacto mental o lembrete de Orcus. No havia por onde fugir.- E isso a segunda morte? - interroguei visivelmente assustado.- No, esta ainda no a segunda morte mas poder ser encarada como a

    agonia...Compreendi a profundidade da observao.- Quer dizer que esses so enfermos a caminho da dissoluo perispiritual?- Se no reagirem a tempo, iro decaindo em si mesmos cada vez mais at

    atingirem os limites marcados pela Lei para a garantia da unio celular. A desintegraodo perisprito pode ocorrer tanto quanto ocorre no mundo a desintegrao do corpofsico. A lei que rege a unio celular perispiritual a mesma, apenas funciona demaneira diferente. Enquanto que o corpo fsico vive submetido ao equilbrio daalimentao constituda por alimentos comuns e oxignio e a sua manuteno dependesomente de um processo da vida, o perisprito que o intermedirio na aglutinaocelular do corpo fsico que o garante, por sua vez mantm-se unicamente pelo poder damente. O desvario mental inicia a destruio do perisprito assim como a elevao damente d incio jornada de construo no s do prprio perisprito mas tambm deveculos mais elevados. A criatura constri ou destri-se a si mesma.

  • Orcus fitou-me amoroso e o meu pensamento sob o influxo do poder de suapalavra sbia galopou no terreno da meditao pura.

    As formas ali estavam a nossos ps, dilaceradas, mutiladas, horrveis...E haviam sido "homens" talvez belos e venturosos, um dia, na superfcie!Na realidade em nosso mundo, os homens sonhavam com o cu, mas aqueles ali seriamimensamente felizes se pudessem simplesmente atingir a superfcie da crosta terrestre.Todavia, ainda estavam descendo. E quantos no mundo, distrados e insensatosestavam iniciando a descida para a destruio total ou parcial?

    Descer e subir so problemas de direo... - dissera Orcus. De fato, compreendiaeu agora a sabedoria da assertiva.

    S descendo sombra mais espessa que poderemos entender a luz. Atafon, noentanto, prosseguia, e por isso no pudemos nos deter.

    20. A AVEEnquanto caminhvamos na plataforma de pedra, observamos que uma sombra

    esquisita parecia nos acompanhar. Atafon fez-nos um gesto discreto indicando-nos anecessidade de manter silncio e prosseguir com coragem. Confesso que no me sentiamuito seguro e que minhas pernas tremiam.

    Contornvamos extenso lago de guas prateadas.O rochedo alto, projetava-se sobre o lago assustadoramente. Provavelmente,

    deveramos parecer na distncia infinitamente pequenos.ramos trs criaturas insignificantes sobre imenso rochedo, apesar da enorme

    estatura de Atafon e de Orcus. Os seres respeitavam-nos mas a natureza ali, sombria efantstica, criava tudo de modo descomunal.

    Precipcios sem fim, escarpas perigosas, umidade capaz de arrastar adespenhadeiros. S a luminosidade de Atafon e Orcus clareava as sombras. O anoseguia-nos conduzindo uma espcie de lanterna semelhante quelas que os lanterneirosusam nas estaes de estrada de ferro. Marchava arrastado, porm respeitoso.

    Via-se que estava submetido e escravizado ao magnetismo de Atafon que exerciasobre ele enorme poder. Era uma criatura apavorante. Fcies que lembrava o gorilaantropide, ancestral do homem. Olhar vidrado, parado, face terrosa.

    A luz de sua lanterna mal daria para clarear-lhe os passos. Parecia, no entantoenxergar perfeitamente nas trevas.

    - Essas criaturas - falou-nos Atafon - acostumaram-se s trevas e enxergam comfacilidade nos abismos. Vivem na sombra e amam a sombra. Por isso, no os inquietaaquilo que para os mortais seria o pavor e a morte.

    O vulto, do outro lado do lago, acompanhava-nos silenciosamente. De sbito,ouvimos um grito medonho que reboou multiplicado muitas vezes pelo eco naimensido dos penhascos. Parei estarrecido. Era uma voz de ave e de animal ante-diluviano. Sufocado pelo terror no pude andar um passo. Um frio intenso percorreu-metodo o organismo. Orcus amparou-me carinhoso e Atafon estendeu a mo espalmadaem direo ao lago. Vibraes magnticas partiram-lhe dos dedos distendidos comofagulhas eltricas de um prodigioso maarico. As sombras sobre o lago iluminaram-se ens vimos quela luz verde-azulada um enorme monstro que atravs de dois olhos defogo nos contemplava. Deveria ter mais de cem metros de altura minha viso

  • assombrada. No sabia eu se o seu tamanho era natural assim ou se minhas pupilasdilatadas causavam-me angustiosa alucinao. Preto, mais preto que todas as noites.Era uma ave gigantesca. Asas negras enormes, peito descomunal, bico como duas psde moinho, olhos qual duas fogueiras. Uma pele cascorenta semelhante pele querecobre o bico dos perus recobria-lhe o bico e descia-lhe pelo pescoo semi-pelado.Lembrava um enorme corvo. Em sua fisionomia, no entanto, estarrecedoramente,percebiam-se os traos de um ser humano. Os ps de grandes dimenses por sua vezrecordavam longiquamente as mos humanas. Crescia a minha angstia sem limites.

    A distncia, porm, entre ns e ele era extensssima. O lago garantia-nos aimunidade mesmo se ali no estivesse Atafon.

    As centelhas precipitadas e projetadas pelas mos do Grande Espritoatravessavam a extenso do lago e atingiam a criatura em pleno peito na regio docorao e entravam-lhe pelos olhos maus. Recebendo-as, aquietou-se silencioso aonosso olhar.

    - Esse que vocs vm foi na Terra um monstro sem entranhas que destruiumilhes de criaturas na conquista do poder - explicou Atafon. As civilizaes antigasguardaram o seu nome como o de uma fera indomvel. Nasceu e renasceu enquanto amisericrdia divina lhe permitiu as maravilhosas oportunidades de reingresso na carneabenoada. Depois, comeou a cair por fora da lei at que a prpria forma lhe tomouas feies do pensamento tenebroso. Manteve a fora dos conquistadores e das feras, eo porte da ave que sonha voar e governar de cima. terrivelmente temido nestasregies. Todavia, se a forma que a lei lhe permitiu agora no o despertar para aascenso continuar caindo mais, de forma em forma degradada at o fim...

    As palavras do anjo vibraram com estranhos acentos em minha alma. Contempleio monstro numa nsia sem limites de saber quem fora ele na Terra, Orcus contudosegredou-me:

    - No temos permisso da Lei para revelar essas criaturas, to grande atransformao que apresentam. A revelao simples e pura das personalidades queanimaram na superfcie causaria tal impacto mental ao homem que vo seria o nossoservio. A prudncia nessas regies a melhor garantia para o cado. Se os homenssoubessem o seu nome sintonizar-se-iam com ele no campo da vibrao, emitindo erecebendo, e em breve o monstro tambm vibraria em direo superfcie, de talmaneira que no demoraria o mundo a sentir-lhe as imensas perturbaes em forma deterremotos, guerras e desordens sem nome. No aterrorizou-se voc apenas com o seugrito?

    A interrogao de Orcus calou-me fundo no esprito j to abalado. Seria eu capazde prosseguir em marcha?

    Orcus identificando-me as indagaes, acrescentou:- No se esquea, meu filho, que estamos somente no limiar dos abismos... No

    pretendemos de uma s vez sobrecarregar-lhe a mente desacostumada s imagenspouco comuns.

    21. OUTRAS CRIATURASA grande ave abria e fechava o bico enorme se deglutisse alguma coisa.

  • Tnhamos a impresso de que o cansao dominava-lhe o organismo. Todavia,Orcus esclareceu:

    - Nestas profundezas, os seres que aqui residem quase sempre sentem-seansiados pela atmosfera asfixiante e de baixa vibrao. Embora ferozes, maus edesvairados, no conseguem sobrepor-se s foras da natureza...

    - No obstante - aduziu Atafon que ainda mantinha a mo estendida em direo aopssaro - esses grandes seres do mal expedem instrues para a superfcie atravs deoutras criaturas que l em cima lhes cumprem as ordens rigorosamente acreditando-seinstrumentos da Grande Justia. Interferem na vida humana e de certa forma justificama teoria de que o diabo disputa a alma do homem. De resto, em quase todas asreligies antigas encontramos referncias luta entre o Bem e o Mal, desde a Babilniaat ndia. Nas anotaes relacionadas com a histria de Krishna e com os estudos quefalam de Vichn e de Ormuz, encontraremos sempre a luta entre o Bem e o Mal numaperfeita constante. Espritos de menor porte que ainda vivem na atmosfera da Crostaterrestre recebem-lhes as advertncias e cumprem-lhes as ordens.

    lgico que dentro do esquema divino por efeito das leis de Deus tudo seenquadra na Justia Divina. Acontece, porm, que o que poderia ser feito com amorrealiza-se simplesmente com excessiva justia.

    Atafon silenciou e ns, assombrados, notamos que de sbito o bicho abriu o bicode maneira diferente e uma voz cavernosa pareceu sair-lhe em pleno peito.

    - Que desejais em nossos domnios, Anjo do Abismo?No sabeis que nestas trevas governamos ns, os filhos dos Drages? Porque

    perturbai-nos o trabalho pacfico em prol da Justia do Mundo?Senti-me gelar. Orcus agarrou-me mais firme no brao como quem compreende a

    minha situao interior.Atafon demorou algum tempo a responder, depois clamou com voz argentina por

    cima do lago:- Como filhos do Cordeiro e Guardio dos Abismos, fazemos uma viagem de

    estudos e aprendizado.Compete-nos informar s esferas mais altas de que maneira est sendo aplicada a

    justia nestes rinces.Nosso dever nos impe o trabalho. Se vs aplicais a justia, cabe a mim e a outros

    guardies fiscaliz-la.Representamos, tambm, de alguma forma a Vontade de Deus nestas

    profundidades.O pssaro deu-nos a idia de que estava satisfeito com a resposta. Contudo

    bocejou estranhamente. Pareceu-nos que pequenas chamas saltavam-lhe da boca.Seria luz?Aps, voltou a dizer:- Compreendo e acato as ordens de cima, das Esferas que governam o Orbe e os

    Abismos, respeito-o como guarda-abismal, mas e essas criaturas que o acompanham?Que direito tm de penetrar em nossos domnios? J venceram elas o bem e o mal, jalcanaram possibilidades superiores?

    Um grande silncio se fez.

  • - Porque ento vm nos perturbar desrespeitando nossas leis - continuou maisferoz agora em seguida pausa sem resposta.

    Atafon voltou, no entanto, sereno e humilde.- Receberam ordens superiores para visitar os abismos em viagem de estudo. Foi-

    lhes permitido percorrer estas regies e anotar relacionando o trabalho da Justia quese exerce atravs dos Drages para conhecimento dos homens.

    A palavra de Atafon pareceu tocar-lhe a vaidade e o orgulho porque tivemos aimpresso estranha de que atrs do bico prodigioso e em plenos olhos havia um sorrisode gosto e de alegria.

    - Bom, se esto credenciados para contar ao Mundo a obra notvel que os Dragesrealizam no fundo da Terra para harmonia da Criao - nada temos a dizer e nemfaremos um gesto para impedir. Podeis percorrer os domnios que esto sob minharesponsabilidade e que o domnio dos seres que j conquistaram poder para dominare asas que nos libertam do solo.

    Assombrei-me com a interpretao sibilina que aquela criatura procurava dar desua escravido na forma.

    - Eles no admitem - segredou-me Orcus - de maneira alguma que estejam sedegradando na forma pela permanncia na imantao do mal. Querem fazer crer que obico, os olhos de fogo, as asas negras, os ps semi-humanos e tudo o mais soconquista gloriosa. No vm a prpria forma destorcida como um crcere chaguento eterrvel. Sonham que so seres que adquiriram maiores possibilidades. Com essepensamento adaptam-se s novas condies de vida nestas zonas infernais.

    Era espantoso tudo aquilo! No entanto, passamos a compreender que Deus emSua Misericrdia permite que os seres adaptem a prpria conscincia ao ambiente ondevivem a fim de que no se desesperem ainda mais no caminho da dissoluo.

    Orcus aplaudiu-me o raciocnio. Eu no cabia em mim mesmo de espanto eadmirao ante a ave que fala.

    - H muitos seres alados como esse por aqui? - interroguei Orcus - ansiosamente.Atafon, porm, respondeu-me:- Uma infinidade. Tudo na obra de Deus grandioso. Existem aos milhes e o

    Abismo por sua vez subdividido em um nmero muito grande de departamentos.Dante identificou nove crculos principais na zona leste. Acreditou que houvesse visitadotodo o Abismo! Na realidade no percorreu nem um tero destas zonas. Deveria voltar.No entanto, to grande foi a celeuma que levantou em seu tempo que as EntidadesSuperiores consideraram que o Homem Terrestre ainda no possua condiesespirituais para saber mais. E as suas viagens foram definitivamente encerradas. Eleque era escritor e mdium ao mesmo tempo, retornou ento simplesmente suaatividade de escritor que exerceu at morte, passando a escrever somente sobrecoisas do mundo.

    Atafon silenciou e eu fiquei meditando no apontamento cheio de sabedoria que meindicava a dualidade da natureza do poeta florentino. Em verdade, pareceu-me sensatoque pudesse ele exercer com idoneidade os dois ministrios.

    Continuamos penetrando na regio dos abismos.Um cheiro nauseabundo invadia agora nossas narinas. Exalaes ftidas subiam

    das cavidades e o estreito caminho ora percorrido semelhava mais um corredor

  • apertado dentro do qual nos mantnhamos prisioneiros. Deixamos o rochedo extenso ehavamos,

    terra a dentro, tomado uma direo que mais ainda nos conduzia a profundidades.Provavelmente, pouca gente na "terra" acreditaria em semelhantes construessubterrneas. O calor ali se fazia sentir de maneira sensvel. Pela primeira vez notei que proporo que descamos o calor mais nos sufocava. Era tanto mais estranho vistoque at aquele momento havamos gozado de uma temperatura que se no era tpidapelo menos era suportvel.

    No sofreramos ainda variao de temperatura.Orcus orientou-me:- Meu filho, aquela teoria terrestre de que o calor subte